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6 Um Belo Horizonte para a TV
A vida imita a arte muito mais do que a arte imita a vida.
Oscar Wilde
Ao contar com 5 anos de história, a TV brasileira também alcança as
Minas Gerais. Em novembro de 1955, Belo Horizonte receberia mais um
componente parceiro dos Diários e Associados: a TV Itacolomi, canal 4.
Embora essa emissora tenha chegado mais tarde, na capital mineira,
veremos que ela não seguiu um percurso diferente das demais estações em
funcionamento no eixo Rio-São Paulo. Assim, enfrentou as dificuldades próprias
do veículo com relação, por exemplo, aos processos técnicos, aos contornos
estéticos, à qualificação profissional, bem como a sua deficitária estrutura
mercadológica numa cidade que prometia se tornar moderna por abandonar seu
perfil de pólo administrativo em prol do progresso industrial.
A partir dessas discussões preliminares, neste último capítulo,
pretendemos discorrer sobre a programação infantil, tendo como foco a produção,
encenação e veiculação do teleteatro na TV de Minas Gerais. Ao priorizar uma
abordagem de estudo de caso, finalizamos, assim, nossa proposta de pesquisa,
cujo objetivo foi inventariar e analisar a inserção da experiência artística teleteatro
para criança nas primeiras emissoras de canal comercial/aberto do país.
Embora o gênero teleteatro perca seu glamour no espaço televisivo, em
meados da década de 60, outros, sobretudo da categoria infantil, ainda
permaneceram no ar e fizeram parte do imaginário de uma grande parcela da
sociedade brasileira. Neste contexto, tem-se o trabalho de Jotta Barroso, que, de
1960 a 1964, produziu uma série de adaptações da literatura infantil, sobretudo de
tradição estrangeira, através das câmeras da TV Itacolomi. Diferente da maioria
dos teleteatros mapeados anteriormente, o referido artista teve o devido cuidado
de preservar todo o acervo de fotos, as matérias de jornais e revistas e também os
scripts, referentes à produção de teleteatros infantis, de radioteatros para adultos e
de cinema.
Através de uma transmissão basicamente regional, o cenário do faz-de-
conta ganha significativa importância na programação da terceira emissora do
empresário das comunicações: Assis Chateaubriand.
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Dessa forma, a literatura infantil, antes rendida aos encantos da palavra
oral e escrita, aventura-se de cena em cena no seu mais novo e acolhedor espaço, a
televisão, ampliando, num processo semiótico, ainda mais o universo dos bens
culturais na capital mineira. Nesta inserção, o audiovisual estabelece, ao decorrer
dos anos, uma relação de estreita cumplicidade com esse povo de tímidos olhares.
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6.1 Entrando em cena...
Quando todo novo invento surge, não é difícil notarmos como logo ele
alcança certo fetichismo, vindo, assim, a construir uma série de histórias a partir
do momento em que busca se tornar uma realidade do cotidiano e cumprir sua
função. A televisão pode ser um exemplo notório dessa concepção, pois como
alega Carlos Fabiano Braga (1997), “se um caso simples pode ter mil versões,
imagino que uma história rica e complexa como a da TV Itacolomi tenha
milhões.”
Assim, desde os instantes iniciais, a telinha
se constrói revestida por esta caracterização. Toda a
história de amor entre Minas e a TV apresenta seus
primeiros sinais um ano após a instalação da primeira
estação, a TV Tupi, de São Paulo, empreendida pela
ousadia de Francisco Assis Chateaubriand, dono de
uma das maiores cadeias de jornais e revistas instaladas nos grandes centros do
país. Porém, por empecilho do governo Federal, somente em 1954, o audiovisual
se tornou uma realidade em Minas.1
Batizada a princípio como TV Rádio Guarani, o audiovisual, sem uma
explicação plausível de seu empreendedor, recebe o nome de TV Itacolomi, canal
4. Segundo curiosos, reside aí “uma referência ao pico do mesmo nome, que se
eleva acima do horizonte mineiro” (VAZ, 1995, p. 14). Mas o veículo, até então,
alcançava somente as cidades vizinhas da capital como Sabará, Nova Lima, Caeté
e Betim.
Orgulhosa, a Itacolomi entra para a história da TV brasileira como a
terceira emissora do grupo dos Diários e Associadas, a pioneira no Estado de
Minas e a primeira emissora em que todo o equipamento, encomendado à RCA
Victor, dos Estados Unidos, foi exclusivamente montado, para a surpresa de
Chateaubriand, por técnicos mineiros “que nunca sequer haviam visto uma
imagem de televisão antes, pois isto era novidade no mundo todo” (Ibidem, p. 17).
Fato este considerado, pelos próprios fabricantes norte-americanos, como uma 1 Somente após o falecimento de Getúlio Vargas, com quem o referido empresário da comunicação não dispunha de laços amistosos com relação à posição de ideias políticas, que a Itacolomi é inaugurada (VAZ, Ibidem).
Figura: 65. Logotipo da emissora
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façanha de engenharia, em função da tecnologia do equipamento na época. Nesta
história, a responsabilidade estava nas mãos de Victor Purri, então estudante de
engenharia da Universidade de Minas Gerais, experiente em radiodifusão. Nesses
anos, o jovem ocupava o cargo de técnico na Rádio Guarani.
Depois de escolhida toda a parafernália, a mais moderna da época, como
um transmissor de 10 kw, 5 câmeras, sendo três para o estúdio e duas para o
caminhão de transmissão externa, uma antena de grande alcance (100 metros de
altura), sem esquecer, também, a localização e o canal, a TV estaria pronta para
funcionar.
Segundo José Vaz de Oliveira (1995), ex-superintendente comercial da
emissora, a adaptação desses equipamentos exigiu muito empenho dos técnicos e
dos ajudantes braçais. A instalação da antena, no edifício O Acaiaca, acarretou
inúmeras dificuldades. Produziu, assim, uma verdadeira epopeia em torno do fato,
pois a equipe teria que lidar com uma antena pesada e de grande extensão, e
instalá-la num prédio, o mais alto da cidade e localizado numa das avenidas mais
movimentadas de Belo Horizonte, a Avenida Afonso Pena. Além dessas
condições, o trabalho estava sujeito a intempéries, que não deram trégua.
Os dois andares, 23º e 24º, os quais seriam ocupados pelos equipamentos
e se tornariam estúdios, exigiram, de igual modo, novos esforços do grupo no
tocante à remodelagem do espaço.
Porém, nesse tempo, outros problemas de caráter também urgente
precisavam ser resolvidos, pois como todo empreendimento televisivo no país era
um universo em construção, traduzindo-se num verdadeiro aglutinador da
linguagem do cinema, do teatro e, em especial, do rádio, a Itacolomi não fugiria
desta lógica.
Quanto ao financiamento do novo projeto de Assis Chateaubriand, a elite
industrial e bancária de Belo Horizonte se viu irremediavelmente sucumbida aos
desejos do dono dos Diários e Associadas.
Outro fato excepcional que ilustra a competência deste empresário para
gerir grandes negócios refere-se à concessão dada pelo governo Federal
permitindo às Associadas ter poder sobre mais um canal, o que, em tese, infringia
o princípio de que era proibido um mesmo grupo explorar dois canais de TV
numa mesma cidade. Na verdade, tal fato se deu quando, depois de dois de
instalada a TV Alterosa, canal 5, em 1964; O Estado de Minas aceitou ser
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parceiro de uma associação de empresários mineiros para que Belo Horizonte
tivesse mais uma estação de TV e demonstrasse, assim, sua articulação
promissora frente aos novos paradigmas ditados pela modernidade.
Ao contrário da pioneira Itacolomi, cassada na década de 80, a referida
emissora funciona, até os dias de hoje, transmitindo, através do sistema de rede e
em grande parte dos horários, a programação do canal SBT, além de manter
produções locais na área de noticiários e esporte. Instalada no antigo prédio sede
da TV Itacolomi, O Acaiaca, o sinal de cobertura da Alterosa alcança mais de
90% das cidades mineiras, até o presente momento.
E ainda que o grupo das Emissoras Associadas tivesse vivenciado sua
derrocada no empreendimento televisivo, em 1980, o mesmo não se pode dizer a
respeito de outros investimentos do grupo no universo das mídias. A título de
ilustração, somente na capital mineira, os diários de Chateaubriand, além do
referido canal de TV, controlam ainda os jornais O Estado de Minas (1928),
Aqui BH (2005); a rádio Guarani AM (1943) e FM (1980), o Teatro Alterosa
(1993), o Portal Uai (1995), a produtora de comerciais Alterosa Cine-vídeo, a
Revista Ragga (2005).
Todavia, meses antes da inauguração, em abril, a TV Itacolomi já havia
realizado um teste, exibindo a imagem do relógio da igreja São José.
A partir de então, vale notarmos que a novidade da imagem e áudio
gradualmente começava a ser parte integrante do cotidiano da acolhedora capital
mineira, cuja população, na época, contava, aproximadamente, com 500 mil
habitantes. À proporção que novos testes foram sendo realizados, a credibilidade
do veículo, por conseguinte, aumentava. Os comerciantes da capital, por exemplo,
trabalhavam, mês a mês, lançando várias promoções com o objetivo de
intensificar o consumo do aparelho.
Nesse período de experimentação, a telinha se valeu das imagens dos
filmes, cedidos ou alugados pelas embaixadas inglesa, francesa e alemã, pela
distribuidora Cinecastro e Thiers Moreira ou, até mesmo, recorreu àqueles
pertencentes à coleção de particulares. A partir dessa carência de material, a TV
sinaliza, de certa forma, a precariedade cultural que envolvia a capital mineira.
Neste sentido, é esclarecedora a explicação do ex-diretor de programa musical
Fernando Barroca Marinho (Apud VAZ, 1995, p. 25):
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Belo Horizonte não tem recursos do Rio e São Paulo, assim, vali-me dos excelentes empréstimos do serviço de filmes do ISIS [...] E assim catando aqui e ali, fomos levando o cinema para a televisão, pois não havia produção de filmes especiais para televisão, como veio a ocorrer depois, sendo o primeiro deles a série de aventuras do Rin-Tin-Tin2.
Tal conscientização se deu quando este profissional estagiou por dois
meses, em 1954, nas Tupis de São Paulo e do Rio de Janeiro, onde teve a
oportunidade de conhecer, por exemplo, o trabalho de Cassiano Gabus Mendes,
Luís Galon, Mário Provenzano. De toda a equipe da direção artística da TV
Itacolomi, somente ele recebeu esta incumbência, cujo intuito era conhecer as
experiências artísticas constantes na programação das referidas emissoras para,
assim, conforme a realidade organizacional da Itacolomi, trilhar um caminho
semelhante. De fato, veremos adiante que, de bênção em bênção, a irmã mais
nova das Associadas ganhou dimensão nas Gerais, seja pela adesão a experiências
já consagradas nas emissoras do eixo Rio-São Paulo, seja pela ousadia de exibir
uma produção independente, pautada na realidade local.
No processo da constituição do canal, a composição do cast também
demandaria tempo, pois a TV Itacolomi era a primeira do Estado e, logo, era
quase impossível contratar profissionais que houvessem conquistado experiência
nesse meio de comunicação. De imediato, os novos funcionários precisariam
entender que a TV ainda se encontrava num momento de puro empirismo. Logo, o
veículo estava sujeito a correr riscos, os quais poderiam, em sua grande maioria,
ser sanados pela capacidade de criatividade e dedicação de cada um.
Para compor o quadro artístico e comercial da Itacolomi, recrutou-se um
número significativo de profissionais, sobretudo, da rádio Guarani (1936), a
segunda emissora de rádio da capital e afiliada ao império de Assis
Chateaubriand. Assim, desde o início de seu funcionamento, a tevê mineira – a
exemplo da Tupi e suas co-irmãs – permitiu a atores, diretores, autores,
cenógrafos e figurinistas, com experiência no rádio e/ou teatro, apresentarem seus
talentos diante ou por trás das câmeras de TV.
Mas, antes mesmo desses espaços de difusão da cultura (cinema, rádio e
TV) consolidarem-se, no contexto social de Belo Horizonte, a arte de interpretar
2 Grifo nosso.
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se resumia aos palcos das artes cênicas. Embora a famigerada tradicional família
mineira, mergulhada em valores sociais conservadores, mostrasse certa rejeição
para com esta arte – aspiração profissional de muitas jovens mulheres – Minas
sempre teve uma vocação teatral. Desde os tempos do Império, os espetáculos de
óperas eram encenados nas grandes casas de teatro de Ouro Preto, Sabará e São
João Del’Rey, conforme afirma o jornalista Jorge Fernando dos Santos (1995).
Por isso, a capital somente assiste ao florescimento de seu teatro por
volta dos anos 40, e, semelhante às metrópoles, a referida manifestação artística
busca se organizar e ganhar legitimidade social. Mesmo que a história das artes
cênicas no contexto mineiro não contasse com um número expressivo de grupos,
como se identificou em São Paulo e no Rio, os poucos existentes na capital foram
de fundamental importância para o reconhecimento desta prática enquanto
investimento profissional futuro e manifestação cultural de grande transformação
social, capaz de despertar as emoções e estimular a reflexão humana.
Para completar o cenário artístico de Belo Horizonte, ao menos duas
vezes ao ano, companhias de teatro paulista e carioca se mobilizavam e faziam
extensas temporadas. Ao mencionar sobre a vinda da companhia da atriz Tônia
Carrero, do diretor Adolfo Celi e do ator Paulo Autran, em 1957, à cidade das
Alterosas, o ator e pesquisador Jota d’Angelo descreve que “era um
acontecimento, um fato raro, emocionante, uma oportunidade ímpar para aprender
mais alguns segredos da profissão do ator” (D’ANGELO, 2009, p. 31). O impacto
da presença desses grandes nomes do teatro se estendeu também ao público
infantil, o qual assistiu, na mesma época, ao Rapto das cebolinhas, da mineira
Maria Clara Machado.
Conforme a proposta deste capítulo, citaremos dois grupos belo-
horizontinos que tiveram intensa repercussão no cenário teatral da cidade e,
consequentemente, contribuíram para a consolidação da linguagem radiofônica e
televisiva, nos anos 50 a 60, na referida cidade.
Um nome pioneiro do teatro moderno na capital mineira foi Luiz
Gonzaga de Oliveira (1907-1991), que, em 1937, então com 30 anos, mudou-se
para Belo Horizonte, onde teria a possibilidade de continuar sua carreira de ator.
Em 1940, fundou o grupo de teatro amador: Teatro do Estudante. Apesar do
convívio diário com a ditadura militar, o rapaz de Entre Rio de Minas, além de
atuar, dirigir e produzir, ainda tornou-se o primeiro crítico teatral da Folha de
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Minas e do Jornal de Minas. Ao fazer da arte do espetáculo a sua vida, este
mesmo artista, pioneiro no teatro mineiro, assume, dez anos depois, a Escola
Mineira de Artes Dramáticas3, a terceira do país, após a tradição de ensino das
escolas de Martins Pena (1911) e O Teatro de Estudante (1948), do Rio de
Janeiro; e Escola de Arte Dramática (1948), de São Paulo. Diferente destas
instituições, o centro mineiro buscou também a formação de autor, e, através do
grupo Comediantes Mineiros, encenava peças prestigiadas por Madame Henrique
Morineau.
Contemporâneo ao Teatro do Estudante, criou-se o grupo de teatro
Troupe, que posteriormente passou a ser conhecido como Conjunto F., nome de
seu fundador. Após deixar Ouro Preto aos 16 anos, F. Andrade (1914-1984), seis
anos depois de residir na capital mineira, teria o teatro como profissão. Ao
acreditar na possibilidade de uma dramaturgia própria, muitos autores da cidade
se projetaram a partir de suas encenações.4 Desde apresentações na Colônia
Portuguesa aos palcos do elegante Teatro Francisco Nunes e em tantos outros, o
grupo encenou, para o público, peças de dramaturgos famosos, de Oduvaldo
Viana a Shakespeare.5 Pelas mãos deste encenador e autor de dramaturgia6, que
também faria carreira em todas as rádios de Minas – Rádio Mineira, Guarani e
Inconfidência – passaram muitos atores. Anos depois, a maioria desses
profissionais seriam nomes de destaque na arte cênica de Belo Horizonte,
chegando a integrar-se, em momentos diferentes, em mais de um grupo, e ainda
nas suas sucessivas divulgadoras: o rádio e a TV.
Embora a fonte maior de pessoal da TV Itacolomi fosse o rádio, muitos
atores de teatro contribuíram para a construção da linguagem do veículo. A
respeito dessa intersecção entre esses suportes de difusão cultural, nos valemos da
afirmação do estudioso Jorge Fernando dos Santos (2009, p. 92) que escreve:
3 Os atores João Cocco, Palmira Barbosa, Armando Panetti e Otávio Cardoso foram os fundadores da referida escola. 4 Na época, como bons autores, F. Andrade destaca José Mamede Silva, Djalma Andrade, Aníbal Mattos, Tabajara Pedroso, Artur Marques, Lígia Póvoa e Luiz Gonzaga de Oliveira (SANTOS, 1995). 5 Além destes, vale citarmos outras casas de espetáculos, como: Cines Brasil, Leão XIII, Glória, Democrata. 6 F. Andrade escreveu as peças Sonhos de mocidade, Filhinho da mamãe, Uma história do outro mundo, e a radionovela O grande amor de Marília, transmitida pela Rádio Tupi, de São Paulo.
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Na Belo Horizonte do final dos anos 50 e início dos 60, se a TV Itacolomi oferecia o espetáculo da imagem ao vivo, as emissoras de rádio mantinham programas de auditório, séries de radioteatros e radionovelas (que iam ao ar durante o dia), além de programas para crianças. Atores de teatro e TV também trabalhavam nos programas radiofônicos. Outros já os haviam trocado de vez pela TV, como foi o caso de Rodolfo Mayer e Paulo Gracindo, ambos no Rio de Janeiro.
Para o elenco de teleteatro, contrataram-se atores de teatro de palco,
muitos dos quais pertencentes ao elenco de radioatores da Guarani. Esta tarefa
coube a Luiz Panzi, um dos locutores da Rádio Guarani, que convidou nomes de
fama do microfone do sem-fio como Salvador Alberto, Palmira Barbosa, Otávio
Cardoso, Dora Serpa, Ana Lúcia e Antônio Kattah, Ferreira Leite, Santinha
Amaral, Sheila Jordani, Ivan Lerroux, Íris Tecles, Magda Lenard, Elvécio
Guimarães, Ary Fontenelle, Clóvis Prates e Roberto Márcio.
Vale dizermos que muitos desses artistas, assim como era comum no Rio
de Janeiro e em São Paulo, acumulavam trabalhos na capital mineira, atuando,
concomitantemente, nos grupos de teatro, no rádio e na TV. Da mesma rádio,
vieram os profissionais da costura e do guarda-roupa: Cezira Diniz, Floripes
Cappai e Elsa Soares, bem como os contra-regras Ivan Lerroux, Sérgio Naves,
auxiliados por José Domingos das Chagas e Sebastião Sabino Borges. A esta
constelação de nomes se acrescentam, por exemplo, profissionais na área de
locução, de iluminação, de maquiagem, de música, de maquinistas-montadores, de
operação de microfone.7 A equipe de produtores artísticos contou com o trabalho
de Vicente Marinho, João Batista Bacalhau, Ferreira Leite e Vicente Prates.
Porém, somente dois meses após a inauguração – período
correspondente à experimentação do veículo na capital mineira – que esse pessoal
do rádio e do teatro começou a fazer parte da folha de pagamento da emissora.
Anterior a isso, segundo Carlos Fabiano (1997), a responsabilidade era da Rádio
Guarani ou a emissora de TV pagava por cachês.
Para esses profissionais, dentre tantos outros novos contratados, a TV
mineira, sem a tecnologia do videoteipe, representava um grande desafio: produzir
uma programação local, nos moldes do ao vivo. 7 A grande maioria dos nomes dos profissionais contratados pela TV Itacolomi, nos seus primeiros anos de funcionamento, pode ser encontrada no livro TV Itacolomi: sempre na liderança (1995), da autoria de um dos seus mais antigos funcionários do departamento comercial: José de Oliveira Vaz.
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Na ausência de cursos de capacitação profissional para atuação em TV,
não faltaram os erros, as improvisações, os ajustes, as adaptações até que se
encontrasse a própria especificidade estética e técnica do novo meio de
comunicação. Logo, em muitos casos, o próprio veículo era a verdadeira escola.
Para os técnicos, a dificuldade estava em dominar a complexidade dos
equipamentos relativos, por exemplo, ao corte de cena, ao enquadramento, à
filmagem. Nesse momento, a linguagem de cinema seria a grande mestra.
Ressaltamos que, às vezes, a experimentação por que passava a telinha
chegava aos extremos, a ponto do veículo ver-se impossibilitado de contornar
determinados problemas. Neste sentido, José Oliveira Vaz (1995, p. 28) escreve,
conforme palavras do ator veterano de teatro e de TV, Elvécio Guimarães, “que
muitos atores e atrizes, que eram excelentes no rádio, se inibiam de tal forma
diante de uma câmara, que acabaram sendo deslocados para outros setores da
emissora.”
Semelhante a outras emissoras, era muito comum os novos contratados
apresentarem certa ineficiência na interpretação corporal frente à câmera. Todos
tinham consciência da necessidade de aprimoramento, porém as chances eram
mínimas, pois a cidade não contava, na época, com uma escola de formação para
ator de TV. Apenas o teatro oferecia cursos em virtude da fundação da Escola
Mineira de Arte Dramática, em 1955. Logo, a aprendizagem na emissora
acontecia em equipe e paulatinamente descobria-se a gramática televisiva.
Na intenção de vivenciar por menos tempo esse período de empirismo, a
Itacolomi recorria às co-irmãs pioneiras, TVs Tupi paulista e carioca. De acordo
com a necessidade, elas permitiam que muitos de seus artistas de renome fossem
contratados para intensificar a qualidade artística da emissora mineira e, por
conseguinte, ganhar a credibilidade do público telespectador, ainda cético com
relação à capacidade de transmissão do veículo. Esse intercâmbio era comum
também no rádio, neste caso, a Rádio Guarani. Reproduzindo normalmente os
mesmos tipos de programas, em ambos os veículos, os belo-horizontinos
conheceram o talento de Ary Barroso, Rodolfo Mayer, Dalva de Oliveira, Sivuca,
Eva Todor, Cacilda Becker, Ziembinsky, Lolita Rodrigues, Chico Anísio, dentre
outros.
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A chegada dessas estrelas no Edifício Acaiaca, sobretudo aquelas dos
programas da rádio Tupi, mobilizava um grande número de pessoas. Muitos fãs
não perdiam a oportunidade de ver pessoalmente seus ídolos.
Ainda que onerasse as despesas da Itacolomi, essa prática era uma
constante, uma vez que a vinda dos profissionais do Rio e de São Paulo
proporcionaria novos aprendizados e conquistas na arte de fazer TV. Logo, a
programação seria praticamente idêntica às outras emissoras das Associadas.
Antes disso, porém, receosos de que a
TV pudesse fracassar, devido a diversos fatores
como, por exemplo, a inexperiência de seu
corpo de pessoal, seus produtores resolveram
fazer uma grade de horários em caráter
experimental, exibida durante novembro, o
mês de sua inauguração, e dezembro
Segundo registros, é no dia 8 de
novembro de 1955, que a capital mineira
recebe, definitivamente, o mundo do ‘rádio de
imagens’. Às 19:30, oficializou-se o grande intento, o qual seria agraciado com
uma série de programas especiais no decorrer de toda a semana.
A dimensão que tomou o acontecimento preencheu páginas e mais
páginas dos jornais e revistas mineiras e de outros Estados. Em Belo Horizonte, a
Figura 66. Na TV Itacolomi, Cacilda Becker, Welma Faz, e Bertha Levy, ao fundo. (Fonte: VAZ, 1995, p. 162)
Figura 67. Locutor Bernardo Grimberg e José Oliveira Vaz acompanham Ary Barroso (ao centro), que apresentaria, na TV Itacolomi, o programa Bate Papo com Ary. (Fonte: VAZ, 1995, p. 162)
Figura 68. Chico Anísio na TV Itacolomi.
(Fonte: http://wwww.fabiano.pro.br)
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grande maioria dos meios impressos se mobilizou para noticiar o evento, desde as
primeiras imagens a festas isoladas dos idealizadores da nova emissora.
Não diferente das demais inaugurações das Associadas em São Paulo e
no Rio de Janeiro, discursos inflamados sobre a modernidade proporcionada pelo
novo veículo, o qual representava um passo definitivo para o desenvolvimento
econômico e cultural da capital, marcaram a solenidade.
Nestes primeiros momentos, após o
discurso de abertura de Assis Chateaubriand,
autoridades políticas, como o Presidente da
República, Juscelino Kubitschek e o governador
de Minas, Clóvis Salgado, comentaram sobre a
importância do veículo na capital. Em seguida, o
superintendente, Victor Purri, o diretor dos
Diários Associados em Minas, Newton Paiva
Ferreira e padrinhos da emissora, os banqueiros
Cristiano Guimarães e Ana Amélia Faria
também fizeram uso da palavra. A presença de
tantas outras pessoas da alta sociedade de Minas e do país contribuiu ainda mais
para a importância da solenidade. A bênção foi dada pelo arcebispo Dom Antônio
dos Santos.
Somente às 20:50, conforme escreve José O. Vaz (1995), entram em
cena, sob o patrocínio de respeitadas empresas e instituições de Belo Horizonte, as
Figura 70. Ana Amélia Faria, Madrinha da Itacolomi, em discurso. Ao lado, Dom Antônio dos Santos Cabral e o prefeito de Belo Horizonte, Celso Melo Azevedo. (Fonte: VAZ, 1995, p. 125)
Figura 69. Paulo Cabral de Araújo, à esquerda, discursando ao lado de Assis Chateaubriand. (Fonte: VAZ, 1995, p. 127)
Figura 71. Palmira Barbosa, atriz, em um comercial sobre uma esponja; transmissão ao vivo. (Fonte: BRAGA, 1997, p. 111)
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primeiras atrações: um recital do Coro Pró-Óstia, um número do Ballet de Minas
Gerais, quadros dos programas Divertimento Mobin, Honra ao Mérito, e, para
encerrar, Minas por Minas.8 Curioso notarmos que os poucos comerciais
apresentados ao vivo por garotas-propaganda como Nina Moore, Lady Francisco,
Magda Lenard, Ana Lúcia Kattah, Yara Lima, além de Vida Alves e Marly
Bueno, da Tupi paulista, foram, também, uma das grandes atrações da noite. Sem
os exageros da fala radiofônica, os produtos e suas peculiaridades eram exibidos
ao vivo por elegantes e belas apresentadoras, que, de igual modo, conviviam com
o cenário de improvisos e criatividade técnica e artística.
Antes das imagens irem ao ar, nos bastidores, um de seus
superintendentes, Victor Purri, resolveu que a inauguração da grade de horários, a
ser transmitida das 19 às 23h, deveria ser ininterrupta, livre de slides, de filmes,
com programas de 30 minutos apenas. Para a felicidade da emissora e de todos,
Barroca Marinho convocou o pessoal que iria atuar na festa de inauguração para
realizar um ‘teste final’. A decisão rendeu bons frutos, como contou, orgulhoso, o
diretor artístico Barroca (Apud VAZ, 1995, p. 32):
Um programa emendava-se ao outro. Sem entrevistas também. Apresentamos comédias curtas, teatro dramático, revista de bolso, balé, um minijornal, cortinas cômicas e o fato é que vencemos as quatro horas ininterruptas, sem qualquer nó nos programas, no estúdio ou na cabine. Tivemos que fazer até mapa com roteiro de movimentação para cada uma das três câmeras. Usamos um diretor de estúdio e quatro auxiliares, três maquinistas, iluminador, todo o cast 9do teleteatro, a orquestra, uma típica, dois pianistas, cantores e humoristas.
São essas experiências, substanciadas na realidade local belo-
horizontina, que definiriam, a partir de então, o norte da programação da
Itacolomi. Não diferente das demais emissoras do país, a TV na capital das
Alterosas buscou se pautar em experiências artísticas de configuração erudita,
tendo outros de feição popular. Como vimos anteriormente, seria através do
telespectador elitista que o veículo ganharia corpo e, tempos depois, nos anos 60,
vivenciaria a sua década de ouro.
8 Todos os detalhes da programação se encontram no Anexo 8. 9 Grifo nosso.
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Por ser uma emissora do grupo das Associadas, o jingle apresentava
novamente uma figura de fama na TV: um indiozinho que, em uma escada,
pintava o mapa do Brasil e um coro cantava ao fundo: “TV Itacolomi, sempre na
liderança, canal 4, Belo Horizonte, Minas Gerais” (VAZ, 1995, p. 35).
Aos poucos, via-se que a sociedade da capital mineira mudava seus
hábitos a partir da presença da novidade eletrônica da imagem e do som.
Como as lojas, Casa Guanabara, Ingleza-Levy e Bemoreira – futuras
patrocinadoras – e alguns restaurantes deixavam o aparelho ligado, uma multidão
conseguia ficar antenada nos poucos horários em que as imagens eram exibidas na
tela. A venda de televisores também aumentava significativamente, chegando a
número de 10 mil, após a inauguração. Entretanto, o público telespectador ainda
era inexpressivo, devido ao alto custo do televisor, que, na época, equivalia ao
preço de um automóvel.
Na capital mineira, a TV se torna contemporânea a uma série de
iniciativas que mudariam todo o cenário da cidade das Alterosas. Acompanhando
o desenvolvimento industrial no país, e, simultaneamente, dando-lhe grande
contribuição, na década de 60, Belo Horizonte consegue beneficiar-se, direta e
indiretamente, dos investimentos que visassem à exploração dos recursos minerais
do quadrilátero ferrífero.
Lembramos que, nos finais dos anos 30, os primeiros passos já haviam
sido dados pela usina, instalada na cidade de João Monlevade, da Cia. Belgo-
mineira, a qual se somaria, anos depois, aos setores de energia elétrica, CEMIG, e
da construção civil, marcada por obras de engenharia pesada. Além do progresso
econômico brasileiro, na época, privilegiar atividades industriais, nas quais a
capital tinha certa vantagem localizacional, as atividades de prestação de serviços,
isto é, seu patrimônio cultural, como escolas, universidades, centros de pesquisa,
centros de lazer e consumo, foram também essenciais no cumprimento das
demandas advindas desses setores (PAULA; MONTE-MÓR, [on-line]).
Aliadas a esse surto da industrialização, estavam as pretensões dos
processos de modernização, que corroboraram para dar um ar de metrópole a Belo
Horizonte, desde os anos 40. Sob o governo de Juscelino Kubitschek, a capital se
viu tomada por uma moderna arquitetura que saltava aos olhos. Em importantes
pontos da cidade, Oscar Niemeyer deixou registradas as novas particularidades
estéticas endossadas pela linguagem arquitetônica brasileira no momento.
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Internacionalmente, a cidade se projetou através de importantes obras modernas
como o Complexo Arquitetônico da Pampulha, incluindo a Igreja de São
Francisco, o Iate Golf Clube, o Cassino e a Casa de Baile; o Palácio das Artes, o
edifício Acaiaca, com seus rápidos elevadores e fachada de linhas retas; o Teatro
Francisco Nunes, dentre outros. Além desses projetos, o aumento significativo da
população urbana fez com que as autoridades políticas disponibilizassem recursos
para a construção de novos bairros e avenidas.
No entanto, com o alto índice demográfico, resultado da instalação de
várias indústrias na cidade ou na região metropolitana, tal situação se tornaria um
grande problema, já que não conseguiria atender a toda a população, cada vez
mais numerosa. Segundo registros, nos anos 50, Belo Horizonte contava com uma
população de 352.724; em 1960, esse número duplicou para 693.328, um período
em que a taxa de crescimento anual chegara a 7%. Dez anos depois, a cidade
abrigava 1.235.030 habitantes, o que, por outro lado, não incidiu,
proporcionalmente, sobre índice de desenvolvimento, reduzido, assim, a 5,9%.10
Situação esta que se apresentaria, com o passar dos anos, mais caótica,
vivenciando a força das desigualdades no contexto social, em virtude da própria
estagnação da conjuntura econômica brasileira sentida a partir dos anos finais da
década de 70.
Anterior aos anos 50, esclarecemos que a capital vivia sob domínio do
Estado, cuja preocupação se restringia ao desenvolvimento de grandes vetores
como as estruturas viárias, os equipamentos coletivos estruturantes, as obras de
infraestrutura e outros mais.
Aos poucos, as belas construções de Belo Horizonte, contemporâneas à
fundação da cidade, começaram a desaparecer para dar lugar aos arranha-céus
modernos e às novas indústrias. Nostalgicamente, muitos diriam que os encantos
da ‘Cidade-Jardim’, dos anos 20, ficariam apenas na memória dos mineiros
daquele tempo.
É justamente, nesse contexto de uma cidade tornada pólo industrial e
imersa por transformações de toda ordem, seja nas construções arquitetônicas,
seja nos projetos educacionais e nos suportes de caráter formativo-cultural (teatro,
jornal, cinema, rádio), que o empreendimento de Assis Chateaubriand, a TV,
10 Cf. Fonte: PBH, 1985.
192
encontraria espaço e seria definido como mais um símbolo da tão cobiçada
modernidade a ser alcançava pela capital.
Sem dúvida, essa invenção eletrônica, desde a sua primeira exibição,
fascinou a população urbana como um todo. Quando não se tinha o aparelho em
casa, em razão do seu alto custo, os moradores de Belo Horizonte tinham como
alternativa parar, por uns minutos, nos poucos restaurantes ou bares para assistir
ao que acontecia na telinha. Outra opção seria recorrer à casa do vizinho e tornar-
se um televizinho. Neste sentido, o ex-fotógrafo da Itacolomi, Carlos Fabiano
Braga (1997, p. 10)11, não poupa detalhes sobre o fascínio causado pelo advento
do veículo:
Pois então a TV chegou. Numa noite de novembro de 1955 essa ‘loucura’ invadiu as Gerais. Artistas que só eram vistos na REVISTA DO RÁDIO, em fotos, ou nos filmes da Atlântida, podiam ser vistos na TV. As guerras começaram a entrar em nossas casas É certo que não com imagens tão agressivas como as de hoje. Mas começaram a chegar. No início até que a TV intensificou as visitas entre parentes e amigos. Ia-se lá (na casa de quem tinha TV) visitar o amigo e aproveitava-se para ver televisão (já que não tenho). Com uma cadeira em cima de uma mesa, podia-se assistir um programa na TV do vizinho que, do outro lado do muro – compreensivo, punha o som um pouco mais alto. E a indústria brasileira começou a fazer televisores. E cada as (sic) lojas de móveis passaram a ter na TV seu item de maior (e talvez lucro). Depois os mineiros nunca mais puseram as cadeiras nas calçadas. [...] A máquina de fazer doidos chegou aqui! Com todas as suas maravilhas.
A partir desse depoimento, percebemos como a tevê influenciaria o
cotidiano da cultura e do lazer dos belo-horizontinos, magnetizados pela
programação do sem-fio, que veiculava grandes atrações como orquestras,
radioteatros, cantores, esportes etc. O cinema, por sua vez, ainda provocava certa
agitação social como nos primeiros anos do século. Embora a divisão de classes
tivesse forte presença na configuração sociocultural da cidade, nos anos 50 em
diante, havia entretenimento para todos.
11 No site http://www.fabiano.pro.br., Carlos Fabiano apresenta um número expressivo de imagens fotográficas em seu acervo. Nesta exposição, as fotos traduzem a história da TV Itacolomi, de 1956 a 1963, período em que o ex-funcionário exerceu, sobretudo, a função de fotógrafo da emissora. Parte desse material e outras fotos, inclusas no seu livro TV Itacolomi, canal 4 (1997), foram utilizados, neste capítulo, para ilustrar a pesquisa.
193
Logo, enquanto a elite frequentava as boates, os clubes e bailes; a classe
mais carente se divertia com o cine grátis.
Com a chegada da TV, num período de pós-guerra, esse processo de
sociabilidade sensivelmente se modifica e os mineiros buscam o confinamento
doméstico para assistir às imagens televisivas. Assim, “as pessoas deixaram de
descer tão amiúde à cidade, vão cada vez menos ao cinema e satisfazem-se com os
contatos virtuais pela televisão, como comentou, em boletim, a Secretaria
Municipal de Belo Horizonte (1995). Neste sentido, as palavras do Presidente da
Academia Mineira de Letras, Mário Matos (Apud VAZ, 1995, p. 36) são
ilustrativas, quando afirma que:
o mais agradável para o homem de Minas é poder assistir a um espetáculo de arte, conferência, um concerto, metido no seu pijama e a fumar o seu cigarro de palha, no comodismo familiar. [...] A televisão é assim um fator de desenvolvimento artístico-social segundo o estilo da mineiridade.
O advento da Itacolomi gerou, de igual modo, impactos em outros
veículos de comunicação, os quais passaram a disponibilizar colunas inteiras para
noticiar os últimos acontecimentos da TV.
O Jornal Estado de Minas, pertencente à cadeia dos Diários e
Associados, criou uma seção intitulada Jornal da tevê, assinada pelo jornalista
Jota Pê. A emissora também era notícia nas revistas das grandes metrópoles Rio e
São Paulo. A revista O Cruzeiro, considerada uma das mais famosas do país,
chegou a veicular uma série de matérias a respeito da emissora. A mobilização
para a instalação da Itacolomi, por exemplo, ganhou algumas páginas da referida
revista em 12/11/55.
Dentre as várias revistas direcionadas ao sistema radiofônico, a Revista
do Rádio também cedia um espaço para os acontecimentos da emissora. Nesta
revista, o jornalista mineiro Wilson Ângelo era o responsável pela coluna.
Definido por Assis Chateaubriand como sendo a “máquina que dá asas à
fantasia mais caprichosa”, o audiovisual, em terras mineiras surge num período
em que a capital vivia em novos tempos. Um tempo de progresso econômico que
provocaria uma nova forma de sociabilidade e, por conseguinte, a aquisição de
novos referenciais culturais.
194
6.2 O espetáculo na cena cotidiana da TV nas Minas Gerais
Éramos super-homens e não sabíamos. Carlos Fabiano Braga12
A TV Itacolomi, durante os anos iniciais, embora houvesse uma
preocupação por parte de seus dirigentes com o caráter comercial, não menos
enfático foi configurar programas de predominância cultural e educativa numa
mídia que se constituía também à base de muita experimentação. Ao buscar
gerenciar uma programação semelhante às emissoras das grandes metrópoles, a
tevê mineira pecava por não apresentar um apurado nível técnico que estivesse em
sintonia com uma programação de alto nível cultural. Como o novo veículo não
conquistara ainda a confiança dos anunciantes que, aliás, eram em número bem
reduzido, o faturamento era irrisório.
Em seu primeiro ano de funcionamento, a emissora apresentou um
resultado financeiro deficitário, o que se tornou um grande problema para Assis
Chateaubriand. Na época, os débitos do empresário somavam cifras vultosas junto
aos bancos brasileiros. Para sair da crise, a TV Itacolomi decidiu, então, remanejar
todos os funcionários de alta escala, como os diretores e superintendentes, os
quais dariam, dali em diante, um novo tratamento à estrutura organizacional da
emissora.
Ainda que, em busca da qualidade artística, a TV mineira contasse,
esporadicamente, com a presença de artistas do teatro e da música – grandes
atrações das emissoras do Rio de Janeiro e São Paulo – o audiovisual resguardava
sua opção por uma programação essencialmente regional. Realidade esta que se
reduziria a noticiários e a episódios esportivos com a aquisição da tecnologia do
videoteipe e o link de microondas entre Belo Horizonte e Rio, a partir da década
de 60. Numa espécie de efeito dominó, a partir de então, toda a programação da
tevê brasileira traçaria um novo percurso na grade de horários: os programas de
auditório invadiram a programação.
12 Entrevista realizada em 19/04/2008.
195
Nos primeiros anos da TV mineira, na esteira do noticiário, uma das
exibições fixas da emissora foi o Repórter Real,
patrocinado pela Real Aerovias Brasil e
apresentado pelo locutor Milton Panzi. Na área de
esportes, havia os programas Jornada Esportiva,
que, sob patrocínio da famosa loja Casa Guanabara,
transmitia os jogos de Minas. Custeada pela cerveja
Caracu, Resenha Esportiva veiculava as notícias
dos times. Os musicais também ganharam espaço
no canal. A Orquestra de Elias José exibia desde
operetas a músicas da cultura popular brasileira.
Contudo, na TV mineira, os programas de
excelência foram o balé e o teleteatro.
A proposição de que a TV chega a incidir intensamente sobre a realidade
cotidiana das cidades pode ser confirmada na história do balé mineiro.
A transmissão de diversos grupos, o de Carlos Leite, Klauss Viana, Judis
Grimberg, Natália Lessa e Dulce Beltrão, na telinha acabou propiciando à capital
o surgimento de um número significativo de escolas especializadas nesta arte.
Logo, tornou-se moda para as meninas participar das aulas dessa modalidade de
dança.
O teleteatro, semelhante às emissoras paulistanas e cariocas, veio
contribuir de forma intensa para a formação do público e da linguagem de TV.
Essa experiência ganhou o horário nobre da emissora, mesmo a TV Itacolomi
Figura 72. Em cena do programa Repórter Real: Luiz Panzi. (Fonte: http://www.fabiano.pro.br)
Figura 73. No mundo da Música (1957): Balé com Dora Serpa e
Otávio Cardoso. (Fonte: http://www.fabiano. pro.br)
Figura 74. No mundo da música (1957): Balé.
(Fonte: http://www.fabiano.pro.br)
196
oferecendo poucos dias de transmissão. Nesta simbiose entre matriz cultural, o
teatro, e formato industrial, a TV, o telespectador
mineiro pôde conhecer textos sofisticados da
literatura e dramaturgia estrangeira e nacional.
Tendo o audiovisual como mediador, o universo
sedutor das histórias permaneceria com total vigor
frente aos novos desafios impostos pela sociedade,
dita, moderna.
Nesta história, o Grande Teatro Lourdes,
patrocinado pela Perfumaria Lourdes, marcou
presença no ano de 1956.
Assim, veremos que o teatro, pelo sucesso
já adquirido na linguagem radiofônica, sob o formato de radioteatro, e a sua
subsequente conquista de espaço nas emissoras de TV das metrópoles, buscaria,
de igual modo, assumir liderança na TV Itacolomi.
Após anos de diálogo com os códigos do rádio, a arte cênica – acrescida
do trabalho da câmera, da iluminação, da marcação de palco e de outros recursos
– se insere no espaço do audiovisual e passa a apresentar textos consagrados da
literatura e dramaturgia estrangeira e brasileira.13
Ao contrário do que se podia imaginar era a partir do sucesso de
encenação da TV que o Teatro Francisco Nunes
via esgotados seus ingressos (SANTOS, [on-
line]). A peça Otelo, de William Shakespeare, foi
exemplo notório desta condição.
Dessa forma, a arte cênica em Minas
alcançou popularidade como nas metrópoles do
país. Vale dizermos que, através desse projeto de
programação elitista, a Itacolomi, também,
permitiu à população se inteirar de toda a
qualidade artística de atores consagrados das
grandes cidades Rio de Janeiro e São Paulo. Na tentativa de sanar o isolamento 13 Na Itacolomi foram transmitidos, por exemplo, Romeu e Julieta, Otelo, Dona Xepa, Os três mosqueteiros, A dama das Camélias, Cyrano de Bergerac, Casa de Orates, Rebeca, Pigmaleão, Crime e castigo, O living-room, O avarento, Auto da barca do inferno e D. Camilo e Peppone, As pupilas do Senhor Reitor, Deus lhe pague, O tempo e o vento etc.
Figura 75. Cena da peça Romeu e Julieta, de William Shakespeare. (Fonte: BRAGA, 1997, p. 160)
Figura 76. Cena do Teleteatro Grande Teatro Lourdes.
(Fonte: http://www.fabiano. pro.br)
197
que perseguia o Estado, estiveram em solo mineiro, para as grandes produções de
teleteatros, atores celebridades como Walmor Chagas, Cleyde Yaconis, Grande
Otelo, Lima Duarte, Sérgio Britto, Fernanda Montenegro, Ítalo Rossi e tantos
outros. Essa prática, por outro lado, segundo Élvécio Guimarães (Apud VAZ,
1995, p. 44) também veio construir os ídolos mineiros, já que eles chegavam sem muito tempo de ensaiar e decorar os papéis, em algumas montagens nossos atores atuavam muito melhor que eles, o que contribuía para tornar nosso elenco cada vez mais conhecido do telespectador, fazendo com que nossas montagens se transformassem rapidamente em sucesso absolutos.
Logo adiante, o ator ressalta que, sem dúvida, essa interação se tornou
importante para o aprendizado das particularidades da linguagem televisiva. A
partir de muita dedicação, às vezes, transmitiam-se três encenações numa única
noite. Em entrevista, Clausyr Soares14, ex-apresentadora, atriz, garota-propaganda
da Itacolomi, afirmou que para os funcionários chegarem em suas casas, a
emissora disponibilizava uma caminhonete. Devido ao encerramento das
atividades alcançar as altas horas, o veículo era o único recurso de transporte para
eles. Clausyr acrescenta ainda que, como tudo na TV era muito urgente e
improvisado, o ator não dispunha de tempo e nem mesmo tinha consciência do
que se chama, hoje, de trabalho de laboratório. Era através dos ensaios que a
equipe teria a oportunidade de fazer os ajustes para transmitir tudo ao vivo.
Mesmo com essa sobrecarga, a referida atriz e colegas
de profissão não viam o trabalho na TV como
atividade desgastante, pois tudo era feito com muito
entusiasmo e paixão. E entre um programa e outro,
entre uma peça e outra, os profissionais, também,
tinham algum período de descanso.
Na tentativa de valorizar as pratas da casa e ter
certa autonomia nas produções, em 1957, a diretoria
artística da TV Itacolomi resolveu investir mais nos
teleteatros. Logo, a emissora moveu esforços para
que os teleteatros não se restringissem a um teatro filmado, mas se constituíssem 14 Entrevista realizada em 19/04/08.
Figura 77. Em cena, na TV Itacolomi, Tia Gladys.
(Fonte: BRAGA, 1997, p. 20)
198
pela intercessão entre o teatro e o novo meio. Seguindo a lógica das emissoras
pioneiras das metrópoles, a TV mineira buscou se notabilizar pela transmissão
dessa experiência, que alcançava, também, grande sucesso na TV norte-americana
e inglesa.
A partir de então, os mineiros passaram a conhecer os espetáculos do
teleteatro Grande Teatro Windsor, tendo como
diretor o mineiro Otávio Cardoso. A estreia do
programa contou com a encenação do texto Contos
de Natal, de Carlos Dickens.
Não só os artistas da Tupi de São Paulo e
Rio de Janeiro conheceram os estúdios da
Itacolomi nas encenações de teleteatros, mas
outras personalidades se apresentaram, como por
exemplo, Oduvaldo Cozzi, em O Céu é o Limite;
Carlos Gaspar, em Esta é a sua Vida; Gladys, em
Gladys e seus Bichinhos; Rodolfo Mayer, em
Uma Voz ao Telefone etc.
Outro programa que ganhou o fascínio do público foi A Garrafa do
Diabo (1958), cujos episódios traziam, a cada semana, uma realidade da história
universal. Nas encenações, sempre, os atores, técnicos e diretores colocavam à
prova o seu espírito de versatilidade para tentar dar conta das exigências das
cenas. Por todo o texto, era preciso atender aos grandes cenários, ao figurino
diverso e para mostrar, por exemplo, um diabo, preso em uma garrafa, eles tinham
que recorrer aos efeitos especiais.
Figura 78. Cena do teatro: Grande Teatro. (Fonte: http://www.fabiano.pro.br)
Figuras 79. Cenas da novela: Garrafa do Diabo. (Fonte: http://www.fabiano.pro.br)
Figura 80. Garrafa do Diabo.
Figura 81. Garrafa do Diabo.
199
A emissora também chegou a transmitir, nesta fase artesanal, a novela
Noites Mineiras, que, na visão de Carlos Fabiano (1997), merece o apreço da
crítica em razão da coragem da equipe em aceitar o desafio de encenar em séries.
Nos horários da grade, de igual modo, filmes e seriados estrangeiros buscavam as
atenções dos telespectadores mineiros.
Mas era nas produções nacionais que toda a equipe da emissora tinha a
oportunidade de mostrar seu poder de criar, recriar, inventar, inovar. Tudo era
possível na TV em construção. Na transmissão das imagens, havia todo um
cuidado com o cenário, que, quando não pintado, servia-se dos seres e objetos em
sua forma autêntica.
Figura 83. Cenário do teleteatro: no quadro, uma atriz da Itacolomi. (Fonte: BRAGA, 1997, p. 111)
Figura 82. Cenário: detalhes (Fonte:http://www.fabiano.pro
.br)
Figura 84. No cenário: uma coleção de garrafinhas. (Fonte: BRAGA, 1997, p. 118)
Figura 85. Em cena, um bode. (Fonte: BRAGA, 1997, p. 125
Figura 86. No estúdio, um carro desenhado.
(Fonte: BRAGA, 1997, p. 73)
200
Segundo Carlos Fabiano (1997), às
vezes, o difícil era levá-los aos 24° e 25° andares
do Edifício Acaiaca, onde se localizava os
estúdios da emissora.
Tudo valia a pena para satisfazer o
telespectador, que, mesmo atento a tudo, não
conseguia, normalmente, detectar um único erro
ou improviso. Como disse o ex-fotógrafo da
emissora, Carlos Fabiano, eles eram verdadeiros
“heróis”, criativos, ousados, corajosos.
Desprovidos de uma realidade de alta tecnologia,
entre uma cena e outra, toda a equipe se mostrava participativa, desde seguir os
roteiros dos programas a emprestar seus pertences para montagem do cenário,
uma realidade impensável na TV de hoje.
Diante das dificuldades de toda ordem, o veículo sobrevivia ante a
realidade do aprender-errando, povoado, assim, por certo romantismo em sua
estrutura organizacional. Tudo isso propiciaria, como acontecera nas outras
emissoras, um número incontável de histórias quixotescas, plenas de nuances do
exagero, da anedota, do trágico.
Figura 87. Na constituição do cenário, uma bananeira.
(Fonte: BRAGA, 1997, p. 125)
Figura 88. Em cena, o salto dos personagens. (Fonte: http://www.fabiano.pro.br)
Figura: 89. Uma confusão no programa de humor. (Fonte: http://www.fabiano.pro.br)
Figura 90. Um beijo, em cena do Teleteatro. (Fonte: http://www.fabiano.pro.br)
201
Neste repertório, podemos citar, por exemplo, a atuação da atriz e
garota-propaganda Palmira Barbosa que ao simular um desmaio deveria, logo em
seguida, engatinhar até a um outro cenário. Neste momento, o câmera, desatento,
focou sua perfomance constrangedora e a cena ganhou o riso. Infelizmente,
Palmira não pôde nem mesmo recorrer ao improviso, pois a surpresa não
colaborou.
Os erros nos scripts também rendiam
boas histórias. Segundo José Oliveira Vaz
(1995), a referida atriz, ao atuar como autora
de novela, pediu que providenciassem uma
cobra. Porém, o chefe da contrarregra, Lázaro
Araújo, entendeu cabra, que devido à
dificuldade de ser encontrada foi substituída
por um bode. No momento, checaram o erro,
mas mesmo o animal não tendo nenhuma
função na peça, Palmira teve que o incluir de
qualquer forma, pois um mundo de pessoas
(donos, vizinhos, amigos) esperavam para ver o novo ator em cena. Num dos
momentos, a câmera focaliza o bode e seu “capataz da fazenda”, os quais
transitaram pelo cenário rapidamente sem causar grandes alardes.
Outro episódio cômico-trágico, narrado pelo ex-superintendente, ocorreu
quando o ator Ary Fontenelle, extremamente afoito a peraltices, resolveu trancar a
chaves uma das partes dos scripts de Otávio Cardoso, diretor de teleteatro e ator.
Como era muito comum, na época, os atores utilizarem das dálias para sanar as
dificuldades de decorar os textos, Otávio assim se procedeu. Porém, na hora de
buscar ajuda, percebeu que a estratégica gaveta tivera sido chaveada. Totalmente
irritado, sem nenhuma chance para continuar sua atuação de inspetor, antes que
um outro ator, o 6º, dirigisse-lhe a palavra, ele improvisou uma fala e deu por
encerrada a peça O inspetor está lá fora, de J.B. Priestley.
Esta série de histórias e tantas outras, das quais não escapam nem
mesmo os figurantes, marcou a fase heróica da TV brasileira. Neste sentido,
novamente nos valemos da fala de Clausy Soares (Apud CUNHA, [on-line]):
Figura 91. Musical ao vivo (Fonte: http://www.fabiano.pro.br)
202
É inegável que a tecnologia hoje é algo deslumbrante, mas não há como comparar. Costumo falar no nosso tempo era uma TV artesanal, tudo era inventado, feito à mão pelos operadores de câmera e cenógrafos. Para eu começar o programa saindo de dentro de uma estrela, os câmeras colocavam uma máscara de estrela na lente da câmera. Para fazer propaganda de uma loja de discos, me focalizavam de dentro do buraco do vinil. O que me marcou na Itacolomi foi a descoberta de que na vida tudo é possível. Como nós não sabíamos como era a TV, fizemos uma com nosso estilo próprio.
Estes foram alguns, dentre tantos, dos momentos dos bastidores da tevê
mineira. Todo esse cenário da improvisação e da criatividade era possível também
nos programas infantis. Além dos programas para o telespectador adulto, a
Itacolomi, aos poucos, deu à criança a importância que ela merecia. No reino do
faz-de-conta, um teleteatro infantil; e Circo Itacolomi, um programa de
auditório; constituíram as primeiras atrações da criançada no primeiro ano da TV
mineira.
Conforme registros fotográficos, entrevistas e material impresso, a
programação se fez a partir dos programas descritos abaixo. Esses programas,
esclarecemos, perduraram por mais tempo na grade de horários. Todavia,
acreditamos que, neste inventário, outros poderão ser ainda acrescentados, uma
vez que a pesquisa não esgotou a busca por novos dados. Lembramos ainda que,
inicialmente, não descriminamos, aqui, projetos pilotos da emissora.
EMISSORA 1950
Teleteatros
Seriados/ Núcleos Dramáticos
Auditório/ Variedades
TV ITACOLOMI
(1956)
Reino do Faz-de-conta Teatrinho de brinquedo
Tia Gladys e seus Bichinhos Rin-tin-tin Teatro de Marionetes Seu Encrenquinha
Circo Itacolomi Roda Gigante Gurilândia/Clube do Guri Petit Ballet Moleza e Fininho
TV ITACOLOMI
(1960)
Histórias do Arco da Velha Histórias que a Vovó Contava Teatro da Carochinha
Circo Bombril Radicklândia Mercadinho Mirim Escolinha da Dona Peteca
Tabela 1.
203
Assim como os telespectadores adultos assistiam a alguns programas
pertencentes à grade de horários da TV Tupi de São Paulo e do Rio, o mesmo se
presenciava na produção para a criança. Programas como Tia Gladys, Rin-tin-
tin, Teatro de Marionetes, Gurilândia são exemplos desta condição.
No decorrer dos anos 60, o canal,
não fugindo da lógica da programação de
outras emissoras, sobretudo a da Tupi do
Rio, buscou manter praticamente as mesmas
experiências televisivas. Na categoria do
entretenimento, continuou a investir nos
teleteatros e a promover outros programas
fiéis ao gênero do auditório e seriados.
Figura 92. Cena do Circo Itacolomi: trapezista em ação. (Fonte: BRAGA, 1997, p. 70)
Figura 93. A oncinha (Fonte: BRAGA, 1997, p. 76)
Figura 94. Teatro de Marionetes. (Fonte: BRAGA, 1997, p. 76)
Figura 95. Cena do programa de balé (Fonte: http://www.fabiano.pro.br)
Figura 96. Mercadinho Mirim (1960), na TV Itacolomi. (Fonte: Estado de Minas, 23/08/2000)
204
[]
Embora não apresentasse em sua grade de horários um número elevado
de programas que correspondiam a diversos gêneros como fizera a pioneira Tupi
paulista, a Itacolomi teve sua história na programação infantil, contribuindo,
portanto, para a formação desse público.
Semelhante a outras emissoras do Rio e de São Paulo, que, nos primeiros
anos, em busca de prestígio, promoveram o período áureo do gênero teleteatro,
aderindo a uma programação pautada, sobretudo, na literatura universal, os
teleteatros infantis da Itacolomi não seguiriam percurso diferente.
Na história do teatro infantil na TV, o programa Reino do Faz-de-conta
(1956), sob direção do ator João Batista Bacalhau, foi o primeiro a alcançar os
lares da elite mineira da época.
Figura 97. No cenário temático, crianças no programa musical do Elias Salomé. (Fonte: http://www.fabiano.pro.br)
Figura 98. Crianças no programa musical de Elias Salomé. (Fonte: BRAGA, 1997, p. 75)
Figura 99. Personagens da Escolinha da Dona Peteca.
(Fonte: http://www.fabiano.pro.br)
Figura 100. Em cena, no Circo Bombril, o palhaço Moleza. (Fonte: BRAGA, 1997, p. 110)
205
Para a encenação, convocou-se o elenco da casa, o qual também atuava
nos teleteatros e outros programas para o público adulto. Segundo o arquivo on-
line de fotos de Carlos Fabiano Braga, atores como Elvécio Guimarães, Antônio
Katah, Antônio Nadeo, Clovis Prates, Cilene Araújo e tantos outros atuavam no
teleteatro do mundo encantado. Neste teleteatro, algumas peças necessitavam de
atores-crianças, os quais encaravam a encenação com grande responsabilidade.
Além dos programas de auditório com os quadros de competição, humor, bem
como os programas de balé e orquestras, os teatros na TV ampliariam o universo
de oportunidades dos pequenos para mostrar seu
talento.
No final de 1956, João Batista Bacalhau
produziu e dirigiu outro teleteatro, o Teatro de
Brinquedo, que permaneceria aproximadamente
um ano na grade. Além dos nomes já citados, a
encenação apresentou novos participantes, dentre
eles: Expedito Costa, Hamilton Macedo, Nelson
Morrison, Nilda Almeida, Dora Serpa, Clausy
Soares, Palmira Barbosa.
De acordo com as novas diretrizes da
UNESCO sobre o teatro para crianças, João Batista Bacalhau, especialmente neste
teleteatro, preocupado com qualidade artística do programa, atribuiu aos atores-
adultos a responsabilidade da encenação. É essa gente grande que ‘brincaria de ser
criança’, nos estúdios da tevê. Assim, como se procedia no teleteatro Reino do
Figura 101. Cena do teleteatro: Reino do Faz-de-conta.
(Fonte: http://www.fabiano.pro.br)
Figura 102. Cena do texto A coroa soberba, no teleteatro Teatro de Brinquedo. (Fonte: http://www.fabiano.pro.br)
Figura 103. Cena do Teatro de Brinquedo: uma criança atuando. (Fonte: http://www.fabiano.pro.br)
206
Faz-de-conta, as crianças, uma vez ou outra, dependendo da necessidade da peça,
chegavam a representar. Nos arquivos,
observamos que, nas encenações do referido
programa, houve adaptações não apenas dos
textos da literatura universal, mas também os da
brasileira.
Nos períodos de 1960 a 1964, as
encenações de teleteatros passam a ser
produzidas pelo ator e locutor Jotta Barroso
(1921-2006).15
Em função da carência de escritores da literatura e da dramaturgia
infantil brasileira na época, a grande maioria dos textos adaptados por Barroso se
baseava nos contos populares ou contos maravilhosos da literatura universal. Com
a intenção de estimular o processo imaginativo, ao mesmo tempo, tentando sanar
interrogações e valorizar princípios morais e éticos, a telinha em Belo Horizonte
buscava atrair cada vez mais a atenção da criançada.
6.3 Vida e obra de Jotta Barroso na TV
Minha vida está no teatro, no rádio, na TV, no cinema. Minha vida sempre foi representar. Isso é tudo, é um mundo.
Jotta Barroso.16 Da interseção – vida e experiência artística –
José Barroso, de nome artístico Jotta Barroso, construiu
uma rica trajetória profissional no universo da mídia
brasileira. Um artista que, nos 30 anos de profissão,
recebeu de seus contemporâneos muitas homenagens e
prêmios.17
15 Todas as imagens fotográficas apresentadas, no decorrer das demais páginas, pertencem ao arquivo pessoal do autor. Tal acervo se encontra disponibilizado, desde 2006, no Museu Municipal de Visconde do Rio Branco (MG). 16 Entrevista realizada em 02/12/04, na qual o artista rememora a sua carreira nas rádios do país, atuando como produtor de programas artísticos como o radioteatro, por exemplo. 17 Categoria 1º Lugar: Produtor de Rádio de Belém (1957), Produtor de Radio de Minas Gerais - Troféu Ary Barroso (1962), Produtor de Televisão - Troféu Jorge Carone Filho/Diploma Ely Murilo Cláudio (1963), Ator Coadjuvante - Festival de Cinema Teresópolis (1972), Ator Coadjuvante - Cinema Brasileiro pela Associação Paulista de Críticos de arte - APCA (1982).
Figura 104. Jotta Barroso, em 1960, no estúdio da TV Itacolomi. (Fonte: Arquivo pessoal do ator)
Figura 105. Jotta Barroso, em 1950.
207
Nascido em Visconde do Rio Branco, pequena cidade da Zona da Mata
mineira, Barroso, impulsionado pelo desejo de ser artista, tornou-se aluno do
Liceu de Artes e Ofício do Rio de Janeiro, onde pôde conhecer a linguagem do
teatro, desde a atuação no palco, na produção, na técnica e até nos desenhos de
figurinos.
Em função de problemas particulares, o ator, em 1952, retornou à cidade
natal e acabou enveredando por outro universo: o rádio. A partir de então, foi
contratado pela Rádio Cultura Rio Branco (AM), e, logo depois, em 1956, pelas
rádios Vitória (ES), Marajoara, de Belém; e por fim, pela Rádio Guarani e
Inconfidência, de Belo Horizonte.
Como a Rádio Guarani e TV Itacolomi
pertenciam ao mesmo grupo, o das Associadas, era
comum os funcionários assinarem um contrato em que
exerceriam, concomitantemente, atividades nas duas
mídias. Assim, do trabalho na Rádio Guarani, a partir de
1958, Jotta Barroso atuaria também na TV mineira.
Posteriormente, seguiria carreira de ator na TV Rio e TV
Globo. Estando no Rio de Janeiro, Barroso se envolve
com o universo do cinema e passa a atuar em várias
produções, desde o filme clássico até o pornô.18
Em entrevista (28/06/05), o artista contou que
toda a sua passagem pela TV Itacolomi, como autor e
produtor, teve seus primeiros passos quando o diretor comercial Chico Lins pediu-
lhe “que escrevesse pequenas novelas de cinco minutos.”
Mas, antes de ser autor de peças infantis, Barroso participava como ator
de teleteatro e de telenovela. Curiosamente, era conhecido como “o mesmo que
tem feito”. Em razão dos pequenos papéis, chegava a encenar, em apenas um mês,
aproximadamente 35 peças em diversos programas, entre eles o Grande Teatro
Lourdes (1956). No entanto, em depoimento, queixou-se de não ter tido o
Além de várias medalhas de honra ao mérito, em setembro de 2004, o Centro de Apoio ao Ensino Fundamental (CAEF), de Visconde do Rio Branco (MG), inaugura a Sala de Cinema JOTTA BARROSO. 18 Cf. Anexo 9.
Figura 106. Jotta Barroso, na peça Onde canta o Sabiá, no Liceu de Artes e Ofícios. (Fonte: Arquivo pessoal do ator)
208
cuidado de registrar, por escrito ou por imagens fotográficas, muitas das
encenações.19
Todavia, este anonimato terminou com a participação do artista mineiro
na novela Garrafa do Diabo20, produzida, em 1958, por Vinícius de Carvalho,
diretor artístico da TV Itacolomi, e Vicente Prates, assistente.
No papel de fabricante de velas, Barroso buscou uma caracterização
perfeita: recriou o figurino, deformou o rosto, serviu-se de um colete de corcunda
e apresentou uma boa perfomance de palco. De um simples fabricante de velas
que apareceria em apenas uma cena, o ator acabou por merecer a participação em
tantas outras cenas. Improvisadamente, o autor teve que incluir uma cena especial
para evitar a morte do referido personagem.
Segundo depoimento do ator, esta foi uma novela de sucesso por um
longo tempo, devido aos vários períodos históricos que compunham o cenário e o
enredo. Porém, lamentou que, com a invenção do videoteipe, tornou-se inviável a
transmissão dos capítulos finais, pois as grandes produções do Rio de Janeiro e de
São Paulo passaram a disputar acirradamente o espaço na emissora. Nessa
19 No acervo de fotos do ator, há aproximadamente 100 registros sobre o trabalho de Barroso na televisão brasileira. Porém, não constam, na maioria, dados como o nome da peça encenada e ano. Uma série de fotos do acervo do artista que relembram sua carreira se encontra no Anexo 10. 20 Uma garrafa que ao ser adquirida dava plenos poderes à pessoa. Porém, antes de morrer, o seu dono teria de revendê-la por um preço bem abaixo do seu valor. Caso o dono morresse e não tivesse repassado a garrafa, ele ficaria preso para sempre nela e teria em sua companhia o próprio gênio, caracterizado como diabo. Essa seria a maldição. O cenário percorreria as eras históricas, desde a Grécia Antiga até o governo Vargas.
Figura 107. Em cena: Jotta Barroso, na novela Garrafa do Diabo.
Figura 108. Na novela Garrafa do Diabo: Jotta Barroso com Lady Francisco, atriz e a principal garota-propaganda da Itacolomi.
209
reestruturação, muitos artistas e funcionários foram despedidos e a TV Itacolomi
passou por novas reestruturações.
Enquanto atuava na Garrafa do Diabo, Barroso também trabalhava
como diretor artístico na Rádio Guarani.21 O momento de crise financeira da rádio
corroborou para que ele começasse a se interessar mais pela tevê.
A convite de Rogério Falabela, em 1960, passou a pertencer aos quadros
permanentes de atores da emissora e pretendia seguir carreira. Pelo empenho de
sua atuação, sobretudo na novela Garrafa do Diabo, foi considerado, em 1962,
um dos melhores atores da TV em Belo Horizonte.
Segundo o artista, para ser considerado
um bom ator, era preciso muita dedicação. Nos
ensaios, a disciplina era rígida e os textos
deviam ser bem decorados. Os atores jamais
poderiam cometer erros, gafes, pois as cenas
eram ao vivo e em preto e branco. Como a
televisão ainda buscava encontrar sua linguagem
peculiar, muitos procedimentos pecavam pela
falta de experiência de todo o pessoal que ali
trabalhava.
21 Em entrevista no dia 28/06/05, Jotta Barroso relata com minúcias toda a sua trajetória artística, na Rádio Guarani e na TV Itacolomi, ambas de Belo Horizonte.
Figura 109. Jotta Barroso: capa da Revista de TV Minas
Figura 110. Ao centro: Jotta Barroso, em peça do Grande Teatro Lourdes, da TV Itacolomi.
Figura 111. Jotta Barroso como soldado romano, no Grande Teatro Lourdes.
210
Nos relatos de Barroso, ele pontuou ainda muitas dificuldades não só de
ordem técnica, financeira, mas também estética. Às vezes, a escolha dos figurinos,
dos objetos, das músicas, muitas
vezes, não condizia com o cenário
da peça. Para o adaptador, esses
pequenos detalhes, se não
observados, poderiam ofuscar o
êxito de qualquer programa.
Essa consciência da
qualidade artística era fruto de seus
anos de trabalho no teatro e no rádio.
Em todos os seus empregos
anteriores, Barroso se empenhava para conhecer a estrutura e organização de cada
veículo. Em entrevista (28/06/05), confessou que “gostava de me infiltrar cada
vez mais”.
Logo, no espaço da tevê, ele não teria postura diferente, pois chegou a
exercer várias funções. Na TV Itacolomi, Barroso, inicialmente, ao atuar como
ator, acabou sendo contratado como supervisor de guarda-roupa e diretor das
montagens (tráfego).
Paralelamente a essas experiências, esse artista mineiro recebeu um
convite de Chico Lins, diretor comercial da
Itacolomi, como vimos, para ser autor de
teleteatro. A princípio, foi contratado de
improviso para escrever e dirigir um programa
musical chamado Hoje é Dia de Festa. Dando
sequência a este programa, levou ao ar também
Festival de Humor e Teatro Musical de
Humor.
Na busca constante para agradar os
telespectadores mineiros, ainda que, na época,
poucos tivessem o aparelho de TV, Barroso, a
partir de sua trajetória de ator no teatro de palco
e de TV, e como produtor de teatro no rádio, resolveu se dedicar ao teleteatro
destinado ao público infantil. Todo o incentivo partiu do trabalho do ator Fábio
Figura 112. Jotta Barroso: simulação de falecimento, no Grande Teatro Lourdes.
Figura 113. Ao centro, Jotta Barroso, no Grande Teatro Lourdes.
211
Sabag, na direção do teleteatro Teatrinho Trol (1956-1966), sucesso de público,
na TV Tupi do Rio de Janeiro. Tal experiência seria uma, dentre tantas outras, que
a TV Itacolomi iria ter como modelo de produção.
Demonstrando ter uma postura cuidadosa em seu trabalho, Barroso
conservou muitos dos textos adaptados para a TV. Diferente dos demais
produtores, atores e diretores dos teleteatros infanto-juvenis inventariados, nesta
pesquisa, verificamos que o referido artista teve o cuidado de reservar sempre uma
cópia do script. Assim, depois de quase 50 anos de transmissão dos teleteatros,
muitas adaptações podem ser lidas e analisadas. No total, são aproximadamente
50 roteiros, dispostos em 5 volumes e divididos nos cadernos 1, 3, 5, 6, 7.22
Notamos que todos os textos foram encadernados de acordo com as
peças de determinado programa, no entanto desconsiderou-se a correspondência
entre a data da encenação e o número do caderno.
No volume 1, por exemplo, estão os textos de teleteatros para adultos e
algumas novelinhas, os quais foram escritos e encenados em diferentes anos e
diversos quanto à proposta literária: terror, romântico, mistério etc. Diferentes dos
demais textos de teleteatros para crianças, não constam também, na maioria dos
scripts dos programas, as datas exatas das transmissões. Encadernados nesse
volume estão os programas Enquanto o Mundo Gira (1964), O Grande
Espetáculo, Sonho de Carnaval, Conheça o Nosso Brasil, os quais apresentam
apenas um script. A esta lista, acrescentam-se os programas Lente 8, com os
textos O crime do velho besouro (03/07/61), O preço de um beijo (06/06/62);
Clube dos Morcegos com Festim macabro e as novelinhas Três vidas, três
destinos e Romeu e Julieta.
Em muitas dessas teleteatralizações, Barroso, além de autor, participou
ainda como ator.
Também no volume 2, junto aos scripts de radioteatro, encontramos uma
peça que não se enquadra na categoria de adaptações das narrativas tradicionais
para o público infantil: A lenda do crisântemo, cuja produção contou com
Vinícius de Carvalho, como diretor, e texto de Barroso. A emissora transmitiu a
encenação em 2 capítulos, de 17/01/63 a 24/01/63, no Grande Teatro Lourdes.
22 O material está arquivado no Museu da cidade de Visconde do Rio Branco (MG). Nos cadernos de número 2 e 4, estão os scripts do radioteatro Rua da Saudade, transmitidos pela Rádio Marajoara, de Belém, e pela Rádio Cultura Rio Branco, de Visconde do Rio Branco (MG).
212
Conforme o seu depoimento, a peça ganhou uma grande produção por se tratar de
um texto que faria referência à cultura asiática. Dentre todas as exigências da
encenação na TV, em especial, os cenários e figurinos foram desafiantes para o
produtor e profissionais envolvidos no trabalho.
Ao observarmos os registros dessa encenação, isto é, janeiro de 1963,
veremos que tais datas comprovam a participação de Barroso nas funções de ator
e ainda adaptador de
teleteatros para os
segmentos infantil e
adulto da Itacolomi.
Em um de seus
depoimentos, o
artista menciona que
sabia aproveitar as
oportunidades e
buscava se doar ao
máximo em tudo
aquilo que se
propunha a fazer.
Por isso, chegou a acumular várias funções nas mídias em que trabalhou.
Figurino 116. Figurinos da peça A lenda do Crisântemo. Barroso, ao fundo.
Figura 115. Cenário da peça A lenda do Crisântemo.
Figura 114. Figurinos da peça A lenda do Crisântemo.
213
No quadro a seguir, elencamos apenas as peças referentes ao teleteatro
infantil, cuja autoria pertence a Barroso.
Peças teleteatralizadas
Ano
Programa
Capítulos
Bim, Bim 15/10 a 29/10/60 Teatro da Carochinha 3 Joãozinho mais Maria 10/12 a 31/12/60 Teatro da Carochinha 3 Pinóchio 07/01 a 25/02/61 Teatro da Carochinha 8 O príncipe encantado 04/03 a 18/03/61 Teatro da Carochinha 3 Cinderela 06/05 a 27/05/61 Teatro da Carochinha 4 A bela adormecida no bosque 01/07 a 14/07/61 Teatro da Carochinha 3 Os três príncipes encantados 08/10 a 24/10/61 Teatro da Carochinha 3 A borboleta azul 04/11 a 25/11/61 Teatro da Carochinha 4 Livro de Natal 09/12 a 25/12/61 Teatro da Carochinha 3 Aladim e o gênio da lâmpada 06/01 a 27/01/62 Teatro da Carochinha 4 A bela e a fera 03/03 a 17/03/62 Teatro da Carochinha 3 Princeza Coruja 21/04/62 História do Arco da Velha 1 Era uma vez uma bruxa 09/01/63 História do Arco da Velha 1 A princezinha linda flor 16/01/63 História do Arco da Velha 1 O falso bruxo 23/01/63 História do Arco da Velha 1 A princesa e o plebeu 29/01/63 História do Arco da Velha 1 Era uma vez no reino das montanhas azuis
06/02/63 a 27/02/63 Histórias que Vovó Contava 3
A peróla encantada 06/03 a 27/03/63 Histórias que Vovó Contava 4 Os dois irmãos 10/04 a 24/04/63 Histórias que Vovó Contava 3 A felicidade visitou-nos no inverno
10/05 a 25/05/63 Histórias que Vovó Contava 3
A pastorinha 05/06 a 26/06/63 Histórias que Vovó Contava 4 A princeza encantada 03/07 a 31/07/63 Histórias que Vovó Contava 4 Lili no paiz do faz de conta 07/08 a 25/09/63 Histórias que Vovó Contava 8 O príncipe Shalimar 02/10 a 30/10/63 Histórias que Vovó Contava 3 Amor de pagem 06/11/63 Histórias do Arco da Velha 1 A cabra encantada 13/11/63 Histórias que Vovó Contava 1 O feiticeiro perdeu a parada 20/11/63 Histórias do Arco da Velha 1 O pássaro dourado 27/11/63 História do Arco da Velha 1 O pastorzinho de Belém 11/12/63 Histórias que Vovó Contava 1 A fantazia de Natal 25/12/63 História do Arco da Velha 1 O príncipe engeitado 01/01/64 História do Arco da Velha 1 Uma história das mil e uma noites
08/01/64 História do Arco da Velha 1
Vale a pena esperar pela felicidade
12/01/64 História do Arco da Velha 1
O camareiro real 22/01/64 História do Arco da Velha 1 Tâmara, a escrava feliz 26/02/64 História do Arco da Velha 1 A bruxa que ficou boasinha 04/03/64 História do Arco da Velha 1 O prêmio da virtude 11/03/64 História do Arco da Velha 1 O tapete mágico 18/03/64 História do Arco da Velha 1 O rubi da coroa 25/03/64 História do Arco da Velha 1 Nunca é tarde para voltar ao caminho do bem
01/04/64 História do Arco da Velha 1
No tempo das fadas 08/04/64 História do Arco da Velha 1 E... a felicidade voltou 04/11/64 História que Vovó Contava 1
Tabela 2.
214
De acordo com o material arquivado, nos volumes 5 e 6, encontramos os
primeiros scripts de narrativas que fariam parte do início de sua carreira como
produtor de teleteatro infantil. Nestes dois cadernos, há uma série de textos
adaptados dos contos tradicionais, os quais foram ao ar no programa intitulado
Teatro da Carochinha.
É a partir deste volume que aparecem histórias de bruxas e fadas,
cenários de um verdadeiro mundo encantado. Sob o patrocínio da Livraria Frei
Leopoldo e constituídos, em sua grande maioria, de 3 a 5 capítulos, de 7 a 8
páginas cada, esses textos preencheram a programação de 15/10/60 a 17/03/62.
É interessante notarmos que nestes momentos iniciais, todos os textos de
teleteatros foram divididos em vários capítulos, exigindo, assim, mais tempo na
contação das histórias. De acordo com os scripts, Pinóchio foi o único texto que
apresentou número elevado de capítulos, sendo 8 no total. Embora transmitida no
programa Histórias que Vovó Contava, de igual modo, encontramos a peça Lili
no paiz do faz de conta.
Pelos scripts, foi-nos possível verificar que nem todas as transmissões
das peças dos programas obedeceram a uma ordem cronológica com relação ao
intervalo de dias, meses e, até mesmo, anos. Nesta condição, estão as peças
Cinderela, A bela adormecida no bosque e A bela e a fera, as quais rompem a
Figura 118. Cenas da peça A princesa encantada, do programa História que
Vovó Contava.
Figura 117. Príncipe e princesa da peça A princesa encantada, do programa História que Vovó Contava.
215
sequência dos meses. A este respeito, não podemos descartar também a ideia de
que, nesses intervalos, três peças ou mais tenham sido transmitidas e Barroso
possa não ter reservado os scripts.
Já no volume 3, constatamos que há uma quantidade expressiva de
produção de teleteatro infantil do artista mineiro. Essas narrativas que, segundo o
produtor resolveu intitular de Histórias do Arco da Velha, foram ao ar após o
término de um mês do programa Teatro da Carochinha.
Assim, no período de 21/04/62 a 08/04/64, Barroso propõe outras
histórias, porém de um único capítulo, para o público mirim. A descontinuidade
dos períodos de encenação ainda se apresenta, todavia se vê marcada por um
longo tempo. Num período de aproximadamente oito meses, depois de veiculada a
sua primeira peça, a Princeza coruja (21/04/62), que o programa Histórias do
Arco da Velha retorna à tela novamente, estreando em 09/01/63, com a
encenação de Era uma vez uma bruxa.23
Em depoimento de 26/09/2006, Barroso explica que essas diferenças de
datas se devem ao fato de os programas dependerem das negociações dos
contratos de publicidade, os quais patrocinavam toda a produção.
Por isso, vale ressaltarmos que, na TV, o teatro seria uma experiência
ideal diante dessa sazonalidade da propaganda, pois as produções literárias ou
dramatúrgicas adaptadas, normalmente, exigiam uma encenação possível de ser
esgotada em apenas um ato. Isso explica a migração dessa prática artística,
primeiramente para o rádio (radioteatro), nos anos 30 a 50; e depois, de forma
incisiva, para a TV, em seus tempos de empirismo.
Da política incipiente de merchandising do veículo em seus primeiros
anos de atividade, o teleteatro se transformou em programa estratégico até o
audiovisual alcançar sua identidade de indústria de bens de consumo. Daí,
entendermos também o surgimento tardio da telenovela, que, somente a partir de
1960, com a utilização do videoteipe, assumiria lugar de destaque na programação
de muitos canais, trilhando um caminho de sucesso até os dias de hoje.
Contudo, ainda no ano de 1963, as adaptações de histórias estrangeiras,
de diversos temas e estilos, atribuladas ainda por interrupções, não deixaram o
público mineiro, infantil, sem o encanto do universo da fantasia e da imaginação. 23 Neste estudo, esclarecemos que os títulos das peças foram transcritos conforme o original, diferindo, assim, da ortografia oficial em vigência no país.
216
Nestes mesmos anos e de acordo com as apresentações descontínuas de
Histórias do Arco da Velha, a TV Itacolomi veiculou Histórias que Vovó
Contava, cujos textos estão no caderno de volume 7. Numa sequência mais coesa
e televisionadas em séries, contendo de 3 a 8 capítulos, semelhante as do Teatro
da Carochinha, encontramos histórias transmitidas, em caráter inédito, a cada
mês.
Em entrevista (26/09/2006), o produtor afirma que tentou manter a
originalidade de muitas histórias, ainda que tal opção acarretasse muito trabalho
com referência aos figurinos, cenários, perfomances. Nas transmissões de um
único episódio, as adaptações demandavam mais dedicação, pois a cada semana
novas dimensões tomavam o cenário, o texto, os papéis a serem decorados, as
trucagens, enfim, toda a linguagem do gênero (re) criava-se.
Num dos momentos do seu depoimento, Barroso confessou desconhecer
a origem dos textos e recordou que em sua infância não havia tanta diversidade de
livros, como na contemporaneidade. Livros voltados para o leitor infantil, então,
escassez total. Mas, como muitas dessas histórias pertenciam ao imaginário da
sociedade brasileira e alcançavam incrível receptividade junto ao público de
telespectadores de outros estados, como São Paulo e Rio, o produtor mineiro
acabou adaptando-as também.
Assim, todo sábado, às quatro horas, não só o público mirim aguardava
uma nova história, mas, de igual modo, os adultos, já que, nestes anos de
experimentação da TV, havia uma preocupação por parte dos diretores em
transmitir uma programação que abarcasse toda a família.
Dentre uma série de programas, o teleteatro corresponderia a esse ideal.
Por se tratar de um formato constituído pela contação de histórias, a audiência do
gênero na TV Itacolomi alcançava índice satisfatório. Segundo Barroso, quando a
história encenada era do conhecimento dos telespectadores, muitos buscavam
verificar se a adaptação acrescentaria novos dados à narrativa original.
Portanto, entre o conhecimento prévio e a novidade, havia o desejo de
entretenimento e, implicitamente, o de educação, o qual correspondia à proposta
do veículo nesta fase artesanal, quando a programação ainda se pautava na
realidade regional e atendia aos interesses da sociedade belo-horizontina.
População esta constituída por migrantes de várias partes do Estado, e que, no
217
início do século XX, era considerada uma sociedade tradicional, de valores
conservadores.
Através da adaptação de Barroso, aparecia, sobretudo, na tela um mundo
cruel, constituído por atitudes levianas como a inveja, a cobiça, a ambição, os
quais, sob efeitos de varinhas de condão ou de outros poderes mágicos, chegavam
a ser banidos da realidade do ‘era uma vez’. Na concepção do produtor, os textos
de fada ou, até mesmo, alguns de origem árabe eram ideais para se trabalhar o
emocional e a fantasia da criança. Inconscientemente, esse universo fazia com que
todos revissem criticamente suas atitudes, seus valores morais, o que poderia
resultar numa mudança do comportamento social.
A respeito dos contos de fadas, Bruno Bettelhein (1980, p. 14), ao
analisá-los sob a luz da Psicanálise, salienta que, de forma múltipla, essas
histórias trazem a mensagem sobre
uma luta contra dificuldades graves na vida é inevitável, é parte intrínseca da existência humana – mas que se a pessoa não se intimida, mas se defronta de modo firme com as opressões inesperadas e muitas vezes injustas, ela dominará todos os obstáculos e, ao fim, emergirá vitoriosa.
Essa particularidade de superação, com a qual a criança se identifica,
explica a expressiva audiência dos programas que veiculavam essa literatura de
séculos.
Em entrevista (28/06/05), Barroso comenta que, após a transmissão do
programa infantil, recebia telefonemas ou se encontrava com muitas mães,
professores, os quais, imediatamente, perguntavam se ele havia cursado
Psicologia, pois as histórias tocavam a todos de alguma forma. Alguns contavam
que muitas peças retratavam problemas preocupantes, como crianças
desestimuladas de estudar ou dispostas a apresentar comportamentos desvirtuados
da conduta moral em vigência.
Ao traçar um panorama crítico dos programas infantis de TV brasileira,
transmitidos neste ínicio de século, o autor e diretor de programas, Walter George
Dürst (2002, p. 122), afirma que o veículo tem contribuído para a deseducação,
pois há uma geração “totalmente desprovida de criticidade, uma geração sem a
noção no quê confiar ou do quê desconfiar, uma geração que perde os limites, já
que é mostrado que se pode tudo.”
218
Para reverter este quadro, a solução, para Dürst (2002, p. 122) estaria
justamente no retorno do mundo das tradicionais narrativas,
talvez adaptando as fábulas de Esopo, Andersen, dos irmãos Grimm e de La Fontaine para a tevê, no lugar de castelos encantados que não passam de casas de bonecas sem janelas ou respiros, apenas efeitos especiais emburrecedores. Repito: é preciso criticar. Criticar é libertar-se.
É, justamente, a não dissociação do meio social da criança que tornava
as histórias das fadas sedutoras e cativantes na TV, pois, como escreve Louis
Aragon, “nada é mais fantástico do que o cotidiano” (ARAGON apud DÜRST,
2002, p. 123).
Embora muitos críticos condenem as concepções moralizantes
subjacentes nesses textos literários, Alaíde Lisboa de Oliveira (1984) questiona se
tais princípios também não podem ser encontrados em obras clássicas como O
Pequeno Príncipe, de Saint-Exupéry, O Menino do Dedo Verde, de Murice Druon
e em tantas outras do acervo literário mundial. Logo em seguida, ela ressalta
(1984, Amae Educando, p. 30) que, nas narrativas de origem popular, a
caracterização de valores da sociedade burguesa – conservadora quanto às
aspirações, aos preceitos, aos comportamentos sociais – pode ser perfeitamente
“usufruída, meditada, absorvida, de acordo com a experiência prévia de cada
indivíduo (leitor, espectador, telespectador), seja criança, ou jovem, ou adulto.”
Por se tratarem de ficções da prosa poética, em que os personagens
construídos são densos de uma alma humana e os recursos linguísticos e literários
obedecem a uma seleção criteriosa, tais textos acabam suscitando as emoções das
crianças, conduzindo-as a aprendizagens estéticas, éticas e morais.
Dessa forma, podemos entender que o ato de ouvir, assistir, contar
histórias, mais do que uma atividade de prazer, torna-se uma experiência vital
para todos, não só para os pequenos. Mergulhar nesse universo é exercitar o que
chamamos de a arte do viver. Neste sentido, a literatura infantil, dirão alguns
teóricos, corresponde à necessidade da criança em vivenciar momenos de fantasia,
de emoção, através de uma realidade imaginária.
Por estas e outras razões, entendemos a permanência de tais narrativas
ao longo da história da humanidade, pois como disse Cecília Meireles (Apud
219
COELHO, Revista Criança, p. 11) elas “possuem uma verdade capaz de
satisfazer a inquietação humana, por mais que os séculos passem.”
Não mais subordinada somente ao universo da contação oral, ou do seu
objeto de consagração, o livro, a literatura infantil, a partir do século XX, passa a
dialogar com os mais novos dispositivos da indústria cultural do país, como o
cinema, o rádio e depois a TV.
Embora consideremos que, num processo de adaptação, tais textos se
definem como um novo texto, por estarem regidos por outros códigos, como nos
alerta Elzira Divina Pérpetua (2007), é nos veículos de comunicação, sobretudo
no audiovisual, que a literatura encontrará espaço para a sua disseminação e
legitimação no contexto da sociedade moderna.
Neste cenário, a TV Itacolomi fez história. Como vimos, desde as suas
primeiras transmissões, os textos literários infantis da tradição ocidental ganham a
tela, tendo nas adaptações de Jotta Barroso um espaço maior de divulgação. Para
surtir resultados positivos de audiência, Barroso era criterioso quanto ao processo
de adaptação, pois toda a riqueza do texto jamais poderia ser ofuscada. Para tanto,
trabalhava-se muito com a criatividade, com a invenção, já que a TV estava à
mercê de processos experimentais.
Assim, muitas das histórias de príncipes, donzelas, sheiks, castelos,
tapetes voadores foram ao ar, isto é, tudo que a imaginação dos adaptadores
pudesse criar e reproduzir aparecia na telinha. Através da TV, ainda não
caracterizada como a babá eletrônica, que este mundo de histórias se revigorou e
se disseminou, abarcando um grande e diverso público de telespectador, carente
de uma programação mais efetiva.
Quanto às encenações das telepeças, Barroso preferiu, nos anos iniciais
de sua experiencia como produtor e autor, nos programas Teatro da Carochinha
e História que Vovó Contava, transmiti-las em série. Procedimento este, vale
ressaltarmos, diferente das encenações do Teatrinho Trol, da Tupi do Rio e do
Fábulas Animadas e de algumas encenações do Teatro da Juventude, da Tupi
São Paulo, os quais não eram do conhecimento do público mineiro, em virtude da
TV, na época, não funcionar em sistema de cadeias. Mas, o sucesso dos teleteatros
de Barroso, ainda sem concorrente na capital de Minas, foi semelhante às
produções de suas co-irmãs, as TVs Tupi, pioneiras no empreendimento chamado
televisão.
220
6.4 Entre as histórias dos teleteatros infantis, as histórias dos bastidores
Por ter trabalhado quatro anos na TV Itacolomi, exercendo funções de
ator, supervisor de figurino e de cenário, autor e produtor de teleteatros infantis,
Barroso relembra muitos fatos curiosos.24
Ao participar do universo televisivo, ainda em construção, o artista
mineiro soma uma trajetória atribulada por uma série de obstáculos, mas que, ao
final, segundo ele, transformou-se em grandes vitórias.
Não se diferindo das demais emissoras inauguradas no eixo Rio-São
Paulo, na TV Itacolomi, construíram-se muitas histórias nos bastidores do veículo.
Em entrevista, Barroso, através dos detalhes, vem confirmar a precariedade que
assolava a mais nova iniciativa de Assis Chateaubriand. Havia situações capazes
de horrorizar qualquer telespectador, mas nada que o caráter da improvisação e da
criatividade não conseguisse resolver.
Entre uma peça e outra, toda a sorte de dificuldades era possível: ora
atores não sabiam se vestir direito ou movimentar-se diante da câmera, ora nem
mesmo tinham roupas e sapatos adequados à história a ser encenada.
Semelhante ao teleteatro para adulto, um número extenso de outros
embaraços também podia ser evidenciado no infantil. Entre os vários casos, ele
cita um em que a esposa do palhaço Moleza, personagem famoso do Circo
Bombril, queria ser a feiticeira de uma das peças. Por ser atriz despreparada,
Barroso decidiu, então, que ela apareceria muito, mas iria apenas fazer mágicas e
falar pouquíssimo.
Essa preocupação em alcançar a originalidade do texto jamais poderia
ser esquecida, pois era uma estratégia eficaz para atrair o público telespectador
ainda em formação. Para tanto, nos papéis de príncipes e princesas, Barroso exigia
belos atores e figurinos elegantes. Era muito raro uma criança ser escalada para
atuar. Diferente das TVs de São Paulo como Tupi e Record, as quais contratavam
grupos de teatro infantil, a teleteatralização na Itacolomi era realizada por atores
pertencentes ao próprio cast da emissora. Devido à inexpressividade do teatro
24 Em entrevista no dia 28/07/06, Jotta Barroso busca detalhar esse universo dos bastidores.
221
para esse segmento, na cidade de Belo Horizonte, a qual contava apenas com as
apresentações esporádicas das companhias de espetáculos do Rio de Janeiro e de
São Paulo, seria inviável produzir de forma independente tal gênero artístico.
Como os teleteatros de Barroso começaram a ser produzidos no
momento em que a TV passava por novas reformulações, alguns privilégios lhes
foram concedidos. E à medida que o programa ganhava audiência, podia-se
investir mais na sua estrutura e veiculação.
Para as peças de ambientação medieval25, uma constante nas adaptações,
Barroso passou a desenhar vários figurinos, que seriam confeccionados na própria
Itacolomi. Logo, a emissora poderia dispor de um guarda-roupa mais diverso.
Essa nova condição veio desobrigar os profissionais de se preocuparem
com o figurino, bem como os deixou livres do ridículo, pois muitos chegavam a
repetir determinada roupa em peças diferentes. Antes disso, Barroso acrescenta
que, muitas vezes, sapatos, roupas e acessórios, em razão da precária condição
financeira da Itacolomi, deveriam ser providenciados pelos atores.
A dificuldade de figurino era maior para as atrizes, pois elas não tinham
muitas opções para conjugar uma peça do vestuário com outra, numa mesma
encenação, conta Barroso. Já os atores podiam, em quadros diferentes, repetir um
mesmo terno, mas deviam trocar as gravatas, as camisas, os sapatos, os chapéus.
Em tudo se exigia muita observação nos pormenores, pois assim que se alcançava
o sucesso e o público merecia o melhor.
25 Alguns figurinos foram fotografados e constam no arquivo do ator. Cf. Anexo 11.
Figura 120. Figurino de cortesão: desenho de Jotta
Barroso
Figura 119. Figurino de peça medieval: desenho de
Jotta Barroso.
Figura 121. Figurino de peça pastorial: desenho de
Jotta Barroso.
222
Todo esse universo de histórias de bastidor, recheado ora de humor, de
vitória, ora de tragédia, tomavam impulso a partir da leitura dos scripts. De acordo
com a história a ser teleteatralizada, o produtor dava as diretrizes e cuidava dos
detalhes.
Como tudo que se veicula no audiovisual demanda uma série de agentes:
produtor, figurinista, autor, ator, câmera e outros, o script torna-se, assim, uma
ferramenta essencial para que o trabalho de encenação se realize de forma coesa.
Neste sentido, são esclarecedoras as palavras de Edward Stasheff (Apud
SENE, 2001, p. 54), quando o teórico o define como um: Plano completo de uma emissão televisiva: instrumento básico de apoio, tanto para a produção quanto para a direção de um programa; o script contém o texto, falas, indicações, marcas e deixas de câmera e direção, posicionamento e movimentação cênica, de forma genérica ou detalhada; expressa as idéias do autor, do produtor e do diretor a serem desenvolvidas pela equipe que realiza o programa.
Todos esses códigos do universo escrito, icônico e sonoro, aliados a
recursos de tecnologia (câmera) podem ser verificados nos roteiros de teleteatros
infantis escritos por Jotta Barroso. 26
Embora não nos seja possível analisar as imagens das encenações
teleteatrais empreendidas por esse adaptador/produtor e por tantos outros das
emissoras do Rio de Janeiro e São Paulo, em função dos programas se
caracterizarem, nos anos 50 a meados de 60, pela transmissão ao vivo, teremos
que nos restringir à análise dos scripts para demonstrar o processo rudimentar,
mas criativo explorado na arte de contar histórias através da TV. Acreditamos
ainda que parte desses momentos pode ser recuperada através de acervos
fotográficos e de depoimentos das equipes de produção do gênero.
Na tessitura do referido texto, vemos que há inúmeros códigos
pertencentes tanto ao universo do teatro quanto do rádio, como, por exemplo, as
rubricas, os efeitos de sonoplastia, a música e a palavra escrita. Somadas a esses
códigos, estão as heranças do cinema: o trabalho das câmeras, no mínimo 3, e
exigências próprias de transmissão em vídeo como filme de nuvens, passagem de
tempo, superposição de imagens etc. A partir desse intercâmbio, o texto para TV
26 Cf. Anexo 12.
223
ganha um estilo próprio. Outro elemento de igual importância é o cenário, cuja
responsabilidade estava em criar um ambiente adequado à encenação do mundo
ficcional. Dependendo da sua qualidade estética, tal recurso chegava a competir
com o trabalho dos atores por ser também foco das câmeras e do olhar do público.
Dentre todas as telepeças infantis adaptadas por Jotta Barroso,
pretendemos, neste estudo, analisar o processo de adaptação empreendido na
história da A bela adormecida no bosque.27 Para um conhecimento mais
abrangente do trabalho de encenação na TV, abordamos ainda procedimentos
importantes e curiosos, recorrentes em outros textos exibidos.
Embora o roteiro de A bela adormecida no bosque, como os demais do
acervo, não apresente boa legibilidade por ter sido produzido há quase 50 anos
atrás, foi-nos possível fazer uma leitura do texto e verificar sua organização
estética e a narrativa de seus eventos.
É no próprio set da TV Itacolomi, com um cenário característico à
história original, que este conto, reescrito no século XVIII pelos Irmãos Grimm,
vai ao ar. Dividido em três capítulos, transmitidos em 01, 07, 14 de julho de 1961,
este teleteatro ilustra a trabalho e a sensibilidade do adaptador Barroso na
adaptação desse texto da tradição oral. Em sua forma datilografada e
mimeografada – recursos modernos para a época – todo o enredo do universo de
fadas boas e más está distribuído em 30 páginas, tendo no primeiro capítulo, 9
páginas, no segundo 8, e no terceiro, 12.
Inicialmente, para entendermos o roteiro audiovisual, temos que
distinguir, como no cinema, as informações de áudio e vídeo. Na diagramação
desse tipo de texto, convencionalmente, as informações de vídeo ficam dispostas à
esquerda e as de áudio à direita.
Para que a interpretação alcance o sentido pretendido pelo
autor/adaptador, o roteiro de TV, assim como o de teatro, também traz entre
parênteses as intenções de uma encenação a ser transmitida ao vivo.
Ainda no script A bela adormecida no bosque, há rubricas que,
tradicionalmente, cumprem a sua funcionalidade. Escritas em letras maiúsculas,
tal recurso se situa como importante elemento da teleteatralização a ser
transmitida pela telinha.
27 No anexo 12, estão os dois primeiros capítulos da telepeça.
224
Portanto, no decorrer do primeiro capítulo e nas demais páginas,
podemos encontrar, dispostas à direita, informações que situam a ação dos
personagens frente às câmeras, como “BARROSO (FALA O QUE TEM QUE
FALAR)” (p. 1), “(AS DUAS SE ABRAÇAM)” (p. 3) ou ainda “(ESTÁ
DESPACHANDO COM UM PAGEM)” (p. 3), bem como aquelas que fornecem
“dicas”, sobre as motivações e intenções secretas não expressas na fala de
determinado personagem: “Pastora (FICA TRISTE)” (p. 2) e “(FELIZ)” (p. 8).
Toda essa montagem se completa com uma pontuação incisiva no transcurso dos
diálogos. A princípio, as reticências, os pontos de exclamação, por exemplo,
auxiliam, de igual forma, o trabalho de representação dos atores.
Inclusas no espaço esquerdo do roteiro, estão as rubricas sobre o cenário,
o qual não recebe nenhuma descrição detalhada, a não ser nomeações dos 3
espaços: Set real, Set pastora, set sala grande do palácio. Neste momento, o texto
traz como novidade o jogo de câmeras, tendo 3 no mínimo.
Em outras rubricas, há outras exigências próprias do veículo. No
primeiro capítulo, há, por exemplo, “CÂMERA DESFOCA FILME DE
NUVENS, PASSAGEM DE TEMPO. CÂMERA ABRE NO MESMO SET,
MESMO LUGAR” (p. 6), “CÂMERA SUPER DE FADA” (p. 6) e “BARROSO
(FALA FINAL DO PRIMEIRO CAPÍTULO)”.
Curiosamente, no primeiro capítulo do referido roteiro, nenhuma rubrica
fez menção ao efeito de sonoplastia e intervalos para os inter-programas
(intervalos comerciais) – um procedimento comum em muitas produções
televisivas. A este respeito, Barroso explica que a propaganda, referente ao
patrocinador do programa de teleteatro infantil, ia ao ar antes da transmissão das
cenas. Dessa forma, semelhante ao teleteatro de Tatiana Belinky e Júlio Gouveia,
a história não precisaria ser interrompida, a não ser em casos de problemas
técnicos do veículo nas transmissões. Todavia, em uma série de peças do
programa Teatro da Carochinha, como veremos adiante, a propaganda assumia
lugar de destaque, pois iniciava e encerrava a transmissão dos capítulos.
Na leitura do roteiro, verificamos também que, inicialmente, era o
produtor do teleteatro que se dirigia ao telespectador mirim e, sem grandes
detalhes, escrevia apenas “BARROSO (FALA O QUE TEM QUE FALAR)” (p.
1). Na intenção de que esse público não se ausentasse da sala, Barroso,
semelhante aos diretores Júlio Gouveia (Tupi, SP) e Fábio Sabag (Tupi, RJ), fazia
225
um breve comentário sobre a peça e dava boas vindas aos pequenos. No
encerramento do programa e não da história, devido ao número de capítulos, ele
apareceria novamente. Neste momento, além de agradecer, o adaptador pretendia
convencer aquele telespectador criança e/ou adulto a continuar acompanhando a
trama, a qual se interrompia, intencionalmente, num momento de grande tensão
previsto no roteiro.
Ao explorar essa estratégia, Barroso objetivava alcançar a fidelidade do
público infantil.
Na adaptação de A bela adormecida no bosque, é possível observarmos
que o roteirista buscou, ao máximo, reproduzir os eventos da versão original do
conto, como o lamento da rainha por não conseguir engravidar; a maldição
lançada por uma das fadas, agora bruxa, à pequena princesa Bela Adormecida,
que acabou confinada a um sono profundo de 100 anos, por ter tocado no fuso.
Como era esperado, o roteiro traz ainda o final feliz: o beijo do príncipe e seu
encontro com a princesa, agora, não mais adormecida.
Para agradar ao telespectador, em sua maioria, conhecedor da história,
muito da magia e do encantamento, constituídos por fadas diversas, a do Lago
Azul, Arco-íris, Blanche, Pedra Preciosa, Bondade, Bela, príncipe, princesa, rei,
rainha, pajem e a bruxa, ganhava a cena por trinta minutos. Entre cenários de
ambientação medieval, “sala grande do palácio”, “quarto da princesa”, e painel de
“mata virgem” (por onde passa o príncipe e encontra Bela Adormecida), estão
também os momentos em que há superposição de imagens.
Logo, o efeito de encantamento toma conta da cena e se torna um
mistério para o público da telinha, o qual vivia a imaginar como se processavam
tais imagens. Neste sentido, Barroso comenta que para alcançar efeitos fascinantes
nas encenações de TV era preciso valer-se das trucagens, cada uma mais criativa
que a outra. Em virtude da televisão não contar ainda com processos sofisticados
de jogos de imagens, todas as emissoras buscavam inúmeros truques para
transmitir o que de melhor elas poderiam apresentar. Tais recursos experimentais
deveriam corresponder ao universo ficcional própria de cada história.
Nesse processo de atualização do texto em outra linguagem, isto é, a
adaptação para a TV (ADAMI, 2000), além do desejo de fascinar, era preciso que
o telespectador entendesse a história, evitando interpretações aleatórias e
simplistas.
226
Como exemplo dessa experiência, podemos citar o momento em que, na
peça A bela Adormecida, a personagem má desejou revelar sua vingança à família
real, e só conseguiu se deslocar em direção ao reino com a ajuda de uma vassoura.
Assim, no segundo capítulo do script, lemos: “CÂMERA ABRE
NEUTRO ONDE ESTÁ A FADA MÁ MONTANDO NUMA VASSOURA” (p.
3). Para a referida personagem ir ao castelo, Barroso, na mesma página, escreve:
“ENTRA CINTA DE NUVENS EM MOVIMENTO E POR UM TEMPO FAÇA
SUPER DE FADA”.
Em entrevista (28/07/2006), o artista esclarece que, em momento algum,
a bruxa se deslocou, apenas o cenário. Para tanto, a personagem vilã teve que ficar
estática em primeiro plano, enquanto o cenário de fundo se movia. Em segundo
plano, projetado pelos contrarregras para produzir uma sensação de passagem das
nuvens, e através da superposição das imagens, o público telespectador acreditava
que, de fato, ela conseguiu voar com uma vassoura e chegar ao palácio. Depois
dessa imagem, a câmera foca os personagens do palácio que temem as ações da
fada má: “CÂMERA DETALHAR ROSTO DE NERVOSISMO DE TODOS
QUE ESTÃO EM CENA” (p. 4). Portanto, em toda cena que exigia mudança de
cenário e tempo, era utilizada essa cinta de nuvens, cuja projeção se dava por um
aparelho específico.
Nesta mesma peça, com a intenção de mostrar o sonho da princesa em
casar com algum príncipe, a câmera consegue projetar outra imagem, a do futuro
amado, que ficou acima e ao lado da cabeça da donzela. Definidos por Barroso
como trucagem de autor, tais jogos de imagens era um recurso muito explorado
por todas as emissoras da época. Segundo depoimentos das pessoas que fizeram a
TV, eles conseguiam fazer milagres. Na TV tupi, por exemplo, Tatiana Belinky ao
mencionar sobre a dificuldade de fazer TV, cita casos dessa realidade, os quais
foram apresentados no capítulo 4 deste estudo.
Vale dizermos que toda essa projeção criativa, o autor tomou
conhecimento quando atuou na novela Garrafa do Diabo, da TV Itacolomi.
Nesta novela atuou como um fabricador de velas, a princípio, um papel de
“escada”, isto é, pequeno papel. Nesta novela, por exemplo, para mostrar o diabo
preso na garrafa, foi preciso utilizar duas câmeras: uma focalizava a garrafa sobre
um móvel e uma outra, o rosto do personagem. Na montagem final, a imagem,
227
gravada inicialmente com a câmera 2, ficava projetada na garrafa filmada pela
câmera 1. Logo, dava a entender que o personagem estava ali dentro.
Em depoimento (28/07/06), diz que tudo “aquilo me impressionou e vi
como ficava bonito na tela o diabo preso na garrafa.” A partir de então, muitas
cenas do teleteatro infantil passaram a contar com este trabalho de câmeras,
chegando até mesmo a colocar tapetes voadores, personagens em lutas sobre o
tapete, e, ao fundo, o filme de nuvens. Em cada uma das histórias televisionadas,
embora muitos desses processos de trucagens chegassem a se repetir, Barroso
ressalta a importância do toque da imaginação, nos pequenos detalhes da
teleteatralização infantil. Exigência esta jamais estampada em algum roteiro, mas
depositada na versatilidade de cada profissional envolvido com a TV desses anos
experimentais.
Portanto, ao nos atermos ao texto/roteiro como um todo, observaremos
que, no espaço da TV, tal ferramenta prima pela economia de detalhes, exigindo
uma dedicação maior do diretor e produtor na projeção do texto.
Consequentemente, ao contrário do teatro, a autoria do script acaba se perdendo.
A importância é dada ao produto final, ou seja, à representação e não ao texto
guia. Este, portanto, deve cuidar para que o telespectador entenda de forma clara o
que está sendo veiculado, pois inexiste aí a possibilidade de rever a mesma cena
naquele exato momento. Diferente do texto impresso, na mídia eletrônica e, até
mesmo, no espetáculo, todos os sentidos do telespectador devem estar aflorados,
aguçados para receber a mensagem.
Caso o roteiro de programa de TV ficcional, seja lido com intuito de
fruição e prazer, ele pode revelar uma fatalidade vivenciada pelo texto dramático:
a leitura, normalmente asfixiada pela concepção de que ela traz muitas lacunas
interpretativas que podem comprometer a mensagem pretendida. Todavia, para
qualquer tipo de texto, sabemos que todo leitor deve conhecer determinados
códigos e disponibilizar estratégias, procedimentos diferentes para se obter
sucesso interpretativo e a ação se torne instigante e agradável. Semelhante ao
texto dramatúrgico, o script pode se constituir como um rico suporte de leitura
que guarda sua importância no universo das letras.
Considerando essa particularidade, ao lermos os outros roteiros de
teleteatros infantis de autoria de Barroso, alguns dados não contemplados no texto
A bela adormecida nos chamam a atenção. Embora não esgotem nossa
228
inquietação a respeito de como se realizaram determinadas cenas, que figurinos,
cenários, músicas, por exemplo, compuseram a teleteatralização, vimos a
importância de comentá-los, ampliando, assim, a discussão sobre o processo de
encenação a partir dos textos arquivados pelo ator mineiro.
A respeito dos figurinos, na leitura dos scripts, observamos que Barroso
não fez nenhuma menção sobre os modelos utilizados pelos atores nas telepeças
para criança. Logo, o único material que revela um pouco desse universo são os
registros fotográficos. Todavia, no álbum do autor, tais imagens não trazem em
seus versos os títulos das
telepeças de referência,
dificultando, portanto, a
apresentação de uma análise
mais detalhada com relação à
encenação, já que o figurino
constitui uma das linguagens
de importância na construção
do encantamento proposto
pela arte cênica. De acordo
com o enredo da peça,
luxuosas roupas, com vestidos
longos e casacos, tomados de detalhes e tecidos diversos; acompanhados de
penteados elegantes, chapéus, sapatos e tantos outros recursos entravam em
cena.28 Vale acrescentarmos que até mesmo alguns modelos, possivelmente,
pertenceram ao teleteatro Grande Teatro Lourdes, em que Barroso atuou como
ator e adaptador de algumas peças.
A dificuldade em desenhar o figurino surgia quando algumas peças
exigiam a representação de bichos ou, até mesmo, objetos falantes. Tal situação se
encontra, por exemplo, na encenação do primeiro capítulo de Pinóchio, em que as
cenas finais previam a fala de um grilo. Ao falar sobre o desrespeito dos filhos
para com os pais, o personagem não estava em off, mas apareceu caracterizado e
participou da cena. Outra peça que merece destaque é Era uma vez um reino das
montanhas por trazer, em seu segundo episódio, um personagem do reino animal:
28 Cf. Anexo 11.
Figura 122. Barroso, ao fundo, e seus figurinos.
229
um cabritinho, que num dos momentos da peça é descrito como gatinho – falha do
adaptador. Nessa história, um príncipe transforma-se magicamente em um
cabritinho a partir do feitiço de uma bruxa – resultado de uma trucagem – “joga-se
a pólvora no caldeirão” (p. 4). Embora não exista a imagem do figurino desses
personagens, imaginamos que Barroso também confeccionou roupas adequadas à
forma dos animais, por mais complicadas elas aparentassem ser. O mesmo pode
ter ocorrido em A cabra encantada, cuja protagonista tratava-se de uma cabra
falante.
Nas entrevistas realizadas com o adaptador, em momento algum, ele
mencionou sobre a presença de bichos nos sets de encenação, como era comum na
TV Itacolomi em seus primeiros anos.
Outro ponto interessante que os scripts trazem são anotações referentes
às encenações. O texto Joãozinho mais Maria revela, por exemplo, o elenco da
encenação. É na referida peça que estão descritos, em maior quantidade, os nomes
de atores. Contudo não se tem conhecimento preciso dos perfis devido à falta de
registro nas fotos de Barroso. Assim, escritos a caneta, aparecem: Lázaro Araújo,
Wilma Henriques, José Luiz, Gracia Maria. Em outras peças, encontramos,
aleatoriamente, os nomes Neide, Sérgio, Milton e Geraldo.
Para obter o efeito
pretendido nas
teledramatizações, Barroso não
se furtava também de deixar
algumas considerações para o
ensaiador. Em O príncipe
encantado, como em tantos
outros textos, escreveu:
“Atenção senhor ensaiador...”
(p. 4); e ainda “Atenção
ensaiador – esta cena é toda
movimentada sem uma palavra”
(p. 3).
O trabalho do iluminador em muitas peças era imprescindível. Embora
não tivesse participação na peça A bela adormecida, o mesmo não aconteceu em
outras encenações, cujo enredo exigia a famosa cena de mágicas. Nas peças A
Figura 123. Príncipe em cena de trucagens na peça A princesa encantada, do programa Histórias que
Vovó Contava.
230
princesa encantada, Lili no paiz do faz de conta, A princesa coruja, Príncipe
encantado,O príncipe Shalimar, por exemplo, explosões ganharam a cena. Nesta
última, o recurso de trucagem entrou em ação quando um dos personagens, o
gênio da lâmpada, apareceu e o personagem príncipe aproveitou a explosão para
trocar de roupa. Mas, anteriormente, Barroso explicou:
Atenção nesta altura deve ser puchado o fio de naylon que está na cabeça do Milton e o pano irá saindo de cena – deverá cair alguma coisa que complemente sua roupa pois na cena anterior ele já mudou a calça. Filme de passagem de tempo. Iluminador: explosão. (p. 4).
Já em O prêmio da virtude, uma extensa rubrica explica o trabalho do
iluminador na peça: “ILUMINADOR – Conforme ordem do diretor de TV, deverá
ir diminuindo a luz até não ter nenhuma a não ser uma restea de luz que entra pela
janelinha e vai direto na cama” (p. 2).
Por todas as
teleteatralizações também a
emoção dos efeitos de
sonoplastia, a cargo do
contrarregra, intensificava
os momentos de emoção e
de suspense. Assim, na peça
Príncipe encantado, muitos
trovões, ventos e chuvas
ornamentaram o cenário
horripilante da malvada feiticeira. Ruídos de todos os tipos como aqueles que
imitam tropas, carruagens, tropel de cavalo, latidos de cães ao longe etc aparecem
em A pastorinha. Não faltam também as vozes de princesas, de ondas do mar
batendo, de vozes gravadas da sereia, da árvore, no texto A princesa encantada. A
esse universo de sons, o contrarregra acrescenta ainda, em off, muitas batidas em
portas ou toques de congo, como acorre na peça Tamara, a escrava feliz.
Em muitas telepeças, de igual modo, músicas de todos os tipos e
nacionalidades contribuíam para o efeito de encantamento das histórias. Porém
nos scripts não há uma identificação mais precisa dessa linguagem.
Figura 124. Detalhe: efeito da iluminação no cenário. Barroso ao chão.
231
Simplesmente, elas são descritas como música linda russa, árabe, recolhida do
balé etc. Em datas especiais como o Natal, vimos que as peças se pautavam em
consagrados repertórios musicais. Na transmissão do texto Partorzinho de Belém,
por exemplo, utilizaram-se faixas de música com coro celestial e sacro para
denotar o espírito natalino. Posterior a esta peça, Barroso teleteatralizou Fantazia
de Natal, cujo estilo se diferenciou das demais peças a partir do momento em que
as cenas exigiram apenas música e movimentos dos atores. No set da Itacolomi,
aos poucos tomaram a cena uma menina bailarina, um casal de bailarinos, uma
cantora, um mágico, paraquedistas e um Papai Noel. Para contar a triste história
de uma garota pobre que, no Natal, desejava um simples brinquedo, todo o script
explorou os efeitos de sonoplastias e a função das rubricas, as quais coordenariam
todas as ações e expressões faciais dos atores.
Quanto ao cenário, este sempre foi uma das preocupações dos
produtores. Na época, utilizavam-se painéis, pintados, e toda sorte de objetos e até
animais para compor o ambiente. Aos poucos, essa realidade buscou outros
recursos e novos investimentos. Para Barroso, era essencial que os painéis
adequassem à história encenada. Caso as encenações fossem transmitidas em dois
ou mais capítulos e demandassem
três ou quatro cenários, a
construção do cenário era menos
dispendioso para a emissora. Logo,
podia-se pensar na riqueza de
detalhes e exigir mais qualidade.
Todo esse trabalho criterioso
rendeu a Barroso, em 1963, uma
placa de melhor produtor de
televisão em Minas Gerais.
Em depoimento, o artista cita a telepeça A lenda do Crisântemo. Tecidos
extensos, por exemplo, tomaram o cenário, denotando a riqueza do cenário. Os
figurinos coloridos e longos também chamaram a atenção por retratarem o mundo
asiático. Mundo este culturalmente diferente da realidade brasileira.
Figura 125. A lenda do crisântemo: cenário montado com tecidos.
232
Os cenários de
ambientação medieval nas
teleteatralizações das histórias para
crianças eram constantemente
explorados. Com poucos objetos e
painéis imitando paredões de pedra,
estava montado o cenário das
terríveis bruxas da literatura
infantil.
Para o espaço interno dos
palácios, longas cortinas, painéis com suas janelas e poucos móveis demarcavam
o cenário característico do período retratado. De acordo com a telepeça, três a
quatro cenários diferentes eram necessários.
Todavia, em alguns momentos, a simplicidade desenhou os cenários.
Embora Barroso não tenha em arquivo imagens de muitas das montagens, pelos
scripts encontramos vários cenários como o set de choupana, de grutas, de
eremitas, de manjedoura, de floresta, de circo e tantos outros.
Como a TV em seus primeiros vivenciava dificuldades em sua estrutura
financeira, muitos elementos como cortinas, sofás, paredes, janelas e tantos
outros, transitavam de um programa para outro, de uma peça para outra.
Na concepção de Barroso, a criatividade também era essencial, pois
pequenos detalhes fariam diferença no momento da encenação na TV.
Figura 128. Cenário da peça A princesa encantada. Ao fundo, contraste entre painéis e parede do estúdio da Itacolomi.
Figura 126. Cenário medieval de uma das peças do programa Histórias que Vovó Contava.
Figura 127. Cortinas no cenário da peça A princesa encantada, do programa Histórias que Vovó Contava.
233
Outro dado que merece destaque seria a estratégia de propaganda
utilizada nas transmissões dos teleteatros infantis. Por vários momentos, Barroso
estabeleceu formas apelativas de divulgar os produtos do patrocinador dos
programas. Em todos os scripts, durante os quatro anos de exibição das histórias,
aparece um único patrocinador: a Livraria Frei Leopoldo.
Talvez por ter alcançado importância entre os programas infantis na
telinha de Minas, os teleteatros, no período de 15/10/60 a 18/03/61, em que se
encenou Bim Bim, Joãozinho mais Maria, Pinóchio, O príncipe encantado,
reservou um grande espaço à propaganda. Nesses textos, ao participar da abertura
e do encerramento das peças, tal recurso, além de divulgar os materiais, promoveu
ainda concursos. Nas demais transmissões, verificamos que o texto propaganda se
ausenta dos scripts, passando a ocupar momentos antes das encenações. Segundo
Barroso, às vezes era muito difícil conseguir patrocínios, pois a TV estava
começando a sua história e muitos se mostravam receosos quanto ao seu poder de
divulgação.
Em Bim Bim, a primeira telepeça encenada, em seu 2° capítulo e na
primeira página, a propaganda abriu o programa Teatro da Carochinha. Nesta
telepeça, podemos ler:
SONOPLASTIA – TEMA LIVRE GERALDO – Bôa tarde amigos. Hoje voltamos a estar com vocês, para apresentar-lhes a continuação da história que sábado passado vocês começaram a ver. (TOM) – Vocês naturalmente
Figuras 130. Set Choupana, cenário da peça A felicidade voltou a reinar, do programa Histórias que Vovó Contava.
Figuras 129. Cenário da telepeça Iaiá, a boneca do Grande Teatro Lourdes. Mesma cortina e sofá utilizados em outras telepeças infantis.
234
não poderiam deixar de saber, que lhes oferece êste programa, é a LIVRARIA LEOPOLDO, um dos departamentos de Vendas da Indústria Gráfica Escolar Ltda; [...].
No final da transmissão, ao mesmo tempo em que o adaptador buscou
manter a curiosidade dos pequenos para assistirem ao próximo capítulo da
história, ele mencionou sobre o concurso oferecido pela Itacolomi em parceria
com a Livraria. Frente à câmera, o ator explicou:
GERALDO – (FECHANDO O LIVRO) Esta é a história de hoje... (TOM). O que será feito das pombinhas... Por onde andará o Príncipe... Sábado próximo, eu contarei mais um pedaço da história... (TOM) – (MOSTRA BRINQUEDOS) – E vocês podem ganhar todos os sábados, basta que escrevam no verso do talão de compra da Livraria Frei Leopoldo o seu nome, o endereço e mais nada. Mande para a Televisão ITACOLOMI ou coloquem na urna que está na Livraria Frei Leopoldo, na Praça Raul Soares, n° 431. Com isto VOCÊ estará concorrendo a um prêmio de vinte mil cruzeiros, outro de doze e outro de cinco no fim do ano. Até sábado com nossa história da Carochinha. (p. 5).
Nas demais transmissões, uma personagem Fada e Barroso passaram a
dividir esse papel. Como toda criança é apaixonada por seres encantados, nada
mais estratégico que uma linda fada para mantê-los antenados nos propósitos
implícitos no texto propaganda, como entreter, aconselhar, educar e consumir os
produtos da livraria.
Semelhante ao casal Tatiana Belinky e Júlio Gouveia, Barroso entendia
que era preciso saber que produto se divulgaria num programa próprio para
criança. Logo, falar sobre materiais escolares seria o ideal, já que estes, por
fazerem parte do contexto educacional, jamais poderiam deixar de ser
consumidos. Todos os produtos, de uma forma ou de outra, contribuiriam para
ampliar o repertório cultural dos pequenos.
No decorrer do ano, o texto de propaganda fazia menção a datas
importantes da realidade brasileira, como, por exemplo, preparação das crianças
para iniciar os estudos, os dias de carnaval, de férias, de Natal. Na intenção de
intensificar o consumo, a cada uma dessas datas, Barroso produzia um novo texto,
cuja estrutura discursiva teria que trazer uma correspondência entre o contexto
retratado e os produtos oferecidos pela livraria.
235
Na primeira apresentação da telepeça, Pinóchio, as palavras em letra
maiúscula possivelmente deveriam ser pronunciadas com ênfase, denotando,
assim, certa importância entre as demais por revelarem os propósitos desejados.
No momento de abertura do programa, Barroso escreveu:
FADA – Bôa tarde, meus amiguinhos. Aqui estamos para o nosso primeiro encontro do ano de 1961. Daqui mais alguns dias o ano letivo se inicia e então vocês voltarão à escola. Há os que irão pela primeira vez cheios de sonhos. É que todo garoto bonzinho faz: VAI A ESCOLA QUERENDO APRENDE O MAXIMO. A LIVRARIA FREI LEOPOLDO tem tudo aquilo que você precisa para estudar. Cadernos, livros, material para desenho. Para aluno do curso primário, secundário etc... Queremos também lembrar aos senhores professores, diretores, que o estoque de mapas, material para aulas também está a disposição dos senhores e atualizado. LIVRARIA FREI LEOPOLDO, Praça Raul Soares, 431. E agora vamos passar para a nossa sala de refeições. BARROSO (SAUDAÇÕES GAROTOS/MOSTRA LIVROS, BRINQUEDOS etc) E agora vamos para nossa história... (p. 1).
No 4° capítulo, depois de cumprimentar o público telespectador, a
personagem Fada, de forma meiga e através de palavras de incentivo, fez menção
novamente aos estudos. Após referir-se a uma determinada realidade, isto é, o
período escolar em atividade, a personagem logo convidou Barroso e a cena,
assim, composta por rubricas e falas, transcorre:
FADA – Alô meus queridos amiguinhos. Como têm ido de aulas? Precizam estudar muito porque é de vocês crianças de hoje, que o Brasil precisa amanhã. Espero que vocês sigam os meus conselhos, estudem muito e comprem seus livros, todo o material escolar na Livraria Frei Leopoldo, praça Raul Soares, 431, um dos departamentos de INDUSTRIAS GRÁFICAS ESCOLAR LTDA. (OT) Também os mais belos brinquedos, vocês encontram na Livraria Frei Leopoldo. Hoje temos ótimas notícias para vocês. (OT) Vamos pedir ao Jotta Barroso para transmiti-las. (OT) Aqui está o Barroso com as boas notícias. Barroso: Boa tarde. (FAZ DEMONSTRAÇÃO FALA SOBRE CONCURSO TINTA PILOTO) Agora vamos entrar no Reino encantado da história, vamos ver o que está acontecendo com o nosso Pinóchio. CÂMERA ABRE NO SET DE PINOCHIO - CIRCO (OS BONECOS ESTÃO PARADOS NA MESMA POSIÇÃO DO FINAL DO CAPÍTULO ANTERIOR) BARROSO (ENTRA PELA CÂMERA) Aqui terminamos nosso último capítulo. Vocês estão curiosos para ver o que vai acontecer, pois vamos então vamos ver. (OT) (PARA OS BONECOS). (p. 1).
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Como podemos observar, nesse momento, Barroso fala do concurso,
todavia não apresenta os detalhes da proposta.
Na primeira apresentação da telepeça Joãozinho mais Maria, por ser época
de Natal, entre os prêmios ofereceu-se um trenzinho elétrico – um dos brinquedos
cobiçados pelas crianças da época. Mergulhando no universo da fantasia da
criança, ao falar do Papai Noel, o texto traz:
FADA – Boa tarde meus amiguinhos, aqui estou mais uma vez trazendo para vocês o TEATRO DA CAROCHINHA, numa oferta gentil da Livraria FREI LEOPOLDO à praça Raul Soares, 431. (OT) Já estamos no mês depressa possível na Livraria Frei Leopoldo, na praça Raul Soares, 431, para ver, escolher o brinquedo de sua predileção. Papai Noel dará a você aquilo que for escolhido por você. No dia vinte e quatro de Dezembro, faremos o sorteio dos prêmios prometidos... Um crédito de vinte mil cruzeiros para o primeiro, um TREM ELETRICO no valor de dezoito mil cruzeiros para o segundo, e um credito de cinco mil cruzeiros para o terceiro. (p. 1).
Essas e tantas outras realidades de encenação na TV podem ser
encontradas nos scripts do teleteatro infantil de Barroso.
Na análise aqui empreendida, como leitores de roteiros, pudemos conhecer
um pouco o processo de adaptação.
Assim, a partir das versões dos textos da literatura de origem estrangeira
e outros pertencentes ao folclore brasileiro, esse artista buscou levar à criança
mineira imagens de encantamento e de magia. Universo este que lhe era próprio,
capaz de sanar suas dúvidas, aguçar sua imaginação e estimular seu intelecto.
Embora, dentre as atividades de sua trajetória profissional, essa fosse a
primeira e única vez em que o artista tenha se dedicado ao mundo infantil,
Barroso se empenhou em apresentar bons textos que ficariam marcados na
memória dos pequenos telespectadores. Desejava, portanto, que tudo tivesse o
gosto do “para sempre”.
No entanto, entre atropelos e vitórias, próprios da profissão, em
entrevista29, o artista mineiro confessa que a sua paixão pela arte de representar
colocou, em segundo plano, uma vida inteira. Por isso, ele viveu à sombra de
29 Entrevista realizada em 28/07/06.
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outros eus, isto é, os personagens do teatro, do rádio, da tevê e do cinema. Mas,
em uma de suas últimas entrevistas, confessou orgulhoso que: “Gosto muito da
vida e sou artista. Então gosto de tocar o coração das pessoas é com minha
imaginação.”
Longe dos palcos, dos microfones, das telas, mesmo orgulhoso de sua
trajetória artística, Barroso, agora se sentia só.
Em 2006, esses eus se encontraram. Neste momento, o cidadão, José
Barroso, extremamente lúcido, subiu ao palco e encontrou o ator, Jotta Barroso, e
juntos encenaram o ato final de uma vida. No dia 21 de setembro, faleceu o artista
na sua cidade natal, Visconde do Rio Branco. Neste dia, toda a cidade para assistir
a sua última cena.