4-Cf88 e Os Tratados Internacionais de Proteção Aos Direitos Humanos
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CAPÍTULO IV - A CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988 E OS
TRATADOS INTERNACIONAIS DE PROTEÇÃO AOS DIREITOS HUMANOS
a) Breves Considerações sobre Tratados Internacionais
Os tratados internacionais, enquanto acordos internacionais juridicamente
obrigatórios e vinculante (pacta sunt servanda), constituem hoje a principal fonte de obrigação
do direito internacional, papel anteriormente ocupado pelo costume internacional. Tal como no
âmbito interno, em virtude do movimento pós positivista, cada vez mais os princípios gerais do
direito passam a ganhar maior relevância no direito internacional contemporâneo.
Os tratados internacionais não necessariamente consagram novas regras
de direito internacional. Há casos em que eles são criados apenas para codificar as regras
preexistentes, consolidando os costumes internacionais ou, ainda, modificando-os. Diante da
crescente utilização dos tratados como norma imperativa nas relações internacionais surgiu a
necessidade de se regular o processo de formação dos tratados internacionais, o que
aconteceu na Convenção de Viena, concluída em 1969.
Pode-se dizer que a Convenção de Viena é a Lei dos Tratados
Internacionais, contudo ela limitou-se a normatizar os tratados internacionais celebrados entre
Estados, não incluindo aqueles dos quais participam organizações internacionais. Para o
estudo do trabalho do livro, importa tão-somente os tratados celebrados entre Estados. Sendo
assim, importa salientar que os tratados internacionais só se aplicam aos Estados-partes, ou
seja, àqueles Estados que expressamente consentiram em sua adoção, não podendo criar
obrigações para os demais Estados.
Enfatize-se que os tratados são, por sua excelência, expressão de
consenso. Apenas pela via do consenso podem os tratados criar obrigações legais, uma vez
que Estados soberanos, ao aceitá-los, compromete-se a respeitá-lo, é o que prevê o art. 52 da
Convenção de Viena. A Convenção de Viena determina, ainda, que “Todo tratado em vigor é
obrigatório em relação às partes e deve ser cumprido por elas de boa-fé” e que “Uma parte não
pode invocar disposições de seu direito interno como justificativa para o não-cumprimento do
tratado” (art. 27 da Convenção de Viena).
Importante ressalta que, para contribuir para a adesão do maior número de
Estados, permite-se que o tratado seja formulado com reservas. Nos termos da Convenção de
Viena, reservas constituem “uma declaração unilateral feita pelo Estado, quando da assinatura,
ratificação, acessão, adesão ou aprovação de um tratado, com o propósito de excluir ou
modificar o efeito jurídico de certas previsões do tratado, quando se sua aplicação naquele
Estado”. Entretando, são inadmissíveis reservas que se mostrem incompatíveis com o objeto
do tratado, nos termos do art. 19 da Convenção de Viena.
b) O processo de formação dos tratado internacionais
A sistemática de celebração dos tratados internacionais é deixada a critério
de cada Estado, o que acarreta uma variação significativa em relação às exigências
constitucionais para o processo de formação dos tratados. Em geral, o processo dar-se da
seguinte forma:
Primeiramente inicia-se com os atos de negociação, conclusão e assinatura,
que são de competência do Poder Executivo. A assinatura do tratado significa um aceite
precário e provisório, não implicando efeitos jurídicos vinculantes ao Estado. Via de regra, a
assinatura do tratado indica apenas que o tratado é autentico e definitivo. O segundo passo é a
apreciação e aprovação pelo Pode Legislativo. Após a apreciação pelos parlamentares vem a
ratificação, sob a competência do Poder Executivo. A ratificação significa a confirmação formal
por um Estado de que está obrigado ao tratado no plano internacional. É o aceito definitivo.
A ratificação é um ato necessário para que o tratado passe a ter
obrigatoriedade tanto no plano internacional quanto no plano interno. Como etapa formal, o
instrumento de ratificação deve ser depositado em um órgão que assuma a custódia do
instrumento.
No Brasil, a Constituição de 1988 determina que é de competência
exclusiva do Presidente da República celebrar tratados, convenções e acordos internacionais,
competindo exclusivamente ao Congresso Nacional resolver definitivamente sobre os tratados,
acordos e atos internacionais. Há uma colaboração entre os Poderes Executivo e Legislativo na
conclusão dos tratados internacionais. Logo, os tratados internacionais demandam, para seu
aperfeiçoamento um ato complexo no qual se integram a vontade do Presidente da República,
que os celebra, e a do Congresso Nacional, que os aprova por meio de decreto legislativo. A
colaboração entre os Poderes Executivo e Legislativo é uma tradição na história das
constituições do Brasil.
O método adotado pelo Brasil é uma forma de descentralizar o poder de
celebrar tratados, prevenindo o abuso desse poder. Para os constituintes, o motivo principal da
instituição de uma particular forma de cheks and balances talvez fosse o de proteger os direitos
de alguns Estados, mas o resultado foi o de evitar a concentração do poder de celebrar
tratados no Executivo, como era então a experiência européia.
Importante observar que a Constituição só prevê a sistemática da formação
dos tratados internacionais em duas normas, quais sejam, o art. 84, inc. VIII e o art. 49, inc. I).
Sendo assim, em relação ao tema em apreço a Carta Magna ficou lacunosa, sem haver uma
normatização, por exemplo, do prazo para que o Congresso Nacional aprecie o tratado já
assinado pelo Poder Executivo, ou um prazo para que o Presidente da República encaminhe
ao Congresso Nacional o tratado já assinado. Essa falta de normas acaba por contribuir para a
afronta ao Princípio da boa-fé que norteia o direito internacional.
c) Hierarquia dos tratados internacionais de direitos humanos
Diferentemente do que ocorria no passado, a relação ente Direito
Internacional e Direito Interno não é mais uma problemática apenas acadêmica, mas sim
bastante pragmática, haja vista a crescente adoção de tratados cujo escopo não é mais a
relação entre Estados, mas a relação entre Estados e seus próprios cidadãos. A eficácia
desses tratados depende essencialmente da incorporação de suas previsões no ordenamento
interno de cada país.
A Carta de 1988, ao fim da Declaração de Direitos, consagra que os direitos
e garantias nelas previstos não excluem outros decorrentes do regime de princípios por ela
adotado, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte,
conforme art. 5º, §2º da CF/88. A Constituição de 1967, previa apenas que os direitos e
garantias expressos naquela constituição não outros direitos e garantias decorrentes do regime
e dos princípios que ela adotava. Sendo assim, a Carta Magna de 1988 inovou ao acrescentar
entre os direitos constitucionalmente protegidos os direitos enunciados nos tratados
internacionais.
Pois bem, se a Constituição prescreve que os direitos e garantias expressos
na Constituição não excluem outros direitos decorrentes dos tratados internacionais, a contrario
sensu, a Carta de 1988 está a incluir, no catálogo de direitos constitucionalmente protegidos,
os direitos enunciados nos tratados internacionais em que o Brasil seja parte. Esse processo
de inclusão implica a incorporação pelo Texto Constitucional de tais direitos. Ela, ao efetuar a
incorporação, atribui aos direitos internacionais uma natureza diferenciada, qual seja, uma
natureza de norma constitucional.
Fazendo-se uma interpretação axiológica e sistemática no Texto
Constitucional, especialmente em face da força expansiva dos valores da dignidade da pessoa
humana e dos direitos fundamentais, chega-se a conclusão de que os direitos enunciados nos
tratados de direitos humanos de que o Brasil é parte integram, portanto, o elenco dos direitos
constitucionalmente consagrados. Um outro argumento que reforça a idéia de que os direitos
enunciados em tratados internacionais possuem hierarquia constitucional é o fato de que os
direitos fundamentais possuem natureza materialmente constitucional.
A Constituição assume expressamente no seu art. 5º, §2º o conteúdo
constitucional dos direitos constantes dos tratados internacionais dos quais o Brasil é parte,
ainda que não sejam enunciados sob a forma de normas constitucionais. Para J.J. Canotilho, “o
programa normativo-constitucional não pode se reduzir, de forma positivista, ao ‘texto’ da
Constituição. Há que densificar, em profundidade, as normas e princípios da constituição,
alargando o ‘bloco de constitucionalidade’ a princípio não escritos, mais ainda reconduzíveis ao
programa normativo-constitucional, como formas de densificação ou revelação de princípios ou
regras constitucionais positivamente plasmadas”. Os direitos internacionais integrariam, assim,
o chamado “bloco de constitucionalidade”, densificando a regra constitucional positivada no §2º
do art. 5º da CF, caracterizada como cláusula constitucional aberta.
José Afonso da Silva também defende o entendimento de que o art. 5º, §2º
da CF abre espaço para que hajam cláusulas abertas constitucionais ao lecionar o seguinte: “a
circunstância de a Constituição mesma admitir outros direitos e garantias individuais não
enumerados, quando, no parágrafo 2º do art. 5º, declara que os direitos e garantias previstos
neste artigo não excluam outros decorrentes dos princípios e do regime adotado pela
Constituição e dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.
Para o constutucionalista há 3 classes de direitos individuais: a) os expressos, explicitamente
individuados no art. 5º; b) os implícitos, subentendidos nas regras de garantias; c) os
decorrentes do regime e de tratados internacionais subscritos pelo Brasil.
Contudo, a classificação supramencionada peca pelo fato de equiparar os
direitos decorrentes dos tratados internacionais aos decorrentes dos princípios e dos regimes
adotados pela Constituição. Enquanto estes últimos não são nem implícita nem explicitamente
enumerados, sendo de difícil caracterização a priori, os direitos constantes dos tratados
internacionais dos quais o Brasil seja parte são expressos, enumerados e claramente
elencados, não podendo ser considerados de difícil caracterização a priori. Observe-se que,
diferentemente da Constituição Portuguesa, onde a cláusula de abertura faz referência a todo o
direito internacional, a Constituição brasileira refere-se especificamente aos tratados
internacionais dos quais o Brasil seja parte.
Há a proposta de uma nova classificação dos direitos previstos pela
Constituição: a) os direitos expressos na Constituição; b) os direitos expressos em tratados
internacionais nos quais o Brasil seja parte e c) os direitos implícitos, que são os direitos que
estão subentendidos nas regras de garantias, bem como os decorrentes do regime e dos
princípios adotados pela Constituição. Logo, os direitos implícitos são imprecisos, vagos,
elásticos, enquanto os direitos expressos na Constituição e nos tratados internacionais de que
o Brasil seja parte compõem um universo claro e preciso.
A Constituição de 1988 recepciona os direitos enunciados em tratados
internacionais de que o Brasil seja parte conferido-lhes natureza de norma constitucional. Tal
interpretação é consoante com o princípio da máxima efetividade das normas constitucionais.
No dizer de Jorge Mirando, “a uma norma fundamental tem de ser atribuído o sentido que mais
eficácia lhe dê; a cada norma constitucional é preciso conferir, ligada a todas as outras normas,
o máximo de capacidade de regulamentação”. Para Konrad Hesse, “(...) A dinâmica existente
na interpretação construtiva constitui condição fundamental da força normativa da Constituição
e, por conseguinte, de sua estabilidade. Caso ela venha a faltar, torna-se inevitável, cedo ou
tarde, a ruptura da situação jurídica vigente”.
Importante salientar que toda norma constitucional são verdadeiras normas
jurídicas e desempenham uma força útil no ordenamento. Nenhuma norma constitucional se
pode dar interpretação que lhe retire ou diminua a razão de ser. Considerando os princípios da
força normativa da Constituição e da ótima concretização da norma, à norma constitucional
deve ser atribuído o sentido de maior eficácia lhe dê, especialmente tratando-se de norma de
direito fundamental. Para Canotilho, “(...) no caso de dúvidas deve preferir-se a interpretação
que reconheça maior eficácia aos direitos fundamentais”. Deste modo, ao entender que os
direitos constantes dos tratados internacionais passam a integrar o catálogo dos direitos
constitucionalmente previstos, está-se a conferir a máxima eficácia aos princípios
constitucionais, em especial ao princípio do art. 5º, §2º da CF/88.
É de suma importância enfatizar que, enquanto os demais tratados
internacionais têm força de norma infraconstitucional, os direitos enunciados em tratados
internacionais de proteção aos direitos humanos apresentam valor de norma constitucional.
Observe-se que a hierarquia infraconstitucional dos demais tratados internacionais é extraída
do art. 102, III, b da CF, norma que confere competência ao Supremo Tribunal Federal para
julgar recurso extraordinário as causas decididas em única ou última instância, quando a
decisão recorrida declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal.
Sustenta-se, assim, que os tratados internacionais que não tratem de
direitos fundamentais possuem a hierarquia de norma infraconstitucional, contudo com força
supralegal. Esse posicionamento busca sua fundamentação no princípio da boa-fé, vigente no
direito internacional (o pacta sunt servanda), e que tem reflexo no art. 27 da Convenção de
Viena, segundo o qual não cabe ao Estado invocar disposições de seu direito interno como
justificativa para o não-cumprimento de tratados.
Contudo, a doutrina brasileira, ao interpretar o mencionado dispositivo
constitucional, a tendência é acolher a concepção de que os tratado internacionais e as leis
federais apresentam a mesma hierarquia jurídica, aplicando-se o princípio “lei posterior revoga
lei anterior que seja com ela incompatível”. Essa concepção compromete não apenas o
princípio da boa-fé do direito internacional, mas também afronta a própria Convenção de Viena.
O STF, com base no raciocínio da maioria dos doutrinadores, vem adotando desde 1977 o
entendimento de que as Leis Federais e os tratados internacionais têm a mesma hierarquia.
Observe-se que, anteriormente a 1977 há diversos acórdãos consagrando o
primado do Direito Internacional em que o tratado internacional não pode ser revogado por lei
interna. Contudo, a tendência mais recente no Brasil é de que uma lei possa revogar um
tratado anterior, posicionamento adotado a partir do julgamento do recurso extraordinário nº
80.004. Em seu voto, o Ministro Francisco Rezek ponderou que a lei interna revoga tratado
internacional anterior com ele incompatível, sem embargos das conseqüências pelo
descumprimento do tratado no plano internacional.
Sendo assim, esse novo posicionamento adotado pelo STF a partir de 1977
desprestigia o princípio da boa-fé vigente no Direito Internacional, podendo acarretar sanções
pelo descumprimento dos tratados. Vale dizer que, para o regime do direito internacional,
apenas o ato de denúncia implica a retirada do Estado de determinado tratado internacional.
Sem o mencionado ato de denúncia, persiste a responsabilidade do Estado na ordem
internacional.
O fundamento utilizado para, que na interpretação do art. 102, inc. III, alínea
b da CF, houvesse uma equiparação hierárquica entre as leis e os tratados internacionais foi
que inexiste, na perspectiva do modelo constitucional vigente no Brasil, qualquer precedência
ou primazia hierárquico-normtiva dos tratados internacionais sobre o direito positivo interno,
sobretudo em face das cláusulas inscritas no texto Constitucional, eis que a ordem normativa
internacional não se sobrepõe ao que prescreve a Carta Magna. O livro, contudo, defende
posicionamento contrário. Acredita-se que, ao conferir aos tratados internacionais de direitos
humanos a hierarquia constitucional, com observância do princípio da prevalência da norma
mais favorável, é interpretação que se situa em absoluta consonância com a ordem
constitucional de 1988, bem como com a sua racionalidade e principiologia.
Além de não concordar com o posicionamento do STF supra, insiste-se que,
em relação aos tratados internacionais de direitos humanos não há como rechaçar o seu status
constitucional. É aceitável que um tratado internacional comum tenha força de lei, mas em
relação aos tratados internacionais de direitos humanos em que o Brasil seja parte não há
como se rechaçar a sua hierarquia de norma constitucional. Este tratamento diferenciado,
conferido pelo art. 5º, §2º da CF justifica-se na medida em que, enquanto os tratados
internacionais comuns tratam de relações entre os Estados-partes, os tratados internacionais
de direitos humanos objetivam a salvaguarda dos direitos do ser humano, e não das
prerrogativas dos Estados. O Estado que firma um tratado internacional de direitos humanos
assume compromissos perante os cidadãos que se encontram sob a sua jurisdição e não em
relação ao outro Estado.
Ao lado do caráter especial dos tratados internacionais de direitos humano,
pode-se acrescentar o argumento de que os tratados de direitos humanos apresentam caráter
mais técnico, formando um universo de princípios que apresentam especial força obrigatória,
denominada jus cogens. Na percepção crítica de Hilary Charlesworth e Christine Chinkin, “Jus
cogens é definido como um conjunto de princípios que resguarda os mais importantes e
valiosos interesses da sociedade internacional, como expressão de uma convicção, aceita em
todas as nações, satisfazendo o superior interesse da comunidade internacional como um todo,
como os fundamentos de uma sociedade internacional, sem os quais a inteira estrutura se
romperia. Os direitos humanos mais essenciais são considerados parte do jus congens”.
Em relação ao tema, os autores André Gonçalves e Fausto de Quadros que
“um dos traços mais marcantes da evolução do Direito Internacional contemporâneo foi, sem
dúvida, a consagração definitiva do jus congens no topo da hierarquia das fontes do Direito
Internacional, como uma ‘supra-legalidade internacional”’.
Com base nestes argumentos, pode-se sustentar que o direito brasileiro faz
a opção por um sistema misto disciplinador dos tratados. Um regime aplicado aos tratados
internacionais de direitos humanos, em que, por força do art. 5º, §2º da CF/88, apresentam
hierarquia de norma constitucional, e um outro regime para os demais tratados internacionais,
que apresenta hierarquia de infraconstitucional. Em suma, a hierarquia constitucionais das
normas vinculadas por meio de tratados internacionais de direitos humanos emergem de uma
interpretação axiológica e sistemática do art. 5º, §2º da CF em relação à Carta Magna,
particularmente da prioridade que atribui aos direitos fundamentais e ao princípio da dignidade
da pessoa humana.
Importa salientar que, além das duas correntes já mencionadas, uma que
entende que os tratados internacionais de direitos humanos devem ser recepcionados na
norma interna com status de norma constitucional e a outra que, ao revés, entende que deva
ser integrado ao sistema normativo interno com força equivalente a uma lei - esta última a
corrente adotada pelo STF - há duas outras correntes. Uma sustenta que os tratados
internacionais de direitos humanos possuem um status supraconstitucional, sendo certo que a
outra entende que estas normas possuem força infraconstitucional, porém supralegal.
Em relação à corrente que entende que os tratados internacionais de
direitos humanos, os seus defensores fundamentam as suas teses em que os mencionados
tratados, em verdade, são normas supranacionais, pois, ao observar que à expressão “não
excluem” constante no art. 5º, §2º não pode ser concebido um alcance meramente quantitativo,
devendo ser interpretada também em caso de conflito entre as normas constitucionais e o
Direito Internacional em matéria de direitos fundamentais, devendo ser este último que deve
prevalecer.
Para os defensores da última corrente, qual seja, a que entende que os
tratados internacionais de direitos humanos devem possuir uma hierarquia infraconstitucional,
porém supralegal, equiparar os tratados internacionais de direitos humanos com as leis seria
esvaziar em demasia o alcance do art. 5º, §2º da CF. Este grupo recusa a supremacia de
qualquer convenção internacional sobre a constituição, porém não se deve chegar ao ponto de
igualar o status das leis aos tratados internacionais de direitos humanos, defendendo a tese de
que o art. 5º, §2º acabou por traduzir uma abertura dos direitos significativa ao movimento de
internacionalização de direitos humanos.
No intuito de dirimir as controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais, foi
criada na Emenda Constitucional nº 45 o §3º do art. 5º da CF, por meio do qual ficou
determinado que os tratados internacionais de direitos humanos que formem aprovados em
cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos respectivos membros
serão equivalentes às emendas constitucionais. Contudo, em face das argumentações já
expostas, conclui-se que a hierarquia constitucional já se extrai de interpretação conferida ao
próprio art. 5º, §2º da CF/88. Por força da indigitada norma, todos os tratados internacionais de
direitos humanos são materialmente constitucionais compondo o bloco de constitucionalidade.
O quorum requerido pelo §3º do art. 5º está apenas proporcionando a constitucionalização
formal dos tratados de direitos humanos no âmbito interno. Sendo assim, á hierarquia dos
valores deve corresponder a hierarquia das normas, e não o contrário.
Importa salientar que deve ser rechaçado o entendimento de que os
tratados que já foram ratificados devem ser recepcionado com força de lei em razão de não
terem o quorum determinado pelo §3º do art. 5º da CF. Observe-se que os tratados
internacionais de proteção aos direitos humanos ratificados anteriormente à EC nº 45 contaram
com a ampla maioria dos deputados e senadores, sendo certo que em muitos casos houve a
superação do quorum de 3/5, não havendo apenas a votação em dois turnos porque na época
não havia esta previsão.
Celso Lafer, ao defender o entendimento que os tratados internacionais,
mesmo os ratificados antes da EC nº 45/2004 já possuem status de norma constitucional,
argumenta que p novo parágrafo 3º do artigo 5º da Constituição pode ser considerado como
uma lei interpretativa, destinada a encerrar as controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais
suscitadas pelo parágrafo 2º. Para a doutrina, lei interpretativa é aquela que tão somente
declara uma situação pré-existente, ao clarificar a lei existente.
Os argumentos que fundamentam o entendimento de que os tratados
internacionais de direitos humanos ratificados antes da EC nº 45/2004 possuem força
constitucional são os seguintes: a) a interpretação sistemática da Constituição, de forma a
dialogar os §§ 2º e 3º do art. 5º da CF/88, já que o último não revogou o primeiro, mas deve ser
interpretado à luz do sistema constitucional; b) a lógica e racionalidade material que devem
orientar a hermenêutica dos direitos humanos; c) a necessidade de evitar interpretações que
apontem a agudos anacronismos da ordem jurídica; e d) a teoria geral da recepção do direito
brasileiro.
Sendo assim, com o advento do §3º do art. 5º da CF/88 por meio da EC
45/2004, surgem dois tipos de tratados internacionais de direitos humanos, quais sejam: a) os
materialmente constitucionais, que são os que possuem, que por força do § 2º do art. 5º é
norma materialmente constitucional independentemente do seu quorum de ratificação; b) os
materialmente e formalmente constitucional, que são os tratados internacionais de direitos
humanos que tenham sido ratificado com o quorum exigido pelo § 3º do art. 5º da CF/88. Neste
último caso, além de natureza material constitucional, a norma será formalmente constitucional.
Resta salientar que entre os tratados internacionais de direitos humanos
que são meramente materialmente constitucionais e os que são materialmente e formalmente
constitucionais há uma diferença de regimes jurídicos que se aplica aos tratados. Enquanto os
tratados materialmente constitucionais podem ser suscetíveis de denúncia, os tratados
materialmente e formalmente constitucionais não podem ser objeto de denúncia. Atente-se,
ainda, que ao se admitir a natureza constitucional de todos os tratados internacionais de
direitos humanos, estar-se-á a admitir que os direitos neles vinculados, assim como os demais
direitos e garantias consagrados pela Constituição, tornar-se-ão cláusulas pétreas, nos termos
do art. 60, § 4º da CF, não podendo vir a serem modificados por meio de Emenda
Constitucional.
Cabe apontar, contudo, que, embora os direitos internacionais sejam
alcançados pelo art. 60, §4º da CF, e não possam ser eliminados por Emenda Constitucional,
os tratados internacionais de direitos humanos materialmente constitucionais são suscetíveis
de denúncia por parte do Estado signatário. Os direitos internacionais apresentam esta
peculiaridade. Tendo sido prevista a regra da denúncia no tratado, o Estado parte pode
denunciá-lo a fim de não mais ficar vinculado às obrigações assumidas quando da ratificação
do tratado internacional de direitos humanos sem o quorum do § 3º.
Devido à peculiaridade mencionada, considera-se mais coerente a
aplicação ao ato da denúncia o mesmo procedimento aplicável ao ato de ratificação, ou seja,
se para a ratificação é necessário um ato complexo, fruto da conjugação das vontades do
Poder Executivo com o Legislativo, para o ato de denúncia mister a aplicação do mesmo
procedimento. Entretanto isso não ocorre no Brasil. No direito brasileiro, a denúncia continua a
ser ato privativo do Executivo, sem qualquer participação do Legislativo.
Importante salientar que aos tratados internacionais de direitos humanos
materialmente e formalmente constitucionais não podem ser objeto de denúncia. Isto se deve
ao fato de que os direitos nele enunciados receberam assento no Texto da Constituição não
apenas pela materialidade que o vincula, mas também pelo alto grau de legitimidade popular
contemplado pelo especial e dificultoso processo de sua aprovação. Sendo assim, não há
como se admitir que, após a passagem por um difícil processo de aprovação, um ato isolado do
Presidente da República possa subtrair tais direitos do patrimônio popular.
Para finalizar, importa examinar de forma breve o modo pelo qual o direito
comparado trata da interação dos tratados internacionais de direitos humanos e a ordem
jurídica nacional. A sistemática constitucional introduzida pela Constituição de 1988 se situa
num contexto em que inúmeras Constituições latino-americanas buscam dispensar aos
preceitos constantes dos tratados internacionais de direitos humanos uma natureza jurídica
privilegiada.
Na Constituição da Argentina, após a reforma constitucional de 1994,
enquanto os tratados internacionais em geral possuem uma hierarquia infraconstitucional,
porém supralegal, os tratados internacionais de direitos humanos possuem uma força de norma
constitucional, completando os direitos e garantias constitucionalmente reconhecidos. Na
Constituição da Venezuela, os tratados internacionais de direitos humanos subscritos pela
Venezuela têm hierarquia constitucional e prevalecem sobre a ordem interna, na medida que
contenham normas sobre o seu gozo e exercício mais favoráveis às estabelecidas pela
Constituição e são de aplicação imediata e direta pelos tribunais e demais órgãos do poder
público.
No Peru, a sua atual Constituição de 1993 consagra que os direitos
internacionalmente reconhecidos devem ser interpretados consoante a Declaração Universal
de Direitos Humanos e os tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Peru. Na
Nicarágua, a sua Constituição confere hierarquia constitucional aos direitos constantes dos
instrumentos internacionais de proteção dos direitos humanos. Um outro exemplo é a
Constituição da Guatemala, na qual se prevê que os direitos e garantias nela previstos não
excluem outros, adicionando, ainda, que os tratados internacionais de direitos humanos têm
preeminênica sobre o direito interno. Também a Constituição do Chile, reformada em 1989,
consagra o dever dos órgãos do Estado de respeitar e promover os direitos garantidos pelos
tratados internacionais ratificados por aquele país.
É nesse contexto que se insere a inovação do art. 5º, § 2º da CF/88. Ao
estatuir que os direitos e neles expressos não excluem outros, decorrentes de tratados
internacionais em que o Brasil seja parte, a Constituição de 1988 passa a incorporar os direitos
enunciados nos tratados de direitos humanos ao universo dos direitos constitucionalmente
consagrados.
d) A incorporação dos tratados internacionais de direitos humanos
O art. 5º, § 1º da CF/88 consagra o princípio da aplicabilidade imediata dos
direitos e garantias fundamentais. Ora, se as normas definidoras dos direitos e garantias
fundamentais demandam aplicação imediata e se, por sua vez, os tratados internacionais de
direitos humanos têm por objeto justamente a definição de direitos e garantias, conclui-se que
tais normas merecem aplicação imediata.
Sendo assim, diferentemente do que ocorre com os tratados internacionais
em geral, para os quais se exige a intermediação pelo Poder Legislativo de ato com força de lei
para que as suas disposições tenham vigência no ordenamento interno, para os tratados
internacionais de direitos humanos em que o Brasil é parte, os direitos fundamentais neles
assegurados passam a integrar os direitos constitucionalmente consagrados imediatamente. É
o que se extrai da interpretação do art. 5º, §§ 2º e 3º. Em outras palavras, não será mais
possível a sustentação da tese a qual, com a ratificação, os tratados obrigam diretamente os
Estados, mas não geram direitos subjetivos. Torna-se possível a invocação imediata dos
tratados de direitos humanos sem a necessidade de edição de ato com força de lei.
A incorporação imediata gera pelo menos 3 conseqüências: a) o particular
pode invocar diretamente os direitos e liberdades internacionalmente assegurados; b) proíbe
condutas e atos violadores a esses mesmos direitos, sob pena de invalidação e c)a partir da
entrada em vigor do tratado internacional, toda norma preexistente que seja com ele
incompatível perde automaticamente a sua vigência. Ademais, passa a ser recorrível qualquer
decisão judicial que violar as prescrições do tratado, haja vista o Recurso Especial a ser
interposto contra decisão contrariar tratados, nos termos do art. 105, III, a da CF.
Importa mencionar a lição de Agustín Gordillo, para quem, “não apenas o
Tribunal nacional, mas também e especialmente o Tribunal internacional competente, estão
expressamente facultados a declarar a antijuridicidade da conduta e, conseqüentemente,
invalidá-la, aplicando ainda sanções pecuniárias em favor da pessoa físicas que sofreu
violação a direito fundamental, por atos, ações ou omissões de sua país, no plano interno”.
Mister ressaltar que além da sistemática da incorporação automática do
direito internacional, há a sistemática da incorporação legislativa. Pela primeira, o Estado
reconhece a plena vigência do direito internacional na ordem interna a partir da ratificação do
tratado, passando a viger ao mesmo tempo tanto na ordem jurídica internacional como na
interna. Não há a necessidade de uma norma de direito interno. Essa sistemática de
incorporação imediata reflete a concepção monista, pela qual o direito internacional e o interno
compõem a mesma unidade, uma única ordem jurídica. Já na sistemática da incorporação
legislativa, o Estado recusa a vigência imediata do direito internacional na ordem interna,
necessitando da sua reprodução por uma norma interna. Neste sistema a ordem internacional e
a interna são duas ordens jurídicas distintas, refletindo a concepção dualista há duas ordens
jurídicas independente e autônomas.
Em caso de conflito entre as normas nacionais e as internacionais, há de
ser perquirir, inicialmente, qual a sistemática adotada pelo país, a monista ou a dualista. Caso
seja a dualista não há maiores esclarecimentos a serem feitos, haja vista que, por este sistema
há inteira independência entre as ordens jurídicas nacionais e internacionais. Vindo a ser
adotada pelo Estado a sistemática monista, há de se observar se o monismo é com o primado
do direito nacional ou se é um monismo com primado da norma internacional. No primeiro
caso, em caso de conflito entre a norma internacional e a interna, prevalece a norma interna, já
no segundo caso, prevalece a norma de direito internacional.
Diante dessas duas sistemáticas, conclui-se que no Brasil adota-se uma
sistemática mista, na qual, para os tratados internacionais de direitos humanos, por força do
art. 5º, § 1º da CF/88, têm vigência imediata, enquanto para os demais tratados se aplica a
sistemática da incorporação legislativa, fazendo-se necessário a intermediação de um ato
normativo para tornar o tratado obrigatório na ordem interna. Diferentemente do que ocorre em
relação aos tratados de direitos humanos, em que há norma expressa na Constituição que
determina a sua incorporação imediata ao sistema jurídico interno, art. 5º, §§ 1º e 2º da CF, em
relação aos demais tratados não há qualquer menção sobre a sua vigência no ordenamento
interno. Por isso a maioria dos doutrinadores entendem que em relação aos tratados
internacionais em geral aplica-se a sistemática dualista, ou seja, há a necessidade de uma
norma interna a fim de que o tratado passe a ter vigência interna.
Porém para o trabalho, em se tratando de tratados sobre direitos humanos,
os mesmos têm aplicação imediata, sem a necessidade da expedição do Decreto de Execução,
conforme determina o art. 5º, § 1º da CF/88. Já para os demais tratados o Decreto de
Execução é imprescindível para que as normas internacionais tenham vigência no direito
interno. No que pese as argumentação explanadas no presente trabalho, para a jurisprudência
do STF a expedição do decreto é essencial para que o tratado internacional seja incorporado
ao ordenamento interno.
Em síntese, em relação aos tratados internacionais de direitos humanos, a
Constituição, em seu art. 5º, § 1º, acolhe a sistemática da incorporação automática, refletindo a
sistemática monista, conferindo-lhes, ainda, o status de norma constitucional, por força do art.
5º, §§ 2º e 3º. O regime diferenciado, todavia, não se aplica aos tratados internacionais
tradicionais, havendo a necessidade, para a sua vigência no ordenamento jurídico interno, da
expedição de uma norma interna, além de não possuírem força hierárquica constitucional.
Importa salientar que a sistemática de incorporação automática tem sido
uma tendência de algumas Cartas Contemporâneas, como ocorre na Constituição portuguesa,
na alemã, na espanhola, na francesa, na holandesa. Diante do que foi exposto, cabe ao Poder
Judiciário e aos demais Poderes Públicos assegurar a implantação no âmbito nacional das
normas internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil. As normas internacionais
que consagram os direitos humanos tornam-se passíveis de vindicação e pronta aplicação ou
execução perante o Poder Judiciário. Os indivíduos tornam-se, portanto, beneficiários dos
direitos de instrumentos internacionais votados à proteção dos direitos humanos.
e) O impacto jurídico dos tratados internacionais de direitos humanos
no direito interno brasileiro.
Em relação ao impacto jurídico dos tratados internacionais de direitos
humanos no direito brasileiro, levando-se em conta a hierarquia constitucional desses tratados,
três são as hipóteses que podem ocorrer, quais sejam, o direito enunciado no tratado: a)
coincidir com o direito assegurado na Constituição; b) integrar, complementar e ampliar o
universo de direitos constitucionais previstos; ou c) contrariar preceitos internos.
No caso de coincidir o direito assegurado pelo tratado internacional com o
direito assegurado pela Constituição não apenas reflete o fato de o legislador nacional buscar
inspiração nesse instrumento internacional, como também revela a preocupação do legislador
em equacionar o direito interno, de modo a ajustá-lo, com harmonia e consonância, às
obrigações internacionalmente assumidas pelo Estado brasileiro. Nesse caso, os tratados
internacionais de direitos humanos estarão a reforçar o valor jurídico de direitos
constitucionalmente assegurados, de forma que eventual violação do direito importará em
responsabilização não apenas nacional, mas também internacional.
O segundo impacto jurídico decorrente da incorporação do Direito
Internacional dos Direitos Humanos pelo direito interno resulta do alargamento do universo dos
direitos nacionalmente garantidos. Vários são os casos em que direitos, embora não previstos
no âmbito nacional, encontram-se enumerados nesses tratados, assim, passando a incorporar
ao direito brasileiro. Na medida em que os direitos assegurados pelos tratados não são
previstos no direito interno, eles inovam e ampliam o universo de direitos nacionalmente
assegurados. O Direito Internacional dos Direitos Humanos inova, estende e amplia o universo
dos direitos constitucionalmente assegurados.
O Direito Internacional dos Direitos Humanos ainda permite, em
determinados casos, o preenchimento de lacunas apresentadas pelo direito brasileiro. Um
exemplo foi o julgamento pelo Pleno do STF do habeas corpus em que o Ministro Sidney
Sanches, relator para o acórdão. O caso tratava-se da existência jurídica do crime de tortura
contra criança e adolescente. O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê em seu art. 233 o
crime de prática de tortura contra a criança e o adolescente, porém instaurou-se a polêmica
dado o fato de esta ser um “tipo penal aberto”. Ocorre que o STF entendeu que os
instrumentos internacionais de direitos humanos permitem a integração da norma penal em
aberto, a partir do reforço do universo conceitual relativo ao termo tortura. Neste caso ficou
comprovado que os tratados internacionais de direitos humanos podem integrar e
complementar as normas internas.
Sendo assim, quando as normas dos tratados internacionais de direitos
humanos coincidam com os preceitos assegurados na constituição ou quando integrem,
complementem ou ampliem as normas constitucionais, elas terão a função de reforçar a
imperatividade das normas garantidas e de preencher as lacunas do direito interno,
respectivamente. Contudo ainda se faz possível uma terceira hipótese: eventual conflito entre o
Direito Internacional de Direitos Humanos e o direito interno.
Para solucionar o possível conflito entre as normas do tratado internacional
de direitos humanos e as normas de direito interno, pode-se imaginar, como primeira
alternativa, a adoção do critério “lei posterior revoga lei anterior com ela incompatível”,
considerando a natureza constitucional dos tratados internacionais de direitos humanos.
Porém, um exame mais cauteloso do assunto aponta para outro critério de solução. É a
escolha da norma mais favorável à vítima. Prevalece a norma que mais beneficia o indivíduo,
titular do direito. O princípio da aplicação dos dispositivos mais favorável à vítima é consagrado
tanto pelos próprios tratados internacionais de proteção aos direitos humanos quanto pela
jurisprudência dos órgãos de supervisão internacionais.
No plano de proteção dos direitos humanos interagem o direito internacional
e o direito interno movidos pelas mesmas necessidades de proteção, prevalecendo as normas
que melhor protejam o ser humano, tendo em vista que a primazia é da pessoa humana. Os
direitos internacionais constantes nos tratados de direitos humanos apenas vêm a aprimorar e
fortalecer, nunca a restringir ou deliberar, o grau de proteção dos direitos consagrados no plano
normativo constitucional. Logo, em caso de conflito entre as normas de direito internacional
sobre direito humanos e as normas internas, adota-se o critério da prevalência da norma mais
favorável.
O próprio art. 29 da Convenção Americana de Direitos Humanos estabelece
que “nenhuma disposição da Convenção pode ser interpretada no sentido de limitar o gozo e
exercício de qualquer direito ou liberdade que possam ser reconhecidos em virtude de leis de
qualquer Estados-partes ou em virtude de Convenções em que seja parte um dos referidos
Estados”. A escolha da norma mais benéfica ao indivíduo é tarefa que caberá
fundamentalmente aos Tribunais nacionais e a outros órgãos aplicadores do direito, no sentido
de assegurar a melhor proteção possível ao ser humano.
Exemplificando os casos de conflitos entre normas internacionais de direitos
humanos e normas de direito interno, coloca-se o caso do Pacto Internacional dos Direitos
Civis e Políticos, que estabelece o direito de toda pessoa a fundar, com outras, sindicatos e de
filiar-se ao sindicato de sua escolha, sujeitando-se unicamente às restrições previstas em lei e
que sejam necessárias para assegurar os interesses de segurança nacional ou da ordem
pública, ou para proteger os direitos e liberdades alheias. Já a Constituição Nacional consagrou
o Princípio da unicidade sindical, que prevê a proibição de mais de uma organização sindical,
em qualquer grau, representativa da categoria profissional ou econômica, na mesma base
territorial.
Acolhendo o princípio da prevalência da norma mais favorável ao indivíduo
e considerando que os direitos previstos em tratados internacionais incorporam a constituição
com aplicação imediata, conclui-se que a ampla liberdade de criar sindicatos merece
prevalecer, até porque as exceções previstas no Pacto Internacional dos Direitos Civis e
Políticos não são observadas no Brasil, ou seja, no Brasil, a restrição à liberdade de
sindicalização não se dá em razão da necessidade de assegurar os interesses de segurança
nacional ou da ordem pública, ou para proteger os direitos e liberdades alheias. Como não
houve qualquer reserva por parte do Brasil ao ratificar o mencionado pacto internacional,
aceitou-se a plena liberdade de criação de sindicatos.
Um outro caso que merece enfoque refere-se à previsão que consta no art.
11 do Pacto Internacional de Direito Humanos. Pela norma, “Ninguém poderá ser preso apenas
por não poder cumprir com uma obrigação contratual”. Enunciado semelhante é o do art. 7º da
Convenção Americana, que estabelece que ninguém deve ser detido por dívida, acrescendo
apenas uma exceção, qual seja, a dívida de créditos alimentícios. A Constituição Nacional
consagra o princípio da proibição por dívida, contudo admite não apenas uma exceção, como
na Convenção Americana, mas sim duas: dívida de crédito alimentício e depositário infiel.
Pois bem, se o Brasil ratificou os dois instrumentos internacionais sem
qualquer reserva no que tange à matéria, é de questionar a possibilidade de prisão civil de
depositário infiel. Pelo critério da prevalência da norma mais favorável ao indivíduo no plano da
proteção dos direitos humanos, conclui-se que merece ser afasta tal possibilidade de prisão.
Observe-se que se a situação fosse inversa, se as normas constitucionais fosse mais benéfica
que a norma internacional, aplicar-se-ia Constituição Federal. As próprias regras de direito
internacional levam a esta interpretação ao afirmarem que os tratados internacionais só se
aplicam se ampliarem e estenderem o alcance da proteção nacional de direitos humanos.
Em resumo do presente tópico pode-se afirmar que, considerando a
natureza constitucional dos direitos enunciados nos tratados internacionais de proteção dos
direitos humanos, três hipóteses poderão ocorrer. O direito enunciado no tratado internacional
poderá: a) reproduzir direitos assegurados na Constituição; b) inovar o universo dos direitos
constitucionalmente previstos e c) contrariar preceito constitucional. Na primeira hipótese, os
tratados de direitos humanos estarão a reforçar o valor jurídico de direitos constitucionalmente
assegurados. Na segunda, esses tratados estarão a ampliar e estender o elenco dos direitos
constitucionais, complementando e integrando a declaração constitucional de direitos. Por fim,
quanto à terceira hipótese, prevalecerá a norma mais favorável à proteção da vítima. Vale
dizer, os tratados internacionais de direitos humanos inovam significativamente o universo dos
direitos constitucionalmente consagrados, ora reforçando sua imperatividade, ora adicionando
novos direitos, ora suspendendo preceitos que sejam menos favoráveis à proteção dos direitos
humanos. Em todas as três hipóteses, os direitos internacionais constantes dos tratados
internacionais de direitos humanos apenas vêm aprimorar e fortalecer, nunca restringir ou
debilitar o grau de proteção dos direitos consagrados no plano normativo interno.