A Casa No Fim Do Mundo William Hope Hodgson

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  • A Casa no Fim doMundo

    William Hope Hodgson

    Traduo de Jos Geraldo Gouva

  • A partir do Manuscrito descoberto em 1877 pelos Srs. Tonnison eBerreggnog nas Runas ao Sul do Povoado de Kraighten, no Oesteda Irlanda. Aqui transcrito, com Notas.

    Ao meu pai(Cujos ps pisam as eras perdidas)

    Abra a porta,

    E oua!

    Apenas o rugido do abafado do vento,

    E o brilho das

    lgrimas ao redor da lua.

    E, em imaginao, os passos

    Dos ps evanescentes

    L, na noite dos mortos.

    "Silncio! E escuta

    O grito triste do vento na escurido.

    Do vento no escuro.

    Silncio e oua, sem sopro ou suspiro,

    Os ps pisam as eras perdidas: Rudo que traz a sua morte.

    Silncio e oua! Silncio e oua! "

    Os ps dos mortos

  • Prefcio

    Muitas so as horas em que eu tenho estado refletindo sobre o re-lato que est transcrito nas pginas seguintes. Eu acredito que osmeus instintos no esto distorcidos quando me aconselham adeixar o texto em sua simplicidade, tal como me foi transmitido.

    E o prprio manuscrito, voc precisava me ter visto quando ele foiinicialmente colocado sob meus cuidados, virando suas pginascuriosamente e examinando-o rpida e desajeitadamente. Trata-sede um livro pequeno, mas grosso, e suas pginas estavam todas,exceto algumas das ltimas, preenchidas com uma caligrafia es-tranha, mas legvel, de forma muito apertada. Agora enquanto es-crevo, ainda guardo em minhas narinas o cheiro incomum e dis-tante de gua de poo que ele desprendia, e os meus dedos tm alembrana subconsciente da textura macia e mida de suas pgi-nas h muito fechadas.

    Eu o li, e ao ler ergui as Cortinas do Impossvel que obscurecem amente, e vi dentro do desconhecido. Em meio a frases rgidas e ab-ruptas eu me perdi e mesmo assim no tinha nenhum erro de queacusar o relato to rude porque, melhor do que minha prpriaprosa ambiciosa, tal histria mutilada capaz de evocar tudo o queo Solitrio que vivia naquela casa desaparecida, tentou dizer.

    Sobre o relato simplrio e rgido de to extraordinrios aconteci-mentos eu posso dizer pouco. Ele est diante de voc. A histriaoculta deve ser desvelada, pessoalmente, pelo leitor, de acordocom a sua capacidade e seu desejo. E se algum falhar em

  • entender, tal como agora entendo, a sombria figura e o conceitodaquilo a que alguns comumente do o nome de Inferno e Cu,mesmo assim eu prometo certas excitaes, apenas por ler estahistria como fico.

    WILLIAM HOPE HODGSON Dezembro 17, 1907

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  • Captulo I A Descoberta do

    Manuscrito

    Na distante costa Oeste da Irlanda h um lugarejo cha-mado Kraighten, localizado solitariamente no sop de umacolina baixa. Ao seu redor estende-se uma regio deserta,estril e totalmente inspita onde, a grandes intervalos,aqui e ali, pode-se achar as runas de chcaras h muitodescuidadas, quase descobertas, mas ainda de p. Todo oterritrio est desnudo e desabitado e a prpria terra malrecobre a rocha que h por debaixo, e que ali afloraabundantemente do solo em serras ondulantes.

    Porm, apesar desta desolao, meu amigo Tonnison e euescolhemos passar nossas frias l. Ele tinha encontrado olugar por mero acaso no ano anterior, em meio a umalonga caminhada, e descoberto oportunidades para umpescador em um riacho pequeno e sem nome que passaao largo do pequeno vilarejo.

    Eu disse que o rio no tem nome, mas devo acrescentarque ele no consta de nenhum mapa que eu j consultei, enem o vilarejo. Eles parecem ter escapado inteiramente observao. Na verdade eles podem nem mesmo existir,pelo que os guias normalmente dizem. Em parte isto podese dever ao fato de que a estao ferroviria mais

  • prxima, Ardrahan, est a uns sessenta e cinco quilmet-ros de distncia.

    Foi pouco depois do entardecer, em uma noite morna, quemeu amigo e eu chegamos a Kraighten. Tnhamos desem-barcado em Ardrahan na noite anterior e dormido l, emquartos alugados na agncia de correios local, quedeixamos bem cedo na manh seguinte, agarrados pre-cariamente a uma das tpicas carruagens de passeio.

    Nos custou o dia inteiro para completar nossa viagem at-ravs de uma das piores estradas que se possa imaginar,de forma que estvamos exaustos e bastante mal humora-dos. Mesmo assim, a tenda tinha que ser armada e nossasprovises, guardadas em segurana antes de pensarmosem comer ou descansar. E ento comeamos a trabalhar,com a ajuda de nosso condutor, de forma que armamos atenda sobre um pequeno descampado logo ao redor daaldeia, bem perto do rio.

    Nesse momento, depois de termos guardado todos os nos-sos pertences, dispensamos o condutor, porque ele tinhade tomar o caminho de volta to rpido quanto possvel, elhe pedimos que voltasse para nos buscar ao fim de umaquinzena. Tnhamos trazido conosco provises suficientespara durar tal perodo e poderamos beber da gua doriacho. De combustvel no precisvamos, porque tn-hamos includo um fogareiro a leo entre nossos equipa-mentos e tambm o tempo andava morno e lmpido.

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  • Foi ideia de Tonnison acampar em vez de buscar abrigoem uma chcara. Tal como disse, no havia graa algumaem dormir num grande salo com uma numerosa famliade irlandeses em um canto e o chiqueiro no outro, en-quanto acima de ns uma colnia de aves empoleiradasdistribua suas bnos imparcialmente, sendo o lugar todenso de fumaa de turfa que nos faria arrebentar o narizde tanto espirrar to logo transpusssemos a porta deentrada.

    Tonnison acendera o fogareiro e estava distrado cortandofatias de bacon para fritar, ento peguei a chaleira e fui aorio buscar gua. A caminho passei por um grupo de pess-oas do vilarejo, que me olharam com curiosidade, mas noinamistosamente, embora nenhuma arriscasse umapalavra.

    Quando voltava com a chaleira, fui at eles e depois de umgesto amistoso, a que eles responderam da mesma forma,perguntei-lhes a respeito da pesca. Em vez de me respon-derem, eles apenas gesticularam em silncio, encarando-me. Repeti a pergunta, dirigindo mais particularmente aum indivduo alto e magro que estava ao meu lado. Maisuma vez no obtive resposta. Ento esse homem se voltoupara um de seus companheiros e disse algo rapidamenteem uma lngua que no consegui entender; aps o que,todo grupo deles comeou a tagarelar naquela lngua que,depois de alguns minutos, adivinhei ser o mais puro ir-lands. Ao mesmo tempo eles lanaram muitos olhares emminha direo. Por um minuto, talvez, eles conversaramentre si desta forma, ento o homem ao qual eu medirigira encarou-me e disse algo. Pela expresso e seu

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  • rosto eu adivinhei que ele estava, por sua vez, me fazendouma pergunta, mas foi a minha vez de balanar a cabeapara indicar que no tinha entendido o que queria saber.Desta forma, ficamos olhando um para o outro at euouvir Tonnison me chamando para ir depressa com achaleira. Ento, com um sorriso e um gesto, eu os deixei,e todos no pequeno grupo tambm sorriram e gesticu-laram por sua vez, embora suas faces trassem seuembarao.

    Era evidente, refleti enquanto voltava para a tenda, que oshabitantes daquelas poucas cabanas no descampado noconheceriam uma palavra sequer de ingls. Quando conteiisso ao Tonnison, ele acrescentou que j sabia do fato eque, ainda mais, tal no era incomum naquela parte dopas, onde as pessoas ainda viviam e morriam em seus vil-arejos isolados sem nunca entrarem em contato com omundo exterior.

    Gostaria que o condutor tivesse servido de intrpretepara ns antes de ir-se observei ao me sentar paracomer parece-me estranho que o povo desse lugar nemchegue a saber para que viemos.

    Tonnison grunhiu de acordo e depois ficou em silncio porum momento.

    Depois, tento satisfeito nossos apetites de certo modo,comeamos a conversar, fazendo planos para a manh.

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  • Ento, depois de fumarmos, fechamos a borda da tenda enos preparamos para deitar.

    Creio que no h nenhuma chance daqueles camaradasl fora roubarem alguma coisa? perguntei enquanto nosenrolvamos nos cobertores.

    Tonnison disse que no pensava assim, pelo menos en-quanto estivssemos por perto e, como disse a seguir,poderamos por tudo, exceto a tenda, no grande cesto quehavamos trazido para nossas provises. Eu concordei comisso, e ento logo adormecemos.

    Na manh seguinte, bem cedo nos levantamos e fomos to-mar um banho no riacho, depois do que nos vestimos etomamos o desjejum. Desempacotamos ento nossaaparelhagem de pesca e a verificamos. Quando termin-amos, nossas refeies j haviam sido parcialmente digeri-das e ns guardamos tudo dentro da tenda e nos dirigimosao rumo que o meu amigo havia explorado em sua visitaanterior.

    Ao longo do dia ns pescamos alegremente, subindosempre contra a correnteza, e ao cair a noite tnhamos umdos mais belos cestos de peixes que eu tinha visto emanos. Retornando ao povoado, fizemos bons pratos denosso pescado e depois de selecionarmos os melhorespeixes para o desjejum seguinte, presenteamos os demaisao grupo de locais que havia se reunido a uma distnciarespeitvel para vigiar nossos passos. Eles pareceram

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  • muito gratos e nos lanaram sobre nossas cabeas o quepresumimos ser uma montanha de bnos em irlands.

    Assim passamos vrios dias, desfrutando de um espln-dido esporte e gozando de apetites que faziam justia snossas presas. Ficamos satisfeitos em descobrir o quoamistosos os habitantes do vilarejo estavam inclinados aser, e que no havia nenhum sinal de que tivessem semetido com nossos pertences durante nossas ausncias.

    Fora numa quinta-feira que chegramos a Kraighten, e foino domingo seguinte que fizemos uma grande descoberta.At ento havamos sempre subido contra a correnteza,mas naquele dia ns deixamos de lado nossos bastes e,levando algumas provises, partimos para uma longa cam-inhada na direo oposta. O dia estava morno e andamosnos divertindo bastante, parando por volta do meio diapara comer nosso almoo sobre uma grande pedraachatada perto da margem do rio. Depois disso nos sen-tamos e fumamos um pouco, recomeando nossa camin-hada s quando nos cansamos da inao.

    Por talvez mais uma hora ns continuamos em frente, con-versando calma e confortavelmente sobre este ou aqueleassunto, e em vrios momentos paramos enquanto meuamigo que quase um artista rascunhava aspectosdestacados da paisagem selvagem.

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  • Ento, sem nenhum tipo de aviso, o rio que havamosseguido to confiantemente, chegou a um fim abrupto, de-saparecendo pelo cho adentro.

    Bom Deus! eu disse quem teria pensado nisso?

    E eu olhei maravilhado, depois me virei para o Tonnison.Ele estava observando, com uma expresso plida norosto, o lugar onde o rio desaparecia.

    Ento ele falou.

    Vamos continuar um pouco. Ele pode reaparecer maisadiante. De qualquer forma, algo que merece serinvestigado.

    Concordei e continuamos mais um pouco, embora semmuita direo, porque no tnhamos nenhuma certeza dequal direo seguir em nossa busca. Por talvez um quil-metro e meio ns andamos ainda, ento Tonnison, quetinha estado olhando em volta curiosamente, parou e le-vou as mos aos olhos.

    Veja! ele disse aquilo l longe, direita daquelerochedo grande, no nvoa ou algo assim? e ele in-dicou com sua mo.

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  • Eu olhei com ateno e depois de um minuto pareceu-mever, mas no tinha certeza, e no confirmei.

    De qualquer forma meu amigo respondeu vamosl dar uma olhada.

    E comeou a seguir na direo que tinha sugerido, comigoacompanhando. Ento chegamos a um matagal e depoisde um tempo samos no topo de um barranco alto e pedre-goso, do alto do qual contemplvamos abaixo umavastido de arbustos e rvores.

    Parece que chegamos a um osis nesse deserto depedras murmurou Tonnison, olhando com interesse.Ento ficou em silncio, com seus olhos vidrados, porque apartir de um certo ponto no meio da baixada coberta devegetao erguia-se no ar calmo uma grande coluna denvoa difusa, na qual o sol brilhava, produzindoinumerveis arcos-ris.

    Como bonito! exclamei.

    Sim concordou Tonnison, pensativamente. Devehaver por ali uma cascata ou algo assim. Talvez o nossorio ressurgindo. Vamos l ver.

    Descemos pelo barranco inclinado e nos vimos entre asrvores e macegas. Os arbustos eram entrelaados e asrvores, mais altas do que ns, de forma que o lugar era

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  • desagradavelmente escuro; mas no o bastante para meimpedir de ver que muitas das rvores eram frutferas eque, aqui e ali, podiam ser vistos traos quase indistintosde um cultivo h muito abandonado. Assim eu entendi queestvamos passando atravs do que fora antigamente umgrande jardim. Eu o disse ao Tonnison, e ele concordouque pareciam haver motivos razoveis para minha opinio.

    E que lugar desolado ele era, to melanclico e sombrio!Parecia, enquanto seguamos, que um pouco da silenciosasolido e abandono do velho jardim me abatia, e eu mesenti estremecer. Pode-se imaginar que coisas espiam porentre os arbustos emaranhados enquanto, at no ar dolugar, parecia haver algo incomum. Creio que Tonnison es-tava consciente disso tambm, mas no disse nada.

    Subitamente tivemos que parar. Por entre as rvoresvinha crescendo em nossos ouvidos um rudo distante.Tonnison curvou-se para a frente, ouvindo. Ento eu ouvimais claramente: era contnuo e rspido, um tipo de rugidoou zumbido que parecia vir de muito longe. Eu tive uma li-geira sensao de estranho e indescritvel nervosismo. Quetipo de lugar era aquele a que havamos chegado? Olheipara o meu companheiro, para tentar ver o que ele achavado assunto, e notei que s havia surpresa em seu rosto, eento, enquanto olhava sua expresso, uma expresso deentendimento surgiu nela, e ele balanou a cabea:

    uma cachoeira ele exclamou, com convico. Agora reconheo o som. E ele comeou a correr vig-orosamente entre os arbustos, na direo do barulho.

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  • medida em que continuamos, o som foi ficando maisdefinido, mostrando que amos exatamente em suadireo. Gradualmente o rugido ficou mais alto e maisprximo, at parecer que surgia, como comentei com oTonnison, bem debaixo de nossos ps, embora ns aindaestivssemos cercados de rvores e moitas.

    Tome cuidado gritou o Tonnison Olha onde vocest pisando!

    E ento, de repente, samos de dentro das rvores edemos com um enorme espao aberto onde, menos deseis passos nossa frente, se escancarava a boca de umtremendo abismo, de cujo fundo o rudo parecia subir,junto com a nvoa contnua e suave que tnhamos visto doalto do distante barranco.

    Por quase um minuto ns ficamos em silncio, contem-plado maravilhados a paisagem e ento o meu amigoadiantou-se cautelosamente at a beira do precipcio. Eu osegui, e juntos olhamos para baixo atravs da nuvem deumidade de uma monstruosa catarata de gua espumanteque brotava, esguichando, de um dos lados do precipcio,quase trinta metros abaixo.

    Bom Deus! disse o Tonnison

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  • Eu fiquei em silncio, bastante aterrado. A viso era ines-peradamente grandiosa e estranha, embora esta segundaqualidade eu s notei um pouco mais tarde.

    Naquele momento eu olhei acima e alm, na direo dooutro lado do abismo. L eu vi algo que se erguia porentre a neblina: parecia o fragmento de uma grande runa,e eu toquei Tonnison no ombro. Ele olhou em torno, as-sustado, e eu lhe apontei a coisa. Ele seguiu meu dedocom seu olhar e os seus olhos se acenderam com umsbito brilho de excitao, to logo o objeto apareceu emseu campo de viso.

    Vem comigo! ele gritou no meio do barulho. Vamos dar uma olhada naquilo. Tem algo esquisito nesselugar, eu sinto isso nos meus ossos.

    E ele saiu andando, contornando a borda do abismo queparecia uma cratera. Quando nos aproximvamos danovidade, eu vi que no me enganara em minha primeiraimpresso. Era sem dvida parte de um edifcio arruinado,mas ento eu vi que no tinha sido construdo borda doprecipcio propriamente dita, como eu supusera, maspregada quase na ponta de uma enorme espora de rochaque se lanava at uns quinze ou vinte metros para dentrodo abismo. Na verdade, a massa desordenada de runasestava literalmente suspensa no ar.

    Chegando ao lado oposto, caminhamos at o brao derocha que se projetava. Devo confessar que tive uma

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  • sensao de intolervel terror ao olhar do alto daquela fr-gil passarela as profundezas desconhecidas abaixo de ns profundezas de onde nos subia continuamente o troarda gua em queda e o vu de nvoa.

    Chegando s runas, escalamos at elas e achamos nolado oposto um monturo de rochas cadas e destroos. Aruna me parecia, enquanto eu a examinava em detalhe,parte dos muros exteriores de alguma estrutura prodi-giosa. Era bem grossa e firmemente construda, mas o queela estava fazendo naquele lugar eu no podia sequer ima-ginar. Onde estava o resto da manso, castelo ou o quequer que tivesse havido?

    Fui para o outro lado da muralha, e portanto borda doabismo, deixando Tonnison procurando sistematicamentenas pilhas de pedras e entulho no outro lado. Ento eupassei a examinar a superfcie do cho, perto da borda doabismo, para ver se ali no haviam outros restos do edif-cio a que a runa fragmentria evidentemente pertencia.Mas embora eu perscrutasse a terra com o maior cuidado,no pude ver nenhum sinal que indicasse que tivesse ja-mais existido um edifcio erguido ali, e isso me fez ficarmais intrigado do que antes.

    Ento ouvi um grito do Tonnison, que excitadamentechamava meu nome e no demorei a correr ao longo dopromontrio at a runa. Primeiro pensei que ele tivesse seferido, e s mais tarde imaginei que pudesse ter encon-trado algo.

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  • Cheguei muralha cada e a contornei. Ento achei Ton-nison dentro de uma pequena escavao que tinha feito nomonturo: ele estava limpando a poeira de alguma coisaque parecia um livro, mas muito amarrotado e danificado,e abria a boca a cada segundo ou dois para gritar o meunome. To logo viu que eu tinha aparecido ele me en-tregou seu achado, dizendo-me para p-lo na minhasacola para proteger da umidade enquanto continuvamosnossas exploraes. Isso eu fiz, antes porm o folheeientre meus dedos, notando que suas pginas estavamtotalmente preenchidas com uma caligrafia rigorosa e anti-quada que ainda estava bem legvel, exceto por umtrecho, no qual vrias pginas tinham sido quase destru-das, pelo mofo e pelo amarrotamento, como se o livrotivesse sido dobrado ao contrrio naquela parte. Assim foique o Tonnison o encontrara, tal como logo descobri, e odano era devido, provavelmente, queda da construosobre a parte aberta. Curiosamente, porm, o livro estavabem seco, o que eu atribu a ter estado to bem enterradoentre as runas.

    Depois de guardar o volume em segurando, fui at Ton-nison e passei a ajudar-lhe em sua obra de escavao,mas embora passssemos mais de uma hora trabalhandoduro, revirando todas as rochas amontoadas e destroos,no achamos nada mais que alguns fragmentos demadeira quebrada, que poderiam ter sido de uma mesa ouescrivaninha. Ento desistimos da busca e caminhamos at-ravs da ponte de pedra, retornando segurana da terra.

    O que fizemos a seguir foi completar a volta em torno dotremendo abismo, com o que pudemos observar que ele

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  • tinha o formato de um crculo quase perfeito, exceto peloesporo rochoso coroado pelas runas, que interrompia suasimetria.

    O abismo era, como Tonnison o disse, nada mais do queum gigantesco poo ou buraco que penetrava profunda-mente nas entranhas da terra.

    Por algum tempo continuamos olhando em torno, at quenotamos claramente haver um espao ao norte do abismoe seguimos naquela direo.

    Ali, distante umas centenas de metros da boca do pro-fundo abismo, achamos um grande lago de guas silencio-sas silenciosas, diga-se, exceto por um lugar onde haviaum borbulhar contnuo e uma agitao. J distantes dorudo da catarata, podamos ouvir a conversa um do outro,sem ter que gritar com toda a fora de nossas vozes, e euperguntei a Tonnison o que ele achava do lugar. Disse-lheque no gostava dali, que quanto mais cedo fssemos em-bora melhor eu me sentiria. Ele acenou que sim, e olhoufurtivamente para o bosque atrs de ns. Perguntei-lhe sevira ou ouvira algo. Ele no disse nada, mas ficou quieto,como se estivesse ouvindo, e eu tambm fiquei em siln-cio. De repente ele falou.

    Escuta! ele disse, rispidamente.

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  • Eu olhei para ele e depois em torno de ns, para asrvores e arbustos, segurando involuntariamente a respir-ao. Um minuto se passou nesse silncio custoso, mas euno conseguia ouvir nada, quando me voltei para dizerisso a Tonnison, ento justo quando eu abriria os meus l-bios para falar, ouviu-se um estranho lamento no bosque, nossa esquerda Ele parecia flutuar entre as rvores, ehouve um barulho de folhas agitadas, depois um silncio.

    No mesmo instante Tonnison falou, pondo sua mo nomeu ombro:

    Vamos embora daqui.

    Ele falou e comeou a se mover lentamente na direo naqual as rvores e arbustos pareciam ralear. Ao seguir-lhe,notei subitamente que o sol ia baixo e que havia uma rudesensao de friagem no ar.

    Tonnison no disse mais nada, mas continuou andando de-cididamente. Estvamos ento entre as rvores e eu ol-hava em volta nervosamente, mas sem ver nada alm dossilenciosos troncos e galhos e os arbustos emaranhados.Seguimos em frente, e nenhum rudo quebrava o silncio,exceto pelo estalo ocasional de um graveto sob nossos psquando pisvamos. Mesmo assim, apesar da quietude, eutinha uma sensao horrvel de que no estvamos ss, eandava to perto do Tonnison que duas vezes eu chuteiseus calcanhares desastradamente, mas ele no reclamou.Um minuto, depois outro, e ns chegamos finalmente aos

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  • limites do bosque, saindo para a nudez rochosa dodescampado. Somente ento eu fui capaz de sacudir dosombros o pavor que vinha me seguindo entre as rvores.

    Por fim, enquanto caminhvamos, parecemos ouvir dis-tncia o mesmo som de lamento, e eu tentei me conven-cer de que era s o vento embora o entardecer notivesse uma brisa.

    Ento o Tonnison comeou a falar.

    Olha s ele disse decididamente eu no passo anoite naquele lugar nem por toda a riqueza do mundo.Tem alguma coisa mpia ou diablica ali. Eu senti isso deuma hora para outra, assim que voc falou. Pareceu-meque o bosque estava cheio de coisas malignas, voc sabe!

    Sim eu respondi e olhei de volta, mas o lugar estavaescondido de nossa viso por uma elevao do terreno.

    Temos o livro disse, pondo a mo na minha sacola.

    Voc o trouxe em segurana? ele perguntou em umsbito acesso de ansiedade.

    Sim respondi.

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  • Talvez ele continuou possamos aprender algo comele assim que estivermos de volta tenda. Melhor nosapressarmos tambm, porque estamos ainda bem longe eeu no gostaria de ser surpreendido aqui quandoescurecer.

    Foi somente duas horas depois que chegamos tenda,e sem demora comeamos a trabalhar no preparo de umarefeio, porque no tnhamos comido nada desde nossoalmoo ao meio-dia.

    Depois do jantar arrumamos as coisas e acendemos nos-sos cachimbos. Ento Tonnison me pediu para tirar omanuscrito da sacola. Como no podamos ler os dois aomesmo tempo, ele sugeriu que eu deveria ler em voz alta.

    E tenha o cuidado ele me preveniu, sabendo de meushbitos no v saltando trechos.

    Porm, se ele soubesse o que o livro continha, teria enten-dido que tal aviso era desnecessrio, ao menos daquelavez. E ali sentados, dentro de nossa pequena tenda, eucomecei a estranha histria da Casa no Fim do Mundo(pois esse era o ttulo do manuscrito), que vai contada naspginas a seguir.

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  • Captulo II A Plancie do

    Silncio

    Sou velho. Vivo nesta casa antiga, cercada por imensos e descuida-dos jardins. Os camponeses que habitam os campos dizem que eusou louco. Isto porque no tenho nada a ver com eles. Vivo aquisozinho com a minha irm mais velha, que tambm a minha gov-ernanta. No temos serviais eu os odeio. Tenho um amigo, umco. Sim, eu prefiro o velho Pimenta do que todo o resto da Cri-ao. Pelo menos ele me entende e tem suficiente discerni-mento para me deixar sozinho nos meus momentos tristes.

    Decidi comear uma espcie de dirio, talvez ele me ajude a lem-brar de alguns pensamentos e sentidos que eu no posso expres-sar para ningum. Mas, alm disso, estou ansioso para deixar al-gum registro das coisas estranhas que tenho ouvido e visto dur-ante os muitos anos de solido nessa velha construo toestranha.

    Faz dois sculos que essa casa tem sido famosa, uma m fama, eantes que eu a comprasse, por mais de oitenta anos ningum tinhavivido aqui. Consequentemente, eu obtive esse velho lugar por umpreo ridiculamente baixo.

    No sou supersticioso, mas parei de negar que h coisas aconte-cendo nesta velha casa coisas que eu no sei explicar e que,portanto, devo aliviar da mente escrevendo seu relato, o melhor

  • que possa, ainda que, se esse dirio meu for um dia lido depoisque eu me for, os leitores vo apenas sacudir a cabea e ficarainda mais convencidos de que estava louco.

    Esta casa, como ela antiga! Apesar de que a sua antiguidade im-pressiona menos, talvez, do que a esquisitice de sua estrutura, que curiosa e fantstica o mais que se possa imaginar. Pequenastorres curvadas e pinculos de contornos que parecem chamasdanantes predominam, enquanto o corpo do edifcio propriamentedito em formato circular.

    Eu j ouvi dizerem que h uma antiga lenda, contada pela gentedo campo, segundo a qual foi o diabo que construiu esse lugar. Noentanto, isso tudo quanto dizem. Verdade ou no, no sei e nome importa, a no ser porque me ajudou a pechinchar, e aqui es-tou eu.

    Eu devia estar vivendo aqui por uns dez anos quando comecei aver o suficiente para dar crdito a quaisquer lendas a respeitodessa casa, correntes na vizinhana. verdade que eu tinha vistoantes, pelo menos uma dzia de vezes, vagamente, coisas que tin-ham me intrigado e talvez estivesse mais impressionado do queparecia. Ento, medida em que os anos foram passando,trazendo a idade sobre mim, eu comecei a ficar mais consciente dealguma coisa invisvel, mas inegavelmente presente nos quartosvazios e nos corredores. Ainda assim, como eu disse antes,passaram-se muitos anos at eu comear a ver quaisquer manifest-aes do que chamado de sobrenatural.

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  • No foi no Halloween. Se eu estivesse contando uma histria paradivertimento eu certamente a situaria naquela noite entre todas asnoites, mas este um relato verdadeiro de minhas prprias exper-incias e no sou do tipo que leva a caneta ao papel para divertiros outros. No. Foi aps a meia-noite, na vspera do dia vinte eum de janeiro. Eu estava sentado lendo, como o meu costume,no meu escritrio. Pimenta estava deitado, adormecido, perto daminha poltrona.

    Sem aviso, as labaredas das duas velas diminuram e ento bril-haram com uma fluorescncia verde medonha. Eu logo olhei, e aofaz-lo vi as luzes mudarem para um tom encarnado forte, demodo que o cmodo brilhou como um entardecer vermelho, es-tranho e pesado, que deu s sombras atrs das cadeiras e mesasuma profundidade dupla de escurido, e onde quer que a luz at-ingisse, era como se um sangue luminoso tivesse sido entornado.

    No cho eu ouvi um choramingar baixo e assustado e alguma coisase enfiou entre os meus ps. Era o Pimenta, escondendo-se demedo debaixo do meu roupo. Pimenta normalmente era bravocomo um leo!

    Foi esse movimento do co, eu acho, que me deu o primeiro belis-co de um medo real. Eu tinha ficado consideravelmente assustadoquanto as luzes primeiro queimaram em verde e depois em ver-melho, mas tinha ficado ento pensando que a mudana tinha sidopor causa do sopro de algum gs venenoso no quarto. Porm logovi que no era isso, porque as velas queimavam com uma chamafirme e no davam sinal de estarem apagando, como teria aconte-cido se a causa fosse algum fluido na atmosfera.

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  • No me mexi. Fiquei distintamente assustado, mas no conseguipensar em nada melhor do que esperar. Por cerca de um minutoeu continuei observando nervosamente o quarto ao redor. Entonotei que as luzes tinham comeado a diminuir, muito lentamente,at ficarem reduzidas a pequenas partculas de fogo vermelho,como as cintilaes de um rubi no escuro. Mas eu ainda continueiobservando, enquanto uma certa sonolncia e indiferena pareciamme afetar, espantando todo o medo que tinha comeado a mesubjugar.

    No ponto mais distante do canto oposto daquele cmodo antiquadoeu tive conscincia de um brilho fraco. Mas ele cresceu sem parar,enchendo o quarto com os clares de uma luz verdejante; entoeles tambm definharam e se tornaramda mesma forma que aslabaredas das velas de um carmim sombrio que ganhou fora eiluminou o cmodo com uma inundao de horrvel glria.

    A luz vinha da parede externa, e se tornou mais brilhante at osseus raios intolerveis causaram uma dor aguda em meus olhos, eeu involuntariamente os fechei. Devem ter se passado poucos se-gundos antes que eu conseguisse abri-los. A primeira coisa quenotei foi que a luz tinha diminudo, e bastante, tanto que no maisagredia os meus olhos. Ento, quando ela ficou ainda mais mortia,eu percebi que em vez de estar olhando para a vermelhido eumirava atravs dela, e atravs da parede.

    Gradualmente, ao me acostumar com a ideia, percebi que estavacontemplando uma vasta plancie, iluminada pela mesma luz mel-anclica de entardecer que embebia o cmodo. A imensidodaquela plancie mal pode ser concebida. Em parte alguma eu pudenotar seus confins. Ela parecia alargar-se e abrir-se de forma que o

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  • olho no conseguia ver seus limites. Lentamente os detalhes daparte mais prxima comearam a clarear e ento, em pouco maisque um momento, a luz morreu e a visose aquilo tinha sido umavisose desfez e sumiu.

    De repente eu tomei conscincia de que no estava mais na pol-trona. Em vez disso eu parecia estar pairando acima dela, e ol-hando para baixo e vendo uma coisa difusa, amontoada e quieta.Logo depois um golpe frio me atingiu e eu estava l fora na noite,flutuando, como uma bolha, pela escurido acima. medida emque eu me movia, um frio enregelante parecia me envolver, e eutremia.

    Depois de um tempo eu olhei esquerda e direita e vi o intoler-vel negrume da noite, perfurado por remotas cintilaes de fogo.Para frente, para fora eu seguia. Uma vez ao olhar para trs eu vi aTerra, um pequeno crescente de luz azul, recuando minha es-querda. Mais alm o sol, uma mancha de chamas claras, queimavavividamente contra o escuro.

    Um perodo indefinido se passou. Ento, pela ltima vez, eu vi aTerraum persistente glbulo de azul radiante, nadando em umaeternidade de ter. E ali eu, um frgil floco de poeira espiritual,hesitava em silncio atravs do vcuo, deixando o distante azul,entrando nas larguezas do desconhecido. Um longo intervalo pare-ceu passar e ento eu no podia ver mais nada. Eu tinha passadoalm das estrelas fixas e mergulhava no imenso negrume que es-pera alm. Todo esse tempo eu tinha sentido pouca coisa, a noser uma ligeira impresso de leveza e frio desconforto. Masnaquele momento a escurido atroz pareceu invadir a minha almae eu me enchi de medo e desespero. O que aconteceria comigo?

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  • Aonde estava indo? To logo tais pensamentos se formaram,apareceu contra a impalpvel escuridade que me envolvia umplido tom de sangue. Ele parecia extraordinariamente remoto enebuloso, mas mesmo assim o sentimento de opresso foi aliviadoe eu no me desesperei mais.

    Lentamente, a distante vermelhido se tornou mais distinta e maiorat que, quando me aproximava, ela se espalhou em um grande etremendamente sombrio brilho mortio. Eu ainda seguia adiante eento chegara to perto que ela parecia se estender abaixo de mimcomo um imenso oceano de sombras vermelhas. Eu s podia verpouca coisa, exceto que parecia estender-se interminavelmente emtodas as direes.

    Pouco depois eu descobri que estava descendo sobre ela e logoafundei em um grande mar de nuvens avermelhadas e tristes.Lentamente eu emergi destas e ento, abaixo de mim, eu vi a es-tupenda plancie que tinha visto em meu quarto nesta casa que ficasobre as fronteiras dos Silncios.

    Ento eu aterrissei e fiquei de p, cercado por um imenso esolitrio deserto. O lugar estava iluminado por um pr-do-sol fugi-dio que me deva a impresso de uma desolao indescritvel.

    Ao longe minha direita, l no cu, queimava um gigantesco anelde fogo vermelho escuro, de cujas bordas se projetavam enormese contorcidas chamas, pontiagudas e irregulares. O interior desteanel era negro, negro como a treva da noite exterior. Compreendiinstantaneamente que era daquele sol extraordinrio que o lugarrecebia sua luz lgubre.

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  • Daquela estranha fonte de luz eu dirigi meus olhos s minhas cer-canias. Em todo lugar que olhasse eu no via nada a no ser a ex-austo uniforme de uma plancie interminvel. Em lugar algum eupodia discernir qualquer sinal de vida, nem mesmo as runas de al-guma habitao antiga.

    Gradualmente eu descobri que esta sendo levado para a frente, flu-tuando atravs do deserto plano. Pelo que me pareceu uma etern-idade eu segui adiante. Eu no tinha noo de qualquer impacin-cia, embora alguma curiosidade e uma grande surpresa me seguis-sem o tempo todo. Sempre ao meu redor eu via a largura daquelaplancie enorme e sempre procurava por algo que rompesse a suamonotonia. Mas no havia nenhuma mudanaapenas solido,silncio e deserto.

    Ento, meio inconscientemente, eu notei que havia uma tnuenebulosidade avermelhada sobre a sua superfcie. Mas quando euolhei com mais ateno eu no conseguiu saber se era realmenteneblina, porque parecia mesclar-se com a plancie, dando-lhe umairrealidade peculiar e trazendo aos sentidos a ideia deimaterialidade.

    Gradualmente eu comecei a ficar cansado da continuidade dacoisa. Mas ainda demorou muito tempo para que eu percebessequalquer sinal do lugar para o qual estava sendo levado.

    Por fim eu o vi, bem longe, como uma comprida cadeia de colinasno cho da Plancie. Ento, quando me aproximei, eu percebi queestava enganado, porque em vez de umas colinas baixas eu pude

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  • enxergar uma cadeia de grandes montanhas, cujos distantescumes subiam at a luz vermelha e at se perderem quase devista.

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  • Captulo III A Casa na Arena

    Enfim, depois de um tempo eu cheguei s montanhas. Ento orumo de minha jornada foi alterado e comecei a me mover aolongo de seus sops at que, de uma vez, eu percebi que haviachegado diante de uma vasta falha que se abria atravs dasmontanhas. Atravs dela eu fui levado, movendo-me a uma velo-cidade no muito grande. Dos meus dois lados se erguiam imensasparedes escarpadas de uma substncia rosada parecida com pedra.Muito acima eu discernia uma fina faixa vermelho, onde a boca doabismo se abria, entre inacessveis picos. Dentro ele havia escur-ido, profundeza e um silncio sombrio e gelado. Por um momentoeu segui firmemente adiante e ento, por fim, eu vi frente umforte brilho vermelho que significava que eu estava me aproxim-ando do outro lado da ravina.

    Um minuto veio e passou, e eu cheguei sada do abismo, con-templando um enorme anfiteatro de montanhas. Porm, dasmontanhas e da grandiosidade terrvel daquele lugar eu no tomeinota, porque estava confundido com a surpresa de perceber, dis-tncia de vrios quilmetros, ocupando o centro da arena, uma es-tupenda estrutura aparentemente construda de jade verde. Aindaassim, no foi a descoberta pura e simples do edifcio que me as-sustou tanto, mas o fato, que a cada minuto ficava mais aparente,de que em nenhum detalhe particular, no ser pela cor, pelo ma-terial e pelo tamanho, aquela estrutura solitria diferia destamesma casa em que eu vivo. Por um momento eu continuei a con-templar fixamente. Mesmo ento eu mal podia acreditar que eu es-tava enxergando direito. Em minha mente uma pergunta seformou, reiterando-se incessantemente: O que isto significa? O

  • que isto significa? e eu no sabia imaginar uma resposta, nemtentando usar toda a minha imaginao. Eu s parecia capaz demaravilhar-me e ter medo. Por um momento a mais eu olhei, not-ando cada vez um novo ponto de semelhana que me atraa. Porfim, cansado e doloridamente confuso, eu desviei os olhos paracontemplar o resto do estanho lugar que havia penetrado.

    At aquele momento, eu tinha estado to distrado em meu es-crutnio da Casa que eu no tinha dado nenhuma ateno aos arre-dores. Ento quando olhei comecei a entender qual era o tipo delugar a que chegara. A arena, pois assim eu a chamei, parecia umcrculo perfeito de cerca de vinte quilmetros, ou pouco menos, aCasa, como mencionei, ficava bem no centro. A superfcie do lugar,tal como aquela da Plancie, tinha uma aparncia peculiar, nebu-losa, que no era bem exatamente uma neblina.

    Aps a rpida pesquisa, meu olhar passou logo acima, ao longodas encostas das montanhas ao redor. Quo silenciosas elas eram.Eu acho que aquela quietude abominvel me enervava mais do quequalquer coisa que tivesse visto ou imaginado. Eu olhava paracima, em direo aos cumes imensos, que se erguiam s alturas.L no alto, a vermelhido impalpvel dava uma aparncia borradaa tudo.

    E ento, enquanto olhava, curiosamente um novo terror me at-ingiu. Porque alm, entre os picos meio apagados minha direita,eu notei uma vasta forma negra e gigantesca. Ela crescia diantedos meus olhos. Ela tinha uma enorme cabea equina, com gi-gantescas orelhas e parecia olhar atentamente para dentro daarena. Havia algo em sua pose que me dava a impresso de eternavigilncia de haver cuidado daquele lugar funesto desde

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  • eternidades desconhecidas. Lentamente o monstro se tornou maisvisvel para mim e ento minha viso saltou dele para outra coisamais alm e mais alto entre os precipcios. Por um longo minuto euobservei, amedrontado. Eu tinha a estranha impresso de algo node todo estranho, como se alguma coisa me provocasse no fundoda mente. A coisa era preta e tinha quatro braos grotescos. Afisionomia parecia indistinta ao redor do pescoo, eu notei vriosobjetos de cores claras. Lentamente os detalhes apareceram paramim e eu percebi, friamente, que eram caveiras. Corpo abaixohavia outro cinto, que se mostrava menos escuro contra o tronconegro. Ento, enquanto ainda me perguntava o que a coisa poderiaser, uma lembrana escorregou para minha conscincia e eusimplesmente soube que estava olhando para a monstruosa rep-resentao de Kali, a deusa hindusta da morte.

    Outras lembranas de meus dias de estudante deslizaram em meuspensamentos. Meu olhar retornou imensa Coisa com cabea deanimal e simultaneamente reconheci-a como o antigo deus egpcioSet, ou Seth, o Destruidor de Almas. Com o reconhecimentochegou-me um questionamento arrebatador: Dois dos Eu parei,e tentei pensar. Coisas alm de minha imaginao miravam minhamente assustada. Eu vi, obscuramente, os velhos deuses da mito-logia e tentei compreender o que isto implicava. Meu olhar per-manecia, hesitante, entre os dois. Se Uma ideia veio subita-mente, e eu me virei e olhei rapidamente para cima, buscandoentre os lgubres precipcios, longe minha esquerda. Algo seocultava l, sob um grande pico, uma forma cinzenta. No entendicomo no o vira antes, e ento lembrei que ainda no tinha olhadonaquela direo. Eu vi mais claramente ento. Ele era, como disse,cinzento. Ele tinha uma tremenda cabea, mas no olhos. Aquelaparte de sua face era vazia.

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  • Ento eu vi que havia outras daquelas coisas entre as montanhas.Mais alm, reclinado sobre um promontrio elevado, eu discerniuma massa lvida, irregular e vampiresca. Ela parecia amorfa, ano ser por uma imunda cara animalesca. E depois eu vi outros, ehavia centenas deles. Eles pareciam saindo das sombras. Vrios eureconheci quase imediatamente como deuses mitolgicos, outroseram estranhos, muito estranhos, alm do poder de concepo damente humana. Em cada lado eu olhava e via mais, continua-mente. As montanhas estavam cheias de Coisas estranhas: deusesferozes, e horrores to atrozes e bestiais que por impossibilidade edecncia me nego a tentar descrev-los. E eu estava cheio de umhorror total, que me subjugava com medo e repugnncia, masmesmo assim, eu pensava em muitas coisas. Haveria algo ver-dadeiro, afinal de contas, nos antigos ritos pagos, mais do que amera deificao de homens, animais e elementos? A possibilidademe atraa: ser que havia?

    Depois uma outra pergunta se repetia. O que eram eles, aquelesdeuses bestiais, e os outros tambm? A princpio eles me pare-ceram apenas monstros de escultura colocados indiscriminada-mente pelos picos inacessveis e precipcios das montanhas aoredor. Mas ao examin-los com mais cuidado e ateno a minhamente comeou a chegar a concluses mais elaboradas. Havia algoa respeito deles, um tipo indescritvel de vitalidade silenciosa quesugeria, para a minha conscincia em expanso, um estado de vidainerte, uma coias que no era exatamente vida como a con-hecemos, mas uma forma inumana de existncia, que bem podeser comparada a um transe imortal, uma condio a qual possvelimaginar que continue eternamente. Imortal a palavra apare-ceu em meus pensamentos sem eu a evocar, e logo eu estava ima-ginando se esta no seria a maneira de os deuses serem imortais.

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  • Foi ento, em meio aos meus pensamentos e teorias, que algoaconteceu. At ento eu tinha estado coberto pelas sombras dasada da grande falha. Mas sem nenhuma inteno de minha parteeu sa da penumbra e comecei a me mover lentamente atravs daarena, em direo Casa. Com isso eu abandonei todopensamento sobre aquelas prodigiosas Formas acima de mim e spude olhar, amedrontado, para a tremenda estrutura em cujadireo eu estava sendo levado to sem cuidado. Mas embora pro-curasse diligentemente, no conseguia descobrir nada que eu jno tivesse visto, o que me acalmou gradualmente.

    Naquele momento eu havia chegado ao ponto mdio entre a Casae a ravina. Tudo ao redor estava coberto pela forte solido do lugare o silncio ininterrupto. Firmemente eu me aproximava do grandeedifcio. Ento, de uma vez, algo me atraiu a viso, algo que veiodos lados de um dos suportes da Casa, e logo apareceu plena-mente. Era uma coisa gigantesca, e se movia num passo curioso,andando quase ereto, maneira humana. Mas estava quase semroupas, e tinha uma aparncia notavelmente luminosa. Foi, porm,a face que me atraiu e me assustou mais. Era a de um suno.

    Silenciosa, propositalmente, observei essa horrvel criatura e es-queci meu medo, momentaneamente, prestando ateno em seusmovimentos. Ela estava caminhando incomodamente ao redor doedifcio, parando ao chegar a cada janela para olhar dentro e testaros caixilhos com os quais tal como nessa casa elas estavamprotegidas, e sempre que chegava a uma porta, empurrava-a e en-fiava o dedo na tranca furtivamente. Evidentemente o ser estavaprocurando uma entrada na Casa.

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  • Eu tinha chegado ento a menos pouco mais de um tero de umquilmetro da grande estrutura e ainda estava sendo empurradopara a frente. Abruptamente a Coisa se virou e olhou horrenda-mente em minha direo. Ela abriu a sua boca e pela primeira veza paralisia daquele lugar abominvel foi rompida por uma voz pro-funda e grave que me aumentou o medo e a apreenso. Imediata-mente eu tomei conscincia de quele ela estava vindo at mim,rpida e rasteiramente. Em um instante j havia andado metade dadistncia que havia entre ns. E eu ainda estava sendo levado in-evitavelemente ao seu encontro. Menos de noventa metros depoise a ferocidade brutal do gigante me emudecia com um sentimentode horror inconsolvel. Eu poderia ter gritado, na supremacia demeu medo, e ento, no momento de mais extremo desespero, eupercebi que estava olhando a arena de cima, de uma altura querapidamente crescia. Eu estava subindo, subindo. Em um instanteinconcebivelmente curto eu tinha chegado a uma altitude de maisde trinta metros. Abaixo de mim, o lugar onde eu havia estado logoantes, estava ocupado pela grotesca criatura suna. Ela tinha cadode quatro e estava fuando e escavando, como um verdadeiroporco, no cho da arena. Em um momento ela saltou sobre seusps, olhando para cima, com uma expresso de desejo em seurosto, tal como nunca a vi neste mundo. Continuamente eu ficavamais alto. Em poucos minutos, ao que parece, eu tinha me erguidoacima das grandes montanhas, flutuando s, longe entre as nuvensvermelhas. A uma tremenda distncia abaixo a arena aparecia, in-distintamente, com a enorme Casa no parecendo mais que umapequena ndoa verde. A coisa suna no era mais visvel.

    Ento eu passeava sobre as montanhas, acima da enorme ex-tenso da plancie. Ao longe, sobre sua superfcie, na direo dosol anelar, aparecia um borro confuso. Olhei para ele,

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  • indiferentemente. Ele me parecia algo cuja primeira impresso eutivera no anfiteatro entre as montanhas.

    Com uma sensao de cansao eu olhei para cima, para o imensoanel de fogo. Que coisa estranha ele era! Ento, ao olhar, de seuescuro centro saiu um jorro sbito de fogo extraordinariamentevvido. Comparado ao tamanho do centro negro, ele no era nada,mas mesmo assim era por si mesmo estupendo. Com interessedesperto, eu observei cuidadosamente, notando sua estranha fer-vura e brilho. Ento, em um momento, a coisa toda ficou ofuscadae irreal, e assim saiu de minha viso. Muito surpreso, eu olhei parabaixo, para a Plancie de onde ainda estava me elevando. Assim eutive uma nova surpresa. A Plancie, toda ela tinha desaparecido esomente um mar de nvoa vermelha estava estendido abaixo demim. Gradualmente eu o observei ficar mais remoto e definhar emum mistrio apagado e avermelhado contra a noite impenetrvel.Um momento depois e at isso tinha desaparecido, e eu estava en-volto em uma escurido impalpvel e sem luz.

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  • Captulo IV A Terra

    Assim estava eu, e apenas a memria de ter vivido alm da escur-ido, certa vez, servia para sustentar os meus pensamentos. Umtempo grande se passou eras. E ento uma estrela solitriarompeu seu lugar no escuro. Era o primeiro de um dos aglom-erados marginais deste nosso universo. Naquele momento eleainda estava longe, e ao meu redor brilhava o esplendor de incon-tveis astros. Depois do que pareceram ser anos eu vi o sol, umagota flamejante. Ao redor dele eu divisei vrios remotos pontos deluz, os planetas do Sistema Solar. E eu vi a Terra outra vez, azul einacreditavelmente pequena. Ela foi crescendo e se tornandodefinida.

    Um longo espao de tempo veio e passou, e ento por fim eu en-trei na sombra de nosso mundo, mergulhando de cabea parabaixo na querida e nublada Terra noturna. Acima de mim estavamas velhas constelaes, e havia uma lua crescente. Ento, ao meaproximar da superfcie da Terra, uma opacidade me atingiu e eupareci afundar em um nevoeiro negro.

    Por um momento eu no soube de nada. Eu estava inconsciente.Gradualmente eu comecei a ter noo de um suave e distantelamento. Ele se tornou mais audvel. Um sentimento desesperadode agonia me atingiu. Eu lutei loucamente para respirar e tenteigritar. Um momento depois eu tinha a respirao mais fcil e tinhaa conscincia de que havia alguma coisa lambendo a minha mo.Alguma coisa mida varria a minha face. Eu ouvi um manquitolar eento outra vez o lamento. Ele parecia chegar aos meus ouvidos,

  • ento, com uma sensao de familiaridade, e eu abri os meus ol-hos. Tudo estava escuro, mas o sentimento de opresso tinha medeixado. Eu estava sentado e alguma coisa estava chorandolamentosamente e me lambendo. Eu me senti estranhamente con-fuso e instintivamente tentei afastar a coisa que me lambia. Minhacabea estava curiosamente vazia e por um momento eu pareci in-capaz de agir ou pensar. Ento as coisas voltara minha mente eeu chamei Pimenta bem baixinho. Fui respondido por um latidoalegre e uma renovada onda de carinhos.

    Em um instante me senti mais forte e levei as mos aos fsforos.Tateei sobre a mesa por um momento, cegamente, ento os meusdedos os acharam e eu risquei um e olhei confusamente em volta.Ao meu redor eu vi as coisas antigas e familiares. E ali fiquei sen-tado, cheio de maravilhas entorpecedoras, at que a chama do fs-foro queimou meus dedos e eu o deixei cair, com uma expressoapressada de dor e ira escapando de meus lbios, assustando-mecom o som de minha prpria voz.

    Depois de um momento eu risquei outro fsforo e me arrastei pelocmodo para acender as velas. Ao faz-lo eu notei que elas notinham queimado at o fim, mas tinham sido apagadas. Quando aschamas subiram eu me virei e olhei ao redor do escritrio, mas nohavia nada incomum para ver, o que, subitamente, me causou umjorro de irritao. O que tinha acontecido? Eu segurei a minhacabea com as mos e tentei lembrar. Ah! A grande e silenciosaPlancie, o sol de fogo vermelho em formato de anel. Onde es-tavam eles? Onde os havia visto? H quanto tempo? Eu me sentiaatordoado e confuso. Uma vez ou duas eu percorri o cmodo, in-stavelmente. Minha memria parecia desbotada e as coisas que eutinha visto retornavam-me a custo. Eu me lembro de ter xingadomuito e freneticamente em meu espanto. De repente eu tonteei e

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  • perdi o equilbrio, tendo de me agarrar mesa para no cair. Dur-ante alguns minutos eu fiquei ali me segurando, fraco, e entoconsegui mancar at uma cadeira. Depois de algum tempo eu mesenti um pouco melhor e consegui alcanar o armrio onde eu cos-tumava deixar conhaque e biscoitos. Servi-me de um pouco do es-timulante e bebi tudo. Ento, trazendo uma mancheia de biscoitos,voltei minha poltrona e comecei a devor-los esfomeadamente.Fiquei vagamente surpreso pela minha fome. Parecia que eu notinha comido nada por um tempo incontvel.

    Enquanto comia, meu olhar percorreu o cmodo, preocupado comos menores detalhes, e ainda procurando, mesmo inconsciente-mente, algo tangvel a que apegar-se, entre os mistrios invisveisque me haviam envolvido. Certamente, pensei, deve haver al-guma coisa. E ento, na mesma hora, meus olhos repousaramsobre o mostrador do relgio no canto oposto. Naquele momentoeu parei de comer e fiquei apenas olhando. Porque embora as suasbatidas indicassem com quase toda certeza que ele ainda estavafuncionando, os ponteiros marcavam um pouco antes de meia-noite, que era onde estavam, como eu me lembrava com certeza,bem antes de quando eu comeara a ver as coisas estranhasacontecendo e que acabei de descrever. Por talvez um instante eufiquei assustado e confuso. Se a hora tivesse sido a mesma dequando eu vira o relgio da vez anterior, eu teria concludo que osponteiros tinham agarrado enquanto o mecanismo interno aindafuncionava, mas isso no explicava como os ponteiros teriamvoltado para trs. Ento, enquanto eu ainda analisava o assuntoem meu crebro cansado, passou-me o pensamento de que poder-ia ser quase a manh do dia vinte e dois e que eu deveria ter es-tado inconsciente do mundo visvel durante a maior parte das vintee quatro horas anteriores. Esta ideia ocupou a minha ateno por

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  • um minuto inteiro, ento eu comecei a comer de novo. Ainda tinhamuita fome.

    Durante o desjejum, pela manh, perguntei minha irm pela datae descobri que meu raciocnio estava correto. Eu tinha, mesmo, fic-ado ausente pelo menos em esprito por quase um dia e umanoite.

    Minha irm no me fez perguntas, porque no era raro que eu fi-casse em meu escritrio durante todo o dia, ou mesmo dois dias deuma vez, sempre que me distraa com algum livro particularmentegrosso e interessante ou com algum trabalho.

    E assim os dias passam e eu ainda me sinto cheio de espanto desaber o sentido de tudo que vi naquela memorvel noite. Mas euacho que minha curiosidade dificilmente ser satisfeita.

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  • Captulo V A Coisa no Abismo

    Esta casa , como disse antes, cercada por uma enorme pro-priedade, com jardins selvagens e abandonados. Afastado, nos fun-dos, distando uns trezentos metros, est uma ravina profunda eescura, que chamada de Abismo pelos camponeses. Ao fundocorre uma preguiosa torrente to coberta de rvores que mal sev de cima.

    De passagem, devo explicar que esse rio tem uma origem subter-rnea, emergindo subitamente do lado leste da ravina e desapare-cendo, to abruptamente quanto surgiu, sob os rochedos queformam sua extremidade oeste.

    Foi alguns meses depois de minha viso (se que foi uma viso)da grande Plancie que minha ateno foi particularmente atradapara o Abismo.

    Aconteceu um dia de eu estar caminhando por seu lado sulquando, de repente, vrios pedaos de rocha e turfa foram deslo-cados do barranco da escarpa logo abaixo de mim e caram comum estrondo rouco atravs das rvores. Eu os ouvi chapinhar norio e depois, o silncio. Eu no teria dado a este incidente mais queuma ateno passageira se o Pimenta no tivesse comeado a latirselvagemente, no parando ao meu comando, o que muito es-tranho de sua parte.

  • Sentindo que poderia haver algo ou alguma coisa no Abismo, euvoltei para casa, rapidamente, para buscar um porrete. Quandovoltei o Pimenta tinha cessado seus latidos e estava rosnando efarejando, inquieto, de um lado para outro.

    Assobiei-lhe que me seguisse e comecei a descer com cuidado. Aprofundidade at o fundo do Abismo deve ser de cerca de cento esetenta metros, tendo sido preciso gastar um bom tempo e umbom cuidado antes de chegarmos l em segurana.

    Uma vez no fundo, Pimenta e eu comeamos a explorar as mar-gens do rio. Era muito escuro ali devido s rvores que tranavamsobre a corrente e eu me movia receoso, mantendo meu olhar at-ento e o porrete preparado.

    Pimenta estava silencioso e ficava sempre perto de mim. Assim nsprocuramos por um lado rio acima, sem ouvir nem ver coisa al-guma. Ento ns o cruzamos com um simples salto e comeamos abater o caminho de volta entre a vegetao.

    Tnhamos percorrido mais ou menos a metade da distncia quandoouvi de novo o som de pedras caindo no outro lado, o lado deonde tnhamos acabado de vir. Uma pedra grande veio trovejandoatravs das copas, atingindo a margem oposta e quicando dentrodo rio, atirando um grande jato de gua sobre ns. Com isso o Pi-menta deu um grande rosnado, depois parou e eriou suas orelhas.Eu ouvi tambm.

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  • Um segundo depois um guincho alto, meio humano e meio sunosoou por entre as rvores, aparentemente pela metade do rochedosul. Ele foi respondido por uma nota similar vinda do fundo doAbismo. Com isso o Pimenta deu um latido curto e, saltando porcima do rio, desapareceu entre os arbustos.

    Logo em seguida eu ouvi seus latidos aumentarem em intensidadee em frequncia, e entremeados pelo que parecia ser o rudo deuma confusa discusso. Isso parou e no silncio a seguir ouviu-seum grito semi-humano de agonia. Quase imediatamente, Pimentadeu um longo ganido de dor e ento os arbustos se agitaram viol-entamente e ele veio correndo com o rabo entre as pernas e ol-hando para trs enquanto corria. Ao me alcanar eu vi que ele es-tava sangrando do que parecia ser o ferimento de uma grandegarra que havia quase exposto suas costelas.

    Vendo o Pimenta mutilado daquele jeito um sentimento furioso deira me tomou e, agitando o meu basto, eu saltei e entrei nos ar-bustos de onde ele emergira. Ao forar meu caminho, pensei terouvido um som de respirao. No instante a seguir eu surgi numapequena clareira, a tempo de ver uma coisa, de cor lividamentebranca, desaparecer entre os arbustos do lado oposto. Com umgrito eu a segui, mas embora eu procurasse e batesse nos arbustoscom meu porrete eu nem a vi e nem ouvi mais coisa alguma. Entovoltei para o Pimenta. Depois de lavar seu ferimento no rio, eu lhefiz uma bandagem com o leno e recuei com ele para o alto da rav-ina e para a luz do dia.

    Chegando em casa, minha irm quis saber o que havia acontecidocom o Pimenta e eu lhe disse que ele tinha lutado com um gatoselvagem, que me tinham dito haver por ali. Achei que era melhor

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  • no dizer o que realmente acontecera; embora, na verdade, nemeu mesmo tivesse certeza, a no ser que a coisa que eu vira entreos arbustos no era gato selvagem nenhum. Era grande demais etinha, tanto quanto pude perceber, uma pele como de porco, masde uma cor branca, morta e doentia. E ainda por cima ele andavaereto, ou quase, sobre as patas traseiras, com um movimento queparecia o de um ser humano. Tudo isso eu notara em um curto vis-lumbre e, verdade seja dita, eu tinha sentido uma boa dose dedesconforto, alm da curiosidade enquanto analisava o caso naminha mente.

    Foi de manh cedo que aconteceu o incidente acima. Ento, porvolta da hora do jantar, enquanto eu estava lendo, foi me queaconteceu de olhar subitamente janela e vi alguma coisa espi-ando atravs da vidraa, somente os olhos e as orelhas apare-cendo. Um porco, por Jpiter!, eu exclamei e me levantei. Aofaz-lo eu pude ver a coisa mais completamente, mas no era nen-hum porco Deus sabe o que era. Parecia-me vagamente com aCoisa horrvel que me havia assustado na grande arena. Tinha umaface grotescamente humana, bem como a mandbula, mas semuma bochecha propriamente dita. O nariz se prolongava como umfocinho, e tinha aqueles olhinhos e as orelhas extravagantes quelhe davam uma aparncia extraordinariamente suna. Tinha poucatesta e toda a face era de uma cor doentiamente branca.

    Por quase um minuto eu fiquei olhando a coisa com um sentimentocrescente de desgosto e algum medo. A boca ficava tremendo, es-tupidamente, e certa vez emitiu um grunhido meio suno. Eu achoque foram os olhos que me atraram mais: eles pareciam brilhar, svezes, com uma inteligncia horrivelmente humana, e ficavam des-viando de meu olhar, contemplando os detalhes do cmodo, comose meus olhos lhe incomodassem. A coisa parecia estar se

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  • apoiando sobre o peitoril da janela com duas mos que pareciamgarras. Estas garras, diferentemente da face, eram de uma color-ao marrom cermica e tinham uma semelhana indistinta commos humanas, por terem quatro dedos e um polegar, ainda queos dedos fossem unidos por uma membrana at a primeira junta,da mesma forma que os dos patos. Tambm tinha unhas, mas tocompridas e poderosas que pareciam as garras de uma gua e nooutra coisa. Como disse antes, senti certo medo, embora quase deforma impessoal. Acho que posso explicar melhor o meu senti-mento dizendo que era uma sensao de averso, tal como a quese deve esperar quando se entra em contato com algo suprema-mente maligno, algo profano, pertencente a um reino ainda nosonhado entre os estados da existncia.

    No sei dizer se notei todos esses detalhes do bruto naquele in-stante. Eu acho que eles foram me retornando depois, como setivessem sido impressos em minha mente. Eu imaginei mais do quevi quando contemplei a coisa, e os detalhes materiais apareceramdepois.

    Foi talvez por um minuto que eu encarei a criatura. Ento os meusnervos se acalmaram um pouco e eu sacudi dos ombros o vagoalarme que ela me causava e dei um passo em direo janela.Logo que o fiz, a coisa recuou e desapareceu. Eu corri porta e ol-hei em torno apressadamente, mas somente os arbustos emaran-hados e as moitas encontraram meu olhar.

    Corri de volta para casa e, tomando minha arma, sa para procurarpelos jardins. Ao faz-lo, perguntava-me se a coisa que tinhaacabado de ver no seria a mesma que eu tinha entrevisto pelamanh. E fiquei inclinado a pensar que sim.

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  • Teria trazido Pimenta comigo, mas julguei que era melhor lhe daruma chance de curar-se da ferida. Alm disso, se a criatura que eutinha visto era, como imaginava, o seu antagonista da manh, noera provvel que ele fosse til. Comecei minha busca sistematica-mente. Estava determinado, se possvel a achar e dar fim quelacoisa suna. Aquele era, afinal, um Horror material.

    A princpio eu procurava com cuidado, com a lembrana do feri-mento de Pimenta ainda em mente, mas quando as horas forampassando e no surgia nenhum sinal de coisa viva nos grandes esolitrios jardins eu fiquei menos apreensivo. Senti quase como sefosse ficar feliz de ver a coisa. Qualquer coisa parecia melhor doque aquele silncio, com a sensao onipresente de que a criaturapoderia estar espreitando atrs de qualquer arbusto por que eupassasse. Mais tarde eu me descuidei do perigo, a ponto de pulardentro dos arbustos ou de enfiar o cano da arma nas moitas aoavanar.

    s vezes eu gritava, mas somente os ecos respondiam-me. Eupensava em assim talvez assustar a criatura e faz-la mostrar-se,mas s consegui fazer minha irm, Mary, sair tambm, para ver oque era. Eu lhe disse que havia visto o gato selvagem que ferira oPimenta e que estava tentando ca-lo nos arbustos. Ela s ficoumeio satisfeita e voltou para dentro de casa com uma expresso dedvida no rosto. Fiquei imaginando se ela no teria visto ou adivin-hado alguma coisa. Pelo resto do entardecer eu persegui a coisaansiosamente. Eu achava que no poderia dormir com aquela coisabestial assombrando os matagais e, mesmo assim, at anoitecer,eu no tinha visto nada. Ento ao voltar para casa eu ouvi umrudo curto e inteligvel nos arbustos minha direita.

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  • Instantaneamente eu me virei e, apontando rpido eu atirei nadireo do som. Imediatamente eu ouvi alguma coisa correndoatabalhoadamente entre os arbustos. Movia-se rpido e em umminuto j tinha desaparecido do alcance de minha audio. Depoisde dar uns passos atrs do som eu interrompi a perseguio, com-preendendo o quanto seria ftil, diante da escurido que rapida-mente chegava, e ento, sentindo-me curiosamente deprimido, en-trei em casa.

    Aquela noite, depois que minha irm foi dormir, eu percorri todasas janelas e portas do andar trreo e verifiquei se estavam tranca-das. Esta precauo era desnecessria em relao s janelas, poistodas as dos andares inferiores eram firmemente gradeadas, masem relao s portas, que eram cinco, foi uma lembrana sbia,pois nenhuma delas estava trancada.

    Tendo me assegurado disso, eu subi at meu escritrio e, no ent-anto, de alguma forma, naquele momento, o lugar abalou-me, eleparecia to grande e cheio de eco. Por algum tempo eu tentei ler,mas por fim descobri que era impossvel e desci com o livro para acozinha, onde uma grande lareira estava queimando, e me senteiali.

    Ouso dizer que tinha lido por um par de horas quando, de repente,ouvi um som que me fez deixar o livro e ouvir atentamente. Eracomo o rudo de alguma coisa se esfregando e tateando a portados fundos. Uma vez a porta rangeu alto, como se alguma foraestivesse sendo aplicada sobre ela. Durante esses poucos e curtosmomentos eu experimentei um indescritvel sentimento de terror.tal como no imaginava ser possvel. Minhas mos tremeram, umsuor frio me cobriu e eu sacudia violentamente.

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  • Gradualmente me acalmei. Os furtivos movimentos exteriores tin-ham parado.

    Ento por uma hora eu fiquei sentado e vigilante. E de uma vez omedo me agarrou de novo. Eu senti como se imagino que um an-imal se sente ao ser contemplado por uma serpente. Mas no po-dia ouvir nada. Mesmo assim, no havia dvida de que uma in-fluncia inexplicada estava trabalhando.

    Gradualmente, imperceptivelmente quase, algo desviou a atenode meus ouvidos um som que se parecia com um murmriobaixo. Rapidamente ele se desenvolveu em um confuso, mas hor-rendo, coro de berros bestiais. E parecia erguer-se das entranhasda terra.

    Eu ouvi um impacto seco e senti, de uma maneira cega e meio es-tpida, que tinha deixado cair o livro. Depois disso eu s fiquei sen-tado, e assim a luz do dia me achou, quando ela avanou descora-damente pelas janelas gradeadas e altas da grande cozinha.

    Com a luz do amanhecer o sentimento de estupor e medo me deix-ou e eu retornei a um maior controle dos meus sentimentos. Entoeu peguei o livro e avancei at a porta para ouvir. Nenhum somquebrava o silncio frio. Por alguns minutos eu fiquei ali e ento,muito gradual e cautelosamente, eu puxei a tranca e abri a porta eolhei l fora. Minha precauo era desnecessria. Nada havia parase ver, exceto uma vista cinzenta de assustadores e emaranhadosarbustos e rvores que se estendiam at a distante plantao.

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  • Com um calafrio eu fechei a porta e segui, silenciosamente, para acama.

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  • Captulo VI As Coisas Sunas

    Era noite, uma semana depois. Minha irm estava sentada nojardim tricotando. Eu estava perambulando a ler. Minha arma es-tava encostada na parede de casa porque desde o advento dascoisas estranhas nos jardins eu pensava prudente tomar pre-caues. Apesar disso, ao longo da semana inteira, no tinhaacontecido nada que me alarmasse, nenhum som ou apario, deforma que j conseguia calmamente ver o incidente em retro-specto, embora ainda com uma sensao bem marcada de curi-osidade e receio. E eu estava, como acabo de dizer, andando deum lado para o outro, algo absorto no meu livro. Subitamente ouvium estrondo na direo do Abismo e, num movimento rpido,virei-me e vi uma tremenda coluna de poeira que se erguia pelo arda noite.

    Minha irm bem se ps de p, com uma aguda exclamao de sur-presa e medo.

    Dizendo-lhe para ficar onde estava, eu peguei a minha arma e corripara o Abismo. Ao me aproximar ouvi um barulho surdo que cres-cia rapidamente para um troar, junto com mais estrondos pro-fundos e de dentro do Abismo subiu novo volume de poeira.

    O barulho cessou, embora a poeira ainda se erguesse, tumultuada-mente. Cheguei na borda e olhei l para baixo, mas no pude vernada a no ser a ebulio de nuvens de poeira agitadas por aqui eali. O ar estava to cheio de partculas pequenas que elas me

  • cegavam e sufocavam at que finalmente eu tive que sair de pertodaquela sufocao, para poder respirar.

    Gradualmente as matrias em suspenso se acamaram, deixandotambm uma panplia ao redor da boca do Abismo.

    Eu s conseguia imaginar o que poderia ter acontecido.

    Tinha sido um tipo de desmoronamento, no havia a menor som-bra de dvida, mas a sua causa estava alm do meu conheci-mento, e mesmo assim, naquele momento, eu bem podia imaginar,porque j tinha me surgido o pensamento das pedras caindo e daCoisa no fundo do Abismo, mas durante os minutos iniciais da con-fuso eu custei a chegar concluso bvia, para a qual a catstro-fe apontava.

    Lentamente, a poeira cedeu at que pude aproximar-me da bordae olhar o que havia embaixo.

    Por um momento olhei sem resultado atravs das exalaes. Aprincpio era impossvel discernir qualquer coisa. Ento, enquantoolhava, eu vi algo l, pela minha esquerda, que se mexia. Olhei at-entamente para aquilo e ento notei outro, depois outro trsformas vagas que pareciam subindo do fundo do Abismo. Eu s ospodia ver indistintamente. E enquanto olhava surpreso, ouvi umagitar de pedras, em algum lugar minha direita. Eu olhei de ladomas no vi nada. Inclinei-me para a frente e olhei frente e paradentro do Abismo, logo abaixo de onde eu estava, no vendo nadaalm de uma horrenda e branca cara de porco, que chegara a

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  • pouco menos de dois metros de meus ps. Mais para baixo eu viavrias outras. Quando a Coisa me viu, deu logo um guincho gros-seiro, que foi respondido por toda as partes do Abismo. Com issoum jorro de horror e medo me agarrou e, inclinando-me frente,eu descarreguei a minha arma bem na sua fua. No mesmo in-stante a criatura desapareceu, com uma algazarra de terra solta epedras.

    Houve um silncio momentneo ao qual, provavelmente, devominha vida, pois me permitiu ouvir o rpido trote de muitas patas eao virar-me dei com uma tropa das criaturas vindo em minhadireo, bem a galope. Instantaneamente eu apontei a arma eatirei na da frente, que caiu de focinho no cho com um ganidohorrvel. Ento eu comecei a correr. Pela metade do caminho doAbismo at a casa vi minha irm, correndo at mim. No podia vero seu rosto distintamente porque a tarde havia cado, porm a suavoz estava cheia de medo enquanto ela me gritava porque eu es-tava atirando.

    Corre! foi o que lhe gritei de volta Corre pela sua vida!

    Sem mais perguntar ela girou nos calcanhares e correu de volta,segurando suas saia com as mos. Enquanto a seguia eu olhei paratrs. Os brutos corriam sobre as patas de trs, mas s vezes caindode quatro.

    Acho que deve ter sido o medo em minha voz que fez Mary corrertanto, porque tenho quase certeza que no tinha, ainda, visto nen-huma daquelas coisas infernais que nos perseguiam. E assim corre-mos para casa, a minha irm na frente.

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  • A cada instante, o som cada vez mais prximo do trotar ia me con-tando que os brutos estavam ganhando terreno rapidamente. Feliz-mente eu era acostumado, de certa forma, a uma vida ativa. Mas,mesmo assim, todo o esforo da corrida estava comeando a exigirseveramente de mim.

    frente eu podia ver a porta dos fundos felizmente aberta. Euestava ento uma meia dzia de metros atrs de Mary, e minharespirao ia engasgada na garganta. Ento senti algo tocar o meuombro. Girei a cabea rpido e vi uma daquelas faces plidas emonstruosas perto da minha. Uma das criaturas tinha corrido maisque as outras e estava quase me ultrapassando. Enquanto aindame virava ela tentou agarrar-me. Com um esforo sbito eu salteide lado e tendo a minha arma segura pelo cano, golpeei a coronhano crnio daquela criatura maligna. A Coisa caiu, com um gemidoquase humano.

    Mesmo este pequeno atraso tinha sido bastante para trazer o restodos brutos mais perto de mim, portanto, sem perder mais um in-stante, tornei a correr para a porta. Alcanando-a, entrei e rapida-mente a bati com fora e logo aferrolhei, justo quando a primeiradas criaturas a atingia com choque sbito.

    A minha irm estava sentada em uma cadeira, a tomar flego,parecendo a ponto de desmaiar, mas no tinha tempo a perdercom ela. Tinha que certificar-me de que todas as portas estavamtrancadas.

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  • Por pura sorte todas estavam. A que ia de meu escritrio para ojardim foi a ltima a que eu fui. Eu mal tinha tido tempo de notarque ela estava segura quando pensei ouvir um barulho do lado defora. Eu fiquei em silncio total e ouvi. Sim! Eu pude ento ouvirdistintamente o som de sussurros, e de alguma coisa a resvalarpelos painis, com rudo de raspagem, de arranho. Evidente-mente, alguns dos brutos estavam testando as portas com suasmanzorras, para tentar descobrir se havia um jeito de entrar.

    Que as criaturas tinham encontrado a porta to rpido era provade sua capacidade de raciocnio, o que me assegurava que eu nopodia, de forma alguma, encar-las como meros animais. Eu pres-sentira algo assim antes, quando aquela primeira Coisa espiarapela minha janela. Ento lhes aplicara o termo sobre-humanas,quando percebi, quase que instintivamente, que aquele tipo de cri-atura era diferente dos animais irracionais. Algo alm do humano,mas no de um modo apropriado, em vez disso algo de maligno ehostil para o bem-estar da humanidade. Em uma palavra, algo in-teligente e ainda inumano. A simples lembrana daquelas criaturasme enchia de repulsa.

    Ento pensei em minha irm, fui ao armrio e peguei o frasco deconhaque e um clice de vinho. Levando-os comigo, fui at co-zinha, carregando tambm uma vela acesa. No estava mais sen-tada na cadeira: tinha cado ao cho e estava estendida de rostopara baixo.

    Muito cuidadosamente eu a virei e a ergui um pouco. Ento lhe deium pouco do conhaque entre os lbios. Depois de um instante elatremeu um pouco. Logo depois ela tossiu algumas vezes e abriu osolhos. Com a expresso sonolenta e confusa ela me olhou. Ento

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  • seus olhos se fecharam lentamente e eu lhe dei mais um pouco doconhaque. Por mais um minuto ou menos ela ainda ficou silen-ciosa, a respirar rpido. Ento, de uma vez s, seus olhos se abri-ram outra vez e pareceu-me, quando os vi, que ambas as pupilasestavam dilatadas, como se o medo tivesse vindo junto com o re-torno da conscincia. Ento, em um movimento to inesperado queme fez recuar, sentou-se no cho. Vendo que ela parecia ainda in-stvel, pus a minha mo para apoi-la. Ento ela deu um grandegrito e, arrastando-se de quatro, saiu correndo do cmodo.

    Por um momento eu fiquei l ajoelhado e segurando o meu frascode conhaque, completamente confuso e atnito.

    Ela estaria com medo de mim? Mas no! O que poderia ser? Spude pensar que seus nervos tinham sido muito esforados, e queela estava ainda temporariamente fora de si. No andar de cimaouvi uma porta bater e soube que tinha buscado refgio em seuquarto. Pus o frasco na mesa. Minha ateno foi distrada por umrudo, na direo da porta dos fundos. Fui at ela e ouvi. Pareciaestar forada, como se uma das criaturas lutasse contra ela silen-ciosamente, mas ela era de construo muito firme e era muitoforte para ser facilmente arrombada.

    L fora no jardim subia um som contnuo. Ele poderia ter sido to-mado, por um ouvinte casual, por grunhidos e guinchos de umavara de porcos. Mas a mim, que ali estava, me pareceu que haviasentido e significado naqueles rudos sunos. Gradualmente, eu tivea impresso de notar uma semelhana com fala humana viscosae grudenta, como se cada articulao viesse com grande di-ficuldade. Porm, apesar disso, estava certo de que aquilo no era

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  • um mero amontoado de rudos, mas sim uma rpida troca deideias.

    A essa altura tinha ficado bem escuro pelos corredores, e delesvinha toda a variedade de gritos e gemidos de que uma velha casaest cheia aps cair a noite. Isto , sem dvida, porque as coisasficam quietas, e voc tem mais tempo para ouvir. H tambm ateoria de que a variao sbita de temperatura depois do pr-do-sol afeta a estrutura da casa de certa forma, fazendo-a contrair ese assentar para a noite. Seja l o que for, naquela noite em par-ticular, queria muito ter estado livre de tantos rudosextravagantes. Parecia-me que cada estalo ou chiado poderia seruma das Coisas vindo pelos corredores escuros, mesmo eusabendo em meu corao que no poderia ser, porque eu mesmotinha verificado que todas as portas estavam seguras.

    Gradualmente, porm, aqueles sons foram crescendo nos meusnervos de uma tal maneira que, ainda que apenas para punir-mepela covardia, senti que deveria fazer a ronda do poro, mais umavez, e encarar o que houvesse l. Ento eu subiria para o meu es-critrio, pois sabia que dormir estava fora de cogitao, com a casacercada de criaturas, meio animais e meio uma outra coisa, total-mente abominveis.

    Tomando uma lmpada de mesa de seu suporte, segui de poroem poro e de quarto a quarto, pelas despensas e frestas e bura-cos e corredores, e pelos cento e um pequenos becos e cantos queformam o poro da velha casa. Ento, quando soube que tinhavisto em todo canto e cada vo bastante grande para ocultarqualquer coisa de qualquer tamanho, eu segui para a escada.

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  • Detive o meu p no primeiro degrau. Pareceu-me ouvir um movi-mento, aparentemente na despensa, que fica esquerda da es-cadaria. Tinha sido um dos primeiros lugares em que eu procurara,mas mesmo assim eu sabia que meus ouvidos no me enganavam.Meus nervos estavam rgidos, e sem quase nenhuma hesitao fuiat porta erguendo a lmpada acima da minha cabea. Em umrelance eu vi que o lugar estava vazio, a no ser pelas suas pesa-das lajes de pedra, deitadas em pilares de tijolos, e estava prontopara sair, convencido de que eu tinha me enganado quando, ao mevirar, minha luz brilhou de volta a partir de uns pequenos pontosfora da janela acima. Por um breve instante eu fiquei l olhando.Ento se moveram lentamente, girando e cintilando, alternada-mente, em verde e em vermelho, pelo menos foi o que me pare-ceu. Soube ento que eram dois olhos.

    Lentamente, tracei o contorno da sombra de uma das Coisas. Elaparecia agarrada s grades de uma das janelas e a posio sugeriaque tentava escalar. Eu cheguei mais perto da janela e alcei mais aluz. No havia porque temer a criatura: as grades eram fortes e erapouco o perigo de que ela fosse capaz de arrebent-las. Masmesmo assim, de repente, sabendo que o bruto nunca me al-canaria, tive outra vez a horrvel sensao de medo que me assal-tara naquela noite, uma semana antes. Era o mesmo sentimentode desamparo, medo excruciante. Eu percebi, vagamente, que osolhinhos da criatura fitavam bem dentro dos meus com atenofirme e decidida. Tentei no desviar o meu olhar, mas eu noconsegui.

    Parecia ento que eu via a janela atravs de uma neblina. E ima-ginei que uns outros olhos vinham e espiavam, e logo outros, atque toda uma galxia de rbitas malignas e curiosas pareciamreter-me em servido. Minha cabea logo pareceu nadar e agitar-

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  • se violentamente. Ento senti aguda dor fsica em minha mo es-querda. A dor tornou-se cada vez mais severa e roubou, literal-mente roubou, a minha ateno. Com um esforo tremendo olheipara baixo, e nisso o encanto que me retinha se quebrou. Eu per-cebi, ento, que eu tinha, em minha agitao, inconscientementepegado no vidro quente da lmpada e queimado a minha mobastante. Olhei de novo a janela. A apario nebulosa tinha sumidoe ento eu via que ali estavam dezenas de faces bestiais. Numacesso sbito de ira, ergui a lmpada e a atirei em cheio janela.Pegou na vidraa, quebrando um painel, passou por entre asgrades e caiu no jardim, espalhando leo quente no caminho. Ouviuns gritos altos de dor e quando minha viso se acostumou com oescuro, descobri que as criaturas tinham deixado a janela.

    Refeito, tateei at a porta, e achando-a eu me pus a caminho doprimeiro piso, tropeando em cada degrau. Estava tonto como setivesse levado uma pancada na cabea. A minha mo tambm fer-roava demais, e eu estava cheio de raiva cega e nervosa contraaquelas Coisas.

    Logo que cheguei ao meu escritrio acendi as velas. Enquantoqueimavam, sua luz se refletia na prateleira de armas de fogo, es-tendida parede afora. Diante desta viso, lembrei-me que eu tinhaum poder que, como tinha visto mais cedo, parecia ser fatalnaqueles monstros da mesma maneira que nos animais vulgares,com que me determinei a tomar a ofensiva.

    Mas primeiro, minha mo. Enfaixei-a porque a dor j estava fic-ando intolervel. Depois disso pareceu melhorar e eu atravessei oquarto, at a prateleira dos rifles. Ali escolhi um pesado, uma velha

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  • e experiente arma, e depois de buscar a munio, subi at umadas pequenas torres que coroam a casa.

    Dali notei que no poderia ver nada. Os jardins ofereciam um di-fuso borro de sombras um pouco mais escura, talvez, ondehavia rvores. Isto era tudo, eu sabia que era intil atirar parabaixo naquela escurido. A nica coisa a fazer era esperar a luasurgir e ento poderia fazer alguma execuo.

    Enquanto isso, fiquei imvel e mantive meus ouvidos atentos. Osjardins estavam comparativamente silenciosos, e s um ou outrogrunhido ou guincho me alcanava. No agradei daquele silncio:ele me fazia pensar em que diabruras as criaturas estariam ma-quinando. Duas vezes eu sa da torre e dei outra caminhada pelacasa, mas tudo estava silencioso. Uma vez eu ouvi um rudo, vindol da direo do Abismo, como se ainda mais terra tivesse cado.Depois disso, e por uns quinze ou mais minutos, houve uma co-moo entre os habitantes de meus jardins. Isto passou, e depoisficou tudo quieto outra vez.

    Cerca de uma hora depois a luz da lua apareceu sobre o horizontedistante. De onde estava, podia enxergar acima das rvores, mass depois que a lua estava bem acima delas que eu pude discernirquaisquer detalhes nos jardins abaixo de mim. Mesmo ento noconsegui ver nenhum dos brutos, at que, ao me curvar para afrente, vi vrios deles encostados na parede da casa. O que elesestavam fazendo, no consegui entender. Era, porm, uma chanceboa demais para ignorar e, fazendo mira, atirei naquele que estavalogo abaixo. Houve um grito estridente e quando a fumaa se dissi-pou eu vi que ele tinha cado de costas e estrebuchava debilmente.Ento ficou tudo quieto. Os outros tinham desaparecido.

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  • Logo depois disso ouvi um alto guincho na direo do Abismo. Elefoi respondido, uma centena de vezes, por tudo quanto era lado dojardim. Isto deu uma noo do nmero das criaturas, e comecei apensar que o caso estava se tornando muito mais srio do que eutinha imaginado.

    Sentado l, vigiando em silncio, o pensamento me veio o queseria tudo aquilo? O que eram aquelas Coisas? O que significariaaquilo tudo? Ento meus pensamentos voaram de volta viso(mesmo agora, duvido que fosse uma viso) da Plancie do Siln-cio. Qual o significado daquilo? Perguntava-me e quanto Coisana arena? Oh! Por fim, pensei na casa que vira naquele lugar todistante. Minha casa era to semelhante quela em cada detalheda estrutura externa que s poderia ser feita com base nela ou ocontrrio. Eu no pensara nisso

    Ento veio outro guincho comprido, l do Abismo, que foi seguido,segundos depois, por um par de outros bem mais curtos. Logo ojardim se encheu de gritos em resposta. Pus-me de p rapida-mente e olhei sobre o parapeito. Sob o luar, parecia que os arbus-tos estavam vivos. Agitavam-se para l e para c, como se sacu-didos em um vento forte e irregular, enquanto contnuo farfalharde patas em faga me subia. Mais de uma vez vi a lua brilhandosobre figuras brancas correndo entre os arbustos e duas vezes euatirei. Da segunda vez, o meu tiro foi respondido por um curtoguincho de dor.

    Um minuto depois os jardins estavam silenciosos. Do Abismo vinhauma profunda e rouca babel de lngua de porco. Certas vezes gri-tos raivosos feriam o ar, e sempre respondidos por uma multido

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  • de grunhidos. Ocorreu-me que eles estariam ali debatendo em al-gum tipo de conselho, talvez para discutir o problema de entrar nacasa. Tambm pensei que eles pareciam muito furiosos, provavel-mente por causa dos meus tiros bem-sucedidos.

    Pensei ento que seria um bom momento para fazer um levan-tamento geral de nossas defesas. O que tratei de fazer logo, visit-ando todo o poro de novo e examinando cada porta. Por sorteelas eram todas tal como a dos fundos feitas de carvalho e ar-madas com ferro. Ento subi para o meu escritrio. Eu estava maispreocupado com aquela porta. Ela palpavelmente de feitio maismoderno do que as demais e, embora ainda seja uma pea formi-davelmente firme, tem pouca da poderosa resistncia delas.

    Devo aqui me explicar que existe um pequeno jardim elevadodeste lado da casa, sobre o qual se abre esta porta, sendo que asjanelas do escritrio so gradeadas. Todas as demais entradas,com exceo do grande porto que nunca aberto, ficam no andarde baixo.

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  • Captulo VII O Ataque

    Fiquei algum tempo analisando como faria para reforar a porta doescritrio. Por fim desci cozinha e com algum trabalho subi comalgumas toras de madeira, bem pesadas. Eu as ancorei contra aporta, inclinadas, pregando em cima e embaixo. Por meia hora eutrabalhei duro at ficar mais tranquilo.

    Ento, sentindo-me mais calmo, vesti meu casaco, que tinha ficadode lado, e passei a resolver um ou dois assuntos antes de voltar torre. Estava ocupado em alguma coisa quando ouvi apalparem aporta, depois a tranca foi experimentada. Mantendo-me em silncioeu esperei. Logo ouvi diversas criaturas do lado de fora. Grunhiamentre si, suavemente. Ento, por um minuto houve silncio. De re-pente soou um grunhido baixo e rpido e a porta rangeu debaixode uma presso tremenda. Ela teria se partido se no fossem osapoios que eu lhe colocara. A fora cessou, to rpido comocomeara, e voltaram a conversar.

    Ento uma Coisa deu um guincho, suavemente, e ouvi o som deoutras aproximarem-se. Houve uma breve confabulao e ento, osilncio. Notei ento que elas tinham chamado muito mais paraajudar. Vendo que aquele era o momento supremo, fiquei pre-parado, com meu rifle apontado. Se a porta cedesse, poderia pelomenos matar quantas fosse possvel.

    Outra vez ouvi o sinal baixo, e outra vez a porta rangeu sob foraenorme. Por um minuto, talvez, a presso foi aplicada e esperei,nervosamente, que a porta viesse abaixo com um estrondo. Mas

  • no, as escoras resistiram e a tentativa se mostrou abortiva. Entoseguiu-se mais daquela conversa horrvel e grunhida, e enquantose desenvolvia, pensei ter discernido rudo de recm-chegadas.

    Depois de uma longa discusso, durante a qual aquela porta foivrias vezes forada, elas ficaram quietas de novo e eu sabia queestavam por fazer uma terceira tentativa de arrombar. Eu estavaquase em desespero. As escoras tinham sido severamente testadasnos dois ataques de antes e eu me sentia muito receoso de que aterceira vez podia ser demais para elas.

    Naquele instante, como uma inspirao, uma ideia passou pelomeu crebro perturbado. Imediatamente, j que no havia tempopara hesitar, eu sa correndo do quarto e subi escadas e mais esca-das. Daquela vez no fui para uma das torres, mas para o telhado.Uma vez l, eu corri at o parapeito que o cerca e olhei para baixo.Ao faz-lo, ouvi o sinal curto, grunhido, e mesmo l de cima euouvi a porta ranger com o assalto.

    No havia um momento a perder e eu me debrucei, mirei rpido edisparei. O estampido passou cortando e quase junto subiu o es-talo da bala atingindo seu alvo. Veio de baixo um lamento es-tridente e a dor parou seu ranger. Ento, quando eu aliviei meupeso do parapeito, uma enorme pea da cornija de pedra escor-regou debaixo de mim e caiu com estrondo entre a turba desor-ganizada embaixo. Uma srie de horrveis berros vibrou atravs doar noturno e eu ento ouvi o som de patas em fuga. Caute-losamente olhei por cima do parapeito. luz da lua deu para ver agrande pedra da cornija cada bem diante do degrau da porta. Pen-sei ter visto tambm algo sob ela vrias coisas brancas, s queno tenho muita certeza.

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  • Ento alguns minutos se passaram.

    Enquanto olhava, percebi algo que retornava de dentro das som-bras da casa. Era uma das Coisas. Ela veio at a pedra, silen-ciosamente e se ajoelhou. Eu no pude ver o que ela fazia. Em uminstante ela ficou de p e tinha algo em suas garras, que levou boca e mordeu

    No princpio eu no entendi. Ento, lentamente eu compreendi. ACoisa estava se abaixando de novo. Era horrvel. Comecei a car-regar o meu rifle. Quando eu olhei outra vez, o monstro estavaempurrando a pedra, movendo-a para um lado. Apoiei o rifle nacornija e puxei o gatilho. O bruto caiu, de focinho para baixo, e es-ticou ligeiramente.

    Simultaneamente, quase, com o estampido, ouvi outro som, devidro quebrando. Esperando apenas para recarregar minha arma,sa do telhado e desci os primeiros dois lances de degraus.

    L parei para ouvir. E ao faz-lo, veio outro tinido de vidro cado.Pareceu vir do andar de baixo. Excitadamente eu corri pelas esca-das abaixo e guiado pelos rudos dos caixilhos, cheguei porta deum dos quartos de dormir desocupados, nos fundos da casa.Empurrei-a para trs. O quarto estava s levemente iluminado peloluar: a maior parte da luz era bloqueada por um monte de figurasque se moviam fora da janela. Nem bem eu cheguei e umaesgueirou-se quarto adentro. Nivelando a arma atirei queimaroupa, preenchendo o quarto com um estrondo ensurdecedor.Quando a fumaa clareou, percebi que o quarto estava vazio e

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  • janela, livre. Estava bem mais claro e o ar da noite soprava frio at-ravs dos painis quebrados. Abaixo podia ouvir dentro da noiteum ganido suave e o murmrio de vozes sunas.

    Pondo-me de lado da janela, recarreguei e fiquei ali esperando.Ento ouvi barulho de briga. De onde eu estava, nas sombras, eupodia ver sem ser visto.

    Os rudos se aproximaram e logo vi algo aparecer em cima doparapeito e agarrar a armao quebrada da janela. Aquilo se agar-rou a um pedao de madeira e pude ver que era uma mo e umbrao. Um instante depois e o rosto de uma das Criaturas sunasapareceu vista. Ento, antes que eu pudesse usar o meu rifle, oufazer qualquer coisa, ouviu-se um estalo alto e a armao da janelacedeu sob o peso da Coisa. No momento seguinte um baque surdoe um grito alto me contaram que ela tinha cado pelo cho. Na es-perana selvagem de que tivesse morrido eu cheguei janela. Alua tinha se escondido atrs de nuvens, de forma que no deu paradivisar nada, porm, o incessante zumbido de falatrio, bem abaixode onde estava, indicava que havia vrios outros dos brutos porperto.

    Enquanto estava ali olhando para baixo, intriguei-me que as cri-aturas tivessem conseguido subir to alto, porque as paredes socomparativamente lisas e a distncia at o cho seri de uns vinte ecinco metros.

    De repente, ento, enquanto espiava, notei algo indistinto quecortava a lisa sombra cinzenta do lado da casa, como uma linha es-cura, que passava a janela esquerda, a uma distncia de meio

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  • metro. Ento me lembrei da calha que eu mesmo tinha mandadopr l anos antes, para escorrer a gua da chuva. Tinha esquecidoaquilo. Pude ento entender como as criaturas tinham podido al-canar a janela. Nem bem a soluo tinha chegado at mim, ouvium rudo baixo de deslizamento ou arranhamento e soube queoutro dos brutos estava subindo. Eu esperei algum tempo e entome debrucei da janela e testei o cano. Para a minha alegria ele es-tava bastante solto e eu consegui, usando meu rifle comoalavanca, arranc-lo da parede. Trabalhei rpido. Ento,segurando-o com ambas as mos, livrei-me do problema de umavez por todas, atirando-o l para baixo, com a Coisa ainda agar-rada nele.

    Por uns minutos a mais fiquei ali esperando e ouvindo, mas depoisda primeira gritaria geral no ouvi mais nada. Eu sabia que nohavia mais motivo para temer um ataque daquela direo. Eu tinharemovido a nica maneira de alcanarem a janela e como nenhumaoutra possua canos prximos para tentar as habilidades de escal-adores de alguns dos monstros, eu comecei a ficar mais confiantede que poderia escapar de suas garras.

    Deixando o quarto, eu segui at o escritrio. Eu estava ansiosopara saber como a porta resistira o teste do