A Construção Social Da Qualificação Dos Trabalhadores Da Construção Civil de Belo Horizonte
-
Upload
tomasiantonio -
Category
Documents
-
view
60 -
download
0
Transcript of A Construção Social Da Qualificação Dos Trabalhadores Da Construção Civil de Belo Horizonte
-
A CONSTRUO SOCIAL DA QUALIFICAO DOS
TRABALHADORES DA CONSTRUO CIVIL DE BELO HORIZONTE: ESTUDO SOBRE OS MESTRES-DE-OBRAS
(Relatrio de Pesquisa)
Antnio de Pdua Nunes Tomasi
Pesquisa desenvolvida com recursos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico
CNPq
dez./1999
-
A CONSTRUO SOCIAL DA QUALIFICAO DOS TRABALHADORES DA
CONSTRUO CIVIL DE BELO HORIZONTE: ESTUDO SOBRE OS MESTRES-DE-
OBRAS
NDICE
Introduo
PARTE I
CAPTULO 1 - O CONTEXTO GERAL DA CONSTRUO CIVIL
1.1) O canteiro de obras
1.2) A evoluo da Construo Civil e sua importncia scio-econmica
1.3) A heterogeneidade da Construo Civil.
1.4) A especificidade da Construo Civil.
1.5) As formas de gesto da mo-de-obra
1.6) O perfil da mo-de-obra da Construo Civil.
1.6.1) A Construo Civil brasileira
1.6.2) O subsetor Edificaes
1.6.3) Grau de instruo dos trabalhadores empregados no subsetor
Edificaes no Brasil.
1.6.4) Grau de instruo dos trabalhadores empregados no subsetor
Edificaes em Minas Gerais.
1.6.5) Grau de instruo dos trabalhadores empregados no subsetor
Edificaes na Regio Metropolitana de Belo Horizonte.
1.6.6) Faixa etria dos trabalhadores empregados no subsetor edificaes, no
Brasil.
1.6.7) Faixa etria dos trabalhadores empregados no subsetor edificaes,
em Minas Gerais.
1.6.8) Faixa etria dos trabalhadores empregados no subsetor edificaes, na
Regio Metropolitana de Belo Horizonte.
1.7) As condies de trabalho
CAPTULO 2 - A QUALIFICAO DO TRABALHADOR DA CONSTRUO CIVIL
2.1) A experincia como elemento constitutivo e fundamental da formao "sur le
tas".
2.2) A psicopedagogia como elemento constitutivo e fundamental da formao
escolar.
2.3) A qualificao
2.4) O saber, o saber-fazer e o saber ser.
-
CAPTULO 3
OS OFCIOS DA CONSTRUO CIVIL
3.1) A diviso do trabalho
3.1.1) Postos de execuo direta:
servente, ajudante, oficial (pedreiro, carpinteiro, armador, bombeiro hidrulico,
eletricista etc.)
3.1.2) Postos de execuo indireta ou postos de comando:
Encarregado, Encarregado de Obra e Mestre-de-Obras.
3.2) O Mestre-de-obras
3.2.1) A funo do Mestre-de-Obras.
3.2.2) O perfil do profissional
3.2.2.1) Grau de instruo dos Mestres-de-Obras empregados no
Brasil no subsetor Edificaes.
3.2.2.2) Grau de instruo dos Mestres-de-Obras empregados em
Minas Gerais no subsetor Edificaes.
3.2.2.3) Grau de instruo dos Mestres-de-Obras empregados na
Regio Metropolitana de Belo Horizonte no subsetor Edificaes.
3.2.2.4) Faixa etria dos Mestres-de-Obras empregados no Brasil no
subsetor Edificaes.
3.2.2.5) Faixa etria dos Mestres-de-Obras empregados em Minas
Gerais no subsetor Edificaes.
3.2.2.6) Faixa etria dos Mestres-de-Obras empregados na Regio
Metropolitana de Belo Horizonte no subsetor Edificaes.
3.2.3) O Mestre-de-Obras e a construo de suas referncias.
3.3) As Hipteses
PARTE II
CAPTULO 4 - A CONSTRUO DO MODELO DE ANLISE
4.1) Metodologia
4.1.1) As variveis (e seus indicadores)
4.1.2) O universo pesquisado: empresas, canteiro, coletivo de trabalho,
Mestre-de-Obras.
4.1.3) Os procedimentos metodolgicos: entrevista e observao.
-
CAPTULO 5 - RESULTADOS E ANLISES
5.1) Escolaridade, experincia no trabalho, formao profissional e formao
profissional continuada
5.1.1) Escolaridade X Experincia no trabalho (idade em que assumiu postos
de comando)
5.1.2) Escolaridade X Experincia anterior (tempo de experincia antes de ser
qualificado como Mestre-de-Obras).
5.1.3) Escolaridade X Experincia (perodo de comando antes de assumir o
posto de Mestre-de-Obras)
5.1.4) Escolaridade X Experincia (idade inicial na Construo Civil)
5.1.5) Escolaridade X Experincia (tempo de experincia como
servente/ajudante)
5.1.6) A formao profissional continuada dos Mestres-de-Obras
5.2 Tipos predominantes de insero nos trabalhos da Construo Civil
5.2.1) De pai para filho
5.2.2) Na prpria empresa
5.2.3) Na escola
5.3) A ascenso profissional do trabalhador da Construo Civil
5.3.1) A ascenso ao posto de Mestre-de-Obras
5.3.1.1) Fatores importantes para a qualificao de Mestres-de-Obras.
5.3.1.2) Saberes importantes para a qualificao dos Mestres-de-
Obras
. 5.3.2) A ascenso ao posto de operrio qualificado
5.3.2.1) Fatores importantes para a qualificao do operrio da
Construo Civil.
5.3.2.2) Saberes importantes para a qualificao dos operrios da
Construo Civil.
5.3.3) Os saberes demandados aos operrios e aos Mestres-de-Obras
5.4) O ofcio
CONCLUSO
BIBLIOGRAFIA
-
INTRODUO
Embora o Mestre-de-Obras da Construo Civil seja uma pea-chave para o
desenvolvimento dos trabalhos nos canteiros de obras, no sabemos muito sobre
ele. Sabe-se, to somente, que comanda os operrios na execuo das obras e faz o
elo entre os interesses destes ltimos e os das empresas construtoras. Quanto
evoluo de suas funes o desconhecimento parece ser ainda maior.
O mesmo ocorre no que se refere sua qualificao e aos elementos que a
constroem. Sabe-se, igualmente, que, apesar de possur uma baixa escolaridade, ele
detm os conhecimentos necessrios execuo das obras. Em outras palavras, a
escolaridade do trabalhador da Construo Civil, inclusive a do Mestre-de-Obras,
sempre se mostrou secundria face sua experincia. A qualificao se d,
essencialmente, no prprio canteiro de obras onde ele comea a trabalhar, ainda
muito jovem, como simples servente. Nos canteiros ele aprende um ofcio e percorre
todas as classificaes at chegar, praticamente depois de 20 anos de trabalho, ou
mais, ao posto de Mestre-de-Obras.
Mas, se a escola, mais do que nunca, se destaca na vida social e ocupa um
lugar de importncia na qualificao dos indivduos, inclusive dos operrios, at
quando ela ter um lugar secundrio na qualificao do Mestre-de-Obras da
Construo Civil? Se cada vez mais os diferentes setores produtivos, por motivos
diversos, demandam uma maior escolaridade dos seus trabalhadores, no seria hora
de exigncias semelhantes ocorrerem, tambm, na Construo Civil.
Por que discutir a qualificao do trabalhador, quando o mundo questiona a
sua competncia? No momento em que apontamos a escolaridade como elemento
importante e constitutivo da qualificao, o mundo se volta para a experincia como
elemento constitutivo da competncia. Afinal, estamos na contra-mo dos
acontecimentos? Ou, diferentemente dos outros setores que reclamam competncia
dos seus trabalhadores, a Construo Civil demandaria qualificao? Quando o
mundo produtivo diz que "No basta ser qualificado, preciso ser competente.",
talvez a Construo Civil esteja dizendo o contrrio: "No basta ser competente,
preciso ser qualificado."
Sabemos pouco sobre a Construo Civil e os seus trabalhadores porque a
ateno dos estudiosos do mundo do trabalho se concentra, prioritariamente, nos
setores produtivos que mais incorporaram inovaes tecnolgicas e organizacionais,
-
e que, por conseguinte, sofreram maiores transformaes. Este o caso, por
exemplo, da indstria automobilstica, possivelmente o setor que mais atraiu estudos
e pesquisas.
Nas ltimas dcadas, entretanto, face s transformaes ocorridas no mundo
do trabalho, sobretudo no que diz respeito necessidade de superao do modelo
taylorista, ao desenvolvimento de novos modelos organizacionais, e, ainda, ao
avano tecnolgico, a Construo Civil vem se tornando objeto de interesse dos
estudiosos do trabalho.
Entre os estudos sobre a Construo Civil, que tratam do coletivo de trabalho,
os que se dedicam qualificao dos trabalhadores nos aportam importantes
questes, entre elas, possivelmente, a mais intrigante de todas: Como se constri a
qualificao dos Mestres-de-Obras da Construo Civil?
Formulamos a hiptese geral, segundo a qual, se a experincia de trabalho
nos canteiros de obras da Construo Civil foi, at ento, um elemento chave na
qualificao dos Mestres-de-Obras, ela d, hoje, lugar escolaridade.
Parece, ainda, inevitvel pensar que, alm da escolaridade, outros elementos
se apresentam como importantes na construo da qualificao dos Mestres-de-
Obras, entre eles o seu ofcio.
Ao tratarmos da Construo Civil, estamos nos referindo apenas ao subsetor
Edificaes que, como veremos, guarda traos muito especficos, se comparados
aos demais subsetores da Construo. Devemos, tambm, restringir o estudo a
alguns canteiros de obras da Cidade de Belo Horizonte, 13 no total, destinados
construo de unidades habitacionais, em prdios de no mximo 4 andares, voltados
para o atendimento da classe mdia e mdia alta.
Os referidos canteiros no obedecem, todavia, a um procedimento aleatrio
de escolha, mas so, to somente, canteiros que tiveram suas portas gentilmente
abertas pelos seus reponsveis (proprietrios, engenheiros, e Mestre-de-Obras). Tal
fato, por si s, limita a pesquisa ao campo dos estudos exploratrios.
Alm dos dados da Relao Anual de Informao Social (Rais), foram
utilizados os dados coletados juntos aos canteiros de obras e aos trabalhadores
(inclusive entrevistas) que possibilitam uma anlise tanto quantitativa quanto
qualitativa dos acontecimentos.
Afora os estudos realizados no Brasil sobre a Construo Civil, procuramos
nos trabalhos franceses, que se destacam nas pesquisas sobre o setor, a ajuda
necessria para a compreenso dos acontecimentos voltados para o canteiro,
especialmente os elementos constitutivos da qualificao dos Mestres-de-Obras.
Estudo de nossa autoria sobre estes ltimos, desenvolvido em canteiros da regio
parisiense, foi igualmente utilizado.
-
O objetivo da pesquisa o de investigar os diversos elementos e a
importncia deles na construo da qualificao dos Mestres-de-Obras da
Construo Civil. Embora no se tenha a preteno de esgotar a questo, espera-se
que os conhecimentos aqui produzidos, mesmo que luz de um estudo exploratrio,
possam prestar-se elaborao de um quadro de referncia para estudos
posteriores.
Os resultados obtidos apontam para uma crescente importncia do grau de
escolaridade na qualificao da mo-de-obra da Construo e, entre eles, a do
Mestre-de-Obras, muito embora tal fato no parea ocorrer por uma exigncia do
setor.
A escolaridade teria igual importncia tanto para a insero quanto para
ascenso do trabalhador nos canteiros de obras da Construo Civil.
Aos olhos dos Mestres-de-Obras o saber-fazer e o saber-ser so
considerados importantes, enquanto o saber, representado pelo conhecimento
formal, no igualmente reconhecido, no obstante esteja cada vez mais presente
no canteiro devido maior escolaridade dos trabalhdores.
Do saber-fazer sobressai a capacidade de execuo dos trabalhos, e no a
capacidade de gesto, como poderamos esperar. Do saber-ser sobressai o
relacionamento entendido como "poltica" junto aos chefes, e no a conduta ou a
motivao.
Mesmo contrariando muitos depoimentos, acredita-se em um possvel
estreitamento das funes dos Mestres-de-Obras, que tenderiam a voltar-se, quase
exclusivamente, para as atividades de gesto.
Por fim, vale a pena ressaltar as constataes do envelhecimento dos
trabalhadores da Construo Civil, o que pode ser observado, de forma preocupante,
entre os Mestres-de-Obras do subsetor Edificaes.
O primeiro captulo dedica-se a uma contextualizao da Construo Civil,
suas caractersticas mais marcantes e sua mo-de-obra no Brasil, em Minas Gerais
e na Grande Belo Horizonte.
O segundo captulo trata da qualificao da mo-de-obra do setor, sua
experincia e seus saberes.
O terceiro captulo vai dedicar-se aos ofcios da Construo, diviso do
trabalho, aos postos de trabalho, aos Mestres-de-Obras, sua funo e perfil
profissional, no Brasil, em Minas Gerais e na Grande Belo Horizonte.
Finalizando, os captulos 4 e 5 so dedicados ao modelo de anlise utilizado
e aos resultados obtidos.
-
PARTE I
CAPTULO 1
O CONTEXTO GERAL DA CONSTRUO CIVIL
Ao longo do estudo da Construo Civil, observa-se a constante
transformao do setor e a semelhana de caractersticas, independentes da regio
ou pas, onde ela exercida. A necessidade de se adaptar s diversas condies de
cada regio (tipo de terreno, material disponvel, arquitetura, tcnicas construtivas,
mo-de-obra, custo de produo, demandas sociais, legislao etc.), ao contrrio do
que poderia sugerir, parece contribuir para essa semelhana. Trata-se, portanto, de
um setor que apresenta como traos marcantes uma forte flexiblidade tecnolgica e
organizacional e uma grande importncia social e econmica.
No obstante os traos, por si s interessantes, a Construo Civil foi durante
muito tempo pouco atrativa para os estudiosos do mundo do trabalho. De fato, por
maior interesse que pudessem ter pela Construo, eles no poderiam fazer grande
coisa pelo setor, se por ele no fossem reconhecidos. Na verdade, a Construo
sempre se mostrou um setor muito fechado, muito auto-suficiente. Empresrios,
engenheiros e operrios tm sido, durante muito tempo, vtimas da concretude e do
pragmatismo dos trabalhos dos canteiros de obras que, por vezes, contribuem para a
construo de seus comportamentos e mentalidades.
Predomina, todavia, a crena, segundo a qual a ausncia de interesse se deu
porque, no obstante a sua flexibilidade, a Construo parecia apresentar
dificuldades para incorporar inovaes tecnolgicas e organizacionais. As inovaes
dos ltimos 150 anos e, sobretudo, das ltimas dcadas, tm produzido, de maneira
contnua e acelerada, profundas transformaes no mundo do trabalho.
A aparente "dificuldade" para incorporar as inovaes acabou projetando uma
imagem negativa da Construo Civil. Muitos foram os autores que a identificaram
como atrasada. Evidementemente atrasada em relao aos demais setores
produtivos, entre os quais a indstria automobilstica que se tem mostrado como a
mais importante referncia.
-
Mais recentemente, entretanto, uma outra maneira de pens-la, identificando-
a como um "modo original de industrializao"1, tem contribudo para atrair
estudiosos que comeam a ver nos seus canteiros de obras um laboratrio
privilegiado de pesquisa. Por "modo original de fabricao" leia-se o encontro de um
conjunto de fatores, tais como os projetos, os clculos, a localizao e o tipo do
terreno, a tecnologia de construo utilizada, o processo de trabalho etc., que
constituem o que se convencionou chamar, ao lado do elevado custo do seu produto
e da sua importncia social, de a "especificidade" da Construo Civil.
interessante notar que as atenes se voltam para o setor quando,
justamente, o mundo do trabalho aponta para o esgotamento dos modelos
tradicionais de gesto do trabalho e da mo-de-obra, e uma gesto mais flexvel
aparece aos olhos de empresrios e de alguns estudiosos, como uma alternativa
interessante para fazer face aos desafios colocados pela globalizao da economia.
Atrasada, como querem alguns, ou um modo original de fabricao, como
querem outros, o certo que nos canteiros de obras da Construo Civil
predominam, ainda hoje em todo mundo, atividades "simples", perigosas, insalubres
e que exigem grande esforo fsico. Essas atividades definem a necessidade de uma
mo-de-obra jovem, forte, "corajosa" e de "boa vontade" para conviver com tais
condies, assim como para adquirir os conhecimentos necessrios sua execuo.
As atividades tm difinido, igualmente, uma importncia secundria do nvel de
escolarizao do trabalhador.
Embora o quadro, construdo em torno de uma atividade de risco e executada
por trabalhadores de baixa escolaridade, reforce a imagem negativa da Construo,
isso jamais se constituiu em um problema para o setor. De fato, o mais importante
para a Construo, ou seja, a sua rentabilidade2, sempre foi garantida pelas ntimas
relaes mantidas com o Estado que transferia recursos dos demais setores
produtivos para financiar um setor de tamanha importncia social e de elevado custo.
A mo-de-obra, por seu turno, foi garantida por uma populao de migrantes
e/ou imigrantes, basicamente de origem rural e habituada aos trabalhos duros e, de
certa forma, aos procedimentos e ferramentas utilizadas na Construo.
Trabalhadores que, devido s polticas de gesto de mo-de-obra das empresas que
1 B. Coriat, "Productivit, flexibilit, variabilit. -Sur 'l'exemplarit' du BTP"-, Chantier en
Travail, Paris, Fvrier, 1989, n16, pp.76-78.
C. du Tertre, "A propos de la flexibilit organisationnelle", PLAN CONSTRUCTION ET
ARCHITECTURE (d), Travail et productivit dans le Btiment, Plan Construction et
Architecture, Paris, 1990 pp.59-61.
2 No caso brasileiro, grande parte dos recursos destinados habitao (anos 70) tiveram o
Estado como importante financiador, atravs do Sistema Financeiro de Habitao.
-
sero discutidas ainda nesta captulo, tornavam-se, seno assalariados, "volantes",
"tarefeiros", pequenos "empreiteiros" etc.
Algumas mudanas, entretanto, pouco a pouco comeam a se manifestar em
todo o mundo, acompanhando o desenvolvimento econmico de cada pas. Isto
ocorre no tanto pela introduo de mquinas, de equipamentos e de componentes
que tornaram os trabalhos menos duros e mais rpidos, ou pelas inovaes
organizacionais empregadas, mas, sobretudo, pelas transformaes que vm
ocorrendo fora dos canteiros de obras.
As mudanas ocorrem basicamente a partir do momento em que uma ruptura
entre o Estado e a Construo comea a tomar forma. As dificuldades dos Estados
nacionais3, cada vez mais endividados, em financiar o setor, rompem com a relao
de dependncia existente do segundo com o primeiro. Acrescentem-se, ainda, como
fator que contribui para a mudana, as presses de um mercado cada vez mais
exigente no que se refere aos prazos de construo, aos custos e qualidade do
produto. As transformaes4 assinalaram s empresas do setor o fim de um perodo
de rentabilidade e a necessidade de se tornarem produtivas como nico modo de
manter suas atividades.
O problema est posto, e a Construo Civil deve envidar esforos em todos
os sentidos para superar os desafios que lhe so colocados. Diante dos transtornos,
o antigo processo de acumulao do capital colocado em questo, mas
sobretudo a partir da que a especificidade da Construo Civil se torna um ponto
incontornvel pelos estudos desenvolvidos nesse campo.
No que se refere mo-de-obra e sua formao, o setor confronta-se com
trs problemas: primeiro, a formao profissional tradicional (adquirida
essencialmente nos canteiros de obras, ou atravs do conhecimento passado de pai
para filho) parece ser insuficiente para acompanhar as transformaes do setor,
devendo ser complementada por uma formao produzida no interior do sistema
escolar; segundo, a mo-de-obra formada tradicionalmente e disponvel no mercado
na forma do arteso ou do pequeno empreiteiro, qual as empresas sempre
recorreram para constituir o seu coletivo de trabalho, encontra-se em extino (as
3 Embora seja verdade que os Estados Nacionais tenham chegado aos anos 90 endividados e
sem o controle de suas economias, as suas capacidades de investimento no setor habitacional
ao longo dos ltimos 30 anos se diferenciaram. No caso do Estado brasileiro sua capacidade j
havia sido reduzida drsticamente a partir do choque do petrleo (anos 70), com o
conseqente aumento da dvida externa e com os elevados ndices de inflao. Assistiu-se,
ento, a partir da dcada de 80, ao completo abandono, por parte do Estado, dos programas
de financiamento das construes habitacionais levando a iniciativa privada, na dcada
seguinte, a desenvolver seus prprios mecanismos de financiamento.
4 Como a Construo Civil muito menos sujeita concorrncia externa que outros setores da
indstria, as transformaes se fazem sentir de maneira menos brusca.
-
correntes migratrias parecem no ter mais a fora de outrora e, ainda, ter havido
uma mudana no perfil da mo-de-obra jovem que h muito tempo no v a
Construo como um setor atraente nem nico capaz de absorv-la.); terceiro, tem
havido, em quase todo o mundo, um aumento importante do nvel de escolaridade da
populao, disponibilizando para a Construo uma mo-de-obra mais escolarizada,
fato que se constitui muito menos um problema do que uma soluo.
Portanto, se outrora o setor tinha diponvel uma mo-de-obra mais qualificada
e menos escolarizada, hoje, ao contrrio, ele dispe de uma mo-de-obra mais
escolarizada e menos qualificada, o que refora a necessidade de sua interveno
no processo de formao e de qualificao de seus trabalhadores.
Assim, quando alguns empresrios procuram enfrentar os problemas
incorporando aos trabalhos da Construo trabalhadores de melhor nvel de
escolarizao e envidando esforos para a sua qualificao, seus canteiros de obras
se tornam um objeto de estudo interessante para os pesquisadores preocupados
com o encontro, al, dos sistemas escolar e produtivo com a evoluo dos processos
de formao e com a qualificao do coletivo de trabalho.
A pesquisa que desenvolvemos se encontra na confluncia destas trs
perspectivas de estudo e centra seu interesse em um dos trabalhadores do setor: o
Mestre-de-obras. Isto porqu:
* Primeiro, tendo sob a sua responsabilidade, entre outras coisas, a cadncia
dos trabalhos, ele se mostra um elemento-chave para tornar produtiva a Construo
Civil. Em grande parte das demais indstrias, o tempo necessrio execuo de
cada tarefa determinado independentemente do coletivo de trabalho, e as
intervenes do contra-mestre (funo na indstria homloga de Mestre-de-obras
na Construo Civil) se limitam a garantir esses tempos. Na Construo Civil, graas
sua especificidade, o coletivo de trabalho possui, ainda, sob o comando do Mestre-
de-obras, uma importncia capital na determinao e no controle dos tempos. Deve-
se observar, todavia, que grande parte das transformaes encontradas no setor,
hoje, acontece justamente no sentido da determinao e da apropriao, por parte
da empresa construtora, do controle dos tempos.
* Segundo, porque, ao alcanar esse posto de trabalho, ele passou por um
processo extenso de formao e deu provas de conhecimento dos vrios ofcios
empregados na Construo. O posto de Mestre-de-obras o ponto final de uma
srie crescente de classificaes e traduz uma ascenso profissional do trabalhador.
Aqui, tambm, alteraes significativas so encontradas no sentido de uma mudana
na sua trajetria profissional. Deve-se lembrar que o Mestre-de-obras, como
conhecemos atualmente, no se constitui um ofcio como o de pedreiro ou o de
carpinteiro, mas uma qualificao. Ou seja, ele um antigo "oficial" que graas ao
-
conhecimento de outros ofcios, sua capacidade de comandar os colegas, ou de
organizar os trabalhos, ou ainda s suas "boas" relaes com a empresa, chamado
a assumir tal posto. As mudanas apontam exatamente nesse sentido, qual seja, a
de torn-lo um ofcio5.
Sabemos, ento, das responsabilidades dos Mestres-de-obras e da
necessidade de apresentarem determinados conhecimentos, habilidades e condutas
e de percorrerem determinada trajetria profissional; ou sabemos, ainda, do carter
dinmico dos contedos desses conhecimentos e dessa trajetria. , portanto,
dentro desse contexto que elaboramos a questo: como se constri a qualificao
dos Mestres-de-obras da Construo Civil? Ou, ainda, qual a importncia da
escolarizao na sua qualificao? Que outros elementos, alm da experincia,
importam para a sua qualificao?
Sabemos que a qualificao do trabalhador se constri socialmente e o
resultado do encontro de um conjunto de elementos, no podendo ser creditada a
apenas um ou a um determinado nmero deles. No caso dos Mestres-de-Obras, a
formao profissional adquirida nos prprios canteiros de obras, traduzida pelo
tempo de experincia, tem predominado como elemento constitutivo e avaliador da
sua qualificao. Entretanto as transformaes scio-econmicas e culturais, a que
esto submetidos a Construo Civil e o coletivo de trabalho, sugerem um outro
cenrio. Procuraremos, a partir dos pontos aqui levantados, discutir, ainda que muito
rapidamente, o contexto geral da Construo Civil no mundo e no Brasil.
1.1) O canteiro de obras
Um espao qualquer, um pequeno ou um grande terreno, plano ou inclinado,
em qualquer parte da cidade ou mesmo fora dela, pode se transformar em um
canteiro de obras da Construo Civil, assim, permanecer desde a entrada dos
primeiros trabalhadores, materiais, equipamentos etc., at a entrega definitiva da
obra. O canteiro um lugar de trabalho e o prprio produto que se encontra em
fabricao. Durante esse perodo, e nesse lugar, encontram-se homens, saberes,
experincias, formaes, qualificaes, competncias e, ainda, mquinas, materiais
e equipamentos diversos, modos de gesto etc. O canteiro um espao rico em
relaes humanas e sociais. De modo geral, os trabalhos ocorrem ao ar livre e
cercados de riscos, muitas vezes fatais, para o trabalhador. O aparente vai-e-vem
sem rumo dos trabalhadores ou a disperso de materiais, entulhos, ferramentas,
5 A. Tomasi, Contribution l'tude de la construction sociale des capacits professionnelles des Agents de Matrise du Btiment, Universit Paris 7, Paris, julho, 1996, 386p. (Tese de doutorado),
-
escoramentos, por todos os lados, s ganham sentido luz dos projetos e da
organizao dos trabalhos que norteiam as atividades dos canteiros.
interessante pensar, contudo, que os canteiros de obras de hoje guardam
grande semelhana com os da Idade Mdia, das grandes obras como, por exemplo,
das catedrais que conhecemos daquela poca. Asseguram a semelhana a grande
dependncia que a Construo tem da sua mo-de-obra, sobretudo qualificada, ou
do trabalho artesanal; a organizao do trabalho que se mostra limitada pela
dificuldade de execuo simultnea de muitas tarefas; os severos limites impostos ao
uso de prefabricados; as dificuldades inerentes execuo de um produto que na
verdade um prottipo e que exige ajustes inesperados entre projeto e execuo,
implicando, por vezes, a improvisao e, por conseguinte, a exigncia de uma
capacidade criativa por parte dos que com ela esto envolvidos. Acrescente-se que,
ainda hoje, encontramos ferramentas tais como a p, a picareta, a colher de
pedreiro, o martelo, a peneira, ou ainda pequenos e simples instrumentos como a
rgua, o esquadro, o prumo, entre outros, utilizados naquela poca e,
mesmo, em tempos ainda mais antigos que, parece, devero permanecer por muito
tempo nos nossos canteiros de obras.
Estas ferramentas de trabalho foram capazes de resistir presena da
eletricidade (certamente a grande revoluo ocorrida na Construo) e s vantagens
trazidas por ela, alm da prpria luz eltrica que possibilitou estender o trabalho at o
perodo noturno, A energia eltrica deu maior ganho de produo s pequenas
mquinas de uso individual tais como furadeiras, serras, lixadeiras etc., ou, ainda,
possibilitou o desenvolvimento e o uso de mquinas maiores como a betoneira, a
grua, o elevador, o guincho, e toda sorte de guindastes.
De fato, a presena, ou no, nos canteiros de obras da Construo, de
pequenas ou grandes mquinas, movidas ou no a eletricidade (ou mesmo por
motores a combusto), de equipamentos ou componentes mais ou menos
performantes, ou a presena, ou no, de prefabricados no se constitui em um fator
importante na diferenciao dos canteiros de obras. Isso porque uma das
caractersticas mais importantes da construo exatamente a utilizao dos meios
que encontra disponveis no lugar. E estes meios variam muito obedecendo aos
recursos naturais, cultura e s qualificaes locais. Por exemplo, em alguns pases
asiticos, utiliza-se, ainda hoje, nas construes, mesmo de arranha-cus, andaimes
feitos de bambu, e no metlicos como conhecemos no ocidente, no obstante a
sofisticao do projeto em execuo. A capacidade da Construo de se daptar ao
meio, assim como faz o passarinho ao lanar mo do material para a construo do
seu ninho, torna os seus canteiros de obras muito semelhantes, no importando a
poca ou a regio em que eles se encontrem.
-
No obstante a semelhana que aproxima, nos canteiros de obras da
Construo, pocas to distintas e to distantes, ou mesmo que aproxima pases e
regies, deve-se registrar a ocorrncia de importantes mudanas. Elas sero mais
facilmente vistas se centrarmos nossa ateno muito mais na diviso e na
organizao do trabalho (ou nas qualificaes, classificaes e funes dos
trabalhadores, o que implicar, por exemplo, no nmero de trabalhadores presentes
nos canteiros de obras) do que nas inovaes tecnolgicas que possa apresentar.
De fato, os grandes formigueiros, como se pareciam os canteiros de obras de
at ento foram reduzidos, muito embora isto no seja visvel em muitos pases e
regies, especialmente, naqueles menos desenvolvidos. O trabalhadores, sobretudo
os menos qualificados, foram substitudos por mquinas que executam, entre outras
funes, o deslocamento de materiais no canteiro.
Assim, se a mo-de-obra pode ser um fator que assemelha canteiros de
obras de diferentes perodos e regies, na medida em que a Construo
fortemente dependente dela, especialmente do trabalhador qualificado ou do trabalho
artesanal, ela , ao mesmo tempo, um fator que distingue os canteiros e, um
importante indicador de que a Construo est mudando, quanto diviso e
organizao do trabalho, origem da mo-de-obra, bem como quanto sua
formao e qualificao, ao contedo das funes, aos ofcios etc. Observa-se,
portanto, mudana no perfil do trabalhador: os de origem rural, encontrados nos
canteiros de obras apenas nos perodos entre o plantio e a colheita, durante muito
tempo a mo-de-obra tpica da Construo, se misturam a outros de origem urbana,
e freqentemente habitando na periferia das grandes cidades; mudana nos
processos de formao: encontramos, cada vez, mais nos canteiros de obras
trabalhadores formados numa lgica tradicional ou artesanal, ao lado de
trabalhadores formados dentro de uma lgica industrial. Isso porque trabalhadores
demitidos deste ltimo setor procuram trabalho na Construo e, sobretudo, porque
as inovaes, associando tecnologias, equipamentos e mquinas de outras
atividades, que no as tradicionalmente da Construo, tm possibilitado esse
encontro; mudana nos contedos das funes: observa-se um movimento, ora de
estreitamento, ora de alargamento de algumas funes, ligadas, sobretudo, gesto
dos trabalhos, e, ainda, o desaparecimento ou a perda de importncia de alguns
ofcios em detrimentos de outros, obedecendo aos novos materiais e s tcnicas
construtivas e tendncias arquitetnicas.
Outros indicadores de mudana nos canteiros de obras so relativos
segurana da mo-de-obra e dos trabalhos mesmos. Embora o canteiro de obras
possa ser considerado em todo o mundo, um lugar de trabalho inseguro, graas s
diversas e s diferenciadas presses sociais, tornam-se cada vez mais visveis
-
medidas de proteo e surgimento de uma conscincia coletiva ligada segurana
dos trabalhos e dos trabalhadores.
1.2) A evoluo da Construo Civil e sua importncia scio-econmica
Ao contrrio do que se imagina, a Construo Civil no um setor avesso s
inovaes tecnolgicas e organizacionais. Mesmo que predomine o uso da fora
muscular, no incio do sculo XX o emprego da mquina e do concreto armado j
possuia um papel inovador (Dominique Barjot, 1989). Na verdade, mesmo antes
disso, no sculo XIX, inovaes e importantes progressos tcnicos j estavam
presentes em muitos canteiros de obras europeus. No perodo de 1815-1882, como
observa o autor,
"...numerosas foram as inovaes tcnicas: mquina de Roger6 em
1843; grua de Nepveu em 1851, uso de pontes rolantes colocadas
sobre trilhos para o transporte de materiais e das mquinas a vapor
destinadas a secar o solo da fundao em 1860."7
Tambm fez parte das inovaes a generalizao da "bche"(1860), que
permitiu conduzir os trabalhos durante o inverno, completa o autor.
So importantes os registros relativos s inovaes organizacionais. Graas a
um grupo de engenheiros franceses, os princpios tayloristas, por exemplo, bem
conhecidos da indstria, foram experimentados em algumas empresas. Assim, os
estudos de Taylor, Gilbreth e de outros autores j eram conhecidos na Frana no
incio do sculo XX, encorajando os esforos da racionalizao do trabalho. Os
estudos de Gilbreth sobre a construo dos muros de tijolos foram objeto de uma
ateno particular e tornaram-se uma uma importante referncia para a Construo.
Como escreve Franois Monterrat:
"...A idia de um taylorismo aplicado aos canteiros de obras da
construo se impe na Frana, antes mesmo do fim da primeira
guerra mundial, nos meios mais esclarecidos da Construo
(lderes dos organismos profissionais e sindicais, responsveis pela
6 "Machine mortier de Roger". Um tipo de mquina onde se colocava a massa a ser utilizada
na construo, a exemplo das betoneiras atuais.
7 D. Barjot, "Entreprises et patronat du Btiment (XIXe - XXe sicles); in Crola, J-F., Guillerme,
A. (dir.), Histoire des mtiers du Btiment aux XIXme et XXme sicles - Actes de
colloque, Paris, Plan Construction et Architecture - emploi-qualification- formation, Novembre
1989, p.19
-
federao etc.), sob a influncia determinante de engenheiros e
arquitetos que vem, nos novos mtodos de racionalizao
preconizados do outro lado do Atlntico, as solues concretas
para a crise de produtividade do setor em que eles se vem
confrontados."8
O domnio do tempo na execuo das tarefas ou no deslocamento dos
materiais no canteiro de obras, a mecanizao e os novos mtodos de organizao
taylorista do trabalho eram, portanto, normas em vigor no incio do sculo XX (F.
Monterrat, 1989). Deve-se acrescentar, todavia, que a presena destes mtodos no
era generalizada, mesmo porque, ainda hoje, encontramos nesses pases empresas
construtoras, sobretudo pequenas e micro empresas, cujo nvel de organizao
mostra o desconhecimento de seus administradores dos mtodos de organizao ou
de qualquer outro que no o tradicional.
Pode-se dizer, ento, que so antigos, nos pases desenvolvidos, os esforos
da Construo Civil procura da produtividade. muito possvel, tambm, que
iniciativas semelhantes tenham ocorrido no Brasil e em outros pases em
desenvolvimento, isso porque os trabalhos de construo so um permanente
convite criatividade dos que nele se encontram.
Muito embora sejam inmeros os registros de esforos para essa finalidade, a
produtividade, segundo Christian du Tertre (1988), nunca se colocou para o setor
como uma verdadeira preocupao. Na verdade, para a Construo manter as suas
atividades com sucesso, bastaria que se mantivesse rentvel. Isto se mostrava
perfeitamente possvel graas ao seu acesso aos recursos produzidos pelos demais
setores da economia e que lhe eram transferidos pelo Estado. A necessidade do
ltimo de promover o desenvolvimento atravs de obras de infraestrura (sistemas
virios, usinas eltricas, saneamento etc.) e de atender s demandas sociais
relativas habitao, tanto um como outro produtos de alto custo, justifica, segundo
polticas de sucessivos governos, a transferncia de recursos. E, conseqentemente,
ajuda-nos a compreender as relaes ntimas, e por vezes promscua, entre o
Estado e a Construo Civil.
Todavia, se as inovaes organizacionais e tecnolgicas so de longa data
conhecidas da Construo, sobretudo, dos pases desenvolvidos, o esforo de
produtividade ganha maior visibilidade aps o incio do que chamaramos de ruptura
entre a Construo e o Estado.
8 F.Monterrat, "Les entreprises du Btiment face la rationalisation du travail des ouvriers de
chantier dans l'entre-deux-guerres: une prsentation critique."; in J.-F. Crola et A. Guillerme
(dir.), 1989, op. cit., p.231.
-
Tal ruptura tem origem no endividamento e na crescente incapacidade dos
Estados nacionais de manterem compromissos sociais ou mesmo polticas
desenvolvimentistas que se tornavam importantes para a sustentao da
Construo. A reduo ou o simples corte de financiamentos estatais e a
transferncia de grande parte desses compromissos para a iniciativa privada
colocaram a Construo de todo o mundo diante de uma nova realidade. A exemplo
dos demais setores, a Construo deveria andar com as prprias pernas, depender
menos do dinheiro fcil dos Estados, muitas vezes perdulrios, submeter-se s
regras do mercado e tornar-se produtiva.
No cenrio internacional, a ruptura tem ganho nitidez nas ltimas quatro
dcadas. Na Europa, por exemplo, o fim do perodo de reconstruo do ps-guerra,
caracterizado por elevado nvel de demandas ao setor, se defronta com a crise do
petrleo que vai interromper, quase que abruptamente, o fluxo das obras com
implicaes graves para o setor e, em especial, para o mercado de trabalho.
No Brasil, a preocupao com a produtividade embora possa no ser nova,
passou a ter maior relevncia um pouco mais tarde. A partir dos anos 80, os
indicadores relativos economia brasileira mostram que o Estado brasileiro ,
decididamente, incapaz de manter as grandes obras pblicas que marcaram a
dcada anterior ou, ainda, de manter os importantes financiamentos destinados
construo habitacional, levando o setor, a exemplo do ocorrido nos pases
desenvolvidos, a se redimensionar: reduo do tamanho das empresas com drstica
reduo de pessoal; procura de mercado externo; diversificao das atividades etc.
Muitas so as empresas dedicadas construo habitacional que, para
sobreviver crise, tiveram que financiar com recursos prprios as unidades
produzidas, desvirtuando, por vezes, a sua atividade principal. Pode-se suspeitar, a
partir de uma simples comparao dos custos atuais de construo com os valores e
condies de financiamento oferecidos ao consumidor, que, atualmente, os ganhos
auferidos por algumas empresas com este ltimo sejam maiores que com a
construo (includa a incorporao) de suas unidades habitacionais.
O esforo de produtividade observado, hoje, na Construo Civil aparece, nos
pases europeus desenvolvidos, aps uma preocupao com a racionalizao,
sobretudo na indstria. No caso brasileiro, isso no diferente, e acompanha a
chamada globalizao da economia que se esboou nacionalmente no final da
dcada de oitenta e se torna mais visvel no perodo atual.
Assim, a produtividade que tem, a partir das ltimas quatro dcadas, em
diversas partes do mundo, se imposto na gesto dos trabalhos, substitui os princpios
de rentabilidade at ento dominantes. A introduo de mquinas, equipamentos e
componentes cada vez mais performantes, em substituio mo-de-obra
-
qualificada de alto custo e rara, (no obstante os crescentes ndices de desemprego)
no mais uma preocupao isolada de racionalizao do setor, mas obedece a
presses externas que apontam, como caminho s empresas, a produtividade ou o
encerramento das atividades.
A organizao do trabalho que tinha no taylorismo, nos pases europeus no
incio do sculo XX, um modelo promissor para o setor, muito embora no tenha sido
de fato aplicado (diferentemente do restante da indstria, a Construo teve grande
dificuldade para incorporar os princpios tayloristas, limitando-se a algumas
experincias.), experimenta novas modalidades de organizao seguindo a mesma
preocupao do resto da indstria.
O esforo de produtividade a que se assiste na Construo Civil no ,
contudo, compreendido, por muitos autores, como um simples seguir os passos da
indstria.
O economista francs Christian du Tertre (1988), por exemplo, pensa a
produtividade a partir da idia de intensidade conexa do trabalho"9, e fala de um
paradgma prprio para a Construo Civil, repousando sobre uma preocupao das
empresas concernente "flexibilidade organizacional" -ou "flexibilidade de emprego"
(o recurso subempreitada, ao contrato de tarefa)- segundo uma abordagem
relativamente tradicional da produo, e/ou a "flexibilidade tcnica" (a utilizao da
pr-fabricao). Ou seja, o autor cr em uma "dimenso organizacional" capaz de
reduzir as dificuldades, que subentendem a "flexibilidade do emprego" e a
"flexibilidade tcnica", polivalncia, autonomia das equipes e valorizao do
trabalho de canteiro enquanto mecanismo susceptvel de aumentar a produtividade.
O canteiro da Construo Civil, segundo Christian du Tertre, demanda uma
abordagem diferente do "atelier" da indstria:
"A especificidade do processo de trabalho do tipo canteiro de obras,
distancia o setor dos paradigmas tayloristas da produtividade e
coloca em cena um contedo da produtividade que se apoia na
intensidade conexa do trabalho."10
Os problemas que os autores levantam dizem respeito principalmente
especificidade da Construo Civil, sobre a qual ns discutiremos ulteriormente, e
9 C. du Tertre, "Procs de travail de type de chantier et efficacit conomique: le cas du BTP
Franais", Plan Architecture-Centre d'Etudes et de Recherches sur les Qualifications,
Paris, Colloque Europe et Chantiers, 1988, p.20.
10 Ibidem, p.27.
-
sua resistncia taylorizao11. Trata-se, portanto, de implementar um novo modo
de organizao do trabalho no canteiro. A especificidade do setor relevaria,
igualmente, o seu modo arcaico de produo, como pensam alguns autores, ou
ainda, o seu modo original de industrializao12, como avanam outros, ou mesmo a
sua condio de setor de transio (Alaluf, M., 1986)13. Outro economista francs,
Benjamin Coriat (1989), prefere falar da riqueza deste tipo de produo, de sua
forma flexvel. Para ele, trata-se de um laboratrio privilegiado de experimentaes e
de estudos. A originalidade dos mtodos de trabalho tornam possvel a resistncia
taylorizao e demanda um modo prprio de gesto da mo-de-obra, caracterizada
pela flexibilidade14. Ele considera, alm disso, o conceito de produtividade proposto
por Christian du Tertre como sendo o mais apropriado Construo Civil.
O debate em torno da produtividade traduz, na verdade, a crena de certos
autores em um paradgma econmico capaz de resolver as questes ligadas
Construo Civil.
A idia central dos autores tem a Construo Civil como um modo original de
industrializao, refratria s formas tayloristas de organizao do trabalho, e que
face crise e s necessidades de produtividade, preciso recorrer a um novo modo
de planificao das tarefas.
Embora parea haver um certo consenso em torno dessas idias elas no
esto livres de crticas importantes relativas aos caminhos que levariam a
Construo Civil a passar do rendimento produtividade. P. Zaraphian (1989), por
exemplo, considera que a "intensidade conexa do trabalho", da qual fala Christian du
Tertre, conservou a noo taylorista de tempo e de produo, ou seja, a noo de
rendimento:
11 Segundo Franois Monterrat, esta resistncia taylorizao se explica, pelo menos no incio
do sculo, pela prtica de contratao ilegal da mo-de-obra ("marchandage") muito comum na
Construo. F. Monterrat, 1989, op. cit., p.237.
12 "Contrrio s teses que consideram o setor da Construo Civil/Edificaes um setor
arcico, atrasado em relao s indstrias de srie, ns sustentamos aqui que a Construo
Civil/Edificaes possui um modo original de industrializao." Tertre, C., "Procs de travail de
type de chantier... 1988, op. cit., p.2.
13 Na discusso que Mato Alaluf faz sobre a industrializao da Construo Civil/Edificaes,
ele caracteriza o setor como sendo de transio, ou seja, apresentando um aspecto tradicional
-uma organizao do trabalho semelhante das primeiras manufaturas- e um aspecto
estandardizado - os componentes fabricados em srie, etc. cf. M. Alaluf - Le temps du labeur.
Formation, emploi et qualification en sociologie du travail., Belgique, Editions de
l'Universit de Bruxelles, 1986, (coll. Sociologie du Travail et des Organisations), p.197.
14 B. Coriat, "Productivit, flexibilit, variabilit -sur 'l'exemplarit' du BTP", in Chantier en
Travail, n16, Paris, fvrier 1989, p.76.
-
"A anlise de du Tertre no rompe com a base da abordagem
taylorista de produtividade como rendimento."15
Mas nem todos compartilham da mesma preocupao. Dominique Barjot
(1989), por exemplo, tem uma outra. Ele procura colocar em evidncia os muitos
fatores que, para ele, colocam em questo o carcter de indstria da Construo
Civil: a especificidade do processo de produo e de gesto da mo-de-obra; os
constrangimentos contnuos; as relaes estreitas de dependncia do Estado.16
M.Campinos-Dubernet, tambm economista francesa e estudiosa da Construo,
prefere, por sua vez, considerar o financiamento predial como um srio problema do
setor a ser superado. Para ela, tomando como referncia a Frana, desde os anos
setenta, quando o Centro de Estudos e de Pesquisa sobre as Qualificaes
(CEREQ) abordou o estudo do trabalho de Construo, existia j uma forte tendncia
"...a considerar que os problemas relativos s condies de uso do
trabalho no setor eram muito particulares em razo de problema de
crdito; ele se constituia em um obstculo incontornvel
transformao dos processos de trabalho impedindo a realizao
de economias de escala anlogas s que eram realizadas na
indstria."17
Na verdade, indiferente ao caminho tomado pelos muitos estudiosos
da Construo Civil ou s intervenes que sero tentadas a propsito das
necessidades de produtividade, a referncia heterogeneidade e s especificidades
do setor, as quais nos deteremos a seguir, parece incontornvel.
1.3) A heterogeneidade da Construo Civil.
15 P. Zaraphian, "Productivit et gestion: les apports des recherches sur le BTP"; in Chantier
en Travail, n16, Paris, fvrier 1989, p.76.
16 O autor apoiar suas anlises no relatrio de J.Barets ((L'industrialisation du Btiment et
l'organisation des professions concourant l'acte de construire, Premier Ministre, Paris,
1971.), "On l'a rationalis, on ne l'a pas industrialis."; Barjot, Dominique (1989), op. cit., p.14.
17 Campinos-Dubernet, M., Emploi et gestion de la main-d'oeuvre dans le B.T.P. -
Mutations de l'aprs-guerre la crise, Paris, Dossier du Centre d'Etudes et de Recherches
sur les Qualifications-CEREQ, octobre 1984. Dossier n34., p.13.
-
Se um setor produtivo pode ser definido como o encontro, num determinado
espao scio-econmico, de atividades produtivas afins, a sua heterogeneidade se
definiria na multiplicidade de formas dele se apresentar e se relacionar neste espao.
A multiplicidade de formas se traduziria pela possibilidade que a grande
maioria dos produtos pertinentes a um determinado setor tem de ser o resultado
indistinto do trabalho de empresas, diferentes no seu tamanho, nas suas
capacidades econmico-financeiras, tcnologicas, organizacionais, ou, ainda, nas
suas especializaes, frente ao mercado.
Mesmo considerando que cada um dos setores produtivos possua um
determinado nvel de heterogeneidade, na Construo Civil esse nvel se apresenta
suficientemente importante para se constituir numa caracterstica do setor
largamente reconhecida, ou mesmo, num elemento relevante a ser considerado
quando do seu estudo.
A heterogeneidade na Construo Civil se define, sobretudo, a partir do seu
produto que implicaria desde pequenas obras, como os servios de pintura de um
apartamento, at grandes obras como construo de estradas, usinas atmicas etc.
No Brasil, o setor se subdivide em trs grandes subsetores. Eles seriam, segundo a
Relao Anual de Informaes Sociais do Ministrio do Trabalho, (RAIS/Mtb)18,
Edificaes, Construo Pesada e Montagem Industrial.
Ressalte-se, todavia, que a subdiviso no rigida. Ela varia segundo as
exigncias do mercado, do nvel de complexidade da tecnologia utilizada ou do
desenvolvimento scio-econmico da regio, do pas ou da poca em que as
atividades so desenvolvidas. A diviso do trabalho na Construo Civil se apresenta
como um elemento indicador da sua heterogeneidade.
Assim, no Brasil dos dias atuais, o subsetor Edificaes se ocupa da
construo de edifcios, de suas partes ou complementos e subdivide-se em trs
segmentos especializados: 1) a construo de residncias e outras edificaes de
carter comercial, institucional ou industrial; 2) a construo de fundaes, estruturas
e instalaes; 3) as reformas de imveis prediais em geral. Este ltimo tem merecido
uma ateno especial. O Pas tm assistido ao surgimento de empresas de
construo especializadas nos trabalhos de reformas, o que parece ser uma
estratgia de alguns empresrios do setor, sobretudo o de pequenos empresrios,
para escapar da crise econmica que insiste em atingir o setor. Parece, contudo, ser
um mercado promissor para as empresas de construo, sobretudo se tomarmos
como referncia as empresas de pases desenvolvidos que se dedicam a este ramo
de atividade, muitas delas de grande porte. Embora executem atividades quase
18 Relao Anual de Informaes Sociais (RAIS)/Ministrio do Trabalho.
-
limitadas aos trabalhos de acabamento (revestimentos, pinturas, pequenas
alvenarias etc.), estas empresas podero aos poucos, a exemplo do que ocorre em
pases mais desenvolvidos, asssumir trabalhos mais complexos nas reformas
prediais tais como a construo de subsolos, o redimensionamento dos espaos
internos, a execuo de novas estruturas, em parte ou totalmente.
A Construo Pesada outro subsetor que se encarrega da construo e da
reforma da infraestrutura viria, urbana e industrial, de pontes, de barragens, de
servios de saneamento etc.
Finalmente, o subsetor Montagem Industrial o responsvel pela montagem
de estruturas para a instalao de indstrias etc.
Ainda que a identificao destes subsetores sugira uma ntida diferenciao
entre eles, suas fronteiras no so bem precisas. Isto significa dizer que algumas
atividades lhe so comuns, possibilitando, desta forma, tanto por parte da empresa
como por parte dos seus trabalhadores, uma mobilidade interna ao setor.
Assiste-se, portanto, a empresas especializadas em determinado subsetor da
Construo Civil a se arriscarem em um outro subsetor. Talvez pressionadas pela
falta de trabalho ou mesmo obdecendo a uma determinada estratgia de se
posicionar melhor no mercado, por vezes elas se dedicam a mais de um subsetor.
Isto pode ocorrer, tambm, com muitos trabalhadores da Construo que, movidos
por foras semelhantes, podem migrar de um subsetor para outro.
Estes subsetores envolvem milhares de empresas que, alm de se dedicarem
a atividades diferentes, possuem dimenses, prticas construtivas e modos de
gesto da mo-de-obra igualmente distintos.
No que diz respeito ao porte dessas empresas no Brasil, e segundo a RAIS e
o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE), aquelas que possuem de 1 a
9 empregados podem ser classificadas como Microempresas; como Pequenas
empresas, se o efetivo empregado se encontra entre 10 a 99 assalariados; como
Empresas de mdio porte, se possuem de 100 a 499 empregados; e finalmente
como Empresas de grande porte, se contam com mais de 500 empregados.
A classificao que se faz a partir do nmero de trabalhadores empregados
se mostra insuficiente para que a verdadeira dimenso da empresa da Construo
seja determinada. De fato, so cada vez mais presentes no mercado as empresas
"holding". Uma grande empresa pode subdividir-se em mais de uma empresa
pequena ou mdia que, embora se apresente como uma nica empresa, faz, na
verdade, parte de um grupo maior. Da mesma forma, pequenas empresas podem
passar por microempresas mantendo, sem registro, parte do seu pessoal
considerado empregado.
-
Deve-se acrescentar, tambm, que uma significativa parte dos trabalhos de
Construo, via de regra os de pequenas obras de construo ou de reforma, podem
no ser realizados por empresas, mas por trabalhadores autnomos ou por um
pequeno grupo deles. De modo geral estas obras, bem como os seus trabalhadores,
escapam ao controle dos orgos estatais responsveis tanto pela autorizao e
fiscalizao da obra, quanto pelo cumprimento da legislao trabalhista, inscrevendo-
se, portanto, na economia informal, cujo dimensionamento se constitui uma tarefa
rdua.
Voltando s empresas, elas podem especializar-se na administrao das
obras contratadas, transferindo a maior parte da execuo para as subempreiteiras,
criando uma reduo do seu pessoal e uma certa iluso ao observador quanto sua
verdadeira dimenso. De fato, a cada dia, seja na Construo Civil, seja em qualquer
outro setor produtivo, o nmero de trabalhadores assalariados pertencentes a uma
determinada empresa deixa de ser um indicador seguro no esforo de se
dimension-la. cada vez mais importante que outros indicadores, tais como o
capital, a ligao com uma "holding", a tecnologia utilizada, a presena em outros
mercados (regies ou mesmo pases e atividades diferentes), a qualificao da sua
mo-de-obra, as inovaes utlizadas etc., sejam considerados para que o seu
tamanho seja devidamente dimensionado.
Prticas construtivas diferentes so, tambm, frequntemente observadas na
Construo. Um prdio poder ter uma estrutura em concreto (pr-fabricada, ou no),
metlica, ou ainda em alvenaria estrutural (auto portante), ou mesmo em madeira.
No caso das estruturas em concreto, por exemplo, as formas podem ser de madeira
ou metlicas, deslizantes, cilndricas de papelo etc. Opes semelhantes so
encontradas no conjunto da obra: trabalhos de alvenaria, de acabamento etc. O
universo amplo de possibilidades que encontramos na Construo, e que nos d a
medida da sua heterogeneidade, se relaciona diretamente com a capacidade de a
empresa incorporar e/ou desenvolver inovaes no processo de trabalho (o que pode
depender do tamanho da empresa), conforme as ofertas locais, a capacitao
profissional do coletivo de trabalho, as preferncias tecnolgicas, a viabilidade
econmica destas possibilidades.
A heterogeneidade da Construo Civil, se reflete, tambm, nas diferentes
formas de as empresas se inserirem no mercado e de fazerem a gesto da sua mo-
de-obra.
Elas entram no mercado distinguindo-se das que assumem o conjunto do
trabalho na condio de contratantes, ou das que atuam como subempreiteiras,
ocupando-se, portanto, apenas de parte dos trabalhos contratados primeira. Deve-
-
se ressaltar, contudo, que as empresas podem, tambm, utilizar-se das duas formas:
ora como empresas contratantes, ora como subempreiteiras.
As subempreiteiras, por sua vez, podem utilizar-se da mo-de-obra do
"tarefeiro", do trabalhador "volante" ou do pequeno empreiteiro. De fato, a origem
destas empresas e a relao que elas mantm entre si so uma parte constitutiva de
um modo de organizao do trabalho da Construo, cujo registro j era feito na
Europa do sculo XIX, no qual a subempreitada se apoiava na "tarefa" (Dominique
Barjot, 1989).19
Em funo das polticas empresariais de gesto dos trabalhos e da mo-de-
obra (voltaremos gesto da mo-de-obra ainda neste captulo), os trabalhadores da
Construo podem ser assalariados, ou seja, empregados de empresas contratantes
ou de subempreiteiras, so os "tarefeiros", trabalhadores autnomos remunerados
pela metragem executada da tarefa contratada;20 ou os "volantes", trabalhadores que
embora desenvolvam suas atividade como os demais empregados, no foram
devidamente registrados.
A heterogeneidade da Construo se constitui, ainda, em grande parte, a
responsvel por uma qualificao diferenciada dos trabalhadores do setor, onde a
experincia na execuo dos trabalhos, conta mais que o nvel de escolaridade ou o
diploma que, por ventura, possuam.
Finalmente, a heterogeneidade da Construo Civil cria alguns obstculos
aos pesquisadores do setor que devem redobrar sua ateno na elaborao das
suas metodologias de pesquisa. Via de regra empresas que exploram um mesmo
segmento de um mesmo subsetor, freqentemente, mostram-se muito diferentes.
Deve-se, portanto, levar em conta este fato antes de se extrapolarem as
constataes feitas em uma empresa ou em um grupo delas.
19 "O tarefeiro um homem de 'mtier', ele particular entre os outros, no tem oficina e nem
canteiro prprio: um operario sub-empresrio, geralmente especializado em uma
determinada profisso. Se ele sacrifica, algumas vezes, a qualidade da obra para garantir a
quantidade da produo, e se acomoda melhor aos trabalhos estandardizados, s tarefas
repetitivas relativas ao uso de novas tcnicas (montagem de materiais prefabricados), o
trabalho por tarefa ('tcheronat') no coloca em questo as hierarquias profissionais e
corporativas da Construo Civil/Edificaes. Sua prtica ocorre no corao mesmo de cada
corpo de ofcio. De uma certa maneira, pode-se dizer que ele refora o sistema de 'mtiers'
graas emulao que exerce no seio da classe operria, privilegiando os 'bons' e reprovando
os 'maus' oficiais ('compagnons')." in F. Monterrat., 1989, op. cit., p.241-243.
20 O trabalho por tarefa e o trabalho por pea no devem ser confundidos com o 'tcheronat'.
Enquanto nos dois primeiros casos a remunerao em funo do trabalho executado -uma
tarefa ou um conjunto de peas- o 'tcheronat' se apresenta preferencialmente como um modo
de organizao e de controle da mo-de-obra." Para mais detalhes, ver Monterrat, Franois,
1989, op. cit.
-
1.4) A especificidade da Construo Civil.
A especificidade da Construo constri-se a partir da existncia de inmeras
e diferenciadas condies (sociais, econmicas, culturais, tcnicas, estticas etc.) a
que ela est sujeita, o que a define como um setor possuidor de um modo todo
prprio de ser e de fazer.
Muito embora cada setor produtivo possua sua especificidade, no caso da
Construo Civil, a exemplo do que ocorre com a heterogeneidade, ela se apresenta
como uma caraterstica importante do setor.
Isto significa dizer que os estudos desenvolvidos na Construo sobre o
processo de trabalho, a organizao, a gesto, a produtividade, as condies de
trabalho, a identidade operria, as funes, a formao, a qualificao etc., e, claro,
os estudos arquitetnicos, e os demais projetos ou clculos so obrigados a levar em
conta a especificidade do setor. A possibilidade de utilizao de diferentes modos de
organizao do trabalho, a diversidade de tcnicas empregadas e as prprias
condies de construo e de trabalho do, se ns a compararmos ao resto da
indstria, um carcter especfico Construo Civil (Mato Alaluf, 1986)21.
Evidentemente, a especificidade da Construo s pode ser determinada
comparando-a com os demais setores produtivos. Assim, os vrios estudos sobre a
Construo, no importando os seus objetivos, tendem a considerar sua
especificidade a partir de um referencial externo. E, neste caso, a indstria22,
especialmente a automobilistica, que se mostra como o modelo preferido dos
estudiosos do setor. Vejamos, por exemplo, o que diz o economista francs Christian
du Tertre sobre isto:
"Hoje, um automvel um conjunto de elementos fabricados,
montados na linha de produo. Ns estamos, para o apartamento
e a casa, na primeira idade do automvel."
De modo geral, esses estudos tendem a abordar a especificidade da
Construo Civil, enquanto obstculo a ser superado para atingir um nvel e um
modelo de desenvolvimento idntico ao da indstria. , ainda, este autor que nos
fala.
21 M. Alaluf observa que o setor de habitao, "se caracteriza por uma enorme diversidade e
heterogeneidade.". Esta diversidade, continua o autor, tem tres tipos de consequncias: a
segmentao do mercado, uma enorme mobilidade e heterogeneidade da organizao do
trabalho., in ALALUF, M., 1986, op. cit., p.197.
22 K. Marx define assim a indstria: "A passagem do artesanato indstria a passagem da
ferramenta, animada e orientada pelo operrio, mquina, que move e dirige por si mesma.";
in MARX, K., O Capital, 1a.ed. S.Paulo, Difel, 1985, Livro 1, vol.1.
-
"Um dia, provavelmente prximo, construiremos prdios e
apartamentos em fbricas, a soluo 'inelutvel'".23
Na verdade, j temos, h muito tempo, tecnologia que nos permite fabricar
nossos prdios como outros produtos, o automvel, por exemplo. Se no o
fabricamos porque outros elementos, que no os avanos tecnolgicos, devem ser
levados em considerao.
Importa-nos, todavia, no momento, pensar que a comparao acima traz
consigo um modo todo prprio de se ver a Construo. Alm deste olhar se
fundamentar num determinado saber (econmico, social etc.), ele traz consigo um
juzo de valor. O que significa dizer que alguns elementos pertinentes aos diversos
setores produtivos e presentes na comparao podem ser positiva ou negativamente
valorados.
Assim, esta maneira de pensar a Construo tem contribudo fortemente para
a construo de uma imagem negativa do setor que , freqentemente, associado ao
atraso. No obstante isto, aos poucos a especificidade do setor comea a ser
descoberta como um elemento positivo. o prprio Christian du Tertre que se junta a
outro economista francs, Benjamin Coriat (1989), na anlise sobre o processo de
trabalho, para descobrir na Construo Civil/Edificaes um "modo original de
industrializao". Este ltimo chega a ver nos canteiros de obras da Construo um
laboratrio privilegiado de investigao.
De fato, reduzir a especificidade do setor a um elemento de atraso e que
deve, portanto, ser superada, fechar os olhos s tramas e s possibilidades,
inclusive inovadoras, a que est sujeito o trabalho na Construo Civil.
Na verdade, foram os estudos de cunho econmico, preocupados com a
produtividade do setor e as dificuldades encontradas para submet-lo ao modo de
organizao do trabalho predominante na indstria -a taylorizao- que mais
contriburam para considerar negativamente a Construo.
A taylorizao um modelo de organizao do trabalho que se construiu a
partir das referncias e dos objetivos prprios da indstria. Na obra de F. W. Taylor
"Os princpios da administrao cientfica das empresas" (1911)24, os canteiros da
Construo somente aparecem quando se referem aos estudos de Frank B.
Gilbreth25 sobre o controle dos tempos e dos movimentos do trabalho de um
23 C. du Tertre, "Procs de travail de type de chantier..., 1988, op. cit, p. 27.
24 F. W. Taylor - Princpios de Administrao Cientfica, 7a. ed. S.Paulo, Ed.Atlas, 1987.
25 Sobre isto, ver Franois Monterrat, que discute o mtodo de organizao do trabalho
proposto por Gilbreth para a Construo Civil/Edificaes e tenta compreender suas
dificuldades. Na sua opinio, Gilbreth no suspeitava "os problemas de coordenao que
-
pedreiro, no se considerando nestes estudos a especificidade da Construo. A
descrio de Gilbreth pode levar o leitor menos avisado a pensar nos trabalhos da
Construo de uma maneira muito linear, como se tratasse da eterna construo de
um muro de tijolos.
No obstante a contribuio de estudos econmicos, a imagem negativa do
setor j estava definida, graas a sua dependncia do uso da fora fsica26 e do
gesto artesanal do trabalhador que prevalecia s inovaes tecnolgicas,
representadas na indstria, pela introduo de mquinas, equipamentos e
componentes cada vez mais performantes que vo revolucionar no somente a
fbrica mas a prpria sociedade.
Assim, os fatores que atraram a ateno de inmeros pesquisadores para a
indstria, qual sejam a incorporao de inovaes tecnolgicas e organizacionais e a
sua capacidade de tornar-se produtiva, afastaram os mesmos pesquisadores da
Construo. E, quando voltam seus olhos para ela, esse olhar parece estar
condicionado a uma realidade industrial clssica.
Na verdade, aos olhos de alguns pesquisadores da Construo Civil, o setor
se mostra resistente taylorizao e, muito possivelmente, isto explicaria a pequena
ateno que lhe fora dada no passado por muitos deles.
Num estudo sobre as polticas de formao do pessoal e os problemas
estruturais mais gerais da Construo Civil, M. Colombard-Prout e O. Roland27
chamam a ateno para o carcter de resistncia da Construo. Eles colocam em
relevo a importncia da especificidade do setor em termos de projeto de
produtividade, na medida em que ele cria obstculos a uma aplicao ortodoxa do
taylorismo e demanda um modelo prprio de racionalizao e de desenvolvimento.
Voltemos, entretanto, especificidade propriamente dita. Preocupado com a
produtividade do setor e, portanto, a possibilidade de articular suas operaes de
modo a reduzir os tempos mortos, controlar os movimentos do operrio e o tempo de
suas operaes, face s contingncias da Construo, Christian du Tertre (1988)28
nascero, no incio do sculo, da complexificao das Construes."; in Monterrat, Franois,
1989, op. cit., p.235.
26 De fato, se os estudos econmicos preocupados com a produtividade e o desenvolvimento
da organizao taylorista contribuiram para a construo de uma imagem negativa do setor,
essa imagem j se encontrava delineada, seja nos trabalhos pesados e perigosos da
Construo, seja na no exigncia de uma mo-de-obra escolarizada e que era considerada
descartvel.
27 M. Colombard-Prout et O. Roland - L'volution de la formation des chefs de chantiers de
gros oeuvre. Paris, Plan Construction et Habitat, Col.Recherches, avril 1985, 274 pages.
28 C. du Tertre, "Procs de travail de type de chantier..., 1988, op. cit., p.21.
-
apresenta o processo de trabalho da Construo, que constitue a especificidade do
setor, a partir de quatro caractersticas: a heterogeneidade do produto, a importncia
dos eventos aleatrios e os disfuncionamentos, a fuso dos tempos elementares
operatrios e dos "tempos conexos", e a utilizao pelos operrios de ferramentas
simples que no impem dispositivos organizacionais rgidos, tempos precisos.
Pensar a especificidade da Construo a partir da produtividade reduzir a
sua dimenso e a sua importncia. De fato, a Construo se encontra condicionada
a um conjunto de fatores, no apenas econmicos, mas tambm, sociais, tcnicos e
humanos que determinam um processo prprio de trabalho, de gesto, de
organizao, e de produo. Na medida em que ele rene todos estes fatores, o
produto da Construo se constitue num objeto privilegiado de anlise e isto, para
ns, pode ser visto em quatro planos:
1) No plano social - Os produtos da Construo tm uma finalidade social.
Eles se dirigem ao conjunto da sociedade e esto ligados s necessidades
fundamentais do homem e da sociedade.
2) No plano econmico - O custo de produo das obras se mostra muito
elevado, se comparado ao de outros produtos (mesmo se levarmos em conta a
finalidade social das construes). Alm disto, o prazo de amortizao do capital
investido se estende por um longo perodo. Isto pode explicar a presena do Estado
no setor atravs das polticas pblicas ou de desenvolvimento nacional visando ao
emprego, formao, qualificao, aos salrios, assim como garantia de
habitaes sociais, repartio de recursos tcnicos, sociais e financeiros nacionais.
As obras tm, de fato, um papel econmico importante no mercado do trabalho, que
se mostra ampliado quando se leva em conta a capacidade de o setor de impulsionar
a produo e o consumo em geral, o que significa dizer que "Quando a Construo
vai bem, tudo vai bem".
3) No plano tcnico - O fator tcnico pode dividir-se em, pelo menos, cinco
elementos: a) os projetos (arquitetnicos, estruturais, eltricos, hidrulicos etc.): eles
so nicos, diferenciados, e obedecem finalidade social, esttica e economia,
mas eles se encontram, sobretudo, condicionados ao espao fsico a ser construdo;
b) o espao a ser construdo: o canteiro da Construo no possui um espao fixo.
Terrenos de tamanhos diversos e situados em qualquer lugar, nos espaos ubanos
ou rurais, podem transformar-se em um canteiro de obras; c) a variabilidade do
espao a ser construdo torna a Construo vulnervel s condies geolgicas e
topogrficas e a coloca merc das mudanas das condies atmosfricas; d) a
inexatido dos valores e das medidas, devido utilizao de diferentes materiais e
suas diferentes condies de uso, e) a simultaneidade da construo: a dificuldade
-
ou mesmo a impossibilidade de se construir simultneamente vrias partes da obra.
No obstante o uso de prefabricados, esta impossibilidade , ainda, marcante.
De fato, grande parte dos problemas creditados Construo e que dizem
respeito sua especificidade podem ser percebidos nos esforos de inmeros
empresrios do setor para super-lo tecnicamente.
A utilizao da prefabricao, por exemplo, lembrada sobretudo nos
momentos de crise aguda das economias nacionais, se constitui num processo j
conhecido desde o incio do sculo. Ela tende, entre outras coisas, a reduzir ao
mximo o emprego da mo-de-obra qualificada no canteiro de obras. Assim, pelo
menos parte da mo-se-obra pode deslocar-se para os escritrios de estudos e
projetos, e dedicar-se racionalizao dos trabalhos de construo e reduo do
seu custo. A tarefa principal superar tecnicamente as dificuldades presentes no
modo tradicional de construo.
A prefabricao est baseada em dois procedimentos tcnicos. No primeiro,
como explica Dominique Barjot,
"Trata-se de prefabricar um imvel nas fbricas e de instal-lo, em
seguida, no canteiro de obras graas a operaes de montagem
reduzidas a trabalhos de funes com as fundaes."29
No segundo, somente as estruturas em metal ou em concreto so construdas
fora do canteiro, inspirando-se na indstria automobilistca, como observa Andr
Guillerme30 (1989). Para que se tenha uma idia da fora da especificidade da
Construo, deve-se registrar que no obstante os esforos de muitos empresrios e
mesmo do Estado, o projeto de generalizao da prefabricao fracassou: os
imveis prefabricados no deram mostra, ainda, de reduo do custo da construo.
Alm disto, com a crise econmica que redimensiona as demandas e os canteiros de
obras, as tcnicas tradicionais, tais como as formas, parecem adaptar-se melhor
nova realidade. Assim, o gesto do trabalhador que tradicionalmente identifica o seu
ofcio, ameaado de desaparecer pela prefabricao, a exemplo do ocorrido nas
demais indstrias como a de automvel, reintegra os canteiros da Construo.
Os gestos, que se transformam em funo das necessidades ligadas s
especificidades da Construo e se adaptam s condies de cada canteiro, vo
29 D.Barjot, "Entreprises et patronat du Btiment (XIXe - XXe sicles); in CROLA, Jean Franois
e GUILLERME, Andr (dir.), 1989, op. cit., p.24
30 A. Guillerme, "Rapport introductif au atelier Techniques et matriaux"; In CROLA, Jean Franois e GUILLERME, Andr (dir.), 1989, op. cit., p.195.
-
permitir aos trabalhadores da Construo manter intactos, ou quase, os seus ofcios
e com eles o que resta de sua autonomia.
4- No plano humano. De fato, se verdade que o trabalhador da Construo
ainda um pouco o seu prprio mestre, resulta da que a cadncia dos trabalhos no
se submete performance das mquinas introduzidas nos canteiros de obras,
contrariamente ao que se passa na maior parte do sistema de produo industrial
semi-automatizado ou automatizado, mas sua vontade. A Construo guarda,
sobretudo, a capacidade fsica e psquica dos trabalhadores de ir, ou no, at o fim
da sua resistncia na medida em que podem controlar as suas intervenes
reduzindo ou aumentando os seus esforos. Ou seja, concernente s demandas de
produtividade, o trabalhador da Construo desempenha um papel diferente daquele
dos demais setores da indstria.
Notemos, ainda, que o desenvolvimento dos trabalhos, frequentemente a cu
aberto (o que, algumas vezes, apontado como positivo por muitos trabalhadores
que se dizem incapazes de trabalhar em ambientes fechados, como escritrios etc.)
significa, tambm, confrontar-se com condies naturais (climticas, geolgicas
etc.)31 que os tornam, fequentemente, penosos, muito embora se deva reconhecer
que os trabalhadores da Construo no sejam os nicos a conviver com esse tipo
de problema. De fato, sua adaptao ao ambiente pode tornar-se cada vez menos
necessria devido existncia no mercado de numerosas mquinas que lhes
poupam esforos fsicos, ou equipamentos que os livram do barulho, da poeira e que
podem at mesmo reduzir riscos de acidente e sua gravidade.
a partir deste contexto que se pode avaliar a importncia da especificidade
da Construo nas formas de gesto da mo-de-obra, no perfil da mo-de-obra
(escolaridade, idade), nas condies de trabalho (salrios, durao da jornada de
trabalho, rotatividade, (tempo de trabalho no setor e/ou na empresa), nos fatores que
sero tratados a seguir.
Mais frente, no capitulo 2, trataremos da formao e da qualificao do
trabalhador da Construo que, como o leitor poder constatar, esto igualmente
relacionadas especificidade do setor.
1.5) As formas de gesto da mo-de-obra
No que diz respeito gesto da mo-de-obra, uma caracterstica importante
da Construo Civil a exteriorizao do seu pessoal32. Ou seja, as empresas
31 Para saber mais sobre a passagem do meio natural ao meio tcnico, ver Friedmann, G.,.7
Etudes sur l'homme et la technique, Paris, Gonthier, 1966.
32 De certa forma, o modelo de exteriorizao da mo-de-obra, tradicionalmente presente nos
canteiros de obras da Construo Civil, em especial no subsetor de Edificaes, igualamente
-
procuram manter em seu quadro permanente apenas um nmero reduzido de
trabalhadores, um ncleo constitudo dos mais qualificados, que gozam de maior
confiana da empresa e so responsveis pelos trabalhos que exigem maior
preciso. Eles so acompanhados de numerosos outros trabalhadores considerados
"descartveis", que de modo geral, so baixa qualificao, como os serventes, vigias
etc., ou ainda os "tarefeiros", "volantes", ou pequenos "empreiteiros". Enfim, no
pertencendo ao quadro permanente das empresas, nem gozando de sua confiana,
essa mo-de-obra est sujeita a uma maior rotatividade e outras formas de
precarizao do trabalho.
As empresas da Construo esto sujeitas a um mercado permanentemente
instvel, produzindo, portanto, um fuxo varivel de demanda. s vezes, na falta de
trabalho, elas quase fecham as suas portas; outras devem desdobrar-se para
atender s demandas que lhe chegam. Assim, so levadas a desenvolver polticas
de gesto da mo-de-obras estreitamente articuladas instabilidade do mercado.
De fato, estudos sobre a gesto da mo-de-obra na Construo Civil tm
mostrado que diferentes formas podem substituir umas s outras a partir de
transformaes econmicas sofridas pelo setor.
Os estudos de Michelle Tallard(1983), por exemplo, sobre as formas de
gesto do trabalho no setor, na Frana, no perodo que vai da ltima guerra mundial
at 1983, mostra que no pas, a locao de mo-de-obra, at ento muito utilizada,
foi substituda pela sub-empreitada nos anos 1980. Esta evoluo leva a autora a
concluir
"...que as polticas de gesto da mo-de-obra, e os meios aos quais
elas recorrem, no tm uma lgica prpria, mas que elas so
elaboradas em funo das estratgias econmicas e de seus
objetivos."33
Percebe-se, ainda, que tanto em uma como em outra forma de gesto
detectada pela autora, permanece um ncleo constitudo por um conjunto de
trabalhadores qualificados e estveis, em torno do qual gravita uma mo-de-obra no
qualificada e no estvel. De fato, embora mudem os modos de gesto, o recurso
exteriorizao da mo-de-obra se mantm e parece mostrar-se como uma
visvel nos dias de hoje nos demais setores produtivos, no que se convencionou chamar de
terceirizao da mo-de-obra.
33 M. Tallard, - Travail prcaire et politiques de gestion de la main-d'oeuvre dans le BTP,
Paris, CREDOC, 1983, p.209.
-
caracterstica da Construo Civil, no importando a regio ou o pas onde se
desenvolvam as suas atividades.
Assim, observa-se no estudo que a recorrncia ao trabalhador autnomo e ao
subempreiteiro reforou a exteriorizao da fora de trabalho, ao mesmo tempo em
que mostrou a ausncia de uma lgica de gesto da mo-de-obra por parte das
empresas.
A ausncia de uma lgica prpria na gesto dos trabalhadores igualmente
apontada por Myriam Campinos(1984) em estudos desenvolvidos no mesmo pas.
Ela mostra, ainda, as tramas e as estratgias das empresas e as mudanas que elas
adotam na gesto de sua mo-de-obra face s transformaes econmicas. Ela
refora, especialmente, a idia da presena, nas empresas da Construo Civil, de
uma resistncia taylorizao e da necessidade de um novo modo de gesto da
mo-de-obra34.
Na anlise que faz das formas de gesto da mo-de-obra na Construo,
Christian du Tertre (1989)35 prefere sublinhar a mobilidade. Ele considera importante
a mobilidade e ela no somente extra-setorial mas tambm intersetorial. A
similitude que existe entre algumas categorias de trabalho da Construo Civil e do
restante da indstria tem, de fato, favorecido a transferncia da qualificao dos
trabalhadores da primeira para a segunda. Atrs dessa mobilidade escondem-se,
todavia, as ms condies de trabalho e a baixa remunerao da Construo
denominadas por M.Campinos de "diferencial de gesto".
Por outro lado, a diversificao dos tipos de construo explica a presena de
uma mo-de-obra competente e polivalente. Da mesma forma, a presena de um
ncleo de operrios altamente qualificados e estveis, que se opem aos efetivos
"volantes", pouco qualificados e menos estveis, devido ausncia de
determinismo tecnolgico na organizao do trabalho e s condies de
espacializao da produo, conclui Christian du Tertre.
Em outro estudo, M. Colombard-Prout e O. Roland36 confirmam as
observaes de outros autores, segundo as quais em um mesmo canteiro de obras
pode se verificar a cohabitao dos modos industrial e tradicional de produo, assim
como a transformao das relaes de trabalho e a evoluo dos empregos, das
funes, das qualificaes e dos ofcios no setor.
1.6) O perfil da mo-de-obra da Construo.
34 M. Campinos-Dubernet, Emploi et gestion de la main-d'oeuvre... 1984, op. cit.
35 C. du Tertre, 1989, op. cit.
36 M. Colombard-Prout et O. Roland - L'volution de la formation... 1985. op cit.
-
Que emprego pode pretender um jovem analfabeto ou de baixa escolaridade
que chega grande metrpole do seu pas ou do estrangeiro, depois de abandonar o
campo ou o pequeno vilarejo onde habitava?
Durante muito tempo as portas dos canteiros de obras da Construo Civil,
especialmente do subsetor edificaes, estiveram abertas para este jovem. Trata-se
de uma mo-de-obra de baixo custo, habituada s dificuldades da vida ou ao
trabalho pesado e suficientemente motivada para enfrentar as condies difceis que
o aguardavam no canteiro de obras. Ele era, ainda, possuidor de alguma qualificao
construda na adolescncia, e mesmo na infncia, como ajudante da famlia na luta
pela subsistncia (trabalho na lavoura, na carvoaria, nas pequenas construes, na
carpintaria etc.), o que, de certa forma, o credenciava aos trabalhos da Construo,
graas semelhana entre alguns trabalhos e ferramentas utilizadas.
Para o jovem, a Construo Civil se mostrava como a oportunidade de um
primeiro emprego (com possibilidade de, inclusive, no futuro, tranferir-se para outro
setor), acesso vida urbana e s facilidades que ela parecia lhe oferecer
(assistncia mdica, escola, habitao, consumo etc.), enfim, a possibilidade de
insero e/ou de ascenso social.
Durante muito tempo estava na Construo Civil o emprego que este jovem
procurava. Hoje, entretanto, isto no parece ser mais verdade. De um lado, constata-
se uma mudana no perfil dos jovens. Eles esto, muito mais, nas periferias das
grandes cidades do que no campo: possuem um melhor nvel de escolaridade; esto
mais conscientes das mudanas e das transformaes ocorridas no mundo graas
massificao dos meios de comunicao; tm novos valores como referncia de
suas vidas; desenvolveram novos costumes etc. Esto, tambm, menos habituados
aos trabalhos pesados ou ao uso das ferramentas encontradas nos canteiros de
obras. No obstante os altos ndices de desemprego, tm surgido novas e atraentes
oportunidades no mundo do trabalho, impulsionadas, sobretudo, pelos avanos
tecnolgicos e pelo aumento da demanda nos setores de servio. De fato, abre-se
um leque maior de possibilidades de insero e ou/de ascenso social, muito embora
este mesmo jovem deva lutar para no cair na marginalidade empurrado pela
criminalidade, ou atrado pela vida "fcil" que o trfico de droga lhe promete.
Assim, a Construo cada vez menos a porta de entrada "natural" destes
jovens, ou, pelo menos, no mais a nica porta.
Aos olhos de muitos, todavia, nada parece ter mudado. E isso pode ser
creditado ao fato de que, por um lado, se tomarmos como referncia os demais
setores produtivos, no parecem ser muitas as mudanas ocorridas na Construo.
No que diz respeito aos trabalhos nos seus canteiros de obras, por exemplo, no se
registra a incorporao de importantes mquinas, equipamentos ou de tecnologias
-
sofisticadas e, diferente do que se poderia esperar, encontramos, ainda nos dias de
hoje, muitos trabalhos que dependem do uso da fora fsica e colocam em risco a
integridade fsica dos seus trabalhadores (o que faz a Construo ser, ainda, vista
como um lugar para "machos"), e isto, mesmo nas construes em pases
desenvolvidos. Por outro lado, observa-se que, no obstante as inmeras
transformaes pelas quais passa o mundo, encontramos procura de trabalho, nas
portas de canteiros de obras, vindos de regies distantes e pobres, trabalhadores
cujo perfil se assemelha muito ao dos operrios de trs ou quatro dcadas passadas.
Esse quadro ajuda a explicar, o motivo por que, aos olhos de alguns, a
Construo Civil considerada um setor atrasado ou mesmo arcaico, e, ainda, por
que seus canteiros de obras seriam uma porta aberta mo-de-obra sem
qualificao.
Alguns reparos, entretanto, merecem ser feitos. Ainda que a Construo Civil
esteja associada mo-de-obra sem qualificao, trata-se de um setor que
prescinde de mo-de-obra qualificada. Tm-se confundido trabalhos pesados, sujos,
arriscados com trabalhos simples, quando na verdade o contedo das tarefas da
Construo, na sua maioria, no tm nada de simples. Da mesma forma, confunde-
se, frequentemente, escolarizao com qualificao. Trabalhadores analfababetos ou
semi-analfabetos e, muitas vezes, pobres e carentes so tomados por trabalhadores
sem qualificao. Muito embora a escolarizao seja um elemento constitutivo
importante da qualificao, outros fatores, como o tempo efetivo de experincia nos
trabalhos de construo e de outros setores, tm tradicionalmente contribudo para a
qualificao dos trabalhadores da Construo Civil.
Como as atividades desen