A Arquitetura Subliminar de Victor Gruen (2)

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A ARQUITETURA SUBLIMINAR DE VICTOR GRUEN Ele criou um conceito que mudaria radicalmente a sociabilidade e a percepção humana contemporânea. Inspirado em planejamento socialista e nas memórias dos espaços de convivência europeus com seus cafés e comércio de rua, um imigrante vienense foragido do nazismo cria nos EUA os primeiros Shopping Malls na década de 1940. Ele acreditava que seria a solução para a democracia americana em meio à alienação e solidão criadas pela expansão econômico pós-guerra. O arquiteto Victor Gruen mais tarde renegaria publicamente sua invenção ao vê-la convertida em “máquinas subliminares de venda”. Mas o seu nome acabou sendo associado ao principal efeito psicológico que o design arquitetônico dos centros comerciais criaria na mente dos consumidores: o chamado “Efeito Gruen Transfer”. Esse é o tema do documentário alemão “Gruen Effect: Victor Gruen and the Shopping Mall” (2012). Ele definitivamente associou o automóvel ao consumo e alterou drasticamente o horizonte urbano das grandes cidades do mundo. Inventou o conceito de Shopping Mall (centros comerciais) cuja arquitetura acabou involuntariamente produzindo um efeito que os pesquisadores em comunicação subliminar chamam de “Gruen Transfer”: no momento em que os consumidores entram em um shopping são envolvidos por um layout arquitetônico intencionalmente confuso, fazendo-os esquecerem das suas intenções iniciais e tornando-os vulneráveis ao bombardeio sensoriais de sons, aromas e luzes – veja RUSHKOFF, Douglas. Coerction, N. York: 2000 e HOWARD, Martin. We Know What You Want. N. YorK: Desinformation, 2005. O termo “Gruen Transfer” refere-se ao arquiteto austríaco Victor Gruen que, sem perceber, criou conceitos que mudariam radicalmente o desenvolvimento urbano do planeta. Um imigrante europeu que de forma

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A ARQUITETURA SUBLIMINAR DE VICTOR GRUEN

Ele criou um conceito que mudaria radicalmente a sociabilidade e a percepo humana contempornea. Inspirado em planejamento socialista e nas memrias dos espaos de convivncia europeus com seus cafs e comrcio de rua, um imigrante vienense foragido do nazismo cria nos EUA os primeiros Shopping Malls na dcada de 1940. Ele acreditava que seria a soluo para a democracia americana em meio alienao e solido criadas pela expanso econmico ps-guerra. O arquiteto Victor Gruen mais tarde renegaria publicamente sua inveno ao v-la convertida em mquinas subliminares de venda. Mas o seu nome acabou sendo associado ao principal efeito psicolgico que o design arquitetnico dos centros comerciais criaria na mente dos consumidores: o chamado Efeito Gruen Transfer. Esse o tema do documentrio alemo Gruen Effect: Victor Gruen and the Shopping Mall (2012).

Ele definitivamente associou o automvel ao consumo e alterou drasticamente o horizonte urbano das grandes cidades do mundo. Inventou o conceito de Shopping Mall (centros comerciais) cuja arquitetura acabou involuntariamente produzindo um efeito que os pesquisadores em comunicao subliminar chamam de Gruen Transfer: no momento em que os consumidores entram em um shopping so envolvidos por um layout arquitetnico intencionalmente confuso, fazendo-os esquecerem das suas intenes iniciais e tornando-os vulnerveis ao bombardeio sensoriais de sons, aromas e luzes veja RUSHKOFF, Douglas. Coerction, N. York: 2000 e HOWARD, Martin. We Know What You Want. N. YorK: Desinformation, 2005.

O termo Gruen Transfer refere-se ao arquiteto austraco Victor Gruen que, sem perceber, criou conceitos que mudariam radicalmente o desenvolvimento urbano do planeta. Um imigrante europeu que de forma dramtica fugiu de uma Viena controlada pelos nazistas em 1938 e que, nos EUA em plena expanso da sociedade de consumo ps-guerra e paradoxalmente inspirado no planejamento socialista e de suas memrias sobre os espaos comunais dos cafs e lojas de ruas europias, criou os primeiros shoppings centers na dcada de 1940.

Dcadas depois, retornando a Europa, renegou publicamente tudo o que havia criado ao tomar conta das nefastas conseqncias dos Shoppings Malls no espao pblico atual. Ele acusou as empresas de terem sequestrado seu conceito e tornado os shoppings malls em mquinas subliminares de venda. Ento, Gruen passou a se interessar por ecologia, concentrou sua ateno na ideia de cidades auto-sustentadas e tornou-se um ativista do movimento anti-nuclear.

O documentrio Gruen Effect

O documentrio alemo The Gruen Effect: Victor Gruen and the Shopping Mall (veja o documentrio abaixo) dirigido por Katharina Weingartner e Anette Baldaulf narra essa histria concentrando-se em trs polmicas questes que envolvem a criao desses verdadeiros templos de consumo para um espao pblico motorizado: primeiro, os shopping malls estimularam o crescimento dos subrbios e condomnios voltados exclusivamente para uma nova classe mdia motorizada, enquanto as regies centrais e os espaos pblicos de convivncia se deterioravam econmica e socialmente; segundo, os problemas de um espao pblico ser absorvido pelos investimentos privados nos Shopping Malls; e, no final, o efeito Gruen Transfer, o sintoma dessa deteriorao dos espaos de convivncia convertidos em verdadeiras armadilhas para o estmulo ao consumo impulsivo.

Gruen iniciou sua carreira como designer de lojas de varejo nos anos 1940. Incansavelmente pregou o evangelho de que o poder econmico era inerente ao bom design para os lojistas americanos da Quinta Avenida em Nova York. Sua reputao cresceu assim como suas ambies.

Nessa dcada os centros das cidades americanas enfrentavam gigantescos congestionamentos em meio exploso do nmero de lojas e comrcios. Resposta de Gruen: construir de forma abrangente centros comerciais planejados, com abundantes estacionamentos para os automveis.

Apanacia de Gruen via no shopping mall a soluo para a expanso americana e a salvao da democracia dos efeitos alienantes do crescimento econmico: livres dos carros, as pessoas desfrutariam da experincia da compra, transformando-a em uma atmosfera agradvel para a socializao e atividades comunitrias. Gruen via no shopping mall o remdio para a alienao e isolamento nos subrbios americanos.

Ironicamente, o conceito dos centros comerciais de Gruen se inspirava nas suas memrias dos espaos de convivncia de Viena com seus cafs e comrcio de rua. O shopping mall seria ento uma verso limpa, fantasiosa e controlada das velhas cidades europias.

No entanto, os centros comerciais acabaram criando menos uma viso comunitria do que um ambiente controlado por interesses privados que viam no intrincado design de corredores, escadas e sucessivos nveis um ambiente propcio para a manipulao dos estmulos e percepes de consumo. A utopia de Gruen, na verdade, estava totalmente inconsciente da contradio existente entre a democracia e o controle social em espaos privados.

Ironicamente, a certa altura do documentrio Gruen Effect, enquanto vemos um arquiteto sendo entrevistado no interior de um shopping norte-americano, um segurana se aproxima e alerta sobre a proibio da presena de cmeras fotogrficas ou de vdeo naquele local por ser ali um espao privado.

O efeito Gruen Transfer

O documentrio aborda muito rapidamente o chamado efeito Gruen Transfer, preferindo concentrar-se mais nas questes urbansticas e sociais dos shopping malls. Como afirmam os entrevistados no documentrio, esse efeito consiste em uma ttica proposital de fazer o consumidor perder as noes temporais e espaciais ao entrar nas intrincadas e confusas estruturas dos centros comerciais.

Em seus primeiros projetos, Gruen acreditava que os Shoppings Mallscriariam socializao e esprito comunitrio

(principalmente diante de vitrinas com algumas variaes lamber os beios, morder os lbios ou roer unhas, numa indicao da compulso oral psquica que envolve a compra impulsiva) e olhos arregalados. A ausncia de relgios nos espaos pblicos, a ausncia de luz natural (a no ser filtrados por vidro fum ou espelhados), desenhos barrocos ou geomtricos nos pisos e a profuso de aromas variados provenientes de cada loja alm da msica ambiente (muitas vezes especialmente compostas por empresas de design de udio e de estratgias multi-sensoriais de gesto de marcas como a norte-americana (Muzak LLC), criam uma espcie de estado de afasia, algo como um Jet lag que criaria condies propcias para baixar todas as defesas racionais do consumidor.

Dislexia da percepo

Esse estado mental lembra bastante o conceito de picnolepsia, um estado de dislexia da percepo criada em ambientes dromosfricos (do grego drmos, corrida) segundo o urbanista e pensador francs Paul Virilio. Para ele, o avano das tecnologias velozes (do automvel at as audiovisuais, eletrnicas, informticas e telemticas) onde a velocidade extrema (de percepo e deslocamento) criariam espaos estticos em circuito fechado onde corremos em crculo, ficando num estado de torpor e suspenso que nos traria euforia e dependncia. A velocidade em estado puro, desprezando-se a finalidade e sentido: no quero ficar onde estou e nem chegar a lugar algum. Apenas acelerar.

Das highways norte-americanas, onde automveis aceleram sem limite de velocidade em circuito-fechado, aos shoppings malls, temos o design dromolgico perfeito: os consumidores se movimentam em circuitofechado pelos corredores. No seu interior o indivduo perde os referenciais de tempo/espao horas, se dia ou noite, onde deixou o carro estacionado, em que piso se encontra , tornandose presa fcil para o bombardeio ininterrupto de estmulos luminosos e sonoros. Perdido em corredores em circuito-fechado e sucessivos nveis idnticos, a nica referncia de localizao so as prprias marcas expostas nas lojas, o que fecha o ciclo-vicioso.

Isso produziria o estado picnolptico:

"Recentes trabalhos sobre a dislexia estabelecem estreita relao entre o estado de viso do sujeito e a linguagem e a leitura. Eles constatam com frequncia um enfraquecimento da viso central (foveal), alvo das sensaes mais agudas, em benefcio de uma viso perifrica mais ou menos perplexa. Dissociao da viso onde o heterogneo sucede o homogneo que faz com que, assim como no estado de narcose, as sries de impresses visuais no tenham significao, no paream que so nossas, elas simplesmente existem, como se a velocidade da luz tivesse tomado conta desta vez da totalidade da mensagem (VIRILIO, Paul. A Mquina de Viso. R. de Janeiro: Jos Olympio, 1994. P. 24).

Alm de produzir um estado ideal de vulnerabilidade aos impulsos de consumo, essa viso perifrica produziria um empobrecimento da experincia. Pegue, por exemplo, o caso do jovem que nomeia qualquer experincia que tenha tido como "legal". Relatando a um colega o que tinha feito num shopping center, ele chama como "legal" trs experincias qualitativamente diferentes: ir ao cinema, comprar uma roupa e, mais tarde, ter "ficado" com uma garota. As experincias no conseguem ser nomeadas nas suas diferenas e valores. Com uma percepo perifrica, as trs experincias so niveladas a um denominador comum. A questo aqui no meramente de "pobreza de vocabulrio", mas uma dislexia da percepo: imagens no conseguem expressarse por palavras porque a realidade percebida j est perifrica, transformada numa tbula rasa.

Por isso, vale a pena conhecer a trajetria paradoxal do inventor dos shoppings centers, estruturas to atuais e capazes de moldar a nossa percepo e sociabilidade. Por que as ideias to altrustas de Victor Gruen se perverteram em mquinas de venda? Como um imigrante em um pas estranho como os EUA, Gruen foi ingnuo? Ou como afirma Sthephanie Dyer, um hipcrita dentro do sonho americano?

Ficha Tcnica

Ttulo: Gruen Effect: Victor Gruen and the Shopping Mall (Der Erfinder der Shopping Mall - Der Gruen Effect)

Diretor: Katharina Weingartner e Anette Baldauf

Roteiro: Katharina Weingartner e Anette Baldauf

Produo: Wailand Filmproduktion e ORF

Distribuio: Pooldoks

Ano: 2012

Pas: Alemanha