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Textos Completos: II Congresso Internacional de História da UFG/Jataí: História e Mídia ISSN 2178-1281 1 Anais do II Congresso Internacional de História da UFG/ Jataí Realização Cursos de História, Letras, Direito e Psicologia ISSN 2178-1281 OS JORNALISTAS OPERÁRIOS BRASILEIROS E AS NOTÍCIAS DA REVOLUÇÃO RUSSA: O BOLCHEVISMO SOB A ANÁLISE DA IMPRENSA DO MOVIMENTO ANARQUISTA (1917-1922) Leandro Ribeiro Gomes. Mestrando/bolsista FAPESP - UNESP - Assis Resumo Este artigo almeja apresentar a correlação que havia entre a luta do movimento operário e a imprensa que era produzida por este movimento, que foi talvez um dos maiores movimentos sociais no Brasil em inícios do século XX. Uma correlação que é indispensável para entender estes jornais, pois estes eram a própria expressão e materialização da causa operária. Na época, a tendência anarquista era predominante neste meio, e com estes periódicos libertários, podemos identificar às transformações nas práticas e discursos jornalísticos com o impacto das notícias da Revolução Russa. Os movimentos sociais na Rússia e o bolchevismo são saudados, interpretados, analisados e criticados na imprensa anarquista que tinha como base de formação e experiência as lutas sociais do Brasil. Uma nova experiência revolucionária foi divulgada com a revolução de outubro, e com isso, a prática militante dos anarquistas brasileiros foi questionada dilemas e mudanças que se refletiram nesta imprensa. A revolução socialista dos sovietes causou mutações nas concepções e no imaginário do movimento operário de então novas idéias, esperanças e decepções e com isso seus jornais se transformaram em palcos de lutas internas. Palavras-chave Revolução Russa; Imprensa Operária brasileira; Anarquismo. Introdução O período de fins do século XIX e inícios do século XX são marcados pela historiografia como sendo o início da industrialização mais intensa do país, com a formação dos primeiros parques industriais do Brasil. E também de um novo impulso da urbanização, um fenômeno que está relacionado com a industrialização. Enfim, transformações profundas que ocorreram em um país que aboliu o sistema de escravidão e a monarquia na mesma época, e que entrava num novo contexto mundial, em uma nova fase do capitalismo e das relações internacionais marcados pelo neocolonialismo, imperialismo e guerra mundial. Com a mudança de regime político, das antigas relações sociais e da economia do país assim como a vinda dos imigrantes europeus, que muito contribuíram para a formação do movimento operário o “proletariado” nacional começava a se formar, enquanto classe e com produção cultural própria. A corrente anarquista, em suas várias vertentes, mas com certo destaque o anarco- sindicalismo, foi a doutrina social que predominou nestes anos iniciais de movimento operário no Brasil (de 1890 a 1920). As organizações operárias e o movimento anarquista proliferaram nos principais centros urbanos, mas a maioria dos jornais

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OS JORNALISTAS OPERÁRIOS BRASILEIROS E AS NOTÍCIAS DA REVOLUÇÃO RUSSA: O BOLCHEVISMO SOB A ANÁLISE DA IMPRENSA DO

MOVIMENTO ANARQUISTA (1917-1922)

Leandro Ribeiro Gomes. Mestrando/bolsista FAPESP - UNESP - Assis Resumo Este artigo almeja apresentar a correlação que havia entre a luta do movimento operário e a imprensa que era produzida por este movimento, que foi talvez um dos maiores movimentos sociais no Brasil em inícios do século XX. Uma correlação que é indispensável para entender estes jornais, pois estes eram a própria expressão e materialização da causa operária. Na época, a tendência anarquista era predominante neste meio, e com estes periódicos libertários, podemos identificar às transformações nas práticas e discursos jornalísticos com o impacto das notícias da Revolução Russa. Os movimentos sociais na Rússia e o bolchevismo são saudados, interpretados, analisados e criticados na imprensa anarquista – que tinha como base de formação e experiência – as lutas sociais do Brasil. Uma nova experiência revolucionária foi divulgada com a revolução de outubro, e com isso, a prática militante dos anarquistas brasileiros foi questionada – dilemas e mudanças que se refletiram nesta imprensa. A revolução socialista dos sovietes causou mutações nas concepções e no imaginário do movimento operário de então – novas idéias, esperanças e decepções – e com isso seus jornais se transformaram em palcos de lutas internas. Palavras-chave Revolução Russa; Imprensa Operária brasileira; Anarquismo. Introdução

O período de fins do século XIX e inícios do século XX são marcados pela historiografia como sendo o início da industrialização mais intensa do país, com a formação dos primeiros parques industriais do Brasil. E também de um novo impulso da urbanização, um fenômeno que está relacionado com a industrialização. Enfim, transformações profundas que ocorreram em um país que aboliu o sistema de escravidão e a monarquia na mesma época, e que entrava num novo contexto mundial, em uma nova fase do capitalismo e das relações internacionais – marcados pelo neocolonialismo, imperialismo e guerra mundial. Com a mudança de regime político, das antigas relações sociais e da economia do país – assim como a vinda dos imigrantes europeus, que muito contribuíram para a formação do movimento operário – o “proletariado” nacional começava a se formar, enquanto classe e com produção cultural própria. A corrente anarquista, em suas várias vertentes, mas com certo destaque o anarco-sindicalismo, foi a doutrina social que predominou nestes anos iniciais de movimento operário no Brasil (de 1890 a 1920). As organizações operárias e o movimento anarquista proliferaram nos principais centros urbanos, mas a maioria dos jornais

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operários aqui selecionados é das cidades de São Paulo e Rio de Janeiro – por serem as maiores cidades na época e que concentravam a maior parte do movimento do Brasil. Um jornal de Maceió é estudado, devido a sua significação, refiro-me a folha “A Semana Social”, editado por Antonio Bernardo Canellas – que foi um expressivo militante anarquista que se converteu ao comunismo e representou o PCB na IIIª Internacional, voltando às convicções libertárias após discordar dos russos, e consequentemente foi expulso do partido.1

O caso de Canellas é um dos mais significativos dos impactos que a revolução russa causou no movimento operário e anarquista na conjuntura estudada (1917-1922). Impactos que atingiram as atitudes e práticas militantes – aqueles que defendiam um sindicalismo livre e a autogestão social e os que eram a favor da construção de partidos operários e da luta eleitoral para conquistar o poder. Assim como abalou as idéias e convicções do movimento, dilemas que transpareceram em seus jornais. Para entender melhor estes abalos e conflitos internos, e as conseqüências disso, é necessário estudar tanto a imprensa operária quanto o seu movimento, e os dois são partes de uma mesma estrutura, estão interligados. É importante esclarecer como era a organização do movimento operário – suas associações, reuniões e estratégias – e, no caso, a sua porta-voz e veículo de comunicação – os jornais operários. Como o movimento condicionava a estruturação do jornal, as condições de impressão desta imprensa e as dificuldades enfrentadas pela repressão são informações indispensáveis para compreender melhor como as imprensas dos movimentos sociais do Brasil reagiram às notícias de revolução na Rússia. A escolha da imprensa anarquista não é apenas porque era a tendência predominante do movimento operário do Brasil, mas também porque ela compunha a vanguarda de sua organização. Outro fato, é que os anarquistas já rivalizavam com o marxismo no movimento operário internacional desde o século XIX, sendo seu severo crítico – e o marxismo foi a corrente vitoriosa na revolução russa. E também é preciso mencionar que os anarquistas foram os primeiros a denunciar o autoritarismo e as perseguições do regime bolchevique. O movimento anarquista e a sua imprensa Existem muitos títulos a respeito desta época de transição e de grandes transformações que o Brasil passou. Assim como sobre as lutas sociais do período e o desenvolvimento do movimento operário. E a conjuntura recortada por esta pesquisa (1917-1922) também já foi bastante estudada por ter sido um período de ascensão e intensificação das lutas operárias – tanto por causa da revolução russa como também pela Primeira Guerra Mundial, que impulsionou a indústria do país: A incipiente indústria nacional, até o início do conflito europeu, não atendia em média, a 5% das necessidades nacionais. Se, em tecidos, a produção chegava aos 50%, em outros setores estava, praticamente reduzida a zero. Em cinco anos, de 1915 a 1919, surgiram 5940 empresas industriais, quase o mesmo número das que se criaram entre 1890 e 1914, ou seja, 6946. (...) O proletariado brasileiro

1 Ver obra: SALLES, Iza. Um cadáver ao sol: a história do operário brasileiro que desfiou Moscou e o

PCB. Rio de Janeiro: Ediouro, 2005.

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ultrapassou a casa dos 200 mil, peso social respeitável, num Brasil de 18 milhões de almas, durante os primeiros anos de conflito.2

O livro de Moniz Bandeira é uma das principais referências desta pesquisa, e que ainda é muito utilizado nos estudos sobre a sociedade brasileira daquele período. O mundo naquela época passava por momentos conturbados, em que a guerra mundial afetava a economia e as lutas sociais ao redor do mundo, inclusive no Brasil: A guerra mundial e suas consequências econômicas aparecem como fatores fundamentais neste período. Daí a existência de uma série de manifestações, que partem do movimento operário e das camadas médias, atingindo as forças armadas. Como consequência da situação mundial, o Brasil acaba declarando guerra à Alemanha (a pretexto de afundamentos de navios mercantes nacionais – 26.10.1917). Nessas circunstâncias, é instaurado o estado de sítio, que dura até o fim da beligerância internacional (...).3 De acordo com Hobsbawm, com a guerra mundial, o mundo vivia num clima em que parecia que a velha sociedade do século XIX estava condenada a desaparecer, e que a humanidade estava à espera de uma alternativa. A alternativa já era conhecida desde antes da guerra – o socialismo. Depois da onda inicial de patriotismo a insatisfação com o conflito elevou o perfil político dos socialistas, que em grande parte já era contra a guerra desde antes. Aparentemente, só era preciso um sinal para os povos se levantarem, e a Revolução Russa pareceu ser este sinal, daí sua ampla repercussão: A Revolução de Outubro produziu de longe o mais formidável movimento revolucionário organizado na história moderna. Sua expansão global não tem paralelo (...).4 O estado de sítio no Brasil, decretado devido a sua entrada na guerra, dificulta a publicação de jornais operários e o acesso às informações internacionais. Mas um periódico anarquista do Rio de Janeiro, “órgão dos empregados em hotéis, restaurantes, cafés, bares e classes congêneres”, manteve a sua publicação, divulgando as primeiras noticias da revolução de outubro em um artigo anônimo publicado em primeira página, que faz parte do conjunto de nossas fontes: Prosegue a Revolução Russa na sua formidável tarefa de construção social e econômica. Ao seu impulso vigoroso ruem com fragor estupendo os seculares

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BANDEIRA, Moniz; MELO, Clovis; ANDRADE, A. T. O Ano Vermelho: a revolução russa e seus

reflexos no Brasil. 2ª Ed. São Paulo: Editora Brasiliense, 1980, p. 48. 3 CARONE, Edgard. A República Velha (evolução política). 2ª Ed. São Paulo: Difusão Européia do

Livro, 1974, p. 314. 4 Consultar obra: HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos: o breve século XX (1914-1991). Trad. Marcos

Santarrita. 2ª Ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 61-62.

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privilégios de casta, abala-se o velho e tenebrozo edifício da tirania. Parece que a hora de reparação histórica, tantas vezes anunciada quantas adiadas, é chegada afinal, e uma nova Rússia substitui a Rússia antiga do absolutismo e da opressão.5 O periódico O Cosmopolita que foi publicado entre 1916 a 1918 diferencia-se dos outros jornais operários anarquistas, pois representa uma categoria de trabalhadores ligados não ao setor produtivo, mas sim ao setor terciário de serviços. Não sabemos ainda por qual razão, mas este jornal foi a única folha operária entre as estudadas que se manteve em circulação com a decretação do estado de sítio, cobrindo o período correspondente à revolução de outubro na Rússia. Após a fundação do PCB em 1922 este periódico retornou com o título de Voz Cosmopolita, contudo nós trabalhamos apenas com a sua primeira fase onde fica explícito o seu conteúdo anarquista.6 A imprensa operária foi uma nova forma de expressão popular e civil. Neste início do século XX, o movimento reformista (abolicionismo e republicanismo), desencadeado nas últimas décadas do século anterior, passava por uma pausa, mas os seus efeitos, a sua continuação e alterações desencadearam em novas formas de organização – correspondentes as exigências sociais que sugiram e se definiram.7 O estado de sítio era apenas mais uma das dificuldades que o movimento anarquista enfrentou. Em uma sociedade como a brasileira da Primeira República, em que a abolição do sistema escravista ainda era muito recente, o abandono dos mais desfavorecidos, e no caso o operário, era muito gritante. Ainda mais para um movimento operário que em sua formação teve muita influencia dos imigrantes europeus, aos quais muitos já eram anarquistas. Imigrantes que, como lembra Boris Fausto, encontraram no Brasil uma realidade social bem distinta da de seus países de origem, e que não correspondiam as suas expectativas de melhoria de vida: (...) os primeiros movimentos reivindicatórios envolvendo operários não qualificados ganharam impulso a partir da contradição entre as aspirações destes operários como imigrantes e a realidade de suas condições de vida e de trabalho.88 Boa parte destes imigrantes vinham da

Espanha e da Itália, países que tinham um forte movimento anarquista. Eles organizavam associações operárias de ajuda mútua, formavam sindicatos, realizavam greves e comícios, imprimiam jornais:

5 O Cosmopolita, “A Revolução Russa: os massimalistas”, ano2, nº22, 01/12/1917, p. 01.

6 Sobre a circulação deste jornal durante o estado de sítio ver: BANDEIRA, op. cit. p. 105. E dados

sobre este periódico ver: RODRIGUES, Edgar. Pequena História da Imprensa Social no Brasil. Florianópolis: Insular, 1997, p. 104. 7 Ver texto: imprensa proletária na obra: SODRÉ, Nelson Werneck. História da Imprensa no Brasil. 4ª

Ed. Rio de Janeiro: Mauad, 1999, p. 306. 8

FAUSTO, Boris. Trabalho Urbano e Conflito Social (1890-1920). Rio de Janeiro/São Paulo: Difel,

1976, p. 33.

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É desnecessário ressaltar o imenso significado da imigração no surgimento de ideologias negadoras do sistema vigente no país e na adoção de modelos organizatórios pela classe operária. A crítica a posteriori às concepções anarquistas, predominantes entre os trabalhadores organizados nos primeiros vinte anos deste século, não pode obscurecer a sua importância na aparição de novas formas de luta e de uma visão crítica radical da sociedade. (...)9

Portanto, a repressão do governo republicano da época, em um país com tradições autoritárias, diante das reivindicações do movimento operário e de idéias libertárias que chegavam junto com os imigrantes, foi intensa e sistemática. Uma repressão que estigmatizava o militante anarquista do movimento operário, e que não tinha apenas o objetivo da violência material, mas também pretendia atingir a consciência: A figura do anarquista “perigoso”, “agitador”, “nocivo”, era efeito de uma invenção jurídica, mas também estratégia de construção de uma verdade. Ou seja, transformar em realidade o que havia sido criado como imagem, como representação. O estereótipo do anarquista, inventado pela lei, não se encerra no âmbito legislativo – se estende e de difundi através da imprensa, da Igreja, do Poder Legislativo e de outras instituições civis e militares. A importância e eficácia das leis repressivas são medidas quanto a sua disseminação pelo interior da sociedade. E o objetivo pretendido era o de constituir uma ideologia anti-anarquista, conveniente aos governos e industriais de São Paulo e do Rio de Janeiro. (...)10

As sociedades operárias, o que envolvia desde as suas organizações aos seus jornais, possuíam um caráter efêmero e instável devido às condições adversas (dificuldades econômicas, repressão etc.). Mas sempre quando as condições ficavam mais favoráveis eles ampliavam as suas organizações. Como foi o caso da conjuntura de 1917 a 1919, quando uma melhor situação da economia permitiu ao operariado ter um maior poder de barganha nos movimentos grevistas.11

A influência da imigração na formação do movimento operário foi importante, mas ela não foi um elemento determinante para explicar a predominância da corrente anarquista, como atestam estudos mais recentes. Havia outros fatores da Primeira República que contribuíam para isso, como a distância do mundo “político”, no sentido dos partidos e disputas eleitorais, da realidade das necessidades diárias das camadas populares:

9 FAUSTO, op cit. p. 32.

10 ALVES, Paulo. A Verdade da Repressão: práticas penais e outras estratégias na ordem

republicana (1890-1921). São Paulo. Editora Arte e Ciência/Unip, 1997, p. 10-11. 11

Ver texto: BATALHA, Cláudio H. M. “Formação da classe operária e projetos de identidade

coletiva”. In: FERREIRA, Jorge; Delgado, Lucilia de Almeida N. (Org.). O Brasil Republicano: o tempo do liberalismo excludente – da Proclamação da República à Revolução de 1930. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006, p. 172.

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(...) O que levou o anarquismo a suplantar o socialismo na preferência de muitos militantes operários deve-se menos às características do tipo de trabalhador que militava nesse movimento e muito mais às condições políticas do Brasil da Primeira República. Pois é difícil supor que um socialismo em grande parte voltado para a mudança através do processo eleitoral, que distingue o socialismo da Segunda Internacional, pudesse florescer em um quadro político em que o espaço para a participação eleitoral dos trabalhadores fosse tão limitado quanto o caso brasileiro.12

A doutrina anarquista valoriza a espontaneidade e a liberdade de suas organizações e rejeitam, portanto, a criação de partidos que objetivam tomar o poder. Com isso podemos ter uma idéia mais clara das divergências de princípios que se opuseram dentro do movimento operário entre os simpatizantes do marxismo e os anarquistas quanto à Revolução Russa. A estranha fluidez do anarquismo se reflete na sua atitude em relação à organização. Os anarquistas não rejeitam a organização, mas nenhum deles procura dar-lhe uma continuidade artificial. O importante é a sobrevivência da própria atitude libertária. Na verdade as idéias básicas do anarquismo, com sua ênfase na liberdade e na espontaneidade, excluem a possibilidade de uma organização rígida e especialmente de qualquer coisa que assemelhe a um partido criado com o objetivo de tomar e manter o poder (...).13

A reação do movimento anarquista brasileiro às notícias de uma revolução radical do povo na Rússia, do proletariado – do operariado urbano organizado e das massas camponesas – foi instantânea e contundente. Ao longo desta conjuntura estudada os militantes ácratas do Brasil apresentaram nos jornais operários que editavam e colaboravam uma variedade e uma heterogeneidade grande de posicionamentos, interpretações e visões em relação à Revolução Russa. Encontramos então em nossas fontes desde os anarquistas mais “puros”, que rejeitavam completamente a idéia de uma ditadura do proletariado e a organização estatal soviética, até aqueles que se simpatizaram com a Revolução Russa em maior ou menor medida, como o artigo assinado pelo codinome de “Professor C. C.”, publicado no diário anarquista de São Paulo A Vanguarda: O governo sovietico é uma das formas de pura democracia verdadeira, sem os trambolhos inuteis do parlamentarismo, mas não a forma do verdadeiro communismo anarchico ou do collectivismo. É por hora um meio de transição e

12

BATALHA, op cit. p. 172. 13

WOODCOCK, George. História das Idéias e Movimentos Anarquistas. Trad. Júlia Tettamanzy.

Porto Alegre: L&PM, 2002. v. 1: A idéia, p. 17.

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experimentação para melhor; é um meio caminho andado para o legitimo communismo; dahi para progredir e não regredir.14 Assim, os anarquistas do movimento operário do Brasil que editaram as notícias da Revolução Russa em seus jornais muitas vezes também eram operários, que sofriam todas as dificuldades das perseguições policiais e da exploração do trabalho. E que acabaram criando uma cultura e um meio de comunicação próprio. O jornal operário era talvez mais importante que o sindicato, constituía um dos principais centros organizatórios dos anarquistas e de difussão da sua propaganda.15 Estes jornais eram mantidos pelas associações operárias, distribuídos por operários nos bairros operários. O jornalista operário ______________________________________ 14 era o “operário gráfico”, também conhecido como tipógrafo, trabalhadores alfabetizados que ao entrarem em contato com o movimento operário ajudou a criar os seus jornais:

No caso brasileiro outra vantagem soma-se aos gráficos: o fato de que alguns elementos de destaque desta categoria, aspirando ou não, chegaram à profissão de jornalista e dos mais atuantes (…). É preciso esclarecer, entretanto, que, embora alguns gráficos tenham se tornado jornalistas como, por exemplo, Edgard Leuenroth, o movimento operário produziu os seus próprios jornalistas. Estes “jornalistas operários”, isto é, os homens que editavam a imprensa operária, eram os gráficos. Os jornalistas operários nada tinham a ver com os profissionais da “grande imprensa”, embora estes mantivessem estreitas relações com aqueles.16 A luta dos anarquistas no movimento operário era marcada, então, pela fluidez. Tanto no sentido material – os jornais duravam pouco devido à repressão e aos recursos escassos – quanto pelas próprias características do ideário anarquista – que defendiam não apenas organizações livres sem centralizações, como também o repúdio aos dogmas e ortodoxias no campo das idéias. Defendiam a total liberdade de expressão, a heterodoxia de seus pensamentos e a crítica radical, elementos presentes em seus jornais – que eram porta-vozes de suas associações e sindicatos, que também repudiavam a burocratização. Em seus jornais expressavam-se os aspectos da experiência da classe e do movimento dos trabalhadores anarquistas. Assim como nas associações e sindicatos, no jornal operário não havia posições rígidas, e o próprio trabalhador era o produtor das

14

A Vanguarda, “A campanha de diffamação", ano1, nº31, 02/04/1921, p. 01. As fontes nós optamos por transcrever com a grafia da época para sermos mais fidedignos com os documentos. 15

FAUSTO, op cit. p. 91.

16

FERREIRA, Maria Nazareth. A Imprensa Operária no Brasil: 1880-1920. Petrópolis: Editora Vozes, 1978, p. 111.

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opiniões e idéias de seus “interesses de classe”, a sua dedicação era em favor da causa: A atividade jornalística dos anarquistas, como de outros militantes é voluntária. Seus colaboradores, fazendo do jornal um meio de luta, redigem, imprimem e distribuem-no pessoalmente, pois nem todas as bancas aceitam vendê-los, na maior parte das vezes por temor à represálias policiais. Os recursos advindos da venda do periódico são usados para a sua própria sobrevivência. (...). Além de articular entre si seus próprios periódicos, esses militantes entrosam-nos com outros, livre-pensadores, liberais, culturais, literários, socialistas e divulgam-nas anunciando seu lançamento, comentando artigos ou criticando-os quando se posicionam de formas contrárias em relação a determinadas questões. (...)17

Dessa forma, o movimento operário anarquista construiu ao longo destes anos uma experiência de luta sindical e por melhores condições de vida para o trabalhador. Uma luta em que foi necessário construir instituições próprias do movimento operário. Instituições, que segundo um livro importante, eram consequências da formação do proletariado nacional, de sua “luta de classes”, que é indissociável desta formação.18 Mas uma idéia importante contida nesta obra para entender a imprensa anarquista é que ela era uma produção cultural do próprio movimento operário. Uma expressão de sua relativa autonomia cultural de classe e, devido o seu caráter anarquista, uma autonomia no plano associativo – não apenas no setor sindical que buscava organizar movimentos grevistas, melhorias nas condições econômicas do trabalhador e que recusava a ação eleitoral, mas também quanto aos jornais, que eram mantidos e produzidos pelos próprios operários: A consciência de classe do proletariado não deve ser buscada numa abstrata e ideológica operação de separar a ciência e a ideologia, mas concreta e materialmente, ela pode ser apreendida no exame das instituições criadas pela classe (uniões, ligas, sindicatos, jornais, partidos etc.) e nas relações mantidas por essas diferentes instituições com as classes dominantes, os setores sociais intermediários e o Estado. Isto é, a formação e o desenvolvimento das formas assumidas pelo coletivo da classe operária realizam-se no interior do processo de luta de classes. 19

Os impactos de Outubro nos jornais anarquistas brasileiros.

17

KHOURY, Y. M. A. Edgard Leuenroth: uma voz libertária – imprensa, memória e militância anarco-sindicalistas. (Tese de Doutorado). USP, São Paulo, 1988, p. 84 e 86. 18

HARDMAN, Francisco Foot. Nem Pátria, nem Patrão (vida operária e cultura anarquista no Brasil). 2ª Ed. São Paulo: Editora Brasiliense, 1984 19

HARDMAN, op cit. p. 29.

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Existem alguns textos, artigos e trabalhos que tratam, de uma forma geral, dos impactos e influências que a Revolução Russa teve na sociedade brasileira e no seu movimento operário.20 Contudo, identificamos uma lacuna na história do movimento operário brasileiro ao percebermos que não há um estudo que se dedique especificamente à cobertura jornalística que os anarquistas fizeram sobre esta revolução. Acreditamos então que investigar estas “representações” e “apropriações” que estes militantes tiveram a respeito dos eventos russos, por meio de seus periódicos – e como isso afetou às suas “práticas” militantes e seus imaginários políticos – são uma tentativa de se rever possíveis estudos de fontes já tradicionais: No que diz respeito às fontes de pesquisa, já está presente em muitos trabalhos a necessidade de empreender uma reavaliação das fontes tradicionais e de ampliar o leque das fontes empregadas. Seguramente é possível propor novas leituras de fontes tradicionais (como jornais, texto literários, e outras) (...).21

A exposição e análise do nosso material segue uma lógica temática, estes temas são os assuntos mais recorrentes sobre a Revolução Russa nas fontes. Isso vai ajudar na redação e a entender melhor as mudanças na cobertura que os anarquistas fizeram destes eventos. Um destes temas serão a “Publicação de documentos e entrevistas especiais”, documentos e entrevistas que foram publicados porque foram polêmicos e importantes para o movimento anarquista operário do Brasil naquele momento, já que as condições internas das lutas do movimento operário no Brasil e as disputas no interior das organizações operárias condicionaram muito a produção deste material. Neste tema se destaca uma das últimas entrevistas feitas ao anarquista russo Piotr Kropotkin, importante figura do movimento anarquista internacional que tinha ficado décadas exilado em outros países fugindo do czarismo, e que retornou a Rússia após a revolução de 1917 para auxiliar na revolução.22 Kropotkin acaba falecendo em 08 de fevereiro de 1921, mas uma entrevista é registrada com o velho anarquista em um texto assinado pelo codinome “Vilkens” – o texto não traz nenhuma

20

Como, por exemplo, a obra já citada de Bandeira, que já se tornou um clássico na historiografia sobre o assunto. Também existem dois artigos interessantes sobre o tema: CUBERO, Jaime. “Reflexos da Revolução Russa no Brasil”. In: Libertárias: 80 anos de Revolução Russa, nº 1. São Paulo: Imaginário, 1997, p. 30-33. E: DEL ROIO, Marcos. “O impacto da Revolução Russa e da Internacional Comunista no Brasil”. In: MORAES, João Quartim de; REIS FILHO, Daniel Aarão. (Org.). História do Marxismo no Brasil (o impacto das revoluções). 2ª Ed. Campinas: Editora Unicamp, 2003, p. 59-121. Vol. I. 21

BATALHA, Cláudio H. M. “A Historiografia da Classe Operária no Brasil: trajetória e tendências”. In: FREITAS, Marcos Cezar de. (Org.). Historiografia Brasileira em Perspectiva. 6º Ed. São Paulo: Contexto, 2007, p. 156. 22

Sobre a vida e o pensamento de Kropotkin ver obra já citada: WOODCOCK, George... que ela foi feita em dezembro de 1920. Esta entrevista é publicada no semanário paulista de Edgard Leuenroth, A Plebe, fonte esta que é, por sua vez, citada na obra de Moniz

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referência de quem ele é e das fontes que o jornal libertário daqui do Brasil se utilizou para conseguir esta entrevista, a única referência é Bandeira. Entretanto, na obra de Bandeira nós temos a transcrição da resposta de Kropotkin de qual deveria ser a atitude do proletariado mundial diante da revolução russa: --- Sem dúvida alguma, continuar a defendê-la, não tanto com palavras, mas com atos; porque a hostilidade burguesa diminuirá em razão da atitude firme da classe operária. E isso seria igualmente, para o proletariado mundial, uma boa ginástica.23

O que os autores do livro “O Ano Vermelho” não explicam – e a simpatia com o marxismo neste livro é evidente, apresentando alguns preconceitos em relação ao anarquismo – é que na mesma entrevista, em outra pergunta acima – que devido às péssimas condições de leitura do jornal impedem de saber exatamente como a pergunta foi elaborada pelo entrevistador – Kropotkin fala a respeito do governo bolchevique, respondendo de acordo com o texto o seguinte comentário: [O] systhema impede-os de introduzir na pratica o menor principio de communismo. E, constatando que a obra revolucionária não progride, auguram “que o povo não esta preparado para engulir os seus decretos, que é preciso tempo, desvios”. É lógico: a história das revoluções políticas repete-se. O mais triste é que elles não reconhecem de forma alguma, não querem reconhecer os seus erros. E em cada dia confiscam a massa uma parcella das conquistas da Revolução, em proveito do Estado centralista.24 Outros temas que serão inseridos neste estudo, até agora, serão: “Os soviets” – sobre os textos que tratam destes conselhos na Rússia –; “As visões da revolução” – acerca das interpretações que os militantes tiveram sobre o evento e o pensamento desenvolvido nestas leituras – e “As calúnias e agressões contra a revolução” – que tratará dos textos que discorrem sobre os boatos e mentiras que circulavam sobre a Revolução Russa, textos que analisam também a imprensa da época, e possuem analises da situação internacional e as ações dos governos do mundo contra a Rússia revolucionária. Ainda haverá temas que trabalharão com os “impactos” da revolução, mas os impactos que ficaram registrados na imprensa anarquista. Então, nesta parte continuaremos analisando as fontes, e as repercussões da Revolução Russa nelas. Contudo, nestas páginas nos dedicaremos aos efeitos, consequências e influências diretas da Revolução de Outubro no movimento operário do Brasil que foram polemizadas e discutidas na época nos jornais anarquistas – e que tinham, portanto, como referência a revolução na Rússia.

23

BANDEIRA, op. cit. p. 261. 24

A Plebe, “Seis meses na Russia dos Soviets: uma visita a Kropotkine”, ano5, nº112, 09/04/1921, p. 01-02.

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Trata-se de discussões em torno de princípios ideológicos entre os militantes ácratas. Sobre a importância e ou a necessidade da fundação de partidos políticos da classe operária de um lado, e a defesa da continuidade em organizações sob “sindicatos livres” da influência partidária do outro. Citaremos também os casos dos “partidos comunistas anarquistas” que ocorreram no Brasil. Como também a adesão ou não do movimento operário brasileiro à 3ª Internacional criada por Lênin em 1919. E ainda às polêmicas sobre a fundação do PCB em março de 1922, em sua grande maioria por antigos militantes anarquistas. Assim, os principais temas desta parte serão, portanto: “A 3ª Internacional” e “Reafirmando posições”, temas que trataram destes assuntos. Um terceiro tema ainda é cogitado: “A posição dos anarquistas diante da Rússia Soviética” – que comentaria sobre a “atitude a tomar” em relação ao “país dos soviets”, que os anarquistas discutiam. Um exemplo significativo de uma fonte sobre a 3ª Internacional é um artigo assinado por um militante denominado Augustin Hamon. Este texto menciona as 21 condições impostas por Lênin para a adesão dos partidos a ela, e comenta que sua “autocracia” criará cisões e oposições entre os partidos socialistas de cada país. 25 Outro artigo sem autoria de uma folha anarquista de São Paulo ainda expõe a posição dos libertários brasileiros em relação a nova Internacional: (...) Ora a III Internacional esqueceu-se propositadamente dos seus deveres, para se transformar numa especie de estado-maior do proletariado, dando ordens terminantes aos “soldados” que estavam sob o seu comando. Trahindo os principios internacionalistas e socialistas que dizia defender, ella mostrou que não era senão um vasto quartel general, dependente dos ministerios da guerra dos varios paises em lucta. Fazel-a reviver é dar prova duma grande incoherencia, quiçá, duma requintada malvadez, de que são capazez, apenas, os indivíduos acommodados, que têm as suas responsabilidades ligadas às responsabilidades da burguesia. 26 Numa afirmação das teorias e idéias anarquistas, um militante bem conhecido no meio operário, também considerado um “intelectual anarquista”, Fabio Luz – médico higienista, professor e jornalista, que colaborou com Edgar Leuenroth em outros impressos operários – fez uma Conferência na Liga Operária de Construção Civil, em Niterói em 4 de dezembro de 1921.27 Ele se refere ao “maximalismo”, que naquela época era um sinônimo de bolchevismo – pois os anarquistas brasileiros entenderam de início que os bolcheviques eram adeptos da proposta mais radical, do programa “máximo”.28 E um trecho desta palestra foi publicada em um periódico ácrata de São Paulo:

25

A Vanguarda, “A Internacional Communista de Moscou e a sua autocracia”, ano1, nº 8, 05/03/1921, p. 02. 26

A Obra, “A III Internacional”, ano1, nº 12, 01/09/1920, p. 04. 27

Informações de Fabio Luz encontradas em: FERREIRA, op. cit. p. 48. E sobre a vida de Edgar Leuenroth consultar a obra já citada de Khoury. 28

Sobre o termo “maximalista” ver: BANDEIRA, op. cit. p. 145.

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A Republica Maximalista, bolchevista, marxista ou dos soviets, prepara o terreno para o estabelecimento de um regimen social anarchico?... Ouso affirmar que não. E approveito a oportunidade para responder de publico as perguntas que me fizeram e que não julguei propicio o momento para responder. O anarchismo quer a abolição completa do Estado e o Estado bolchevista é a hypertrephia desta nefasta instituição. O Estado maximalista é absorvente; é dictatorial, escravizador, único centralizador e omnipotente. (...) A dictadura do proletariado, apresentada como emanação de regimen sovietista, na pratica se transformou em ditadura dos chefes do partido socialista communista, que organizaram seu governo... Os que protestaram contra a perpetuação do Estado provisorio foram considerados por Lenine – contra-revolucionarios. 29 Um famoso anarquista russo que participou na revolução de 1917, Volin, afirma no seu livro sobre a Revolução Russa que os anarquistas lutaram contra os bolcheviques, não ao lado dos contra-revolucionários, mas em nome da “verdadeira Revolução Social”, traída pelo Partido Bolchevique no poder.30 O prestígio da Revolução Russa, como a primeira revolução operária e socialista, obscureceu as notícias contrárias a ela entre os revolucionários.31 Fontes selecionadas neste artigo:

O Cosmopolita, “A Revolução Russa: os massimalistas”, ano2, nº22, 01/12/1917, p. 01.

A Vanguarda, “A campanha de diffamação", ano1, nº31, 02/04/1921, p. 01.

A Plebe, “Seis meses na Russia dos Soviets: uma visita a Kropotkine”, ano5, nº112, 09/04/1921, p. 01-02.

A Vanguarda, “A Internacional Communista de Moscou e a sua autocracia”, ano1, nº 8, 05/03/1921, p. 02.

A Obra, “A III Internacional”, ano1, nº 12, 01/09/1920, p. 04.

O Libertario, “Maximalismo e Anarchismo”, ano1, nº 1, 01/01/1922, p. 02. Bibliografia

29

O Libertario, “Maximalismo e Anarchismo”, ano1, nº 1, 01/01/1922, p. 02. 30

VOLIN, V. M. E. A Revolução Desconhecida: nascimento, crescimento e triunfo da revolução russa (1825-1917). Trad. Jaime de Almeida. São Paulo: Global Editora, 1980. Vol. 1, p. 153. rios brasileiros – tanto, que como informa Dulles, acusar os bolchevistas de despotismo, naqueles anos entre os militantes aqui do Brasil, equivalia em concordar com um “ponto de vista burguês”.

31

Portanto, podemos ter uma idéia do quanto estas palavras de Fabio Luz poderiam ser polêmicas na conferência dos operários da construção civil de Niterói. 31

31

DULLES, John W. F. Anarquistas e Comunistas no Brasil (1900-1935). Trad. César Parreiras Horta. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1977, p. 135.

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