A Argumentação Persuasiva

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A arte de argumentar.

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  • A ARGUMENTAO PERSUASIVA

    Mnica Magalhes Cavalcante (UFC)

    Na prova de redao do Exame Nacional do Ensino Mdio, a capacidade de

    desenvolver um texto bem argumentado avaliada a partir de dois aspectos

    estreitamente relacionados: um composicional (estrutural), cobrado na Competncia

    II; outro configuracional (pragmtico-retrico), cobrado na Competncia III. Em ambos

    os aspectos da argumentao, o texto, evidentemente, precisa ter coerncia. Todo texto

    s ter bom desenvolvimento argumentativo se for coerente, porm o inverso no se

    verifica em todos os casos, pois, para que se elabore um texto coerente e coeso, nem

    sempre se tem que recorrer a um dos aspectos da argumentatividade: sua estrutura

    composicional.

    Comecemos por alguns esclarecimentos importantes. Estamos lidando com uma

    noo de coerncia em sentido amplo, e no apenas restrita s conexes internas,

    abstradas das relaes semnticas na materialidade do texto. Em sentido lato, a

    coerncia um princpio de interpretabilidade e supe relaes sociodiscursivas de

    produo e de uso, ultrapassando os significados das formas da lngua e de suas

    ligaes lgico-semnticas (do lxico, das construes frasais, dos segmentos

    cotextuais). A coerncia tem, pois, um duplo funcionamento: uma totalidade na qual

    todos os elementos formais e funcionais atuam num sistema de relaes

    interdependentes para constiturem uma unidade pragmtica de comunicao; e

    constitui ainda, ou principalmente, uma relao contextual com a situao em que o

    texto foi produzido. No cabe Competncia III avaliar a coerncia, embora dela no

    possa prescindir.

    Segundo a terceira competncia, o candidato dever ser capaz de selecionar, relacionar, organizar e interpretar informaes, fatos, opinies e argumentos em defesa

    de um ponto de vista. Isso significa dizer que qualquer investimento do candidato na seleo e na organizao das ideias deve estar direcionado para uma opinio central que

    ser defendida. Essa opinio central a prpria tese. exatamente a anlise desses

    recursos mobilizados para argumentar em favor de uma tese que interessa a quem vai

    avaliar a Competncia III.

    Assim sendo, enquanto parte da Competncia II envolve a anlise do aspecto

    composicional do texto argumentativo, a III envolve todas as estratgias usadas pelo

    candidato com a finalidade de persuadir o leitor. Persuadir tentar induzir o interlocutor

    para um dado posicionamento, buscando engaj-lo em determinado ponto de vista sobre

    o mundo. S se pode afirmar que todo texto argumentativo dentro desta acepo de argumentao como persuaso, pois, com efeito, toda ao comunicativa visa atingir o

    interlocutor, a fim de persuadi-lo de algum modo.

    Por outro lado, dentro da acepo de argumentao como estrutura

    composicional, nem todo texto argumentativo, pois, para que o fosse, deveria

    privilegiar a estrutura constitutiva do raciocnio, aquela em que se constroem

    argumentos com o objetivo de provar para o interlocutor uma certa tese ou opinio

    central. O texto cobrado na prova de redao do ENEM deve apresentar,

    obrigatoriamente, tal estrutura, ou seja, deve ser um texto argumentativo-opinativo.

    Examinar se a redao se enquadra em um desenvolvimento composicional

    argumentativo observar, dentro da Competncia II, se a seguinte estrutura de

    raciocnio est presente, mas no necessariamente neste ordem, nem necessariamente

    com todas estas fases:

  • - Tese inicial

    - Dados (argumentos)

    - Garantia (conhecimentos implcitos que apoiam e complementam os

    argumentos)

    - Inferncias (ligaes implcitas que permitem relacionar os dados concluso)

    - Concluso nova tese (ponto de vista central)

    Se o conjunto dessas fases considerado como critrio fundamental para, na

    Competncia II, classificar um texto como dissertativo-argumentativo, o que deve estar contemplado na III? O investimento retrico. Compete ao corretor julgar se o

    candidato foi eficiente na argumentao persuasiva e, para isso, deve ponderar sobre o

    caminho argumentativo escolhido na redao. Analisar, ento, se o produtor do texto

    formulou os argumentos organizando-os por ideias que se associam ou que se

    dissociam. Dever observar se ele se valeu de tcnicas argumentativas para tornar mais

    persuasivas as informaes e opinies acrescidas. Para transformar essas informaes e

    opinies em dados ou argumentos, o candidato pode se valer de definies, de

    comparaes, de tcnicas de incluso de partes num todo, de clculos de probabilidade,

    de exemplos, ilustraes e analogias, dentre outros expedientes retricos. Na verdade,

    no h frmulas prontas para transformar informaes e opinies em argumentos

    convincentes para a tese central.

    Por isso, o primeiro desafio do corretor ao avaliar a redao de acordo com a

    Competncia III buscar qual a tese central, ou concluso nova tese, ou ponto de vista

    principal do texto. A opinio central defendida pelo candidato pode no ser explicitada

    logo no incio do texto. Muito frequentemente, o texto opinativo principia com

    declaraes generalizantes, por isso est prevista, na composio argumentativa, a fase

    da tese inicial. A tese inicial consiste num comentrio geral, que tem o propsito, muitas vezes, de apenas introduzir o tpico central do texto. Dificilmente, revela o

    ponto de vista final que ser sustentado, mas pode ser que coincida. Ela vai progredindo

    e se definindo aos poucos.

    No se pode confundir o tpico principal do texto com a tese. O tpico o tema

    em torno do qual a redao h de se desenvolver; no ENEM, ele previamente definido,

    e exigido pelo exame que o candidato se atenha a ele, sob pena de ter a redao

    anulada por Fuga ao Tema. J a tese, ou ponto de vista central, de cada um, assim

    como de cada um a escolha dos dados que daro forramento a essa opinio, que deve

    ser defendida com eficcia.

    Assim, se o tema da redao for A imigrao para o Brasil no sculo XXI, todos os subtpicos devem convergir para esse tpico principal, de modo a dar-lhe

    centrao. Mas atender a essa condio no basta para se emitir uma opinio sobre o

    tema. Um exemplo de tese poderia ser O Brasil deveria dispor de polticas pblicas de acompanhamento aos imigrantes, ou O aumento do nmero de imigrantes tem sido maior que a capacidade do pas de implantar polticas de controle e fiscalizao.

    Qualquer que seja a concluso nova tese, ou ponto de vista central, devem ser

    acrescentados dados, argumentos, como informaes estatsticas, exemplos, ilustraes,

    definies, relaes de incluso ou de diviso em partes, comparaes, argumentos de

    autoridade, relaes de causa-consequncia, dentre outros meios de convencer o leitor

    de que a opinio sustentada na redao pertinente. para este ponto que deve voltar-

    se a ateno do corretor que est pontuando a Competncia III.

    Se o candidato emitir, por exemplo, a opinio de que A imigrao para o Brasil praticamente motivada pelo que a mdia apresenta sobre o potencial econmico do

    pas, por isso as pessoas de outros pases acreditam que aqui podero atingir

  • estabilidade financeira e melhores condies de vida, ele ter que comprovar, por diferentes argumentos, que tem razo no que diz. Pode apresentar um dado numrico

    que homologue a afirmao de que a quantidade de imigrantes no Brasil est

    aumentando a cada ano e pode acrescentar que cerca de um milho e meio de pessoas j

    tem sua condio de imigrante regularizada no pas. Pode exemplificar com os dados

    sobre a imigrao de haitianos e bolivianos, espanhis, franceses e norte-americanos.

    Pode ilustrar com a narrativa de uma historieta que demonstre como os imigrantes so

    atrados para o Brasil. Ou pode citar comentrios de pessoas do Conselho Nacional de

    Imigrao, ou do Ministrio da Justia, ou de qualquer autoridade cuja opinio possa ser

    suficientemente respeitada para dar credibilidade ao que o candidato est querendo

    mostrar. Quanto mais criativo for o candidato na seleo e no modo de organizao dos

    dados, e quanto mais original ele for na escolha estilstica de como explicitar e

    implicitar os argumentos, mais o texto ganhar traos autorais, peculiares ao modo de

    dizer de cada um.

    No importam quais sejam os dados, ou argumentos, eles certamente se apoiam

    em conhecimentos enciclopdicos, lingusticos e interacionais, e em convenes sociais,

    que vo ancorar os raciocnios que estiverem sendo elaborados. So eles que do

    garantia ou suporte s inferncias a serem feitas a partir do que vem sendo dito

    explicitamente. Essa passagem dos argumentos concluso se d por regras de

    inferncia, em diferentes nveis de implicitude.

    Vale lembar que, toda vez que um ponto de vista sustentado em um texto,

    porque se contrape a outros que podem ser explicitados pelo autor, ou podem estar

    apenas pressupostos pelos conhecimentos que se supem compartilhados por todos.

    Quanto mais os contra-argumentos estiverem explcitos, mais claramente o leitor ver o

    confronto dialgico entre o ponto de vista defendido e outros que ele contradita. Mas a

    implicitude dos contra-argumentos no compromete a qualidade do texto. Pode ser uma

    simples questo de estilo, de nfase, de focalizao de propsitos argumentativos.

    Os nveis de 0 a 5 que mensuram a Competncia III prescrevem que um texto

    argumentativo retoricamente bem construdo apresenta informaes, fatos e opinies relacionados ao tema proposto, de forma consistente e organizada, configurando autoria,

    em defesa de um ponto de vista. Salta vista que o grau de informatividade perpassa todos os nveis dessa competncia, de maneira que se poderia acreditar que a simples

    soma de informaes, fatos e opinies bastasse para tornar um texto bem argumentado. No basta. preciso que deem consistncia tese, que comprovem, de

    fato, os raciocnios que esto sendo elaborados. Do contrrio, sero apenas dados

    desconexos, ou irrelevantes para a confirmao da opinio central. Tomemos como

    exemplo a redao da p.41 do Manual do Avaliador. possvel decompor a redao nas

    seguintes fases da estrutura argumentativa:

    TESE INICIAL

    O primeiro decnio do sculo XXI significativo para o Brasil, pois demarca a entrada do pas na lista de naes preferidas por imigrantes estrangeiros, que se dispuseram a adotar um novo endereo. Desde ento, o Brasil do s comporta o Brazil do z: o pas a mais nova menina dos olhos de imigrantes oriundos das mais longnquas e diversas naes.

    DADOS, ARGUMENTOS - Por comparao

  • At o final da dcada de 1990, o Brasil comumente no era um polo atrativo para imigrantes, j que sua economia estava pautada pela instabilidade, com inflao e desempregos em nveis elevados, repelindo, desse modo, os imigrantes estrangeiros para outros pases que dispunham de um quadro econmico mais favorvel. A situao modificase quando o Brasil apresenta melhores resultados econmicos, passando de uma economia dependente externamente, principalmente no que tange ao comrcio, a uma economia mais estvel, ganhando status de pas em desenvolvimento, ao deixar de lado a alcunha de pas subdesenvolvido.

    - Garantia (suporte de conhecimentos implcitos culturalmente convencionados)

    Um pas cuja economia vem crescendo claramente em relao a dcadas passadas atrai as pessoas do mundo todo, em busca de melhores condies de vida.

    Regra de inferncia (implcita)

    Se o Brasil vem estabilizando a inflao e o nvel de desemprego, a tendncia que as condies de vida no pas melhorem ainda mais e que atraia mais imigrantes.

    - Por causa-consequncia

    a) Outros fatores so determinantes para esse novo paradigma do movimento imigratrio do sculo XXI, como, por exemplo, as crises que atingiram os principais centros financeiros capitalistas, deflagradas nos Estados Unidos desde 2008, e nos ltimos dois anos em diversas naes europias. Tais crises fizeram com que os estrangeiros viessem para o Brasil, sempre em busca de melhores oportunidades. b) Somase a isso, isto , ao que dissemos anteriormente, o clima brasileiro, visto tambm como um forte atrativo, j que proporciona uma melhor adaptao do estrangeiro no pas. c) Sem falar, claro, na hospitalidade brasileira, to difundida e veiculada em outras naes.

    A redao no apresenta explicitamente uma contra-argumentao, mas

    possvel depreend-la. Se a tese inicial afirma que o Brasil a menina dos olhos dos

    imigrantes, porque h quem pense o contrrio, ou quem considere tal declarao

    exagerada. Por isso, cabe ao candidato convencer o leitor de que sua opinio razovel.

    Para persuadir o leitor, o autor da redao optou por escolher um argumento de

    comparao e por apresentar trs fatores que causassem o aumento da imigrao para o

    Brasil. No foi opo do candidato discutir razes contrrias a esses argumentos. Se os

    contra-argumentos tivessem sido explicitados, teriam de ser avaliados, pesados e

    medidos pelo autor, de maneira a demonstrar quais dados eram mais conclusivos para a

    reafirmao de sua tese. Mas isso no chega a constituir um problema para um texto

    argumentativo-opinativo.

  • Atender s exigncias da Competncia III , como se v, construir uma opinio

    gradativamente, elegendo, para isso, argumentos eficazes e dando-lhes organizao

    prpria e imprimindo-lhes efeitos estilsticos originais.