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4 Interatividade na publicidade: uma proposta conceitual e uma análise de suas práticas
Diante da complexidade dos arranjos sociais e processos comunicacionais
contemporâneos torna-se também complexa a tentativa de reflexão e compreensão
dos fenômenos que se estabelecem na sociedade, suas características e as
consequentes transformações que acarretam.
Tomando como base todo o material coletado para análise, este capítulo traz
como proposta refletir acerca das diferentes possibilidades de concretização de
processos de interatividade nas práticas publicitárias. Para tanto, serão
apresentadas formas dimensionais e níveis classificatórios que viabilizarão a
distinção qualitativa dessas dinâmicas, sem, no entanto, impor limites rígidos de
categorização. Vale ressaltar que a separação em níveis qualitativamente distintos
não representa a atribuição de julgamento de valor, uma vez que o critério de
valoração de “melhor” ou “pior” processo só poderia ser realizado tendo
claramente definida a sua finalidade – melhor para quê? –, o que não representa a
proposta deste estudo.
Em contrapartida, pretende-se, com isso, levantar questões e sugerir um
exercício de reflexão que contribua para uma visão mais apurada das fronteiras
que delimitam o significado que carrega o conceito de interatividade, os níveis
distintos incorporados a ele, assim como os limites que demarcam as diferenças
entre esses níveis. E dessa maneira, observar, levando em consideração o lugar do
consumidor, os resultados possíveis nas variadas formas de participação que as
práticas publicitárias incitam.
Antes, porém, algumas questões importantes serão apontadas ou retomadas
por conta de sua relevância para a reflexão proposta.
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4.1. Enquadramento do conceito
Os estudos que abordam a interação na comunicação midiática representam
importante contribuição para a revisão dos paradigmas predominantes em muitas
postulações e teorias que permaneceram durante longos anos analisando a
comunicação sob o foco da transmissão linear de uma mensagem de um ponto
inicial a um ponto final e, como consequência, o suposto poder daquele que emite
– tendo em vista a ideia de formulação de signos fechados com codificação
comum aos dois pólos – sobre aquele que, simplesmente, recebe uma determinada
mensagem, com sua postura passiva. As variadas interpretações geradas a partir
da reação de cada receptor às mensagens midiáticas podem ser entendidas como
uma maneira ativa de interagir seus repertórios pessoais com o que tais mensagens
apresentam. De fato, não se pode falar em passividade. O comportamento do
receptor não é passivo, mas sim ativo através da produção de sentido e diversas
apropriações das mensagens realizadas na recepção.
De acordo com Jacques Rancière (2010), em princípio, a condição do
espectador é de passividade. O espectador olha o espetáculo e olhar é tido como o
oposto de conhecer, pois quem olha está diante de uma aparência sem saber o que
está por trás dela; e de agir, uma vez que olhar é estar imóvel, sem condições de
intervir. No entanto, o autor chama atenção para o fato de que o espectador que
olha, observa e absorve é o mesmo que produz algo a partir do que vê. Ele
observa, seleciona, compara e interpreta, conectando o que vê com o que já viu
em outros momentos. Olhar é também uma ação e interpretar é uma forma de
transformar, reconfigurar. Portanto, o espectador é um ser ativo.
A recepção pode ser entendida como o lugar de onde se iniciam as
mensagens, onde as interpretações ganham corpo e o sentido se concretiza. O
papel do receptor ganha extrema relevância na medida em que a compreensão da
comunicação se afasta do “modelo mecânico”. Modelo que ignora a produção de
sentido também possível na recepção e entende o comunicar como uma maneira
de levar “um significado já pronto, já construído, de um pólo a outro. Nele, a
recepção é um ponto de chegada daquilo que já está construído” (MARTÍN-
BARBERO, 1995, p.40). O receptor não deve ser visto como aquele que apenas
reage às intenções do emissor de acordo com as expectativas do mesmo embutidas
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no significado das mensagens, conforme aponta Martín-Barbero (1995), mas sim
como elemento que age a partir de suas escolhas e interesses, além das mediações,
novas construções e as interações com os demais receptores.
A questão da postura não passiva do receptor diante das mensagens oriundas
dos meios, principalmente, com estrutura de transmissão para massa, foi reforçada
com importantes reflexões sobre a interatividade na comunicação midiática, como
pode ser observado nos estudos de diversos autores como alguns já mencionados
aqui: Rafaeli (1988), Galindo (2002), Braga (2000), Fragoso (2001), entre outros.
Buscando apresentar elucidações sobre a definição de interatividade, Pierre Lévy
(1999) também contesta a passividade atribuída ao receptor dos meios de
comunicação:
De fato seria trivial mostrar que um receptor de informação, a menos que esteja morto, é passivo. Mesmo sentado na frente de uma televisão sem controle remoto, o destinatário decodifica, interpreta, participa, mobiliza seu sistema nervoso de inúmeras maneiras, e sempre de forma diferente de seu vizinho (LÉVY, 1999, p.79).
Lévy complementa o esclarecimento do conceito da interatividade
pontuando que “a possibilidade de reapropriação e de recombinação da mensagem
por seu receptor [o que demonstra seu papel ativo] é um parâmetro fundamental
para avaliar o grau de interatividade do produto” (LÉVY, 1999, p.79). No entanto,
é importante ressaltar que a interatividade não pode ser entendida, tão somente, a
partir da ideia de ação do receptor, uma vez que a compreensão do conceito não se
resume ao oposto da passividade. Com base nas considerações de Rafaeli (1988),
infere-se que, apesar de todo processo interativo ser constituído pela ação dos
integrantes envolvidos, uma vez que depende exclusivamente disto, nem toda
ação representa a interatividade. Estas ações podem se configurar como formas
quase isoladas, no que tange à relação e afetação entre os pólos participantes,
emissor e receptor, já que o primeiro, na maior parte das vezes, sequer toma
conhecimento das apropriações construídas pelo segundo.
Da mesma forma, a ideia de participação do receptor também não é
suficiente para a definição de interatividade. Participar é “ter ou tomar parte em”,
de acordo com a definição do dicionário Mini Aurélio (FERREIRA, 2010). Sendo
assim, em toda relação de comunicação, o receptor é parte integrante fundamental
e de igual importância do emissor. Conforme já mencionado, é ele o responsável
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por colocar em prática o processo de interpretação da mensagem apresentada, sem
o qual a comunicação não se efetiva. Portanto, sua participação, além da
importância, claramente evidentes não são suficientes para qualificar a diferença
entre os processos comunicacionais de base transmissional e aqueles que abrem
espaço para a bidirecionalidade. A conceituação da interatividade deve ir além,
somando outros atributos.
Contudo, é válido pensar a existência da interação avaliada sob o foco da
relação entre o receptor e o produto midiático, abordagem que se revela, grosso
modo, predominante nos estudos da Comunicação sobre o tema da interação. A
produção de sentido pode ser analisada sob esse aspecto. A interpretação e
apropriação do significado do conteúdo representa a interação do receptor com a
mensagem. De acordo com Braga (2000) não são apenas ações, mas verdadeiras
interações que se concretizam na “edição do material” por parte do receptor do
produto midiático.
É a partir desta perspectiva que Braga defende a ampliação do conceito de
interatividade para além da restrita relação emissor-receptor, englobando também
a relação entre os demais receptores que se constrói a partir do produto.
Os receptores passam a reagir nos seus grupos de participação de algum modo tendo incorporado (por aceitação ou por crítica) tais produtos em seu repertório. Além da evidente difusão de informações e leituras/interpretações do usuário para outros, o processo se coloca ainda como efetivamente interativo na medida em que as próprias leituras e usos feitos do produto são já informados pelas mediações culturais outras em que os usuários se inscrevem, por suas posições e tomadas de posição na sociedade (BRAGA, 2000, p.12).
Essas formas de interação (com o produto e com os outros a partir do
produto), normalmente imbricadas, geram resultados que são ações aferidas nos
diversos processos de verificação de audiência, o chamado feedback. Pode-se
afirmar que os processos tradicionais de transmissão de conteúdo informacional,
em geral, geram fluxos de retorno indiretos, dispersos e delongados (distantes no
tempo e no espaço). De fato, ainda que as interações com o produto, em especial a
aceitação ou não do mesmo por parte do receptor, não representem uma relação
direta com o emissor de um processo comunicacional midiatizado, não se pode
preterir a estreita influência e afetação das reações/ações da recepção na tomada
de decisão do pólo da produção, nos meios de comunicação de massa, em
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especial. Os diferentes produtos midiáticos podem gerar distintas formas de
retorno. Assim, é possível dizer que os resultados das aferições de audiência de
um programa televisivo ou radiofônico são tipos de feedback do público. Como
também no cinema, os números de bilhetes vendidos de um determinado filme
fazem parte do mesmo fenômeno. Ou ainda, a aderência do consumidor a uma
mensagem publicitária, seja através de uma mudança comportamental ou a
aquisição do produto anunciado – neste caso, sabendo que há, ainda mais que nos
demais exemplos, uma série de outros fatores implicados –, também representam,
de alguma forma, um feedback ao emissor/anunciante.
Os casos citados são exemplos típicos de algumas das principais formas de
retorno em tempos de hegemonia das mídias de massa. A ação do receptor estava
limitada a manifestar seu interesse ou a falta dele pelo produto midiático
apresentado, cabendo, quando possível e/ou desejável, um redirecionamento
criativo por parte do produtor para elaboração de nova proposta. À recepção não
cabia a exposição direta de suas vontades, desejos e opiniões revertidos em
resultado de interferência e/ou co-criação.
Dessa forma, o feedback e a interatividade representam dois fenômenos
distintos, ou ainda melhor, de níveis diferenciados de uma mesma realidade
processual. A interatividade é um tipo de retorno dotado de especificidades mais
restritas (RAFAELI, 1988), que se tornou mais evidente, principalmente, com o
surgimento e proliferação de um comportamento mais participativo, impulsionado
pela facilidade trazida pela tecnologia digital e as mídias que a abrigam.
Isso não significa uma classificação dos meios, nem ao menos uma
definição do termo em função das características dos mesmos, uma vez que toda
mídia tem potencial para gerar a interatividade. Pelo contrário, representa uma
análise de recorrência dos processos através do meio. Antes mesmo do advento da
internet, algumas formas de participação/intervenção já ocorriam, por exemplo,
através do envio de cartas ao jornal e posterior publicação, ou ainda, a
participação pelo telefone em programa de rádio ou televisão, entre outras. No
entanto, sabe-se que antes da inserção, no cotidiano dos receptores, das mídias
com “maior” potencial interativo, a importância dada a esse tipo de processo, de
participação mais atuante do receptor, não era considerada relevante. Não havia
grande espaço dedicado, devida abertura e facilidades (demandava outros
recursos, como o telefone), consequentemente, desestimulavam a participação.
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Tais manifestações ganham força a partir das possibilidades de amplitude e
repercussão das vozes pouco expressivas nos retornos da recepção e dos
movimentos sociais direcionados às formas comunicacionais mais participativas e
processos de colaboração.
As condições técnicas e tecnológicas de cada meio, por certo, modificam a
maneira como os indivíduos estabelecem a utilização do próprio meio e relação
com o mesmo, além de transformar os modos de produção e consumo do
conteúdo que circula através dele. Conforme Primo e Träsel,
Isso não é o mesmo que defender algum tipo de determinismo tecnológico (perspectiva que se desvincula de outros condicionamentos sociais, políticos, culturais, etc.), nem adotar impunemente a máxima macluhaniana de que o meio é a mensagem. Mas aceitar que o meio também é mensagem. Se a relação entre homem e técnica é recursiva, o processo comunicacional [...] demanda rearticulações a partir das estruturas tecnológicas em jogo (PRIMO; TRÄSEL, 2006, p.3)
Apesar do papel relevante da tecnologia nas transformações sociais, a
proposta tentadora de pensar a interatividade a partir das características das mídias
deve ser evitada para não reduzi-la, tão somente, às especificidades de cada meio,
conforme parece ecoar muitos discursos com tendência tecnicista. A
interatividade é um processo que depende do empenho e construção dos
participantes envolvidos. Sendo assim, classificar as mídias é um esforço
desnecessário. Seja qual for o meio, é possível promover um processo de troca
entre interagentes, mesmo que para isso seja necessário recorrer a canais
alternativos auxiliares. As mídias chamadas interativas diferenciam-se daquelas
tidas como tradicionais simplesmente pelo fato de possibilitar a realização da
interatividade através de seus próprios canais, o que facilita, agiliza e estimula a
participação. No entanto, como lembra Rafaeli (1988), potencial não é realidade.
Sendo assim, interatividade não é um privilégio exclusivo das mídias ditas
interativas, notadamente as de base digital; assim como uma mídia interativa não é
um pressuposto decisivo para realização da interatividade. Torna-se clara a
compreensão a partir de um objeto concreto. Em princípio, toda mídia de massa
tende à comunicação unidirecional, portanto são consideradas mídias não
interativas; enquanto a internet é tida como mídia interativa por excelência,
trazendo de forma inata em suas possibilidades comunicacionais a interatividade.
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No entanto, conforme mencionado anteriormente, a participação ao vivo de um
ouvinte/telespectador durante a transmissão de um programa de rádio/televisão
pode ser vista como um processo de interatividade, no qual a ação e interferência
mútua são efetivadas, enfatizadas e, ainda, potencializadas pela instantaneidade e
tempo real. Já a oferta de conteúdo informacional em um determinado site, rico
em hiperlinks, que propiciam uma estrutura de leitura não linear, nada mais é do
que saltar e recombinar conteúdos previamente dados – vale ressaltar:
transmitidos –, permitindo ao receptor unicamente construir seu próprio
repertório.
O mesmo pode ser observado na seleção de canais de televisão através do
controle remoto, a ação de “zapping”, que alguns autores consideram os
primórdios da interatividade. É possível apontar significativos limites na
associação do “zapping” à interatividade, esta entendida sob o foco da
permutabilidade de papeis entre emissores e receptores. Conforme ressalta Primo,
“a oferta de um grande número de canais na tevê a cabo [ou mesmo o número
mais reduzido da tevê aberta] garante ao telespectador mais opções de
entretenimento e informação. No entanto os canais disponíveis oferecem tão
somente um fluxo sequencial unilateral [...] sem permitir que eles [os
telespectadores] possam manifestar suas opiniões” (PRIMO, 2008, p.23). Soma-se
a isso o fato de que cada canal, assim como os programas contidos neles,
representam múltiplos emissores aos quais os receptores direcionam seletivamente
sua atenção no momento da escolha, configurando o processo de emissão e
recepção da mensagem em ações isoladas e sem relação direta e interdependente.
A troca de canal se resume, portanto, tão somente na seleção da emissora ao qual
será destinada a audiência, mantendo o processo transmissional de única via.
Para André Lemos (1997), a possibilidade de escolha entre opções de canais
televisivos representa um nível de “interação técnica” que pode ser observada na
análise do percurso tecnológico da televisão. Conforme estabelece o autor, ao
pensar sobre este percurso, é possível verificar “a evolução da interação técnica
em um aparelho de pouca interação social” (LEMOS, 1997, s/n). O primeiro
momento é chamado de “nível 0”. Nele a televisão é em preto e branco e não
possui mais do que dois canais. Para o autor, a interatividade aqui está limitada ao
ligar e desligar do aparelho, aos ajustes de volume, brilho e contraste, ou ainda a
escolha entre apenas duas emissoras. Com o surgimento da TV em cores e mais
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opções de emissoras, a possibilidade de zappear estabelece certa “autonomia da
‘telespectação’”, configurando o “nível 1”. “O “zapping” é assim um antecessor
da navegação contemporânea na “World Wide Web” (WWW ou Web)” (LEMOS,
1997, s/n).
Em continuidade à sua classificação, Lemos diz que o “nível 2” é aquele no
qual outros aparelhos podem ser acoplados à TV (videocassete, câmeras ou
videogames), permitindo a apropriação do objeto TV para outros fins e
temporabilidade diferenciada (assistir a um programa em horário diferente do
momento da transmissão). Restam ainda os níveis “3 e 4”, onde é possível
identificar o que o autor chama de “interatividade de cunho digital”. No “nível 3”,
há interferência do receptor no conteúdo apresentado através da participação pelo
telefone, email, entre outros. Por fim o “4” é o nível da “Televisão Interativa” que
possibilita a intervenção no conteúdo emitido em tempo real1.
A televisão tradicional permite uma interação com a máquina (ligar, “zappear”), sem permitir uma interação direta e mais ampla (que a simples votação por telefone), com o conteúdo das emissões. Embora emissões brasileiras como “Você Decide”, ou “Intercine” sejam interativas num sentido lato2, a interatividade se limita aqui a uma escolha entre duas ou três opções, a partir de ligações telefônicas. [...] A televisão digital interativa pode viabilizar, ao mesmo tempo, interações analógica (com a máquina), digital (conteúdo) e social (LEMOS, 1997, s/n).
Com esta perspectiva, o autor propõe que a interatividade é uma “qualidade
de interação”, ou seja, uma nova forma de “interação técnica”, relacionada às
novas mídias, de cunho “eletrônico-digital” que supera o paradigma “analógico-
mecânico”, possibilitando além da interação com o objeto, também com o
conteúdo e os outros indivíduos (interação social).
Embora as reflexões apresentadas pelo autor, diferentemente da proposta
deste estudo, abordem a interatividade a partir da relação humano-técnica e
apresentem níveis baseados nas características permissivas do objeto, em especial
a televisão, suas considerações contribuem para a análise proposta nesta pesquisa 1 No Brasil, os usos da “TV Interativa” ainda são muito incipientes e as possibilidades de
participação/intervenção do receptor através destes aparelhos parecem limitadas aos recursos tecnológicos agregados a ele (escolhas de câmera, gravações, acesso à internet...) ou às mesmas formas de escolhas de opções pré-definidas.
2 “Ambas são emissões da Rede Globo de Televisão. Em “Você Decide”, o espectador pode decidir, pelo voto por telefone, o final da história. Aqui a escolha se limita a duas possibilidades de desfecho do drama. Já em “Intercine”, os espectadores podem escolher o filme que passará no dia seguinte, escolhendo (também por telefone) a partir de três opções propostas pela emissora” [nota de rodapé do próprio autor] (LEMOS, 1997, s/n).
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em dois aspectos principais: na diferenciação conceitual entre os termos
“interação” e “interatividade” e no que tange à necessidade de qualificar as
diferentes formas de interagir com o objeto, com os outros e com o emissor na
construção e interferência do conteúdo apresentado. Por conseguinte, também
pensar os limites que cercam o conceito de interatividade, tratada aqui sem ignorar
a importância dos sistemas tecnológicos, mas também sem perder o foco das
trocas possíveis entre os agentes humanos do processo comunicacional. As
questões levantadas serão trabalhadas com mais detalhes nos próximos itens.
4.2. Uma proposta de definição do termo
Diante das análises até aqui apresentadas, infere-se que a interatividade não
pode ser definida a partir da postura ativa do receptor, nem da ideia de
participação deste no processo comunicacional, tão pouco com base nas
características da mídia ou sistema informático. O que, portanto, a definiria?
Talvez não haja uma palavra ou expressão única que, de forma simplificada, possa
referenciar da melhor maneira a significação do termo que é considerado mola
propulsora de um novo paradigma da comunicação na contemporaneidade. De
acordo com Arlindo Machado3, os tradicionais meios de comunicação, na
verdade, são meios de distribuição de informação que, normalmente, não têm
espaço para que o receptor possa responder, enviar outra informação e/ou intervir
naquilo que está sendo apresentado. São, portanto, sob este aspecto,
unidirecionais. A interatividade depende de haver um circuito comunicativo
bidirecional. Nicolau (2008) complementa:
Enquanto essas mídias tradicionais constituíram-se em um modelo essencialmente linear de comunicação, com as informações sendo despejadas diariamente junto ao público receptor ou mesmo em um modelo circular a partir de retroalimentações estabelecidas por cartas e telefonemas, as mídias da atualidade baseiam suas atuações, cada vez mais em diálogos constantes, participações e ações interativas (NICOLAU, 2008, p. 3).
3 Estes apontamentos de Arlindo Machado foram retirados de uma entrevista do autor,
realizada no VII Congresso da SOPCOM (Associação Portuguesa de Ciências da Comunicação), na Universidade do Porto, em Portugal, de 15 a 17 de dezembro de 2011. Disponível em: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/videos/videosoi/interacao_e_interatividade_na_tv Acesso em: 26 jul. 2012
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Também no campo da Comunicação, como na Informática, onde o termo
surgiu para enfatizar uma diferença qualitativa de um processo similar que já
existia, é possível pensar a conceituação da interatividade com a finalidade de
apontar a distinção de processos comunicacionais que têm se concretizado através
de outros modelos e formatos. Nestes processos, é evidente a ação e participação
mais efetiva do receptor baseada na construção bidirecional, na qual todas as
partes integrantes da relação comunicacional se afetam de forma direta e mútua.
Para entender tal diferença qualitativa é necessário esclarecer a compreensão
distintiva dos termos “interação” e “interatividade” que direcionam as reflexões
deste estudo. Enquanto a interação é comumente utilizada para se referir a todo
tipo de ação e troca entre partes envolvidas em um dado processo, inclusive em
diversas outras áreas do conhecimento, a interatividade, pensada sob o foco da
comunicação, pode ser entendida como um termo a fim de qualificar uma
diferença processual na relação entre os pólos de emissão e recepção, através de
um meio de comunicação. Vale lembrar que a mediação não se refere somente ao
computador, como algumas definições se apresentam, entendendo-a como o
mesmo que “interação digital”. A interatividade abarca os processos entre
interagentes ocorridos através de qualquer meio, podendo, inclusive, envolver
mais de um, no mesmo evento – como o exemplo, já mencionado, da participação
ao vivo de um ouvinte, através de ligação telefônica, em um programa de rádio;
ou ainda, a inserção do conteúdo de carta ou email de telespectadores em
programas de televisão.
Silva, em seus estudos sobre os processos interativos na sala de aula,
enfatiza a necessidade de análise dos conceitos separadamente, pois entende que a
interatividade predispõe a bidirecionalidade (“fusão emissão-recepção”), a
participação e a intervenção. O autor afirma:
Esta perspectiva é para mim muito cara, uma vez que venho pesquisando o "professor interativo" na relação interpessoal em sala de aula. O professor pode se posicionar além da interação com seus alunos, pois essa interação já ocorre "naturalmente" na separação emissão-recepção (SILVA, 1998, s/n).
O mesmo pode ser observado na relação entre emissores e receptores da
produção midiática. O conceito de interatividade, mais do que demarcar as ações
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ocorridas entre pontos estanques, busca enfatizar a natureza relacional destas
partes e a possibilidade de constante troca não apenas de mensagens, mas
também, e necessariamente, de lugares a partir de interferências e afetações
mútuas. A interatividade é um processo realizado através de um meio – o que já a
difere de interação – que vem reforçar uma qualidade específica para além da
interação entendida nos limites da assimilação de mensagens e produção de
sentido e possui como base a bidirecionalidade, configurando-se como um tipo
específico de feedback, para além dos retornos imprecisos e indiretos de
verificação de audiência. Conforme salienta Machado (1988), a bidirecionalidade
de um meio de comunicação é caracterizada pela identificação de um processo no
qual os pólos emissor e receptor “dialogam entre si durante a construção da
mensagem” (Machado, 1988, p.208). Em suma, a interatividade pressupõe pelo
menos duas partes intercambiáveis, sem demarcações fixas e imutáveis de lugares
de emissão e recepção, possibilitando a experiência de intervenção no conteúdo
das mensagens trocadas e necessidade de reaproveitamento e referencialidade nas
sequências comunicacionais. Dessa forma, é possível dizer que a interatividade
depende, mais do que ação ou participação, de uma dimensão de participação
interventiva relacional, ou seja, uma participação com intervenção, estabelecendo
a relação entre os conteúdos trocados e as partes envolvidas, podendo ser
realizada em diferentes níveis.
Outro ponto importante que deve ser destacado é que a interatividade não
deve ser confundida com a interação face a face, nem ao menos compreendida sob
as mesmas diretrizes. Todo processo mediado é alterado de alguma maneira por
essa mediação. As especificidades do meio podem impor – e certamente o fazem
– outra gramática que modificam alguns atributos da relação presencial, como por
exemplo as deixas simbólicas capturadas através de gestos e expressões do outro,
as distâncias de espaço e tempo, ou ainda, os limites estabelecidos pelo esforço
e/ou conhecimento para utilização do próprio meio, entre outras. As ferramentas
interativas de contato interpessoal disponibilizadas na internet parecem buscar
avançar para potencializar os relacionamentos entre pessoas e grupos,
privilegiando a interação social, enquanto tende à quase “transparência” – no
sentido de percepção evidente – da interface, da interação com o objeto mediador.
Conforme observação de Galindo,
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[...] as novas tecnologias poderão contribuir ainda mais na segmentação e na direcionalidade das mensagens, ou seja, a desmassificação dos meios e a possibilidade de uma intermediação semelhante ao processo interpessoal, portanto, mais relacional e próximo do consumidor (GALINDO, 2008).
É com foco voltado para a construção de um relacionamento mais próximo
do consumidor que as marcas vêm direcionando seus objetivos nos últimos
tempos, fazendo uso das possibilidades interativas no estabelecimento da
comunicação com seu público. E as mídias digitais associadas ao sistema de rede
da internet têm se apresentado como um espaço apropriado de integração e
interação, configurando-se como mídias de relacionamento, nas quais podem ser
observados o fluxo constante de comunicação midiática e o desdobramento de
inúmeras conexões. (NICOLAU, 2008). A relação entre produtor e consumidor se
constitui através de um processo entre partes não triviais, com diferentes formas
de mediação e níveis de concretização, colocando em xeque o modelo
transmissional em prol de uma estratégia publicitária que busca criar e manter um
canal direto com o consumidor, incitando mais envolvimento e participação.
Torna-se imperativo evitar a lógica e os espaços publicitários típicos das mídias
de massa, ou seja, “a exibição das mensagens publicitárias em larga escala com a
expectativa de conseguir a atenção de boa parte do público alvo” (PEREIRA &
HECKSHER, 2008). Parece mais apropriada a estratégia da “concentração”:
A estratégia baseada na concentração busca identificar e criar situações e acontecimentos que, em um jogo eficaz de trocas, sejam capazes de atrair e envolver, em torno de um dado evento, um público específico identificado previamente como potenciais consumidores. No caso do contexto da cultura de massa tal estratégia poderia se dar através de feiras ou de exposições temáticas, por exemplo. Dentro do contexto do marketing digital, a estratégia de concentração pode ser ampliada em torno de ações que enfatizem a interatividade, a conectividade e a criatividade [...] A busca por canais interativos de comunicação, que estabeleça um diálogo mais direto com o público, evitando a habitual e invasiva emissão da mensagem publicitária do típico modelo massivo Um - Todos, deverá ser prática cada vez mais comum. (PEREIRA & HECKSHER, 2008, p.9)
Como não poderia deixar de ser, também na observação mais restrita das
práticas publicitárias, a análise do conceito da interatividade deve ser direcionada
às variadas formas e possibilidades implicadas nos processos. Neste âmbito, a
interatividade pode ser estabelecida como um processo no qual é possível
identificar a dependência da intervenção de ambas as partes no produto da
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comunicação publicitária. Tal produto, nessa relação entre marca e consumidor,
pode ser tanto o “objeto” oferecido ao consumo (produto ou serviço), como o
próprio conteúdo da mensagem. Em outras palavras, a participação interventiva
do consumidor pode se concretizar na colaboração para confecção de produtos da
marca anunciante ou na construção da comunicação anunciada. A interatividade
se apresenta, dessa maneira, como um rica ferramenta utilizada para fazer com
que o público receptor participe da produção e essa participação possa ser
mostrada. E ainda, através das ferramentas de compartilhamento disponíveis, a
marca passa a contar com a contribuição de inúmeros consumidores que
propagam, ao mesmo tempo que legitimam, suas mensagens. As plataformas de
redes sociais, ou mesmo a internet como um todo, tornam-se importantes aliadas,
uma vez que propiciam a fluidez de uma mensagem de forma fácil, ágil e “viral”,
unindo importantes elementos que a publicidade precisa para a construção da
comunicação e identidade das marcas anunciantes. Conforme pode ser observado
na análise dos discursos dos publicitários entrevistados, a participação e
possibilidade de propagação são elementos cruciais no contexto da publicidade
regida pelos imperativos da interatividade.
Dito isso, é válido refletir sobre o grau de intervenção na comunicação
inserido na lógica mercadológica, para que se possa verificar as formas e níveis de
participação do consumidor nesse novo contexto que se instaura e reconfigura as
práticas publicitárias. Para tanto será apresentado um modelo classificatório que
reúne os diferentes tipos de concretização de um processo interativo que toma
como parâmetros, principalmente, as partes envolvidas na relação processual e as
possibilidades interventivas nos conteúdos trocados. Antes, porém, é necessário
esclarecer que, por se tratar de uma questão de significativa complexidade, a
interatividade não está sendo aqui avaliada sob formas amplas e abstratas,
tornando-se necessária a delimitação da situação na qual ela se estabelece. Sendo
o foco deste estudo a relação entre emissores/anunciantes e
receptores/consumidores, há de se dedicar maior atenção aos processos que
envolvem tal relação, buscando uma perspectiva de compreensão do conceito sem
desprezar, tão pouco extrapolar esse limite.
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4.3. Modelo de classificação: as diferentes formas de interagir e os distintos níveis de interatividade
A partir de um corpus de quarenta produções publicitárias (ações,
campanhas, anúncios, divulgação em redes sociais, “virais”, entre outros), reunido
no decorrer da elaboração deste estudo, somada às reflexões até aqui apresentadas,
foi possível identificar três dimensões de formas de interagir distintas que cercam
o tema da interatividade nas práticas publicitárias:
1. Interagir com o produto:
Essa primeira forma de interagir compreende as ações entre o receptor e o
produto publicitário. Produto aqui é considerado tanto o conteúdo da mensagem
como o objeto que a veicula, que, em geral, estimula o manuseio. A possibilidade
de apropriação e interferência do receptor se concretiza sob duas instâncias
distintas: na resignificação do conteúdo da mensagem e no manuseio do objeto
mediador, podendo também, de alguma maneira, modificar a mensagem
inicialmente apresentada. A relação se estabelece entre consumidor e mensagem
publicitária, sem apresentar um retorno direto e evidente ao emissor/anunciante. A
reciprocidade se dá nas implicações que uma parte exerce sobre a outra: as ações
do receptor sobre a mensagem e a “modificação” desta, sofrida a partir de tais
ações. Contudo, a essencialidade da troca com o emissor é suprimida, não
havendo reação, nem adaptação, da parte emissora, nesse processo.
Na ação sobre o conteúdo, a possibilidade de apropriação é metafórica, uma
vez que a divergência e consequente (re)produção do sentido proposto, realizada
pelo receptor, em geral não afeta direta e materialmente a mensagem original,
nem o fluxo sequencial de uma dada proposta de comunicação publicitária. A
manipulação é possível de maneira simbólica na resignificação da mensagem
exposta, a partir da decodificação e recombinação do conteúdo apresentado. O
produto oferece, solicita, direciona etc, o receptor interpreta, se apropria, contesta,
“edita”... (BRAGA, 2000).
A segunda instância está relacionada à ação do receptor sobre o objeto
manipulável. Nesse caso, o produto publicitário incita e estimula o manuseio,
fazendo com que a forma e/ou o conteúdo da mensagem se apresente de maneira
108
diferente da proposta inicial. O estado original do objeto é alterado com a inserção
de novos elementos e a mensagem é complementada, podendo reforçar ou até
modificar o sentido apresentado inicialmente – quando a intenção é revelar
alguma surpresa – com o resultado da manipulação.
Para ilustrar, são apresentados abaixo dois anúncios, nas Figuras 1 e 2.
Figura 1. Anúncio impresso do carro Peugeot 408 na revista Exame
O anúncio do carro Peugeot 4084 solicita que o leitor bata com força no
local indicado para descobrir por que o novo Peugeot 408 traz mais segurança,
como diz seu texto. Um mini air bag é inflado sobre a imagem do interior do
carro na página seguinte, onde se completa a mensagem com o texto que ressalta o
diferencial de segurança trabalhado no anúncio: “6 air bags com 8 pontos de
proteção para absorver qualquer impacto”.
Figura 2. Anúncio da Bradesco Seguros na revista QuadroRodas em versão para Ipad
4 Anúncio criado pela agência Loducca, veiculado na revista Exame, em junho de 2011.
Video-case do anúncio: http://www.youtube.com/watch?v=0SoM4xks2UQ&feature=player_embedded Acesso em: 15 out. 2012
109
A peça publicitária da Bradesco Seguros5 traz o fator surpresa, com
modificação de forma (disposição dos elementos visuais) e conteúdo (a
mensagem). Inicialmente, parece ser um anúncio de um novo modelo de carro.
Aproveitando o próprio movimento de manuseio do Ipad, o deslizar do dedo para
passar as páginas da revista, o carro é chocado contra a lateral do tablet,
simulando uma batida. O carro, então, fica amassado e os elementos que aparecem
revelam o verdadeiro anunciante e o propósito da mensagem. Dessa forma, o
anúncio chama a atenção para os eventos inesperados e apresenta a solução com o
plano de seguro da Bradesco.
Ambos tentam despertar o interesse com o propósito inusitado, diferenciado,
envolvendo o receptor com a mensagem a partir de algum tipo de participação
para além da leitura e assimilação do conteúdo informacional. A possibilidade de
interferência e alteração do produto publicitário ocorre sob a forma de um sistema
fechado, ou seja, uma determinada ação do receptor é estimulada para que seja
completada a ideia inicial ou desvendado algum propósito, novo elemento, objeto
etc. O produto passa, então, a se apresentar de modo alterado, porém com
resultado pré-organizado e estabelecido, sempre dentro dos limites previstos.
Campanhas publicitárias que usam aplicativos e jogos criados
exclusivamente para divulgação de suas mensagens, através dos recursos do
entretenimento – os chamados advergames –, também se enquadram nessa
categoria. Como exemplo, pode ser citada a campanha de lançamento do carro
Vectra GT Remix6, cuja estratégia de divulgação contou, principalmente, com a
integração de ações na web e impressos em revistas segmentadas (Figura 3).
A versão do novo modelo do carro tinha como público alvo jovens que
gostam de música eletrônica, “baladas”, games e situações que estimulam a
adrenalina. Como estratégia, foi criado um hotsite exclusivo para divulgação da
campanha que utilizou uma música remixada por três DJ’s famosos e um jogo de
corrida de carro para atrair esse público. O aplicativo, baseado na tecnologia de
Realidade Aumentada7, permitia a integração do impresso com o digital. Para
5 Anúncio criado pela agência AlmapBBDO veiculado na revista QuatroRodas, versão para
Ipad, em maio de 2012. Video-case do anúncio: http://www.youtube.com/watch?v=lJVqlAMTU4g Acesso em: 15 out. 2012
6 Campanha criada pela agência McCann Erickson, lançada em março de 2009. Video-case da campanha: http://www.youtube.com/watch?v=8brDL0t42tY Acesso em: 15 out. 2012
7 Um recurso gráfico que, a partir da leitura de um código colocado em frente à webcam, é capaz de reproduzir uma imagem em três dimensões sobre a imagem do ambiente concreto que
110
jogar, era necessário ter em mãos um código/marcador disponibilizado no anúncio
da campanha, veiculado em algumas revistas, e também no site, para baixar e
imprimir. O impresso continha, além do código, o desenho de um volante que, ao
ser capturada a imagem pela webcam, transformava-se em um carro virtual,
combinando elementos virtuais e concretos e possibilitando a transferência para
um novo ambiente. Dessa forma, ao internauta podia realizar um test drive
(simulado no ambiente online) no novo Vectra. A pontuação alcançada de acordo
com a habilidade do jogador liberava as três opções da música Take on me
remixada pelos DJ’s, para escolher a versão preferida e baixar o arquivo em mp3
para o computador.
Figura 3. Anúncio de revista8 e imagens do aplicativo criados para campanha de lançamento do Vectra GT Remix
A manipulação tátil e o desafio de um jogo proporcionados pela tecnologia
parecem gerar sensação de aproximação e afetividade com a marca e o produto
anunciado. O envolvimento e a participação, intelectual e sensorial, do usuário,
em aplicativos e jogos eletrônicos diversos, é indispensável para o funcionamento
dos mesmos e a realização da comunicação propositada nele. Dessa forma, é
possível capturar e prender por mais tempo a atenção do receptor, mantendo-o
imerso no conjunto de significados que a marca produz e representa, traduzidos no
conteúdo da mensagem que está sendo transmitida, explicita ou implicitamente,
nesse universo.
Também fica claro, nesse exemplo, que a interação ocorre entre receptor e
objeto, revelando o que Lemos chama de “interação técnica”. As produções da
está sendo capturada. Esse objeto é visualizado em todas as direções e se move de acordo com o manuseio do aparato, onde se encontra o código, nas mãos do usuário. Para mais informações, acesse: http://realidadeaumentada.com.br/
8 Texto do anúncio: Este é o primeiro test drive feito através de uma revista. Tem webcam? Acesse www.chevrolet.com.br/gtremix e dirija o Vectra GT com este anúncio.
111
recepção continuam limitadas à relação restrita com o produto e a mensagem
construída sob um sistema fechado, ainda que esta seja apresentada em um
processo sequencial de comandos e retornos do sistema informático. A interação
com a marca emissora ocorre de forma menos concreta e mais simbólica, uma vez
que as trocas são, na verdade, uma imbricação do repertório de significados do
receptor com aqueles presentes na comunicação proposta.
Machado (1988), ao tratar dos jogos eletrônicos, entende que estes
solicitam a resposta do jogador/espectador (resposta inteligente em alguns casos; resposta mecânica na maioria dos outros), mas sempre dentro de parâmetros que são “as regras do jogo” estabelecidas pelas variáveis do programa (MACHADO, 1988, p.26).
Não há dúvidas que as interações dos seres humanos com os aparatos
técnicos são – como sempre foram – de extrema importância para o
desenvolvimento de capacidades e habilidades diversas, a formulação do
conhecimento e a estrutura do pensamento humano9. Diversos teóricos destacam
que as tecnologias de informação e comunicação contemporâneas estão mais
complexas, demandam uma atuação mais ativa e, com isso, estimulam um
refinamento na capacitação cognitiva de seus usuários (JOHNSON, 2005;
JENKINS, 2009). Contudo, é necessário destacar que não cabe nos limites desta
pesquisa o aprofundamento dessas questões, uma vez que o foco das reflexões
propostas está centrado nas possibilidades de participação, intervenção e
contribuição na construção das mensagens midiáticas que se instauram na relação
entre emissores e receptores – mais especificamente entre marcas e consumidores.
Esse ponto se revela de fundamental importância para as reflexões acerca das
produções e consumo de conteúdo midiático, onde entende-se que deve estar
posicionado o cerne do conceito da interatividade, sob a perspectiva dos estudos
da comunicação.
9 Para mais informações ver MATURANA & VARELA, 1997; BRUNO, 2002 e VAZ,
2002.
112
2. Interagir com os outros consumidores a partir do produto:
A segunda forma de estabelecimento da interação tem como especificidade
as trocas simbólicas sociais que ocorrem a partir de um determinado produto
midiático. Conforme menciona Braga, “os receptores passam a reagir nos seus
grupos de participação de algum modo tendo incorporado (por aceitação ou por
crítica) tais produtos em seu repertório” (BRAGA, 2000, p.12).10
A publicidade sempre foi, em alguma medida, fascinante e envolvente, com
forte potencial de promover a interação entre os indivíduos. Seu discurso,
inevitavelmente, serve como mola mestra das conexões simbólicas entre
indivíduos e grupos, ordenando a sociedade. Sua narrativa explica formas de
sociabilidade, orientando sobre o que, onde, de que maneira e em que momento
consumir, em cada grupo social (ROCHA, 1990). Dessa forma, o produto
publicitário circula entre os indivíduos implícita ou explicitamente.
A prática de trocar informações e dividir experiências sobre produtos e
mensagens publicitárias, o chamado boca a boca, é um fator de fundamental
importância para a construção e propagação da comunicação e imagem de uma
marca anunciante, conforme já abordado no capítulo anterior quando mencionado
o ponto de vista dos entrevistados com relação ao potencial de proliferação entre
consumidores. As mídias digitais conectadas em estrutura de rede intensificam
esse potencial, somando atributos de facilidade, velocidade, instantaneidade e
longo alcance.
A partir da necessidade que os indivíduos possuem de estabelecer contato e
interagir com os outros, a publicidade faz uso das ferramentas disponíveis para
promover o compartilhamento espontâneo. Campanhas “virais” e ações
promocionais em plataformas de redes sociais na internet são alguns exemplos de
práticas publicitárias cujo aspecto principal não é, exatamente, a divulgação do
produto, mas sim a circulação da mensagem e o conjunto de valores simbólicos
embutidos na marca, seduzindo e envolvendo o consumidor de modo que ele se
torne, pelo menos naquele instante, uma âncora propagadora na sua rede de
contatos. 10 Os apontamentos de Braga são observados neste estudo e considerados bastante
relevantes para as reflexões propostas. No entanto, é necessário esclarecer que recorre-se a eles parcialmente, uma vez que sua compreensão de interatividade engloba todos os processos aqui citados, o que destoa do entendimento desta pesquisadora.
113
A campanha da Nissan, Pôneis Malditos11, apostou no potencial de
“viralização” de vídeos e aplicativos na web para divulgação de sua marca e o
conceito de sua picape Frontier. O filme publicitário feito para televisão teve uma
versão estendida para internet12. O conceito trabalhado foi a potência do motor do
carro da Nissan que possui cavalos, enquanto os carros de seus concorrentes
teriam apenas “pôneis”, os “pôneis malditos” que gostam de atolar na lama. Os
aspectos de humor e incômodo, ao mesmo tempo, provocado pela cantoria dos
pôneis com vozes infantis, são os elementos explorados nas redes sociais, com
foco no efeito proliferador. No vídeo, disponibilizado no canal oficial da marca no
Youtube, ao final do filme, o singelo e simpático pônei rosa transforma-se em uma
figura demoníaca para ameaçar o espectador: “Se você não passar este vídeo
agora para dez pessoas, você vai sofrer a maldição dos pôneis e ficará o resto da
vida com essa música na cabeça” (Figura 4).
Figura 4. Cenas do filme publicitário e vídeo para internet da campanha Pôneis Malditos, da Nissan
Para fomentar ainda mais a “viralização”, também fez parte da campanha
um aplicativo para o Facebook, chamado Maldição do Pônei (Figura 5). Os
usuários que “pegavam a maldição”, deviam se livrar dela enviando outra para
seus amigos, escolhendo entre as “maldições” pré-definidas ou criando sua
própria. O amigo “contemplado” recebia, então, por cinco dias um post da Nissan
indicando para acessar o aplicativo e também se libertar dos Pôneis Malditos.
11 Campanha criada pela agência Lew&Lara/TBWA, realizada em agosto de 2011. 12 Versão do vídeo disponibilizado na internet:
http://www.youtube.com/watch?v=X3yGSJE53kU Acesso em: 15 out. 2012.
114
Como nossas pesquisas detectaram baixa lembrança da marca entre os consumidores brasileiros, queríamos um comercial que fosse alegre, divertido, que as pessoas sentissem prazer em comentar com os amigos no boteco, além de ser recomendado nos e-mails e nas redes sociais (Murilo Moreno, diretor de marketing da Nissan do Brasil). 13
Como resultado, a campanha teve mais de cinco milhões de acessos ao
vídeo no Youtube em uma semana e permaneceu por alguns dias com a hashtag
#poneismalditos compondo a lista de Trending Topic do Brasil no Twitter. O
intenso compartilhamento possibilitou a circulação da marca e dos conceitos do
produto entre os consumidores, explorando a força de influência da rede de
convivência social online.
Figura 5. Página do Facebook da campanha Pôneis Malditos, da Nissan
Além da circulação e fixação de mensagens, outro fator de extrema
importância para as marcas na interação entre os consumidores diz respeito às
decisões de compra. Muitas pesquisas já demonstraram a relevância da opinião de
13 Informação retirada do site http://blog.konfide.com.br/%E2%80%9Cponeis-
malditos%E2%80%9D-a-reacao-e-viralizacao-da-nissan/ Acesso em: 15 out. 2012.
115
outros consumidores, de círculo de amizade estreito ou não, no momento de
escolha e aquisição de um determinado produto.
Sabendo disso, a C&A realizou uma ação, dentro de uma de suas lojas, que
trazia um aplicativo capaz de integrar os ambientes das lojas e das redes sociais,
além de promover a interação entre suas consumidoras através de um processo de
recomendação. Chamada C&A Fashion Like14, a ação consistia na exposição, com
um sistema de sincronização via internet dentro do cabide, do número de
“curtidas” (Facebook) que cada peça de roupa da nova coleção recebeu. Trazendo
como mensagem “Quem não gosta de dar um palpite na hora de escolher uma
roupa? O seu pode ajudar muito”, a marca fez uso do poder de influência do
coletivo no processo de aquisição de produtos. Explorando a ideia de aprovação e
recomendação de outras pessoas na decisão de compra da peça de roupa, a
mensagem é reforçada na própria ação que ela incita: “curtir” o produto na página
do Facebook da C&A. (Figura 6).
Figura 6. Ação Fashion Like, da C&A
Práticas publicitárias que se enquadram nessa classificação não apresentam
uma participação direta e efetiva do consumidor na comunicação de uma
determinada marca. No entanto, é possível dizer que, ao compartilhar e fazer
circular o conteúdo comunicacional de um anunciante, em alguma medida, o
consumidor está contribuindo para a construção da imagem dessa marca. Ao
conteúdo circulante é somada, inevitavelmente, a impressão de quem o
compartilha, atribuindo um valor pessoal, conforme faz saber Cláudia Pereira
(2011). Dessa forma, são legitimados a mensagem, o sentido e os valores
14 Ação criada pela agência DM9DDB (São Paulo), realizada em maio de 2012. Video-case:
http://www.youtube.com/watch?v=K4qdNb6FvGY&feature=player_embedded Acesso em: 15 out. 2012.
116
simbólicos ali envolvidos. Ao mesmo tempo que, quanto mais compartilhado,
confere ao membro do grupo prestígio e reconhecimento social (PEREIRA,
2011).
As interações, constituídas pelas contínuas trocas de mensagens, que
ocorrem entre os integrantes de uma rede estabelecem os laços sociais, que, por
sua vez, vão gerar o capital social, ou seja, o valor construído a partir das
interações entre os “atores” (RECUERO, 2009). De acordo com Raquel Recuero,
a interação é o primado fundamental do estabelecimento das relações sociais,
entre agentes humanos, que originarão as redes sociais, tanto no mundo concreto,
quanto no mundo virtual. A publicidade faz uso do poder de persuasão do
discurso inserido na relação entre pessoas que fazem parte de uma mesma rede,
em relações de amizade ou de contato por afinidade de gostos e interesses.
Apesar da sistematização apresentada, não se pretende com isso afirmar a
existência de uma separação lógica e nitidamente demarcada das características
observadas nas práticas publicitária no que diz respeito às formas e possibilidades
de interação e os diversos aspectos relacionados. Embora possa parecer notória a
predominância de especificidades distintas, tais aspectos classificatórios não são
excludentes, ou seja, não eliminam a co-existência de uns e outros em situações e
momentos iguais.
A imbricação de formas de interagir é bastante comum e pode ser observada
em diversas práticas publicitárias, como por exemplo no caso da marca de
refrigerante Guaraná Antarctica15. Na ocasião da data comemorativa dos
namorados, foi lançado um aplicativo para celular, chamado Ex Lover Blocker,
que possuía como finalidade bloquear as chamadas para o telefone do(a) ex-
namorado(a) do usuário, evitando que a pessoa restabelecesse o contato. O
aplicativo solicitava também a seleção de cinco amigos que seriam os
responsáveis pelo “resgate”. No momento de uma recaída, ao tentar efetuar a
ligação, a chamada era impedida. Na tentativa de desbloqueio, dentro de dois
minutos, tempo que os amigos tinham para ajudar e impedir a ligação, surgiam
mensagens lembrando o que levou ao fim do namoro. Se ainda assim a chamada
fosse efetuada, o aplicativo automaticamente publicava posts no Facebook
denunciando a recaída. (Figura 7).
15 Aplicativo criado pela agência DM9DDB, lançado em junho de 2012. Video-case:
http://www.youtube.com/watch?v=di8SbwWJqNQ Acesso em: 15 out. 2012.
117
Figura 7. Telas do aplicativo Ex Lover Blocker, Guaraná Antarctica.
Na contramão da comunicação de inúmeras marcas realizada nessa época,
que reproduz um apelo ao romantismo e à felicidade dos casais apaixonados, a
ação revelou-se bastante inusitada, garantindo o sucesso entre os diversos jovens
solteiros que já vivenciaram a experiência de separação de um(a) namorado(a). O
conceito explorado ressalta a importância dos amigos em todas as situações,
principalmente nas mais difíceis como a superação de uma desilusão amorosa.
Dessa forma, pode-se dizer que o uso do aplicativo estimula o manuseio e a
interação com o objeto, além de promover a conexão e troca de experiências entre
os amigos, reforçando os valores de amizade, afeto e sociabilidade que
acompanham a mensagem transmitida e se associam à imagem da marca e do
produto anunciado.
3. Interagir com o emissor/anunciante
Diferentemente dos outros dois tipos apresentados, a terceira e última forma
de interagir engloba aquilo que se entende, neste estudo, como premissa básica
para a conceituação da interatividade: a relação de troca de forma direta,
específica e recíproca entre emissor/anunciante e receptor/consumidor. Conforme
já explorado anteriormente, a interatividade depende do estabelecimento de um
processo bidirecional e tem como condição indispensável a participação
interventiva da recepção na produção. A aplicação do conceito nas práticas
publicitárias se concretiza de diferentes modos, abrangendo variadas
118
possibilidades com níveis distintos, observados a partir de determinados
atributos16:
• Bidirecionalidade: é uma característica presente em todos os níveis de
interatividade, uma vez que é inerente à peça publicitária que oferece
algum grau de abertura para participação interventiva do consumidor na
construção de sua comunicação e/ou co-criação do produto oferecido ao
consumo.
• Criatividade e imprevisibilidade: refere-se ao grau de imprevisibilidade
da resposta do receptor, ou seja, o potencial de realização de respostas
criativas, não limitadas e pré-estabelecidas pela proposta
comunicacional do emissor.
• Sequencialidade e reaproveitamento: grau de sequências do fluxo
comunicacional e reaproveitamento das respostas, explícito nas
mensagens subsequentes de uma determinada ação ou campanha
publicitária.
• Totalidade: contribuição do consumidor de forma plena, em outras
palavras, trata-se da intervenção criativa e integral do receptor na
construção do processo comunicacional de uma marca anunciante.
Quanto maior o número de atributos encontrados em um determinado
processo de comunicação publicitária, maior o grau de participação interventiva
do consumidor nesse processo, consequentemente, mais ele se aproxima de uma
forma plena.
Com base na análise dos atributos apresentados, é possível propor uma
classificação que divide a interatividade em quatro níveis possíveis de se
concretizar nas práticas publicitárias:
1º) Interatividade pré-configurada
Processo bidirecional que traz a participação pouco – ou nada – criativa do
consumidor, pois se realiza a partir da escolha de possibilidades pré-estabelecidas,
baseado no modelo estímulo-resposta com retornos previsíveis. A proposta
16 Os atributos apresentados estão baseados nos apontamentos, já explorados anteriormente,
de alguns dos autores referenciados, com por exemplo Rafaeli (1988) e a ideia de sequencialidade, ou ainda, Primo (2008) e suas considerações da interação mútua, entre outros.
119
comunicacional não se apresenta completamente dada, pois solicita a intervenção
do receptor para selecionar um caminho dentro das opções previamente definidas.
A sequência depende do ato de escolha. A partir da participação têm-se resultados
distintos, porém já programados. Não há uma produção criativa, nem mesmo uma
alteração da mensagem do emissor inicial ou dos resultados possíveis com ela.
O reaproveitamento da participação pode ser observado na integração do
retorno do consumidor às mensagens posteriores que fazem parte da
ação/campanha publicitária, compondo aquilo que aqui está sendo considerado o
atributo de sequencialidade e reaproveitamento de respostas.
Como exemplo para esse tipo de interatividade podem ser citadas
campanhas que solicitam a escolha de nomes, produtos ou mensagens da marca a
partir de opções pré-definidas apresentadas ao público. Enquadram-se também
aqui ações promocionais com as mesmas características. A sequência
comunicacional se dá na divulgação do resultado da participação do consumidor.
Para ilustrar, pode ser citada a campanha da marca Chamyto, da Nestlé17.
Com o objetivo de inserir e comercializar um novo sabor na linha de produtos do
leite fermentado Chamyto, a Nestlé convidou seus consumidores para participar de
uma campanha de votação, realizada no site da marca através de um jogo
chamado Corrida dos Sabores, direcionado para o público infantil. As opções de
sabores concorrentes eram morango, uva, melancia e tangerina (Figura 8).
Figura 8. Jogo Corrida de Sabores no site da marca Chamyto / Nestlé
No jogo, a criança deveria completar a corrida para que seu voto fosse
computado, seguindo o conceito de vencer desafios para alcançar o que deseja,
trabalhado pela marca. Marcelo Tripoli, CEO da iThink, afirma que o objetivo foi
17 Campanha de junho/julho de 2012, criada pela agência iThink.
120
criar uma estratégia de engajamento, fazendo com que a criança permanecesse até
o final da competição para que seu voto fosse validado18. No encerramento da
ação, que aconteceu em agosto de 2012, a Nestlé divulgou o resultado e integrou o
sabor mais votado, uva, na cartela de produtos de sua fabricação.
A ação utiliza como ferramenta persuasiva o entretenimento através de um
jogo eletrônico como forma de envolver o público na sua proposta. A participação
do consumidor é necessária para a realização da ação, no entanto seu potencial de
intervenção criativa esbarra nos limites pré-estabelecidos das opções apresentadas.
A sequencialidade se caracteriza, principalmente no aproveitamento do resultado
da participação/votação para definição do novo produto que irá compor a linha de
produtos da marca.
Para alguns autores que reforçam a necessidade de separação entre
processos reativos e interativos, considerados estanques e não pertencentes a uma
mesma categoria conceitual, o exemplo apresentado não se enquadraria no
conceito de interatividade, mas sim de reatividade. Tal oposição é bastante
relevante para as reflexões da relação entre produtores e consumidores, em
especial na comunicação de massa, uma vez que a separação e o desequilíbrio
entre os agentes é preponderante e evidente. A análise dessa dinâmica relacional
contribui para demarcar as possibilidades qualitativamente distintas desses
processos, principalmente no que se refere ao nível de participação interventiva do
consumidor – o que vem sendo bastante discutido aqui.
Contudo, o mais importante não é negar os processos reativos como
integrantes da compreensão que abrange o conceito da interatividade, uma vez
que parece evidente que tais processos também se apresentam como forma de
participação e interferência mútua entre partes atuantes de um sistema
comunicacional. É, portanto, mais produtivo observar as diferenças qualitativas
que distanciam os diversos mecanismos e, com isso, construir uma base idônea
para percepção e julgamento dos inúmeros produtos rotulados com o termo. Para
tanto, tem-se uma proposta de compreensão da interatividade com níveis
dimensionais qualitativamente distintos, conforme está sendo apresentada neste
estudo.
18 Informação retirada do site http://ccsp.com.br/ultimas/59575/Corrida-dos-sabores Acesso
em: 15 out. 2012.
121
2º) Interatividade simplificada
Similar ao primeiro tipo, a interatividade simplificada pode ser definida
como um processo bidirecional através de sequências curtas e retroalimentação
simples, mas com produção criativa do consumidor. O que a difere da anterior,
principalmente, está relacionado à existência de respostas não previstas ou
previsíveis, pois não se trata de resultado de combinação ou escolha de opções
previamente apresentadas. Há uma sequência e um reaproveitamento da
participação do consumidor nas mensagens posteriores da marca, no entanto são
trocas sequenciais consideradas simples, sem desdobramentos. Um processo que
se encerra, basicamente, na resposta do consumidor ou, no máximo, na divulgação
do resultado dessa participação, seja em promoções, concursos ou campanhas que
incitam alguma contribuição criativa do consumidor, mas que não é utilizada
como parte da comunicação posterior da marca.
Como exemplo, podem ser citadas propostas de divulgação através de
promoções via redes sociais, como foi o caso da empresa Submarino com o
lançamento de um concurso de contos, ocorrido de setembro a outubro de 2009
(Figura 9).
Figura 9. Concurso Conte um Conto da marca Submarino
122
Com o título Conte um conto. Seu conto vale uma coleção de livros!, a
empresa convidou os seguidores do twitter a criarem um pequeno conto, com
apenas cento e vinte e quatro caracteres e tema sobre literatura, para participarem
da promoção. A história deveria ser enviada para o perfil do @novo_submarino.
Dessa forma, a divulgação da promoção e da marca ficava registrada tanto no
perfil do Submarino, como do próprio seguidor/consumidor, podendo ser
visualizado por todos os seguidores de ambos os perfis. O conto mais criativo,
julgado por comissão interna, venceu o concurso e ganhou um kit com dez livros
de temas diversos. O resultado foi divulgado através de um post no perfil da
marca, como pode ser visto na Figura 10.
Figura 10. Resultado do concurso divulgado no Twitter
3º) Interatividade complementar
É o terceiro nível de interatividade proposto. Nesse modelo, há uma situação
de complementaridade. A interatividade complementar pode ser definida como
um processo bidirecional de sequências comunicacionais que abrangem a
colaboração do consumidor de forma complementar na construção das mensagens
publicitárias da marca anunciante. A participação do consumidor não se dá em
totalidade, mas de maneira parcial, complementando a mensagem original que,
depois de modificada, passa a compor a estratégia comunicacional da empresa,
sendo veiculada. Aqui o processo de troca é efetivo e a interferência do receptor
na produção se concretiza com resultados criativos. O reaproveitamento dessa
123
contribuição se faz evidente, uma vez que a participação interventiva se realiza
acrescentando informações à comunicação iniciada pelo emissor.
Uma ação interativa realizada para divulgação da linha de produtos capilares
Natura Plant19 ilustra bem o conceito. Em parceria com o site de venda de
ingressos (Ingresso.com) e o Cinemark, a Natura realizou uma interferência no
momento da compra, para determinadas sessões, perguntando ao consumidor se
um dos ingressos comprados seria para uma mulher. Caso a resposta fosse sim, o
comprador era convidado a gravar um vídeo em homenagem a essa mulher que
assistiria ao filme junto com ele. No total, foram gravados onze depoimentos. Os
vídeos foram acrescentados ao anúncio da campanha da Natura e exibidos nas
sessões onde se encontravam os envolvidos, surpreendendo boa parte das
homenageadas e do público geral. A ação foi filmada, registrando as reações das
mulheres, e transformada em um vídeo para divulgação nos sites das redes sociais
da Natura.
O conceito trabalhado na campanha buscava transmitir a relação especial de
cuidado e capricho que cada mulher brasileira tem com seu cabelo e a importância
disso na construção da sua própria identidade, com seus diferenciais e
particularidades. Entendendo essa relação, a Natura oferece produtos que ajudam
as mulheres na busca pelo melhor tratamento para seu tipo de cabelo. Conforme
afirma o sócio e diretor de operações da Taterka, uma das agências envolvidas na
criação da campanha, “a Natura procura entender os diferentes perfis de suas
consumidoras e a comunicação reforça esse conceito da marca e valoriza a beleza
feminina”20 (Figura 11).
As homenagens foram planejadas como forma de elogio às mulheres e
reconhecimento dessa relação especial com seus cabelos, explorando o apelo
emocional envolvido. A participação dos consumidores que contribuíram com a
produção dos vídeos complementa a mensagem original e reforça seu conceito. Os
aspectos divertido, afetivo, envolvente e emocionante garantiram considerável
grau de atenção e boa repercussão à mensagem publicitária. Além do impacto
positivo e direto nas pessoas envolvidas na ação, os demais receptores também
19 Campanha realizada em outubro de 2011, somente no Cinemark do no Shopping Market
Place, de São Paulo, com criação e execução das agências Taterka e ID\TBWA. Video-case da campanha: http://www.youtube.com/watch?v=xjICQywTMQ4 Acesso em: 15 out. 2012.
20 Informação retirada do site http://natura.comunique-se.com.br/natura_si/show.aspx?id_materia=10173&id_canal=551 Acesso em: 15 out. 2012.
124
foram impactados ao presenciar e compartilhar as emoções provocadas, gerando
uma interação social simbólica dentro daquela sessão, assim como uma troca
efetiva – o boca a boca – com outros consumidores para além das salas do cinema.
Figura 11. Ação da Natura no cinema
4º) Interatividade plena
Nesse nível há uma troca efetiva de papéis com influência e afetações
mútuas, além da interdependência das mensagens, as sequências comunicacionais,
os resultados imprevisíveis e as respostas criativas. A interatividade plena é um
processo de bidirecionalidade, com mensagens sequenciais que comportam a
participação criativa do consumidor na comunicação publicitária e/ou na co-
criação de produtos. Nesse tipo se enquadram os processos de colaboração total na
produção de mensagens e definição de novos produtos de uma determinada marca
anunciante.
125
Em março de 2011, a Ruffles lançou uma campanha promocional que
convidava os consumidores a criar um novo sabor para as batatas. Com o título
Ruffles: Faça-me um sabor21, a campanha teve quatro fases que acompanharam o
processo da promoção (Figura 12).
Figura 12. Filmes de divulgação da campanha promocional Ruffles: Faça-me um sabor
A primeira contou com dois filmes, Feijões e Repolho22, com veiculação
nacional em TV, além de ações na internet e ponto de venda, para divulgar e
estimular a participação através de inscrições no site. Os consumidores deveriam
definir um sabor para as batatas, sugerir um nome, descrever os principais
ingredientes e enviar uma imagem que ilustrasse a inspiração para criação desse
novo sabor.
Ao final do prazo de inscrições, na segunda fase, uma banca julgadora
iniciou um processo de seleção das três melhores opções. Definidos os sabores
finalistas, foram criadas as novas embalagens e lançadas no mercado. A terceira
etapa divulgou os escolhidos e seus criadores. Nesse momento, iniciou-se a
campanha para chamar os consumidores a experimentar e votar, através do site,
no seu sabor preferido. Por fim, na última etapa foram divulgados o criador e o
21 Campanha realizada pelas agências Bullet e AlmapBBDO, de março a outubro de 2011. 22 Filmes publicitários: http://www.youtube.com/watch?v=fsofn2UJ4zY e
http://www.youtube.com/watch?v=CnveNxdC_Do&feature=plcp Acesso em: 15 out. 2012.
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sabor vencedor, que teve pontuação adquirida por critério de maior número de
vendas e votos, com circulação apenas na internet.
Os três finalistas, com os sabores Strogonuffles, YakissOBAAA! e
HoneyMoonstard, ganharam vinte mil reais em barras de ouro pela participação.
O grande vencedor, Strogonuffles, ficou com o prêmio de mais trinta mil reais,
também em barras de ouro, totalizando cinquenta mil reais, e um por cento sobre
o faturamento líquido gerado pela venda do produto. De acordo com Renata
Figueiredo, diretora de marketing da PepsiCo, é "a primeira vez, no Brasil, que
uma campanha da PepsiCo oferece não apenas prêmios, mas também parte dos
lucros pela participação do público, como um reconhecimento pela sua ajuda.23”
Ao final da promoção, somente o sabor campeão permaneceu fazendo parte da
linha de produtos da marca.
Figura 13. Embalagens dos sabores finalistas
Figura 14. Sabor vencedor da promoção
23 http://ccsp.com.br/ultimas/noticia.php?id=51035 Acesso em: 15 out. 2012.
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Todas as características antes mencionadas podem ser observadas nessa
campanha promocional da Ruffles. A participação interventiva direta e criativa do
consumidor foi fundamental para a realização tanto da promoção em si, como da
comunicação que se desenvolveu na divulgação da campanha. Diferentemente do
caso da marca Chamyto, que trazia opções para seleção de novo sabor, na
promoção da Ruffles a criação foi livre, isenta de possibilidades pré-estabelecidas.
A sequencialidade se concretiza nas diferentes etapas, com o reaproveitamento da
interferência do consumidor, das respostas às solicitações apresentadas,
necessárias para o desenrolar de cada nova etapa. O resultado foi a criação em
parceria de um novo produto que passou a fazer parte da produção em escala da
marca e uma comunicação publicitária que reforça e exalta essa colaboração, com
a exposição clara do participante vencedor e o sabor escolhido pelos próprios
consumidores.
A marca trabalha na campanha aspectos de humor e diversão para estimular
a participação, incentivada também pela recompensa da premiação. A troca se dá
através de um jogo de interesses particulares relevantes para ambos os lados.
Enquanto o consumidor almeja receber o prêmio, além do prazer em se envolver
na competição proposta, a marca anunciante consegue engajamento do público,
visibilidade através do próprios consumidores participantes, explorando todas as
ferramentas que facilitam essa exposição e o incentivo ao compartilhamento,
proximidade com a marca e os produtos anunciados, além de garantir a boa
aceitação do público com relação ao novo produto comercializado.
Diante da classificação apresentada, cabe ressaltar que, assim como as
formas de interagir não são estanques – conforme já mencionado anteriormente –,
os níveis de interatividade também não se apresentam rigidamente delimitados. É
possível encontrar ações/campanhas que se encontram no limite estrito entre dois
tipos, tornando extremamente difícil um enquadramento classificatório preciso.
Vale, porém, o exercício de análise para distinção das inúmeras possibilidades de
concretização da interatividade na publicidade.
Os quatro níveis de interatividade propostos representam, cada um em sua
medida, um certo grau de abertura na produção publicitária para interferência e
contribuição dos receptores. Não se pretende aqui ignorar a evidente intenção
mercadológica das marcas anunciantes com as propostas de estabelecimento de
relação mais próxima do seu público receptor. Sabe-se que o estímulo à
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participação faz parte das estratégias da empresa com foco no estreitamento do
contato com seu consumidor e possível fidelização do mesmo como resultado. A
empresa convida o público a entrar no universo da marca e o estímulo à produção
de informações, por meio de opiniões, sugestões e participações diversas dos
consumidores, é feito de forma estratégica para conhecer, estabelecer contato e
aproximação, relacionar-se melhor e produzir produtos e serviços mais adequados
a perfis individuais.
Vale ressaltar que do outro lado, os consumidores também se alimentam
desse jogo de interesse, interagindo com a marca por afinidade com a mesma e/ou
porque são beneficiados de diversas maneiras nessas trocas, seja através de
premiações e recompensas, para reivindicar melhorias, expor seus desejos ou pelo
mero prazer de se entreter. Ou ainda, conforme aponta Susan Fournier (1998), os
consumidores estabelecem relação com as marcas para se beneficiarem tanto dos
aspectos funcionais e utilitários, como dos valores e significados que a imagem da
marca acrescentam às suas vidas.
Assim como afirma Marcos Nicolau, a base de um relacionamento
mercadológico, no contexto das mídias interativas, é regida “pela necessidade de
ambos os lados fazerem uma negociação satisfatória” (NICOLAU, 2008, p.8). No
entanto, isso não extingue o caráter interativo relacional que se estabelece nessas
novas propostas que fogem do modelo invasivo habitual da comunicação massiva.
Analisar esses fenômenos ajuda a compreender as atuais transformações na
conjuntura comunicacional da sociedade.