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GENTILI A INTELIGÊNCIA DO SÉCULO XXI http :// danilogentili . zip . net / arch 2009-07-01_2009-07-31. html Ultimamente temos visto nas redes sociais textos antigos serem revividos e postados como se fossem atuais. Mesmo sendo de 2009 o texto de Gentili defendendo o uso do termo “macaco” em piadas sobre negros continua promovendo o debate tenso e cheio de provocações entre aqueles que se intitulam “defensores do politicamente incorreto” e também dos intitulados “patrulha politicamente correta[...]imbecil e superficial” (sic). Em primeiro lugar teremos que explorar os conceitos de raça, etnia e racismo, para, com propriedade, aniquilarmos as pseudoverdades exprimidas por Gentili e pulverizar as bases paralógicas do séquito de inteligentes que o defendem. Quando me posicionei contra os argumentos do comediante Gentili a primeira coisa que me falaram foi: “você não entendeu o texto, não entendeu o que ele quis dizer, lê de novo!” Bom eu reli o texto e continuo contra. Estou acostumado a ler Sartre, Hegel, Marx, Feuerbach, Freud, MArcuse, Bakhtin, Fanon, Memmi, e penso que depois de 14 anos estudando profundamente História, Filosofia, Antropologia, Sociologia e Psicologia posso ter um pouco de discernimento e de um básico rol de técnicas de análise de discurso. Um dos trabalhos do historiador é buscar ideias em textos, explícitas e ocultas, sendo que a textualidade não está somente no texto escrito. Será que o texto de Gentili possui uma complexidade acima de qualquer coisa que eu já li, para se fazer tão obscurum per obscurius ? Quando - em uma sociedade racista - negamos que o racismo existe, ou pior, afirmamos que quem se assume como negro é racista, estamos reproduzindo-o de modo violento sem pensar nas consequências de nosso ato. Eu como professor branco em escolas da periferia, Bairro Restinga, Porto Alegre, posso tranquilamente afirmar que mais da metade dos meus alunos possuem ascendência africana. Alguns são considerados negros, outros morenos, alguns até brancos. Vivemos em uma sociedade onde o racismo é definido como assimilacionista, onde o negro é diluído em uma imensa gradação de cores do “preto- retinto” ao “moreno”, coisa que não ocorre no racismo segregacionista onde negro é negro e branco é WASP (White Anglo-Saxon Protestant). É interessante ver que o negro só pode ser negro quando esta “alcunha maldita” o diferencia como inferior, quando o negro se levanta e reafirma a positividade de sua cultura milenar é taxado de racista. Gentili diz que passa por sua cabeça chamar um negro orgulhoso de sua “raça” de burro! Só passa em sua cabeça pois ele não teria coragem de fazer isso na frente de um negro. É típico da classe média racista brasileira, falam o que querem na internet, mas no olho no olho guardam seu racismo para si por medo de serem racistas. Imagino Gentili chamando James Brown de burro ao cantar Say it Loud: I´m Black and Proud. E aqui James Brown diz sou preto e tenho orgulho, orgulho de uma cultura milenar e diversa, orgulho de uma “raça” que “com o próprio sangue construiu o País”. O joguete de palavras de Gentili “preto”, “negro”, “macaco” não dá certo e acaba por autodestruir a sua tese, que sem sustentação acaba por cair. Podemos sim debater os termos “preto” ou “negro” , qual seria correto, mas também sou contra o politicamente correto careta que esconde no palavreado rebuscado o seu racismo. Gosto de ler Angeli, Allan Sieber, Laerte e o finado Glauco. Gosto de Nelson Rodrigues, não me chamem de patrulha do politicamente correto, amo Dead kennedys e George CLinton, não me venham alcunhar de moralista, estou longe bem disso. Mas preciso dizer que, mesmo nas piadas pesadas e sujas raciais o que víamos na

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GENTILI A INTELIGÊNCIA DO SÉCULO XXI

http :// danilogentili . zip . net / arch 2009-07-01_2009-07-31. html

Ultimamente temos visto nas redes sociais textos antigos serem revividos e postados como se fossem atuais. Mesmo sendo de 2009 o texto de Gentili defendendo o uso do termo “macaco” em piadas sobre negros continua promovendo o debate tenso e cheio de provocações entre aqueles que se intitulam “defensores do politicamente incorreto” e também dos intitulados “patrulha politicamente correta[...]imbecil e superficial” (sic). Em primeiro lugar teremos que explorar os conceitos de raça, etnia e racismo, para, com propriedade, aniquilarmos as pseudoverdades exprimidas por Gentili e pulverizar as bases paralógicas do séquito de inteligentes que o defendem.

Quando me posicionei contra os argumentos do comediante Gentili a primeira coisa que me falaram foi: “você não entendeu o texto, não entendeu o que ele quis dizer, lê de novo!” Bom eu reli o texto e continuo contra. Estou acostumado a ler Sartre, Hegel, Marx, Feuerbach, Freud, MArcuse, Bakhtin, Fanon, Memmi, e penso que depois de 14 anos estudando profundamente História, Filosofia, Antropologia, Sociologia e Psicologia posso ter um pouco de discernimento e de um básico rol de técnicas de análise de discurso. Um dos trabalhos do historiador é buscar ideias em textos, explícitas e ocultas, sendo que a textualidade não está somente no texto escrito. Será que o texto de Gentili possui uma complexidade acima de qualquer coisa que eu já li, para se fazer tão obscurum per obscurius ?

Quando - em uma sociedade racista - negamos que o racismo existe, ou pior, afirmamos que quem se assume como negro é racista, estamos reproduzindo-o de modo violento sem pensar nas consequências de nosso ato. Eu como professor branco em escolas da periferia, Bairro Restinga, Porto Alegre, posso tranquilamente afirmar que mais da metade dos meus alunos possuem ascendência africana. Alguns são considerados negros, outros morenos, alguns até brancos. Vivemos em uma sociedade onde o racismo é definido como assimilacionista, onde o negro é diluído em uma imensa gradação de cores do “preto-retinto” ao “moreno”, coisa que não ocorre no racismo segregacionista onde negro é negro e branco é WASP (White Anglo-Saxon Protestant).

É interessante ver que o negro só pode ser negro quando esta “alcunha maldita” o diferencia como inferior, quando o negro se levanta e reafirma a positividade de sua cultura milenar é taxado de racista. Gentili diz que passa por sua cabeça chamar um negro orgulhoso de sua “raça” de burro! Só passa em sua cabeça pois ele não teria coragem de fazer isso na frente de um negro. É típico da classe média racista brasileira, falam o que querem na internet, mas no olho no olho guardam seu racismo para si por medo de serem racistas. Imagino Gentili chamando James Brown de burro ao cantar Say it Loud: I´m Black and Proud. E aqui James Brown diz sou preto e tenho orgulho, orgulho de uma cultura milenar e diversa, orgulho de uma “raça” que “com o próprio sangue construiu o País”. O joguete de palavras de Gentili “preto”, “negro”, “macaco” não dá certo e acaba por autodestruir a sua tese, que sem sustentação acaba por cair. Podemos sim debater os termos “preto” ou “negro” , qual seria correto, mas também sou contra o politicamente correto careta que esconde no palavreado rebuscado o seu racismo. Gosto de ler Angeli, Allan Sieber, Laerte e o finado Glauco. Gosto de Nelson Rodrigues, não me chamem de patrulha do politicamente correto, amo Dead kennedys e George CLinton, não me venham alcunhar de moralista, estou longe bem disso. Mas preciso dizer que, mesmo nas piadas pesadas e sujas raciais o que víamos na

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obra destes artistas politicamente incorretos , era a crítica ao establishment, ao status quo vigente, e não uma defesa ferrenha do pensamento mais tacanho e medíocre.

Eis a essência do racismo assimilacionista brasileiro: em uma pesquisa perguntaram duas questões: 1)Você é racista? 98% dos entrevistados disseram que não. A segunda pergunta: 2) Você conhece algum racista? 100% afirmaram que conhecem alguém racista. Agora me expliquem como pode 98% não serem racistas e 100% conhecerem racistas? Onde estão os racistas do Brasil? Esta pesquisa prova a materialização do racismo brasileiro, um racismo que se esconde através de mitos de mestiçagem e democracia racial, um racismo perverso, difuso, diferente do segregacionista nos Estados Unidos, onde pelo menos, formou-se uma classe média negra e onde o branco racista assume abertamente sua posição. Lá o negro sabe quem é o seu inimigo. Aqui no Brasil é como o Mano Brown afirmou em um rap antigo: “No meu País o preconceito é eficaz, te cumprimentam na rua, te dão um tiro por trás!”.

O conceito de raça é bastante contraditório, temos que explorá-lo para combater dois tipos de racismo: o racismo biológico do século XIX, do qual convivemos com resquícios ainda hoje, e o racismo assimilacionista que diluí o negro numa gradação de cores. Mas atualmente um novo fenômeno se apresenta: os dos que afirmam que raças não existem, pois já que todos são iguais, políticas afirmativas são racistas.

Em termos de teorias pseudocientíficas racistas temos o maior representante em Gobineau. O racismo biológico tem suas bases teóricas fundamentais na eugenia, onde se defende que as “raças superiores” não devem se misturar com as “inferiores” pois isso degeneraria a cultura dos “superiores”. O mais conhecido teórico racista do século XIX foi o Conde de Gobineau, diplomata e etnólogo que externou suas idéias tacanhas no seu Ensaio sobre a Desigualdade das Raças Humanas de 1853. Nessa obra o autor defendia a supremacia biológica da raça branca, mais precisamente a ariana, que deveria continuar “pura” para não perder seus “gens de civilização”. O nazismo bebeu diretamente nessa fonte pútrida e, o Brasil, também foi influenciado por essa teoria, através da nossa ideologia do branqueamento, defendida principalmente por Oliveira Vianna, onde se afirmava que o Brasil devia importar força de trabalho européia para diluir o “sangue negro” existente aqui para que, desse modo, o País se desenvolva.

O Conde de Gobineau esteve no Brasil em 1870, e era “[...] amigo de D. Pedro II e contrário à miscigenação, uma vez que via o miscigenado como um produto degenerado. Como solução para uma degeneração genética, que ele previa ocorrer no Brasil em menos de duzentos anos, devido à mistura de raças, pregava a ‘purificação’ com o sangue europeu. Gobineau escreveu que, excluindo D. Pedro II ‘todo mundo é feio aqui, mas incrivelmente feios; como macacos’ ( CHIAVENATO, 1986 apud SILVA, 1995)”. FEIOS COMO MACACOS! Preciso continuar explicando, amigos inteligentes? Em uma coisa concordamos com o defensores de Gentili: raça biologicamente não existe, mas isso não quer dizer que ideologias, constructos sociais de diferenciação não existam. Seria rídiculo afirmar que as castas indianas são biológicas... mas também seria de extrema idiotia afirmar que as castas não existem pois não são biológicas!!! Quanto ao racismo,segundo o Dr. Munanga devemos levar em conta as diferenças entre a) ideologia racista, b) preconceito racial e c) discriminação racial: A, B e C formam o racismo, estão interligados. A) é uma doutrina, uma filosofia da história, uma concepção de mundo; B) uma atitude, uma opinião verbalizada ou não; C) comportamento coletivo observável (MUNANGA,

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1998, p.47).

Gentili utiliza as armas da luta contra o racismo ( de que não existem raças, muito menos superiores e inferiores) para perpetuar a discriminação racial através de apelidos depreciativos que, eu como professor, ouço na sala de aula e ele como comediante não sabe o estrago que causam no locus escolar, as feridas nas crianças negras alcunhadas de “macacas”, “cabelo ruim” “picolé de pinche”, etc. Ele não sabe. Eu sei!!! Como professor, eu tenho autoridade para falar sobre isso, eu vivo isso todos os dias. A palavra negro foi criada pelo branco, tanto que os índios eram chamados de “negros da terra” pelos portugueses. Negro é maldito, é escuridão, tudo que é ruim é negro. Quando Noé amaldiçoou seu filho CAM, este se tornou negro, segundo a leitura medieval da Bíblia. Mas o que é o branco, o amarelo e o vermelho senão construções ideologizadas como tais como o negro? O negro e o branco são invenções, ideais que se materializaram na realidade, se fizeram coisas, são vergegenständlichung, entäusserung (objetivações, externações) segundo Hegel, para citarmos um filósofo eurocêntrico, e não sermos “taxados” de afrocentristas. Assim o africano, na diversidade gigantesca do continente, não se considerava negro, mas sim de sua etnia: ele era khosa, zulu, Bakongo, Ambundo, uolóf, ewe-fon. Mas quando o branco os chamou, todos, de negro, uma categoria colonial de diferenciação, com o tempo o africano assumiu a palavra negro e a resignificou do negativo ao positivo. Este é o primeiro passo de libertação do colonizado, segundo o judeu tunisiano Albert Memmi, da negatividade extrema se vai a positividade extrema e por fim a aufhebung, a supra-sunção.

Voltando ao tema eugenia e racismo pseudocientífico do século XIX temos que demonstrar a origem do termo macaco aplicado ao negro. Vamos citar o racista colonialista do século XVI Juan Ginés de Sepulveda que combateu a ideais de humanidade dos índios contra o Frei Bartolomé de las Casas:

“Os espanhóis têm todo o direito de exercer seu domínio sobre estes bárbaros do Novo Mundo e ilhas adjacentes, os quais em prudência inteligência e toda espécie de virtudes e sentimentos humanos são tão inferiores aos espanhóis quanto as crianças com relação aos adultos, as mulheres em relação aos homens, pessoas cruéis e desumanas com relação a pessoas mansas, pessoas desequilibradas com relação a pessoas equilibradas; e, enfim, estou prestes a admitir que com relação aos espanhóis estão na posição de macacos em relação a homens.[...] São como porcos: estão sempre olhando pro chão, como se nunca tivesse visto o céu.[...]Tudo isto não prova que eles são

escravos de natureza?[...]Esses homenzinhos tão bárbaros, tão incultos, tão desumanos...” (tiradas de uma obra de Alejandro Lipschutz, chamada El problema racial en la conquista de América e el mestizaje (apud DOS SANTOS, 1994. p.24-25)

Compreendem agora, homem e mulher inteligente, defensores do texto de Gentili o que significa chamar um negro de macaco? Penso que não foi preciso ler duas vezes para adentrar no âmago da questão! Os índios e negros eram chamados de macacos porque eram considerados na zona limítrofe entra a animalidade e a humanidade. Compreendem agora a diferença entre chamar um obeso de baleia, um gay de veado e um alto de girafa e de chamar um negro de macaco? Aliás o inteligente Gentili nunca leu Darwin, nem sequer um resumo, pois Darwin, depois de ler a Origem das Espécies, posso afirmar isso, nunca disse que o homem veio do macaco, mas que humanos e macacos possuem uma origem comum! Quem disse que o ser humano veio do macaco foram os detractores vulgares e cretinos da obra de Darwin em sua época! Gente que se achava muito inteligente na época...

O inteligente Gentili em sua imensa compreensão do modus operandi social afirma que “[...]palavras não

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definem muitas coisas e sim atitudes.” Mas a palavra não é uma atitude? Quando chamo meu colega de “preto imundo”, ou minha colega de sexta série de “macaca feia”, eu não estou tendo uma atitude? O senhor em sua vasta inteligência não estudou Saussure ou Bakhtin? Não leu Foucault ou Fanon? As palavras são materializações, quando eu falo, quando eu enuncio algo isto é uma atitude. A linguagem humana não é abstrata somente, ela se faz coisal, se faz material quando eu lanço a palavra sendo ela falada ou escrita. Se eu sou um racista e guardo tudo na minha mente, estou guardando preconceitos imateriais mas com origem material, quando eu falo um apelido racista eu estou discriminando materialmente. Se o senhor conhecesse um pouco da cultura africana no Brasil saberia que para estes povos a palavra é tão material quanto o corpo, ao falar eu torno o meu pensamento material, isto é básico em qualquer curso que analise as palavras, o senhor Gentili em sua profundidade abismal, não estudou isso?

Gentili não se atém apenas a reproduzir clichês do imáginário social, como é comum na comédia, mas se ele faz piadas racistas é porque catalisou as situações da consciente coletivo brasileiro, por isso o seu sucesso e o crescimento do séquito de gênios que o seguem. Ele vai além: consegue abranger fronteiras imensas do charco de mitos e besteiras que reproduzem sobre a História do Brasil. Os italianos sofreram muito quando vieram para cá no final do século XIX para o Brasil, veja bem, final do século XIX! Os africanos mina e posteriormente bantu, yorubá entre outros povos, povos e não “tribos” africanas vieram para o Brasil desde o século XVI, vieram à força, não compraram passagens e não ganharam terras ou salários. E além do mais temos uma nascente vertente historiográfica que estuda o escravismo nas colônias italianas e alemãs no Rio Grande do Sul, desmentindo o mito do colono que não escravizou, foi em menor escala, mas ocorreu.

Gentili em sua inteligência imensurável afirma que

Brancos caçaram negros como animais. Mas também os compraram de outros negros. Sim. Ser dono de escravo nunca foi privilégio caucasiano e sim da sociedade dominante. Na África, uma tribo vencedora escravizava a outra e as vendia para os brancos sujos.

Em primeiro lugar, devemos lembrar Gentili, já que ele deve ter esquecido dada a sua vasta leitura em antropologia e outras ciências que estudam o ser humano, que os povos que vieram para o Brasil da África e que guerreavam entre si obtendo escravizados para a venda e tráfico internacional, não eram tribos, mas sim estruturas sociais mais complexas que o tribalismo. O Reino de Daomé e o Reino de Oyó, as cidades Hauças, não eram tribos, tribo é um termo usado por pessoas que desconhecem o mínimo dos estudos antropológicos mais básicos, mas isso não cabe ao nosso querido Gentili, leitor assíduo de Claude Levi-Strauss.

Além do mais o escravismo in África era doméstico e não um sistema internacional de acumulação de capital onde os escravizados eram chamados de “peças”. O africano não capitalizava a força de trabalho, os filhos do cativo africano eram livres e incorporados na sociedade. Essa é uma diferença absurda. O senhor trata os críticos de sua piada como maníqueístas: como se não soubéssemos que a questão racial está completamente atrelada a questão de classe e que a sociedade de classes no Brasil foi gestada a partir de 4 séculos de escravismo colonial. Assim como neste momento in África temos o branco explorando o negro, temos também o negro explorando o negro e muito provavelmente o negro explorando um indiano ou um branco. Os africanos vendiam vendiam seus próprios irmãos! Dramática esta frase, porém, anacrônica! Como já dissemos os africanos não se consideravam negros, se consideravam de suas etnias,

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zulu, uolóf, quicongo, somali, quem os chamava de negros eram o europeus escravistas. Esta era uma das estratégias do escravista: colocar negros de etnias diferentes na senzala, com línguas e cultura diferentes e até eles se acertassem já se passaram anos. Interessante o pensamento do branco colonial brasileiro: eu chamo e considero “eles” negros, mas se “eles” se tornarem negros e começarem a se sentir como irmãos, como malungos e usarem esta categoria contra “nós”? Releia esta pergunta se você não entendeu! A resignificação positiva de ser negro, com essa o colonizador não contava. “Eles” e “nós”, outra humanidade.

Não estou culpando os brancos de hoje, e eu como branco não me sinto culpado, pelo que os brancos do passado fizeram com os africanos. Mas a sociedade é racializada e brancos possuem acesso diferenciados ao estudo e ao mercado de trabalho, isso é um fato. Não porque os negros são inferiores ou algo do gênero, mas porque nasceram em condições sociais pobres dentro de uma sociedade racista e capitalista. O problema do racismo possui um lado econômico e não podemos deixá-lo de lado. O que me faz sentir culpado e envergonhado é pelo que se deixa de fazer em prol do combate ao racismo. Como já disse sou professor e vejo as chagas da discriminação racial todos os dias nas crianças do nosso País. O racismo também é uma psicopatologia social e causa doenças em brancos e negros. Se consideramos que não existem raças e que todos humanos são uma unidade na diversidade estamos dando um primeiro passo para superar o racismo biológico do século XIX, mas temo que um novo racismo está surgindo, o de utilizar discursos de igualdade para negar a diferença social entre brancos e negros no Brasil.

Se Bill Cosby, Richard Pryor (imagina o Pryor lendo o texto do Gentili) e Eddie Murphy não inspiram seu trabalho, pois que eu saiba, principalmente o Pryor, são defensores da causa negra com muito orgulho. Você seria o motivo da piada deles: a do branco bastardo colonial.

Referências:

SANTOS, Gislene Aparecida dos. Selvagens, Exóticos, Demoníacos. Idéias e Imagens sobre uma Gente de Cor Preta. Estudos Afro-Asiáticos, Ano 24, nº 2 , p.275-289, 2002.

SILVA, Ana Célia. A discriminaçao do negro no livro didático. Salvador: Centro de Estudos Afro-Orientais e Centro Editorial e Didático da UFBA, 1995.