6 Um Belo Horizonte para a TV - DBD PUC RIO um teste, exibindo a imagem do relógio da igreja São...

61
6 Um Belo Horizonte para a TV A vida imita a arte muito mais do que a arte imita a vida. Oscar Wilde Ao contar com 5 anos de história, a TV brasileira também alcança as Minas Gerais. Em novembro de 1955, Belo Horizonte receberia mais um componente parceiro dos Diários e Associados: a TV Itacolomi, canal 4. Embora essa emissora tenha chegado mais tarde, na capital mineira, veremos que ela não seguiu um percurso diferente das demais estações em funcionamento no eixo Rio-São Paulo. Assim, enfrentou as dificuldades próprias do veículo com relação, por exemplo, aos processos técnicos, aos contornos estéticos, à qualificação profissional, bem como a sua deficitária estrutura mercadológica numa cidade que prometia se tornar moderna por abandonar seu perfil de pólo administrativo em prol do progresso industrial. A partir dessas discussões preliminares, neste último capítulo, pretendemos discorrer sobre a programação infantil, tendo como foco a produção, encenação e veiculação do teleteatro na TV de Minas Gerais. Ao priorizar uma abordagem de estudo de caso, finalizamos, assim, nossa proposta de pesquisa, cujo objetivo foi inventariar e analisar a inserção da experiência artística teleteatro para criança nas primeiras emissoras de canal comercial/aberto do país. Embora o gênero teleteatro perca seu glamour no espaço televisivo, em meados da década de 60, outros, sobretudo da categoria infantil, ainda permaneceram no ar e fizeram parte do imaginário de uma grande parcela da sociedade brasileira. Neste contexto, tem-se o trabalho de Jotta Barroso, que, de 1960 a 1964, produziu uma série de adaptações da literatura infantil, sobretudo de tradição estrangeira, através das câmeras da TV Itacolomi. Diferente da maioria dos teleteatros mapeados anteriormente, o referido artista teve o devido cuidado de preservar todo o acervo de fotos, as matérias de jornais e revistas e também os scripts, referentes à produção de teleteatros infantis, de radioteatros para adultos e de cinema. Através de uma transmissão basicamente regional, o cenário do faz-de- conta ganha significativa importância na programação da terceira emissora do empresário das comunicações: Assis Chateaubriand.

Transcript of 6 Um Belo Horizonte para a TV - DBD PUC RIO um teste, exibindo a imagem do relógio da igreja São...

Page 1: 6 Um Belo Horizonte para a TV - DBD PUC RIO um teste, exibindo a imagem do relógio da igreja São José. A partir de então, vale notarmos que a novidade da imagem e áudio gradualmente

6 Um Belo Horizonte para a TV

A vida imita a arte muito mais do que a arte imita a vida.

Oscar Wilde

Ao contar com 5 anos de história, a TV brasileira também alcança as

Minas Gerais. Em novembro de 1955, Belo Horizonte receberia mais um

componente parceiro dos Diários e Associados: a TV Itacolomi, canal 4.

Embora essa emissora tenha chegado mais tarde, na capital mineira,

veremos que ela não seguiu um percurso diferente das demais estações em

funcionamento no eixo Rio-São Paulo. Assim, enfrentou as dificuldades próprias

do veículo com relação, por exemplo, aos processos técnicos, aos contornos

estéticos, à qualificação profissional, bem como a sua deficitária estrutura

mercadológica numa cidade que prometia se tornar moderna por abandonar seu

perfil de pólo administrativo em prol do progresso industrial.

A partir dessas discussões preliminares, neste último capítulo,

pretendemos discorrer sobre a programação infantil, tendo como foco a produção,

encenação e veiculação do teleteatro na TV de Minas Gerais. Ao priorizar uma

abordagem de estudo de caso, finalizamos, assim, nossa proposta de pesquisa,

cujo objetivo foi inventariar e analisar a inserção da experiência artística teleteatro

para criança nas primeiras emissoras de canal comercial/aberto do país.

Embora o gênero teleteatro perca seu glamour no espaço televisivo, em

meados da década de 60, outros, sobretudo da categoria infantil, ainda

permaneceram no ar e fizeram parte do imaginário de uma grande parcela da

sociedade brasileira. Neste contexto, tem-se o trabalho de Jotta Barroso, que, de

1960 a 1964, produziu uma série de adaptações da literatura infantil, sobretudo de

tradição estrangeira, através das câmeras da TV Itacolomi. Diferente da maioria

dos teleteatros mapeados anteriormente, o referido artista teve o devido cuidado

de preservar todo o acervo de fotos, as matérias de jornais e revistas e também os

scripts, referentes à produção de teleteatros infantis, de radioteatros para adultos e

de cinema.

Através de uma transmissão basicamente regional, o cenário do faz-de-

conta ganha significativa importância na programação da terceira emissora do

empresário das comunicações: Assis Chateaubriand.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0610677/CA
Page 2: 6 Um Belo Horizonte para a TV - DBD PUC RIO um teste, exibindo a imagem do relógio da igreja São José. A partir de então, vale notarmos que a novidade da imagem e áudio gradualmente

178

Dessa forma, a literatura infantil, antes rendida aos encantos da palavra

oral e escrita, aventura-se de cena em cena no seu mais novo e acolhedor espaço, a

televisão, ampliando, num processo semiótico, ainda mais o universo dos bens

culturais na capital mineira. Nesta inserção, o audiovisual estabelece, ao decorrer

dos anos, uma relação de estreita cumplicidade com esse povo de tímidos olhares.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0610677/CA
Page 3: 6 Um Belo Horizonte para a TV - DBD PUC RIO um teste, exibindo a imagem do relógio da igreja São José. A partir de então, vale notarmos que a novidade da imagem e áudio gradualmente

179

6.1 Entrando em cena...

Quando todo novo invento surge, não é difícil notarmos como logo ele

alcança certo fetichismo, vindo, assim, a construir uma série de histórias a partir

do momento em que busca se tornar uma realidade do cotidiano e cumprir sua

função. A televisão pode ser um exemplo notório dessa concepção, pois como

alega Carlos Fabiano Braga (1997), “se um caso simples pode ter mil versões,

imagino que uma história rica e complexa como a da TV Itacolomi tenha

milhões.”

Assim, desde os instantes iniciais, a telinha

se constrói revestida por esta caracterização. Toda a

história de amor entre Minas e a TV apresenta seus

primeiros sinais um ano após a instalação da primeira

estação, a TV Tupi, de São Paulo, empreendida pela

ousadia de Francisco Assis Chateaubriand, dono de

uma das maiores cadeias de jornais e revistas instaladas nos grandes centros do

país. Porém, por empecilho do governo Federal, somente em 1954, o audiovisual

se tornou uma realidade em Minas.1

Batizada a princípio como TV Rádio Guarani, o audiovisual, sem uma

explicação plausível de seu empreendedor, recebe o nome de TV Itacolomi, canal

4. Segundo curiosos, reside aí “uma referência ao pico do mesmo nome, que se

eleva acima do horizonte mineiro” (VAZ, 1995, p. 14). Mas o veículo, até então,

alcançava somente as cidades vizinhas da capital como Sabará, Nova Lima, Caeté

e Betim.

Orgulhosa, a Itacolomi entra para a história da TV brasileira como a

terceira emissora do grupo dos Diários e Associadas, a pioneira no Estado de

Minas e a primeira emissora em que todo o equipamento, encomendado à RCA

Victor, dos Estados Unidos, foi exclusivamente montado, para a surpresa de

Chateaubriand, por técnicos mineiros “que nunca sequer haviam visto uma

imagem de televisão antes, pois isto era novidade no mundo todo” (Ibidem, p. 17).

Fato este considerado, pelos próprios fabricantes norte-americanos, como uma 1 Somente após o falecimento de Getúlio Vargas, com quem o referido empresário da comunicação não dispunha de laços amistosos com relação à posição de ideias políticas, que a Itacolomi é inaugurada (VAZ, Ibidem).

Figura: 65. Logotipo da emissora

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0610677/CA
Page 4: 6 Um Belo Horizonte para a TV - DBD PUC RIO um teste, exibindo a imagem do relógio da igreja São José. A partir de então, vale notarmos que a novidade da imagem e áudio gradualmente

180

façanha de engenharia, em função da tecnologia do equipamento na época. Nesta

história, a responsabilidade estava nas mãos de Victor Purri, então estudante de

engenharia da Universidade de Minas Gerais, experiente em radiodifusão. Nesses

anos, o jovem ocupava o cargo de técnico na Rádio Guarani.

Depois de escolhida toda a parafernália, a mais moderna da época, como

um transmissor de 10 kw, 5 câmeras, sendo três para o estúdio e duas para o

caminhão de transmissão externa, uma antena de grande alcance (100 metros de

altura), sem esquecer, também, a localização e o canal, a TV estaria pronta para

funcionar.

Segundo José Vaz de Oliveira (1995), ex-superintendente comercial da

emissora, a adaptação desses equipamentos exigiu muito empenho dos técnicos e

dos ajudantes braçais. A instalação da antena, no edifício O Acaiaca, acarretou

inúmeras dificuldades. Produziu, assim, uma verdadeira epopeia em torno do fato,

pois a equipe teria que lidar com uma antena pesada e de grande extensão, e

instalá-la num prédio, o mais alto da cidade e localizado numa das avenidas mais

movimentadas de Belo Horizonte, a Avenida Afonso Pena. Além dessas

condições, o trabalho estava sujeito a intempéries, que não deram trégua.

Os dois andares, 23º e 24º, os quais seriam ocupados pelos equipamentos

e se tornariam estúdios, exigiram, de igual modo, novos esforços do grupo no

tocante à remodelagem do espaço.

Porém, nesse tempo, outros problemas de caráter também urgente

precisavam ser resolvidos, pois como todo empreendimento televisivo no país era

um universo em construção, traduzindo-se num verdadeiro aglutinador da

linguagem do cinema, do teatro e, em especial, do rádio, a Itacolomi não fugiria

desta lógica.

Quanto ao financiamento do novo projeto de Assis Chateaubriand, a elite

industrial e bancária de Belo Horizonte se viu irremediavelmente sucumbida aos

desejos do dono dos Diários e Associadas.

Outro fato excepcional que ilustra a competência deste empresário para

gerir grandes negócios refere-se à concessão dada pelo governo Federal

permitindo às Associadas ter poder sobre mais um canal, o que, em tese, infringia

o princípio de que era proibido um mesmo grupo explorar dois canais de TV

numa mesma cidade. Na verdade, tal fato se deu quando, depois de dois de

instalada a TV Alterosa, canal 5, em 1964; O Estado de Minas aceitou ser

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0610677/CA
Page 5: 6 Um Belo Horizonte para a TV - DBD PUC RIO um teste, exibindo a imagem do relógio da igreja São José. A partir de então, vale notarmos que a novidade da imagem e áudio gradualmente

181

parceiro de uma associação de empresários mineiros para que Belo Horizonte

tivesse mais uma estação de TV e demonstrasse, assim, sua articulação

promissora frente aos novos paradigmas ditados pela modernidade.

Ao contrário da pioneira Itacolomi, cassada na década de 80, a referida

emissora funciona, até os dias de hoje, transmitindo, através do sistema de rede e

em grande parte dos horários, a programação do canal SBT, além de manter

produções locais na área de noticiários e esporte. Instalada no antigo prédio sede

da TV Itacolomi, O Acaiaca, o sinal de cobertura da Alterosa alcança mais de

90% das cidades mineiras, até o presente momento.

E ainda que o grupo das Emissoras Associadas tivesse vivenciado sua

derrocada no empreendimento televisivo, em 1980, o mesmo não se pode dizer a

respeito de outros investimentos do grupo no universo das mídias. A título de

ilustração, somente na capital mineira, os diários de Chateaubriand, além do

referido canal de TV, controlam ainda os jornais O Estado de Minas (1928),

Aqui BH (2005); a rádio Guarani AM (1943) e FM (1980), o Teatro Alterosa

(1993), o Portal Uai (1995), a produtora de comerciais Alterosa Cine-vídeo, a

Revista Ragga (2005).

Todavia, meses antes da inauguração, em abril, a TV Itacolomi já havia

realizado um teste, exibindo a imagem do relógio da igreja São José.

A partir de então, vale notarmos que a novidade da imagem e áudio

gradualmente começava a ser parte integrante do cotidiano da acolhedora capital

mineira, cuja população, na época, contava, aproximadamente, com 500 mil

habitantes. À proporção que novos testes foram sendo realizados, a credibilidade

do veículo, por conseguinte, aumentava. Os comerciantes da capital, por exemplo,

trabalhavam, mês a mês, lançando várias promoções com o objetivo de

intensificar o consumo do aparelho.

Nesse período de experimentação, a telinha se valeu das imagens dos

filmes, cedidos ou alugados pelas embaixadas inglesa, francesa e alemã, pela

distribuidora Cinecastro e Thiers Moreira ou, até mesmo, recorreu àqueles

pertencentes à coleção de particulares. A partir dessa carência de material, a TV

sinaliza, de certa forma, a precariedade cultural que envolvia a capital mineira.

Neste sentido, é esclarecedora a explicação do ex-diretor de programa musical

Fernando Barroca Marinho (Apud VAZ, 1995, p. 25):

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0610677/CA
Page 6: 6 Um Belo Horizonte para a TV - DBD PUC RIO um teste, exibindo a imagem do relógio da igreja São José. A partir de então, vale notarmos que a novidade da imagem e áudio gradualmente

182

Belo Horizonte não tem recursos do Rio e São Paulo, assim, vali-me dos excelentes empréstimos do serviço de filmes do ISIS [...] E assim catando aqui e ali, fomos levando o cinema para a televisão, pois não havia produção de filmes especiais para televisão, como veio a ocorrer depois, sendo o primeiro deles a série de aventuras do Rin-Tin-Tin2.

Tal conscientização se deu quando este profissional estagiou por dois

meses, em 1954, nas Tupis de São Paulo e do Rio de Janeiro, onde teve a

oportunidade de conhecer, por exemplo, o trabalho de Cassiano Gabus Mendes,

Luís Galon, Mário Provenzano. De toda a equipe da direção artística da TV

Itacolomi, somente ele recebeu esta incumbência, cujo intuito era conhecer as

experiências artísticas constantes na programação das referidas emissoras para,

assim, conforme a realidade organizacional da Itacolomi, trilhar um caminho

semelhante. De fato, veremos adiante que, de bênção em bênção, a irmã mais

nova das Associadas ganhou dimensão nas Gerais, seja pela adesão a experiências

já consagradas nas emissoras do eixo Rio-São Paulo, seja pela ousadia de exibir

uma produção independente, pautada na realidade local.

No processo da constituição do canal, a composição do cast também

demandaria tempo, pois a TV Itacolomi era a primeira do Estado e, logo, era

quase impossível contratar profissionais que houvessem conquistado experiência

nesse meio de comunicação. De imediato, os novos funcionários precisariam

entender que a TV ainda se encontrava num momento de puro empirismo. Logo, o

veículo estava sujeito a correr riscos, os quais poderiam, em sua grande maioria,

ser sanados pela capacidade de criatividade e dedicação de cada um.

Para compor o quadro artístico e comercial da Itacolomi, recrutou-se um

número significativo de profissionais, sobretudo, da rádio Guarani (1936), a

segunda emissora de rádio da capital e afiliada ao império de Assis

Chateaubriand. Assim, desde o início de seu funcionamento, a tevê mineira – a

exemplo da Tupi e suas co-irmãs – permitiu a atores, diretores, autores,

cenógrafos e figurinistas, com experiência no rádio e/ou teatro, apresentarem seus

talentos diante ou por trás das câmeras de TV.

Mas, antes mesmo desses espaços de difusão da cultura (cinema, rádio e

TV) consolidarem-se, no contexto social de Belo Horizonte, a arte de interpretar

2 Grifo nosso.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0610677/CA
Page 7: 6 Um Belo Horizonte para a TV - DBD PUC RIO um teste, exibindo a imagem do relógio da igreja São José. A partir de então, vale notarmos que a novidade da imagem e áudio gradualmente

183

se resumia aos palcos das artes cênicas. Embora a famigerada tradicional família

mineira, mergulhada em valores sociais conservadores, mostrasse certa rejeição

para com esta arte – aspiração profissional de muitas jovens mulheres – Minas

sempre teve uma vocação teatral. Desde os tempos do Império, os espetáculos de

óperas eram encenados nas grandes casas de teatro de Ouro Preto, Sabará e São

João Del’Rey, conforme afirma o jornalista Jorge Fernando dos Santos (1995).

Por isso, a capital somente assiste ao florescimento de seu teatro por

volta dos anos 40, e, semelhante às metrópoles, a referida manifestação artística

busca se organizar e ganhar legitimidade social. Mesmo que a história das artes

cênicas no contexto mineiro não contasse com um número expressivo de grupos,

como se identificou em São Paulo e no Rio, os poucos existentes na capital foram

de fundamental importância para o reconhecimento desta prática enquanto

investimento profissional futuro e manifestação cultural de grande transformação

social, capaz de despertar as emoções e estimular a reflexão humana.

Para completar o cenário artístico de Belo Horizonte, ao menos duas

vezes ao ano, companhias de teatro paulista e carioca se mobilizavam e faziam

extensas temporadas. Ao mencionar sobre a vinda da companhia da atriz Tônia

Carrero, do diretor Adolfo Celi e do ator Paulo Autran, em 1957, à cidade das

Alterosas, o ator e pesquisador Jota d’Angelo descreve que “era um

acontecimento, um fato raro, emocionante, uma oportunidade ímpar para aprender

mais alguns segredos da profissão do ator” (D’ANGELO, 2009, p. 31). O impacto

da presença desses grandes nomes do teatro se estendeu também ao público

infantil, o qual assistiu, na mesma época, ao Rapto das cebolinhas, da mineira

Maria Clara Machado.

Conforme a proposta deste capítulo, citaremos dois grupos belo-

horizontinos que tiveram intensa repercussão no cenário teatral da cidade e,

consequentemente, contribuíram para a consolidação da linguagem radiofônica e

televisiva, nos anos 50 a 60, na referida cidade.

Um nome pioneiro do teatro moderno na capital mineira foi Luiz

Gonzaga de Oliveira (1907-1991), que, em 1937, então com 30 anos, mudou-se

para Belo Horizonte, onde teria a possibilidade de continuar sua carreira de ator.

Em 1940, fundou o grupo de teatro amador: Teatro do Estudante. Apesar do

convívio diário com a ditadura militar, o rapaz de Entre Rio de Minas, além de

atuar, dirigir e produzir, ainda tornou-se o primeiro crítico teatral da Folha de

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0610677/CA
Page 8: 6 Um Belo Horizonte para a TV - DBD PUC RIO um teste, exibindo a imagem do relógio da igreja São José. A partir de então, vale notarmos que a novidade da imagem e áudio gradualmente

184

Minas e do Jornal de Minas. Ao fazer da arte do espetáculo a sua vida, este

mesmo artista, pioneiro no teatro mineiro, assume, dez anos depois, a Escola

Mineira de Artes Dramáticas3, a terceira do país, após a tradição de ensino das

escolas de Martins Pena (1911) e O Teatro de Estudante (1948), do Rio de

Janeiro; e Escola de Arte Dramática (1948), de São Paulo. Diferente destas

instituições, o centro mineiro buscou também a formação de autor, e, através do

grupo Comediantes Mineiros, encenava peças prestigiadas por Madame Henrique

Morineau.

Contemporâneo ao Teatro do Estudante, criou-se o grupo de teatro

Troupe, que posteriormente passou a ser conhecido como Conjunto F., nome de

seu fundador. Após deixar Ouro Preto aos 16 anos, F. Andrade (1914-1984), seis

anos depois de residir na capital mineira, teria o teatro como profissão. Ao

acreditar na possibilidade de uma dramaturgia própria, muitos autores da cidade

se projetaram a partir de suas encenações.4 Desde apresentações na Colônia

Portuguesa aos palcos do elegante Teatro Francisco Nunes e em tantos outros, o

grupo encenou, para o público, peças de dramaturgos famosos, de Oduvaldo

Viana a Shakespeare.5 Pelas mãos deste encenador e autor de dramaturgia6, que

também faria carreira em todas as rádios de Minas – Rádio Mineira, Guarani e

Inconfidência – passaram muitos atores. Anos depois, a maioria desses

profissionais seriam nomes de destaque na arte cênica de Belo Horizonte,

chegando a integrar-se, em momentos diferentes, em mais de um grupo, e ainda

nas suas sucessivas divulgadoras: o rádio e a TV.

Embora a fonte maior de pessoal da TV Itacolomi fosse o rádio, muitos

atores de teatro contribuíram para a construção da linguagem do veículo. A

respeito dessa intersecção entre esses suportes de difusão cultural, nos valemos da

afirmação do estudioso Jorge Fernando dos Santos (2009, p. 92) que escreve:

3 Os atores João Cocco, Palmira Barbosa, Armando Panetti e Otávio Cardoso foram os fundadores da referida escola. 4 Na época, como bons autores, F. Andrade destaca José Mamede Silva, Djalma Andrade, Aníbal Mattos, Tabajara Pedroso, Artur Marques, Lígia Póvoa e Luiz Gonzaga de Oliveira (SANTOS, 1995). 5 Além destes, vale citarmos outras casas de espetáculos, como: Cines Brasil, Leão XIII, Glória, Democrata. 6 F. Andrade escreveu as peças Sonhos de mocidade, Filhinho da mamãe, Uma história do outro mundo, e a radionovela O grande amor de Marília, transmitida pela Rádio Tupi, de São Paulo.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0610677/CA
Page 9: 6 Um Belo Horizonte para a TV - DBD PUC RIO um teste, exibindo a imagem do relógio da igreja São José. A partir de então, vale notarmos que a novidade da imagem e áudio gradualmente

185

Na Belo Horizonte do final dos anos 50 e início dos 60, se a TV Itacolomi oferecia o espetáculo da imagem ao vivo, as emissoras de rádio mantinham programas de auditório, séries de radioteatros e radionovelas (que iam ao ar durante o dia), além de programas para crianças. Atores de teatro e TV também trabalhavam nos programas radiofônicos. Outros já os haviam trocado de vez pela TV, como foi o caso de Rodolfo Mayer e Paulo Gracindo, ambos no Rio de Janeiro.

Para o elenco de teleteatro, contrataram-se atores de teatro de palco,

muitos dos quais pertencentes ao elenco de radioatores da Guarani. Esta tarefa

coube a Luiz Panzi, um dos locutores da Rádio Guarani, que convidou nomes de

fama do microfone do sem-fio como Salvador Alberto, Palmira Barbosa, Otávio

Cardoso, Dora Serpa, Ana Lúcia e Antônio Kattah, Ferreira Leite, Santinha

Amaral, Sheila Jordani, Ivan Lerroux, Íris Tecles, Magda Lenard, Elvécio

Guimarães, Ary Fontenelle, Clóvis Prates e Roberto Márcio.

Vale dizermos que muitos desses artistas, assim como era comum no Rio

de Janeiro e em São Paulo, acumulavam trabalhos na capital mineira, atuando,

concomitantemente, nos grupos de teatro, no rádio e na TV. Da mesma rádio,

vieram os profissionais da costura e do guarda-roupa: Cezira Diniz, Floripes

Cappai e Elsa Soares, bem como os contra-regras Ivan Lerroux, Sérgio Naves,

auxiliados por José Domingos das Chagas e Sebastião Sabino Borges. A esta

constelação de nomes se acrescentam, por exemplo, profissionais na área de

locução, de iluminação, de maquiagem, de música, de maquinistas-montadores, de

operação de microfone.7 A equipe de produtores artísticos contou com o trabalho

de Vicente Marinho, João Batista Bacalhau, Ferreira Leite e Vicente Prates.

Porém, somente dois meses após a inauguração – período

correspondente à experimentação do veículo na capital mineira – que esse pessoal

do rádio e do teatro começou a fazer parte da folha de pagamento da emissora.

Anterior a isso, segundo Carlos Fabiano (1997), a responsabilidade era da Rádio

Guarani ou a emissora de TV pagava por cachês.

Para esses profissionais, dentre tantos outros novos contratados, a TV

mineira, sem a tecnologia do videoteipe, representava um grande desafio: produzir

uma programação local, nos moldes do ao vivo. 7 A grande maioria dos nomes dos profissionais contratados pela TV Itacolomi, nos seus primeiros anos de funcionamento, pode ser encontrada no livro TV Itacolomi: sempre na liderança (1995), da autoria de um dos seus mais antigos funcionários do departamento comercial: José de Oliveira Vaz.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0610677/CA
Page 10: 6 Um Belo Horizonte para a TV - DBD PUC RIO um teste, exibindo a imagem do relógio da igreja São José. A partir de então, vale notarmos que a novidade da imagem e áudio gradualmente

186

Na ausência de cursos de capacitação profissional para atuação em TV,

não faltaram os erros, as improvisações, os ajustes, as adaptações até que se

encontrasse a própria especificidade estética e técnica do novo meio de

comunicação. Logo, em muitos casos, o próprio veículo era a verdadeira escola.

Para os técnicos, a dificuldade estava em dominar a complexidade dos

equipamentos relativos, por exemplo, ao corte de cena, ao enquadramento, à

filmagem. Nesse momento, a linguagem de cinema seria a grande mestra.

Ressaltamos que, às vezes, a experimentação por que passava a telinha

chegava aos extremos, a ponto do veículo ver-se impossibilitado de contornar

determinados problemas. Neste sentido, José Oliveira Vaz (1995, p. 28) escreve,

conforme palavras do ator veterano de teatro e de TV, Elvécio Guimarães, “que

muitos atores e atrizes, que eram excelentes no rádio, se inibiam de tal forma

diante de uma câmara, que acabaram sendo deslocados para outros setores da

emissora.”

Semelhante a outras emissoras, era muito comum os novos contratados

apresentarem certa ineficiência na interpretação corporal frente à câmera. Todos

tinham consciência da necessidade de aprimoramento, porém as chances eram

mínimas, pois a cidade não contava, na época, com uma escola de formação para

ator de TV. Apenas o teatro oferecia cursos em virtude da fundação da Escola

Mineira de Arte Dramática, em 1955. Logo, a aprendizagem na emissora

acontecia em equipe e paulatinamente descobria-se a gramática televisiva.

Na intenção de vivenciar por menos tempo esse período de empirismo, a

Itacolomi recorria às co-irmãs pioneiras, TVs Tupi paulista e carioca. De acordo

com a necessidade, elas permitiam que muitos de seus artistas de renome fossem

contratados para intensificar a qualidade artística da emissora mineira e, por

conseguinte, ganhar a credibilidade do público telespectador, ainda cético com

relação à capacidade de transmissão do veículo. Esse intercâmbio era comum

também no rádio, neste caso, a Rádio Guarani. Reproduzindo normalmente os

mesmos tipos de programas, em ambos os veículos, os belo-horizontinos

conheceram o talento de Ary Barroso, Rodolfo Mayer, Dalva de Oliveira, Sivuca,

Eva Todor, Cacilda Becker, Ziembinsky, Lolita Rodrigues, Chico Anísio, dentre

outros.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0610677/CA
Page 11: 6 Um Belo Horizonte para a TV - DBD PUC RIO um teste, exibindo a imagem do relógio da igreja São José. A partir de então, vale notarmos que a novidade da imagem e áudio gradualmente

187

A chegada dessas estrelas no Edifício Acaiaca, sobretudo aquelas dos

programas da rádio Tupi, mobilizava um grande número de pessoas. Muitos fãs

não perdiam a oportunidade de ver pessoalmente seus ídolos.

Ainda que onerasse as despesas da Itacolomi, essa prática era uma

constante, uma vez que a vinda dos profissionais do Rio e de São Paulo

proporcionaria novos aprendizados e conquistas na arte de fazer TV. Logo, a

programação seria praticamente idêntica às outras emissoras das Associadas.

Antes disso, porém, receosos de que a

TV pudesse fracassar, devido a diversos fatores

como, por exemplo, a inexperiência de seu

corpo de pessoal, seus produtores resolveram

fazer uma grade de horários em caráter

experimental, exibida durante novembro, o

mês de sua inauguração, e dezembro

Segundo registros, é no dia 8 de

novembro de 1955, que a capital mineira

recebe, definitivamente, o mundo do ‘rádio de

imagens’. Às 19:30, oficializou-se o grande intento, o qual seria agraciado com

uma série de programas especiais no decorrer de toda a semana.

A dimensão que tomou o acontecimento preencheu páginas e mais

páginas dos jornais e revistas mineiras e de outros Estados. Em Belo Horizonte, a

Figura 66. Na TV Itacolomi, Cacilda Becker, Welma Faz, e Bertha Levy, ao fundo. (Fonte: VAZ, 1995, p. 162)

Figura 67. Locutor Bernardo Grimberg e José Oliveira Vaz acompanham Ary Barroso (ao centro), que apresentaria, na TV Itacolomi, o programa Bate Papo com Ary. (Fonte: VAZ, 1995, p. 162)

Figura 68. Chico Anísio na TV Itacolomi.

(Fonte: http://wwww.fabiano.pro.br)

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0610677/CA
Page 12: 6 Um Belo Horizonte para a TV - DBD PUC RIO um teste, exibindo a imagem do relógio da igreja São José. A partir de então, vale notarmos que a novidade da imagem e áudio gradualmente

188

grande maioria dos meios impressos se mobilizou para noticiar o evento, desde as

primeiras imagens a festas isoladas dos idealizadores da nova emissora.

Não diferente das demais inaugurações das Associadas em São Paulo e

no Rio de Janeiro, discursos inflamados sobre a modernidade proporcionada pelo

novo veículo, o qual representava um passo definitivo para o desenvolvimento

econômico e cultural da capital, marcaram a solenidade.

Nestes primeiros momentos, após o

discurso de abertura de Assis Chateaubriand,

autoridades políticas, como o Presidente da

República, Juscelino Kubitschek e o governador

de Minas, Clóvis Salgado, comentaram sobre a

importância do veículo na capital. Em seguida, o

superintendente, Victor Purri, o diretor dos

Diários Associados em Minas, Newton Paiva

Ferreira e padrinhos da emissora, os banqueiros

Cristiano Guimarães e Ana Amélia Faria

também fizeram uso da palavra. A presença de

tantas outras pessoas da alta sociedade de Minas e do país contribuiu ainda mais

para a importância da solenidade. A bênção foi dada pelo arcebispo Dom Antônio

dos Santos.

Somente às 20:50, conforme escreve José O. Vaz (1995), entram em

cena, sob o patrocínio de respeitadas empresas e instituições de Belo Horizonte, as

Figura 70. Ana Amélia Faria, Madrinha da Itacolomi, em discurso. Ao lado, Dom Antônio dos Santos Cabral e o prefeito de Belo Horizonte, Celso Melo Azevedo. (Fonte: VAZ, 1995, p. 125)

Figura 69. Paulo Cabral de Araújo, à esquerda, discursando ao lado de Assis Chateaubriand. (Fonte: VAZ, 1995, p. 127)

Figura 71. Palmira Barbosa, atriz, em um comercial sobre uma esponja; transmissão ao vivo. (Fonte: BRAGA, 1997, p. 111)

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0610677/CA
Page 13: 6 Um Belo Horizonte para a TV - DBD PUC RIO um teste, exibindo a imagem do relógio da igreja São José. A partir de então, vale notarmos que a novidade da imagem e áudio gradualmente

189

primeiras atrações: um recital do Coro Pró-Óstia, um número do Ballet de Minas

Gerais, quadros dos programas Divertimento Mobin, Honra ao Mérito, e, para

encerrar, Minas por Minas.8 Curioso notarmos que os poucos comerciais

apresentados ao vivo por garotas-propaganda como Nina Moore, Lady Francisco,

Magda Lenard, Ana Lúcia Kattah, Yara Lima, além de Vida Alves e Marly

Bueno, da Tupi paulista, foram, também, uma das grandes atrações da noite. Sem

os exageros da fala radiofônica, os produtos e suas peculiaridades eram exibidos

ao vivo por elegantes e belas apresentadoras, que, de igual modo, conviviam com

o cenário de improvisos e criatividade técnica e artística.

Antes das imagens irem ao ar, nos bastidores, um de seus

superintendentes, Victor Purri, resolveu que a inauguração da grade de horários, a

ser transmitida das 19 às 23h, deveria ser ininterrupta, livre de slides, de filmes,

com programas de 30 minutos apenas. Para a felicidade da emissora e de todos,

Barroca Marinho convocou o pessoal que iria atuar na festa de inauguração para

realizar um ‘teste final’. A decisão rendeu bons frutos, como contou, orgulhoso, o

diretor artístico Barroca (Apud VAZ, 1995, p. 32):

Um programa emendava-se ao outro. Sem entrevistas também. Apresentamos comédias curtas, teatro dramático, revista de bolso, balé, um minijornal, cortinas cômicas e o fato é que vencemos as quatro horas ininterruptas, sem qualquer nó nos programas, no estúdio ou na cabine. Tivemos que fazer até mapa com roteiro de movimentação para cada uma das três câmeras. Usamos um diretor de estúdio e quatro auxiliares, três maquinistas, iluminador, todo o cast 9do teleteatro, a orquestra, uma típica, dois pianistas, cantores e humoristas.

São essas experiências, substanciadas na realidade local belo-

horizontina, que definiriam, a partir de então, o norte da programação da

Itacolomi. Não diferente das demais emissoras do país, a TV na capital das

Alterosas buscou se pautar em experiências artísticas de configuração erudita,

tendo outros de feição popular. Como vimos anteriormente, seria através do

telespectador elitista que o veículo ganharia corpo e, tempos depois, nos anos 60,

vivenciaria a sua década de ouro.

8 Todos os detalhes da programação se encontram no Anexo 8. 9 Grifo nosso.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0610677/CA
Page 14: 6 Um Belo Horizonte para a TV - DBD PUC RIO um teste, exibindo a imagem do relógio da igreja São José. A partir de então, vale notarmos que a novidade da imagem e áudio gradualmente

190

Por ser uma emissora do grupo das Associadas, o jingle apresentava

novamente uma figura de fama na TV: um indiozinho que, em uma escada,

pintava o mapa do Brasil e um coro cantava ao fundo: “TV Itacolomi, sempre na

liderança, canal 4, Belo Horizonte, Minas Gerais” (VAZ, 1995, p. 35).

Aos poucos, via-se que a sociedade da capital mineira mudava seus

hábitos a partir da presença da novidade eletrônica da imagem e do som.

Como as lojas, Casa Guanabara, Ingleza-Levy e Bemoreira – futuras

patrocinadoras – e alguns restaurantes deixavam o aparelho ligado, uma multidão

conseguia ficar antenada nos poucos horários em que as imagens eram exibidas na

tela. A venda de televisores também aumentava significativamente, chegando a

número de 10 mil, após a inauguração. Entretanto, o público telespectador ainda

era inexpressivo, devido ao alto custo do televisor, que, na época, equivalia ao

preço de um automóvel.

Na capital mineira, a TV se torna contemporânea a uma série de

iniciativas que mudariam todo o cenário da cidade das Alterosas. Acompanhando

o desenvolvimento industrial no país, e, simultaneamente, dando-lhe grande

contribuição, na década de 60, Belo Horizonte consegue beneficiar-se, direta e

indiretamente, dos investimentos que visassem à exploração dos recursos minerais

do quadrilátero ferrífero.

Lembramos que, nos finais dos anos 30, os primeiros passos já haviam

sido dados pela usina, instalada na cidade de João Monlevade, da Cia. Belgo-

mineira, a qual se somaria, anos depois, aos setores de energia elétrica, CEMIG, e

da construção civil, marcada por obras de engenharia pesada. Além do progresso

econômico brasileiro, na época, privilegiar atividades industriais, nas quais a

capital tinha certa vantagem localizacional, as atividades de prestação de serviços,

isto é, seu patrimônio cultural, como escolas, universidades, centros de pesquisa,

centros de lazer e consumo, foram também essenciais no cumprimento das

demandas advindas desses setores (PAULA; MONTE-MÓR, [on-line]).

Aliadas a esse surto da industrialização, estavam as pretensões dos

processos de modernização, que corroboraram para dar um ar de metrópole a Belo

Horizonte, desde os anos 40. Sob o governo de Juscelino Kubitschek, a capital se

viu tomada por uma moderna arquitetura que saltava aos olhos. Em importantes

pontos da cidade, Oscar Niemeyer deixou registradas as novas particularidades

estéticas endossadas pela linguagem arquitetônica brasileira no momento.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0610677/CA
Page 15: 6 Um Belo Horizonte para a TV - DBD PUC RIO um teste, exibindo a imagem do relógio da igreja São José. A partir de então, vale notarmos que a novidade da imagem e áudio gradualmente

191

Internacionalmente, a cidade se projetou através de importantes obras modernas

como o Complexo Arquitetônico da Pampulha, incluindo a Igreja de São

Francisco, o Iate Golf Clube, o Cassino e a Casa de Baile; o Palácio das Artes, o

edifício Acaiaca, com seus rápidos elevadores e fachada de linhas retas; o Teatro

Francisco Nunes, dentre outros. Além desses projetos, o aumento significativo da

população urbana fez com que as autoridades políticas disponibilizassem recursos

para a construção de novos bairros e avenidas.

No entanto, com o alto índice demográfico, resultado da instalação de

várias indústrias na cidade ou na região metropolitana, tal situação se tornaria um

grande problema, já que não conseguiria atender a toda a população, cada vez

mais numerosa. Segundo registros, nos anos 50, Belo Horizonte contava com uma

população de 352.724; em 1960, esse número duplicou para 693.328, um período

em que a taxa de crescimento anual chegara a 7%. Dez anos depois, a cidade

abrigava 1.235.030 habitantes, o que, por outro lado, não incidiu,

proporcionalmente, sobre índice de desenvolvimento, reduzido, assim, a 5,9%.10

Situação esta que se apresentaria, com o passar dos anos, mais caótica,

vivenciando a força das desigualdades no contexto social, em virtude da própria

estagnação da conjuntura econômica brasileira sentida a partir dos anos finais da

década de 70.

Anterior aos anos 50, esclarecemos que a capital vivia sob domínio do

Estado, cuja preocupação se restringia ao desenvolvimento de grandes vetores

como as estruturas viárias, os equipamentos coletivos estruturantes, as obras de

infraestrutura e outros mais.

Aos poucos, as belas construções de Belo Horizonte, contemporâneas à

fundação da cidade, começaram a desaparecer para dar lugar aos arranha-céus

modernos e às novas indústrias. Nostalgicamente, muitos diriam que os encantos

da ‘Cidade-Jardim’, dos anos 20, ficariam apenas na memória dos mineiros

daquele tempo.

É justamente, nesse contexto de uma cidade tornada pólo industrial e

imersa por transformações de toda ordem, seja nas construções arquitetônicas,

seja nos projetos educacionais e nos suportes de caráter formativo-cultural (teatro,

jornal, cinema, rádio), que o empreendimento de Assis Chateaubriand, a TV,

10 Cf. Fonte: PBH, 1985.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0610677/CA
Page 16: 6 Um Belo Horizonte para a TV - DBD PUC RIO um teste, exibindo a imagem do relógio da igreja São José. A partir de então, vale notarmos que a novidade da imagem e áudio gradualmente

192

encontraria espaço e seria definido como mais um símbolo da tão cobiçada

modernidade a ser alcançava pela capital.

Sem dúvida, essa invenção eletrônica, desde a sua primeira exibição,

fascinou a população urbana como um todo. Quando não se tinha o aparelho em

casa, em razão do seu alto custo, os moradores de Belo Horizonte tinham como

alternativa parar, por uns minutos, nos poucos restaurantes ou bares para assistir

ao que acontecia na telinha. Outra opção seria recorrer à casa do vizinho e tornar-

se um televizinho. Neste sentido, o ex-fotógrafo da Itacolomi, Carlos Fabiano

Braga (1997, p. 10)11, não poupa detalhes sobre o fascínio causado pelo advento

do veículo:

Pois então a TV chegou. Numa noite de novembro de 1955 essa ‘loucura’ invadiu as Gerais. Artistas que só eram vistos na REVISTA DO RÁDIO, em fotos, ou nos filmes da Atlântida, podiam ser vistos na TV. As guerras começaram a entrar em nossas casas É certo que não com imagens tão agressivas como as de hoje. Mas começaram a chegar. No início até que a TV intensificou as visitas entre parentes e amigos. Ia-se lá (na casa de quem tinha TV) visitar o amigo e aproveitava-se para ver televisão (já que não tenho). Com uma cadeira em cima de uma mesa, podia-se assistir um programa na TV do vizinho que, do outro lado do muro – compreensivo, punha o som um pouco mais alto. E a indústria brasileira começou a fazer televisores. E cada as (sic) lojas de móveis passaram a ter na TV seu item de maior (e talvez lucro). Depois os mineiros nunca mais puseram as cadeiras nas calçadas. [...] A máquina de fazer doidos chegou aqui! Com todas as suas maravilhas.

A partir desse depoimento, percebemos como a tevê influenciaria o

cotidiano da cultura e do lazer dos belo-horizontinos, magnetizados pela

programação do sem-fio, que veiculava grandes atrações como orquestras,

radioteatros, cantores, esportes etc. O cinema, por sua vez, ainda provocava certa

agitação social como nos primeiros anos do século. Embora a divisão de classes

tivesse forte presença na configuração sociocultural da cidade, nos anos 50 em

diante, havia entretenimento para todos.

11 No site http://www.fabiano.pro.br., Carlos Fabiano apresenta um número expressivo de imagens fotográficas em seu acervo. Nesta exposição, as fotos traduzem a história da TV Itacolomi, de 1956 a 1963, período em que o ex-funcionário exerceu, sobretudo, a função de fotógrafo da emissora. Parte desse material e outras fotos, inclusas no seu livro TV Itacolomi, canal 4 (1997), foram utilizados, neste capítulo, para ilustrar a pesquisa.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0610677/CA
Page 17: 6 Um Belo Horizonte para a TV - DBD PUC RIO um teste, exibindo a imagem do relógio da igreja São José. A partir de então, vale notarmos que a novidade da imagem e áudio gradualmente

193

Logo, enquanto a elite frequentava as boates, os clubes e bailes; a classe

mais carente se divertia com o cine grátis.

Com a chegada da TV, num período de pós-guerra, esse processo de

sociabilidade sensivelmente se modifica e os mineiros buscam o confinamento

doméstico para assistir às imagens televisivas. Assim, “as pessoas deixaram de

descer tão amiúde à cidade, vão cada vez menos ao cinema e satisfazem-se com os

contatos virtuais pela televisão, como comentou, em boletim, a Secretaria

Municipal de Belo Horizonte (1995). Neste sentido, as palavras do Presidente da

Academia Mineira de Letras, Mário Matos (Apud VAZ, 1995, p. 36) são

ilustrativas, quando afirma que:

o mais agradável para o homem de Minas é poder assistir a um espetáculo de arte, conferência, um concerto, metido no seu pijama e a fumar o seu cigarro de palha, no comodismo familiar. [...] A televisão é assim um fator de desenvolvimento artístico-social segundo o estilo da mineiridade.

O advento da Itacolomi gerou, de igual modo, impactos em outros

veículos de comunicação, os quais passaram a disponibilizar colunas inteiras para

noticiar os últimos acontecimentos da TV.

O Jornal Estado de Minas, pertencente à cadeia dos Diários e

Associados, criou uma seção intitulada Jornal da tevê, assinada pelo jornalista

Jota Pê. A emissora também era notícia nas revistas das grandes metrópoles Rio e

São Paulo. A revista O Cruzeiro, considerada uma das mais famosas do país,

chegou a veicular uma série de matérias a respeito da emissora. A mobilização

para a instalação da Itacolomi, por exemplo, ganhou algumas páginas da referida

revista em 12/11/55.

Dentre as várias revistas direcionadas ao sistema radiofônico, a Revista

do Rádio também cedia um espaço para os acontecimentos da emissora. Nesta

revista, o jornalista mineiro Wilson Ângelo era o responsável pela coluna.

Definido por Assis Chateaubriand como sendo a “máquina que dá asas à

fantasia mais caprichosa”, o audiovisual, em terras mineiras surge num período

em que a capital vivia em novos tempos. Um tempo de progresso econômico que

provocaria uma nova forma de sociabilidade e, por conseguinte, a aquisição de

novos referenciais culturais.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0610677/CA
Page 18: 6 Um Belo Horizonte para a TV - DBD PUC RIO um teste, exibindo a imagem do relógio da igreja São José. A partir de então, vale notarmos que a novidade da imagem e áudio gradualmente

194

6.2 O espetáculo na cena cotidiana da TV nas Minas Gerais

Éramos super-homens e não sabíamos. Carlos Fabiano Braga12

A TV Itacolomi, durante os anos iniciais, embora houvesse uma

preocupação por parte de seus dirigentes com o caráter comercial, não menos

enfático foi configurar programas de predominância cultural e educativa numa

mídia que se constituía também à base de muita experimentação. Ao buscar

gerenciar uma programação semelhante às emissoras das grandes metrópoles, a

tevê mineira pecava por não apresentar um apurado nível técnico que estivesse em

sintonia com uma programação de alto nível cultural. Como o novo veículo não

conquistara ainda a confiança dos anunciantes que, aliás, eram em número bem

reduzido, o faturamento era irrisório.

Em seu primeiro ano de funcionamento, a emissora apresentou um

resultado financeiro deficitário, o que se tornou um grande problema para Assis

Chateaubriand. Na época, os débitos do empresário somavam cifras vultosas junto

aos bancos brasileiros. Para sair da crise, a TV Itacolomi decidiu, então, remanejar

todos os funcionários de alta escala, como os diretores e superintendentes, os

quais dariam, dali em diante, um novo tratamento à estrutura organizacional da

emissora.

Ainda que, em busca da qualidade artística, a TV mineira contasse,

esporadicamente, com a presença de artistas do teatro e da música – grandes

atrações das emissoras do Rio de Janeiro e São Paulo – o audiovisual resguardava

sua opção por uma programação essencialmente regional. Realidade esta que se

reduziria a noticiários e a episódios esportivos com a aquisição da tecnologia do

videoteipe e o link de microondas entre Belo Horizonte e Rio, a partir da década

de 60. Numa espécie de efeito dominó, a partir de então, toda a programação da

tevê brasileira traçaria um novo percurso na grade de horários: os programas de

auditório invadiram a programação.

12 Entrevista realizada em 19/04/2008.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0610677/CA
Page 19: 6 Um Belo Horizonte para a TV - DBD PUC RIO um teste, exibindo a imagem do relógio da igreja São José. A partir de então, vale notarmos que a novidade da imagem e áudio gradualmente

195

Nos primeiros anos da TV mineira, na esteira do noticiário, uma das

exibições fixas da emissora foi o Repórter Real,

patrocinado pela Real Aerovias Brasil e

apresentado pelo locutor Milton Panzi. Na área de

esportes, havia os programas Jornada Esportiva,

que, sob patrocínio da famosa loja Casa Guanabara,

transmitia os jogos de Minas. Custeada pela cerveja

Caracu, Resenha Esportiva veiculava as notícias

dos times. Os musicais também ganharam espaço

no canal. A Orquestra de Elias José exibia desde

operetas a músicas da cultura popular brasileira.

Contudo, na TV mineira, os programas de

excelência foram o balé e o teleteatro.

A proposição de que a TV chega a incidir intensamente sobre a realidade

cotidiana das cidades pode ser confirmada na história do balé mineiro.

A transmissão de diversos grupos, o de Carlos Leite, Klauss Viana, Judis

Grimberg, Natália Lessa e Dulce Beltrão, na telinha acabou propiciando à capital

o surgimento de um número significativo de escolas especializadas nesta arte.

Logo, tornou-se moda para as meninas participar das aulas dessa modalidade de

dança.

O teleteatro, semelhante às emissoras paulistanas e cariocas, veio

contribuir de forma intensa para a formação do público e da linguagem de TV.

Essa experiência ganhou o horário nobre da emissora, mesmo a TV Itacolomi

Figura 72. Em cena do programa Repórter Real: Luiz Panzi. (Fonte: http://www.fabiano.pro.br)

Figura 73. No mundo da Música (1957): Balé com Dora Serpa e

Otávio Cardoso. (Fonte: http://www.fabiano. pro.br)

Figura 74. No mundo da música (1957): Balé.

(Fonte: http://www.fabiano.pro.br)

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0610677/CA
Page 20: 6 Um Belo Horizonte para a TV - DBD PUC RIO um teste, exibindo a imagem do relógio da igreja São José. A partir de então, vale notarmos que a novidade da imagem e áudio gradualmente

196

oferecendo poucos dias de transmissão. Nesta simbiose entre matriz cultural, o

teatro, e formato industrial, a TV, o telespectador

mineiro pôde conhecer textos sofisticados da

literatura e dramaturgia estrangeira e nacional.

Tendo o audiovisual como mediador, o universo

sedutor das histórias permaneceria com total vigor

frente aos novos desafios impostos pela sociedade,

dita, moderna.

Nesta história, o Grande Teatro Lourdes,

patrocinado pela Perfumaria Lourdes, marcou

presença no ano de 1956.

Assim, veremos que o teatro, pelo sucesso

já adquirido na linguagem radiofônica, sob o formato de radioteatro, e a sua

subsequente conquista de espaço nas emissoras de TV das metrópoles, buscaria,

de igual modo, assumir liderança na TV Itacolomi.

Após anos de diálogo com os códigos do rádio, a arte cênica – acrescida

do trabalho da câmera, da iluminação, da marcação de palco e de outros recursos

– se insere no espaço do audiovisual e passa a apresentar textos consagrados da

literatura e dramaturgia estrangeira e brasileira.13

Ao contrário do que se podia imaginar era a partir do sucesso de

encenação da TV que o Teatro Francisco Nunes

via esgotados seus ingressos (SANTOS, [on-

line]). A peça Otelo, de William Shakespeare, foi

exemplo notório desta condição.

Dessa forma, a arte cênica em Minas

alcançou popularidade como nas metrópoles do

país. Vale dizermos que, através desse projeto de

programação elitista, a Itacolomi, também,

permitiu à população se inteirar de toda a

qualidade artística de atores consagrados das

grandes cidades Rio de Janeiro e São Paulo. Na tentativa de sanar o isolamento 13 Na Itacolomi foram transmitidos, por exemplo, Romeu e Julieta, Otelo, Dona Xepa, Os três mosqueteiros, A dama das Camélias, Cyrano de Bergerac, Casa de Orates, Rebeca, Pigmaleão, Crime e castigo, O living-room, O avarento, Auto da barca do inferno e D. Camilo e Peppone, As pupilas do Senhor Reitor, Deus lhe pague, O tempo e o vento etc.

Figura 75. Cena da peça Romeu e Julieta, de William Shakespeare. (Fonte: BRAGA, 1997, p. 160)

Figura 76. Cena do Teleteatro Grande Teatro Lourdes.

(Fonte: http://www.fabiano. pro.br)

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0610677/CA
Page 21: 6 Um Belo Horizonte para a TV - DBD PUC RIO um teste, exibindo a imagem do relógio da igreja São José. A partir de então, vale notarmos que a novidade da imagem e áudio gradualmente

197

que perseguia o Estado, estiveram em solo mineiro, para as grandes produções de

teleteatros, atores celebridades como Walmor Chagas, Cleyde Yaconis, Grande

Otelo, Lima Duarte, Sérgio Britto, Fernanda Montenegro, Ítalo Rossi e tantos

outros. Essa prática, por outro lado, segundo Élvécio Guimarães (Apud VAZ,

1995, p. 44) também veio construir os ídolos mineiros, já que eles chegavam sem muito tempo de ensaiar e decorar os papéis, em algumas montagens nossos atores atuavam muito melhor que eles, o que contribuía para tornar nosso elenco cada vez mais conhecido do telespectador, fazendo com que nossas montagens se transformassem rapidamente em sucesso absolutos.

Logo adiante, o ator ressalta que, sem dúvida, essa interação se tornou

importante para o aprendizado das particularidades da linguagem televisiva. A

partir de muita dedicação, às vezes, transmitiam-se três encenações numa única

noite. Em entrevista, Clausyr Soares14, ex-apresentadora, atriz, garota-propaganda

da Itacolomi, afirmou que para os funcionários chegarem em suas casas, a

emissora disponibilizava uma caminhonete. Devido ao encerramento das

atividades alcançar as altas horas, o veículo era o único recurso de transporte para

eles. Clausyr acrescenta ainda que, como tudo na TV era muito urgente e

improvisado, o ator não dispunha de tempo e nem mesmo tinha consciência do

que se chama, hoje, de trabalho de laboratório. Era através dos ensaios que a

equipe teria a oportunidade de fazer os ajustes para transmitir tudo ao vivo.

Mesmo com essa sobrecarga, a referida atriz e colegas

de profissão não viam o trabalho na TV como

atividade desgastante, pois tudo era feito com muito

entusiasmo e paixão. E entre um programa e outro,

entre uma peça e outra, os profissionais, também,

tinham algum período de descanso.

Na tentativa de valorizar as pratas da casa e ter

certa autonomia nas produções, em 1957, a diretoria

artística da TV Itacolomi resolveu investir mais nos

teleteatros. Logo, a emissora moveu esforços para

que os teleteatros não se restringissem a um teatro filmado, mas se constituíssem 14 Entrevista realizada em 19/04/08.

Figura 77. Em cena, na TV Itacolomi, Tia Gladys.

(Fonte: BRAGA, 1997, p. 20)

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0610677/CA
Page 22: 6 Um Belo Horizonte para a TV - DBD PUC RIO um teste, exibindo a imagem do relógio da igreja São José. A partir de então, vale notarmos que a novidade da imagem e áudio gradualmente

198

pela intercessão entre o teatro e o novo meio. Seguindo a lógica das emissoras

pioneiras das metrópoles, a TV mineira buscou se notabilizar pela transmissão

dessa experiência, que alcançava, também, grande sucesso na TV norte-americana

e inglesa.

A partir de então, os mineiros passaram a conhecer os espetáculos do

teleteatro Grande Teatro Windsor, tendo como

diretor o mineiro Otávio Cardoso. A estreia do

programa contou com a encenação do texto Contos

de Natal, de Carlos Dickens.

Não só os artistas da Tupi de São Paulo e

Rio de Janeiro conheceram os estúdios da

Itacolomi nas encenações de teleteatros, mas

outras personalidades se apresentaram, como por

exemplo, Oduvaldo Cozzi, em O Céu é o Limite;

Carlos Gaspar, em Esta é a sua Vida; Gladys, em

Gladys e seus Bichinhos; Rodolfo Mayer, em

Uma Voz ao Telefone etc.

Outro programa que ganhou o fascínio do público foi A Garrafa do

Diabo (1958), cujos episódios traziam, a cada semana, uma realidade da história

universal. Nas encenações, sempre, os atores, técnicos e diretores colocavam à

prova o seu espírito de versatilidade para tentar dar conta das exigências das

cenas. Por todo o texto, era preciso atender aos grandes cenários, ao figurino

diverso e para mostrar, por exemplo, um diabo, preso em uma garrafa, eles tinham

que recorrer aos efeitos especiais.

Figura 78. Cena do teatro: Grande Teatro. (Fonte: http://www.fabiano.pro.br)

Figuras 79. Cenas da novela: Garrafa do Diabo. (Fonte: http://www.fabiano.pro.br)

Figura 80. Garrafa do Diabo.

Figura 81. Garrafa do Diabo.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0610677/CA
Page 23: 6 Um Belo Horizonte para a TV - DBD PUC RIO um teste, exibindo a imagem do relógio da igreja São José. A partir de então, vale notarmos que a novidade da imagem e áudio gradualmente

199

A emissora também chegou a transmitir, nesta fase artesanal, a novela

Noites Mineiras, que, na visão de Carlos Fabiano (1997), merece o apreço da

crítica em razão da coragem da equipe em aceitar o desafio de encenar em séries.

Nos horários da grade, de igual modo, filmes e seriados estrangeiros buscavam as

atenções dos telespectadores mineiros.

Mas era nas produções nacionais que toda a equipe da emissora tinha a

oportunidade de mostrar seu poder de criar, recriar, inventar, inovar. Tudo era

possível na TV em construção. Na transmissão das imagens, havia todo um

cuidado com o cenário, que, quando não pintado, servia-se dos seres e objetos em

sua forma autêntica.

Figura 83. Cenário do teleteatro: no quadro, uma atriz da Itacolomi. (Fonte: BRAGA, 1997, p. 111)

Figura 82. Cenário: detalhes (Fonte:http://www.fabiano.pro

.br)

Figura 84. No cenário: uma coleção de garrafinhas. (Fonte: BRAGA, 1997, p. 118)

Figura 85. Em cena, um bode. (Fonte: BRAGA, 1997, p. 125

Figura 86. No estúdio, um carro desenhado.

(Fonte: BRAGA, 1997, p. 73)

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0610677/CA
Page 24: 6 Um Belo Horizonte para a TV - DBD PUC RIO um teste, exibindo a imagem do relógio da igreja São José. A partir de então, vale notarmos que a novidade da imagem e áudio gradualmente

200

Segundo Carlos Fabiano (1997), às

vezes, o difícil era levá-los aos 24° e 25° andares

do Edifício Acaiaca, onde se localizava os

estúdios da emissora.

Tudo valia a pena para satisfazer o

telespectador, que, mesmo atento a tudo, não

conseguia, normalmente, detectar um único erro

ou improviso. Como disse o ex-fotógrafo da

emissora, Carlos Fabiano, eles eram verdadeiros

“heróis”, criativos, ousados, corajosos.

Desprovidos de uma realidade de alta tecnologia,

entre uma cena e outra, toda a equipe se mostrava participativa, desde seguir os

roteiros dos programas a emprestar seus pertences para montagem do cenário,

uma realidade impensável na TV de hoje.

Diante das dificuldades de toda ordem, o veículo sobrevivia ante a

realidade do aprender-errando, povoado, assim, por certo romantismo em sua

estrutura organizacional. Tudo isso propiciaria, como acontecera nas outras

emissoras, um número incontável de histórias quixotescas, plenas de nuances do

exagero, da anedota, do trágico.

Figura 87. Na constituição do cenário, uma bananeira.

(Fonte: BRAGA, 1997, p. 125)

Figura 88. Em cena, o salto dos personagens. (Fonte: http://www.fabiano.pro.br)

Figura: 89. Uma confusão no programa de humor. (Fonte: http://www.fabiano.pro.br)

Figura 90. Um beijo, em cena do Teleteatro. (Fonte: http://www.fabiano.pro.br)

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0610677/CA
Page 25: 6 Um Belo Horizonte para a TV - DBD PUC RIO um teste, exibindo a imagem do relógio da igreja São José. A partir de então, vale notarmos que a novidade da imagem e áudio gradualmente

201

Neste repertório, podemos citar, por exemplo, a atuação da atriz e

garota-propaganda Palmira Barbosa que ao simular um desmaio deveria, logo em

seguida, engatinhar até a um outro cenário. Neste momento, o câmera, desatento,

focou sua perfomance constrangedora e a cena ganhou o riso. Infelizmente,

Palmira não pôde nem mesmo recorrer ao improviso, pois a surpresa não

colaborou.

Os erros nos scripts também rendiam

boas histórias. Segundo José Oliveira Vaz

(1995), a referida atriz, ao atuar como autora

de novela, pediu que providenciassem uma

cobra. Porém, o chefe da contrarregra, Lázaro

Araújo, entendeu cabra, que devido à

dificuldade de ser encontrada foi substituída

por um bode. No momento, checaram o erro,

mas mesmo o animal não tendo nenhuma

função na peça, Palmira teve que o incluir de

qualquer forma, pois um mundo de pessoas

(donos, vizinhos, amigos) esperavam para ver o novo ator em cena. Num dos

momentos, a câmera focaliza o bode e seu “capataz da fazenda”, os quais

transitaram pelo cenário rapidamente sem causar grandes alardes.

Outro episódio cômico-trágico, narrado pelo ex-superintendente, ocorreu

quando o ator Ary Fontenelle, extremamente afoito a peraltices, resolveu trancar a

chaves uma das partes dos scripts de Otávio Cardoso, diretor de teleteatro e ator.

Como era muito comum, na época, os atores utilizarem das dálias para sanar as

dificuldades de decorar os textos, Otávio assim se procedeu. Porém, na hora de

buscar ajuda, percebeu que a estratégica gaveta tivera sido chaveada. Totalmente

irritado, sem nenhuma chance para continuar sua atuação de inspetor, antes que

um outro ator, o 6º, dirigisse-lhe a palavra, ele improvisou uma fala e deu por

encerrada a peça O inspetor está lá fora, de J.B. Priestley.

Esta série de histórias e tantas outras, das quais não escapam nem

mesmo os figurantes, marcou a fase heróica da TV brasileira. Neste sentido,

novamente nos valemos da fala de Clausy Soares (Apud CUNHA, [on-line]):

Figura 91. Musical ao vivo (Fonte: http://www.fabiano.pro.br)

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0610677/CA
Page 26: 6 Um Belo Horizonte para a TV - DBD PUC RIO um teste, exibindo a imagem do relógio da igreja São José. A partir de então, vale notarmos que a novidade da imagem e áudio gradualmente

202

É inegável que a tecnologia hoje é algo deslumbrante, mas não há como comparar. Costumo falar no nosso tempo era uma TV artesanal, tudo era inventado, feito à mão pelos operadores de câmera e cenógrafos. Para eu começar o programa saindo de dentro de uma estrela, os câmeras colocavam uma máscara de estrela na lente da câmera. Para fazer propaganda de uma loja de discos, me focalizavam de dentro do buraco do vinil. O que me marcou na Itacolomi foi a descoberta de que na vida tudo é possível. Como nós não sabíamos como era a TV, fizemos uma com nosso estilo próprio.

Estes foram alguns, dentre tantos, dos momentos dos bastidores da tevê

mineira. Todo esse cenário da improvisação e da criatividade era possível também

nos programas infantis. Além dos programas para o telespectador adulto, a

Itacolomi, aos poucos, deu à criança a importância que ela merecia. No reino do

faz-de-conta, um teleteatro infantil; e Circo Itacolomi, um programa de

auditório; constituíram as primeiras atrações da criançada no primeiro ano da TV

mineira.

Conforme registros fotográficos, entrevistas e material impresso, a

programação se fez a partir dos programas descritos abaixo. Esses programas,

esclarecemos, perduraram por mais tempo na grade de horários. Todavia,

acreditamos que, neste inventário, outros poderão ser ainda acrescentados, uma

vez que a pesquisa não esgotou a busca por novos dados. Lembramos ainda que,

inicialmente, não descriminamos, aqui, projetos pilotos da emissora.

EMISSORA 1950

Teleteatros

Seriados/ Núcleos Dramáticos

Auditório/ Variedades

TV ITACOLOMI

(1956)

Reino do Faz-de-conta Teatrinho de brinquedo

Tia Gladys e seus Bichinhos Rin-tin-tin Teatro de Marionetes Seu Encrenquinha

Circo Itacolomi Roda Gigante Gurilândia/Clube do Guri Petit Ballet Moleza e Fininho

TV ITACOLOMI

(1960)

Histórias do Arco da Velha Histórias que a Vovó Contava Teatro da Carochinha

Circo Bombril Radicklândia Mercadinho Mirim Escolinha da Dona Peteca

Tabela 1.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0610677/CA
Page 27: 6 Um Belo Horizonte para a TV - DBD PUC RIO um teste, exibindo a imagem do relógio da igreja São José. A partir de então, vale notarmos que a novidade da imagem e áudio gradualmente

203

Assim como os telespectadores adultos assistiam a alguns programas

pertencentes à grade de horários da TV Tupi de São Paulo e do Rio, o mesmo se

presenciava na produção para a criança. Programas como Tia Gladys, Rin-tin-

tin, Teatro de Marionetes, Gurilândia são exemplos desta condição.

No decorrer dos anos 60, o canal,

não fugindo da lógica da programação de

outras emissoras, sobretudo a da Tupi do

Rio, buscou manter praticamente as mesmas

experiências televisivas. Na categoria do

entretenimento, continuou a investir nos

teleteatros e a promover outros programas

fiéis ao gênero do auditório e seriados.

Figura 92. Cena do Circo Itacolomi: trapezista em ação. (Fonte: BRAGA, 1997, p. 70)

Figura 93. A oncinha (Fonte: BRAGA, 1997, p. 76)

Figura 94. Teatro de Marionetes. (Fonte: BRAGA, 1997, p. 76)

Figura 95. Cena do programa de balé (Fonte: http://www.fabiano.pro.br)

Figura 96. Mercadinho Mirim (1960), na TV Itacolomi. (Fonte: Estado de Minas, 23/08/2000)

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0610677/CA
Page 28: 6 Um Belo Horizonte para a TV - DBD PUC RIO um teste, exibindo a imagem do relógio da igreja São José. A partir de então, vale notarmos que a novidade da imagem e áudio gradualmente

204

[]

Embora não apresentasse em sua grade de horários um número elevado

de programas que correspondiam a diversos gêneros como fizera a pioneira Tupi

paulista, a Itacolomi teve sua história na programação infantil, contribuindo,

portanto, para a formação desse público.

Semelhante a outras emissoras do Rio e de São Paulo, que, nos primeiros

anos, em busca de prestígio, promoveram o período áureo do gênero teleteatro,

aderindo a uma programação pautada, sobretudo, na literatura universal, os

teleteatros infantis da Itacolomi não seguiriam percurso diferente.

Na história do teatro infantil na TV, o programa Reino do Faz-de-conta

(1956), sob direção do ator João Batista Bacalhau, foi o primeiro a alcançar os

lares da elite mineira da época.

Figura 97. No cenário temático, crianças no programa musical do Elias Salomé. (Fonte: http://www.fabiano.pro.br)

Figura 98. Crianças no programa musical de Elias Salomé. (Fonte: BRAGA, 1997, p. 75)

Figura 99. Personagens da Escolinha da Dona Peteca.

(Fonte: http://www.fabiano.pro.br)

Figura 100. Em cena, no Circo Bombril, o palhaço Moleza. (Fonte: BRAGA, 1997, p. 110)

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0610677/CA
Page 29: 6 Um Belo Horizonte para a TV - DBD PUC RIO um teste, exibindo a imagem do relógio da igreja São José. A partir de então, vale notarmos que a novidade da imagem e áudio gradualmente

205

Para a encenação, convocou-se o elenco da casa, o qual também atuava

nos teleteatros e outros programas para o público adulto. Segundo o arquivo on-

line de fotos de Carlos Fabiano Braga, atores como Elvécio Guimarães, Antônio

Katah, Antônio Nadeo, Clovis Prates, Cilene Araújo e tantos outros atuavam no

teleteatro do mundo encantado. Neste teleteatro, algumas peças necessitavam de

atores-crianças, os quais encaravam a encenação com grande responsabilidade.

Além dos programas de auditório com os quadros de competição, humor, bem

como os programas de balé e orquestras, os teatros na TV ampliariam o universo

de oportunidades dos pequenos para mostrar seu

talento.

No final de 1956, João Batista Bacalhau

produziu e dirigiu outro teleteatro, o Teatro de

Brinquedo, que permaneceria aproximadamente

um ano na grade. Além dos nomes já citados, a

encenação apresentou novos participantes, dentre

eles: Expedito Costa, Hamilton Macedo, Nelson

Morrison, Nilda Almeida, Dora Serpa, Clausy

Soares, Palmira Barbosa.

De acordo com as novas diretrizes da

UNESCO sobre o teatro para crianças, João Batista Bacalhau, especialmente neste

teleteatro, preocupado com qualidade artística do programa, atribuiu aos atores-

adultos a responsabilidade da encenação. É essa gente grande que ‘brincaria de ser

criança’, nos estúdios da tevê. Assim, como se procedia no teleteatro Reino do

Figura 101. Cena do teleteatro: Reino do Faz-de-conta.

(Fonte: http://www.fabiano.pro.br)

Figura 102. Cena do texto A coroa soberba, no teleteatro Teatro de Brinquedo. (Fonte: http://www.fabiano.pro.br)

Figura 103. Cena do Teatro de Brinquedo: uma criança atuando. (Fonte: http://www.fabiano.pro.br)

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0610677/CA
Page 30: 6 Um Belo Horizonte para a TV - DBD PUC RIO um teste, exibindo a imagem do relógio da igreja São José. A partir de então, vale notarmos que a novidade da imagem e áudio gradualmente

206

Faz-de-conta, as crianças, uma vez ou outra, dependendo da necessidade da peça,

chegavam a representar. Nos arquivos,

observamos que, nas encenações do referido

programa, houve adaptações não apenas dos

textos da literatura universal, mas também os da

brasileira.

Nos períodos de 1960 a 1964, as

encenações de teleteatros passam a ser

produzidas pelo ator e locutor Jotta Barroso

(1921-2006).15

Em função da carência de escritores da literatura e da dramaturgia

infantil brasileira na época, a grande maioria dos textos adaptados por Barroso se

baseava nos contos populares ou contos maravilhosos da literatura universal. Com

a intenção de estimular o processo imaginativo, ao mesmo tempo, tentando sanar

interrogações e valorizar princípios morais e éticos, a telinha em Belo Horizonte

buscava atrair cada vez mais a atenção da criançada.

6.3 Vida e obra de Jotta Barroso na TV

Minha vida está no teatro, no rádio, na TV, no cinema. Minha vida sempre foi representar. Isso é tudo, é um mundo.

Jotta Barroso.16 Da interseção – vida e experiência artística –

José Barroso, de nome artístico Jotta Barroso, construiu

uma rica trajetória profissional no universo da mídia

brasileira. Um artista que, nos 30 anos de profissão,

recebeu de seus contemporâneos muitas homenagens e

prêmios.17

15 Todas as imagens fotográficas apresentadas, no decorrer das demais páginas, pertencem ao arquivo pessoal do autor. Tal acervo se encontra disponibilizado, desde 2006, no Museu Municipal de Visconde do Rio Branco (MG). 16 Entrevista realizada em 02/12/04, na qual o artista rememora a sua carreira nas rádios do país, atuando como produtor de programas artísticos como o radioteatro, por exemplo. 17 Categoria 1º Lugar: Produtor de Rádio de Belém (1957), Produtor de Radio de Minas Gerais - Troféu Ary Barroso (1962), Produtor de Televisão - Troféu Jorge Carone Filho/Diploma Ely Murilo Cláudio (1963), Ator Coadjuvante - Festival de Cinema Teresópolis (1972), Ator Coadjuvante - Cinema Brasileiro pela Associação Paulista de Críticos de arte - APCA (1982).

Figura 104. Jotta Barroso, em 1960, no estúdio da TV Itacolomi. (Fonte: Arquivo pessoal do ator)

Figura 105. Jotta Barroso, em 1950.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0610677/CA
Page 31: 6 Um Belo Horizonte para a TV - DBD PUC RIO um teste, exibindo a imagem do relógio da igreja São José. A partir de então, vale notarmos que a novidade da imagem e áudio gradualmente

207

Nascido em Visconde do Rio Branco, pequena cidade da Zona da Mata

mineira, Barroso, impulsionado pelo desejo de ser artista, tornou-se aluno do

Liceu de Artes e Ofício do Rio de Janeiro, onde pôde conhecer a linguagem do

teatro, desde a atuação no palco, na produção, na técnica e até nos desenhos de

figurinos.

Em função de problemas particulares, o ator, em 1952, retornou à cidade

natal e acabou enveredando por outro universo: o rádio. A partir de então, foi

contratado pela Rádio Cultura Rio Branco (AM), e, logo depois, em 1956, pelas

rádios Vitória (ES), Marajoara, de Belém; e por fim, pela Rádio Guarani e

Inconfidência, de Belo Horizonte.

Como a Rádio Guarani e TV Itacolomi

pertenciam ao mesmo grupo, o das Associadas, era

comum os funcionários assinarem um contrato em que

exerceriam, concomitantemente, atividades nas duas

mídias. Assim, do trabalho na Rádio Guarani, a partir de

1958, Jotta Barroso atuaria também na TV mineira.

Posteriormente, seguiria carreira de ator na TV Rio e TV

Globo. Estando no Rio de Janeiro, Barroso se envolve

com o universo do cinema e passa a atuar em várias

produções, desde o filme clássico até o pornô.18

Em entrevista (28/06/05), o artista contou que

toda a sua passagem pela TV Itacolomi, como autor e

produtor, teve seus primeiros passos quando o diretor comercial Chico Lins pediu-

lhe “que escrevesse pequenas novelas de cinco minutos.”

Mas, antes de ser autor de peças infantis, Barroso participava como ator

de teleteatro e de telenovela. Curiosamente, era conhecido como “o mesmo que

tem feito”. Em razão dos pequenos papéis, chegava a encenar, em apenas um mês,

aproximadamente 35 peças em diversos programas, entre eles o Grande Teatro

Lourdes (1956). No entanto, em depoimento, queixou-se de não ter tido o

Além de várias medalhas de honra ao mérito, em setembro de 2004, o Centro de Apoio ao Ensino Fundamental (CAEF), de Visconde do Rio Branco (MG), inaugura a Sala de Cinema JOTTA BARROSO. 18 Cf. Anexo 9.

Figura 106. Jotta Barroso, na peça Onde canta o Sabiá, no Liceu de Artes e Ofícios. (Fonte: Arquivo pessoal do ator)

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0610677/CA
Page 32: 6 Um Belo Horizonte para a TV - DBD PUC RIO um teste, exibindo a imagem do relógio da igreja São José. A partir de então, vale notarmos que a novidade da imagem e áudio gradualmente

208

cuidado de registrar, por escrito ou por imagens fotográficas, muitas das

encenações.19

Todavia, este anonimato terminou com a participação do artista mineiro

na novela Garrafa do Diabo20, produzida, em 1958, por Vinícius de Carvalho,

diretor artístico da TV Itacolomi, e Vicente Prates, assistente.

No papel de fabricante de velas, Barroso buscou uma caracterização

perfeita: recriou o figurino, deformou o rosto, serviu-se de um colete de corcunda

e apresentou uma boa perfomance de palco. De um simples fabricante de velas

que apareceria em apenas uma cena, o ator acabou por merecer a participação em

tantas outras cenas. Improvisadamente, o autor teve que incluir uma cena especial

para evitar a morte do referido personagem.

Segundo depoimento do ator, esta foi uma novela de sucesso por um

longo tempo, devido aos vários períodos históricos que compunham o cenário e o

enredo. Porém, lamentou que, com a invenção do videoteipe, tornou-se inviável a

transmissão dos capítulos finais, pois as grandes produções do Rio de Janeiro e de

São Paulo passaram a disputar acirradamente o espaço na emissora. Nessa

19 No acervo de fotos do ator, há aproximadamente 100 registros sobre o trabalho de Barroso na televisão brasileira. Porém, não constam, na maioria, dados como o nome da peça encenada e ano. Uma série de fotos do acervo do artista que relembram sua carreira se encontra no Anexo 10. 20 Uma garrafa que ao ser adquirida dava plenos poderes à pessoa. Porém, antes de morrer, o seu dono teria de revendê-la por um preço bem abaixo do seu valor. Caso o dono morresse e não tivesse repassado a garrafa, ele ficaria preso para sempre nela e teria em sua companhia o próprio gênio, caracterizado como diabo. Essa seria a maldição. O cenário percorreria as eras históricas, desde a Grécia Antiga até o governo Vargas.

Figura 107. Em cena: Jotta Barroso, na novela Garrafa do Diabo.

Figura 108. Na novela Garrafa do Diabo: Jotta Barroso com Lady Francisco, atriz e a principal garota-propaganda da Itacolomi.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0610677/CA
Page 33: 6 Um Belo Horizonte para a TV - DBD PUC RIO um teste, exibindo a imagem do relógio da igreja São José. A partir de então, vale notarmos que a novidade da imagem e áudio gradualmente

209

reestruturação, muitos artistas e funcionários foram despedidos e a TV Itacolomi

passou por novas reestruturações.

Enquanto atuava na Garrafa do Diabo, Barroso também trabalhava

como diretor artístico na Rádio Guarani.21 O momento de crise financeira da rádio

corroborou para que ele começasse a se interessar mais pela tevê.

A convite de Rogério Falabela, em 1960, passou a pertencer aos quadros

permanentes de atores da emissora e pretendia seguir carreira. Pelo empenho de

sua atuação, sobretudo na novela Garrafa do Diabo, foi considerado, em 1962,

um dos melhores atores da TV em Belo Horizonte.

Segundo o artista, para ser considerado

um bom ator, era preciso muita dedicação. Nos

ensaios, a disciplina era rígida e os textos

deviam ser bem decorados. Os atores jamais

poderiam cometer erros, gafes, pois as cenas

eram ao vivo e em preto e branco. Como a

televisão ainda buscava encontrar sua linguagem

peculiar, muitos procedimentos pecavam pela

falta de experiência de todo o pessoal que ali

trabalhava.

21 Em entrevista no dia 28/06/05, Jotta Barroso relata com minúcias toda a sua trajetória artística, na Rádio Guarani e na TV Itacolomi, ambas de Belo Horizonte.

Figura 109. Jotta Barroso: capa da Revista de TV Minas

Figura 110. Ao centro: Jotta Barroso, em peça do Grande Teatro Lourdes, da TV Itacolomi.

Figura 111. Jotta Barroso como soldado romano, no Grande Teatro Lourdes.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0610677/CA
Page 34: 6 Um Belo Horizonte para a TV - DBD PUC RIO um teste, exibindo a imagem do relógio da igreja São José. A partir de então, vale notarmos que a novidade da imagem e áudio gradualmente

210

Nos relatos de Barroso, ele pontuou ainda muitas dificuldades não só de

ordem técnica, financeira, mas também estética. Às vezes, a escolha dos figurinos,

dos objetos, das músicas, muitas

vezes, não condizia com o cenário

da peça. Para o adaptador, esses

pequenos detalhes, se não

observados, poderiam ofuscar o

êxito de qualquer programa.

Essa consciência da

qualidade artística era fruto de seus

anos de trabalho no teatro e no rádio.

Em todos os seus empregos

anteriores, Barroso se empenhava para conhecer a estrutura e organização de cada

veículo. Em entrevista (28/06/05), confessou que “gostava de me infiltrar cada

vez mais”.

Logo, no espaço da tevê, ele não teria postura diferente, pois chegou a

exercer várias funções. Na TV Itacolomi, Barroso, inicialmente, ao atuar como

ator, acabou sendo contratado como supervisor de guarda-roupa e diretor das

montagens (tráfego).

Paralelamente a essas experiências, esse artista mineiro recebeu um

convite de Chico Lins, diretor comercial da

Itacolomi, como vimos, para ser autor de

teleteatro. A princípio, foi contratado de

improviso para escrever e dirigir um programa

musical chamado Hoje é Dia de Festa. Dando

sequência a este programa, levou ao ar também

Festival de Humor e Teatro Musical de

Humor.

Na busca constante para agradar os

telespectadores mineiros, ainda que, na época,

poucos tivessem o aparelho de TV, Barroso, a

partir de sua trajetória de ator no teatro de palco

e de TV, e como produtor de teatro no rádio, resolveu se dedicar ao teleteatro

destinado ao público infantil. Todo o incentivo partiu do trabalho do ator Fábio

Figura 112. Jotta Barroso: simulação de falecimento, no Grande Teatro Lourdes.

Figura 113. Ao centro, Jotta Barroso, no Grande Teatro Lourdes.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0610677/CA
Page 35: 6 Um Belo Horizonte para a TV - DBD PUC RIO um teste, exibindo a imagem do relógio da igreja São José. A partir de então, vale notarmos que a novidade da imagem e áudio gradualmente

211

Sabag, na direção do teleteatro Teatrinho Trol (1956-1966), sucesso de público,

na TV Tupi do Rio de Janeiro. Tal experiência seria uma, dentre tantas outras, que

a TV Itacolomi iria ter como modelo de produção.

Demonstrando ter uma postura cuidadosa em seu trabalho, Barroso

conservou muitos dos textos adaptados para a TV. Diferente dos demais

produtores, atores e diretores dos teleteatros infanto-juvenis inventariados, nesta

pesquisa, verificamos que o referido artista teve o cuidado de reservar sempre uma

cópia do script. Assim, depois de quase 50 anos de transmissão dos teleteatros,

muitas adaptações podem ser lidas e analisadas. No total, são aproximadamente

50 roteiros, dispostos em 5 volumes e divididos nos cadernos 1, 3, 5, 6, 7.22

Notamos que todos os textos foram encadernados de acordo com as

peças de determinado programa, no entanto desconsiderou-se a correspondência

entre a data da encenação e o número do caderno.

No volume 1, por exemplo, estão os textos de teleteatros para adultos e

algumas novelinhas, os quais foram escritos e encenados em diferentes anos e

diversos quanto à proposta literária: terror, romântico, mistério etc. Diferentes dos

demais textos de teleteatros para crianças, não constam também, na maioria dos

scripts dos programas, as datas exatas das transmissões. Encadernados nesse

volume estão os programas Enquanto o Mundo Gira (1964), O Grande

Espetáculo, Sonho de Carnaval, Conheça o Nosso Brasil, os quais apresentam

apenas um script. A esta lista, acrescentam-se os programas Lente 8, com os

textos O crime do velho besouro (03/07/61), O preço de um beijo (06/06/62);

Clube dos Morcegos com Festim macabro e as novelinhas Três vidas, três

destinos e Romeu e Julieta.

Em muitas dessas teleteatralizações, Barroso, além de autor, participou

ainda como ator.

Também no volume 2, junto aos scripts de radioteatro, encontramos uma

peça que não se enquadra na categoria de adaptações das narrativas tradicionais

para o público infantil: A lenda do crisântemo, cuja produção contou com

Vinícius de Carvalho, como diretor, e texto de Barroso. A emissora transmitiu a

encenação em 2 capítulos, de 17/01/63 a 24/01/63, no Grande Teatro Lourdes.

22 O material está arquivado no Museu da cidade de Visconde do Rio Branco (MG). Nos cadernos de número 2 e 4, estão os scripts do radioteatro Rua da Saudade, transmitidos pela Rádio Marajoara, de Belém, e pela Rádio Cultura Rio Branco, de Visconde do Rio Branco (MG).

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0610677/CA
Page 36: 6 Um Belo Horizonte para a TV - DBD PUC RIO um teste, exibindo a imagem do relógio da igreja São José. A partir de então, vale notarmos que a novidade da imagem e áudio gradualmente

212

Conforme o seu depoimento, a peça ganhou uma grande produção por se tratar de

um texto que faria referência à cultura asiática. Dentre todas as exigências da

encenação na TV, em especial, os cenários e figurinos foram desafiantes para o

produtor e profissionais envolvidos no trabalho.

Ao observarmos os registros dessa encenação, isto é, janeiro de 1963,

veremos que tais datas comprovam a participação de Barroso nas funções de ator

e ainda adaptador de

teleteatros para os

segmentos infantil e

adulto da Itacolomi.

Em um de seus

depoimentos, o

artista menciona que

sabia aproveitar as

oportunidades e

buscava se doar ao

máximo em tudo

aquilo que se

propunha a fazer.

Por isso, chegou a acumular várias funções nas mídias em que trabalhou.

Figurino 116. Figurinos da peça A lenda do Crisântemo. Barroso, ao fundo.

Figura 115. Cenário da peça A lenda do Crisântemo.

Figura 114. Figurinos da peça A lenda do Crisântemo.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0610677/CA
Page 37: 6 Um Belo Horizonte para a TV - DBD PUC RIO um teste, exibindo a imagem do relógio da igreja São José. A partir de então, vale notarmos que a novidade da imagem e áudio gradualmente

213

No quadro a seguir, elencamos apenas as peças referentes ao teleteatro

infantil, cuja autoria pertence a Barroso.

Peças teleteatralizadas

Ano

Programa

Capítulos

Bim, Bim 15/10 a 29/10/60 Teatro da Carochinha 3 Joãozinho mais Maria 10/12 a 31/12/60 Teatro da Carochinha 3 Pinóchio 07/01 a 25/02/61 Teatro da Carochinha 8 O príncipe encantado 04/03 a 18/03/61 Teatro da Carochinha 3 Cinderela 06/05 a 27/05/61 Teatro da Carochinha 4 A bela adormecida no bosque 01/07 a 14/07/61 Teatro da Carochinha 3 Os três príncipes encantados 08/10 a 24/10/61 Teatro da Carochinha 3 A borboleta azul 04/11 a 25/11/61 Teatro da Carochinha 4 Livro de Natal 09/12 a 25/12/61 Teatro da Carochinha 3 Aladim e o gênio da lâmpada 06/01 a 27/01/62 Teatro da Carochinha 4 A bela e a fera 03/03 a 17/03/62 Teatro da Carochinha 3 Princeza Coruja 21/04/62 História do Arco da Velha 1 Era uma vez uma bruxa 09/01/63 História do Arco da Velha 1 A princezinha linda flor 16/01/63 História do Arco da Velha 1 O falso bruxo 23/01/63 História do Arco da Velha 1 A princesa e o plebeu 29/01/63 História do Arco da Velha 1 Era uma vez no reino das montanhas azuis

06/02/63 a 27/02/63 Histórias que Vovó Contava 3

A peróla encantada 06/03 a 27/03/63 Histórias que Vovó Contava 4 Os dois irmãos 10/04 a 24/04/63 Histórias que Vovó Contava 3 A felicidade visitou-nos no inverno

10/05 a 25/05/63 Histórias que Vovó Contava 3

A pastorinha 05/06 a 26/06/63 Histórias que Vovó Contava 4 A princeza encantada 03/07 a 31/07/63 Histórias que Vovó Contava 4 Lili no paiz do faz de conta 07/08 a 25/09/63 Histórias que Vovó Contava 8 O príncipe Shalimar 02/10 a 30/10/63 Histórias que Vovó Contava 3 Amor de pagem 06/11/63 Histórias do Arco da Velha 1 A cabra encantada 13/11/63 Histórias que Vovó Contava 1 O feiticeiro perdeu a parada 20/11/63 Histórias do Arco da Velha 1 O pássaro dourado 27/11/63 História do Arco da Velha 1 O pastorzinho de Belém 11/12/63 Histórias que Vovó Contava 1 A fantazia de Natal 25/12/63 História do Arco da Velha 1 O príncipe engeitado 01/01/64 História do Arco da Velha 1 Uma história das mil e uma noites

08/01/64 História do Arco da Velha 1

Vale a pena esperar pela felicidade

12/01/64 História do Arco da Velha 1

O camareiro real 22/01/64 História do Arco da Velha 1 Tâmara, a escrava feliz 26/02/64 História do Arco da Velha 1 A bruxa que ficou boasinha 04/03/64 História do Arco da Velha 1 O prêmio da virtude 11/03/64 História do Arco da Velha 1 O tapete mágico 18/03/64 História do Arco da Velha 1 O rubi da coroa 25/03/64 História do Arco da Velha 1 Nunca é tarde para voltar ao caminho do bem

01/04/64 História do Arco da Velha 1

No tempo das fadas 08/04/64 História do Arco da Velha 1 E... a felicidade voltou 04/11/64 História que Vovó Contava 1

Tabela 2.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0610677/CA
Page 38: 6 Um Belo Horizonte para a TV - DBD PUC RIO um teste, exibindo a imagem do relógio da igreja São José. A partir de então, vale notarmos que a novidade da imagem e áudio gradualmente

214

De acordo com o material arquivado, nos volumes 5 e 6, encontramos os

primeiros scripts de narrativas que fariam parte do início de sua carreira como

produtor de teleteatro infantil. Nestes dois cadernos, há uma série de textos

adaptados dos contos tradicionais, os quais foram ao ar no programa intitulado

Teatro da Carochinha.

É a partir deste volume que aparecem histórias de bruxas e fadas,

cenários de um verdadeiro mundo encantado. Sob o patrocínio da Livraria Frei

Leopoldo e constituídos, em sua grande maioria, de 3 a 5 capítulos, de 7 a 8

páginas cada, esses textos preencheram a programação de 15/10/60 a 17/03/62.

É interessante notarmos que nestes momentos iniciais, todos os textos de

teleteatros foram divididos em vários capítulos, exigindo, assim, mais tempo na

contação das histórias. De acordo com os scripts, Pinóchio foi o único texto que

apresentou número elevado de capítulos, sendo 8 no total. Embora transmitida no

programa Histórias que Vovó Contava, de igual modo, encontramos a peça Lili

no paiz do faz de conta.

Pelos scripts, foi-nos possível verificar que nem todas as transmissões

das peças dos programas obedeceram a uma ordem cronológica com relação ao

intervalo de dias, meses e, até mesmo, anos. Nesta condição, estão as peças

Cinderela, A bela adormecida no bosque e A bela e a fera, as quais rompem a

Figura 118. Cenas da peça A princesa encantada, do programa História que

Vovó Contava.

Figura 117. Príncipe e princesa da peça A princesa encantada, do programa História que Vovó Contava.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0610677/CA
Page 39: 6 Um Belo Horizonte para a TV - DBD PUC RIO um teste, exibindo a imagem do relógio da igreja São José. A partir de então, vale notarmos que a novidade da imagem e áudio gradualmente

215

sequência dos meses. A este respeito, não podemos descartar também a ideia de

que, nesses intervalos, três peças ou mais tenham sido transmitidas e Barroso

possa não ter reservado os scripts.

Já no volume 3, constatamos que há uma quantidade expressiva de

produção de teleteatro infantil do artista mineiro. Essas narrativas que, segundo o

produtor resolveu intitular de Histórias do Arco da Velha, foram ao ar após o

término de um mês do programa Teatro da Carochinha.

Assim, no período de 21/04/62 a 08/04/64, Barroso propõe outras

histórias, porém de um único capítulo, para o público mirim. A descontinuidade

dos períodos de encenação ainda se apresenta, todavia se vê marcada por um

longo tempo. Num período de aproximadamente oito meses, depois de veiculada a

sua primeira peça, a Princeza coruja (21/04/62), que o programa Histórias do

Arco da Velha retorna à tela novamente, estreando em 09/01/63, com a

encenação de Era uma vez uma bruxa.23

Em depoimento de 26/09/2006, Barroso explica que essas diferenças de

datas se devem ao fato de os programas dependerem das negociações dos

contratos de publicidade, os quais patrocinavam toda a produção.

Por isso, vale ressaltarmos que, na TV, o teatro seria uma experiência

ideal diante dessa sazonalidade da propaganda, pois as produções literárias ou

dramatúrgicas adaptadas, normalmente, exigiam uma encenação possível de ser

esgotada em apenas um ato. Isso explica a migração dessa prática artística,

primeiramente para o rádio (radioteatro), nos anos 30 a 50; e depois, de forma

incisiva, para a TV, em seus tempos de empirismo.

Da política incipiente de merchandising do veículo em seus primeiros

anos de atividade, o teleteatro se transformou em programa estratégico até o

audiovisual alcançar sua identidade de indústria de bens de consumo. Daí,

entendermos também o surgimento tardio da telenovela, que, somente a partir de

1960, com a utilização do videoteipe, assumiria lugar de destaque na programação

de muitos canais, trilhando um caminho de sucesso até os dias de hoje.

Contudo, ainda no ano de 1963, as adaptações de histórias estrangeiras,

de diversos temas e estilos, atribuladas ainda por interrupções, não deixaram o

público mineiro, infantil, sem o encanto do universo da fantasia e da imaginação. 23 Neste estudo, esclarecemos que os títulos das peças foram transcritos conforme o original, diferindo, assim, da ortografia oficial em vigência no país.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0610677/CA
Page 40: 6 Um Belo Horizonte para a TV - DBD PUC RIO um teste, exibindo a imagem do relógio da igreja São José. A partir de então, vale notarmos que a novidade da imagem e áudio gradualmente

216

Nestes mesmos anos e de acordo com as apresentações descontínuas de

Histórias do Arco da Velha, a TV Itacolomi veiculou Histórias que Vovó

Contava, cujos textos estão no caderno de volume 7. Numa sequência mais coesa

e televisionadas em séries, contendo de 3 a 8 capítulos, semelhante as do Teatro

da Carochinha, encontramos histórias transmitidas, em caráter inédito, a cada

mês.

Em entrevista (26/09/2006), o produtor afirma que tentou manter a

originalidade de muitas histórias, ainda que tal opção acarretasse muito trabalho

com referência aos figurinos, cenários, perfomances. Nas transmissões de um

único episódio, as adaptações demandavam mais dedicação, pois a cada semana

novas dimensões tomavam o cenário, o texto, os papéis a serem decorados, as

trucagens, enfim, toda a linguagem do gênero (re) criava-se.

Num dos momentos do seu depoimento, Barroso confessou desconhecer

a origem dos textos e recordou que em sua infância não havia tanta diversidade de

livros, como na contemporaneidade. Livros voltados para o leitor infantil, então,

escassez total. Mas, como muitas dessas histórias pertenciam ao imaginário da

sociedade brasileira e alcançavam incrível receptividade junto ao público de

telespectadores de outros estados, como São Paulo e Rio, o produtor mineiro

acabou adaptando-as também.

Assim, todo sábado, às quatro horas, não só o público mirim aguardava

uma nova história, mas, de igual modo, os adultos, já que, nestes anos de

experimentação da TV, havia uma preocupação por parte dos diretores em

transmitir uma programação que abarcasse toda a família.

Dentre uma série de programas, o teleteatro corresponderia a esse ideal.

Por se tratar de um formato constituído pela contação de histórias, a audiência do

gênero na TV Itacolomi alcançava índice satisfatório. Segundo Barroso, quando a

história encenada era do conhecimento dos telespectadores, muitos buscavam

verificar se a adaptação acrescentaria novos dados à narrativa original.

Portanto, entre o conhecimento prévio e a novidade, havia o desejo de

entretenimento e, implicitamente, o de educação, o qual correspondia à proposta

do veículo nesta fase artesanal, quando a programação ainda se pautava na

realidade regional e atendia aos interesses da sociedade belo-horizontina.

População esta constituída por migrantes de várias partes do Estado, e que, no

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0610677/CA
Page 41: 6 Um Belo Horizonte para a TV - DBD PUC RIO um teste, exibindo a imagem do relógio da igreja São José. A partir de então, vale notarmos que a novidade da imagem e áudio gradualmente

217

início do século XX, era considerada uma sociedade tradicional, de valores

conservadores.

Através da adaptação de Barroso, aparecia, sobretudo, na tela um mundo

cruel, constituído por atitudes levianas como a inveja, a cobiça, a ambição, os

quais, sob efeitos de varinhas de condão ou de outros poderes mágicos, chegavam

a ser banidos da realidade do ‘era uma vez’. Na concepção do produtor, os textos

de fada ou, até mesmo, alguns de origem árabe eram ideais para se trabalhar o

emocional e a fantasia da criança. Inconscientemente, esse universo fazia com que

todos revissem criticamente suas atitudes, seus valores morais, o que poderia

resultar numa mudança do comportamento social.

A respeito dos contos de fadas, Bruno Bettelhein (1980, p. 14), ao

analisá-los sob a luz da Psicanálise, salienta que, de forma múltipla, essas

histórias trazem a mensagem sobre

uma luta contra dificuldades graves na vida é inevitável, é parte intrínseca da existência humana – mas que se a pessoa não se intimida, mas se defronta de modo firme com as opressões inesperadas e muitas vezes injustas, ela dominará todos os obstáculos e, ao fim, emergirá vitoriosa.

Essa particularidade de superação, com a qual a criança se identifica,

explica a expressiva audiência dos programas que veiculavam essa literatura de

séculos.

Em entrevista (28/06/05), Barroso comenta que, após a transmissão do

programa infantil, recebia telefonemas ou se encontrava com muitas mães,

professores, os quais, imediatamente, perguntavam se ele havia cursado

Psicologia, pois as histórias tocavam a todos de alguma forma. Alguns contavam

que muitas peças retratavam problemas preocupantes, como crianças

desestimuladas de estudar ou dispostas a apresentar comportamentos desvirtuados

da conduta moral em vigência.

Ao traçar um panorama crítico dos programas infantis de TV brasileira,

transmitidos neste ínicio de século, o autor e diretor de programas, Walter George

Dürst (2002, p. 122), afirma que o veículo tem contribuído para a deseducação,

pois há uma geração “totalmente desprovida de criticidade, uma geração sem a

noção no quê confiar ou do quê desconfiar, uma geração que perde os limites, já

que é mostrado que se pode tudo.”

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0610677/CA
Page 42: 6 Um Belo Horizonte para a TV - DBD PUC RIO um teste, exibindo a imagem do relógio da igreja São José. A partir de então, vale notarmos que a novidade da imagem e áudio gradualmente

218

Para reverter este quadro, a solução, para Dürst (2002, p. 122) estaria

justamente no retorno do mundo das tradicionais narrativas,

talvez adaptando as fábulas de Esopo, Andersen, dos irmãos Grimm e de La Fontaine para a tevê, no lugar de castelos encantados que não passam de casas de bonecas sem janelas ou respiros, apenas efeitos especiais emburrecedores. Repito: é preciso criticar. Criticar é libertar-se.

É, justamente, a não dissociação do meio social da criança que tornava

as histórias das fadas sedutoras e cativantes na TV, pois, como escreve Louis

Aragon, “nada é mais fantástico do que o cotidiano” (ARAGON apud DÜRST,

2002, p. 123).

Embora muitos críticos condenem as concepções moralizantes

subjacentes nesses textos literários, Alaíde Lisboa de Oliveira (1984) questiona se

tais princípios também não podem ser encontrados em obras clássicas como O

Pequeno Príncipe, de Saint-Exupéry, O Menino do Dedo Verde, de Murice Druon

e em tantas outras do acervo literário mundial. Logo em seguida, ela ressalta

(1984, Amae Educando, p. 30) que, nas narrativas de origem popular, a

caracterização de valores da sociedade burguesa – conservadora quanto às

aspirações, aos preceitos, aos comportamentos sociais – pode ser perfeitamente

“usufruída, meditada, absorvida, de acordo com a experiência prévia de cada

indivíduo (leitor, espectador, telespectador), seja criança, ou jovem, ou adulto.”

Por se tratarem de ficções da prosa poética, em que os personagens

construídos são densos de uma alma humana e os recursos linguísticos e literários

obedecem a uma seleção criteriosa, tais textos acabam suscitando as emoções das

crianças, conduzindo-as a aprendizagens estéticas, éticas e morais.

Dessa forma, podemos entender que o ato de ouvir, assistir, contar

histórias, mais do que uma atividade de prazer, torna-se uma experiência vital

para todos, não só para os pequenos. Mergulhar nesse universo é exercitar o que

chamamos de a arte do viver. Neste sentido, a literatura infantil, dirão alguns

teóricos, corresponde à necessidade da criança em vivenciar momenos de fantasia,

de emoção, através de uma realidade imaginária.

Por estas e outras razões, entendemos a permanência de tais narrativas

ao longo da história da humanidade, pois como disse Cecília Meireles (Apud

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0610677/CA
Page 43: 6 Um Belo Horizonte para a TV - DBD PUC RIO um teste, exibindo a imagem do relógio da igreja São José. A partir de então, vale notarmos que a novidade da imagem e áudio gradualmente

219

COELHO, Revista Criança, p. 11) elas “possuem uma verdade capaz de

satisfazer a inquietação humana, por mais que os séculos passem.”

Não mais subordinada somente ao universo da contação oral, ou do seu

objeto de consagração, o livro, a literatura infantil, a partir do século XX, passa a

dialogar com os mais novos dispositivos da indústria cultural do país, como o

cinema, o rádio e depois a TV.

Embora consideremos que, num processo de adaptação, tais textos se

definem como um novo texto, por estarem regidos por outros códigos, como nos

alerta Elzira Divina Pérpetua (2007), é nos veículos de comunicação, sobretudo

no audiovisual, que a literatura encontrará espaço para a sua disseminação e

legitimação no contexto da sociedade moderna.

Neste cenário, a TV Itacolomi fez história. Como vimos, desde as suas

primeiras transmissões, os textos literários infantis da tradição ocidental ganham a

tela, tendo nas adaptações de Jotta Barroso um espaço maior de divulgação. Para

surtir resultados positivos de audiência, Barroso era criterioso quanto ao processo

de adaptação, pois toda a riqueza do texto jamais poderia ser ofuscada. Para tanto,

trabalhava-se muito com a criatividade, com a invenção, já que a TV estava à

mercê de processos experimentais.

Assim, muitas das histórias de príncipes, donzelas, sheiks, castelos,

tapetes voadores foram ao ar, isto é, tudo que a imaginação dos adaptadores

pudesse criar e reproduzir aparecia na telinha. Através da TV, ainda não

caracterizada como a babá eletrônica, que este mundo de histórias se revigorou e

se disseminou, abarcando um grande e diverso público de telespectador, carente

de uma programação mais efetiva.

Quanto às encenações das telepeças, Barroso preferiu, nos anos iniciais

de sua experiencia como produtor e autor, nos programas Teatro da Carochinha

e História que Vovó Contava, transmiti-las em série. Procedimento este, vale

ressaltarmos, diferente das encenações do Teatrinho Trol, da Tupi do Rio e do

Fábulas Animadas e de algumas encenações do Teatro da Juventude, da Tupi

São Paulo, os quais não eram do conhecimento do público mineiro, em virtude da

TV, na época, não funcionar em sistema de cadeias. Mas, o sucesso dos teleteatros

de Barroso, ainda sem concorrente na capital de Minas, foi semelhante às

produções de suas co-irmãs, as TVs Tupi, pioneiras no empreendimento chamado

televisão.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0610677/CA
Page 44: 6 Um Belo Horizonte para a TV - DBD PUC RIO um teste, exibindo a imagem do relógio da igreja São José. A partir de então, vale notarmos que a novidade da imagem e áudio gradualmente

220

6.4 Entre as histórias dos teleteatros infantis, as histórias dos bastidores

Por ter trabalhado quatro anos na TV Itacolomi, exercendo funções de

ator, supervisor de figurino e de cenário, autor e produtor de teleteatros infantis,

Barroso relembra muitos fatos curiosos.24

Ao participar do universo televisivo, ainda em construção, o artista

mineiro soma uma trajetória atribulada por uma série de obstáculos, mas que, ao

final, segundo ele, transformou-se em grandes vitórias.

Não se diferindo das demais emissoras inauguradas no eixo Rio-São

Paulo, na TV Itacolomi, construíram-se muitas histórias nos bastidores do veículo.

Em entrevista, Barroso, através dos detalhes, vem confirmar a precariedade que

assolava a mais nova iniciativa de Assis Chateaubriand. Havia situações capazes

de horrorizar qualquer telespectador, mas nada que o caráter da improvisação e da

criatividade não conseguisse resolver.

Entre uma peça e outra, toda a sorte de dificuldades era possível: ora

atores não sabiam se vestir direito ou movimentar-se diante da câmera, ora nem

mesmo tinham roupas e sapatos adequados à história a ser encenada.

Semelhante ao teleteatro para adulto, um número extenso de outros

embaraços também podia ser evidenciado no infantil. Entre os vários casos, ele

cita um em que a esposa do palhaço Moleza, personagem famoso do Circo

Bombril, queria ser a feiticeira de uma das peças. Por ser atriz despreparada,

Barroso decidiu, então, que ela apareceria muito, mas iria apenas fazer mágicas e

falar pouquíssimo.

Essa preocupação em alcançar a originalidade do texto jamais poderia

ser esquecida, pois era uma estratégia eficaz para atrair o público telespectador

ainda em formação. Para tanto, nos papéis de príncipes e princesas, Barroso exigia

belos atores e figurinos elegantes. Era muito raro uma criança ser escalada para

atuar. Diferente das TVs de São Paulo como Tupi e Record, as quais contratavam

grupos de teatro infantil, a teleteatralização na Itacolomi era realizada por atores

pertencentes ao próprio cast da emissora. Devido à inexpressividade do teatro

24 Em entrevista no dia 28/07/06, Jotta Barroso busca detalhar esse universo dos bastidores.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0610677/CA
Page 45: 6 Um Belo Horizonte para a TV - DBD PUC RIO um teste, exibindo a imagem do relógio da igreja São José. A partir de então, vale notarmos que a novidade da imagem e áudio gradualmente

221

para esse segmento, na cidade de Belo Horizonte, a qual contava apenas com as

apresentações esporádicas das companhias de espetáculos do Rio de Janeiro e de

São Paulo, seria inviável produzir de forma independente tal gênero artístico.

Como os teleteatros de Barroso começaram a ser produzidos no

momento em que a TV passava por novas reformulações, alguns privilégios lhes

foram concedidos. E à medida que o programa ganhava audiência, podia-se

investir mais na sua estrutura e veiculação.

Para as peças de ambientação medieval25, uma constante nas adaptações,

Barroso passou a desenhar vários figurinos, que seriam confeccionados na própria

Itacolomi. Logo, a emissora poderia dispor de um guarda-roupa mais diverso.

Essa nova condição veio desobrigar os profissionais de se preocuparem

com o figurino, bem como os deixou livres do ridículo, pois muitos chegavam a

repetir determinada roupa em peças diferentes. Antes disso, Barroso acrescenta

que, muitas vezes, sapatos, roupas e acessórios, em razão da precária condição

financeira da Itacolomi, deveriam ser providenciados pelos atores.

A dificuldade de figurino era maior para as atrizes, pois elas não tinham

muitas opções para conjugar uma peça do vestuário com outra, numa mesma

encenação, conta Barroso. Já os atores podiam, em quadros diferentes, repetir um

mesmo terno, mas deviam trocar as gravatas, as camisas, os sapatos, os chapéus.

Em tudo se exigia muita observação nos pormenores, pois assim que se alcançava

o sucesso e o público merecia o melhor.

25 Alguns figurinos foram fotografados e constam no arquivo do ator. Cf. Anexo 11.

Figura 120. Figurino de cortesão: desenho de Jotta

Barroso

Figura 119. Figurino de peça medieval: desenho de

Jotta Barroso.

Figura 121. Figurino de peça pastorial: desenho de

Jotta Barroso.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0610677/CA
Page 46: 6 Um Belo Horizonte para a TV - DBD PUC RIO um teste, exibindo a imagem do relógio da igreja São José. A partir de então, vale notarmos que a novidade da imagem e áudio gradualmente

222

Todo esse universo de histórias de bastidor, recheado ora de humor, de

vitória, ora de tragédia, tomavam impulso a partir da leitura dos scripts. De acordo

com a história a ser teleteatralizada, o produtor dava as diretrizes e cuidava dos

detalhes.

Como tudo que se veicula no audiovisual demanda uma série de agentes:

produtor, figurinista, autor, ator, câmera e outros, o script torna-se, assim, uma

ferramenta essencial para que o trabalho de encenação se realize de forma coesa.

Neste sentido, são esclarecedoras as palavras de Edward Stasheff (Apud

SENE, 2001, p. 54), quando o teórico o define como um: Plano completo de uma emissão televisiva: instrumento básico de apoio, tanto para a produção quanto para a direção de um programa; o script contém o texto, falas, indicações, marcas e deixas de câmera e direção, posicionamento e movimentação cênica, de forma genérica ou detalhada; expressa as idéias do autor, do produtor e do diretor a serem desenvolvidas pela equipe que realiza o programa.

Todos esses códigos do universo escrito, icônico e sonoro, aliados a

recursos de tecnologia (câmera) podem ser verificados nos roteiros de teleteatros

infantis escritos por Jotta Barroso. 26

Embora não nos seja possível analisar as imagens das encenações

teleteatrais empreendidas por esse adaptador/produtor e por tantos outros das

emissoras do Rio de Janeiro e São Paulo, em função dos programas se

caracterizarem, nos anos 50 a meados de 60, pela transmissão ao vivo, teremos

que nos restringir à análise dos scripts para demonstrar o processo rudimentar,

mas criativo explorado na arte de contar histórias através da TV. Acreditamos

ainda que parte desses momentos pode ser recuperada através de acervos

fotográficos e de depoimentos das equipes de produção do gênero.

Na tessitura do referido texto, vemos que há inúmeros códigos

pertencentes tanto ao universo do teatro quanto do rádio, como, por exemplo, as

rubricas, os efeitos de sonoplastia, a música e a palavra escrita. Somadas a esses

códigos, estão as heranças do cinema: o trabalho das câmeras, no mínimo 3, e

exigências próprias de transmissão em vídeo como filme de nuvens, passagem de

tempo, superposição de imagens etc. A partir desse intercâmbio, o texto para TV

26 Cf. Anexo 12.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0610677/CA
Page 47: 6 Um Belo Horizonte para a TV - DBD PUC RIO um teste, exibindo a imagem do relógio da igreja São José. A partir de então, vale notarmos que a novidade da imagem e áudio gradualmente

223

ganha um estilo próprio. Outro elemento de igual importância é o cenário, cuja

responsabilidade estava em criar um ambiente adequado à encenação do mundo

ficcional. Dependendo da sua qualidade estética, tal recurso chegava a competir

com o trabalho dos atores por ser também foco das câmeras e do olhar do público.

Dentre todas as telepeças infantis adaptadas por Jotta Barroso,

pretendemos, neste estudo, analisar o processo de adaptação empreendido na

história da A bela adormecida no bosque.27 Para um conhecimento mais

abrangente do trabalho de encenação na TV, abordamos ainda procedimentos

importantes e curiosos, recorrentes em outros textos exibidos.

Embora o roteiro de A bela adormecida no bosque, como os demais do

acervo, não apresente boa legibilidade por ter sido produzido há quase 50 anos

atrás, foi-nos possível fazer uma leitura do texto e verificar sua organização

estética e a narrativa de seus eventos.

É no próprio set da TV Itacolomi, com um cenário característico à

história original, que este conto, reescrito no século XVIII pelos Irmãos Grimm,

vai ao ar. Dividido em três capítulos, transmitidos em 01, 07, 14 de julho de 1961,

este teleteatro ilustra a trabalho e a sensibilidade do adaptador Barroso na

adaptação desse texto da tradição oral. Em sua forma datilografada e

mimeografada – recursos modernos para a época – todo o enredo do universo de

fadas boas e más está distribuído em 30 páginas, tendo no primeiro capítulo, 9

páginas, no segundo 8, e no terceiro, 12.

Inicialmente, para entendermos o roteiro audiovisual, temos que

distinguir, como no cinema, as informações de áudio e vídeo. Na diagramação

desse tipo de texto, convencionalmente, as informações de vídeo ficam dispostas à

esquerda e as de áudio à direita.

Para que a interpretação alcance o sentido pretendido pelo

autor/adaptador, o roteiro de TV, assim como o de teatro, também traz entre

parênteses as intenções de uma encenação a ser transmitida ao vivo.

Ainda no script A bela adormecida no bosque, há rubricas que,

tradicionalmente, cumprem a sua funcionalidade. Escritas em letras maiúsculas,

tal recurso se situa como importante elemento da teleteatralização a ser

transmitida pela telinha.

27 No anexo 12, estão os dois primeiros capítulos da telepeça.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0610677/CA
Page 48: 6 Um Belo Horizonte para a TV - DBD PUC RIO um teste, exibindo a imagem do relógio da igreja São José. A partir de então, vale notarmos que a novidade da imagem e áudio gradualmente

224

Portanto, no decorrer do primeiro capítulo e nas demais páginas,

podemos encontrar, dispostas à direita, informações que situam a ação dos

personagens frente às câmeras, como “BARROSO (FALA O QUE TEM QUE

FALAR)” (p. 1), “(AS DUAS SE ABRAÇAM)” (p. 3) ou ainda “(ESTÁ

DESPACHANDO COM UM PAGEM)” (p. 3), bem como aquelas que fornecem

“dicas”, sobre as motivações e intenções secretas não expressas na fala de

determinado personagem: “Pastora (FICA TRISTE)” (p. 2) e “(FELIZ)” (p. 8).

Toda essa montagem se completa com uma pontuação incisiva no transcurso dos

diálogos. A princípio, as reticências, os pontos de exclamação, por exemplo,

auxiliam, de igual forma, o trabalho de representação dos atores.

Inclusas no espaço esquerdo do roteiro, estão as rubricas sobre o cenário,

o qual não recebe nenhuma descrição detalhada, a não ser nomeações dos 3

espaços: Set real, Set pastora, set sala grande do palácio. Neste momento, o texto

traz como novidade o jogo de câmeras, tendo 3 no mínimo.

Em outras rubricas, há outras exigências próprias do veículo. No

primeiro capítulo, há, por exemplo, “CÂMERA DESFOCA FILME DE

NUVENS, PASSAGEM DE TEMPO. CÂMERA ABRE NO MESMO SET,

MESMO LUGAR” (p. 6), “CÂMERA SUPER DE FADA” (p. 6) e “BARROSO

(FALA FINAL DO PRIMEIRO CAPÍTULO)”.

Curiosamente, no primeiro capítulo do referido roteiro, nenhuma rubrica

fez menção ao efeito de sonoplastia e intervalos para os inter-programas

(intervalos comerciais) – um procedimento comum em muitas produções

televisivas. A este respeito, Barroso explica que a propaganda, referente ao

patrocinador do programa de teleteatro infantil, ia ao ar antes da transmissão das

cenas. Dessa forma, semelhante ao teleteatro de Tatiana Belinky e Júlio Gouveia,

a história não precisaria ser interrompida, a não ser em casos de problemas

técnicos do veículo nas transmissões. Todavia, em uma série de peças do

programa Teatro da Carochinha, como veremos adiante, a propaganda assumia

lugar de destaque, pois iniciava e encerrava a transmissão dos capítulos.

Na leitura do roteiro, verificamos também que, inicialmente, era o

produtor do teleteatro que se dirigia ao telespectador mirim e, sem grandes

detalhes, escrevia apenas “BARROSO (FALA O QUE TEM QUE FALAR)” (p.

1). Na intenção de que esse público não se ausentasse da sala, Barroso,

semelhante aos diretores Júlio Gouveia (Tupi, SP) e Fábio Sabag (Tupi, RJ), fazia

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0610677/CA
Page 49: 6 Um Belo Horizonte para a TV - DBD PUC RIO um teste, exibindo a imagem do relógio da igreja São José. A partir de então, vale notarmos que a novidade da imagem e áudio gradualmente

225

um breve comentário sobre a peça e dava boas vindas aos pequenos. No

encerramento do programa e não da história, devido ao número de capítulos, ele

apareceria novamente. Neste momento, além de agradecer, o adaptador pretendia

convencer aquele telespectador criança e/ou adulto a continuar acompanhando a

trama, a qual se interrompia, intencionalmente, num momento de grande tensão

previsto no roteiro.

Ao explorar essa estratégia, Barroso objetivava alcançar a fidelidade do

público infantil.

Na adaptação de A bela adormecida no bosque, é possível observarmos

que o roteirista buscou, ao máximo, reproduzir os eventos da versão original do

conto, como o lamento da rainha por não conseguir engravidar; a maldição

lançada por uma das fadas, agora bruxa, à pequena princesa Bela Adormecida,

que acabou confinada a um sono profundo de 100 anos, por ter tocado no fuso.

Como era esperado, o roteiro traz ainda o final feliz: o beijo do príncipe e seu

encontro com a princesa, agora, não mais adormecida.

Para agradar ao telespectador, em sua maioria, conhecedor da história,

muito da magia e do encantamento, constituídos por fadas diversas, a do Lago

Azul, Arco-íris, Blanche, Pedra Preciosa, Bondade, Bela, príncipe, princesa, rei,

rainha, pajem e a bruxa, ganhava a cena por trinta minutos. Entre cenários de

ambientação medieval, “sala grande do palácio”, “quarto da princesa”, e painel de

“mata virgem” (por onde passa o príncipe e encontra Bela Adormecida), estão

também os momentos em que há superposição de imagens.

Logo, o efeito de encantamento toma conta da cena e se torna um

mistério para o público da telinha, o qual vivia a imaginar como se processavam

tais imagens. Neste sentido, Barroso comenta que para alcançar efeitos fascinantes

nas encenações de TV era preciso valer-se das trucagens, cada uma mais criativa

que a outra. Em virtude da televisão não contar ainda com processos sofisticados

de jogos de imagens, todas as emissoras buscavam inúmeros truques para

transmitir o que de melhor elas poderiam apresentar. Tais recursos experimentais

deveriam corresponder ao universo ficcional própria de cada história.

Nesse processo de atualização do texto em outra linguagem, isto é, a

adaptação para a TV (ADAMI, 2000), além do desejo de fascinar, era preciso que

o telespectador entendesse a história, evitando interpretações aleatórias e

simplistas.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0610677/CA
Page 50: 6 Um Belo Horizonte para a TV - DBD PUC RIO um teste, exibindo a imagem do relógio da igreja São José. A partir de então, vale notarmos que a novidade da imagem e áudio gradualmente

226

Como exemplo dessa experiência, podemos citar o momento em que, na

peça A bela Adormecida, a personagem má desejou revelar sua vingança à família

real, e só conseguiu se deslocar em direção ao reino com a ajuda de uma vassoura.

Assim, no segundo capítulo do script, lemos: “CÂMERA ABRE

NEUTRO ONDE ESTÁ A FADA MÁ MONTANDO NUMA VASSOURA” (p.

3). Para a referida personagem ir ao castelo, Barroso, na mesma página, escreve:

“ENTRA CINTA DE NUVENS EM MOVIMENTO E POR UM TEMPO FAÇA

SUPER DE FADA”.

Em entrevista (28/07/2006), o artista esclarece que, em momento algum,

a bruxa se deslocou, apenas o cenário. Para tanto, a personagem vilã teve que ficar

estática em primeiro plano, enquanto o cenário de fundo se movia. Em segundo

plano, projetado pelos contrarregras para produzir uma sensação de passagem das

nuvens, e através da superposição das imagens, o público telespectador acreditava

que, de fato, ela conseguiu voar com uma vassoura e chegar ao palácio. Depois

dessa imagem, a câmera foca os personagens do palácio que temem as ações da

fada má: “CÂMERA DETALHAR ROSTO DE NERVOSISMO DE TODOS

QUE ESTÃO EM CENA” (p. 4). Portanto, em toda cena que exigia mudança de

cenário e tempo, era utilizada essa cinta de nuvens, cuja projeção se dava por um

aparelho específico.

Nesta mesma peça, com a intenção de mostrar o sonho da princesa em

casar com algum príncipe, a câmera consegue projetar outra imagem, a do futuro

amado, que ficou acima e ao lado da cabeça da donzela. Definidos por Barroso

como trucagem de autor, tais jogos de imagens era um recurso muito explorado

por todas as emissoras da época. Segundo depoimentos das pessoas que fizeram a

TV, eles conseguiam fazer milagres. Na TV tupi, por exemplo, Tatiana Belinky ao

mencionar sobre a dificuldade de fazer TV, cita casos dessa realidade, os quais

foram apresentados no capítulo 4 deste estudo.

Vale dizermos que toda essa projeção criativa, o autor tomou

conhecimento quando atuou na novela Garrafa do Diabo, da TV Itacolomi.

Nesta novela atuou como um fabricador de velas, a princípio, um papel de

“escada”, isto é, pequeno papel. Nesta novela, por exemplo, para mostrar o diabo

preso na garrafa, foi preciso utilizar duas câmeras: uma focalizava a garrafa sobre

um móvel e uma outra, o rosto do personagem. Na montagem final, a imagem,

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0610677/CA
Page 51: 6 Um Belo Horizonte para a TV - DBD PUC RIO um teste, exibindo a imagem do relógio da igreja São José. A partir de então, vale notarmos que a novidade da imagem e áudio gradualmente

227

gravada inicialmente com a câmera 2, ficava projetada na garrafa filmada pela

câmera 1. Logo, dava a entender que o personagem estava ali dentro.

Em depoimento (28/07/06), diz que tudo “aquilo me impressionou e vi

como ficava bonito na tela o diabo preso na garrafa.” A partir de então, muitas

cenas do teleteatro infantil passaram a contar com este trabalho de câmeras,

chegando até mesmo a colocar tapetes voadores, personagens em lutas sobre o

tapete, e, ao fundo, o filme de nuvens. Em cada uma das histórias televisionadas,

embora muitos desses processos de trucagens chegassem a se repetir, Barroso

ressalta a importância do toque da imaginação, nos pequenos detalhes da

teleteatralização infantil. Exigência esta jamais estampada em algum roteiro, mas

depositada na versatilidade de cada profissional envolvido com a TV desses anos

experimentais.

Portanto, ao nos atermos ao texto/roteiro como um todo, observaremos

que, no espaço da TV, tal ferramenta prima pela economia de detalhes, exigindo

uma dedicação maior do diretor e produtor na projeção do texto.

Consequentemente, ao contrário do teatro, a autoria do script acaba se perdendo.

A importância é dada ao produto final, ou seja, à representação e não ao texto

guia. Este, portanto, deve cuidar para que o telespectador entenda de forma clara o

que está sendo veiculado, pois inexiste aí a possibilidade de rever a mesma cena

naquele exato momento. Diferente do texto impresso, na mídia eletrônica e, até

mesmo, no espetáculo, todos os sentidos do telespectador devem estar aflorados,

aguçados para receber a mensagem.

Caso o roteiro de programa de TV ficcional, seja lido com intuito de

fruição e prazer, ele pode revelar uma fatalidade vivenciada pelo texto dramático:

a leitura, normalmente asfixiada pela concepção de que ela traz muitas lacunas

interpretativas que podem comprometer a mensagem pretendida. Todavia, para

qualquer tipo de texto, sabemos que todo leitor deve conhecer determinados

códigos e disponibilizar estratégias, procedimentos diferentes para se obter

sucesso interpretativo e a ação se torne instigante e agradável. Semelhante ao

texto dramatúrgico, o script pode se constituir como um rico suporte de leitura

que guarda sua importância no universo das letras.

Considerando essa particularidade, ao lermos os outros roteiros de

teleteatros infantis de autoria de Barroso, alguns dados não contemplados no texto

A bela adormecida nos chamam a atenção. Embora não esgotem nossa

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0610677/CA
Page 52: 6 Um Belo Horizonte para a TV - DBD PUC RIO um teste, exibindo a imagem do relógio da igreja São José. A partir de então, vale notarmos que a novidade da imagem e áudio gradualmente

228

inquietação a respeito de como se realizaram determinadas cenas, que figurinos,

cenários, músicas, por exemplo, compuseram a teleteatralização, vimos a

importância de comentá-los, ampliando, assim, a discussão sobre o processo de

encenação a partir dos textos arquivados pelo ator mineiro.

A respeito dos figurinos, na leitura dos scripts, observamos que Barroso

não fez nenhuma menção sobre os modelos utilizados pelos atores nas telepeças

para criança. Logo, o único material que revela um pouco desse universo são os

registros fotográficos. Todavia, no álbum do autor, tais imagens não trazem em

seus versos os títulos das

telepeças de referência,

dificultando, portanto, a

apresentação de uma análise

mais detalhada com relação à

encenação, já que o figurino

constitui uma das linguagens

de importância na construção

do encantamento proposto

pela arte cênica. De acordo

com o enredo da peça,

luxuosas roupas, com vestidos

longos e casacos, tomados de detalhes e tecidos diversos; acompanhados de

penteados elegantes, chapéus, sapatos e tantos outros recursos entravam em

cena.28 Vale acrescentarmos que até mesmo alguns modelos, possivelmente,

pertenceram ao teleteatro Grande Teatro Lourdes, em que Barroso atuou como

ator e adaptador de algumas peças.

A dificuldade em desenhar o figurino surgia quando algumas peças

exigiam a representação de bichos ou, até mesmo, objetos falantes. Tal situação se

encontra, por exemplo, na encenação do primeiro capítulo de Pinóchio, em que as

cenas finais previam a fala de um grilo. Ao falar sobre o desrespeito dos filhos

para com os pais, o personagem não estava em off, mas apareceu caracterizado e

participou da cena. Outra peça que merece destaque é Era uma vez um reino das

montanhas por trazer, em seu segundo episódio, um personagem do reino animal:

28 Cf. Anexo 11.

Figura 122. Barroso, ao fundo, e seus figurinos.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0610677/CA
Page 53: 6 Um Belo Horizonte para a TV - DBD PUC RIO um teste, exibindo a imagem do relógio da igreja São José. A partir de então, vale notarmos que a novidade da imagem e áudio gradualmente

229

um cabritinho, que num dos momentos da peça é descrito como gatinho – falha do

adaptador. Nessa história, um príncipe transforma-se magicamente em um

cabritinho a partir do feitiço de uma bruxa – resultado de uma trucagem – “joga-se

a pólvora no caldeirão” (p. 4). Embora não exista a imagem do figurino desses

personagens, imaginamos que Barroso também confeccionou roupas adequadas à

forma dos animais, por mais complicadas elas aparentassem ser. O mesmo pode

ter ocorrido em A cabra encantada, cuja protagonista tratava-se de uma cabra

falante.

Nas entrevistas realizadas com o adaptador, em momento algum, ele

mencionou sobre a presença de bichos nos sets de encenação, como era comum na

TV Itacolomi em seus primeiros anos.

Outro ponto interessante que os scripts trazem são anotações referentes

às encenações. O texto Joãozinho mais Maria revela, por exemplo, o elenco da

encenação. É na referida peça que estão descritos, em maior quantidade, os nomes

de atores. Contudo não se tem conhecimento preciso dos perfis devido à falta de

registro nas fotos de Barroso. Assim, escritos a caneta, aparecem: Lázaro Araújo,

Wilma Henriques, José Luiz, Gracia Maria. Em outras peças, encontramos,

aleatoriamente, os nomes Neide, Sérgio, Milton e Geraldo.

Para obter o efeito

pretendido nas

teledramatizações, Barroso não

se furtava também de deixar

algumas considerações para o

ensaiador. Em O príncipe

encantado, como em tantos

outros textos, escreveu:

“Atenção senhor ensaiador...”

(p. 4); e ainda “Atenção

ensaiador – esta cena é toda

movimentada sem uma palavra”

(p. 3).

O trabalho do iluminador em muitas peças era imprescindível. Embora

não tivesse participação na peça A bela adormecida, o mesmo não aconteceu em

outras encenações, cujo enredo exigia a famosa cena de mágicas. Nas peças A

Figura 123. Príncipe em cena de trucagens na peça A princesa encantada, do programa Histórias que

Vovó Contava.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0610677/CA
Page 54: 6 Um Belo Horizonte para a TV - DBD PUC RIO um teste, exibindo a imagem do relógio da igreja São José. A partir de então, vale notarmos que a novidade da imagem e áudio gradualmente

230

princesa encantada, Lili no paiz do faz de conta, A princesa coruja, Príncipe

encantado,O príncipe Shalimar, por exemplo, explosões ganharam a cena. Nesta

última, o recurso de trucagem entrou em ação quando um dos personagens, o

gênio da lâmpada, apareceu e o personagem príncipe aproveitou a explosão para

trocar de roupa. Mas, anteriormente, Barroso explicou:

Atenção nesta altura deve ser puchado o fio de naylon que está na cabeça do Milton e o pano irá saindo de cena – deverá cair alguma coisa que complemente sua roupa pois na cena anterior ele já mudou a calça. Filme de passagem de tempo. Iluminador: explosão. (p. 4).

Já em O prêmio da virtude, uma extensa rubrica explica o trabalho do

iluminador na peça: “ILUMINADOR – Conforme ordem do diretor de TV, deverá

ir diminuindo a luz até não ter nenhuma a não ser uma restea de luz que entra pela

janelinha e vai direto na cama” (p. 2).

Por todas as

teleteatralizações também a

emoção dos efeitos de

sonoplastia, a cargo do

contrarregra, intensificava

os momentos de emoção e

de suspense. Assim, na peça

Príncipe encantado, muitos

trovões, ventos e chuvas

ornamentaram o cenário

horripilante da malvada feiticeira. Ruídos de todos os tipos como aqueles que

imitam tropas, carruagens, tropel de cavalo, latidos de cães ao longe etc aparecem

em A pastorinha. Não faltam também as vozes de princesas, de ondas do mar

batendo, de vozes gravadas da sereia, da árvore, no texto A princesa encantada. A

esse universo de sons, o contrarregra acrescenta ainda, em off, muitas batidas em

portas ou toques de congo, como acorre na peça Tamara, a escrava feliz.

Em muitas telepeças, de igual modo, músicas de todos os tipos e

nacionalidades contribuíam para o efeito de encantamento das histórias. Porém

nos scripts não há uma identificação mais precisa dessa linguagem.

Figura 124. Detalhe: efeito da iluminação no cenário. Barroso ao chão.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0610677/CA
Page 55: 6 Um Belo Horizonte para a TV - DBD PUC RIO um teste, exibindo a imagem do relógio da igreja São José. A partir de então, vale notarmos que a novidade da imagem e áudio gradualmente

231

Simplesmente, elas são descritas como música linda russa, árabe, recolhida do

balé etc. Em datas especiais como o Natal, vimos que as peças se pautavam em

consagrados repertórios musicais. Na transmissão do texto Partorzinho de Belém,

por exemplo, utilizaram-se faixas de música com coro celestial e sacro para

denotar o espírito natalino. Posterior a esta peça, Barroso teleteatralizou Fantazia

de Natal, cujo estilo se diferenciou das demais peças a partir do momento em que

as cenas exigiram apenas música e movimentos dos atores. No set da Itacolomi,

aos poucos tomaram a cena uma menina bailarina, um casal de bailarinos, uma

cantora, um mágico, paraquedistas e um Papai Noel. Para contar a triste história

de uma garota pobre que, no Natal, desejava um simples brinquedo, todo o script

explorou os efeitos de sonoplastias e a função das rubricas, as quais coordenariam

todas as ações e expressões faciais dos atores.

Quanto ao cenário, este sempre foi uma das preocupações dos

produtores. Na época, utilizavam-se painéis, pintados, e toda sorte de objetos e até

animais para compor o ambiente. Aos poucos, essa realidade buscou outros

recursos e novos investimentos. Para Barroso, era essencial que os painéis

adequassem à história encenada. Caso as encenações fossem transmitidas em dois

ou mais capítulos e demandassem

três ou quatro cenários, a

construção do cenário era menos

dispendioso para a emissora. Logo,

podia-se pensar na riqueza de

detalhes e exigir mais qualidade.

Todo esse trabalho criterioso

rendeu a Barroso, em 1963, uma

placa de melhor produtor de

televisão em Minas Gerais.

Em depoimento, o artista cita a telepeça A lenda do Crisântemo. Tecidos

extensos, por exemplo, tomaram o cenário, denotando a riqueza do cenário. Os

figurinos coloridos e longos também chamaram a atenção por retratarem o mundo

asiático. Mundo este culturalmente diferente da realidade brasileira.

Figura 125. A lenda do crisântemo: cenário montado com tecidos.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0610677/CA
Page 56: 6 Um Belo Horizonte para a TV - DBD PUC RIO um teste, exibindo a imagem do relógio da igreja São José. A partir de então, vale notarmos que a novidade da imagem e áudio gradualmente

232

Os cenários de

ambientação medieval nas

teleteatralizações das histórias para

crianças eram constantemente

explorados. Com poucos objetos e

painéis imitando paredões de pedra,

estava montado o cenário das

terríveis bruxas da literatura

infantil.

Para o espaço interno dos

palácios, longas cortinas, painéis com suas janelas e poucos móveis demarcavam

o cenário característico do período retratado. De acordo com a telepeça, três a

quatro cenários diferentes eram necessários.

Todavia, em alguns momentos, a simplicidade desenhou os cenários.

Embora Barroso não tenha em arquivo imagens de muitas das montagens, pelos

scripts encontramos vários cenários como o set de choupana, de grutas, de

eremitas, de manjedoura, de floresta, de circo e tantos outros.

Como a TV em seus primeiros vivenciava dificuldades em sua estrutura

financeira, muitos elementos como cortinas, sofás, paredes, janelas e tantos

outros, transitavam de um programa para outro, de uma peça para outra.

Na concepção de Barroso, a criatividade também era essencial, pois

pequenos detalhes fariam diferença no momento da encenação na TV.

Figura 128. Cenário da peça A princesa encantada. Ao fundo, contraste entre painéis e parede do estúdio da Itacolomi.

Figura 126. Cenário medieval de uma das peças do programa Histórias que Vovó Contava.

Figura 127. Cortinas no cenário da peça A princesa encantada, do programa Histórias que Vovó Contava.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0610677/CA
Page 57: 6 Um Belo Horizonte para a TV - DBD PUC RIO um teste, exibindo a imagem do relógio da igreja São José. A partir de então, vale notarmos que a novidade da imagem e áudio gradualmente

233

Outro dado que merece destaque seria a estratégia de propaganda

utilizada nas transmissões dos teleteatros infantis. Por vários momentos, Barroso

estabeleceu formas apelativas de divulgar os produtos do patrocinador dos

programas. Em todos os scripts, durante os quatro anos de exibição das histórias,

aparece um único patrocinador: a Livraria Frei Leopoldo.

Talvez por ter alcançado importância entre os programas infantis na

telinha de Minas, os teleteatros, no período de 15/10/60 a 18/03/61, em que se

encenou Bim Bim, Joãozinho mais Maria, Pinóchio, O príncipe encantado,

reservou um grande espaço à propaganda. Nesses textos, ao participar da abertura

e do encerramento das peças, tal recurso, além de divulgar os materiais, promoveu

ainda concursos. Nas demais transmissões, verificamos que o texto propaganda se

ausenta dos scripts, passando a ocupar momentos antes das encenações. Segundo

Barroso, às vezes era muito difícil conseguir patrocínios, pois a TV estava

começando a sua história e muitos se mostravam receosos quanto ao seu poder de

divulgação.

Em Bim Bim, a primeira telepeça encenada, em seu 2° capítulo e na

primeira página, a propaganda abriu o programa Teatro da Carochinha. Nesta

telepeça, podemos ler:

SONOPLASTIA – TEMA LIVRE GERALDO – Bôa tarde amigos. Hoje voltamos a estar com vocês, para apresentar-lhes a continuação da história que sábado passado vocês começaram a ver. (TOM) – Vocês naturalmente

Figuras 130. Set Choupana, cenário da peça A felicidade voltou a reinar, do programa Histórias que Vovó Contava.

Figuras 129. Cenário da telepeça Iaiá, a boneca do Grande Teatro Lourdes. Mesma cortina e sofá utilizados em outras telepeças infantis.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0610677/CA
Page 58: 6 Um Belo Horizonte para a TV - DBD PUC RIO um teste, exibindo a imagem do relógio da igreja São José. A partir de então, vale notarmos que a novidade da imagem e áudio gradualmente

234

não poderiam deixar de saber, que lhes oferece êste programa, é a LIVRARIA LEOPOLDO, um dos departamentos de Vendas da Indústria Gráfica Escolar Ltda; [...].

No final da transmissão, ao mesmo tempo em que o adaptador buscou

manter a curiosidade dos pequenos para assistirem ao próximo capítulo da

história, ele mencionou sobre o concurso oferecido pela Itacolomi em parceria

com a Livraria. Frente à câmera, o ator explicou:

GERALDO – (FECHANDO O LIVRO) Esta é a história de hoje... (TOM). O que será feito das pombinhas... Por onde andará o Príncipe... Sábado próximo, eu contarei mais um pedaço da história... (TOM) – (MOSTRA BRINQUEDOS) – E vocês podem ganhar todos os sábados, basta que escrevam no verso do talão de compra da Livraria Frei Leopoldo o seu nome, o endereço e mais nada. Mande para a Televisão ITACOLOMI ou coloquem na urna que está na Livraria Frei Leopoldo, na Praça Raul Soares, n° 431. Com isto VOCÊ estará concorrendo a um prêmio de vinte mil cruzeiros, outro de doze e outro de cinco no fim do ano. Até sábado com nossa história da Carochinha. (p. 5).

Nas demais transmissões, uma personagem Fada e Barroso passaram a

dividir esse papel. Como toda criança é apaixonada por seres encantados, nada

mais estratégico que uma linda fada para mantê-los antenados nos propósitos

implícitos no texto propaganda, como entreter, aconselhar, educar e consumir os

produtos da livraria.

Semelhante ao casal Tatiana Belinky e Júlio Gouveia, Barroso entendia

que era preciso saber que produto se divulgaria num programa próprio para

criança. Logo, falar sobre materiais escolares seria o ideal, já que estes, por

fazerem parte do contexto educacional, jamais poderiam deixar de ser

consumidos. Todos os produtos, de uma forma ou de outra, contribuiriam para

ampliar o repertório cultural dos pequenos.

No decorrer do ano, o texto de propaganda fazia menção a datas

importantes da realidade brasileira, como, por exemplo, preparação das crianças

para iniciar os estudos, os dias de carnaval, de férias, de Natal. Na intenção de

intensificar o consumo, a cada uma dessas datas, Barroso produzia um novo texto,

cuja estrutura discursiva teria que trazer uma correspondência entre o contexto

retratado e os produtos oferecidos pela livraria.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0610677/CA
Page 59: 6 Um Belo Horizonte para a TV - DBD PUC RIO um teste, exibindo a imagem do relógio da igreja São José. A partir de então, vale notarmos que a novidade da imagem e áudio gradualmente

235

Na primeira apresentação da telepeça, Pinóchio, as palavras em letra

maiúscula possivelmente deveriam ser pronunciadas com ênfase, denotando,

assim, certa importância entre as demais por revelarem os propósitos desejados.

No momento de abertura do programa, Barroso escreveu:

FADA – Bôa tarde, meus amiguinhos. Aqui estamos para o nosso primeiro encontro do ano de 1961. Daqui mais alguns dias o ano letivo se inicia e então vocês voltarão à escola. Há os que irão pela primeira vez cheios de sonhos. É que todo garoto bonzinho faz: VAI A ESCOLA QUERENDO APRENDE O MAXIMO. A LIVRARIA FREI LEOPOLDO tem tudo aquilo que você precisa para estudar. Cadernos, livros, material para desenho. Para aluno do curso primário, secundário etc... Queremos também lembrar aos senhores professores, diretores, que o estoque de mapas, material para aulas também está a disposição dos senhores e atualizado. LIVRARIA FREI LEOPOLDO, Praça Raul Soares, 431. E agora vamos passar para a nossa sala de refeições. BARROSO (SAUDAÇÕES GAROTOS/MOSTRA LIVROS, BRINQUEDOS etc) E agora vamos para nossa história... (p. 1).

No 4° capítulo, depois de cumprimentar o público telespectador, a

personagem Fada, de forma meiga e através de palavras de incentivo, fez menção

novamente aos estudos. Após referir-se a uma determinada realidade, isto é, o

período escolar em atividade, a personagem logo convidou Barroso e a cena,

assim, composta por rubricas e falas, transcorre:

FADA – Alô meus queridos amiguinhos. Como têm ido de aulas? Precizam estudar muito porque é de vocês crianças de hoje, que o Brasil precisa amanhã. Espero que vocês sigam os meus conselhos, estudem muito e comprem seus livros, todo o material escolar na Livraria Frei Leopoldo, praça Raul Soares, 431, um dos departamentos de INDUSTRIAS GRÁFICAS ESCOLAR LTDA. (OT) Também os mais belos brinquedos, vocês encontram na Livraria Frei Leopoldo. Hoje temos ótimas notícias para vocês. (OT) Vamos pedir ao Jotta Barroso para transmiti-las. (OT) Aqui está o Barroso com as boas notícias. Barroso: Boa tarde. (FAZ DEMONSTRAÇÃO FALA SOBRE CONCURSO TINTA PILOTO) Agora vamos entrar no Reino encantado da história, vamos ver o que está acontecendo com o nosso Pinóchio. CÂMERA ABRE NO SET DE PINOCHIO - CIRCO (OS BONECOS ESTÃO PARADOS NA MESMA POSIÇÃO DO FINAL DO CAPÍTULO ANTERIOR) BARROSO (ENTRA PELA CÂMERA) Aqui terminamos nosso último capítulo. Vocês estão curiosos para ver o que vai acontecer, pois vamos então vamos ver. (OT) (PARA OS BONECOS). (p. 1).

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0610677/CA
Page 60: 6 Um Belo Horizonte para a TV - DBD PUC RIO um teste, exibindo a imagem do relógio da igreja São José. A partir de então, vale notarmos que a novidade da imagem e áudio gradualmente

236

Como podemos observar, nesse momento, Barroso fala do concurso,

todavia não apresenta os detalhes da proposta.

Na primeira apresentação da telepeça Joãozinho mais Maria, por ser época

de Natal, entre os prêmios ofereceu-se um trenzinho elétrico – um dos brinquedos

cobiçados pelas crianças da época. Mergulhando no universo da fantasia da

criança, ao falar do Papai Noel, o texto traz:

FADA – Boa tarde meus amiguinhos, aqui estou mais uma vez trazendo para vocês o TEATRO DA CAROCHINHA, numa oferta gentil da Livraria FREI LEOPOLDO à praça Raul Soares, 431. (OT) Já estamos no mês depressa possível na Livraria Frei Leopoldo, na praça Raul Soares, 431, para ver, escolher o brinquedo de sua predileção. Papai Noel dará a você aquilo que for escolhido por você. No dia vinte e quatro de Dezembro, faremos o sorteio dos prêmios prometidos... Um crédito de vinte mil cruzeiros para o primeiro, um TREM ELETRICO no valor de dezoito mil cruzeiros para o segundo, e um credito de cinco mil cruzeiros para o terceiro. (p. 1).

Essas e tantas outras realidades de encenação na TV podem ser

encontradas nos scripts do teleteatro infantil de Barroso.

Na análise aqui empreendida, como leitores de roteiros, pudemos conhecer

um pouco o processo de adaptação.

Assim, a partir das versões dos textos da literatura de origem estrangeira

e outros pertencentes ao folclore brasileiro, esse artista buscou levar à criança

mineira imagens de encantamento e de magia. Universo este que lhe era próprio,

capaz de sanar suas dúvidas, aguçar sua imaginação e estimular seu intelecto.

Embora, dentre as atividades de sua trajetória profissional, essa fosse a

primeira e única vez em que o artista tenha se dedicado ao mundo infantil,

Barroso se empenhou em apresentar bons textos que ficariam marcados na

memória dos pequenos telespectadores. Desejava, portanto, que tudo tivesse o

gosto do “para sempre”.

No entanto, entre atropelos e vitórias, próprios da profissão, em

entrevista29, o artista mineiro confessa que a sua paixão pela arte de representar

colocou, em segundo plano, uma vida inteira. Por isso, ele viveu à sombra de

29 Entrevista realizada em 28/07/06.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0610677/CA
Page 61: 6 Um Belo Horizonte para a TV - DBD PUC RIO um teste, exibindo a imagem do relógio da igreja São José. A partir de então, vale notarmos que a novidade da imagem e áudio gradualmente

237

outros eus, isto é, os personagens do teatro, do rádio, da tevê e do cinema. Mas,

em uma de suas últimas entrevistas, confessou orgulhoso que: “Gosto muito da

vida e sou artista. Então gosto de tocar o coração das pessoas é com minha

imaginação.”

Longe dos palcos, dos microfones, das telas, mesmo orgulhoso de sua

trajetória artística, Barroso, agora se sentia só.

Em 2006, esses eus se encontraram. Neste momento, o cidadão, José

Barroso, extremamente lúcido, subiu ao palco e encontrou o ator, Jotta Barroso, e

juntos encenaram o ato final de uma vida. No dia 21 de setembro, faleceu o artista

na sua cidade natal, Visconde do Rio Branco. Neste dia, toda a cidade para assistir

a sua última cena.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0610677/CA