35Cadernos IPPUR - Ano XXII, n2, Ago-Dez 2008

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CADERNOS IPPUR/UFRJ

v. 22, n. 2

ago./dez. 2008

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Cadernos IPPUR/UFRJ/Instituto de Pesquisa e Planeja-mento Urbano e Regional da Universidade Federaldo Rio de Janeiro. – ano 1, n.1 (jan./abr. 1986) –Rio de Janeiro : UFRJ/IPPUR, 1986 –

ISSN 1984-7661

1. Planejamento urbano – Periódicos. 2. Planejamentoregional – Periódicos. I. Universidade Federal do Rio deJaneiro. Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano eRegional.

Indexado na Library of Congress (E.U.A.)e no Índice de Ciências Sociais do IUPERJ.

REVISÃO GERAL E PROJETO GRÁFICOClaudio Cesar Santoro

CAPA

André DorigoLícia Rubinstein

ILUSTRAÇÃO DA CAPAImagem da direita

Manaus, Bonde na Rua do Tesouro. Nery, J. S. Album doAmazonas 1901-1902. No governo de Sua Exª Snr. Dr. Silverio

Nery. Manáos, Photographias de F.A. Fidanza, 1901-1902.

Imagem da esquerdaFoto de Gal Oppido “Loteamento irregular, de casas

autoconstruídas, penetrando na área da Serra da Cantareira eameaçando a integridade da reserva florestal”. Oppido, MarcosAurélio. São Paulo 2000. São Paulo: São Paulo ImagemData,

1999. p. 149.

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EDITORIAL

O presente número dos Cadernos IPPUR demonstra a sensibilidade da área doplanejamento urbano e regional com relação a transformações na organizaçãosocial, logo, na politização de usos do espaço. Constata-se, nessa direção, o esgota-mento de paradigmas orientadores das intervenções públicas na estruturação es-pacial, ao mesmo tempo que se analisam, através da introdução de temáticasinovadoras, mudanças, em curso, nas reivindicações coletivas.

Essa sensibilidade tem permitido uma permanente renovação metodológica e orecurso a orientações teóricas mais abertas à reflexão dos valores culturais e dasrepresentações sociais, como indicam os artigos dedicados à desigualdade racial, àmorfologia urbana de origem popular e à razão dialógica. Essa abertura corres-ponde à conquista de formas mais amplas de intercâmbio acadêmico e, sobretudo,de interlocutores com capacidade de estimular o estudo de campos ainda poucoexplorados das relações entre sociedade e espaço.

Simultaneamente ao desvendamento de novos temas, os artigos ora publicadospermitem reconhecer uma intensa atualização teórico-conceitual e empírica emtemas tradicionais da área. Assim, o estudo da habitação recebe a contribuição depesquisas da mobilidade residencial; a reflexão do planejamento urbano é enrique-cida por análises mais precisas da dinâmica da esfera política; e, ainda, a atuaçãodo capital imobiliário torna-se mais clara por meio de uma leitura conduzida pelaobservação severa da administração municipal.

Esses investimentos na área do planejamento urbano e regional articulam diferen-tes escalas das relações entre sociedade e espaço, possibilitando que se somem, àspesquisas do urbano, análises das políticas rurais; da difusão das redes de infra-estrutura econômica; da “guerra de lugares” e do desenvolvimento territorial. Muitomais do que um elenco heterogêneo de temas, o conjunto dos artigos permitereconhecer questões relacionadas aos limites da democracia e à centralidade doterritório no enfrentamento das desigualdades sociais.

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Decorre da formulação dessas questões a pesquisa orientada pela valorização dosatores sociais da estruturação do espaço. Manifesta-se, assim, a tendência, nos estu-dos mais recentes da área, à definitiva superação do pragmatismo e de ideários deneutralidade técnica. Uma superação que inclui a pesquisa histórica e a análisecrítica de grandes projetos. A manifestação dessa tendência sustenta a certeza deque a área vem conseguindo produzir conhecimento socialmente útil e, por issomesmo, relevante.

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CADERNOS IPPUR/UFRJ

SUMÁRIO

v. 22, n. 2

ago./dez. 2008

Artigos, 7Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro; Filipe Souza Corrêa, 9As cores das fronteiras urbanas. Segregação residencial e desigualdades “raciais” naRegião Metropolitana do Rio de JaneiroMaría Mercedes Di Virgilio, 37Trayectorias residenciales en el Área Metropolitana de Buenos Aires, Argentina: loscomponentes de la movilidad residencialJoão Marcos de Almeida Lopes; Magaly Marques Pulhez, 67De molde a contramolde: (re)construindo questões sobre a urbanização de favelasMarco Aurélio Costa, 89Da razão instrumental à razão comunicativa: o percurso do planejamento namodernidade e as abordagens pós-positivistasElson Manoel Pereira; Samuel Steiner dos Santos, 115A prática participativa no planejamento urbano: o poder público dá as cartas?Suely Maria Ribeiro Leal, 131Acumulação urbana competitiva: a produção imobiliária no processo de organização doespaço metropolitano do RecifeSilvia Gorenstein; Martín Napal; Mariana Olea, 151Políticas rurales en Argentina. Pobreza, localismo y agricultura familiarJayme Freitas Barral Neto; William Souza Passos; Romeu e Silva Neto, 185O petróleo como grande financiador da “Guerra de Lugares”: o caso dos municípios daBacia de Campos - RJ

Rumos da Pesquisa, 217Elier Méndez Delgado; María del Carmen Lloret Feijóo, 219Índice de Desarrollo Humano Territorial en Cuba de 1985 a 2007

Chélen Fischer de Lemos, 245O processo sociotécnico de eletrificação da Amazônia: esboço de uma análise histórica

Documento, 271Ana Clara Torres Ribeiro; Héctor Atílio Poggiese, 273Declaração de Buenos AiresDeclaración de Buenos Aires. Por una ciudad justa

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CADERNOS IPPUR/UFRJ

v. 22, n. 2

Aug./Dec. 2008

SUMMARY

Articles, 7Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro; Filipe Souza Corrêa, 9The colors of urban boundaries: residential segregation and racial inequalities inRio de Janeiro Metropolitan Area

María Mercedes Di Virgilio, 37Residential trajectories in Buenos Aires Metropolitan Area, Argentina: the constituents ofthe residential mobility

João Marcos de Almeida Lopes; Magaly Marques Pulhez, 67From mold to “counter-mold”: (re)building issues about slums urbanization

Marco Aurélio Costa, 89From instrumental reason to communicative reason: the route of planning in modernityand the post-positivist approaches

Elson Manoel Pereira; Samuel Steiner dos Santos, 115The participative practice in urban planning: does public power rules?

Suely Maria Ribeiro Leal, 131Competitive urban accumulation: the housing sector production in the process oforganization of Recife’s metropolitan space

Silvia Gorenstein; Martín Napal; Mariana Olea, 151Rural Policies in Argentina. Poverty, localism and familiar agriculture

Jayme Freitas Barral Neto; William Souza Passos; Romeu e Silva Neto, 185Oil as the great sponsor of the “Sites Wars”: the case of the municipalities ofCampos Bay - RJ

Research Directions, 217Elier Méndez Delgado; María del Carmen Lloret Feijóo, 219Index of Territorial Human Development in Cuba from 1985 to 2007

Chélen Fischer de Lemos, 245

The sociotechnical process of Amazon eletrification: historical analysis sketch

Document, 271Ana Clara Torres Ribeiro; Héctor Atílio Poggiese, 273Buenos Aires DeclarationDeclaration of Buenos Aires. For a fair city

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Artigos

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Cadernos IPPUR, Rio de Janeiro, v. 22, n. 2, p. 9-36, ago./dez. 2008.

O trabalho tem como objetivo avaliar arelação entre o contexto social de resi-dência e a cor da população na explica-ção das desigualdades sociais decorrentesda segregação residencial na Região Me-tropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ).Buscamos contribuir na reflexão sobreas desigualdades “raciais” brasileiras des-critas por outros pesquisadores.

De maneira mais precisa, o nossointeresse é saber se uma pessoa de cor

As cores das fronteiras urbanas.Segregação residencial edesigualdades “raciais” na RegiãoMetropolitana do Rio de Janeiro

preta ou parda desfruta de condiçãosocial desigual em termos de oportuni-dades e de acesso a certos elementosde bem-estar social independentementeda posição ocupada na divisão social doterritório da RMRJ ou, ao contrário, se ocontexto social constituído pelos proces-sos de segregação residencial representao filtro pelo qual as oportunidades e obem-estar social urbano são distribuídosdesigualmente entre os grupos de cor.

Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro

Filipe Souza Corrêa

Posicionamento do problema: a segregação residenciale a questão racial brasileira

A questão anterior é pertinente, por umlado, na medida em que a literatura dedi-

cada à análise dos impactos das transfor-mações econômicas nas grandes cidades

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10As cores das fronteiras urbanas. Segregação residencial e

desigualdades “raciais” na Região Metropolitana do Rio de Janeiro

destaca o crescente papel da segregaçãoresidencial na explicação da reproduçãodas desigualdades sociais em função daarticulação entre os mecanismos macros-sociais de reestruturação do mercado detrabalho, de fragilização do universo fa-miliar e de privatização do sistema debem-estar social, e os micromecanismosrelacionados ao isolamento socioterrito-rial dos grupos mais vulneráveis a essasmudanças. Vários autores, de correntesteóricas distintas, têm buscado descrevertal articulação reprodutora das desigual-dades utilizando conceitos como efeitovizinhança (Kaztman, 2001), efeito doterritório (Bidou-Zachariasen, 1996) ouefeito do lugar (Bourdieu, 1997).

Por outro lado, este artigo se inscreveno debate sobre a chamada questãoracial brasileira, que vem sofrendo sig-nificativas mudanças desde o consensonos anos 1930 acerca da existência deuma “democracia racial” no País. Comefeito, desde a segunda metade dos anos1970, em função dos trabalhos empíri-cos de Hasenbalg (1979) e Silva (1978),vem ganhando legitimidade, no campoacadêmico e na sociedade, a percepçãoda existência de mecanismos reproduto-res da desigualdade racial, não obstantea expansão de uma ordem competitivano Brasil. Para um vasto conjunto deautores 1, tornou-se evidente que as de-sigualdades de condições e posições so-ciais entre brancos, pretos e pardos nãopodem ser atribuídas à sobrevivência,na sociedade de classes conformadapela industrialização, urbanização e mo-

dernização, dos efeitos da ordem esta-tutária do nosso passado escravagista,como postulado nos anos 1950 e 1960por Bastide e Fernandes (1955) e Fer-nandes (1965). Atualmente, há forteconsenso sobre a existência, no Brasil,de um racismo sem racialismo (Guima-rães, 1999), isto é, de práticas discrimi-natórias nas interações interpessoaisentre brancos, pretos e pardos e meca-nismos estruturais de discriminação noacesso aos recursos que geram bem-estarsocial e no acesso a oportunidades sociais,que, no entanto, não se firmam em umaideologia fundada na existência de raçasbiológicas e de suas naturais diferenças.A ausência desse componente ideológicoteria tornado invisível o racismo entre nós,especialmente se considerarmos que adimensão da cor da pele como critériode classificação e discriminação racial foisubstituído por “tropos sociais” que se re-lacionam com a condição e a posição demarginalizados dos pretos e pardos nasociedade brasileira. Guimarães (1999)propõe investigar o modo como em cadamomento da nossa história e em cadarecanto do espaço social brasileiro esses“tropos sociais” são construídos, recons-truídos e usados para manter e reprodu-zir as desigualdades raciais. Os resultadosdessa investigação seriam cruciais parao adequado entendimento do paradoxoda sociedade brasileira, que legitimapráticas e mecanismos de racialização dahierarquia social conformada pelo mer-cado e pelas classes sociais. Em outrostermos, tratar-se-ia de investigar comooutras categorias classificatórias aparece-

1 Na impossibilidade de apresentar uma completa resenha da reinterpretação do tema doracismo, citamos os trabalhos de sistematização elaborados por Antônio Sérgio Guimarães.Ver Guimarães (1999) e Guimarães e Huntley (2000).

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11Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro, Filipe Souza Corrêa

riam como “sucedâneos simbólicos aos‘negros’, como são, no sudeste brasileiro,os epítetos de ‘baianos’, ‘paraíbas’ e‘nordestinos’” (ibid., p. 123). Guimarãespropõe também a investigação de trêsmecanismos que reproduzem, de formainvisível, as desigualdades raciais (ibid.,p. 201). O primeiro refere-se à sociali-zação realizada no plano da escola e dacomunidade (relações de vizinhança)onde se concentram indivíduos portado-res de determinadas características somá-ticas ou culturais consideradas socialmentedesvalorizadas, que transforma esses va-lores em atributos individuais, mantendoa baixa auto-estima. O segundo atua navida cotidiana e é materializado nas re-lações interpessoais nas quais práticasdiscriminatórias ou de exclusão, aindaque de forma polida e discreta, própriada nossa cultura da cordialidade, man-têm à distância os grupos pretos e pardosou seus “tropos sociais”. Esse mecanismocertamente reforça o primeiro, na me-dida em que estende, para o espaço so-cial mais amplo do que o das instituiçõessocializadoras, a experiência da sociabi-lidade confirmadora da inferioridade eda desvalorização sociais. O terceiro me-canismo concerne às práticas discrimina-tórias institucionalizadas, que funcionamde maneira impessoal, baseadas em açõesburocratizadas que ocorrem no mercado,como os preços das mercadorias e dosserviços, as qualificações formais ou tá-citas exigidas, as características pessoais,os diplomas, a aparência, entre outras.

A cidade, os princípios que organi-zam o seu espaço social, o sistema clas-sificatório que dispõe esse espaço comouma hierarquia, o sentido das interações

entre os indivíduos na vida cotidiana,as relações que mantêm com as institui-ções da cidade – a polícia, a burocracia,o mercado de terra etc. –, o funciona-mento das instituições socializadorascomo a família, a escola e a vizinhança ea vida comunitária do bairro podem fun-cionar segundo esses três mecanismos.Ou seja, podem criar os “tropos sociais”ligados aos territórios de agrupamentodos indivíduos segundo os atributos so-máticos e culturais objetos de práticasdiscriminatórias. Ao mesmo tempo, a ci-dade pode ser produto e produtora daspráticas discriminatórias institucionaliza-das; pode gerar espaços de socializaçãoque constroem a legitimidade da inferio-ridade e da desvalorização social; e podegerar práticas de sociabilidade afirmado-ras da inferioridade e da desvalorizaçãosocial dos indivíduos com base em seusatributos somáticos e culturais.

Contudo, no Brasil, são poucos ostrabalhos que tentam relacionar o temada segregação residencial com o das de-sigualdades raciais. A essa conjunção detemas denomina-se segregação racial.Para fins de sistematização, considera-remos três trabalhos. Um dos trabalhospioneiros no Brasil, nessa linha argu-mentativa, é o livro de L. A. Costa PintoO Negro no Rio de Janeiro, de 1953.Nele, Costa Pinto destaca a força coer-citiva do costume como o mecanismo apartir do qual se realiza a segregação ra-cial no então Distrito Federal, em oposi-ção ao mecanismo de força legal, comonos EUA. Nesse caso, a segregação resi-dencial dos negros no Rio de Janeiro seriafruto de uma incapacidade econômicade parcela da população na escolha do

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12As cores das fronteiras urbanas. Segregação residencial e

desigualdades “raciais” na Região Metropolitana do Rio de Janeiro

local da residência, a qual seria prerro-gativa de um grupo dominante. Essapercepção da segregação racial no Riode Janeiro – afastando-se do referencialde segregação racial extrema dos EUA –baseia-se na diferença não aleatória dopercentual de negros nas várias áreasda cidade e, principalmente, na sobre-representação de negros residentes emfavelas e na periferia em relação ao per-centual de negros no conjunto da po-pulação.

Recentemente, Telles (2003) retomaa tese da existência de um “racismo àbrasileira”, reforçando a hipótese do “ra-cismo sem racialismo” (id., 1993), e,utilizando as técnicas dos índices de se-gregação difundidos desde os trabalhosseminais de Duncan e Duncan (1955),compara os padrões de distribuição terri-torial de “negros” e brancos nas metrópo-les brasileiras e americanas, concluindoque entre nós vigora uma “segregaçãomoderada” (Telles, 2003, p. 180) e queas distâncias sociais entre a “classe média”e o restante dos estratos sociais, segundoos grupos de cor, diminui à medida queaumenta a renda, mas em gradação dife-rente quando se trata de brancos, pardose pretos. Os “negros” tendem a perma-necer isolados dos “brancos” afluentes,fato que para Telles pode produzir im-pactos na composição socioterritorial:

[...] menor acesso a recursos, taiscomo profissionais modelares, me-lhores redes de trabalho, uma infra-estrutura urbana melhor, o que porsua vez geraria capital social e melhorqualidade de vida. Os não-brancose especialmente os pretos são mais

propensos a ter piores chances devida simplesmente por ficarem maisdistantes da classe média e viveremem concentrações de pobreza. (Ibid.,p. 180)

Outra tentativa recente de abordaro tema da segregação racial foi feita porGarcia (2009), cuja análise centrou-sena comparação da situação dos “negros”em duas capitais – Rio de Janeiro e Sal-vador –, com o objetivo de demonstrarque as desigualdades sociais expressasno território são na verdade desigual-dades raciais. Ou seja, segundo a pers-pectiva de Garcia, as desigualdadessociais não se esgotariam na exploraçãode classe, havendo na verdade umaimbricação entre a estrutura social e anaturalização das desigualdades raciais,que resultou no que denomina de es-tratificação sócio-racial-econômica dosindivíduos. Nesse sentido, todo o esforçoempírico se concentra em demonstrarcomo a estruturação do território me-tropolitano, vista através das desigual-dades territoriais nos níveis de condiçãode moradia, de posse de bens urbanos(máquina de lavar, telefone, automóvele microcomputador) e de distribuição deserviços de consumo coletivo, está cor-relacionada com a estratificação sócio-racial-econômica dos indivíduos.

A partir dessas hipóteses, propomo-nos a avaliar, na Região Metropolitanado Rio de Janeiro, os efeitos diferencia-dos dos contextos sociais de residênciaconformados pela divisão social do terri-tório metropolitano na relação entre osgrupos de cor e as desigualdades sociais.Essa empreitada torna-se mais complexa

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13Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro, Filipe Souza Corrêa

se levarmos em consideração o fato de amorfologia social da cidade-pólo apresen-tar, como característica ímpar, a presença

das favelas nas áreas em que se con-centram segmentos sociais que ocupamas posições superiores da estrutura social.

O contexto social do lugar de residência

Para identificar o contexto social no qualos indivíduos estão inseridos, foram to-madas como unidades geográficas asáreas de ponderação - AED 2 do CensoDemográfico de 2000. Apesar de nãoconsistir numa unidade de vizinhançapropriamente dita – já que os seus limi-tes são definidos por critérios técnicosde coleta dos dados do Censo –, os li-mites das áreas de ponderação, no casoda RMRJ, coincidem em grande medidacom os limites geográficos dos bairros,o que nos permite falar de um contextosocial do lugar de residência.

A fim de classificar essas áreas, foicriada uma tipologia que usa a variávelde clima educativo do domicílio, construí-da com base na média de anos de estudodos indivíduos maiores de 24 anos resi-dentes no domicílio 3. A escolha do climaeducativo como variável de construção

da tipologia se justifica pela possibilidadede descrição da segregação residencialem termos da concentração de pessoasque vivem tanto nos domicílios quantonos bairros em situações de maior oumenor chance de acesso à escolaridade –oportunidade escassa na sociedade bra-sileira –, como um recurso potencializa-dor do seu posicionamento na estruturasocial, que condiciona suas chances deacesso a bem-estar social e a oportuni-dades (Kaztman, 2001; Kaztman e Reta-moso, 2005; Ribeiro, 2007).

A composição dos tipos de contex-tos sociais de acordo com as faixas declima educativo do domicílio pode servista no Gráfico 1. O primeiro tipo écaracterizado por uma alta presença dedomicílios com baixo clima educativo,em que 36,2% dos indivíduos estão nafaixa de clima até 4 anos de estudo e

2 Essa divisão territorial foi criada pelo próprio IBGE para a divulgação dos dados da amostra,obedecendo a critérios estatísticos. Cada uma dessas unidades geográficas é “formada porum agrupamento mutuamente exclusivo de setores censitários, para a aplicação dos proce-dimentos de calibração das estimativas com as informações conhecidas para a populaçãocomo um todo” (IBGE, 2002).

3 Essa tipologia foi construída da seguinte forma: Primeiramente, os domicílios foram classifi-cados de acordo com quatro faixas de clima educativo: “até 4 anos de estudo”; “mais de 4 a8 anos de estudo”; “mais de 8 a 11 anos de estudo”; e “mais de 11 anos de estudo”. Emseguida, aplicamos sobre essa distribuição uma Análise Fatorial por Correspondência Binária(Fenelon, 1981), da qual extraímos dois fatores tendo como critério de corte o valor de 80%da variância dos dados explicada pelos fatores. Após salvarmos as cargas fatoriais obtidaspor esse procedimento, realizamos uma Classificação Hierárquica Ascendente (ibid.), queresultou em três agrupamentos com uma variância intragrupos de 32,6% e uma variânciaintergrupos de 67,4%.

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desigualdades “raciais” na Região Metropolitana do Rio de Janeiro

42,9%, na faixa de mais de 4 a 8 anos deestudo. Esse primeiro tipo agrupa 49,3%dos indivíduos residentes na RMRJ. Jáo segundo tipo apresenta uma predo-minância de médio clima educativo, com33,9% dos indivíduos na faixa de 4 a 8anos de estudo e 29,8% na faixa de 8 a11 anos de estudo, agrupando 42,7% dapopulação residente na RMRJ. E o tercei-ro tipo compreende áreas de alto clima

educativo, pois apresenta elevada con-centração de domicílios na faixa de maisde 11 anos de estudo (63,5%), em quereside 8,0% da população da RMRJ.Com base nessa composição, denomina-mos o primeiro tipo “contexto social debaixo status”, o segundo, “contexto so-cial de médio status”, e o último, “con-texto social de alto status”.

Gráfico 1: Composição percentual das faixas de clima educativo do domicíliopelo contexto social do lugar de residência na RMRJ – 2000

Fonte: Elaboração própria com dados do Censo Demográfico de 2000 (IBGE, 2002).

A distribuição espacial dos contex-tos sociais classificados segundo o climaeducativo do domicílio é apresentadano Mapa 1. Com base nesse mapa, per-cebemos que os contextos de alto sta-tus coincidem em grande medida comas áreas consideradas nobres da cidade

do Rio de Janeiro e de Niterói; os demédio status coincidem com as áreas desubúrbio da cidade do Rio de Janeiro eNiterói e com as áreas centrais de al-guns municípios da região metropolita-na; e os de baixo status correspondemàs áreas da periferia da RMRJ.

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Mapa 1: Tipologia do contexto social do lugar de residência na RMRJ – 2000

Fonte: Elaboração própria com dados do Censo Demográfico de 2000 (IBGE, 2002).

Para cada um dos contextos sociaisdo lugar de residência, exploraremos, notópico seguinte, a situação dos segmentosde cor (brancos, pretos e pardos), coma finalidade de examinar as possíveis di-ferenças entre eles no que diz respeito adois tipos de desigualdades: (i) de oportu-nidades, expressas nas diferentes chances

dos grupos de cor de reproduzirem a si-tuação de pobreza dos pais pela via edu-cacional e do trabalho, através da utilizaçãode indicadores da situação de vulnerabi-lidade dos jovens e das crianças; atraso eevasão escolar e desocupação; e (ii) emtermos de bem-estar, avaliadas pelas di-ferenças das condições habitacionais.

As cores dos contextos sociais na RMRJ: podemosfalar em divisão racial do território da RMRJ?

A variável de cor ou raça do Censo De-mográfico de 2000 é obtida com baseem declaração do informante e posteriorenquadramento nas categorias definidaspelo plano de investigação do Censo.Sendo assim, a população da RMRJrepresenta-se como majoritariamentebranca, com percentual de 53,1%. Osindivíduos que se declararam pretos

compõem um grupo de cor minoritário,que corresponde a apenas 10,5% da po-pulação. Já os que se declararam pardoscorrespondem a 35,2% da população.As demais categorias de cor somadascorrespondem a 1,3% do total da popu-lação da RMRJ; portanto, em nossas aná-lises nos centraremos nas categorias decor branca, preta e parda (ver Tabela 1).

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desigualdades “raciais” na Região Metropolitana do Rio de Janeiro

Anteriormente, vimos como os di-ferentes contextos sociais de acordo como clima educativo do domicílio se distri-buem no espaço da RMRJ. Resta-nossaber como se distribuem, nesses con-textos, os grupos de cor que considera-

mos neste trabalho (brancos, pretos epardos). Para tal, os Mapas 2, 3 e 4 apre-sentam a distribuição dos grupos de corsegundo quatro faixas proporcionais deconcentração no território.

Mapa 2: Distribuição espacial da população de cor branca na RMRJ – 2000

Fonte: Elaboração própria com dados do Censo Demográfico de 2000 (IBGE, 2002).

O Mapa 2 apresenta a distribuição dosbrancos, segundo as faixas de concen-tração, na RMRJ. Segundo a Tabela 1, os

brancos configuram o maior grupo decor, correspondendo a 53,1% da popu-lação metropolitana; segundo o Mapa 2,

Fonte: Elaboração própria com dados do Censo Demográfico 2000.

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a maioria das áreas apresenta percen-tuais que giram em torno desse valor.Contudo, chama a atenção a elevadaconcentração de brancos nas áreas que

compõem o núcleo do espaço social daRMRJ: a Zona Sul do Rio de Janeiro, aBarra da Tijuca, a Grande Tijuca, o Cen-tro e a região oceânica de Niterói.

Mapa 3: Distribuição espacial da população de cor preta na RMRJ – 2000

Fonte: Elaboração própria com dados do Censo Demográfico de 2000 (IBGE, 2002).

Já o Mapa 3 apresenta a distribuiçãoda população de cor preta segundo asquatro faixas de concentração. É bastantenítida a baixa concentração de indivíduosdeclarados de cor preta nas áreas ondea concentração de indivíduos declaradosde cor branca é superior que a verificadano conjunto da RMRJ. Observamos quea faixa de 10 a 15% de pretos se distri-bui predominantemente pelas áreas daBaixada Fluminense e que a faixa de con-centração acima de 15% tende a se loca-lizar nas regiões centrais dos municípiosda Baixada e nas regiões próximas dacidade do Rio de Janeiro.

A população parda, como podemosverificar no Mapa 4, apresenta uma dis-

tribuição espacial próxima à da populaçãode cor preta: áreas com grande concen-tração de brancos correspondem a áreasde baixa concentração de pardos. Con-tudo, em razão da heterogeneidade dogrupo de cor parda, no presente trabalho,consideramos separadamente pardos epretos, tendo como referência a categoriade cor branca para efeitos comparativos.

Para verificarmos a relação entre osdiferentes contextos sociais de residênciae a distribuição dos grupos de cor, recor-remos à Tabela 2, que mostra a composi-ção por cor de cada contexto. Conformeesperado, percebemos que os contextossociais apresentam significativas diferen-ças de composição, considerando os dois

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desigualdades “raciais” na Região Metropolitana do Rio de Janeiro

contextos sociais opostos – baixo e alto.Nos espaços de alto status, 88% da popu-lação é branca, enquanto no contextode baixo status a maior concentração éde pretos e pardos. Inclusive, no contextode baixo status a cor branca deixa de serpredominante, apresentando um percen-

tual igual ao de pardos. No contexto demédio status, apesar da cor branca apre-sentar um percentual menor do que oobservado no contexto de alto status, ospercentuais de pretos e pardos perma-necem abaixo da média consideradapara toda a RMRJ.

Mapa 4: Distribuição espacial da população de cor parda na RMRJ – 2000

Fonte: Elaboração própria com dados do Censo Demográfico de 2000 (IBGE, 2002).

Contudo, quando analisamos a dis-tribuição de cada grupo de cor entre oscontextos sociais, a relação entre segre-gação racial e segregação residencial é

mais nítida, principalmente consideran-do-se o contexto de alto status em relaçãoaos contextos de médio e baixo status,como pode ser visto na Tabela 3.

Fonte: Elaboração própria com dados do Censo Demográfico de 2000 (IBGE, 2002).

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Além disso, não podemos desprezaro fato de que a estrutura espacial da ci-dade do Rio de Janeiro se caracterizapor considerável presença de favelasincrustadas em áreas nobres da cidade.Mas, apesar da proximidade espacial,manifesta-se grande distância social, oque é a marca da segregação residencialcarioca (Ribeiro, 2005; Ribeiro & Lago,2001); ou seja, podemos dizer que, prin-cipalmente no caso das favelas localizadasem áreas nobres da cidade, o regime deinteração com o seu entorno ainda éhierarquizado com base nas percepçõesfortemente arraigadas de dois mundossociais separados e distintos. Com basenessa idéia, Ribeiro e Koslinski (2009)propõem que, apesar da proximidadesocial, as fronteiras entre o “asfalto” e a“favela” localizada nas áreas abastadas dacidade são mais acentuadas do que no

que restante da cidade, em razão de osfortes contrastes gerados pela proximida-de territorial desses espaços fortalecereme institucionalizarem as representaçõescoletivas da existência de dois mundossociais distanciados e separados 4.

A Tabela 4 mostra o percentual deindivíduos moradores de favelas emcada um dos contextos sociais. Paraidentificarmos os indivíduos moradoresem favela, consideramos a variável aglo-merado subnormal do Censo Demográ-fico de 2000 5.

Na Tabela 5, considerando apenasa área de não-favela, verificamos que adiferença na concentração dos segmen-tos de cor permanece a mesma eviden-ciada na Tabela 2, ao compararmos oscontextos sociais de residência. Contudo,

4 Estimamos que, no espaço compreendido no raio de 3 km a partir da bairro mais elitizado dacidade do Rio de Janeiro, cerca de mais de 33% da população residente vive em espaçosconsiderados favelas.

5 Essa variável indica que o domicílio do indivíduo considerado está localizado em setorcensitário que corresponda a um “conjunto (favelas e assemelhados) constituído por unidadeshabitacionais (barracos, casas etc.), ocupando, ou tendo ocupado até período recente, terrenode propriedade alheia (pública ou particular), dispostas, em geral, de forma desordenada edensa, e carentes, em sua maioria, de serviços públicos essenciais” (IBGE, 2002).

Fonte: Elaboração própria com dados do Censo Demográfico de 2000 (IBGE, 2002).

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desigualdades “raciais” na Região Metropolitana do Rio de Janeiro

quando observamos somente os espaçosde favela, a composição de cor dos con-textos de alto status se modifica; nessecaso, o percentual de brancos (31,8%) émenor do que nas áreas não classificadas

como favela; e o de pretos (21,1%) e ode pardos (47,1%) são muito maioresdo que nas áreas de não-favela (2,3% e7,7% respectivamente).

Antes de tudo, podemos dizer quehá uma cor dos espaços que ocupamas posições inferiores da hierarquia so-cioespacial. Tanto as favelas quanto os

contextos sociais de baixo status apre-sentam maior concentração de pretosdo que os demais. Aqui se destaca ointeressante fato de a população mora-

Fonte: Elaboração própria com dados do Censo Demográfico de 2000 (IBGE, 2002).

Fonte: Elaboração própria com dados do Censo Demográfico de 2000 (IBGE, 2002).

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dora das favelas apresentar maior con-centração de pretos e pardos nos espa-ços de alto status do que nos espaçosde baixo status. Podemos dizer, por outrolado, que há proximidade social entreos espaços de baixo contexto social e asfavelas; ou seja, nos espaços de baixocontexto social, há proximidade socialentre as áreas de favelas e não-favela.

Na Tabela 6, em que a populaçãode referência é o total da população daRMRJ localizada em cada um dos con-textos sociais de residência, os percen-tuais de brancos, pretos e pardos queresidem em favela nos contextos debaixo status não se diferenciam signifi-cativamente da média; já no contextode médio status, o percentual de negrosmorando em favelas aumenta para

17,2%, ao passo que o percentual debrancos, na mesma situação, diminuipara 6,6%; e, no contexto de alto status,apenas 1,3% dos brancos residem emfavela, percentual que atinge 25% nocaso dos pretos. Ou seja, esses resultadosmostram que a percepção da favelacomo um espaço predominantemente“negro” tem origem nos efeitos sobre asrepresentações sociais da morfologiasocial dos espaços de alto status: o fortecontraste entre espaços concentrandofortemente os segmentos brancos dapopulação que ocupam as posições su-periores da estrutura social e os espaçosde favela. O mesmo não ocorre nas fa-velas em áreas de baixo status, já quenão existem diferenças significativas nacomposição de cor entre os espaços defavela e não-favela.

Não constatamos a existência de si-nais da “racialização” da hierarquia socialdos contextos de residência. De certaforma, podemos dizer que a distribuiçãodos segmentos de cor pela hierarquiasocioespacial da metrópole do Rio de

Janeiro constitui mais um fenômeno deconcentração territorial dos brancos demaior status social, portanto, de maiorprestígio e poder econômico, do que umfenômeno de afastamento compulsóriodos “negros”. Ou seja, ao mesmo tempo

Fonte: Elaboração própria com dados do Censo Demográfico de 2000 (IBGE, 2002).

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desigualdades “raciais” na Região Metropolitana do Rio de Janeiro

que “negros” e brancos não estão separa-dos nos contextos sociais de baixo status,há um relativo “embranquecimento”das posições de status superiores. Noentanto, é clara a diferença na compo-sição de cor entre as áreas de favelas enão-favelas nos contextos sociais de altostatus.

Não temos condições, neste texto, deinvestigar as vantagens e desvantagensdessa inserção territorial das favelas emcontextos sociais de alto status para asrelações entre segmentos de cor da po-pulação; porém, a partir dos dados quetemos à disposição, é possível investigarse essa proximidade territorial gera algu-ma vantagem para os grupos de pardose pretos, uma vez que a localização nacidade está associada ao menor ou maiorcontrole de recursos que aumentam asoportunidades e o acesso ao bem-estarsocial. Assim, o objetivo principal agoraé responder às seguintes indagações: essadiferença na distribuição dos segmentosde cor na metrópole é acompanhada dedesigualdade nos níveis de bem-estarurbano e de oportunidades? Em quemedida essa desigualdade é mais in-fluenciada pela cor do indivíduo ou pelocontexto social em que reside?

Procuramos responder a essas inda-gações através da análise das desigual-dades entre brancos, pretos e pardos notocante às condições habitacionais quedeterminam o nível de bem-estar socialurbano e as oportunidades de inserçãosocial. No primeiro aspecto, as desigual-dades resultam da ação do Estado nadistribuição dos serviços coletivos, que

complementam a função da moradia nareprodução social e do mercado imobi-liário residencial, que, pelo filtro dospreços, distribui as pessoas no territórioe regula o acesso a condições de con-forto habitacional. No segundo aspecto,as desigualdades sociais resultam de ini-qüidades da estrutura de oportunidades,analisadas com base em quatro situa-ções: (i) atraso escolar de crianças entre8 e 15 anos; (ii) evasão escolar de crian-ças entre 8 e 15 anos; (iii) desafiliaçãoinstitucional 6 de homens entre 14 e 24anos; e (iv) maternidade de mulheressem cônjuge entre 14 e 19 anos. A obser-vação desses segmentos pode revelar in-dícios de reprodução das desigualdadessociais, uma vez que o mercado de traba-lho e a escola são mecanismos de acessoàs oportunidades que condicionam a fu-tura trajetória de crianças e jovens no queconcerne a mobilidade social.

Quanto aos serviços de saneamento,constatamos que as desigualdades sãomarcadamente cortadas pela hierarquiasocioespacial, embora seja possível afir-mar que pretos e pardos moradores emespaços de alto status apresentam taxade carência maior do que os brancosdo mesmo contexto; porém, a diferençaé maior entre pretos e pardos de con-textos de alto status em relação a pretose pardos residentes em espaços de baixostatus (ver Tabela 7). Já os pretos, pardose brancos habitantes nesses espaçosapresentam taxas de carência extraor-dinariamente mais elevadas que as en-contradas nos contextos de alto status.O poder público parece “discriminar”pelo local de residência e não pela cor,

6 Mais adiante definimos este conceito.

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gerando ou tolerando extremas desi-gualdades de condições habitacionais e,portanto, níveis diferenciados de bem-estar urbano. Podemos conjecturar duasexplicações para a maior vantagem depretos e pardos moradores nos contex-tos de alto status: a primeira baseia-seno saneamento, que, por ser um serviçocoletivo, é distribuído e acessível via alocalização dos grupos sociais no terri-

tório, permitindo que a proximidadehabitacional beneficie indistintamenteindivíduos brancos e não-brancos; asegunda baseia-se nos investimentosrealizados nos últimos 20 anos nas fa-velas da cidade do Rio de Janeiro, acom-panhados do relativo abandono dasperiferias metropolitanas, onde está lo-calizada grande parte dos contextos debaixo status.

O exame do indicador de adensa-mento habitacional leva-nos na mesmadireção (ver Tabela 7). Na ponta superiorda hierarquia socioespacial, há nítidasdesigualdades, pois o percentual de pretose pardos que vivem em condições habi-tacionais de alto adensamento (10,7% e10%, respectivamente) é maior do queo de brancos (2,4%). Mas, ao mesmotempo, podemos dizer que as condiçõesde moradia pioram igualmente para

brancos e “negros” à medida que desce-mos na escala da hierarquia socioespacial.Em termos relativos, os brancos dos es-paços de baixo status estão em situaçãopior que os pretos e pardos que habitamem contextos de alto status. Parece sercorreto concluir que, também nesse as-pecto, o local de residência é mais deter-minante do bem-estar social urbano doque a cor.

Fonte: Elaboração própria com dados do Censo Demográfico de 2000 (IBGE, 2002).

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desigualdades “raciais” na Região Metropolitana do Rio de Janeiro

Passemos agora à avaliação das de-sigualdades de oportunidades. Como jámencionado, escolhemos alguns indicado-res que poderiam traduzir mecanismos deprodução/reprodução de desigualdadesrelacionados aos contextos sociais. Elesrevelam circunstâncias em que criançase jovens podem estar em situação de riscosocial pela existência de bloqueios, noplano da família e do bairro, ao aproveita-mento de oportunidades de acumulaçãode recursos que, no futuro, poderiamproporcionar-lhes maior bem-estar sociale a conquista de posições sociais mais ele-vadas. Tais oportunidades relacionam-secom o acesso a ativos educacionais ad-vindos da escolarização e aos resultantesdo acúmulo de experiências no mercadode trabalho.

Antes de tudo, verificamos as impor-tantes diferenças entre brancos e não-brancos quanto ao atraso escolar de umano ou mais de crianças entre 8 a 14anos de idade, como indica a Tabela 8.No contexto de alto status, pretos e par-dos têm, em termos relativos, o dobroda incidência de atraso escolar (59,9%e 47,8%, respectivamente) dos brancos(23,7%). Olhando por esse prisma, asdesigualdades entre brancos e “negros”parecem impor-se às desigualdades de-correntes do local de moradia. Porém,quando examinamos a situação de cadasegmento, verificamos que indivíduos“negros” moradores em contextos dealto status desfrutam de vantagens noaproveitamento escolar em relação aoshabitantes dos contextos da ponta infe-

rior da hierarquia socioespacial, em queo atraso escolar dos pretos é de 70,9%,dos pardos é de 62,7%, e dos brancosé de 51,8%. Quanto à evasão escolar,verificamos a mesma relação, ou seja,apesar da disparidade entre brancos e“negros” nos contextos de alto status, aincidência de evasão escolar nos contex-tos de baixo status é consideravelmentemaior.

A maternidade precoce tambémimplica em diminuição das chances demobilidade social, na medida em que aadolescente é obrigada – em grandeparte dos casos – a retirar-se dos estu-dos, tendo assim limitadas suas possibi-lidades presentes e futuras de emprego.A maternidade precoce é hoje uma dasprincipais causas da evasão escolar, pois,segundo a Unesco, 25% das meninasgrávidas com idade entre 15 e 17 dei-xam de estudar. A maternidade precoceestá fortemente relacionada aos contex-tos familiares 7 e sociais nos quais agemdiversos mecanismos que condicionamo seu comportamento: falta de informa-ção sobre práticas anticonceptivas; faltade acesso ao sistema público de saúde;limites da socialização; exposição aospapéis sociais tradicionais. Observamos,com base na Tabela 8, que a incidênciade maternidade precoce nos contextosde baixo status é superior à verificada naponta mais elevada da hierarquia, tantopara o conjunto da população quantopara os segmentos brancos e não-bran-cos. O que chama a atenção nesse casoé que a localização da residência parece

7 Dados trabalhados por Itaboraí (2003, p. 179) indicam que 22,5% das mães adolescentesde 15 a 19 anos são socializadas em ambientes bastante pobres, pois vivem em domicílioscom renda de até 2 salários mínimos.

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ter pouca influência no comportamentodas adolescentes não-brancas. Já paraas adolescentes brancas, a incidência damaternidade precoce aumenta de 0,9%no contexto de alto status para 5,7% nocontexto de baixo status. Como hipóteseexplicativa, supomos que, para a ado-lescente sem cônjuge, as diferenças de

contexto (familiares e sociais) favorecemmais as brancas do que as não-brancas.Ou seja, o fato de morar em contextosde baixo status social influencia negati-vamente mais as brancas, enquanto paraas não-brancas o risco de gravidez pre-coce permanece mais elevado em todosos contextos socioespaciais.

A situação do jovem do sexo mascu-lino que não estuda, não trabalha e nemprocura emprego aproxima-se da con-dição social denominada status zero, porWilliamson (1997), ou desafiliação ins-

titucional, por Alvarez-Rivadulla (2002),pelo fato de esse jovem estar afastadosimultaneamente dos dois papéis sociaispossíveis – trabalhador e estudante –nessa etapa do ciclo da vida. Com efeito,

Fonte: Elaboração própria com dados do Censo Demográfico de 2000 (IBGE, 2002).

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desigualdades “raciais” na Região Metropolitana do Rio de Janeiro

o fato de estar em situação de desafiliaçãopode indicar a exclusão das condiçõessociais nas quais esse jovem adquire ati-vos importantes para o acesso a posiçõessociais superiores, sejam eles decorren-tes da escolaridade ou do acúmulo deexperiência ocupacional. Numa situaçãolimite, pode indicar um comportamentojuvenil não mais orientado pela norma-tividade moral exigida pelos valores easpirações dominantes 8.

A análise dos dados mostra nova-mente diferenças importantes entre asduas pontas da hierarquia socioespacial,ou seja, as taxas dos jovens de statuszero ou em situação de desafiliação insti-tucional que vivem em espaços de baixostatus são superiores às dos que vivemem contextos de alto status. Essa dife-rença é observável principalmente nosegmento de jovens brancos, o que in-dica que os contextos sociais podem teralguma influência na redução de suaschances de desafiliação. O mesmo nãoacontece com os jovens pretos, pois astaxas dos que estão nos contextos dealto status são pouco inferiores às dosque estão nos contextos de baixo status.Em relação a esse indicador, podemosdizer também que o local de residênciatem papel mais relevante no acesso aoportunidades do que a cor, embora essasituação influencie mais os brancos doque os pretos e pardos. Contudo, o re-sultado que mais chama a atenção é quea incidência de desafiliação entre jovens

pretos é um pouco menor nos contextosde médio status (8,8%) do que nos dealto status (11,8%). Nesse caso, pode-mos dizer que a favela localizada emcontextos de alto status é responsávelpela alta incidência de desafiliação dejovens de cor preta.

Com intuito de testar os efeitos dasegregação residencial vis-à-vis ao efeitoda cor no acesso a oportunidades, cons-truímos um modelo de regressão logísticatendo como variáveis dependentes cadauma das situações anteriormente men-cionadas. A escolha da análise multivaria-da se deve ao fato de os indicadores dedesigualdade de oportunidades configu-rarem variáveis conhecidas na estatísticacomo dummy, ou seja, dados categóricospara cada indivíduo, nos quais o valor“1” identifica o indivíduo que se encontraem uma das situações de desigualdadede oportunidades e o valor “0” no casocontrário. Como variáveis de controle domodelo, consideramos a renda familiarper capita, em salários mínimos, e o climaeducativo do domicílio. Tal procedimentoé importante para o controle das relaçõesque buscamos evidenciar (desigualdadede oportunidades x cor e desigualdadede oportunidades x contexto social e re-sidencial).

Em resumo, o nosso objetivo é sub-meter os resultados da análise descritivaao teste estatístico: se e em que grau adivisão por cor (branco x preto e branco

8 É importante considerar os contextos sociais na busca do significado sociológico da condiçãodo jovem que não estuda nem trabalha. Como menciona Saravi (2004), na América Latinao status zero tem sido entendido como condição de vulnerabilidade e risco, por representara possibilidade de diminuição da oportunidade futura de bem-estar social e de associação aatividades ilícitas.

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x pardo) explica mais as desigualdadesde oportunidades do que os contextossociais, observando os planos da família(pobreza x não-pobreza), do domicílio(baixo clima x alto clima educativo) edo lugar de moradia (de alto status xbaixo status). Os coeficientes estimadosdo modelo de regressão quando maio-res que 1 expressam o risco relativo deo indivíduo estar numa das situações dedesigualdade de oportunidades supra-mencionadas; ou seja, em relação aosseus grupos de referência. Cada umadas variáveis consideradas no modeloapresenta um valor que representa orisco (ou chance relativa) de estar numadas situações de desigualdade de opor-tunidades.

Aplicamos o modelo assim construídopara o conjunto da população da regiãometropolitana e, ao mesmo tempo, paracada um dos segmentos de cor.

Para a variável cor, consideramos abranca como referência e estimamos orisco para pardos e pretos. Para a variá-vel contexto social, consideramos o dealto status como referência e estimamosos efeitos dos contextos de baixo statuse de médio status. No caso da rendafamiliar per capita, estimamos o efeitosobre indivíduos integrantes de gruposfamiliares de até 1/2 salário mínimo ede 1/2 a 1 salário mínimo, tomandocomo referência o grupo de 1 saláriomínimo ou mais. Para a variável con-texto domiciliar, estimamos o risco dosindivíduos pertencentes a domicílio comclima educativo de até 4 anos de estudo(baixo) e de 4 a 8 anos de estudo (mé-dio), tendo como referência os indivíduos

integrantes de domicílios com clima edu-cativo de 9 ou mais anos de estudo(alto).

Apresentamos na Tabela 9 os resul-tados do modelo de regressão logísticapara a variável atraso escolar de um anoou mais para crianças entre 8 e 14 anosde idade. No conjunto da metrópole, adivisão por cor tem maior importânciado que o lugar de residência na explica-ção das desigualdades de oportunidadeseducativas, atingindo mais fortementeas crianças pretas do que as pardas emrelação às brancas, o que poderia noslevar a aceitar a hipótese da existênciade efeitos de práticas discriminatóriascom fundo racial. Não obstante, têm pesoexplicativo mais importante as condiçõessociais nas quais a criança é socializada,nos planos da família, do domicílio, comdestaque para o clima educativo domici-liar, e em relação à pobreza.

Quando examinamos os resultadosda aplicação do modelo para os gruposde cor, observamos que essas condiçõescontextuais atingem mais as criançasbrancas do que as pretas e pardas, sendoque para estas últimas o lugar de resi-dência tem pouco ou nenhuma influên-cia no risco de atraso escolar.

Na Tabela 10, apresentamos os re-sultados para a variável evasão escolar.A cor parda representa um risco prati-camente nulo de exclusão escolar emrelação à branca, mas este é elevadopara a criança de cor preta (1,36). Assimcomo na situação de atraso escolar, orisco de evasão escolar sofre maior efeitodos contextos sociais no plano da família

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e do domicílio – representados aquipelas variáveis de clima educativo domi-ciliar e renda per capita da família – doque da cor das crianças. Além disso,quando observamos os efeitos do lugarde residência, constatamos que o riscopara crianças que moram em contextode baixo status é 1,22 vez superior aorisco estimado para as que residem emcontexto de alto status, valor elevado enão muito distante do estimado para acor preta (1,36). Observando os resul-tados da aplicação do modelo separa-damente para os segmentos de cor,percebemos que as crianças brancas so-frem maiores desvantagens decorrentesdos efeitos de viverem em contextos so-ciais desfavoráveis nos planos da famí-lia, do domicílio e do lugar de residência.Chama a atenção o fato de as crianças

brancas (1,48) e pretas (1,42) vivendoem contextos marcados pela baixa es-colarização dos adultos estarem subme-tidas a elevados riscos de evasão escolar,em grandezas semelhantes para ambosos grupos de cor. O que aparece comonovidade nesse caso, diferentemente doobservado com relação ao atraso escolar,é que, mesmo as crianças de cor pretatendo maior risco de evasão escolar, ascrianças também de cor preta, mas queresidem em contextos de baixo status,apresentam maior risco de evasão es-colar do que as crianças de cor pretaresidentes em contextos de alto status.Já para as crianças pardas, esse efeitodo local de moradia não é significativa-mente diferente entre os diferentes con-textos sociais.

Fonte: Elaboração própria com dados do Censo Demográfico de 2000 (IBGE, 2002).

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Examinando os coeficientes, um fatochama a atenção. Trata-se do risco supe-rior de evasão escolar para as criançaspretas de famílias pobres (até 1/2 saláriomínimo), quando comparadas com asque vivem em domicílios com baixo climaeducativo (até 4 anos de estudo). Noprimeiro caso, o risco é de 2,20, e, nosegundo, de 1,34. Esse resultado indicaa forte relação entre pobreza e evasãoescolar para as crianças pretas, provavel-mente em conseqüência da necessidadede complementação da renda familiaratravés do trabalho infantil.

Na Tabela 11, apresentamos os re-sultados do modelo para estimativa dorisco de mulheres entre 14 e 19 anosde idade serem mães solteiras. No con-junto da RMRJ, a faixa de renda percapita familiar de até 1/2 salário mínimo

apresenta um risco de 5,45 vezes o riscoestimado para a faixa de renda per ca-pita familiar de 1 salário mínimo ou mais,ao passo que o risco para a faixa de 1/2a 1 salário mínimo representa 2,24 vezeso risco estimado para a mesma faixa dereferência, valores bem superiores aosestimados para as cores preta e parda.Isso indica que o risco de gravidez pre-coce está fortemente relacionado aocontexto social criado pela extrema po-breza da família à qual pertence a jovem.Viver em espaços que concentram forte-mente adultos com pouca escolaridaderepresenta um risco superior ao da corpreta. Porém, quando observamos osresultados do modelo para cada seg-mento de cor, percebemos que, parajovens brancas, os efeitos dos contextosde baixo e médio status chegam a, res-pectivamente, 2,30 e 2,62 vezes o risco

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do contexto de alto status, ao passo que,para jovens pretas e pardas, o efeito docontexto não apresenta significância.Sendo menores para as jovens pretas epardas os efeitos dos diferentes contex-

tos e, ao mesmo tempo, elevados paraas brancas, a cor tem grande peso abso-luto na constituição do risco da gravidezprecoce de adolescentes.

Na Tabela 12, apresentamos os resul-tados da aplicação do modelo para a va-riável desafiliação institucional de jovensentre 14 e 24 anos. Na leitura dos resul-tados, podemos perceber que o risco épouco influenciado pelo contexto socialdo lugar de residência, pois somenteapresenta efeito significativo para jovensde cor parda, sendo 1,13 para o con-texto social baixo e 1,16 para o contextosocial médio. Para jovens de cor branca,o efeito do contexto social não foi signifi-cativo, enquanto para jovens de cor pretao efeito foi de proteção para o risco nocaso de residirem em contexto socialbaixo ou médio em relação ao contexto

social alto, ou seja, jovens de cor pretaresidentes em contexto social alto apre-sentam um risco maior de estarem emsituação de desafiliação institucional. Nareflexão desse resultado, é relevantelembrar que as áreas de ponderaçãodefinidas pelo IBGE não discriminam asáreas de favelas e que existe uma impor-tante incidência desse tipo de moradiana RMRJ, em contextos aqui definidoscomo de alto status. Ou seja, no processode favelização da cidade do Rio de Ja-neiro, sobressai exatamente o grandenúmero de favelas incrustadas em áreasnobres da cidade, principalmente pelaocupação de morros e encostas. Como

Fonte: Elaboração própria com dados do Censo Demográfico de 2000 (IBGE, 2002).

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vimos na parte descritiva deste artigo,25% da população preta é moradoraem favelas localizadas nos contextos dealto status, sendo que nessas favelas ospretos representam 20% da população.Tal presença marcante de favelas nessasáreas da cidade afeta as estimativas paraas áreas de ponderação classificadascomo de alto status, pois, apesar de asfavelas não expressarem o tipo de sepa-ração total observado no caso dos guetosamericanos, a segregação social entre aárea de favela e seu entorno rico expres-sa a existência de mundos sociais entreos quais prevalecem fortes diferenças decondições de vida (renda, escolaridade,conforto habitacional etc.), de padrõesde organização social (tipo, tamanho ecomposição familiar, por exemplo),além das relacionadas a um complexoe dissimulado sistema de interações fun-dadas no estigma social, a ponto de alinguagem cotidiana ter incorporado aexpressão “favelado” como categoria dojogo das distinções sociais fundado nahierarquia estamental, usada legitima-mente na sociabilidade corrente, pelamídia e pelo poder público. Seria impos-sível, no quadro deste artigo, desenvolverargumentos que expliquem as razões dofato de a proximidade territorial dessesmundos sociais justapostos não criarvantagens para os que estão na base daestrutura social, nesse caso, o incentivoaos jovens para a busca de inserção socialvia escola e/ou trabalho. Em outros ter-mos, a co-presença no espaço dessesgrupos sociais parece não suscitar ple-

namente dimensões positivas do fenô-meno sociológico conhecido como“efeito pares”. Estudos posteriores po-derão mostrar de que forma a presençade favelas em áreas nobres da cidadeafeta a desafiliação institucional de jo-vens pretos, o que não ocorre com ospardos. Contudo, supomos que estamosdiante de efeitos não esperados de mu-danças nas expectativas dos jovensquanto ao seu lugar na sociedade; efei-tos estes decorrentes tanto da exposiçãoaos meios de comunicação de massa edo aumento do nível de escolaridadequanto do processo de socialização ocor-rido pela interação com jovens morado-res fora da favela e com posições sociaissuperiores. Trata-se de dois mecanismosgeradores de incongruências entre o sta-tus social esperado pelos jovens pretosmoradores em favela e o efetivamenterealizado através da estrutura de oportu-nidades existente (Lensky, 1954). Os jo-vens recusam a ocupação a que podemter acesso, geralmente relacionada aotrabalho manual, informal e aos serviçospessoais ou domiciliares, porque, tendoalcançado níveis de escolaridade supe-riores aos dos adultos do seu grupo dereferência, percebem essa ocupaçãocomo socialmente desvalorizada. Tam-bém não têm incentivo à continuaçãodo estudo, tanto em razão de a escolapública ser socialmente desvalorizadaquanto por não perceberem essa viacomo capaz de permitir o alcance desuas expectativas de ascensão social 9.

9 A hipótese de o comportamento dos jovens das camadas populares, especialmente os assimchamados “negros”, diante das instituições da sociedade, ser orientado pelos efeitos daincongruência de status foi explorada por Sansone (2003).

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desigualdades “raciais” na Região Metropolitana do Rio de Janeiro

Conclusões: as fronteiras urbanas têm cores?

A motivação principal deste trabalho foigerar algumas evidências empíricas quepermitissem refletir a hipótese da “racia-lização” da estrutura de desigualdadesexpressa no território através da segre-gação residencial, tomando a metrópoledo Rio de Janeiro como estudo de caso.Procuramos enquadrar a reflexão dessahipótese em dois debates presentes nomundo acadêmico brasileiro: de umlado, o orientado por hipóteses veicula-das pela literatura internacional sobretendências contemporâneas de crescen-tes conexões entre os macromecanismosde reprodução das desigualdades sociaise os micromecanismos de segregaçãoresidencial nas grandes cidades, e, deoutro lado, o debate nacional a respeitoda dimensão “racial” das desigualdadessociais.

Não pretendemos que a análise aquiempreendida seja considerada uma de-monstração da inexistência de relevân-cia da “raça” nos processos de produçãoe reprodução das desigualdades sociaisatravés dos mecanismos que organizamsocialmente o território, distribuindo pes-soas, recursos e oportunidades a partirda estrutura social e da sua histórica “ra-cialização”. Pretendemos, antes de tudo,que os resultados obtidos chamem aatenção para a complexidade da ques-tão. Nesse sentido, de acordo com osresultados descritos, chegamos às con-clusões que passamos a expor e que dia-logam com as indagações expostas noinício do artigo.

Em primeiro lugar, a cor autodecla-rada dos indivíduos tem forte influência

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sobre os riscos de desvantagens sociais,examinadas em nossa análise, relaciona-das ao acesso ao bem-estar social urbanoe à estrutura de oportunidades, atingindode maneira mais significativa os segmen-tos pretos. Não obstante, constatamosque a cor não explica integralmente areprodução das desigualdades. Os resul-tados empíricos do nosso trabalho indi-cam a forte relevância dos contextos emque crianças e jovens são socializados eadquirem recursos tangíveis e intangíveisnecessários ao acesso, presente e futuro,aos recursos da cidade. Destacam-se asresultantes da aquisição prévia de par-celas dos capitais econômico e escolarpelos grupos familiares a que pertencemcrianças e jovens. Constatamos, também,que esse acesso está condicionado àscaracterísticas do contexto social confor-mado pelo lugar de residência, apesarde tratarmos de fatos sociais (atraso es-colar, evasão escolar, gravidez precoce edesafiliação institucional) altamente de-pendentes dos contextos mais imediatos(familiares e domiciliares). Além disso,não encontramos sinais evidentes dehomologia entre as desigualdades pro-duzidas pela estratificação segundo a core as resultantes da organização social doterritório, no que concerne tanto à distri-buição dos indivíduos no espaço quantoàs chances de acesso ao bem-estar ur-bano e às oportunidades. Os brancos,pretos e pardos de contextos que con-centram fortemente adultos com baixaescolaridade experimentam igualmentepiores condições urbanas de vida que ospretos e pardos de contextos com mais

alto status. Essas observações permitempôr em dúvida a hipótese presente naliteratura sobre a existência do fenômenoda segregação “racial” na cidade brasi-leira (Pinto, 1998; Telles, 2003; Garcia,2009). Mas, se não encontramos sinaisde “racialização” das desigualdades ge-radas pelos efeitos da organização socialdo território, constatamos diferenças noscondicionantes das chances de brancos,pardos e negros terem acesso às oportu-nidades. Tal fato resulta da constataçãode que os brancos são mais negativa-mente afetados em suas chances deaproveitamento das oportunidades emdecorrência de contextos familiares,domiciliares e urbanos menos desfavorá-veis do que os pardos e, em especial, ospretos. Estes, por sua vez, seriam menosafetados em razão de sua cor já implicarem desvantagem de ponto de partida,que parece não ser anulada pelo fatode viverem em contextos mais favorá-veis. Tal fato pode significar que as his-tóricas desigualdades sociais entre osgrupos de cor na sociedade brasileirapodem estar articuladas com as decorren-tes da formação de meios sociais urbanospouco favoráveis ao aproveitamento dasestruturas de oportunidades. Nesse sen-tido, em futuras pesquisas, seria interes-sante e útil considerar os mecanismos dediscriminação descritos por Guimarães(1999), que, atuando nos planos da so-cialização dos indivíduos, da vida cotidia-na e do funcionamento das instituições,naturalizam as desigualdades “raciais” aomesmo tempo que as transformam emseus “tropos sociais”.

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desigualdades “raciais” na Região Metropolitana do Rio de Janeiro

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36As cores das fronteiras urbanas. Segregação residencial e

desigualdades “raciais” na Região Metropolitana do Rio de Janeiro

Abstract

We intend to generate empirical ele-ments to allow reflection about racialsegregation in Brazilian metropolis. Wetook as our starting point the structuralnexus between social organization of theterritory and mechanisms of production/reproduction of social inequalities. Wetook in account the relation betweensocial status and color into the explana-tion to the intra-urban inequalities in Riode Janeiro Metropolitan Region takingas basis the Demografic Census of theyear 2000. To the study of social status,we built a socio-spatial tipology basedon the educational atmosphere of theresidence. We built, in addition, a set ofindicators of the relation between socialposition, color and differences in habi-tational conditions and in access to socialopportunities.

Keywords: racial segregation, residen-tial segregation, social inequality, slums.

Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro é Professor Titular do IPPUR/UFRJ e Coorde-nador do Observatório das Metrópoles / Instituto do Milênio - Conselho Nacionalde Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Pesquisador do CNPq.

Filipe Souza Corrêa é Mestrando em Planejamento Urbano e Regional peloIPPUR/UFRJ e Pesquisador assistente da Rede Observatório das Metrópoles.

Recebido em julho de 2008. Aprovado para publicação em novembro de 2008

Resumo

Pretendemos gerar elementos empíricosque permitam a reflexão da existênciade segregação racial na metrópole bra-sileira. Tomamos como ponto de partidao nexo estrutural entre organização so-cial do território e mecanismos de pro-dução/reprodução das desigualdadessociais. Avaliamos a relação entre posiçãosocial e cor na explicação das desigual-dades intra-urbanas na Região Metro-politana do Rio de Janeiro com base noCenso Demográfico de 2000. Para o es-tudo da posição social, construímos umatipologia socioespacial apoiada no climaeducativo do domicílio. Construímos,ainda, um conjunto de indicadores darelação entre posição social no espaço,cor e diferenças de condições habitacio-nais e de acesso a oportunidades sociais.

Palavras-chave: segregação racial, se-gregação residencial, desigualdades so-ciais, favela.

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Cadernos IPPUR, Rio de Janeiro, v. 22, n. 2, p. 37-66, ago./dez. 2008.

María Mercedes Di Virgilio

A lo largo de este trabajo, nuestro come-tido es caracterizar recorridos que tienencomo punto de llegada el Área Metro-politana de Buenos Aires (AMBA). Eneste marco, indagamos experiencias demovilidad residencial que se desarrollanen (o se dirigen a) la ciudad – en nuestrocaso la Ciudad de Buenos Aires y suconurbación – con el propósito de ca-racterizar la trama que se teje alrededorde dichas experiencias. El interés puestoen dichas experiencias de movilidad noslleva más allá de la mera descripción delos recorridos y nos impulsa a adentrar-nos en los territorios, en los barrios, enlos hogares y en sus características para

Trayectorias residenciales en elÁrea Metropolitana de BuenosAires, Argentina: los componentesde la movilidad residencial

Introducción

dar cuenta de las relaciones que existenentre distintos aspectos de la vida coti-diana y las experiencias de movilidad.

A pesar de que está ampliamenteaceptado el hecho de que los cambiosde residencia juegan un rol fundamentalen la definición y redefinición de las ca-racterísticas del espacio urbano, dichasprácticas han sido escasamente explora-das. Algunos clásicos de los estudios ur-banos, como Knox (1982), planteabanya esta vacancia a inicios de la décadade los ’80, y si bien han transcurrido yamás de veinte años desde entonces, elfoco de las investigaciones escasamente

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los componentes de la movilidad residencial

se ha dirigido hacia su análisis. La movi-lidad residencial es aquí entendida comoel producto de las oportunidades habi-tacionales – definidas por la existenciade viviendas nuevas y/o vacantes queresultan de los procesos de suburbani-zación, de los de rehabilitación y puestaen valor de las áreas centrales de la ciu-dad (gentrification), de la incorporaciónde suelo urbano, la dinámica del mer-cado inmobiliario y del mercado delsuelo, etc. – y de las necesidades y ex-pectativas habitacionales de los hogares,las cuales, a su vez, están condicionadaspor la posición que ocupa la familia enla producción y en el consumo, por elestilo de vida, por las preferencias desus miembros, las redes de las que parti-cipan, las percepciones sobre su propiaposición social y sobre las condicionesdel hábitat, etc. (Knox, 1982:17).

De este modo, la movilidad residen-cial, en general, y las trayectorias residen-ciales que los hogares describen, enparticular, son el resultado de la relaciónentre las oportunidades y los apremios,que limitan y/o hacen posible diversasacciones de los hogares orientadas a satis-facer sus expectativas y necesidades habi-tacionales (Eastaway y Solsona, 2006). Latrayectoria se define en la intersecciónentre las necesidades y expectativas habi-tacionales de los hogares y factores institu-cionales y estructurales. Estos incluyen laestructura del mercado de tierra y vivien-da, la relación entre la oferta y la demandade tierra y vivienda, las políticas urbanasy habitacionales, reglas, estándares, institu-ciones y agentes, entre otros (Abramsson,Borgegard y Fransson, 2002; Gärling yFriman, 2002) (ver Figura 1).

La densidad de los procesos demovilidad puede afectar la estructurasociourbana en general, así como la delos barrios y/o localizaciones particularesen la ciudad. Asimismo, dichos cambiosrepercuten en las percepciones acercadel entorno urbano y de sus habitantes,lo cual contribuye, también, a atraer oa desalentar potenciales movimientos(Knox, 1982:117). En este marco, lasrespuestas agregadas de los hogares alas ventanas de oportunidad que seabren en el mercado inmobiliario y enel mercado del suelo constituyen un ele-mento central que contribuye a la com-prensión de los procesos de movilidad(ver Figura 1).

Tal como lo señalan Delaunay yDureau (2004), los estudios orientadosal análisis de la movilidad residencial in-traurbana en las últimas décadas hanprivilegiado la dimensión temporal, foca-lizando sus indagaciones en la incidenciaque tienen sobre la movilidad las etapasdel ciclo de vida, la carrera profesionalo la historia familiar, y dejando de ladolos aspectos relativos a la elección de lalocalización de la vivienda y al destinode la mudanza. En este trabajo hemosoptado por centrarnos en la compren-sión de las prácticas de movilidad resi-dencial considerando especialmenteaquellos aspectos vinculados a la locali-zación – que tal como se entiende aquíremite a la dimensión territorial del fenó-meno. Desde esta perspectiva, se avanzaen la identificación de los componentesbásicos implícitos en todo cambio deresidencia. Estos componentes, en con-junto, permiten describir y comprendertoda práctica de movilidad residencial.

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39María Mercedes Di Virgilio

Las categorías que consideramos fun-damentales son: la dirección, la duración(permanencia en la vivienda), el tipo de

vivienda, el tipo de tenencia de la vi-vienda y la estrategia 1 que permite rea-lizar el cambio de residencia.

Figura 1: Movilidad residencial y sus determinantes

El conjunto de los cambios de resi-dencia y de los cambios de localizaciónde un hogar en el medio urbano cons-tituye su trayectoria residencial. La dura-ción en cada una de las residencias y/olocalizaciones define los trayectos residen-ciales. En cada trayecto, las diferentes po-

siciones que ocupa el hogar en el terri-torio, en general, y en el hábitat, en par-ticular, se vinculan con las característicasde la ocupación de la vivienda (Levy,1998) – definidas aquí por el tipo de resi-dencia y por el tipo de tenencia. Comoseñala Grafmeyer 2, el término trayectoria

1 Cabe aclarar que entre estos componentes, en el marco de este trabajo, no se abordará elanálisis de las denominadas estrategias habitacionales. Un análisis exhaustivo para el casodel AMBA sobre este tema puede leerse en Di Virgilio (2007).

2 Citado en Charbonneau (1998:396).

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sugiere que una serie de posiciones su-cesivas no se concatenan entre sí porcasualidad, sino que se encadenan segúnun orden inteligible; ejemplo de ello esel pasaje del alquiler a la propiedad, másfrecuente en ese sentido que en el in-verso. En este marco, “el trayecto es uncamino que se toma para llegar a unobjetivo preciso”.

El concepto de trayectoria hace re-ferencia a las relaciones que existen entremovilidad residencial y movilidad socialen la medida en que permite analizar larelación entre posición en la estructurasocial y la apropiación del espacio. Asi-mismo, permite ahondar en el procesoque configura la movilidad territorial yhabitacional (Nuñez, 2000:28). Así en-tendido, el análisis de los procesos demovilidad residencial provee informa-ción sobre los éxitos o los fracasos obte-nidos en las luchas por la apropiacióndel espacio urbano y, en general, sobrela trayectoria social de los hogares y susmiembros en la medida en que hábitat3 yhabitus se encuentran estrechamente

vinculados (Bourdieu, 2000). Es decir,los esquemas de percepción, de apre-ciación y de acción interiorizados, el sis-tema de disposiciones a actuar, a pensar,a percibir que opera como principio deestructuración de prácticas – en la medi-da en que permiten percibir las opcio-nes, pensarlas o no pensarlas y obrar enconsecuencia – (Gutiérrez, 2000), estánestrechamente vinculados con las carac-terísticas del hábitat en el cual estas dis-posiciones y esquemas perceptivos sedesarrollan. 4

La capacidad para dominar el es-pacio, adueñándose de los bienes esca-sos que se distribuyen en él, dependedel capital poseído (Bourdieu, op. cit.).Ahora bien, dentro de las diferentes es-pecies de capital, el capital económico yel cultural constituyen los principios fun-damentales de estructuración del espaciosocioterritorial, mientras que el capitalsocial y el simbólico son antes bien prin-cipios de rentabilidad adicional de losotros dos (Gutiérrez, 2000). De estemodo, localización en la ciudad y, por

3 “Desde el punto de vista urbano no puede pensarse a la vivienda sin el conjunto de serviciose infraestructura que permiten ponerla en funcionamiento (luz, agua, energía, transporte,pavimento, comercio, etc.), pero, fundamentalmente, sin el espacio que ocupa en la ciudad.Efectivamente, el espacio urbano no es sólo terreno, en tanto soporte físico de la vivienda.También tiene un significado social, en el sentido de que el lugar en el que se vive implica unconjunto de relaciones sociales y no otros. [Asimismo] el hábitat posee un significado cultural,ya que es tan importante el tipo de vivienda como el barrio y la ciudad en la construcción dela identidad urbana. Es decir, la vivienda se localiza en un punto de la ciudad, sus habitantesse piensan en un barrio, con determinado tipo de interacciones, en vecindad con unos y sinla presencia de otros, etc. Y todo ello está implicado en la noción de hábitat” (Merklen,1999).

4 El concepto de habitus es clave para comprender las decisiones de movilidad como prácticasorientadas por “una racionalidad fundada en un sentido práctico, en un sentido del juego,que ha sido incorporado por el agente social a lo largo de su historia. El sentido del juego eslo que permite vivir – sentido vivido – como ‘evidente’ el sentido objetivado en las instituciones,es decir, las percepciones y representaciones como resultado de la incorporación de lascondiciones objetivas (Bourdieu, 1980)” (Gutiérrez, 2000).

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ende, la proximidad en el espacio físico,permite que la proximidad en el espaciosocial produzca todos sus efectos, nega-tivos o positivos, facilitando u obstaculi-zando la acumulación de las diferentesformas de capital. Los efectos facilitado-res o inhibidores de la proximidad socialy espacial dependen de las característi-cas del entorno y de las característicaseconómicas y sociales de sus habitantes.

De este modo, las trayectorias resi-denciales no pueden comprenderse almargen del sistema de estratificaciónsocial. Por ello, en el marco de este tra-bajo, avanzamos en su análisis haciendohincapié en las diferencias y las similitu-

des que se observan entre grupos socia-les que ocupan posiciones diferencialesen la producción y en el consumo perohabitan en localizaciones próximas enla ciudad, y entre grupos sociales queocupan posiciones similares en la pro-ducción y en el consumo, pero que re-siden en distintas áreas y/o localizacionesen la ciudad. 5 Nuestro análisis intentaavanzar en la comparación de las ca-racterísticas de las familias y personasubicadas en un mismo estrato social yen diferentes estratos: ¿Se diferenciancada uno de los estratos en sus pautasde movilidad? ¿Qué recursos movilizanen el curso de sus trayectorias residen-ciales?

El AMBA como destino: trayectorias residencialestípicas y sus componentes

En este aparte proponemos una revi-sión estadística de la relación entre laposición que ocupan los hogares en laestructura social y las trayectorias resi-denciales que desarrollan. Asimismo,analizamos dichas trayectorias a partirde la indagación de los componentes dela movilidad residencial: la duración, loscambios en el tipo de vivienda, en lasituación de tenencia y en la localizaciónen la ciudad.

Las trayectorias que aquí se descri-ben son resultado de una encuesta porsondeo realizada, entre 2003 y 2005,

entre 286 hogares residentes en 3 locali-zaciones del Área Metropolitana de Bue-nos Aires: dos barrios de la Ciudad deBuenos Aires, La Boca y Lugano, y enun municipio de su conurbación, Tigre(Figura 2). Si bien la muestra no es re-presentativa de la población del Área Me-tropolitana ni de los espacios habitados,cada lugar en el que se llevó a cabo laencuesta representa un tipo de hábitatcaracterístico de la zona metropolitana.Cada localización se ubica diferencial-mente en relación a la ciudad central. LaBoca es un barrio del casco histórico quealberga sectores populares y medios;

5 La perspectiva comparada se recupera en torno al territorio, a través de las localizacionesparticulares en la ciudad y de la posición que ocupa de la familia en la producción y en elconsumo (clase social).

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los componentes de la movilidad residencial

para los primeros predomina la viviendaen forma de inquilinato. 6 Lugano es unbarrio periférico de la ciudad central enel que conviven sectores medios con ur-banizaciones informales – villas de emer-

gencia 7 – representadas, en nuestrocaso, por el barrio Inta. El municipio deTigre es uno de los municipios de la co-nurbación de la ciudad central en el quese han desarrollado importantes asenta-

6 Se trata de grandes casonas o galpones que albergan piezas para alquiler. En general estánubicadas en las áreas centrales de la ciudad. En ellas, la unidad de residencia es la habitación.Además del patio común, los residentes comparten servicios de baños, aseos, letrinas, cocinay lavadero. La Boca es el barrio de la ciudad en donde el mercado de alquiler de piezas en losinquilinatos se mantiene más consolidado.

7 Se denominan villas de emergencia a los asentamientos informales formados por viviendasprecarias (tipo rancho o casilla) y con trazado urbano irregular (pasillos y calles que nonecesariamente respetan la forma de damero). Se encuentran enclavadas en la ciudad formal,habitualmente, en áreas centrales.

Figura 2: Mancha Urbana Área Metropolitana

Fuente: Elaboración propia en base a datos del INDEC.Disponible en: <www.buenosaires2010.org.ar>.

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mientos 8 o tomas de tierra que convivencon el desarrollo de urbanizaciones ce-rradas orientadas a sectores medios ymedios altos.

En la muestra de hogares que formóparte de la investigación, se puede obser-var que la movilidad intra urbana, es decir

aquella que supone movimientos dentrode la ciudad, es la que explica la mayorparte (60,1%) de los movimientos resi-denciales (Cuadro 1). 9 Si bien no se hanhallado datos comparables para el ÁreaMetropolitana de Buenos Aires, los resul-tados de investigaciones pioneras en elcampo muestras tendencias consistentes. 10

8 Los asentamientos son “ocupaciones ilegales de tierras, tanto públicas como privadas, ya seacon una organización social previa o producto de una forma más espontánea […] queadopta las formas urbanas circundantes en cuanto al amanzanamiento y dimensiones de loslotes enmarcadas en la normativa vigente” (Cravino, 1998:262). En términos generales, sehan desarrollado en las periferias del Área Metropolitana.

9 Los movimientos que se desarrollan exclusivamente en el barrio (movimientos intrabarriales)también podrían considerarse en la categoría intra urbanos; sin embargo, atento al hecho deque no se ha profundizado en sus características, se tratan separadamente.

10 Simmons (1968), en un estudio llevado adelante en USA, señala que este tipo de movimientosda cuenta de las dos terceras partes de la totalidad de los movimientos residenciales.

11 Cabe aclarar que este tipo de trayectoria se conceptualiza como una práctica de movilidad enla medida en que se definen como tales todos aquellos cambios que afectan el tipo deresidencia, la situación de tenencia y/o la localización en la ciudad. Es posible que un hogarexperimente cambios en la situación de tenencia aun cuando no cambie su localización ni eltipo de vivienda; es el caso de las familias que son objeto de planes de regularización o bienque han pasado de ser inquilinos a propietarios de la vivienda (Delaunay y Dureau, 2004).

Fuente: Elaboración propia con base en encuesta Movilidad Residencial en Lugano,La Boca y Tigre.

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44Trayectorias residenciales en el Área Metropolitana de Buenos Aires, Argentina:

los componentes de la movilidad residencial

Asimismo, cabe destacar que la mayoríade los movimientos intra urbanos en elÁrea Metropolitana de Buenos Aires losaportan los hogares cuyo jefe nació enel interior del país o en países limítrofes(34,6%).

Cuando se analizan las trayectoriassegún la posición que ocupan las familiasen la producción y en el consumo (Cua-dro 2), se observa que la estratificaciónsocial introduce variaciones en la inten-sidad de la movilidad residencial: 12 lasfamilias de sectores medios y mediosbajos son menos móviles que sus paresde menores ingresos. El 28,3% de loshogares de sectores medios y mediosbajos han desarrollado sus trayectoriasen la misma localización en la ciudad enla que nació el jefe, mientras que esteporcentaje se reduce al 11,4% entre lasfamilias de sectores populares.

Asimismo, cuando se analizan enparticular las trayectorias de movilidadintra urbana, se observa que las fami-lias de sectores medios, cuando se mue-ven, se desplazan entre localizaciones delAMBA (35,9% vs. 18,3% de familias desectores populares): han nacido en elAMBA y han llegado a su localizaciónactual desde otros barrios de la ciudad.

Las familias de sectores populares, encambio, describen trayectorias diferen-tes: dichas trayectorias se vinculan ge-neralmente con procesos de migración(70,3%13 vs. el 35,8% hogares de sec-tores medios), y una vez en el AMBAtienen mayor probabilidad que sus paresde sectores medios de cambiar de resi-dencia y de localización en la área me-tropolitana (42,3% vs. 22,8%).

Si bien no es posible identificar unapauta de movilidad marcadamente di-ferente entre los hogares que residen enla Ciudad de Buenos Aires y aquellosque residen en el Gran Buenos Aires, lalocalización parece ser también un factora tener en cuenta a la hora de decidircambios residenciales (Cuadro 3). Enparticular, entre aquellos cuyas trayec-torias se vinculan con procesos de mi-gración: 60,5% de los jefes que eligenla Ciudad como destino final, llegan allídesde provincias del interior o desdepaíses limítrofes vs. el 50,6% de los jefesque eligen el Gran Buenos Aires. El GranBuenos Aires parece tener una capaci-dad levemente mayor de retener aaquellos que eligen no cambiar de barrio(18,7% vs. 16,4%) y de atraer a los jefesque nacieron y se mueven exclusiva-mente en el AMBA (30,0% vs. 21,1%).

12 Dureau (2002:100), tomando como referencia el caso de la Ciudad de Bogotá, señala que “losmás pobres, son los más móviles”. En América Latina, el acceso a la propiedad parece llevar auna estabilización de la población. Las investigaciones realizadas en ciudades de los EstadosUnidos, en cambio, resaltan esta asociación pero en un sentido contrario al que se señala aquí.Los estudios de Bell (1968); Pahl y Pahl (1971) y Savage et al. (1992) ponen de manifiesto quelos hogares de clase trabajadora son menos móviles que sus pares de clase media.

13 Surge de sumar 28,0% de hogares de sectores populares cuyos jefes nacieron en el interior delpaís o en países limítrofes y que eligen el barrio como primera localización en el AMBA y 42,3%de hogares de sectores populares cuyos jefes también nacieron en el interior del país o enpaíses limítrofes pero que ya han experimentado procesos de movilidad intra urbana.

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45María Mercedes Di Virgilio

Fuente: Elaboración propia con base en encuesta Movilidad Residencial en Lugano,La Boca y Tigre.

Fuente: Elaboración propia con base en encuesta Movilidad Residencial en Lugano,La Boca y Tigre.

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46Trayectorias residenciales en el Área Metropolitana de Buenos Aires, Argentina:

los componentes de la movilidad residencial

La importancia de la localización enla definición de la trayectoria resulta másevidente cuando se la analiza teniendoen cuenta la inserción de los hogares enla estructura de clases. Entre los jefes queeligen no cambiar de barrio, se observandiferencias entre los de sectores popu-lares y sus pares de sectores medios ymedios bajos. Mientras que los jefes desectores populares que viven en el mismobarrio desde que nacieron tienen menorprobabilidad de residir en la Ciudad(8,0% CBA vs. 17,5% GBA), la locali-zación no parece introducir diferenciasevidentes entre los jefes de sectores me-dios que nunca han modificado su lugarde residencia (29,0% CBA vs. 26,1%GBA).

Los movimientos residenciales ocu-rridos siempre en el territorio del AMBA(que no suponen experiencias de mi-gración) caracterizan a los sectores me-dios y medios bajos tanto en la Ciudad(31,9%) como en el Gran Buenos Aires(47,8%). Este tipo de movimientos seregistra con una probabilidad menorentre los de sectores populares en ambaslocalizaciones (16,1% en la CBA y 22,2%en el GBA).

Las trayectorias marcadas por expe-riencias migratorias, tal como señalára-mos anteriormente, son más frecuentesentre los jefes de los sectores popularesque entre sus pares de sectores medios.Sin embargo, cuando el factor migrato-rio está presente, la Ciudad se constituyeen la localización de destino preferidatanto entre los sectores populares como

entre los sectores medios (Cuadro 4).Es posible pensar que uno de los factoresque permiten comprender esta preferen-cia es el funcionamiento del mercado detrabajo de la Ciudad. Cabe destacar queel mercado de trabajo en la Ciudad hasido históricamente más dinámico y haofrecido mejores condiciones de trabajoque el del Gran Buenos Aires. Asimismo,en el caso de los sectores populares, laCiudad ofrece una multiplicidad de be-neficios extras vinculados a la provisiónde servicios de infraestructura y sociales.

Los jefes que provienen de provin-cias del interior o de países limítrofes yque eligen el AMBA como destino des-criben trayectorias residenciales diferen-tes según el año de llegada. Los jefescuya localización actual es su primerdestino en el AMBA han arribado pre-dominantemente antes de los años 70’o lo han hecho con posterioridad a1991. Estos hogares, una vez asentados,no han experimentado cambios en sulugar de residencia.

¿A qué obedece esta dinámica tempo-ral de los procesos movilidad residencial?Es posible pensar que la temporalidadse vincula al proceso de urbanización yal papel que juegan las ciudades en laatracción de migrantes (sean estos inter-nos o externos). 14 En la Argentina, entre1950 y 1970, los centros urbanos nosólo absorbieron la totalidad del creci-miento poblacional sino, también, partede la población rural existente; en granmedida, merced a la generación soste-nida del empleo industrial. Sin embargo,

14 En cambio, los hogares que llegan al barrio desde otras localizaciones en el AMBA, se hanasentado allí fundamentalmente entre las décadas del 70’ y del 80’.

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en esos años, el crecimiento de la po-blación urbana superó ampliamente alde la industria manufacturera; 15 fenó-meno que provocó la existencia de unaimportante masa de población que llegóa las ciudades y que quedó al margendel proceso productivo. El proceso des-crito impulsó, en el caso de la Ciudadde Buenos Aires, la ocupación de terre-nos fundamentalmente fiscales 16 ante la

imposibilidad de esta población de acce-der a la tierra urbana a través del mercado.Durante la década de 1990, cobra aúnmayor visibilidad el desplazamiento delos migrantes de países limítrofes desdelas zonas fronterizas hacia los centrosurbanos más importantes, instalándoseen el corazón de las grandes ciudades(Grimson, 1997).

15 Entre 1947 y 1960 la población urbana pasa del 62,2% al 72% (Recchini de Lattes, 1973:5).En el mismo período la industria manufacturera crece un 4,1% (Clichevsky et al., 1990:35).

16 Posteriormente, durante la década de 1980, también la ocupación de inmuebles.

Fuente: Elaboración propia con base en encuesta Movilidad Residencial en Lugano,La Boca y Tigre.

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los componentes de la movilidad residencial

Cuando se introduce la posición delos hogares en la producción y en el con-sumo en el análisis de la relación entre eltipo de trayectoria descripta y el momen-to de llegada al AMBA, se observa laafluencia de hogares de sectores popu-lares que llegan por primera vez al AMBAen los albores de la democracia. En ladécada del ’90, en cambio, el AMBA noparece haber sido un destino receptorde migrantes recientes de bajos ingre-sos. 17 Los movimientos que caracterizana los hogares de sectores populares pa-

recen ser las relocalizaciones y los cam-bios de residencia en el propio AMBA. 18

Entre los sectores medios y mediosbajos, los años de la dictadura militar(1976-1983) parecen haber inhibidofuertemente los movimientos tanto haciael AMBA como en el AMBA. A partir demediados de los años ’80 esta tendenciase revierte progresivamente y comienzaa observarse una reactivación de losprocesos de movilidad residencial quetienen al AMBA como destino.

Tipos de hábitat popular y tipos de trayectoriasresidenciales

La villa, el asentamiento y el conventilloson algunos de los tipos de hábitat enlos que los sectores de menores ingresosque residen en el AMBA desarrollan susvidas cotidianas. La elección del hábitatno parece ser una cuestión aleatoria sinomás bien una cuestión muy vinculadacon la trayectoria residencial que desa-rrollan los hogares y sus jefes. Indagaren esta relación nos permite entendermás cabalmente por qué estas diferentesformas de habitar tienen, como señalaMerklen (1999), capacidad de configu-rar distintos sujetos sociales. Efectiva-mente, el itinerario recorrido hasta elhábitat actual parece ser un factor que,conjuntamente con las características

propias del territorio, puede contribuira comprender la constitución de dife-rentes subjetividades (Cuadro 5).

La villa parece ser un tipo de hábitatal que se accede luego de experienciaspretéritas de movilidad residencial: el68,0% de los jefes que residen en elbarrio Inta han llegado allí desde otraslocalizaciones en el AMBA, luego dehaber transitado experiencias de movi-lidad en las cuales el componente migra-torio es su protagonista (ver Cuadro 5).Este dato se torna aún más contundentecuando observamos que ninguno de losjefes de hogar que residen en este tipode hábitat ha nacido allí.

17 Este dato pone en evidencia la pérdida de peso relativo de las trayectorias de movilidadvinculada a migración, merced a otros tipos de recorridos que en años anteriores parecenhaber sido menos dinámicos.

18 Cabe aclarar que los procesos de densificación de villas de la Ciudad de Buenos ocurridosdurante los últimos años de la década de 1990 y principios de 2000, según los testimoniosde los entrevistados, obedecen frecuentemente a movimientos residenciales intraurbanos enel AMBA.

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La Boca y sus inquilinatos parecenser el hábitat elegido por aquellos quellegan al AMBA por primera vez (46,8%).Consistentemente, la bibliografía poneen evidencia que en las trayectorias delos sectores populares migrantes es po-sible rastrear “un itinerario inicial de al-quiler en el centro histórico” (Dureau,2002:100). 19 Las características del mer-cado de alquiler de piezas en inquilinatosy conventillo, en particular, la flexibilidadde los requisitos para acceder a ellas –salvo la necesidad de contar con la plata

para estar al día con el pago –, constitu-yen factores que permiten comprendereste tipo de acceso al hábitat popular.Asimismo, la concentración de sectorespopulares migrantes en un área muypróxima al centro financiero de la ciu-dad, como es el barrio de La Boca, seve favorecida también por el hecho deser una zona de baja densidad de vivien-das y de población.

La villa y el asentamiento son tambiéntributarios de este tipo de trayectorias,

19 Ya en la década de 1970 investigaciones pioneras sobre la dinámica socioterritorial de laCiudad de Buenos Aires ponían en evidencia que “el anillo que rodea el centro ofrece alrecién llegado más oportunidades de trabajo, equipamiento y facilidades para adaptarse alas nuevas formas de vida urbana” (Schteingart y Torres, 1973:743).

Fuente: Elaboración propia con base en encuesta Movilidad Residencial en Lugano,La Boca y Tigre.

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50Trayectorias residenciales en el Área Metropolitana de Buenos Aires, Argentina:

los componentes de la movilidad residencial

pero en ellos su impacto se reduce sig-nificativamente (22,0% y 23,8% respec-tivamente, en Cuadro 5). 20

Los asentamientos, por su parte, pa-recen albergar con mayor probabilidad

a aquellos nativos del AMBA que hanexperimentado cambios de residenciacircunscriptos a este territorio (22,2% vs.10,6% en inquilinato y 10,0% en villa,en Cuadro 5).

20 Según señalan Di Virgilio et al. (2008), datos sobre la situación de los inquilinos en el barriode La Boca muestran que, en 1998, la gran mayoría contrata el alquiler con el propietario(77%), solamente un 13,3% lo hacen mediante inmobiliarias y el mercado de subalquileresparece escaso, sólo comprende el 0,4 % de los casos. En 2000, asciende al 19,7% el grupode quienes han alquilado a través de inmobiliarias. Resulta llamativo el porcentaje de personasque manifiesta no haber efectuado un contrato de alquiler: en 1998, un 37,1% de losinquilinos entrevistados, contra el 60,4% que afirma tener contrato. Esto habla de una exten-dida situación de informalidad, dentro del submercado de alquileres en el barrio, que intro-duce un componente adicional aumentando la vulnerabilidad habitacional de las familiasque se encuentran en esta situación. En el año 2000, esta situación de informalidad semantiene: en promedio el 38% de los inquilinos no han firmado contratos de alquiler. Si serelacionan los datos acerca de la identidad de los locatarios con la existencia o no de uncontrato firmado, resulta que el 92% de quienes no tienen contrato, le alquilan directamenteal dueño.

Los componentes de la movilidad intra urbana

Hasta aquí hemos avanzado en el análi-sis de las trayectorias residenciales en ge-neral. Sin embargo, para ahondar en laindagación de los componentes de lamovilidad nos centraremos en aquellasque definen los movimientos intra urba-nos. Es decir, nos detendremos en lo pro-cesos protagonizados por los jefes dehogar que llegan a la actual localizaciónen la ciudad desde otras localizacionesen el AMBA. Cada una de estas trayec-torias supone el cambio de al menos unode los siguientes componentes: (a) el tipode vivienda, (b) la situación de tenenciade la vivienda y/o (c) la localización. Lapropuesta es indagar estos componentes,deteniéndonos en las similitudes y en lasdiferencias que emergen en relación a laposición que ocupan los hogares en laproducción y en el consumo.

¿Cómo son los movimientos residen-ciales? ¿Son mayoritarios los movimien-tos promocionales? ¿Están asociados acambios en el tipo de vivienda o en lasituación de tenencia? ¿Cómo interac-túan los cambios en la localización conlos cambios en la situación de tenencia?El análisis de los componentes de lamovilidad echa luz sobre estos interro-gantes, al tiempo que permite plantearalgunas hipótesis que contribuyan a en-tender aquellos hallazgos inesperadosobtenidos en el marco del estudio.

A simple vista, los movimientos resi-denciales en el AMBA no parecen estarasociados a cambios en el tipo de vi-vienda; de hecho, los cambios de resi-dencia se dividen en partes iguales entreaquellos hogares que optan por un alo-

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jamiento con similares características alanterior (45,9%) y el cambio del tipode vivienda (50%). Sin embargo, estaprobabilidad parece variar cuando se la

analiza teniendo en cuenta la posiciónde los hogares en la producción y en elconsumo (Cuadro 6).

Las variaciones en el tipo de viviendaasociadas a movimientos intraurbanosparecen ser una característica de los ho-gares de menores ingresos. Es posiblepensar que sus pares de sectores mediostienen mayor capacidad para movilizarrecursos que les aseguren mantener lacalidad del tipo de vivienda, más allá delos cambios en la localización de la vi-vienda. En este escenario, un cambio enla localización – cambio de barrio en laCiudad o desde un municipio del Co-nurbano a un barrio de la Ciudad (o vi-ceversa), por ejemplo – sin que mediencambios en el tipo de vivienda puede serpensado como un diferencial asociado alas características de dicha localización.

Es posible advertir que los hogaresde sectores medios bajos presentan eneste aspecto una pauta de movilidad si-milar a la de los sectores populares (Cua-dro 7). Sin embargo, cuando se analizanlas consecuencias del cambio, este parecebeneficiarlos más que a sus pares demenores ingresos. A pesar de ello, paralos sectores medios bajos, los cambios enel tipo de vivienda generalmente se aso-cian a un deterioro de su calidad de vida.Esta situación pone en evidencia que sibien dichos hogares en general tienenuna mayor capacidad – que sus paresde sectores populares – para satisfacersus necesidades y expectativas habitacio-nales, cuando el movimiento residencial

Fuente: Elaboración propia con base en encuesta Movilidad Residencial en Lugano,La Boca y Tigre.

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52Trayectorias residenciales en el Área Metropolitana de Buenos Aires, Argentina:

los componentes de la movilidad residencial

se asocia a cambios en el tipo de vivienda,aumenta la probabilidad de que se pro-duzca un impacto negativo en las condi-

ciones del habitar. Es decir, aumentan susposibilidades de que el tipo de viviendasea más precario (Cuadro 7).

La proporción de hogares propieta-rios en el AMBA aumentó sensiblementeen los últimos veinte años: a principiosde los años 1990, el 64,6% de los hoga-res del AMBA estaban en esa situación;diez años más tarde esa categoría com-prende al 72,9% (Instituto Nacional deEstadística y Censos, 1991 y 2001). Elalquiler, desde el punto de vista de suvalor social, se considera como una situa-ción transitoria, cuestión que se expresano sólo en la proporción de hogares quese encuentra en esta categoría (12,6%)sino también en su evolución decrecientea lo largo de la década (13,2% en 1991).

Ante estos guarismos, es posible pensarque el acceso a la propiedad constituyeun elemento esencial en las trayectoriasresidenciales y en las estrategias habita-cionales de los hogares del AMBA. 21

De este modo, la situación de tenen-cia se torna relevante no sólo por lo queexpresa en sí misma (la relación con lapropiedad) sino en la medida en queinforma, también, sobre las característicasdel mercado inmobiliario y los valoressocio culturales que permean su estructu-ración. Son dichas características y dichosvalores los que permiten comprender

21 Lo mismo parece ocurrir en otras áreas metropolitanas de América Latina, entre ellas SanPablo (Silva, 2002).

Fuente: Elaboración propia con base en encuesta Movilidad Residencial en Lugano,La Boca y Tigre.

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los diferentes hallazgos sobre el compor-tamiento de los componentes de la mo-vilidad residencial en diferentes contextosurbanos. En una investigación sobremovilidad residencial en Bogotá, Delau-nay y Dureau señalan que el cambio dellugar de residencia no está necesaria-mente asociado a una nueva situaciónde tenencia de la vivienda:

dos de cada tres cambian de domi-cilio pero conservan la misma cate-goría de tenencia: en 63% de loscambios de residencia no varía eltipo de tenencia, y cerca de la mitadde los acontecimientos observados(47%) son cambios de alojamientoen el seno del sector alquiler. Por lotanto es mayoritaria la movilidadresidencial física, comparada con lamovilidad estatutaria (Delaunay yDureau, 2004:91). 22

¿Qué sucede en el AMBA? ¿Cómoes la relación entre movilidad física ymovilidad estatutaria?

En el caso del AMBA, la afirmaciónde Delaunay y Dureau (2004:91) se vecuestionada. 2 de cada 3 hogares delAMBA que cambian su residencia lohacen produciendo cambios estatutarios(Cuadro 8). En este marco, es posiblepensar que las diferencias en las pautasde movilidad en los diferentes contextosmetropolitanos se deben a la importan-cia relativa que tiene, en cada ciudad,cada uno de los sectores del mercadoinmobiliario (en 1993 en Bogotá el 42%de los hogares son inquilinos) y a losvalores socio culturales asociados a ellos.De este modo, la tenencia en tanto com-ponente de los procesos de movilidadno puede ser entendida al margen dela dinámica del mercado inmobiliario,

22 Los autores se refieren al estatus vinculado a la situación de tenencia.

Fuente: Elaboración propia con base en encuesta Movilidad Residencial en Lugano,La Boca y Tigre.

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los componentes de la movilidad residencial

de las características de la oferta y lademanda de vivienda, ni de las políticasurbanas orientadas al sector. Es preci-samente merced a las políticas de regu-larización dominial que el porcentaje depropietarios se eleva significativamentemientras que el de inquilinos se mantieneestable. 23

En el AMBA, el 26,2% de los cam-bios de residencia se asocian a pasajesde la categoría inquilino a propietario(Cuadro 8). De este modo, en el casoanalizado, la hipótesis de los recorridosresidenciales promocionales 24 entre in-quilinos y propietarios parece ser acer-tada: las transiciones en ese sentido sonaproximadamente 8 veces más frecuen-tes que las que se orientan en el sentidoinverso. La condición de ocupante, porsu parte, parece ser una condición difícilde abandonar, pues los cambios pro-mocionales tienen una probabilidad deocurrencia similar a aquellos que impli-can el regreso a esa situación (12,8%vs. 15,1%).

El 40,7% de los cambios del lugarde residencia no se asocian a cambiosen la situación de tenencia o cambiosestatutarios (Cuadro 8). Entre ellos sedestacan los movimientos de los hogaresque previo al desplazamiento ya habíanaccedido a la propiedad de la vivienda

(24,4%): tal como lo señalan Delaunayy Dureau (2004:92) para el caso bogo-tano – la categoría propietario emergecomo la categoría más estable. Los cam-bios circunscriptos al sector de alquilerexplican una muy baja proporción delos cambios de residencia (8,7%).

¿Cómo es la dinámica del cambioentre los diferentes sectores sociales? Loscambios de residencia acompañados decambios en la situación de tenencia son,en términos generales, más frecuentesentre hogares de sectores populares(64,1%) que entre sus pares mejor posi-cionados en la producción y en el con-sumo. Sin embargo, cuando los sectoresmedios desarrollan este tipo de movimien-tos es más frecuente que aquellos quecuentan con más recursos sean los be-neficiarios del cambio estatutario (53,3%sectores medios medios vs. 41,7% sec-tores medios bajos) (Cuadro 9).

Asimismo, cuando se analizan los tiposde cambios que predominan entre loshogares de los diferentes sectores socia-les, se observa que entre los hogares desectores populares el cambio en la situa-ción de tenencia es un evento que com-prende múltiples y variadas situaciones.Contrariamente, el cambio entre las fa-milias de sectores medios y medios bajosse concentra en la categoría inquilino a

23 El valor social de la propiedad no sólo se expresa en las expectativas de los habitantes de laciudad sino también en el tipo de políticas que desde el Estado se orientan al sector. En elcaso del AMBA, en las últimas décadas, las políticas de regularización (ex post) han dominadoel campo de la intervención en materia habitacional y urbana (Clichevsky, 2001; Catenazzi yDi Virgilio, 2006; Rodríguez et al., 2007).

24 Aquellos que suponen algún tipo de movilidad asociada a conseguir mejoras en las condi-ciones del habitar, ya sea porque se modifica la situación de tenencia, porque mejora el tipode vivienda, porque cambia la ubicación relativa de la vivienda respecto del acceso a losservicios y/o al mercado de trabajo, etc.

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propietario: en 7 de cada 10 hogares elcambio de residencia se asocia al pasajede la condición de inquilino a la de pro-pietario (Cuadro 10).

Entre los sectores populares, el ac-ceso a la propiedad también constituye

un componente motorizador en sus tra-yectorias de movilidad residencial, perolos puntos de partida (situación de te-nencia anterior) son sumamente hete-rogéneos, marcando la dispersión delconjunto de cambios.

Fuente: Elaboración propia con base en encuesta Movilidad Residencial en Lugano,La Boca y Tigre.

Fuente: Elaboración propia con base en encuesta Movilidad Residencial en Lugano,La Boca y Tigre.

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56Trayectorias residenciales en el Área Metropolitana de Buenos Aires, Argentina:

los componentes de la movilidad residencial

Movilidad residencial y localización en la ciudad

¿En qué medida la localización permitecomprender los cambios de residencia?¿Las mudanzas están motivadas por lalocalización? ¿Determinadas localizacio-nes retienen mejor que otras a sus resi-dentes? La espacialidad de los cambiosde residencia es una cuestión analizadaen las investigaciones pioneras acercadel tema (Simmons, 1968) y retomadaen otras recientes (Duhau, 2003; Delau-nay y Dureau, 2004). Según Simmons(1968), la espacialidad es tributaria delas preferencias por la cercanía, de lasestrategias espaciales de segregación y/o aproximación social y de la influenciadel crecimiento demográfico y de la ciu-dad. Reexaminaremos estas caracterís-ticas prestando especial atención a laposición de los hogares en la produccióny en el consumo.

La elección de una vivienda que seencuentre próxima a la anterior pareceser una característica extendida; ello seobserva especialmente en Lugano(46,2%), La Boca (51%) y Tigre (50%).En dichas localizaciones, aproximada-mente el 50% de los encuestados llegaa su actual residencia de áreas aledañasde la ciudad. En La Boca y en Lugano,llegan desde otros barrios del sur de laCiudad de Buenos Aires, mientras queen el caso de Tigre llegan desde otraslocalizaciones del segundo cordón delGran Buenos Aires.

El caso del barrio Inta, si bien se alejade esa regularidad casi universal, nos per-mite introducir algunas especificacionesen relación a ella ¿Será que el tipo de

urbanización incide en las preferencias,de los pobladores? En algunos casos, esposible pensar que si. El barrio Inta pa-rece revelarse como una opción paraaquellas familias de menores ingresosque están interesadas por acceder a lasexternalidades positivas de la ciudadcentral (acceso a mercado de trabajo, aservicios urbanos y sociales, etc.), situa-ción que queda en evidencia cuando seadvierte que 2 de cada 3 familias quellegan al barrio lo hacen desde distintaslocalizaciones en el GBA. Las que residenen el primer cordón de la conurbaciónparecen tener algo más de probabilida-des que aquellas que viven en localiza-ciones más periféricas (Cuadro 11).

Cuando se introduce en el análisisla posición que ocupan las familias en laproducción y en el consumo, se advierteque la dimensión espacial de la movili-dad se especifica aún más (Cuadro 12).

Si bien la hipótesis de la cercaníaparece ser una regularidad extendida,constituye un rasgo más fuerte entre loshogares de sectores medios que entresus pares de menores ingresos. En todoslos casos, más del 50% de los hogaresde sectores medios y medios bajos llegana sus actuales localizaciones desde zonascercanas a la ciudad (53,8% en Lugano,57,7% en La Boca y 53,3 en Tigre).

Entre los hogares de sectores popu-lares, en cambio, esta pauta parece estarmás incidida por el tipo de urbanizacióny la tipología de vivienda dominante: losasentamientos del AMBA parecen tener

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mayor capacidad para retener poblaciónde áreas próximas (45,9%). Los asenta-mientos del municipio de Tigre han sidoobjeto de políticas de regularización do-minial; en ese marco, es posible pensarque se constituyan en una opción parala población de bajos ingresos que tienealguna posibilidad de acceder a la pro-piedad, aun cuando eso deba hacerseen condiciones de localización menos fa-vorables – en relación a su proximidad ala centralidad.

Los inquilinatos y los conventillos deLa Boca, si bien reclutan población quellega a la ciudad central desde localiza-ciones en el Conurbano, retienen a un40% de hogares procedentes del áreasur de la ciudad. En el barrio Inta, porsu parte, la proporción de poblaciónque viene de localizaciones no próximassupera ampliamente a aquella cuya re-sidencia anterior estaba ubicada en otrosbarrios del sur de la ciudad (66,7% vs.

20,5%). En ambos casos, algunas de lascaracterísticas de la aglomeración per-miten entender mejor la importancia dela localización. Si bien la mancha urbanametropolitana está muy extendida, lasprincipales infraestructuras y servicios selocalizan en la Ciudad de Buenos Aires.Asimismo, el mercado de trabajo en laCiudad parece concentrar mayores opor-tunidades de empleo que el del GranBuenos Aires. Las características de lared de transporte metropolitano, por suparte, parece ser poco eficaz cuando seanaliza la relación entre distancias a re-correr y costos de los desplazamientoscotidianos (no sólo en términos de re-cursos sino también de tiempos). Eneste marco, el acceso a los beneficios dela centralidad a costos relativamentebajos parece ser un factor crítico a lahora de comprender las dinámicas quecaracterizan a la villa y al inquilinatocomo formas de hábitat popular.

Fuente: Elaboración propia con base en encuesta Movilidad Residencial en Lugano,La Boca y Tigre.

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58Trayectorias residenciales en el Área Metropolitana de Buenos Aires, Argentina:

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Conclusiones

Al igual que ocurre en otras áreas metro-politanas, en Buenos Aires la movilidadintra urbana es la que da cuenta de lamayor parte (60,1%) de los movimien-tos residenciales; entre ellos, la mayoríala aportan los hogares cuyo jefe ha teni-do alguna experiencia migratoria previa.

Cuando se considera el caso delAMBA, resulta evidente que las trayec-torias residenciales no son recorridosaleatorios y, mucho menos, recorridosdesclasados. La movilidad residencial esuna práctica que se desarrolla en el marcode un habitus de clase o estrato social

que opera como principio de estructu-ración de los recorridos. Es precisamenteese patrón de estructuración el que ex-plica, en principio, la existencia de pautasde movilidad diferenciales entre jefes dehogar de sectores medios y de sectorespopulares.

Las familias de sectores popularesson más móviles que sus pares mejorposicionados en la producción y en elconsumo. Entre los hogares cuyos jefesdescriben trayectorias de movilidad intraurbana, se observa que los de sectoresmedios, cuando se mueven, se desplazan

Fuente: Elaboración propia con base en encuesta Movilidad Residencial en Lugano,La Boca y Tigre.

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entre localizaciones del AMBA. Las fa-milias de sectores populares, en cam-bio, describen trayectorias asociadas aprocesos de migración, y una vez en elAMBA tienen mayor probabilidad quesus pares de sectores medios de cambiarde residencia y de localización en la ciu-dad metropolitana.

Los cambios residenciales efectiva-mente parecen decidirse también enfunción de la localización. La localizaciónresulta un factor crítico no sólo porqueinforma sobre las expectativas que per-mean las escogencias residenciales sino,y más importante aún, por los tipo dehábitat, las prácticas y estrategias habi-tacionales que se desarrollan en relacióna dichas localizaciones. Determinadaslocalizaciones en la ciudad habilitan (ono) determinados consumos materialesy simbólicos, facilidades para desplazar-se, para acceder al mercado de trabajo,etc. Cabe destacar que en el AMBA lasfamilias de sectores medios no tienen elmonopolio en la escogencia de localiza-ciones centrales; por el contrario, algunasformas del hábitat popular se desarrollancasi exclusivamente en la centralidad.Esta decisión de vivir en el centro parecevincularse al desarrollo de trayectoriascon componentes migratorios.

La relevancia de la localización ra-dica, además y fundamentalmente, ensu capacidad para estimular o limitar eldesarrollo de prácticas y estrategias ha-bitacionales, permitiendo (o no) el acce-so al valor de uso complejo de la ciudad.Esta cuestión resulta ser una cuestióncentral entre las familias de sectores po-pulares. En la medida en que determi-

nadas localizaciones en la ciudad habili-tan (o no) determinados consumos ma-teriales y simbólicos, facilidades paradesplazarse, para acceder al mercado detrabajo, etc., es preciso repensar los aná-lisis que califican a las urbanizacionespopulares genéricamente como territo-rios de relegación. Efectivamente, lasurbanizaciones populares padecen im-portantes déficits en materia de calidadconstructiva y dimensiones de las vivien-das, condiciones de hacinamiento, se-guridad dominial, equipamiento social,etc. Sin embargo, cada barrio definecoordenadas específicas en relación a losbeneficios de la centralidad. No es lomismo un asentamiento en el tercercordón del Conurbano Bonaerense quela Villa 31 en el barrio de Retiro y/o elBarrio Inta enclavado en Villa Lugano;todos ellos presentan déficits similarespero importantes diferencias respecto alas posibilidades de acceso a las ventajascomparativas que ofrece la centralidad(quizá este sea uno de los factores que,además de la disponibilidad de intersti-cios de tierra vacante, permite compren-der el crecimiento que ha tenido, porejemplo, la Villa 31 en la última década).

De este modo, si bien las trayectoriasresidenciales que describen los jefes dehogar y sus familias, en términos gene-rales, están marcadas por su inserciónen la estructura de clases, entre los desectores populares, la localización peri-férica o central en la ciudad sobreim-prime marcas en sus inscripciones y, porende, en sus recorridos residenciales. Esprecisamente el efecto de localización elque permite comprender las diferentesmaneras en las que se resuelven los vín-

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60Trayectorias residenciales en el Área Metropolitana de Buenos Aires, Argentina:

los componentes de la movilidad residencial

culos funcionales que unen a la pobla-ción de estos barrios con el resto de lasociedad – vía las diferentes formas deinserción en el mercado de trabajo y/oen el consumo de bienes y servicios.Asimismo, el efecto de localización pa-rece incidir en el patrón de movilidad,situación que se expresa, por ejemplo,en la mayor estabilidad que parecenmostrar jefes y hogares residentes en losasentamientos de Tigre.

En este punto, interesa resaltar quedesde ningún punto de vista plantea-mos aquí la existencia de una relaciónmecánica entre localización y formas“exitosas” de resolución de los vínculosfuncionales (es decir, habitar a unas esca-sas 15 o 20 cuadras del centro financieroy político de la ciudad metropolitana nogarantiza que estos vínculos se resuelvanpositivamente). Esto es así precisamenteporque en esa relación median la inte-gración (o no) de las familias en redessociales, su posibilidad para movilizarcapital social y la propia capacidad deagencia que tienen estos pequeños co-lectivos y sus miembros.

Asimismo, las posibilidades de accesoa la propiedad, aun cuando el hábitatsea precario, también parece modelar los

recorridos residenciales. En el AMBA, el26,2% de los cambios de residencia seasocian a pasajes de la categoría inquilinoa propietario. Tal como señaláramos an-teriormente, los cambios de residenciavinculados a cambios en la tenencia son,en términos generales, más frecuentesentre hogares de sectores populares queentre sus pares mejor posicionados en laproducción y en el consumo. A pesar deello, cuando los sectores medios prota-gonizan este tipo de movimientos es másfrecuente que se asocie a un cambio enel estatus residencial.

Entre las familias de sectores popula-res que habitan en el AMBA y desarrollanrecorridos residenciales promocionales,esta tendencia se apoya, en parte, en laexistencia de programas de regulariza-ción dominial como los desarrollados,por ejemplo, en el barrio Inta y/o en losasentamientos de Tigre. Si bien las polí-ticas orientadas al hábitat popular noparecen ser en absoluto suficientes, 25 lapresencia 26 extendida de dichos progra-mas permite comprender, en parte, porqué muchos de los habitantes de lasurbanizaciones populares se declarancomo propietarios aun cuando la trans-ferencia del dominio no se ha comple-tado totalmente. Asimismo, su existencia

25 Un análisis sobre el déficit habitacional en el Área Metropolitana de Buenos Aires puedeleerse en Rodríguez y Di Virgilio (2008).

26 Cabe resaltar la eficacia simbólica que la presencia de estos programas ejerce entre loshabitantes de las urbanizaciones populares. En términos generales, estas intervenciones sedesarrollan por largos plazos de tiempo – en el barrio Inta, por ejemplo, el proceso deregularización dominial se inició a mediados de la década de 1990 y aún no ha concluido –y no necesariamente finalizan con la sesión efectiva de los terrenos a sus ocupantes. Ennumerosas oportunidades estas operatorias suelen quedar inconclusas o a medio camino.Sin embargo y aún en dichas condiciones, la presencia de iniciativas de regularizacióndominial parecen impactar en las (auto) percepciones sobre el estatus habitacional de loshabitantes de las urbanizaciones populares.

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contribuye a jerarquizar desde la políticapública el estatus de propietario. De estemodo, estas iniciativas estimulan el ac-ceso a la propiedad aun en contextosde precariedad. Estos factores permitencomprender, en parte, por qué la cate-goría propietario es una categoría tanextendida en el AMBA a diferencia deotras ciudades latinoamericanas.

Entre las familias de sectores popula-res, los tipos de hábitat parecen marcarmomentos o etapas en las trayectoriasresidenciales de los jefes de hogar y delas familias de sectores populares. Losinquilinatos son un destino posible paraaquellos jefes de hogar que conjunta-mente con sus familias llegan por pri-mera vez a la ciudad. Desde allí inicianun recorrido en pos de mejorar su in-serción territorial (a pesar de que, comoseñaláramos anteriormente, la movili-dad residencial no se asocia necesaria-mente a procesos de movilidad social).En ese recorrido, la villa de emergenciase integra (o no) al repertorio de opcio-nes habitacionales posible según la ca-pacidad que tengan hogares y jefes demovilizar redes sociales. Los asentamien-tos, por su parte, no necesariamenteconstituyen una alternativa en ese reco-rrido; difícilmente las familias que algu-na vez habitaron localizaciones próximasa la centralidad decidan cambiar su resi-dencia a un asentamiento de la periferia

metropolitana – este no parece ser unrecorrido típico. Ello se refleja en quelos asentamientos reciben, con mayor fre-cuencia que villas e inquilinatos, pobla-ción de barrios y/o zonas aledañas y,también, en que muchos de los que vivenallí han nacido allí – a diferencia de loque ocurre, por ejemplo, en el Barrio Inta.

Asimismo, en el AMBA la estabilidadresidencial parece estar estimulada porel acceso a la propiedad y, también, porla existencia de ciertas políticas públicasque tienden al otorgamiento del domi-nio. De este modo, la orientación quesigue la política habitacional, en particu-lar, y urbana, en general, ayuda a com-prender las decisiones de los hogares.Cuando se considera la orientación delas políticas se puede comprender máscabalmente la marcada afluencia de fa-milias de sectores populares al AMBAen los años posteriores a la DictaduraMilitar. Durante el gobierno militar y conel brigadier Cacciatore como intendentemunicipal de la Ciudad de Buenos Aires,se pone en marcha – a partir de 1977 –el Plan de Erradicación de Villas deEmergencia de la Ciudad. Estas accionesdesalentaron los movimientos hacia elAMBA; no fue sino hacia mediados de ladécada de 1980 – cuando la política sehizo más laxa – que comenzaron sucesivasy constantes ocupaciones en algunas 27

de las zonas previamente erradicadas. 28

27 Interesa destacar que muchas de las urbanizaciones erradicadas durante la gestión de Cacciatorenunca volvieron a poblarse, entre ellas, por ejemplo, la villa de Bajo Belgrano o la de Colegiales.

28 En el barrio Inta, hacia 1983, sólo permanecían en el predio unas 23 familias. En noviembrede 1985 comenzaron sucesivas y constantes nuevas ocupaciones. Los mismos vecinos in-tentaron organizar la entrada de las familias nuevas, trazando calles y delimitando pequeñoslotes con alambres. El crecimiento del barrio, en este momento, era diario y obedecía básica-mente al regreso de las familias desplazadas y/o a la radicación de nuevos núcleos familiaresque buscaban un lugar en dónde vivir.

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62Trayectorias residenciales en el Área Metropolitana de Buenos Aires, Argentina:

los componentes de la movilidad residencial

Paralelamente a la erradicación, en losmunicipios de la conurbación se iniciael desarrollo de los asentamientos – Tigreno fue una excepción –; la formaciónde esta nueva forma de hábitat popularexplica, en parte, los movimientos delas familias de sectores populares en elAMBA.

Obviamente, las pautas de movili-dad son pautas relacionales que se defi-nen en diálogo con las oportunidades ylas limitaciones que se configuran lainserción de las familias en la estructurade clases en interacción con los valoresde uso complejos que habilita la locali-zación y la orientación de las políticasurbanas. Ahora bien, en la definición delas trayectorias estos factores resultanimportantes no sólo en su actualidadsino, también, en su inercia histórica. Esa

inercia es la que se expresa en las marcasque los procesos dejan en el territorio yque, también, habilitan oportunidadesy/o apremios. Así, Lugano y La Boca,por ejemplo, parecen ser áreas receptivasal desarrollo del hábitat popular no sólopor los rasgos de dinámica actual de losmercados inmobiliarios barriales sino,también, por las características históricasdel proceso de urbanización – entre losque sobresalen la baja densidad de po-blación y de viviendas y la definición deusos del suelo mixtos. En ese marco, ladinámica actual del mercado de suelo yvivienda y del mercado de trabajo, entreotros factores, dialoga con las caracterís-ticas históricas de la constitución sociote-rritorial. La dimensión histórica de laconfiguración socioterritorial parece sertambién un factor clave a la hora de com-prender recorridos residenciales.

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Resumo

O artigo explora diferenças no padrãode mobilidade residencial das classes tra-balhadora e média de Buenos Aires. Aautora conclui que famílias da classe tra-balhadora são, em termos residenciais,mais móveis do que famílias de classemédia. O estudo destaca os lugares derecepção (barrios) das famílias; a locali-zação do antigo lugar de residência e ascaracterísticas da habitação passada eatual. A mobilidade residencial permane-ce como uma característica predominan-te em famílias com alguma experiênciaanterior de migração. São identificadoscomo fatores especialmente relevantespara a compreensão da mobilidade resi-dencial: (1) a propriedade fundiária; (2) alocalização da habitação e as característi-cas da urbanização; (3) as intervençõesestatais.

Palavras-chave: padrões de mobilidadeintra-urbana, Buenos Aires, mobilidaderesidencial, padrões residenciais.

Abstract

The article explores the differences onresidential mobility patterns of workingand middle classes of Buenos Aires. Theauthor concludes that working class fam-ilies are, in residential terms, more mo-bile than middle class families. The studyhighlights the places of reception (neigh-borhoods) of the families, the localiza-tion of the former place of residence andthe characteristics of the current habita-tion. The residential mobility remains asa characteristics in families with someformer experience of migration. Specialrelevant factors to the comprehensionof residential mobility are: (1) land prop-erty; (2) the localization of the habitationand urban characteristics; (3) interven-tions by the State.

Keywords: intra-city mobility patterns,Buenos Aires Metropolitan Area, resi-dential mobility, residential patterns.

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los componentes de la movilidad residencial

María Mercedes Di Virgilio es Licenciada en Sociología y Doctora en CienciasSociales por la Universidad de Buenos Aires, Investigadora del Consejo Nacionalde Investigaciones Científicas y Técnicas (Conicet), Miembro del Área de EstudiosUrbanos del Instituto Gino Germani (UBA), Profesora adjunta regular de la Uni-versidad de Buenos Aires.

Recebido em agosto de 2008. Aprovado para publicação em setembro de 2008

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Cadernos IPPUR, Rio de Janeiro, v. 22, n. 2, p. 67-88, ago./dez. 2008.

Compreendendo – e admitindo – o am-biente urbano gerado pela ocupaçãoclandestina da cidade também como umprocesso particular de construção materiale simbólica do espaço através do tempo,parece plausível afirmar que os mecanis-mos de apropriação desse espaço e aconsolidação física do tecido urbano in-formal (ainda que tido como irregular)se estabelecem conforme os padrões eas cores da tessitura sociocultural que oconstrói – como qualquer outro ambien-te da cidade. É razoavelmente freqüenteque essas ocupações sejam nomeadas

De molde a contramolde:(re)construindo questões sobre aurbanização de favelas

João Marcos de Almeida Lopes

Magaly Marques Pulhez

Introdução

como uma forma de resistência dos ex-cluídos da cidade-formal, como umacaixa de ressonância para as reivindica-ções do direito de morar na cidade. Paraalém da visibilidade de sua afirmaçãopolítica ou de sua determinação econô-mica, a favela continua sendo o delinea-mento de uma identidade urbana que,se por um lado é produzida pelos mes-mos registros peculiares que codificamas formas da cidade, por outro, é en-gendrada por uma trama de relaçõesque nem sempre é imediatamente per-ceptível ou reconhecível 1.

1 Sobre as nomeações que se constroem para classificar os espaços da cidade, Carlos NelsonFerreira dos Santos, arquiteto carioca que dedicou grande parte de sua vida ao estudo das

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68 De molde a contramolde: (re)construindo questões sobre a urbanização de favelas

Esse ambiente urbano, em sua cons-trução, parece submeter-se, obedientee exclusivamente, à lógica das determina-ções estabelecidas pelos condicionantesfísico-geográficos legados pelo território:os corpos d’água e suas insurgências,talvegues, cumeadas e vertentes, com-posição geológica e estrutura do subso-lo, topografia do lugar, entre outros. Noentanto, a geomorfologia aqui se impõeapenas como o molde por sobre o qualse desenham as tramas da ocupação emprocesso: esse molde vai sendo redefi-nido pela ação humana, tanto por partedos moradores – que gravam desenhospor sobre desenhos para o arruamentoe a implantação de moradias conformerelações de vizinhança ou em virtude deinteresse particular (melhor posiciona-mento de comércio, por exemplo) –quanto por parte do poder público – comsuas medidas saneadoras ou definidaspela ocasião (a demarcação de lotes erespectiva titulação, por exemplo). Comocontramolde que se recusa simplesmentevestir o território e a ele se amoldar, atrama de relações (sociais, culturais, eco-nômicas e políticas) estabelecida naquelemodo de existência urbana reconfigura

o território e lhe confere característicasque não são, simplesmente, pura geo-metria urbana 2.

Assim, o ambiente da favela desenhauma trama em constante transformaçãoque, se por um momento pode passarpor uma intervenção pública, estruturalou pontual mas necessariamente incom-pleta – através da implantação de algumainfra-estrutura urbana, da regularizaçãofundiária e definição de uma geometriamais “calculável” de ocupação ou atémesmo com a implantação de algumasunidades habitacionais –, ao longo dotempo passa por diversas intervençõespor parte dos moradores que, descrentesde uma atenção mais permanente dopoder público e resistindo às vicissitudesimpostas pelo molde (problemas com adrenagem, confinamentos estruturais,cursos d’água deteriorados e segrega-dores etc.), cotidianamente costuramuma infinidade de pequenas obras porsua própria conta e risco para que aquelelugar atenda, com maior propriedade,a seus modos particulares de apropria-ção e gestão do território. De certa ma-neira, esse processo acaba produzindo

formas de se planejar a cidade e dos modos urbanos de reprodução da pobreza, ressalta:“Nomear, classificar e dar sentido a espaços é uma força que, antes de mais nada, justificahierarquizações, sacramenta segregações e cria dominações, ao estabelecer fronteiras sim-bolicamente produzidas. É assim que surgem e se impõem favelas, por exemplo” (Santos,1982, p. 85).

2 Henri Lefebvre, em A Produção do Espaço, procura investigar o que chama de “confusões”acerca do uso do conceito de espaço: se apenas geométrico, dimensional e parcelar, nadamais é que uma “abstração”, um “continente sem conteúdo” – ou mais, “um continenteindiferente ao conteúdo”. Considerando que a produção do espaço corresponde a umaprática social, daí decorre uma “contradição notável” entre “a prática espacial” e as “teoriasdo espaço”. Por isso tratar o espaço “não mais como fatos da ‘natureza’ mais ou menosmodificada, e não mais como simples fatos da ‘cultura’ – mas como produtos” quecorrespondem a uma prática social definida (Lefebvre, 1986, p. 2, grifo no original). Umaproposta de projeto deveria preservar, como referência, a idéia de que é a prática social quedesenha o espaço – e não o contrário.

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69João Marcos de Almeida Lopes, Magaly Marques Pulhez

o entranhamento das relações sociais naurdidura desenhada pelas condicionan-tes físicas e estruturais – sejam elas defi-nidas ou não por uma precária estruturaviária, por um conjunto de barreiras queconfinam o assentamento, pela topografiaquase sempre desfavorável ou pelas con-dições de insalubridade ambiental que,normalmente, caracterizam as favelas.

Esse tipo de apropriação se mani-festa em códigos e práticas sociais quedesenham um espaço que pode sercompreendido como um espaço geradona contramão do espaço formal da ci-dade – de certa forma, um contra-es-

paço, nos dizeres de Henri Lefebvre 3. Ageometria aparentemente “subversiva”das relações sociais na favela determinaum desenho urbano específico que, porvezes, até mesmo evoca sentidos de re-sistência à lógica de exclusão e segrega-ção. No entanto, ao mesmo tempo – eparadoxalmente – esse fato urbano pro-duzido às avessas permanece irritante-mente integrado e necessário à malhaurbana formal: assim como a cidade seconstrói cotidianamente como o tecidoque se trama no tear, também a favelaé fruto do trabalho de tecelões que seenredam na urdidura de uma tramaque teima compreendê-los “excluídos”.

O padrão “favela”

Portadora de diversidades espaciais eculturais peculiares à sua constituição, atrama que desenha a favela se estabe-lece cronologicamente conforme se ins-talam os primeiros núcleos de moradiasirregulares: novas ocupações adensamprecariamente a área sem infra-estru-tura (1) e posteriormente sofrem acrésci-mos que se estendem sobre cada parcelade terreno vazio entre as habitações (2),gerando um complexo aglomerado demoradias precárias e insalubres que seconsolidam com o tempo (3) e definemuma malha viária diversificada (vielas de

3 A explicação de Lefebvre quanto ao significado de “contra-espaço”: “Contra a sociedadefundada na troca, há o primado do uso. Contra a quantidade: a qualidade. Os contra-projetos, o contra-espaço, sabemos por uma prática em que consistem. Quando uma popu-lação se opõe a um programa de auto-estrada ou de extensão urbana, quando ela solicita‘equipamentos’, praças vazias para jogos e encontros, percebemos como um contra-espaçose introduz na realidade espacial: contra o Olho e o Olhar, contra a quantidade e o homogêneo,contra o poder e a arrogância, contra a extensão sem limites do ‘privado’ e da rentabilidadeda empresa – contra os espaços especializados, contra as funções estreitamente localizadas.”(Lefebvre, 1986, p. 28)

acesso às moradias, vielas de passagemde pedestres, vias de tráfego local, viasde ligação com os bairros vizinhos etc.)(Ver Figuras 1, 2 e 3).

Na falta de espaço interno nas ha-bitações, a rua é utilizada como prolon-gamento das casas, local onde os usospúblico e privado se sobrepõem, onde aapropriação de áreas de interesse coletivoconstrói nós de convivência local. A inter-venção dos moradores nesses estreita-mentos e alargamentos das ruas, cominvestimentos próprios em melhorias es-

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70 De molde a contramolde: (re)construindo questões sobre a urbanização de favelas

truturais (iluminação, pavimentação,mobiliário etc.), acaba qualificando essesnós como importantes espaços de socia-bilidade e, principalmente, como lugarpara a realização de estratégias coletivasde apoio entre vizinhos (compartilha-mento do cuidado com as crianças, varaiscoletivos para as roupas lavadas, vigilân-cia do acesso às moradias, entre outras).

servindo de acesso, levando precária in-fra-estrutura às casas e interligando os nósde convívio local entre si. Há também asvias que determinam a divisão da favelaem setores (conforme o histórico de ocu-pação de cada área e o grau de consoli-dação das moradias), estabelecendoligações ou passagens entre o bairro e asvias do entorno.

Muitas vezes, também as barreirasconstituídas pelas vias aparecem pratica-mente intransponíveis. Em outras situa-ções, tais barreiras são estabelecidas porribeirões, córregos ou apenas canaletasnaturais de drenagem ou, ainda, pelasfaixas de domínio de linhas de transmis-são ou de servidão, que acabam confi-nando o assentamento, impedindo aexpansão das ocupações e impondo,conseqüentemente, a verticalização e oadensamento de todo o conjunto.

Dessa forma, parece-nos indiscutívela existência de elementos que configu-ram uma recorrência construtiva, formale até mesmo dos modos de apropria-ção e uso, que fundamenta o argumentode padronização tipológica do que sepretende manter distinto, determinávele mensurável como e enquanto favela.

Por outro lado, se a padronizaçãotipológica auxilia burocraticamente noplanejamento contábil e operacional dosprogramas públicos de urbanização, nãocorresponde à dinâmica vigorosamenteacelerada das mutações operadas cotidia-namente pelos moradores na construçãode suas relações pessoais, coletivas, eco-nômicas, culturais e políticas. Para alémde uma geometria que se submete suma-

Figura 1

Figura 2

Figura 3

A estrutura viária é normalmentemarcada por articulações internas e ex-ternas ao assentamento. Internamente,há vielas que se estreitam e se alargamconforme a implantação das moradias,

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71João Marcos de Almeida Lopes, Magaly Marques Pulhez

riamente às determinações do meio ouàs categorias que insistimos em descreverpara melhor acomodá-la às nossas pres-crições programáticas, a favela fracionasua imagem numa trama caleidoscópicaque a faz multiplicar indefinidamente apluralidade de seus aspectos particulares.

Se, utilizando-nos de Lefebvre, o es-paço da cidade é um produto que cor-responde a uma prática social definida(Lefebvre, 1986, p. 2), será essa práticasocial que definirá, ao mesmo tempo eparadoxalmente, tanto a diversidade, aparticularidade e a peculiaridade de cadaassentamento favelizado, como a exten-são funcional que o caracteriza comocategoria, como a parte identificável edestacável de um todo do qual faz parte.A cidade, aqui disposta como “produtode uma prática social” articulada em tornode interesses pessoais, coletivos, econômi-

cos, culturais e sociais, também precisade sua “área de serviço”, de seu “quartode empregada”, de becos, sótãos e porõesmais obscuros. A cidade precisa de umrepositório de mão-de-obra que se man-tém a postos como exército de reservapara atender a uma demanda por tra-balho que nunca aparece; precisa de me-canismos baratos de manutenção deestoque de terras que ainda não foramsubmetidas à especulação imobiliária, atémesmo porque as técnicas de ocupaçãode topografias mais críticas ainda não sedesenvolveram a esse ponto; precisa deum segmento espacial próximo que per-mita a extensão menos vigiada de ativi-dades ilícitas etc. A favela participa dosistema de contradições que regulam aexistência social com lugar definido e fun-ção criteriosamente prescrita. A cidade –esta cidade – precisa da favela como eenquanto “favela”.

4 No Brasil, o reconhecimento “de facto e de jure” pelo poder público da presença das favelasno tecido urbano só acontece na década de 1930, com a chegada de Getúlio Vargas ao poder(Abreu, 1994). Desde então, as ações governamentais no campo das intervenções em núcleosfavelizados vem passando por redimensionamentos importantes: até os anos 1960-70, oideário hegemônico em torno do tratamento que se deveria dar às favelas foi aquele, comose sabe, voltado à erradicação, contra o atraso, a desmoralização e a criminalidade geradospela pobreza urbana; adiante, nos anos 1970-80, por um processo que segue lento, proces-sual, mas não exatamente linear, passa-se ao ideário da urbanização, a partir, por um lado, daperspectiva da “participação popular”, fomentada pelos movimentos sociais organicamenteenvolvidos com a conquista de direitos, e, por outro, das próprias recomendações de agênciascomo o Banco Mundial e símiles, cujo argumento em defesa da “urbanização de baixospadrões” vem ganhando mais e mais adeptos a cada dia, reforçando a lógica reformista forte-mente adensada nos anos 1990-2000. Para uma análise mais substantiva de tais questões,verificar, dentre outros, Valladares (2005), Denaldi (2003) e Pulhez (2007).

Racionalidade burocrática & miragens de cidade

Desde que os agentes públicos admitirame assumiram que se fazia necessária apromoção de ações urbanísticas, fundiá-rias e sociais voltadas para a readequação(ou requalificação) física, jurídica e social

de assentamentos precários nos grandescentros urbanos 4, técnicos empenham-se no estabelecimento de programas,rotinas, normas e recomendações queorientem tais ações e projetos a partir

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de um pressuposto que já se tornou,pelo menos no Brasil, quase lugar co-mum: prescrever projetos, obras e tra-balhos “sociais” que alcancem a favelaem sua precariedade e improbidadeurbanística e social e a resgatem para oajustado e saneado bom-urbanismo dacidade formal. “Transformar a favela embairro”, promover a “urbanização dafavela”, “integrar a favela à cidade”,corresponderia, por essa chave, a tornarpossível reproduzir, naquele tecido urba-no estabelecido a contrapelo, as regrase configurações que ajustam o desenhoe o funcionamento da cidade formal.Seria essa matriz que orientaria, nos diasde hoje, boa parte das tecnologias maiselaboradas de intervenção em favelas,pressupondo, já de princípio, a integra-ção física do assentamento ao espaçotecido pela cidade formal 5.

O que parece implícito nesse padrãode ação pública é, contudo, uma certanecessidade de fazer que um fato urba-no como a favela ao menos se pareça,urbanisticamente, com aquilo que acei-tamos como cidade e urbanismo sau-dável. Isto é, se a favela é considerada,por si, um “outro” da cidade, seu dife-rente, um fato urbano que (aparente-mente) não se orienta pelos mesmospressupostos que organizam a cidade

formal, nada mais natural que buscar-mos a reprodução de uma lógica deconformação e existência espacial quenos é conhecida, administrável e, atécerto ponto, controlável e obediente –uma concepção amplamente sancionadapela sociedade, com suas categoriasaceitáveis de urbanidade. Por essa via,queremos que a favela se transforme emalgo mais parecido com o que preten-demos e chamamos “cidade”.

Algum rigor nos permitiria intuir queo que de fato se manifesta nessa posturaé uma inversão não explícita de valores,pressupondo que, ao agenciar e pro-mover a adequação física e urbanísticada favela – absolutamente pertinente,diga-se aqui –, os padrões de existênciaurbana que nós julgamos mais adequa-dos e aceitáveis devem ser aqueles pres-critos nas bulas das ações de urbanizaçãoe intervenção em favelas.

No entanto, para que elas deixem deser o “outro” da cidade, seu diferente, énecessário esvaziá-las para dotá-las dosmesmos sentidos e valores que instrueme instituem o espaço da cidade formal.É necessário que a favela se aproximede “mãos limpas e cara lavada” comocondição prévia para a plena “higieni-zação” do lugar 6. Assim, seu redesenho

5 É claro que estamos considerando, aqui, processos mais elaborados de urbanização, pautadospela premissa da intervenção estruturada, ainda que eventualmente pontual, que divergemdiametralmente de práticas simplificadas e imediatistas ao extremo, como a erradicação expe-dita e indiscriminada, ainda hoje muitas vezes levada a cabo por razões que passam funda-mentalmente por interesses do mercado imobiliário.

6 É bastante conhecida a vinculação histórica entre “legalidade”, “formalidade” e “higiene”,contraposta especularmente à vinculação entre “ilegalidade”, “informalidade” e “violência” –esta, como “doença” que ressurge na metáfora de herança haussmaniana da cidade comoorganismo vivo, passível de submissão às “intervenções cirúrgicas” dos planejadores quevisam a sua “cura” e “saneamento”.

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é conduzido como argumento contra aviolência espacial que, desde há tempos,ali se estabelece 7. Historicamente vin-culadas à malandragem e às contraven-ções – no passado – e à violência urbanae ao narcotráfico – no presente –, asfavelas são sistematicamente contrapos-tas à aparente “legalidade” da cidadeformal, tanto de maneira explícita,quando referida à sua condição fundiá-ria e construtiva, como na forma de umpreconceito difuso, quando vinculada àtransgressão da ordem pública, políticae social: isto é, o que pretendemos paraeste “outro urbano” é algo que projeta-mos como ideal de cidade, sem quenecessário seja que esse ideal efetiva-mente se concretize.

Seria por essa matriz que as tecno-logias de intervenção ditas “cirúrgicas”,consideradas saneadoras do “espaço-paciente”, são alçadas à condição deprogramas de governo ou argumentosde políticas habitacionais. Tais pressupos-tos podem ser identificados, por exem-plo e de forma bastante eloqüente, em

programas como o Favela-Bairro, imple-mentado pela prefeitura do Rio de Ja-neiro há mais de dez anos e mantidocomo um dos carros-chefe da políticahabitacional carioca até os dias de hoje,com pesados investimentos de agênciasinternacionais: traz como argumento deexposição ao público leigo a garantia deque o programa irá “transformar a fa-vela em bairro”:

Integração significa levar à cidadeinformal as mesmas matérias e ele-mentos urbanos que circulam pelacidade formal: infra-estrutura e ser-viços públicos de educação, saúde,limpeza e segurança. O desafio con-siste, portanto, em romper as bar-reiras que isolam certas áreas econstruir leitos de circulação. (Rio deJaneiro, 1999, p. 11) 8

Nesse mesmo sentido, orientam-se asações articuladas a partir do ProgramaHabitar Brasil, largamente difundido efinanciado em grande parte pelo BancoInteramericano de Desenvolvimento 9,

7 Caberia registrar, nesse sentido, a postura de quem ainda acredita que a simples alteraçãodas condições espaciais dos núcleos é capaz de, se não eliminar, ao menos “minimizar” osaspectos da violência ali presente – essa a premissa, por exemplo, do Plano de AçãoHabitacional e Urbana, do Programa Bairro Legal, da prefeitura municipal de São Paulo(gestão 2001-2004), em que foram desenvolvidos projetos para os três distritos com os maisaltos índices de violência da capital paulista: Cidade Tiradentes, na Zona Leste; Brasilândia,na Zona Norte; e Jardim Ângela, na Zona Sul: no cerne do discurso dos financiadores (aCitties Alliance e o Banco Mundial), a questão da violência aparecia como argumento centralda abordagem projetual. Verificar São Paulo (2003).

8 É bastante perceptível, pela leitura que propomos, a projeção ideal de uma “cidade formal”que, nas entrelinhas do que não é dito, parece portadora de “infra-estrutura e serviçospúblicos” plenamente adequados e amplamente dispostos em quantidade e qualidade parao devido atendimento às demandas da população da cidade. “Romper as barreiras queisolam certas áreas” pode nos surpreender com a descoberta de que a “cidade formal”também precisa ser “urbanizada”, também precisa “virar bairro”.

9 Criado ainda durante o governo Itamar Franco (1992-1994), num contexto de desarticulaçãoextrema das políticas habitacionais (período pós-colapso do Banco Nacional de Habitação),

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isto é, por um banco que se apresentacomo agência de fomento ao desenvol-vimento: com a retórica afiada, a pro-posta procura incorporar os pressupostosde defesa dos direitos e da cidadaniacomo suporte de intervenções de caráterfísico:

O direito a uma habitação condig-na – cujo conceito, além da idéia deabrigo, deve compreender integra-ção com a cidade através da dispo-nibilidade de infra-estrutura urbanae de acessibilidade ao mercado detrabalho e aos equipamentos públi-cos – é um pré-requisito importantepara o exercício da cidadania. Ahabitação, assim concebida, propiciacondições necessárias para a proteçãofísica de seus moradores, o convíviofamiliar, a integração do indivíduo nacomunidade e a reprodução da força

de trabalho. (Manual do ProgramaHBB, s.d., p. 2)

Um outro exemplo dessa mesma li-nhagem merece registro: o ProgramaBairro Legal, da prefeitura municipal deSão Paulo (gestão 2001-2004), estru-turado num momento de retomada dasintervenções em favelas na cidade, apóso vácuo de iniciativas que sucedeu ofôlego de afogado do programa Cinga-pura da gestão Maluf-Pitta 10, alicerçavaseus objetivos em atividades basicamen-te voltadas à urbanização, regularizaçãofundiária e recuperação ambiental dasfavelas, ou seja, intervenções urbanasde caráter essencialmente físico. Assim,os fundamentos do Programa visavam

promover a integração das favelase loteamentos irregulares à cidadee melhoria das condições de habita-

o Habitar Brasil incorporava em seu desenho institucional o que, naquele momento, era algoainda relativamente recente nas iniciativas federais de provisão habitacional: a participaçãodireta das prefeituras, a “valorização” das organizações comunitárias e, principalmente, oconsenso de que a manutenção dos assentamentos precários poderia (e deveria) ser a “solu-ção” para o gigantesco problema da moradia popular no Brasil (Santos, 1999). Parcialmenterevisto após o contrato com o BID, em 1999, o programa passou a destinar recursos não sópara a urbanização do que se denominou “assentamentos subnormais” mas também para o“fortalecimento institucional dos municípios” (Subprogramas de Urbanização de Assenta-mentos Subnormais e de Desenvolvimento Institucional) (Pontual, 2000).

10 Paulo Maluf e Celso Pitta ocuparam, seguidamente, a cadeira de prefeito da cidade de SãoPaulo entre os anos de 1993-1999. O programa “Cingapura” – peça exclusiva da políticahabitacional empreendida – foi implantado nesse período, com a proposta de removerbarracos e edificar unidades verticais (cujo número de apartamentos construídos, diga-se,jamais correspondeu ao número de famílias removidas). Conhecido por seus agenciamentoscom interesses privados (em especial empreiteiras e agentes do mercado imobiliário) e porseu caráter promocional, o programa produziu, até 1999, cerca de 10.300 unidadeshabitacionais, localizadas, no mais das vezes, em áreas de grandes corredores de tráfego deveículos: “A visibilidade é determinante nas operações. Substituir as favelas por prédios deapartamentos tem evidentes reflexos no preço da terra ou, dependendo da localização, umalto potencial publicitário. Os critérios que guiaram a localização dos investimentos em pro-jetos habitacionais não foram os da necessidade social ou emergências devido aos riscos devida, mas sim a visibilidade e o saneamento da paisagem” (Maricato, 1997, p. 118). Para umrelato detalhado do programa Cingapura, verificar também Bueno (2000).

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bilidade e salubridade, possibilitandoo acesso à moradia adequada, infra-estrutura, serviços, equipamentosurbanos e comunitários em um am-biente salubre e saneado. (São Paulo,2004, p. 44-45)

Para não estender para além damedida a galeria de tipos, destacamos,por fim, o Programa de Integração eInclusão Social (Piis), atual Santo AndréMais Igual, conduzido pela prefeituramunicipal de Santo André (Região Me-tropolitana de São Paulo), que se alongano tempo, atravessando três gestões mu-nicipais: mais do que unicamente umafrente de urbanização de favelas, estrutu-ra-se como um programa que pretendesuperar a abordagem “setorial”, objeti-vando alavancar processos de “inclusãosocial” através da implantação simultâ-nea de diferentes subprogramas desen-volvidos com os moradores das áreasselecionadas para intervenção. Tais sub-programas procuram dar conta de pelomenos três dimensões da existência hu-mana na cidade: a urbana, num esforçoconstante para o equacionamento dosconflitos territoriais e ambientais dentrodas favelas e no seu entorno; a econô-mica, em que o objetivo maior seria aemancipação das famílias, mediantegeração de renda e emprego; e a social,com o apoio da conquista de direitosbásicos de cidadania, como saúde, edu-cação e lazer (Santo André, 2003).

A despeito da sofisticação argumen-tativa, em termos urbanísticos o progra-ma não deixa de cumprir a cartilha doamálgama “favela-bairro”, cristalizando,no espaço idiossincrático das favelas, a

reprodução das mesmas regras normal-mente utilizadas na produção da cidadeformal e agenciando recursos específicospara tal: adoção de lotes-padrão, aplica-ção de tipologias habitacionais, hierarqui-zação de vias, regras de uso e ocupaçãodo solo, construção de espaços coleti-vos, praças e equipamentos como in-terstícios de vinculação entre a favela ea cidade:

A construção e a localização dessesequipamentos também fazem parteda estratégia de promover a inte-gração da favela com seu entorno.A maioria das favelas urbanizadascontinua com “cara de favela”, mui-tas vezes conferida pela adoção depadrões urbanísticos diferenciadosda cidade (como densidade, largurade viário, tamanho de lotes) e pelaqualidade da construção habitacio-nal e do parcelamento executado.O projeto urbanístico desenvolvidopara essas favelas [atendidas pelo Piis]buscou localizar praças e equipamen-tos em setores da favela que conur-bam com o bairro, criando uma áreade transição e integração da favelacom o bairro. (Denaldi, 2003, p. 162).

Em todos os tipos exemplares queaqui sucintamente apresentamos, apare-ce o argumento – implícito ou explícito –da agregação da favela à cidade, comofagocitose de um corpo que, agora sa-neado e curado, permite-se integrar àtrama que organiza e define o territóriourbano em sua formalidade geométrica,funcional, jurídica, econômica e social.Essa agregação, em maior ou menorgrau, é proposta sem que se discrimine

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o lado de lá, sem que se qualifique aformalidade pretendida, como se tal for-malidade, por seu turno, fosse estrutu-ralmente homogênea, qualitativamenteadequada e igualitariamente distribuídae acessível. Os recursos convocados para

compor os programas de urbanização defavelas aparecem, assim, prescritos pelossentidos dados pelo aparato tecnológico,que nem sempre deixa explícitos seus re-cantos mais misteriosamente comprometi-dos com a ordem social que tece a cidade.

Racionalidade urbanística & irrazão ideológica

Seria injusto afirmarmos que os progra-mas de urbanização de favelas, em geral,e os que citamos, em particular, não acio-nam recursos operacionais e mecanismosde gestão realmente eficazes, colhendoresultados, ainda que parciais e muitasvezes pouco visíveis, significativos e posi-tivos. Sem as experiências acumuladas,sequer uma consideração descritiva sobreo assunto seria possível, quanto maisuma reflexão mais apurada e crítica. Detodo modo, o questionamento que pro-pomos diz respeito mais aos sentidosmenos aparentes do aparato tecnológicoque vem sendo sistematicamente aplica-do nos processos de urbanização das fa-velas. Dessa forma, vejamos:

(1) quanto aos recursos aplicados,é costumeiro dizer que os U$ 5.500 aU$ 12.000 por família – nas melhoreshipóteses –, normalmente investidos nosprogramas de urbanização, são vultuo-sos, que não há orçamento que suporteprogramas desse gênero e que o benefí-cio final “não vale a pena”, pois se refleteapenas em meia dúzia de intervençõestópicas que não darão conta de proble-mas estruturais, o que, em parte, é verda-

de. Ora, quanto se gastou e se gasta derecursos públicos “por família” ao longodo tempo com a urbanização (infra-es-trutura, regularização fundiária, pavimen-tação, paisagismo etc.) da Av. Paulista, emSão Paulo, ou do Aterro do Flamengo,no Rio de Janeiro? O montante de recur-sos aplicado nas urbanizações de favelasparece-nos irreparavelmente irrisório, emrealidade muito pouco significativo secomparado ao montante consumido naurbanização da cidade formal – aquelacom a qual queremos equiparar as favelas;

(2) é falso dizer que o processo deurbanização assegurará a permanênciado indivíduo no local onde vive, ou seja,sua posição definitiva no sagrado soloda cidade por ele agora partilhada.Como bem se sabe, suas demandasmais básicas poderão forçá-lo a transfor-mar um valor de uso em valor de troca.Se a melhoria de sua posse agrega be-nefícios indiscutíveis à sua existênciamaterial, por outro lado também trans-forma essa posse em mercadoria pron-tamente disponível para o consumo emum mercado imobiliário que parece serinformal 11. Isso não significa, no entanto,

11 Nesse sentido, conviria registrar, de forma ilustrativa, o altíssimo índice de evasão da popula-ção moradora das favelas atendidas pelo supracitado Programa Integrado de Inclusão Socialde Santo André (SP): cerca de 30% dos moradores cadastrados inicialmente não morammais nos núcleos urbanizados ou nos conjuntos habitacionais construídos (Blanco Jr., 2006).

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que o valor agregado corresponda àrealidade do mercado formal: com aurbanização, a posse transformada ad-quiriu valor de troca. Os passos seguintesde transformação da mercadoria deve-rão multiplicar, com muito mais vigor, ovalor concedido ao detentor da posseoriginal. Mas este sequer poderá imaginaro resultado dessa multiplicação, porquejamais passará por suas mãos;

(3) não nos parece adequado con-ferir ao morador da favela a condiçãoirrestrita de “vítima” de um processo deexclusão com o qual não pactua e doqual não tem conhecimento: como dizMarilena Chauí, nesse processo ele “sabeque ignora e ignora que sabe”, desempe-nhando, numa trágica encenação ideo-lógica, o duplo papel do “oprimido” e“opressor”, optando protagonizar o papelque melhor atende a cada inversão decontexto (Chauí, 1986) 12. Em vista dasoportunidades (de valorização monetáriade sua posse, de melhoria de posiçãorelativa no espaço da favela, de prestígioperante os gestores públicos etc.), o sujei-to não hesitará em ocupar qualquer umdos papéis e, às vezes, ao mesmo tempo;

(4) também nos parece imprecisoafirmar que a grande questão para ogestor público seria exclusivamente obem-estar e benefício dos moradores dafavela – por melhores que sejam suasintenções. Ora, no cálculo eleitoral, asfavelas podem ter peso maior do queem geral se imagina. Dessa forma, aengenharia das intervenções tem quenecessariamente obedecer ao cronogra-ma dos eventos da gestão ou dos pro-cessos político-partidários instaurados,até porque ela corre o risco de ser su-mariamente suprimida se as interven-ções não forem levadas a um ponto queobrigue sua continuidade na próximagestão. Via de regra, não são as deman-das pelas “melhorias urbanas” que de-finem o ritmo dos cronogramas, mas,na melhor das hipóteses e expressandointenções bastante legítimas dos gestorespúblicos, é o pavor de que programase projetos sejam sumariamente descar-tados no caso de derrota eleitoral ou atémesmo pelo confronto entre as priori-dades de governo;

(5) por fim, soa-nos como uma dis-simulação a afirmação de que se faz

12 Carlos Nelson Ferreira dos Santos lembra que os favelados não fazem distinções entre“produção, consumo, valores de uso e de mercado em cima daquilo que podem criar. [...] Acasa é vista como abrigo, como referência, como investimento e como bem a explorar notodo ou em partes. [...] Quando verificamos que os pobres são também partícipes da cultura[capitalista] em que estão mergulhados e nela penduram seus significados e retiram outrostantos, costumamos ficar muito chocados” (Santos, 1982, p. 95). Eder Sader, sociólogobrasileiro que trabalhou com profundidade a questão das classes sociais e suas assimetrias,observando a aquisição de bens duráveis por famílias operárias, comenta que o padrão deconsumo dessas famílias “parece indicar uma busca de acesso aos padrões de ‘classe média’,difundidos pela publicidade”. Seria, pois, através da absorção desses padrões dominantes(que, para Sader, não podem ser simplesmente considerados pura “manipulação das aspi-rações”) que esses trabalhadores expressariam “algo de suas vontades e seus sonhos e éexatamente isso que é necessário saber ouvir” (Sader, 1988, p. 109-110).

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necessário “integrar a favela à cidade”sem que se reconheça explicitamenteque, para isso, é necessário que ela seapresente “de mãos limpas e cara lava-da”. Este é o aspecto velado das inter-venções, em sua fleuma higienizadora:se, para integrar a favela à cidade, faz-se necessário saneá-la, isso significa dizer,

por inferência, que o que importa defato é que a favela nos apareça “bemvestida”, “fotogênica” e “folcloricamenteajustada” 13. Não aparece aqui, comocondição necessária e incontornável,que os moradores da favela se integremà cidade formal: eles todos já a ela estãointegrados.

O problema

Propondo então uma inversão na lógicaque, como vimos, quase sempre orientae sustenta a concepção técnica e buro-crática dos programas e ações de urbani-zação de favelas, a questão que trazemosinsere-se mais amplamente no cotidianomaterial e simbólico diariamente cons-truído nesses espaços: até que ponto odeslocamento proposto de um espaçofísico degradado em direção ao espaçopróprio da cidade formal (isto é, “trans-formar a favela em bairro”) não significareproduzir as mesmas tessituras que ogeraram? Até que ponto não estaríamostrazendo, para dentro da favela, a repro-dução das tramas promotoras de exclu-são? Isto é, se é a cidade formal que dáorigem à favela, por que transformar afavela em cidade formal?

O que propomos discutir, a partirda reflexão crítica dos limites e contin-

gências que a ação técnica e burocráticamuitas vezes disfarça entre as dobrasdos processos de urbanização de favelas,é a possibilidade de inversão desse des-locamento: seria possível, a partir dosinteresses urbanos que se sobrepõem noterritório da favela, a inoculação de pro-posições concebidas para além das inter-venções “higienizadoras” e reprodutorasda ordem excludente da cidade formal?Parece-nos, na verdade, que os pressu-postos que orientam as intervençõesatuais e que perenizam a mesma abor-dagem – sem considerar as profundasalterações processadas no espaço dafavela – acabam apenas levando “águaao moinho”, reproduzindo ali processosde exclusão ou, ainda, simplesmentenada alterando do que se propõe trans-formar.

13 Veja-se a visibilidade midiática que é dada à reiterada ocupação dos morros cariocas ou dasfavelas paulistas pela polícia e suas ações espetacularizadas de combate ao narcotráfico ou,por outra mão, a glamourização folclórica promovida por programas de televisão que procu-ram afirmar a favela como um espaço privilegiado para a fermentação cultural underground(recentemente, ia ao ar um programa cujo objetivo era veicular algumas dessas iniciativas“infraculturais”, chamado “Central da Periferia”). Ou seja, ou bem a favela circula na opiniãopública como o locus do crime e do narcotráfico ou bem como “a comunidade carente” cheiade criatividade e com poucas “oportunidades” para revelar seus talentosos rappers,capoeiristas, dançarinos ou artesãos.

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Argumento

A possibilidade de dar um passo além daestrita tecnologia de intervenção sanea-dora talvez transite no campo transdisci-plinar da cultura – ainda que enquantocultura urbana de uso do espaço: um sis-tema de códigos e práticas que necessa-riamente contingenciam a dinâmica dasrelações que ordenam a lógica espacialurbana, seja da cidade formal seja dafavela. Seria, então, a partir do obscure-cido espaço residual instituído, como umregistro coletivo da história cotidiana dosmoradores daquele lugar, que talvez sefaça possível estabelecer um sistema decódigos, construído coletivamente e apartir da história coletiva, que se movi-mente no contrafluxo da ordem vigente.Isso significaria imaginar a construção deum, aí sim, contra-espaço.

É claro que – e não seríamos ingê-nuos a tal ponto – não imaginamos umaespécie de “geração espontânea” e lím-pida de uma estrutura de gestão ade-quada para o que aqui defendemos. Hálimitações de toda espécie, em termosde recursos financeiros ou humanos eem termos de viabilidade política e ins-titucional. O que acreditamos é que sefaz urgente repensarmos a abordagemdos programas de intervenção em es-paços favelizados, particularmente aque-

les promovidos pelos agentes públicoslocais, reorientando seus pressupostos nosentido de explicitar as contradições pre-sentes e esperando assim melhor lidarcom elas, através de processos de inter-venção que se proponham a inverter alógica que perpetua a favela como es-paço de violência e exclusão.

A concepção de cultura que aquiconvocamos é sugerida pela propostalefebvreana de que é a prática social – ouso do espaço – que desenha a matrizpara a prática espacial. Logo, há uma“cultura particular de uso do espaço” quese estabelece de modo hegemônico. Noentanto, é justamente essa prática socialque se faz tomada por uma concepçãonaturalizada de pobreza, estabelecendo“uma auto-compreensão heterônomaque se retro-alimenta inclusive no exer-cício da prática espacial” (Lefebvre, 1986,p. 28) 14. Pretender a desnaturalizaçãodessa prática implica, então, num amploquestionamento da determinação eco-nômica da pobreza urbana, dos proces-sos de produção e reprodução da vida,das formas cotidianas de atenção às ne-cessidades materiais. Assim, a concepçãode cultura aqui operada sugere uma certapretensão antropológica e econômica, namedida em que o aparato tecnológico de

14 Novamente, em trecho de Lefebvre: “A ciência do espaço seria portanto a ciência do uso,enquanto que as ciências especializadas, ditas ciências sociais, fazem parte da troca e queremser ciências da troca (da comunicação e do comunicável: economia política, sociologia,semiologia, informática etc.). A este título, a ciência do espaço se aproximaria da materialidade,da qualidade sensível, da naturalidade mas enfatizando a natureza segunda: a cidade, ourbano, a energética social. O que é obscurecido pelo naturalismo banal com seus conceitosequivocados: ambiente, por exemplo. Esta tendência reverte a tendência dominante edominadora igualmente pelo fato de que a apropriação recebe um privilégio teórico e prático.

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intervenção que sugerimos deverá serprescrito pela “história cotidiana dos mo-radores” – como recurso privilegiado parauma espécie de “propedêutica proje-

tual” – e pela produção e reproduçãoda vida. Uma existência econômica que,mesmo heterônoma, seria particular eautogerida no território da cidade.

Proposta

Em sentido prescritivo, o que propomospode, numa primeira abordagem, reve-lar pressupostos muito mais engajadosno que Lefebvre chama de “prática so-cial” do que em um procedimento téc-nico-urbanístico, o que, certamente, nãose coaduna com as exigências mais cor-riqueiras de um programa público deurbanização de favelas, considerando ocaráter freqüentemente pragmático quese espera desse tipo de proposição. Alémdisso, se pudéssemos arriscar algumasrecomendações metodológicas para oestabelecimento de um novo “sistemade códigos” no interior da favela, nãoseria para a favela que orientaríamos asprimeiras sugestões. Pelo contrário, taisprescrições seriam dirigidas à estruturatécnico-burocrática que gerencia o apa-rato tecnológico empregado na urbani-zação de favelas, aos técnicos do Estadoe ao Estado que os emprega:

Primeiro: faz-se necessária a remo-ção dos limites entre as competênciastécnicas concorrentes nas intervençõesem favelas, buscando orientar a cons-trução de uma abordagem transdiscipli-nar, plural e diversa, aqui reconhecidacomo construção de cultura. Isto signi-fica diluir as especialidades, as respon-sabilidades partilhadas e a segmentaçãoburocrática dos aspectos e das etapasde projeto e obra;

Segundo: trata-se de reconhecer erealçar os limites entre a cidade formale a favela, explicitar o diverso e o pró-prio. Delineando tais contornos, talvezseja possível estimular a transitividadeentre universos que se constroem a par-tir de dinâmicas completamente distintasporém interdependentes e, por issomesmo, confusas;

Terceiro: apresenta-se a necessidadede alterar a relação entre as agênciaspromotoras desse tipo de intervenção eas estruturas de gestão local, do lugar ecom a própria população, isto é, de su-perar a “paternalização”, bastante fre-qüente em situações como as que aquidiscutimos;

Quarto: no vácuo criado pela redu-ção da presença de agentes externos,também emerge a necessidade de refor-mulação, formação e consolidação dasestruturas de gestão autônomas do es-paço da favela, não só como condiçãode legitimidade para as intervençõespropostas mas também como raciona-lidade pedagogicamente conquistadapara os procedimentos ali instaurados.

Esses pressupostos preliminaresatendem a uma preocupação “política”,digamos assim, com a prática estabele-cida pelos programas públicos de inter-

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venção em favelas. Enfatizamos, contu-do, que se aplicam também ao sentidoprático da atuação estatal, uma vez quese trata de um processo de mudançade concepção que depende de umamudança de postura dos técnicos e dopróprio Estado, que geralmente criamna favela, até por força da sazonalidadeque caracteriza a ação do Estado, umrepositório de ações fragmentárias, aindaque necessárias, muitas vezes permeadaspor atitudes preconceituosas e discrimi-natórias.

Num esboço de pressupostos parauma formulação programática, a partirde alguma experiência acumulada emprojetos de urbanização de favelas, arris-camos considerações que mais perten-cem ao diálogo entre uma concepçãourbanística mais tradicional (ambientale jurídico-fundiária) e os termos do apa-rato tecnológico aplicado em projetos eobras. Isso significa que esse esboço nãoé imune a impasses técnicos e burocráti-cos e que em absoluto se arvoram comoreceituário impecável de procedimentosvirtuosos. Pretendem, apenas, contri-buir para o redesenho do aparato tec-nológico aplicado nesses processos,defendendo que deve ter como pressu-posto uma nova prática espacial paraas favelas, plenamente fundada na práti-ca social efetivamente instalada naqueleterritório:

1. É necessário estabelecermos umaoutra funcionalidade para os mecanismose processos de participação dos mora-dores, para além de uma consulta infor-mativa ou de seu uso para a legitimaçãode um processo velado de intervenção –autoritária ou não – que tem por objetivoúltimo apenas o redesenho e o sanea-mento da favela 15. Mais do que a fun-cionalização dos moradores (quandocumprem apenas o papel de mais umelemento de projeto, muitas vezes tidocomo um parâmetro que poderia serdispensável), o que propomos é a cons-trução compartilhada e necessariamentecrítica (a) dos instrumentos de interven-ção (projetos, orçamentos e cronogra-mas), (b) dos procedimentos operacionaispara implantação e desenvolvimento dasobras (planejamento das etapas, admi-nistração de contratos, serviços e mate-riais, e controle e fiscalização das obras)e (c) do conteúdo das formas urbanasque serão assentadas a contramolde noterritório no qual a favela se instala. Essaoutra funcionalidade exigiria um enga-jamento necessariamente mais amplo econduzido às avessas, isto é, a partir deuma concepção aberta e compartilhadada forma urbana (enquanto fato urbanoe enquanto processo social, aquela formaque resultará do redesenho da favela) atéseus aspectos mais imediatos, o projetode urbanização propriamente dito. Esseprocedimento implicaria pôr em discussão

15 É bastante corriqueira a prescrição de atividades socioorganizativas e participativas em projetospara a urbanização de favelas, aparecendo mesmo como recomendação ou condição regula-mentar em programas como o Habitar-Brasil BID – como já visto – ou em programas munici-pais como o Programa de Planos Globais Específicos de Belo Horizonte (MG). No entanto, taisatividades, boa parte das vezes, constituem-se numa espécie de “abre-alas”, de linha de frenteque precede as ações físico-ambientais e jurídico-fundiárias que demandam a aceitação dosmoradores, já que implicam em remoções (para fora da favela), realocações (dentro da própriafavela) ou remanejamentos (no mesmo lote em que a moradia está instalada).

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a forma e o funcionamento final da fave-la, com todos os eventos que são o subs-trato de sua existência social, orientandoa construção coletiva de uma proposta ur-banística que se admitiria imponderávele imprevisível 16. Se tomarmos os recursosdelineados pela pedagogia freireana 17,sua aplicação no processo de construçãocompartilhada do espaço sugere o esta-belecimento de temas geradores quecorrespondam à história cotidiana dosmoradores, aqui compreendida comohistória do uso do espaço: como transitampelos becos, como alcançam os acessosda favela, como constroem suas casas,como cuidam de suas crianças, como in-teragem com os vizinhos etc. É necessáriofazer aflorar as contradições, os conflitos,o imaginário obscurecido e os ideárioscomprometidos. Essas circunstâncias ex-porão os elementos constitutivos da prá-

tica social instalada, permitindo construira sua transformação, sem a qual não setransforma a prática espacial, a partir doseu questionamento e crítica. Nesses ter-mos, é necessário situar o morador dafavela na posição de indivíduo determi-nado, de sujeito integrado e necessárioà cidade, capaz de operar sua determi-nação como cidadão produtivo e ativo,e não mantê-lo como um “favelado”,como a razão de uma pesada demandapor programas públicos de assistência,um cidadão de “segunda classe” depen-dente da esporádica benevolência doEstado para seguir sobrevivendo.

2. Como decorrência dessa outrafuncionalidade estabelecida para a par-ticipação dos moradores nos processosde elaboração de projetos e gestão dasobras, surge a demanda por uma es-

16 Há um descompasso aparentemente irredutível entre o cronograma de projetos e obras e otempo de engajamento da população em sua discussão. “Imponderável e imprevisível”podem ser termos incômodos, se pensamos nas rotinas dos processos de licitação, de em-penhamento de recursos e de realização orçamentária pública. Sem desconsiderar tais rotinas,parece-nos plausível fracionar o objeto de contrato em atividades diferenciadas: (a) contrataçãode assessoramento técnico preliminar para estruturação do grupo de moradores e o planeja-mento conjunto das ações, tendo claro que os recursos humanos disponibilizados peloEstado não são suficientes para dar conta de tais atividades; (b) contratação de processos dediscussão e elaboração dos projetos e suas respectivas quantificações e planilhas orçamentá-rias; (c) planejamento, elaboração de cronogramas e realização das obras. A idéia é preservaralguma elasticidade para cada uma dessas etapas, permitindo alguma imponderabilidade ouimprevisibilidade. Além disso, o grupo de técnicos envolvido com uma etapa não serianecessariamente o mesmo contratado para as outras etapas.

17 Paulo Freire, em sua concepção de uma Pedagogia do Oprimido, propõe uma abordagem daalfabetização de adultos na zona rural que situa o analfabeto não na posição humilhante deum sujeito adulto que ainda não sabe ler e escrever, mas como o agente ativo de sua própriaalfabetização. Ele dizia que não cabia ao opressor libertar os oprimidos. Recuperando palavrasque povoam o cotidiano daquele sujeito, que atravessam a realidade viva de sua existênciamaterial, Paulo Freire propõe reapresentá-las como palavras-geradoras, que, por sua vez,são trabalhadas a partir de seus compromissos com a realidade que o submete. Postas emquestão, essas palavras orientam a crítica à realidade e, ao mesmo tempo que estruturam oprocesso de alfabetização, promovem a “tomada de consciência” (uma formulação de época)dos trabalhadores rurais, estabelecendo a educação de adultos como um ato político, comoum ato de escolha (ver Freire, 1987; Souza et al., 2001).

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trutura de gestão que deve ser coletivapelas circunstâncias espaciais que organi-zam a favela. É ilusão imaginarmos que“os pobres” têm uma vocação “natural”para a ação coletiva, democraticamentedebatida e solidariamente decidida:como qualquer sujeito, o pobre tambémtem ojeriza a reuniões de condomínio eprefere gerir sua economia domésticacom a mesma autonomia e reserva recla-mada por qualquer indivíduo de classemédia ou alta. Pelo menos no Brasil, aação coletiva só se efetiva quando con-tingenciada pela necessidade 18. O queimaginamos é uma estrutura rizomáticaque permita o estabelecimento de redes;uma estrutura em que cada rizoma pre-serve sua individualidade funcional eestabeleça relações imediatas com indi-víduos eleitos por afinidade: grupo dequadras ou setores urbanos, núcleos devizinhança ou parentesco, unidades deprodução ou vínculo profissional, entreoutras. Esses rizomas funcionariamcomo instâncias locais de discussão, àsquais se atribuiria a problematização dasespecificidades do espaço que ocupa. Noentanto, não se trata de inventar umaestratégia ou uma estrutura de gestãoalienígena: trata-se, apenas, de compreen-der e promover o que já existe instaladocomo e enquanto estratégia de comu-nicação e preservação socioespacial. Aidéia é descobrir e preservar o fragmentoindividual, reinterpretar aquela noçãode indivíduo que assegura o reconheci-

mento do outro, permitindo o arranjocaleidoscópico de individualidades e aarticulação das particularidades na com-posição orgânica do espaço da favela.As localizações dos nódulos rizomáticos,como práticas espaciais, parecem sermais efetivas quando vinculadas a ativi-dades produtivas, a estratégias de pre-servação da segurança ou de apoio entrevizinhos. É por isso que nos parece im-prescindível tomá-los como a unidadede referência para qualquer estrutura degestão ou composição de unidade degestão urbana.

3. No espaço da cidade, prevalecea distinção entre os espaços de produçãoe os destinados à reprodução da forçade trabalho. Exceto em situações nasquais os moradores acomodam meios deprodução entre suas instalações residen-ciais (por exemplo, cabeleireiros, mecâni-cas de automóveis, pequenas instalaçõescomerciais informais e oficinas de fundo-de-quintal), o lugar da moradia é assumidoapenas como o lugar onde o moradorrecupera e reproduz suas energias: ali eledescansa, cozinha e se alimenta, instalaa família, cuida de filhos e recebe amigos.Numa perspectiva de autodeterminaçãoeconômica, seria lógico imaginarmosuma ordem produtiva diferenciada, fun-dada em princípios de cooperação, naqual o incentivo público, com recursos einfra-estrutura, desempenharia papelfundamental. São inúmeras as iniciativas

18 Os mutirões habitacionais são um exemplo de prática coletiva virtuosa porque mantêm, aolongo da obra, o mutirante constantemente submetido ao coletivo pela necessidade deconquista definitiva de sua moradia. No caso brasileiro – que guarda enormes diferenças emrelação ao caso uruguaio –, assim que cessa a contingência, cessa a obrigação para com aação coletiva.

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voltadas à geração de renda e ocupaçõesprodutivas, mas que se perdem na insu-ficiência de meios e em opções paliativasque, de modo algum, criam fontes derenda seguras e minimamente suficien-tes. Entrepostos de recepção, triagem ereciclagem de resíduos, incipientes ofici-nas de artesanato, pequenos empreen-dimentos voltados para a produção debens com baixo valor agregado, entreoutras, são exemplos de iniciativas quenão alteram substancialmente a ordemeconômica estabelecida, na qual o narco-tráfico – sem peias ou meias palavras – éo mais eficiente gerador de emprego erenda: não é difícil imaginar que o fatu-ramento semanal com o comércio dedrogas é infinitamente superior ao obti-do com a comercialização de latas dealumínio reciclado e objetos fabricadoscom restos de garrafas pet e palitos desorvete. Considerando o atual processode desregulação do trabalho e a volati-lidade na oferta de postos no mercadoformal de trabalho, é incontornável anecessidade de repensarmos a organi-zação produtiva em todos os segmentosdo corpo social, particularmente naque-les espaços em que o resultado da pro-dução significa a sobrevivência materialdo indivíduo. É nesse nó que o aparatodo Estado teria de atuar com algum vigor,assegurando a provisão de meios paraque um grupo social destituído de re-cursos possa promover seu desenvolvi-mento econômico. Novamente, não setrata de compensação, de medidas pa-liativas ou de terapia ocupacional quedistraiam o exército de reserva com ocu-pações que não são absolutamente im-prescindíveis. Para que esta populaçãodeixe de se constituir em um depósito

de mão-de-obra inservível que precisaser domesticada e controlada, é necessá-rio que se torne necessária, imprescindí-vel. Daí, a implementação de centros deprodução nas favelas que se estruturema partir da aplicação de um alto percen-tual de capital variável (mão-de-obra) eque visem à produção de bens com altovalor agregado. Dessa diretriz decorremuma conseqüência físico-territorial eoutras duas conseqüências socioeconô-micas: (1) considerando a exigüidade deespaço no contexto da favela, a deman-da por um pedaço de chão para a cons-trução de instalações produtivas deporte razoável pode parecer um luxoinalcançável. No entanto, como já vistoem outras experiências, é possível pro-mover o adensamento construtivo pormeio da verticalização das edificações eo equacionamento do uso compartilhadodo espaço por tais instalações e moradias,desde que seja assegurada a sustentabili-dade desse compartilhamento (atividadesprodutivas de baixo impacto ambiental,por exemplo); (2) a necessidade de im-plementar formas produtivas pode su-gerir que o empresariamento tradicionalacabará impondo processos de exclusãosocial, ao invés de integração e igualdade.Ora, já se dispõe de um acúmulo con-siderável de experiências de economiasolidária, particularmente aquelas queenvolvem associações de produtores(cooperativas, centros de ajuda mútua,consórcio entre empresas de pequenosprodutores etc.). Os mecanismos que or-denam o desenvolvimento dessas agre-miações produtivas, instituídos a partirde uma nova concepção colaborativa(com a valorização de vocações territo-riais, como no caso das iniciativas pro-

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movidas recentemente na região italianada Emília Romana), permitem um ar-ranjo inovador de regras cooperativasque, se por um lado compromete todoo grupo com o crescimento eqüitativo,por outro, não permite a apropriaçãoindividual dos meios de produção; (3) anecessidade de um padrão de créditoapropriado: as experiências de micro-crédito já são bastante conhecidas e ra-zoavelmente consolidadas, até mesmofavelas. O que propomos é a sua asso-ciação a empreendimentos produtivoslocais, urbanos, assim como acontecepara a produção rural em assentamentosde reforma agrária, a exemplo do créditopara a agricultura familiar quando aplica-do conforme planejamento da produçãoque agrega a produção individual numaescala que assume alguma significaçãoeconômica. Isto é, propomos pensar afavela como locus de uma produçãoeconômica significativa e sustentável, enão apenas como ocupação alternativa.Arriscando a formulação de uma sínteseum tanto inusitada – mas que pareceresumir a concepção desses centros deprodução nas favelas –, seria como seos concebêssemos como “favelansté-rios”, associando moradia e lugar daprodução no espaço de articulação deuma cultura material urbana e, ainda,resgatando as concepções de Robert

Owen para suas “aldeias cooperativas”,os “falanstérios” do século XIX.

De forma complementar, caberia oregistro de que nosso esforço de contri-buição para um possível redesenho doaparato tecnológico empenhado na ur-banização de favelas não se justifica – ejamais poderia – sem a urgente e funda-mental reestruturação da engrenagemque determina o montante de recursosdestinado às intervenções: esta é a con-dição básica para que qualquer inversãodos pressupostos hoje gravados nas en-trelinhas dos programas de urbanizaçãode favelas se torne possível.

Evidentemente, os desdobramentosdo que aqui procuramos problematizarcomo questões-síntese, condensadas emeixos de análise, podem ser multiplicadosem uma miríade de diretrizes projetuaise programáticas, que não cabe aqui es-miuçar: nosso objetivo foi apenas apre-sentar alguns aspectos de uma concepçãoque procura por um solo que possibilitea germinação de alguma invenção. Seos acúmulos de experiências permitem-nos a crítica e a reflexão da prática realiza-da, também nos permitem correr algunsriscos e superar o que, nesses acúmulos,nos constrangem como limites.

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Abstract

The principles that usually guide the in-terventions in slums suggest its physicalintegration to the formal city space, in aredesign that would “transform it in aneighborhood”, safe and legal. The in-tervention technologies said “surgical”,considered sanitary of the “space-pa-tient”, are raised to the condition of gov-ernment programs or arguments ofhousing policies. This article proposesprecisely to interrogate the guiding tech-niques of those interventions: up to whichpoint the considered displacement of adegraded physical space in direction tothe proper space of the formal city doesnot mean to reproduce the same “exclu-sory” mashes that had generated it?Would it be possible, from the urban in-terests that overlap in the slum territory,the inoculation of proposals that wouldbe sent beyond the interventions that are“hygienic cleaning” and reproductive ofthe formal city exclusory order?

Keywords: slums; slums upgrading; hou-sing policies.

Resumo

Os pressupostos que normalmente orien-tam as intervenções em favelas propõemsua integração física ao espaço da cidadeformal, num redesenho que a “transfor-maria em bairro”, seguro e legalizado.Tecnologias de intervenção “cirúrgicas”,saneadoras do “espaço-paciente”, sãoalçadas à condição de programas de go-verno ou de argumentos de políticashabitacionais. Este artigo propõe justa-mente questionar as técnicas orientado-ras de tais intervenções: até que ponto odeslocamento de um espaço físico de-gradado em direção ao espaço próprioda cidade formal não significa reproduziras mesmas tessituras “excludentes” queo geraram? Seria possível, a partir dosinteresses urbanos que se sobrepõem noterritório da favela, a inoculação de pro-posições que remetam para além dasintervenções “higienizadoras” e reprodu-toras da ordem excludente da cidade-formal?

Palavras-chave: favelas; urbanizaçãode favelas; políticas habitacionais.

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João Marcos de Almeida Lopes é Arquiteto, formado pela Faculdade deArquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, Professor da Escola deEngenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo (Eesc-USP), Mestre emTecnologia do Ambiente Construído, Doutor em Filosofia, Fundador e associadoda Usina - Centro de Trabalhos para o Ambiente Habitado.

Magaly Marques Pulhez é Arquiteta, formada pela Faculdade de Arquitetura eUrbanismo da PUC -Campinas, Mestre em Teoria e História da Arquitetura e Urba-nismo pela Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo,Associada da ONG Teia - casa de criação, sediada em São Carlos (SP).

Recebido em setembro de 2008. Aprovado para publicação em março de 2009

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Cadernos IPPUR, Rio de Janeiro, v. 22, n. 2, p. 89-113, ago./dez. 2008.

Marco Aurélio Costa

As teorias e as práticas de planejamentoterritorial ao longo do século XX descre-vem um percurso no qual à hegemoniaabsoluta da racionalidade instrumentalvem se contrapondo a construção deperspectivas críticas, abordagens e novaspráticas de planejamento que procuramvalorizar a razão comunicativa e a supe-ração do domínio positivista. 1

Esse percurso já secular traduz umatrajetória não linear e inconclusa, mar-cada por conflitos entre visões de mundoe perspectivas teóricas distintas, cuja aná-

Da razão instrumental à razãocomunicativa: o percurso doplanejamento na modernidade eas abordagens pós-positivistas

lise crítica encontra-se aberta à explora-ção dos que procuram refletir e produzirconhecimento sobre o planejamentoterritorial e dos que se encontram inse-ridos em suas práticas político-sociais.

A análise crítica do planejamento(abordagens e práticas) ancora-se, deum lado, numa investigação em tornode sua(s) racionalidade(s) e dos projetosa ela(s) associados e, de outro, na aná-lise da produção do espaço e das ten-sões e contradições aí inscritas.

1 Ver discussão mais ampla do autor sobre a questão das práticas de planejamento territorialem Costa, M. (2008).

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modernidade e as abordagens pós-positivistas

A produção do espaço no capitalis-mo, ao apoiar-se em estruturas e subsiste-mas político-institucionais e econômicos,engendra processos e práticas socioespa-ciais que abarcam a dimensão do quoti-diano e da vida privada, tornando difícila percepção das contradições do espaçoe escamoteando as relações sociais deprodução. As contradições entre espaçoabstrato, espaço vivido e espaço perce-bido, identificadas por Lefebvre (2005),têm o mesmo efeito da violência simbó-lica observada por Bourdieu (2003):obscurecer as contradições do espaço-tempo-ser, para o que o Estado contribuienormemente, com o apoio da ciênciamoderna, inclusive no âmbito das práticasde planejamento territorial.

O Estado – ator coletivo formadopor instituições e poderes – possui, porum lado, uma faceta de estrutura políti-co-institucional e administrativa que,conquanto represente/simule os valorespregados pela democracia liberal, traduz-se em procedimentos e mecanismosque tornam a ação governamental sele-tiva – no sentido de Offe (1976, apudCarnoy, 1990) – e favorável à repro-dução ampliada do capitalismo, de suasrelações sociais e de suas práticas socioes-paciais, que, em sua fase atual, implicana mercantilização do espaço e na ex-propriação da natureza.

Por outro lado, contudo, o Estadonão é um todo homogêneo e, nessesentido, não é exatamente um ator indi-vidual, ainda que encarne o poder po-lítico estatal, o “real subject” de Lefebvre(2005). Por não ser esse todo homogê-neo, embora queira constituir-se no es-

paço político absoluto, o Estado é, antes,uma abstração e apresenta, internamen-te, contradições, conflitos e disputas depoder entre classes e frações de classesque, somadas às necessidades de legiti-mação do poder estatal, podem dotaraquelas estruturas de algum grau depermeabilidade.

Em outras palavras, são muitas asformas como o Estado manifesta e exerceo poder, configurando seu locus e seumeio, conformando o espaço políticoabsoluto, mas essa atuação não se dásem conflitos, e o sistema estatal nãopode ser entendido como um sistemafechado, impermeável e plenamentecoeso, ainda que sua lógica, endossadapela ciência moderna, remeta, em últi-ma instância, à racionalidade instrumen-tal orientada para a manutenção dostatus quo.

A partir desses aportes teóricos,como pensar o planejamento territorial?Fruto do casamento do Estado com aciência moderna, o planejamento traduze reflete uma lógica instrumental quetanto contribui para a legitimação dasações governamentais quanto para oreforço de algumas das ilusões que ali-mentam as contradições entre o espaçoabstrato, o espaço percebido e o espaçovivido.

Cabe, então, argüir o papel do pla-nejamento no processo de produção doespaço urbano, na constituição desseespaço abstrato, homogêneo e, em últi-ma instância, mercantil. O planejamento,simplesmente, contribui para a destrui-ção da cidade e para a constituição do

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91Marco Aurélio Costa

urbano através de operações de produ-ção e mercantilização do espaço, valori-zando-o como valor de troca, traduzindoa cidade em unidades de medida quan-tificáveis? Ou o planejamento podeembeber-se numa crítica do urbano econtribuir para a elaboração de contra-planos e contraprojetos de construçãodo que Lefebvre chama de “segundanatureza”, na reconstituição da cidadecomo obra e como valor de uso e nãocomo produto e valor de troca?

Tateando em busca de respostas paraessas questões e aprofundando a refle-xão acerca das práticas político-sociais deplanejamento territorial, este artigo

apresenta, numa primeira seção, o per-curso do planejamento ao longo do sé-culo XX, com destaque para a tipologiaproposta por Allmendinger (2002), re-lativa às abordagens pós-positivistas deplanejamento. Na segunda seção, apre-senta-se uma discussão em torno daparticipação e do planejamento partici-pativo. Ao final, apresenta-se uma refle-xão sobre as abordagens pós-positivistas,entendidas menos como um modeloacabado de planejamento territorial doque como uma construção dinâmica,que deve ser pensada permanentementea partir de eixos analíticos e temáticos quepodem contribuir para o estudo críticodessas abordagens e de suas práticas.

O planejamento nas encruzilhadas da racionalidademoderna

O que podemos chamar de história doplanejamento pode ser entendido comoum percurso ao longo do qual diferentesabordagens procuraram conciliar conhe-cimento e ação/intervenção. Trata-semenos do desenvolvimento histórico deuma teoria ou de teorias de planejamentodo que de uma história de abordagense propostas que, a partir de uma pers-pectiva inicialmente influenciada pelopositivismo, passa a contar com a pre-sença de abordagens “pós-modernas,pós-estruturalistas e pós-positivistas”(Allmendinger, 2002, p. 3), observado osentido que esse autor confere ao termo“pós”, que, menos do que algo que vem

depois, indicaria o sentido de um desen-volvimento e de uma superação. 2

Segundo Allmendinger, sob a influên-cia do paradigma dominante nas ciênciasnaturais, “o planejamento possui umahistória de práticas e concepções relacio-nadas aos filósofos, epistemólogos e teó-ricos associados ao modernismo e aopositivismo” (ibid., p. 4, tradução nossa).

Friedmann, um dos cientistas que pro-curou fazer uma primeira sistematizaçãodas teorias do planejamento, compreendeo planejamento como um projeto do ilu-minismo, cabendo a ele (o planejamento)

2 Para contar, ainda que brevemente, essa história do planejamento, utilizo aqui as contribui-ções de Randolph (1995, 2007a, 2007c), Lindblom (1998), Davidoff (1998), Healey (1998),Fainstein e Fainstein (1998), Friedmann (1973, 1987), Forester (1985a, 1985b, 1989, 1996),Allmendinger (2002), Souza (2002).

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modernidade e as abordagens pós-positivistas

“criar uma sociedade melhor em todosos planos da integração territorial, im-pondo à dinâmica das forças sociais umaordem concebida de racionalidade guia-da por preceitos científicos” (Friedmann,1992, p. 81).

No início do século XX, o planeja-mento era percebido basicamente apartir de sua perspectiva técnico-cientí-fica, como um conjunto de técnicas eprocedimentos de organização aplicáveisem diferentes domínios da realidade.Mesmo o planejamento estatal, carentede maior dimensão sociopolítica, atrela-va-se a uma compreensão da coisa pú-blica como harmônica e decorrente dosinteresses privados, notadamente dosinteresses industriais (id., 1987).

A partir do final dos anos 1920 edurante os anos 1930, especialmente emdecorrência da situação econômica mun-dial e da crise de 1929, o planejamentosofre influências significativas das formu-lações de Keynes (1983) e Mannheim(1942), que enfatizavam, respectivamen-te, o papel do Estado como indutor deprocessos de desenvolvimento e o en-tendimento do planejamento como cons-trução social. Os debates acerca doplanejamento, desde então, passam peladiscussão acerca da ação/intervençãopública na realidade social.

Às influências iniciais de Mannheime Keynes, somaram-se o debate em tornodas posições (liberais) de Popper (1974)e Hayek (1960) e as contribuições daTeoria Geral dos Sistemas, configurandoa base teórico-conceitual da história ini-

cial do planejamento, que se desenvolve,sobretudo, nos países centrais, e aindase faz presente nos dias de hoje.

No período pós-guerra, partindo decríticas à abordagem racional-compreen-siva, diferentes propostas de planejamentoirão se suceder e coexistir, configurando,na maioria dos casos, variações ou aper-feiçoamentos da abordagem racional-compreensiva e, em alguns poucos casos,propostas efetivamente alternativasàquela.

Foi assim que, a partir de uma críticaao planejamento compreensivo, consi-derando as dificuldades práticas e teóri-cas com as quais ele (e planejadores,administradores e burocratas no desem-penho de suas funções) se deparava,Charles Lindblom, no final dos anos1950, propôs o planejamento incremen-tal, o muddling through approach. 3

O planejamento incremental distin-guia-se da abordagem compreensivapor propor técnicas e approaches dife-renciados, mais adequados à complexi-dade da realidade na qual se pretendiaintervir. De certa forma, sem abrir mãode uma base racional-analítica, propu-nha-se a redução do escopo analíticode suporte ao planejamento, passando-se do compreensivo ao incremental,procurando, com isso, conferir maiorrealismo às práticas de planejamento.

A contraposição entre enfoquesmais abrangentes (planejamento com-preensivo) e enfoques mais realistas eobjetivos (planejamento incremental)

3 Ver Lindblom (1998).

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marcou o debate do planejamento nopós-guerra. Visando conciliar essas abor-dagens, Amitai Etzioni, na década de1960, proporia o mixed scanning ap-proach, recuperando uma visão menosfragmentada da realidade, conjugando-acom abordagens focadas em interven-ções específicas que procuravam de-fender os interesses de grupos menosfavorecidos em face de interesses cor-porativos ou estatais (Etzioni, 1967).

A conciliação entre advocacy e plu-ralism proposta por Davidoff (1998), nocontexto de meados dos anos 1960, trazdois elementos que merecem ser desta-cados. De um lado, o próprio autor ex-pressa uma crítica inicial à perspectivatecnicista, ao menos à compreensão doplanejamento como atividade unicamen-te técnica. De outro, e de forma associadaàquela crítica, observa-se, no planeja-mento norte-americano, a influência dastensões políticas e sociais e dos protestossociais (raciais) que marcaram os anos1960.

Apesar de a perspectiva do planeja-mento advocatício conferir aos planeja-dores o papel de intermediários entre osinteresses envolvidos no processo de pla-nejamento, nota-se uma primeira tenta-tiva de pensar o planejamento comoinstrumento do que seria uma democra-cia urbana. Ainda que sob a concessãodo Estado e sob a tutela do planejador-advogado, o planejamento passaria a

contemplar a participação dos cidadãosem seus procedimentos. 4

Na década seguinte, são sistemati-zadas as primeiras propostas de plane-jamento participativo, contemplando oestabelecimento de interações, sem in-termediários, entre os planejadores e apopulação envolvida nos processos deplanejamento (Friedmann, 1973, 1987).Esboça-se, então, o início de uma traje-tória na qual a questão da participaçãopassa a ocupar um lugar importante nasconcepções, abordagens e práticas deplanejamento.

Nesse momento inaugural, as práticasde planejamento participativo ainda es-tavam estritamente ligadas ao protago-nismo estatal, e a participação era maisuma decisão governamental, ainda quebaseada em argumentos democráticos,do que a resultante de uma dinâmicasocial baseada numa reflexão crítica dascontradições da sociedade moderna. 5

A partir daquele momento, que,grosso modo, podemos localizar entreos anos 1960 e 1970, observa-se noplanejamento a co-presença de abor-dagens e práticas racional-instrumentaisde base positivista e abordagens queprocuram constituir-se em alternativas.

É assim que, sob a influência do neo-liberalismo, abordagens que Souza (2002)chama de mercadófilas ganharam popu-

4 Ver Davidoff (1998, p. 307).5 Como se verá adiante, esse protagonismo estatal não se encontra superado – se é possível

sê-lo –, sendo essa uma das questões que devem ser criticamente cotejadas na análise daspráticas de planejamento territorial.

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modernidade e as abordagens pós-positivistas

laridade, conjugando técnicas e con-ceitos do planejamento empresarial eestratégico. 6 Nesse mesmo contexto,Souza registra a ocorrência, sobretudo noplanejamento urbano, do chamado newurbanism, que, segundo o autor, repre-sentaria

um esforço de compatibilização dodesenvolvimento urbano, em seusentido capitalista, com certos valo-res “comunitários” e com uma certa“escala humana”; enfim, quase umaespécie de síntese entre a tradiçãoantimodernista tão bem simbolizadapor Jane Jacobs (ver Jacobs, 2001)e o pragmatismo mercadófilo, a issotudo acrescentando-se a estética pós-moderna. (Souza, 2002, p. 144)

Ao mesmo tempo, no seio do quese pode denominar teoria social crítica,a partir das reflexões inauguradas nosanos 1960, que procuraram fazer avan-çar o pensamento crítico ao valorizarema questão cultural e a dimensão da vidaquotidiana (e do espaço vivido), obser-va-se, desde a década de 1970, e espe-cialmente a partir dos anos 1980, odesenvolvimento de diversas contribui-ções voltadas para o que poderíamoschamar de abordagens alternativas deplanejamento, podendo-se citar as deForester (1996), Healey (1998), Fainsteine Fainstein (1998) e Allmendinger (2002).

Considerando a diversidade de pro-postas de planejamento que passarama coexistir nos últimos anos, Allmendinger(2002) propõe uma tipologia em que,

a partir dos anos 1980, teorias e práticasde planejamento se dividiriam, de umlado, em abordagens pós-positivistas,compreendendo as que procuram su-perar a perspectiva positivista aplicadaao planejamento, e, de outro, em abor-dagens neoliberais, articuladas muitasvezes a propostas que enfatizam inter-venções físico-territoriais, focadas emprojetos específicos, e ainda em abor-dagens ligadas às discussões em tornoda economia política.

Atendo-nos mais especificamente aoplanejamento territorial, haveria, de umlado, concepções, abordagens e práticasque valorizam o princípio de mercado,enfatizando muitas vezes intervençõesfísico-territoriais, e, de outro, abordagensque procuram superar o planejamentoracionalista-positivista, que interessammais de perto a este artigo.

Em relação ao que denomina de pla-nejamento pós-positivista, Allmendinger(2002) identifica três abordagens queprocuram estruturar-se a partir de diferen-tes perspectivas críticas ao planejamentoracionalista-positivista: o planejamentopós-moderno, o neopragmatismo e oplanejamento colaborativo ou comuni-cativo.

O planejamento pós-moderno com-preende autores como Beauregard(1989, 1993, 1996), Boyer (1983), San-dercock (1998) e Soja (1993) e se divideentre trabalhos voltados, de um lado,para a crítica das práticas de planejamen-to inspiradas na tradição racionalista e,

6 A respeito dessas abordagens, ver as propostas de Matus (1997), Güell (2000), Lopes(1998).

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de outro, para propostas prescritivas deplanejamento pós-moderno, como a deSandercock, que enfatizam o que o autorchama de eclectic approach, envolvendo“mobilizações, protestos, greves, atos dedesobediência civil, organização comu-nitária, pesquisa e advocacia profissionale publicidade, assim como a elaboraçãode propostas de projetos de lei e denovos programas de intervenção social”(Sandercock, 1998, p. 200, traduçãonossa).

O neopragmatismo, por seu turno,compreende propostas como as deHoch (1994) e fundamenta-se na críticaàs concepções abstratas de planejamen-to, propondo, dessa forma, uma aborda-gem que procura valorizar a experiênciaconcreta, a busca de soluções práticaspara problemas concretos, a partir deuma perspectiva que considera que acompetição pluralística de idéias, emconformidade com metodologias expe-rimentais, possibilita melhores soluçõespara os problemas e conflitos, compar-tilhando da perspectiva comunicativaquando postula que os conflitos podemser superados por meio de uma açãocomunicativa.

Como salienta Allmendinger, o pró-prio Hoch assume, contudo, uma pos-tura crítica em relação ao pragmatismo,que não levaria em conta a questão dopoder. Nesse sentido, Hoch estaria maispróximo do pragmatismo crítico de Fo-rester, que sublinha “a necessidade deuma vasta gama de estilos de planeja-mento e de posturas de negociação,enfatizando a comunicação e a colabo-

ração como alicerces do planejamento”(Allmendinger, 2002, p. 15, traduçãonossa).

Allmendinger observa ainda quepesam sobre as abordagens neoprag-máticas as críticas decorrentes dos laçosexistentes entre o pragmatismo e a de-mocracia liberal, o que de certa formaassocia-se com as limitações que pers-pectivas desse tipo podem ter em rela-ção a questões atinentes ao poder, àpolítica e a uma crítica mais radical daorganização social e política no capita-lismo.

Finalmente, em sua interpretação datrajetória recente do planejamento con-temporâneo (sobretudo anglo-saxão),Allmendinger afirma que a escola deplanejamento mais significativa desde osanos 1980 é o planejamento comuni-cativo, também conhecido como argu-mentativo, colaborativo ou deliberativo,que se inspira na obra de Jürgen Haber-mas e em sua crítica à lógica instrumen-tal. Tal abordagem procura superar oplanejamento de base racionalista-empi-rista, através de approaches que valori-zam aspectos relacionados à interaçãodos atores sociais e ao desenvolvimentode processos baseados no agir comuni-cativo. 7

O planejamento comunicativo diferedo planejamento participativo propostonos anos 1970/80 por valorizar umaperspectiva que leva em conta a cons-trução coletiva de significados (e proje-tos) a partir de comunidades discursivas,conferindo atenção às armadilhas do

7 Ver, a respeito, as contribuições teóricas de Habermas (1987, 1997a, 1997b, 2003a, 2003b).

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discurso técnico, às relações de poderexistentes nessas práticas e à possibili-dade de construção de um processo deplanejamento em bases críticas e refle-xivas.

Forester (1996) e Healey (1998) fo-ram dois dos autores que, nos anos1990, desenvolveram propostas baseadasnas formulações de Habermas. Healey(1998, p. 247-249), em especial, siste-matizou a abordagem do planejamentocomunicativo, apresentando em um deseus artigos as proposições que confor-mariam um novo padrão de planeja-mento, o intercommunicative planning,desenvolvido a partir de contribuições deHabermas, Foucault, Bourdieu e de es-tudos etnográficos de práticas de plane-jamento.

Segundo essa abordagem, o plane-jamento constitui um processo interati-vo e interpretativo, no qual técnicasanalíticas formais consistem, antes detudo, num discurso. O planejamento éentendido como um processo no qualsão obtidos avanços na compreensãomútua, ainda que se reconheça que oentendimento absoluto vis-à-vis às po-sições conflitantes dos atores sociais con-siste em algo inatingível. 8

Healey (1998) considera que o pro-cesso de planejamento remete à cons-trução de arenas (ou fóruns), nos quais

programas e projetos de ação serão cons-truídos e os conflitos serão identificados,discutidos e mediados, conferindo refle-xividade ao processo de tomada de de-cisões e ao próprio planejamento, parao que colabora a utilização dos critérioshabermasianos de compreensibilidade,integridade, legitimidade e verdade. Oplanejamento encerra, assim, uma cons-trução comunicativa de um discurso ede propostas, configurando um processomútuo de aprendizagem, ancorado emtentativas de compreensão recíproca.

Valorizando as dimensões comuni-cativas e pedagógicas do processo deplanejamento, a abordagem comunica-tiva tenta levar para outro patamar odebate em torno das diversas modali-dades de planejamento, retirando odebate do foco analítico-racional no qualse encontrava e procurando evitar asarmadilhas das abordagens inauguraisdo planejamento participativo, sobretu-do na perspectiva das críticas contidasna análise de Offe (1984). 9

A partir dessas formulações teóricas, oplanejamento comunicativo compreende-ria, segundo Allmendinger (2002, p. 16),três categorias associadas à forma comoas interpretações do pensamento deHabermas são traduzidas em propostasde planejamento: (1) as propostas deplanejamento baseadas em interpreta-ções micropolíticas que combinam as

8 Ver Costa, M. (1995).9 Em vista do desenvolvimento das práticas governamentais baseadas na abordagem

participativa, construídas, em muitos casos, como resposta às pressões sociais e políticas e àemergência de novas interpretações relativas à realidade social, Offe (1984) chama a atençãopara as estratégias de legitimação da ação pública que se escondem nas práticas ditasparticipativas.

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formulações habermasianas de discursoideal com as preocupações pós-estrutu-ralistas com a linguagem; (2) os estudosetnográficos que procuram estabelecercomparações entre o discurso ideal e aspráticas efetivas; e (3) as abordagens maisprescritivas que objetivam aplicar a racio-nalidade comunicativa como base parao planejamento colaborativo ou delibe-rativo.

Apesar da riqueza teórica do plane-jamento comunicativo, Allmendinger(2002, p. 17, tradução nossa) observaque

tentar situar localmente (pin-down)os problemas e interpretar o plane-jamento comunicativo como umabase prática para o exercício do pla-nejamento não é uma tarefa sim-ples, o que é dificultado pela faltade clareza na compreensão da rela-ção entre racionalidade comunica-tiva e racionalidade instrumental.

A posição de Allmendinger encon-tra eco nas formulações de Habermas(2003a, 2003b), na medida em que esse

autor não propõe uma mera substitui-ção da razão instrumental pela razãocomunicativa, mas a embebe na feno-menologia, na teoria da ação e na teoriada argumentação, mantendo o que seriaum núcleo de positivismo.

As propostas do planejamento cola-borativo e comunicativo constituem umcontraponto ao planejamento baseadona razão instrumental e, no sentido pro-posto pela tipologia de Allmendinger,procuram superar o racionalismo posi-tivista, por meio da combinação de atri-butos da racionalidade instrumental coma razão comunicativa, sobretudo daparticipação e do desenvolvimento dascomunidades discursivas.

Até que ponto o planejamento co-municativo e sua perspectiva participati-va conseguiram conformar uma propostade planejamento que signifique uma su-peração do planejamento racional-com-preensivo de base positivista-empirista?Que balanço pode ser feito dessas abor-dagens de planejamento, especialmenteno que diz respeito à participação sociale comunitária?

Planejamento democrático e participação: aconstrução de uma abordagem a partir de um conceitohíbrido

Um aparente consenso em torno dacentralidade da participação social e daimportância da constituição da esferapública democrática e participativa vemse desenhando nas últimas décadas. Tão

aparentes quanto díspares são os usose as intenções por trás desse conceitohíbrido, a participação. Como salientamHoutzager, Gurza Lavalle e Acharya(2004, p. 258),

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modernidade e as abordagens pós-positivistas

uma vasta gama de pesquisadores,formuladores de políticas públicas elíderes políticos acredita que a parti-cipação direta na elaboração de po-líticas públicas pode ajudar tanto ademocratizar e racionalizar o Estado,como a dar voz política aos grupospoliticamente marginalizados.

Mas, afinal, o que é participar? Quaismotivações e racionalidades se inscre-vem nessas práticas sociais? Tais práticaspretendem, de fato, favorecer a cons-trução coletiva de um projeto de socie-dade? Pretendem, ao menos, favoreceralguma proposta de reforma social? Ousão mero formalismo, já que ancoradasem um discurso que conquista adesãona esfera pública? De qual participaçãofalamos? Podemos mesmo falar de par-ticipação e de horizontalidade em umcontexto de tantas e tão profundas de-sigualdades? Como tais questões quali-ficam as possibilidades do planejamentoparticipativo/comunicativo? 10

Avritzer (2004, 2007) fala em par-ticipação social, entendendo aí a pers-pectiva habermasiana de sociedade civilem suas relações com o Estado. Umadas questões importantes nesse debatediz respeito à separação entre Estado e

sociedade civil, entre subsistemas econô-mico e estatal e mundo da vida, entreracionalidade instrumental e comunicati-va. Gurza Lavalle (2003) critica a adoçãodesses pares antitéticos que conduzema um entendimento redutor da realidadesocial, levando a uma espécie de reifica-ção da sociedade civil, que seria portadorade atributos positivos em contraposiçãoà corrupção dos valores que reinaria noEstado. 11

Gaventa (2006) também faz críticasà separação entre sociedade política esociedade civil, chamando a atençãopara as inúmeras interações existentesentre essas duas esferas nestes temposem que arranjos institucionais que pro-curam favorecer a governança estãosendo experimentados em vários países,quando se torna essencial compreenderaté que ponto a participação tem impli-cado em mudanças na distribuição depoder.

Além da crítica que focaliza a inte-ração existente entre as esferas privadae pública da sociedade e os problemasteóricos que decorrem da adoção deuma separação rígida entre Estado esociedade civil, entre subsistemas econô-mico e estatal e mundo da vida, autores

10 Souza (2002) toma uma posição abertamente crítica em relação à abordagem comunicativa,observando que, ao não considerar o contexto de desigualdades socioespaciais existentes eao não se posicionar em favor de políticas que procurem o alcance de maior justiça socialcomo prioridade, essa abordagem presta um desserviço, apesar do mérito que tem de trazero pensamento de Habermas, ainda que com certas deformações, para a arena do planeja-mento urbano.

11 É a partir dessas observações críticas que alguns autores postulam a adoção de uma perspec-tiva teórica alternativa, centrada na polis e não na sociedade civil, propondo a identificaçãoe a caracterização dos atores sociais que participam de processos de planejamento e gestãoe procedendo, em seguida, à análise histórica e comparativa dos processos concretos departicipação, em que se observaria as contingências da participação social.

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como Sérgio Costa (2002, p. 51) obser-vam que “[...] o projeto de sociedadecivil subestimou claramente a habilidadeadaptativa das elites políticas, sobreva-lorizando, em contrapartida, o potencialpolítico das associações voluntárias”.

Estabelecendo um diálogo comDagnino (2002b), Costa, S. (2002) alertapara o uso instrumental da valorizaçãoda sociedade civil e da participação socialno planejamento e na gestão públicapelos que defendem e estão à frente daspolíticas de ajuste fiscal.

No mesmo sentido, Souza (2002)observa, com propriedade, que os riscosde instrumentalização conservadora daspráticas de planejamento comunicativosão reais, tanto quanto aqueles relativosà legitimação do capitalismo (e de suaperspectiva de desenvolvimento urbano),numa crítica que se alinha com a formu-lada por Offe (1984) em relação à par-ticipação.

Independentemente do uso instru-mental da participação, Costa concordacom Gurza Lavalle (2003, p. 52), quan-do este considera “[...] inconsistente oesforço desenvolvido pelos ‘apologistas’da sociedade civil de desprezar a ação‘egoísta-instrumental’ e simultaneamenteenfatizar, seguindo o republicanismo, oengajamento social e político altruísta eprazenteiro”.

Gaventa (2006, p. 16-17) faz umasíntese das principais críticas que vêmsendo feitas, nos últimos anos, ao quechama de governança participativa, des-tacando (1) a possibilidade de a partici-

pação ser capturada pelas elites, confi-gurando o que seria uma “nova tirania”;(2) a visão ingênua em relação ao poderde alguns atores sociais, a qual se ex-pressa nas fracassadas tentativas de lidarcom o poder político-partidário e de cons-truir efetivos canais de interlocução, faci-litando a cooptação desses atores; (3) anecessidade de saber realmente quemparticipa desses novos espaços demo-cráticos, assim como de investigar oquão mais inclusivos eles são se compa-rados com as formas representativas.

Tais críticas fornecem um conjuntorelevante de orientações teóricas para aavaliação de práticas político-sociais deplanejamento e gestão territorial, deven-do ser incorporadas em análises que pro-curem aferir avanços no campo da açãosocial.

Além de assumi-las, cabe estabelecerpontes e interlocuções entre os conceitose as teorias, as práticas e experiências(que, em tese, atualizam esses conceitose teorias). Numa perspectiva que procuraaveriguar as possibilidades da democra-cia deliberativa,

[...] o foco da política se deslocapara o processo argumentativo deformação da opinião e da vontadeque deve orientar as decisões políti-cas. A institucionalização da políticadeliberativa requer, precisamente, aampliação da esfera pública, atravésda criação de arenas políticas paraas exposições de motivos e confron-to de argumentos [...]. (Costa, S.,2002, p. 188)

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modernidade e as abordagens pós-positivistas

Nesse sentido, reconhecem-se os li-mites da democracia representativa evislumbra-se, no âmbito da esfera pú-blica ampliada, formada por agentesestatais e não-estatais, a possibilidade deampliação da experiência democrática.

Robert Putnam (2002), num estudoque já se tornou clássico entre os estudio-sos da questão da participação, oferece–a partir da avaliação da experiência italia-na, na qual identifica a correlação entredesenvolvimento e capital social ao con-trapor o desempenho das agências dedesenvolvimento regional do sul e donorte da Itália – conceitos, formulaçõesteóricas e sugestões de encaminhamentometodológico que influenciaram demodo significativo a produção acadêmica.

Mesmo não tendo respondido àquestão do que fazer para “produzir ci-vilidade”, as conclusões de Putnam cha-maram a atenção para a importância daconstituição de comunidades cívicas. Oautor demonstra a possibilidade do es-tabelecimento de ações cooperativasentre os cidadãos, para além de umcomportamento baseado simplesmentena racionalidade instrumental.

[N]a comunidade cívica os cidadãosprocedem corretamente uns com osoutros e esperam receber em trocao mesmo tratamento. Esperam queseu governo siga padrões elevadose obedecem de bom grado às regrasque impuseram a si mesmos. [...]Numa comunidade menos cívica, aocontrário, há maior insegurança, oscidadãos são mais desconfiados, eas leis, concebidas pelos maiorais,

são feitas para ser desobedecidas.(Putnam, 2002, p. 124)

Segundo Putnam, “a cooperaçãovoluntária é mais fácil numa comunidadeque tenha herdado um bom estoquede capital social sob a forma de regrasde reciprocidade e sistemas de partici-pação cívica” (ibid., p. 177). Para ele,os dilemas da ação coletiva são maisbem resolvidos em sociedades que pos-suam sistemas de intercâmbio social. Taissistemas facilitariam a gestão pública efavoreceriam a eficiência, a eficácia e aefetividade das políticas públicas.

Ainda que não trabalhe com os con-ceitos de Habermas, Putnam reconhe-ce a importância da comunicação e dasinterações interpessoais e considera quesistemas de intercâmbio e comunicaçãorefletem o capital social e favorecem aparticipação.

Toda sociedade [...] se caracteriza porsistemas de intercâmbio e comuni-cação interpessoais, tanto formaisquanto informais. Alguns desses sis-temas são basicamente “horizon-tais”, congregando agentes que têmo mesmo status e o mesmo poder.Outros são basicamente “verticais”,juntando agentes desiguais em re-lações assimétricas de hierarquia edependência. [...] Os sistemas departicipação cívica [...] representamuma intensa interação horizontal [e]são uma forma essencial de capitalsocial. (Ibid., p. 182-183)

A noção de capital social (criticávelpor reduzir um conjunto de valores e

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riquezas socioculturais à dimensão eco-nômica e mensurável do termo capital)e a valorização das dimensões comunica-tivas do mundo da vida estão presentesno debate atual em torno da participa-ção social no desenho e na implemen-tação de políticas públicas. Emergem daínoções que salientam o protagonismodos atores sociais, a importância de seuempowerment e a constituição das redessociais.

Kliksberg e Tomassini, por exemplo,salientam que “através da interação comos demais agentes, somos nós que cons-truímos nossa sociedade e nossa vida”.

A realidade da vida quotidiana é ado mundo intersubjetivo. Estamosdistantes da auto-suficiência queconstituiu a tentação do homemmoderno. Abre-se, assim, a possibi-lidade de uma cultura da alteridadee do associativismo […]. A concep-ção do homem como um projetoque se constrói permanentementeatravés de seu vínculo com o mun-do, com o qual se relaciona, atribuin-do sentidos cunhados mediante ainteração comunicativa, faz quecada trajetória existencial dependade sua comunicação com outras tra-jetórias que se entrelaçam devido àsua condição de ser-no-mundo, dese constituir a partir dessa interaçãoe de se expressar por meio da açãocoletiva. (Kliksberg e Tomassini,2000, p. 79-80, tradução nossa)

Têm-se, portanto, a valorização dossujeitos e a construção da ação coletivaa partir dessas perspectivas mais atreladas

à vida quotidiana, das interações comu-nicativas, no que configuraria “[…] umarebelião do sujeito contra a progressivahegemonia da razão sobre a vida” (ibid.,p. 80, tradução nossa).

A incorporação dos cidadãos, sejaindividualmente seja por meio dos mo-vimentos sociais ou das Organizações daSociedade Civil (OSC), nos processosde planejamento e gestão de políticaspúblicas, reflete uma conquista dos pró-prios movimentos sociais, notadamentea partir dos anos 1960, quando se am-plia a temática em torno da qual semobilizam os novos movimentos sociais,indo além dos conflitos de classe cen-trados na oposição capital-trabalho,como salienta Gohn (2004).

Esses movimentos refletem, tam-bém, a crise da modernidade, entendidanão como uma negação de suas con-quistas cidadãs, mas como a crise de ummodelo societal assentado na valoriza-ção de uma perspectiva racionalista fun-cionalista que não logrou estender asconquistas da modernidade a toda socie-dade, gerando uma crise que demandauma nova configuração dos princípiosde regulação das relações sociais (San-tos, 2002).

O desafio envolvido na questão daparticipação remete ao que Fung (2004)chama de reconexão entre Estado esociedade: trata-se de buscar canais demediação, de resolução de conflitos ede “harmonização de interesses” a partirdos fóruns e dos encontros de media-ção que têm lugar na esfera públicaampliada.

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modernidade e as abordagens pós-positivistas

Contudo, alguns problemas vêm sen-do identificados à medida que as experiên-cias baseadas nessas propostas estão sendomonitoradas e avaliadas, especialmenteem países em desenvolvimento, onde aspeculiaridades culturais e institucionais eos desafios específicos impostos pela glo-balização hegemônica fizeram floresceras chamadas inovações democráticas.

Embora não tenhamos a pretensãode esgotar o arrolamento de todos osproblemas relativos à participação, es-pecialmente nas práticas político-sociaisde planejamento territorial, cabe aquiapontar alguns desses problemas, pro-curando contribuir para o debate con-temporâneo em torno do planejamentoparticipativo/comunicativo.

Um primeiro problema observadopelos autores que participam do debateem torno da democracia participativa dizrespeito à caracterização e diferenciaçãodos atores sociais. Quem são esses atoressociais? São cidadãos isolados ou sãorepresentantes de movimentos sociaisou de OSC? Quem (e quais interesses)esses atores representam?

Algumas formulações teóricas iniciaissobre a participação lidaram com os ato-res sociais de forma muito genérica eampla, sem a preocupação de identificare investigar seu perfil. Saber se corres-pondem a indivíduos ou se representamcoletivos é uma questão importante quesó aparece no debate recentemente.

Na última década, o processo deinstitucionalização de alguns movimen-

tos sociais e a constituição de um amploconjunto de OSC, sobretudo de Orga-nizações Não-Governamentais (ONGs),produziram mudanças no perfil dessasentidades e na própria composição dosfóruns e canais de participação (Dagnino,2002a, 2002b).

Associada à questão da heterogenei-dade da sociedade civil, os recursos e acapacidade participativa desses atorestambém aparecem como uma questãoa ser resolvida nas práticas político-sociais.De um lado, teme-se que diferenças sereproduzam nas práticas. Atores quedispõem de mais e melhores recursossocioeconômicos e culturais tenderiama possuir melhores recursos comunica-cionais e a inibir a participação de atoressociais menos favorecidos. Dessa forma,nos espaços públicos se assistiria à re-produção daquelas desigualdades, ge-rando experiências em que o poder seriaexercido por pessoas e grupos privilegia-dos ou mais favorecidos. 12

Ainda segundo Houtzager, GurzaLavalle e Acharya (2004, p. 259), “[...]fazem-se poucas distinções analíticasentre atores da sociedade civil e, por fim,dá-se pouca atenção aos fatores queconfiguram a diferente capacidade dosatores para a ação”.

A sociedade civil apresenta caracte-rísticas heterogêneas, abrigando atoresindividuais e coletivos, institucionalizadosou não, que possuem origens e filiaçõessociais e políticas distintas, as quais podemnão apenas influenciar sua participação(e os interesses que defendem) como

12 Ver, a respeito, Fung (2004, p. 29).

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refletir diferente capacidade de partici-pação, de influência e de ação nos es-paços públicos e na esfera pública.

A associação de descentralizaçãocom participação emerge como um pro-blema associado. Se a descentralizaçãoapresenta o paradoxo de que a boa des-centralização repousa na existência deuma eficiente centralização, capaz de pro-duzir uma adequada cooperação intergo-vernamental, a participação, sobretudoquando se processa em escalas menorese de forma dispersa, exigiria algum tipo demonitoramento e controle, inclusive ex-terno, seja para evitar os riscos de capturae domínio de grupos e atores em melhorposição para participar, seja para evitarque as diferentes condições locais gerempolíticas públicas cujos resultados reprodu-zam as condições sociais, reforçando-as.

Especificamente em relação aos di-ferentes resultados obtidos por gruposque partem de uma situação desigual,Fung (2004) salienta que a descentrali-zação pode contribuir para aumentar ogap entre grupos, uma vez que os privi-legiados e mais preparados podemaproveitar melhor as oportunidades ofe-recidas por essas políticas.

Agregam-se a essa questão as relati-vas à representatividade política dos ato-res, especialmente quando se observa atendência de institucionalização dos es-paços públicos em que ocorrem os pro-cessos participativos e a questão da culturapolítica, já levantada por Putnam (2002),quando destaca a importância da confi-guração das comunidades cívicas para aqualidade daqueles processos.

Em relação à questão da represen-tatividade, autores como Gaventa(2006) e Gurza Lavalle, Houtzager eCastello (2006) apontam para o riscode descolamento da representação nosprocessos participativos, quando essesocorrem fora da sociedade política, pormeio de mecanismos ainda não “nor-matizados”.

O fato de organizações civis assumi-rem novos papéis e atribuições na gestãopública traria, segundo Gurza Lavalle,Houtzager e Castello (2006), dilemaspara a questão da representatividade,vis-à-vis ao papel desempenhado pelospartidos políticos e também pelos sindi-catos, inclusive porque tais entidades nãosão constituídas a partir de mecanismoseleitorais ou segundo a lógica de afilia-ção. Daí se observa, inclusive pela faltade reflexão sobre a representatividade detais organizações, é a construção, aindaque parcial, de diversas noções de re-presentação na sociedade civil, mais oumenos compatíveis com uma perspec-tiva democrática.

Aos problemas da representativida-de e aos riscos de constituição de repre-sentações parciais ou pouco legítimas,acrescentam-se os riscos derivados dainstitucionalização das deformidades re-presentativas que podem ser criadas naspráticas participativas.

Para Costa, o que se percebe nocaso das organizações sociais é que, naesfera pública, a legitimidade dessasentidades como portadoras de interessesgeneralizáveis é pressuposta, não sendopublicamente construída, “ela está su-

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104Da razão instrumental à razão comunicativa: o percurso do planejamento na

modernidade e as abordagens pós-positivistas

posta pré-politicamente como um atri-buto ontológico das organizações volun-tárias” (Costa, S., 2002, p. 33), de modoque a esfera pública não-estatal nãoconstitui uma órbita de legitimação, masuma esfera de transmissão de pleitossupostamente justos. Costa salienta,ademais, que

[...] a circunscrição da democratiza-ção da esfera pública ao seu âmbitoinstitucional pode apresentar conse-qüências políticas e analíticas danosas.Politicamente, ela pode representara indução ao surgimento de atoresque, apesar de serem formalmentedelegados da sociedade civil, apre-sentam-se desvinculados dos anseiose expectativas políticas da população.Reproduzirão assim, nas arenas ins-titucionais, sua lógica sistêmica, divul-gando demandas constituídas noâmbito estrito da própria organiza-ção. (Ibid., p. 98)

O risco, segundo Costa, é que essaesfera se transforme em uma esferapública paraestatal vulnerável à instru-mentalização pelo Estado – estatizaçãoda ação coletiva.

Gurza Lavalle, Houtzager e Castello(2006), ao analisarem experiênciasparticipativas em São Paulo, chamama atenção para os vínculos existentesentre os atores da sociedade civil e osrepresentantes da sociedade política. Apartir da constatação empírica dessesvínculos, os autores salientam a impor-tância de que seja investigada a represen-tação política exercida por organizaçõescivis.

Avaliando a propensão a participardos diferentes atores da sociedade civil,Houtzager, Gurza Lavalle e Acharya(2004, p. 260-261) argumentam que

[...] como a capacidade de partici-par está condicionada pela históriada construção dos atores, pelas suasrelações com outros atores e peloâmbito das instituições políticas noqual essas relações são negociadas[...]. [Conclui-se que] [...] as orga-nizações civis com fortes vínculoscom atores políticos são as mais pro-pensas a participar, [pois] [...] ascapacidades de ação das organiza-ções civis e do Estado são produtode uma história interativa e contin-gente de mútua constituição.

Os riscos associados às questões darepresentação e da relação entre atoressociais e sociedade política são amplia-dos pelo processo de institucionalizaçãodos movimentos sociais, visível no au-mento do número de OSC e de ONGs.A institucionalização da participação so-cial pode contribuir para reforçar a ins-titucionalização das representações dasociedade civil, o que pode gerar umacristalização da participação social, que,de certa forma, reflete a vida cíclica dosmovimentos sociais, dotados de caráter“revolucionário” apenas em contextossócio-históricos específicos.

Costa, S. (2002) assinala o carátercíclico dos movimentos sociais e a repro-dução de modelos hierárquicos e buro-cratizados de organização nos períodosem que os movimentos não se encon-tram numa fase de busca por padrões

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105Marco Aurélio Costa

alternativos de organização. Essa obser-vação de vestígios de uma cultura políticaautoritária nas OSC, somada à de Eveli-na Dagnino (2002b), deve servir comoum alerta para as investigações que sedebruçam sobre as práticas político-so-ciais de planejamento territorial. Semquerer desmerecer a força demonstradanos períodos em que os movimentossociais trazem algo de subversivo em rela-ção à realidade cultural, política e social,convém observar como, ao longo dotempo, tais processos tendem a apresen-tar refluxos importantes, que se manifes-tam de forma vigorosa quando acontecea sua institucionalização – algo inevitável,já que as práticas devem estender-se atodos os subsistemas da sociedade.

Como já apontava Putnam (2002),a formação da cultura política é um pro-cesso histórico e social lento. Talvez pos-samos supor que, ao longo do tempo,esse processo se manifesta por meio deondas que, a longo prazo, indicariam atendência à constituição de sociedadescada vez mais democráticas.

Outra questão importante na avalia-ção das práticas participativas de plane-jamento e gestão pública decorre deuma espécie de aprofundamento dasobservações de Gurza Lavalle, Houtzagere Castello (2006) e de Houtzager, GurzaLavalle e Acharya (2004) sobre as rela-ções entre sociedade civil e sociedadepolítica. Trata-se do peso que o Estadoe as elites políticas vêm exercendo na

animação e na condução de experiên-cias participativas.

A forma como o Estado tem anima-do e dominado as experiências partici-pativas suscita alguns questionamentos.De um lado, ao institucionalizar tais ex-periências, o Estado acaba assumindoo papel de “coordenador” dos proces-sos, podendo controlar a participação,definindo as suas regras e amplitude e,ainda, a dinâmica do processo e mesmoa agenda dos debates.

De outro lado, ao se observar o perfildos participantes, constata-se uma mas-siva presença de atores que representama sociedade política e as instituições go-vernamentais. Em alguns processos, apresença de cidadãos que possuem al-gum tipo de vínculo ou relação com asinstituições governamentais é majoritá-ria. Isso reforça aquelas observações crí-ticas acerca da rígida separação entreEstado e sociedade civil, uma vez quealguns atores sociais são também repre-sentantes da sociedade política ou man-têm com ela relações estreitas quedenotam a dificuldade de estabelecerdistinções rígidas entre os diversos atorese, ao mesmo tempo, a importância defazer tal distinção.

O que nos ensinam esses aponta-mentos críticos em relação à participaçãosocial nas políticas públicas e nos pro-cessos de planejamento e gestão com-partilhada de funções públicas?

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modernidade e as abordagens pós-positivistas

Planejamento participativo/comunicativo: a superaçãocomo processo

As abordagens que buscam superar oplanejamento racional positivista estãoem processo de construção. Seu amadu-recimento e efetiva superação das dificul-dades, limitações e desafios presentes nasabordagens positivistas não dependemdo desejo de teóricos ou atores sociais.Trata-se de um processo cuja maturaçãoguarda alguma correlação com o pro-cesso de desenvolvimento social e comatributos associados à sua qualidade –vide, nesse sentido, as contribuições dePutnam e a noção de capital social.

Souza (2002) oferece uma breve sín-tese do que considera ser uma fraquezada abordagem comunicativa, a saber, ofato de certos conflitos de interesses nãoserem superados pura e totalmente pelarazão e pelo agir comunicativo. Para esseautor, deve-se ter em mente que Haber-mas já havia observado que a construçãode consensos só pode ser obtida com alivre participação de todos os envolvidos;“a não ser que todos os envolvidos pos-sam aceitar livremente as conseqüênciase os efeitos colaterais que a observânciageral de uma norma controvertida deveacarretar para a satisfação do interesse decada indivíduo” (Habermas, 1990, p. 93).

A existência de comunidades discur-sivas distintas, de visões de mundo einteresses conflitantes, e as diferenças derecursos dos atores sociais, inclusive co-municacionais, condicionam as práticasde planejamento territorial e suas abor-dagens.

Embora se reconheçam tais condicio-nantes, as abordagens reconhecidas porAllmendinger (2002) como pós-positivis-tas, especialmente o planejamento comu-nicativo, têm o mérito – ainda que oEstado permaneça ocupando uma posi-ção central no que diz respeito ao plane-jamento territorial, muitas vezes como“animador” das práticas de planejamen-to – de se contraporem às práticas estri-tamente técnico-políticas e científicas deplanejamento, incorporando, de um lado,a dimensão política e, de outro, a pers-pectiva de reconhecimento da diferença,ingredientes básicos para a construçãodos contraplanos e contraprojetos pro-postos por Lefebvre (2005), uma vezque se aceita a existência de lógicas, mo-tivações e desejos diversos na sociedade.

Além disso, em contraposição àspráticas positivistas, as práticas político-sociais de planejamento trazem a pers-pectiva potencialmente transformadorada participação social nos processos deci-sórios – aquela participação que Lefebvre(2002) dizia nunca ter existido.

Já vimos na seção anterior que aquestão da participação não é simplesou acionável a partir de algum disposi-tivo automático ou, como pretendemalguns, institucionais. Não é simples-mente questão de norma, embora aexistência da norma abra brechas pelasquais se pode avançar e construir práticasefetivamente democráticas.

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107Marco Aurélio Costa

As práticas político-sociais no atualcontexto já não ocorrem exclusivamenteno âmbito do sistema jurídico-adminis-trativo, ocupado pelo Estado e pelasgrandes corporações econômicas. Dessemodo, o que pode haver de novo nessaspráticas é o fato de não serem do domí-nio exclusivo do sistema econômico-ad-ministrativo, embora sejam, na maioriados casos, promovidas pelo Estado, emsuas diferentes esferas, e se traduzam,também em sua maioria, em algumaparato jurídico-institucional.

Se adotamos a proposta por Haber-mas (2003a, 2003b), que apresenta, emum pólo, o sistema econômico-adminis-trativo, ocupado pelo Estado e por seusistema jurídico-administrativo e pelascorporações econômicas, e, no outropólo, o mundo da vida, em que estãoas pessoas na experiência quotidiana,podemos vislumbrar as práticas político-sociais de planejamento territorial comoinscritas numa instância mediadora, emque se encontram agentes públicos eatores políticos e sociais e na qual seconstrói a agenda política resultantedesse encontro, gerando normas e regrasa serem obedecidas e cumpridas portoda a sociedade.

Ainda que permaneçam dúvidas emrelação ao eventual deslocamento doplanejamento da esfera estatal para aesfera pública, em que Estado e atoressociais não-governamentais interagiriamna elaboração e na implementação deplanos e projetos para lugares e regiões,e conquanto se questionem aspectos doprocesso de (re)construção do Estado(Santos, 2006) e a possibilidade de uma

nova configuração da ação pública, asexperiências concretas de planejamentoparticipativo, mesmo que localizadas,sugerem a existência de potenciais bre-chas para a ação coletiva na construçãoe implementação de projetos alternativos.

Por estarem inseridas num conjuntoexpressivo de tensões e contradiçõessociais, expressas tanto nos desencaixesobservados por Lefebvre (entre espaçoabstrato, espaço vivido e espaço perce-bido) quanto nas tensões presentes noseixos analíticos da técnica e da política,e, ainda, da teoria e da prática, da rela-ção Estado e sociedade e do eixo local-global, as abordagens de planejamentopós-positivistas não podem superar oplanejamento racional-positivista, mas,sim, podem contribuir para o processodessa superação.

Ou seja, as abordagens pós-positi-vistas devem ser consideradas e cons-truídas numa perspectiva processual edinâmica, o que demanda o monitora-mento permanente de seus avanços eretrocessos, de suas conquistas e derro-tas, as quais se manifestam, por exem-plo, no aproveitamento, na e pela lógicada produção do espaço, de instrumen-tos de política urbana previstos no Es-tatuto da Cidade, concebidos paracontribuir na redução das desigualdadessocioespaciais, mas que têm sido utiliza-dos, alternativamente, para a geraçãode mais-valias.

Daí a importância de uma reflexãocrítica permanente acerca dessas abor-dagens e de suas práticas (e das contra-dições que podem se manifestar nesse

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108Da razão instrumental à razão comunicativa: o percurso do planejamento na

modernidade e as abordagens pós-positivistas

eixo), recuperando a perspectiva le-febvriana da construção de contrapla-nos e contraprojetos que se confrontamcom as propostas ideológicas produzidaspelo urbanismo. 13

Ainda sob a inspiração das contri-buições de Lefebvre (2005), deve-se,na análise e na construção dessas práti-cas, atentar para o fato de que elas sedão no espaço e contribuem para a suaprodução. As práticas político-sociais deplanejamento territorial são compreen-didas, portanto, como elementos poten-cialmente ativos na produção social doespaço, seja por meio da execução depolíticas territoriais, que podem intervirdiretamente na produção do espaço,seja por meio da regulação do uso e daocupação do solo.

Considerando a adoção de estraté-gias e táticas de construção do planeja-mento pós-positivista, o conjunto deabordagens que se abrigam sob o guar-da-chuva do pós-positivismo não deveriatraduzir-se em uma disputa entre abor-dagens, mas na proposição de um con-junto de possibilidades, de táticas e derecursos que podem ser apropriados

pelos atores sociais na conformação dasnovas práticas de planejamento, sejamelas mais próximas do planejamento ra-dical e subversivo 14, do pós-moderno,do pragmático ou do comunicativo.

As diferentes abordagens reconhe-cidas por Allmendinger (2002) configu-ram, assim, alternativas táticas para oplanejamento pós-positivista, que, deforma coordenada ou não, associadasou não, podem contribuir para o longoprocesso de construção de um planeja-mento territorial que não se esgota nosimulacro da participação formalizada enos riscos da sua institucionalização eque não se perde nas armadilhas quese escondem no espaço abstrato, masque contribua para a construção de umanova natureza e de cidades que favore-çam uma urbanidade valorizadora davida humana, com suas obras e a frui-ção de seus possíveis usos.

E é nesse sentido que a própriaconstrução dinâmica das abordagenspós-positivistas de planejamento territo-rial pode contribuir para a conformaçãodo que Lefebvre chamaria de uma es-tratégia urbana.

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13 Ver, a respeito, as contribuições críticas de Lefebvre sobre o urbanismo, especialmente Lefebvre(1972, 1991, 2005).

14 Ver, a respeito, Friedmann (1987, especialmente capítulo 10) e Randolph (2007b, 2007c).

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Resumo

O planejamento construído no século XXé parte do que se pode chamar de pro-jeto da modernidade. Ao longo de seu

Abstract

The planning built through the 20thCentury is part of what is called moder-nity project. Through its route it has re-

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113Marco Aurélio Costa

percurso, tem refletido a hegemonia darazão instrumental e do positivismo. Apartir dos anos 1960/70, coexistem nu-merosas abordagens do planejamento,emergindo, desde então, abordagens queprocuram superar o positivismo. Esteartigo apresenta o percurso do planeja-mento territorial ao longo do século XX,com o auxílio de tipologia proposta porAllmendinger, para então discutir a ques-tão da participação e do planejamentoparticipativo / comunicativo. Apresentauma reflexão das abordagens pós-posi-tivistas, propondo a sua compreensãocomo construções dinâmicas, nas quaisabordagens alternativas constituem re-cursos e táticas que podem contribuir naconformação de uma estratégia urbana.

Palavras-chave: modernidade, plane-jamento territorial, planejamento comu-nicativo, participação.

Marco Aurélio Costa é Economista, formado pela Face/UFMG, Mestre e Doutorem Planejamento Urbano e Regional pelo IPPUR/UFRJ. Assumiu o cargo de Pes-quisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Recebido em julho de 2008. Aprovado para publicação em novembro de 2008

flected the hegemony of instrumentalreason and positivism. Since the 60/70’scoexist numerous approaches of plan-ning, emerging since then approachesthat search to overcome positivism. Thisarticle presents the route of territorialplanning through the 20th Century, withthe help of the trilogy posed by Allmend-inger, and then discuss the questions ofparticipation and collaborative/commu-nicative planning. It brings a reflectionof the post-positivist approaches, pos-ing its comprehension as dynamic struc-tures in which alternative approachesconstitute resources and schemes thatcan contribute to the formation of anurban strategy.

Keywords: modernity, territorial plan-ning, communicative planning, partici-pation.

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Cadernos IPPUR, Rio de Janeiro, v. 22, n. 2, p. 115-130, ago./dez. 2008.

A prática participativa noplanejamento urbano: o poderpúblico dá as cartas?

Elson Manoel Pereira

Samuel Steiner dos Santos

O presente artigo aborda a participaçãosocial no Plano Diretor de Itajaí (SC). Oconteúdo dessa frase, aparentementesem conflitos, apresenta duas expressõesque são hoje as mais disseminadas e dis-cutidas no campo do planejamento ur-bano brasileiro: participação social eplano diretor. A repercussão dessestemas não resultou na perda da grandeparcela de imprecisão e controvérsia deseus conteúdos. Ambos os conceitos,que se aproximaram e se fundiram nosúltimos anos, têm sido apreendidos epraticados de várias formas e têm servi-do para uma diversidade de propósitose intencionalidades.

Nosso trabalho se inscreve no es-forço de análise crítica dessa nova es-trutura democrática do planejamentourbano: questionando os limites, ruptu-ras e continuidades nas práticas e pro-curando desvelar as intencionalidadesencobertas pelo discurso conciliador daparticipação social. Buscamos, pois,mais rigor e clareza no uso das expres-sões: plano diretor e participação social.Para tanto, enfocamos a forma comose deu a participação social na elabo-ração do Plano Diretor de Itajaí: seusobjetivos, metodologia e repercussãosocial.

Introdução

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Da democratização do planejamento aos planosdiretores participativos

Os planos diretores e a participação so-cial conseguiram lograr grande aceitaçãono imaginário técnico, político e acadê-mico. Esses conceitos alcançaram certoconsenso, o que colaborou para que lhesfosse atribuído um valor intrínseco: paraque uma cidade possa se desenvolveradequadamente e resolver seus proble-mas, faz-se necessária a elaboração deum plano diretor participativo. Assimcomo ocorrera anteriormente com atécnica e o conhecimento científico, ago-ra a participação social é compreendidacomo elemento imprescindível, por ins-crever mudanças significativas na formadesigual de estruturação das cidades. Noentanto, essa afirmação possui um altograu de indefinição e imputa ao planodiretor e à participação social um caráterquase messiânico, que efetivamente nãopossuem.

Por muito tempo, sobretudo até adécada de 1980, a aura da eficiência efuncionalidade dos planos diretores es-teve associada ao conhecimento técnicoe científico, que seria responsável porproporcionar as respostas justas e assoluções adequadas para os problemasda cidade. Para isso, os planos diretoresse revestiram de diagnósticos, fórmulase instrumentos técnicos de planejamento,tentando enquadrar a cidade e seus pro-cessos sociais em uma estrutura rígida deordenamento espacial, através do estabe-lecimento de parâmetros e normas deuso e ocupação do solo. Esse processo,que podemos chamar de determinismo

espacial, entendia que o padrão ótimode desenvolvimento urbano e qualidadede vida das populações urbanas poderiaser alcançado pelo arranjo das formasespaciais – de infra-estrutura e edifica-ções – e pela determinação de uma re-gulamentação urbanística eficiente.

Assim, os planos diretores assumi-ram forte discurso ideológico e remo-veram do planejamento todo o conflito,a ambigüidade e a subjetividade queestão na essência do modo coletivo deviver em cidades. Como compreender,no entanto, que mesmo incapazes dealcançar seus objetivos, os planos dire-tores se mantiveram como o principalinstrumento de intervenção de que dis-põe o poder público brasileiro para pla-nejar e gerir as cidades nas últimasdécadas do século XX? A resposta a essequestionamento nos leva a considerarque, mais do que regular o desenvolvi-mento da cidade, os planos diretoresserviram como instrumento ideológico:“sua ineficácia em regular a produçãoda cidade é a verdadeira fonte de seusucesso político, financeiro e cultural”(Rolnik, 1994, p. 13).

Na contramão desse processo, ini-ciou-se na década de 1960 a articulaçãode movimentos sociais urbanos quequestionaram não somente o conteúdotecnocrático e ideológico dos planos di-retores, mas também as formas desi-guais de estruturação das cidades e deacesso ao aparelho de Estado. Esses

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movimentos, de caráter contestatório,foram agrupados sob o nome de “mo-vimento da reforma urbana”, que pos-teriormente seria responsável porestruturar um movimento articulado emâmbito nacional, o Movimento Nacionalda Reforma Urbana (MNRU). O MNRUprocurava inserir novas formas de or-ganização do poder e alcançar a demo-cratização das políticas públicas e, maisespecificamente, das políticas de desen-volvimento urbano. Questionava-se nãoapenas o conteúdo dos planos mas, so-bretudo, os processos de tomadas dedecisão, que não deveriam mais estarrestritos aos técnicos do planejamento,mas serem levados ao debate público.

Em um caminho tortuoso, a partici-pação social alinha-se aos planos dire-tores, que, não mais compreendidosexclusivamente como instrumentos deregulamentação físico-territorial, absor-vem um caráter predominantementeprocessual, de planejamento essencial-mente negociado e conflituoso. Com osvalores trazidos pelo movimento da re-forma urbana, o plano diretor, além deprocesso político, aparece também comoinstrumento pedagógico que deve pro-piciar espaços de construção e vivênciada cidadania; espaços que ajudem naformação de uma população urbanacrítica, ativa e politicamente engajada.

A Constituição Federal de 1988abriu caminhos para a institucionalizaçãoda participação social por ter promovidoa articulação entre a sociedade civil e oEstado e, também, por ter plantado asprimeiras sementes do Estatuto da Ci-dade, por meio dos artigos 182 e 183.

A Lei 10.257/2001, autodenominada deEstatuto da Cidade, formalizou muitasdas reivindicações dos movimentos po-pulares, sobretudo no que tange à fun-ção social da cidade e à democratizaçãoda gestão urbana. O Estatuto da Cidadefoi o elemento responsável por amarrar,legalmente, o plano diretor à participaçãosocial: ao primeiro, delegou a responsa-bilidade de ser o instrumento básico dapolítica urbana; à segunda, atribuiu afunção de tornar exeqüíveis esses planos,mediante a formação de uma base so-cial ampliada que sustentasse o seu con-teúdo.

A democratização hoje requeridapara a concepção e implementação deplanos diretores foi o resultado de umprocesso de mobilização popular gesta-do nos grandes centros urbanos brasi-leiros que, por sua vez, resultou em umanova correlação de forças sociais e, den-tre outras ações, foi responsável pormudanças significativas na estruturaçãodas políticas públicas. No campo do pla-nejamento urbano, essas mudançasforam marcadas pela reforma institucio-nal ocorrida em âmbito federal e pelaaprovação do Estatuto da Cidade, quetrouxeram, para o centro da agendapública, a discussão dos planos diretorese da participação social. Essa reformainstitucional sugere (ou mesmo obriga)a descentralização das políticas públicase fortalece a instância local, tornandoos municípios um campo privilegiado deatuação dos agentes sociais. A nova ins-titucionalização criada na esfera federalse reproduz no plano local, materiali-zando novas formas e possibilidades dosarranjos de poder.

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Nesse caminho, a prática da partici-pação social e a elaboração de planosdiretores foram impostas a muitas mu-nicipalidades, que se viram legalmenteobrigadas a elaborar suas políticas ur-banas. Assim, o discurso da participaçãosocial nos planos diretores foi assumidopor diversos atores em algumas instân-cias sem as devidas reflexão e discussão,de modo que tal expressão tem sidoutilizada para diversos fins e intenciona-lidades. Isso tem retirado da participa-ção, por vezes, sua essência conflituosae dialética. A participação social foi defato incorporada por discursos políticosde vários matizes, possibilitando a pro-dução de planos diretores como instru-mentos de manipulação e seletividadesocial pelo poder público.

Passado o momento de instituciona-lização do planejamento urbano e daparticipação social, a atual prática do pla-nejamento e a gestão urbana no Brasil

enfrentam uma importante questão:como transformar a participação socialinstitucionalizada em um instrumentoefetivo de democratização do plane-jamento em que sejam explicitadas ascontradições presentes na cidade, confor-mando uma arena pública de discussãoe de atuação política? Compreendemosque a formação dessa esfera pública pas-sa, necessariamente, pela capacidade dasociedade, em toda a sua diversidade,de ocupar os espaços disponíveis ou deexigir a construção de outros canais departicipação, quando julgar necessário.

Inserido nesse contexto, o plano di-retor de Itajaí pode ser compreendidocomo um dos resultados do longo pro-cesso de democratização e politização doplanejamento urbano, que tem na par-ticipação social o elemento fundamentalde diferenciação em relação às práticasanteriores.

Qualificando a participação social

Compreendemos que, no momentoatual, a crença na capacidade da técnicaem alterar a dinâmica de estruturaçãodas cidades foi substituída pela crençana participação social como elementosuficiente para garantir um futuro deequilíbrio socioespacial. Troca-se, por-tanto, uma crença por outra, muitasvezes sem questionar o conteúdo daparticipação social e dos planos diretoresresultantes.

Por isso, é necessário preencher alacuna existente entre o discurso e a

prática, por meio de elementos teóricosque possibilitem ampliar a concepção daparticipação social no campo do planeja-mento urbano. A busca pela compreen-são do conteúdo político e ideológicodo planejamento urbano baseia-se naanálise da dinâmica das relações sociaise, principalmente, nas formas como seestruturam e se manifestam as relaçõesde poder no interior dessas relações. Oprincípio contido nessa compreensão doplanejamento é que, assim como for-mula Souza (2007), mais do que gerircoisas, planejar uma cidade significa,

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acima de tudo, planejar e gerir relaçõessociais.

Um perigo que se apresenta, nopresente, é que a requerida democrati-zação do planejamento e da gestão dacidade não atinja o seu conteúdo essen-cial: politizar a sociedade e balancear ojogo de forças na esfera pública. Ao nãoatingir esse conteúdo, corre-se o riscode tornar a participação social uma “cor-tina de fumaça” que, longe de modificaras formas desiguais de estruturação dascidades, acabará por reproduzir as tra-dicionais práticas elitistas.

É preciso, portanto, qualificar o con-ceito da participação social, sobretudocom base no questionamento das prá-ticas viciadas de representação e da com-preensão da participação social comouma conquista e não como concessãodo poder público. Para a compreensãode participação social como conquista,os trabalhos de Souza (2000, 2004 e2007) e Demo (1995, 1996a e 1996b)trazem importantes contribuições:

— A participação social autônoma, pro-posta por Souza, tanto individualquanto coletiva. A autonomia indi-vidual deveria compreender a igual-dade de oportunidades, garantindocapacidade crítica e lucidez na leiturae na contestação da realidade. A au-tonomia coletiva estaria relacionadaà existência de instituições sociais quegarantiriam a justiça, a liberdade e,também, o pensamento crítico ne-cessário à defesa dessas instituições.

— A cidadania emancipada, proposta

por Demo, que compreenderia aconquista da cidadania como umprocesso educativo, fundamental naampliação da competência huma-na de fazer-se sujeito e tornar-seconsciente dos mecanismos sociais,políticos e econômicos que regem asociedade e influem na vida indivi-dual e coletiva.

O esforço de debate e de constru-ção socialmente ampliada do planeja-mento deve ter, portanto, o objetivo deequilibrar a arena de disputa a partir dainserção de segmentos sociais tradicio-nalmente excluídos dos processos polí-ticos. Trata-se da tentativa de formaruma população crítica e consciente dasilusões e preconceitos que permeiamnossa sociedade; das representações quelegitimaram o desenvolvimento desigualdas cidades e das formas elitistas de pla-nejamento e gestão urbana assumidashá muito tempo. No presente artigo, avan-çamos na discussão sobre a participaçãosocial, analisando-a na relação entre asociedade civil e o Estado, em que suaprática efetiva somente se manifestará apartir da consolidação de algumas pre-condições fundamentais, a saber:

— A construção de uma esfera pública,segundo a orientação teórica trazidapor Habermas (1984). Essa esferapública seria o resultado de uma so-ciedade civil formada por sujeitoscapazes de tematizar problemas, de-mandar direitos, construir novas iden-tidades e solidariedades, reconstruirvalores, requerer novas instituições.Uma estrutura que está baseada emdimensões autônomas e pluralistas

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dos agentes sociais, individual oucoletivamente organizados.

— A reconstrução do sentido de demo-cracia e de cidadania, possibilitandonovas formas de interação entre go-verno e sociedade, por meio do alar-gamento dos canais de formação, daparticipação política das classes me-nos favorecidas e da estruturação deinstituições que garantam proce-dimentos qualificados de controlesocial da administração pública.Compreende, também, a existênciade uma sociedade civil articulada,diversificada, politicamente igualitá-ria e economicamente justa, ou seja,um modelo oposto à atual estrutu-ra social, baseada no desequilíbrioe em relações autoritárias e cliente-listas entre sociedade civil e Estado.

— A existência de um tecido associativocomplexo e multifacetado, comoforma de reequilibrar forças e po-deres na estruturação das relaçõessocioespaciais. O conceito de asso-ciativismo pressupõe que o agentecoletivo é mais forte e mais repre-sentativo que o sujeito individual. Aspráticas associativas devem emergirde uma reação ao controle estatal ecomo forma de mobilização da po-pulação, a fim de que esta, atravésdo reconhecimento de interessescomuns, possa tornar-se um agentecrítico e participativo dos processospolíticos.

Se compararmos esses “pré-requi-sitos” à realidade das cidades brasileiras,veremos que eles se apresentam como

parâmetros a serem perseguidos atravésde um processo longo e gradual de edu-cação política e cidadã da população.Processo que deve desenvolver-se emduas frentes: uma imediata, por meioda institucionalização de canais e instân-cias de articulação social e de formaçãocidadã; outra de longo prazo, por meioda qualificação do sistema educacionale da priorização, nas grades curriculares,de conteúdos voltados para a educaçãopolítica e a formação crítica.

Compreendemos, portanto, que aefetiva participação ocorre a partir deexperiências que, mesmo não alcançan-do plenamente a garantia de autonomiae emancipação, tenham como forçamotriz a busca pela mobilização e inser-ção política – comprometida e crítica –do maior número de indivíduos e seg-mentos sociais. As principais diferençasentre as experiências participativas au-tênticas e as experiências em que a par-ticipação é um simulacro estão no fatode aquelas possibilitarem a partilha dopoder e as condições institucionais paraa criação de espaços de mobilização earticulação social, em uma metodologiaaberta e maleável frente às demandas eà diversidade sociocultural. Nos proces-sos em que a participação é um simula-cro, a metodologia é definida a priori ea participação é condicionada a objeti-vos preestabelecidos. Relembrando aproposta de Demo (1996a) – a partici-pação autêntica é conquistada, e a par-ticipação simulada é concessão.

Essa compreensão de participaçãosocial e do processo de conquista da ci-dadania serviu de referência para a aná-

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lise do Plano Diretor de Itajaí, que seráapresentada em seguida. Não utilizamosesses referenciais de forma maniqueísta,classificando a experiência de Itajaícomo participativa ou não-participativa,de acordo com o grau de “emancipação”

social alcançado. Foi analisada, além dametodologia geral do plano diretor,cada uma de suas atividades, buscando-se compreender as intenções ocultaspelo discurso da participação.

A participação no Plano Diretor de Itajaí

A concepção do Plano Diretor deItajaí e as linhas gerais que nortearam ametodologia inicialmente proposta tive-ram como base as orientações trazidaspelo Ministério das Cidades, sobretudoatravés de dois documentos: a Resolu-ção 25 do Conselho das Cidades e oguia “Plano Diretor Participativo” (Brasil,2005). Esses documentos serviram dereferência não somente para Itajaí mastambém para grande parte das prefei-turas, técnicos, consultorias e demaisprofissionais do planejamento obrigadosa enfrentar a falta de parâmetros e orien-tação para a nova compreensão do pla-nejamento urbano trazida pelo Estatutoda Cidade. Essa nova concepção indicouuma mudança no enfoque dos planosdiretores, que, pelo menos em teoria,passaram de uma concepção de caráterestritamente físico-territorial da cidadepara uma concepção processual e políticade planejamento negociado e, por isso,conflituoso em sua essência.

Tais documentos indicavam que oprocesso deveria ser coordenado porum núcleo gestor constituído por mem-bros da sociedade civil e do poder pú-blico, com o objetivo de promover açõesinterdisciplinares de sensibilização, mo-bilização e capacitação, voltadas a lide-

ranças comunitárias, movimentos so-ciais, profissionais especializados, entreoutros atores sociais. O núcleo gestorseria o elemento responsável por repre-sentar os diversos segmentos da estrutu-ra social local nos processos de tomadade decisão do plano diretor.

A Figura 1 apresenta a estrutura bá-sica para a elaboração do Plano Diretorde Itajaí. Dividida em três partes princi-pais, a saber: 1) “A cidade que temos”,que corresponde à primeira etapa, “diag-nóstico”, das orientações do Ministério dasCidades, expressa a união da leitura co-munitária com a leitura técnica; 2) “A ci-dade que queremos”, que correspondeà segunda etapa, “propostas”, das orien-tações do Ministério das Cidades, seriafundamentalmente discutida e pactuadano interior do núcleo gestor, instânciaformada por diversos atores da socieda-de local, divididos paritariamente entregovernamentais e não-governamentais.Essa etapa seria concluída com a definiçãodos pactos e propostas (diretrizes do pla-no) e a definição dos instrumentos ne-cessários à sua operacionalização e; 3) “Agestão da cidade”, que corresponde aoestágio de implementação do novo planodiretor.

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No processo, deveriam ser garantidasainda as seguintes condições essenciais:amplo acesso às informações; ampla co-municação pública, em linguagem aces-sível, através dos meios de comunicaçãosocial de massa; publicação e divulgaçãodos resultados dos debates e das propos-tas adotadas nas diversas atividades; rea-lização dos debates por segmentos sociais,por temas e por divisões territoriais, taiscomo bairros, distritos e setores.

O desenho inicial do Plano Diretorde Itajaí foi realizado, portanto, a partirdas orientações gerais disponibilizadaspelo Ministério das Cidades e pelo Con-selho das Cidades. O discurso de grandeparte dos agentes envolvidos no pro-cesso – prefeitos, secretários, técnicos daprefeitura, consultorias contratadas, so-ciedade civil em geral – refletia as ex-pectativas gerais de democratização doplanejamento e de participação socialem todas as etapas da elaboração donovo plano diretor do município.

Essa proposta inicial não reconheciaconflitos, pois eles estavam camuflados

Figura 1: Proposta inicial do Plano Diretor de Itajaí segundo orientações doMinistério das Cidades

Fonte: Itajaí (2005).

pela retórica de um discurso harmônicosobre a participação social. As dificulda-des começaram a surgir a partir das dis-cussões sobre as possíveis formas deoperacionalizar o desenho proposto. Avontade política das instâncias hierarqui-camente mais altas do poder executivomunicipal e a estrutura financiadora doprocesso estavam focadas em obter pro-dutos, o que mantinha a participaçãosocial numa estrutura rígida e direcio-nada. A essas dificuldades institucionaisviria se somar um histórico processo dedesarticulação social e de falta de culturaparticipativa da população local, aspectosque trataremos mais à frente.

Metodologia, forma eintensidade de participação noprocesso de elaboração doPlano Diretor de Itajaí

A partir das diversas etapas e atividadesdo plano diretor, pudemos resumir edividir a participação social em doismomentos:

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NO NÚCLEO GESTOR DO PLANO DIRETOR

(NGPD): a existência do NGPD em si,com caráter representativo e deliberati-vo, foi considerada, por muitos agentes,a grande inovação do plano diretor; noentanto, algumas fragilidades, sobretudoem quatro aspectos, põem em dúvidasua influência: (1) metodologia de tra-balho, que pecou principalmente pelanão previsão de uma capacitação ade-quada dos membros do NGPD, pelarestrição dos temas abordados e pelafalta de tempo para o amadurecimentode algumas discussões; (2) composiçãoe representatividade – limites tanto dacomposição inicial, concebida pelo pró-prio poder público, que privilegiava oexecutivo municipal e alguns setoreseconômicos, quanto da representativi-dade efetivamente praticada, marcadapela falta de comprometimento de umagrande parcela de representantes, ouseja, poucos membros participaram ati-vamente do processo. (3) Accountabilitydos integrantes, cuja maioria não cum-priu a função primordial de repercutiras discussões do NGPD em suas institui-ções e, portanto, não desempenhou opapel de multiplicador; (4) Divulgaçãoe descentralização das reuniões – as ati-vidades, discussões e decisões ficarampraticamente restritas ao âmbito doNGPD. Não houve um trabalho maisconsistente de divulgação e repercussão.As suas reuniões ficaram restritas a doislugares situados no centro da cidade,próximos à prefeitura municipal.

EXTERNAMENTE AO NGPD: apontadapor muitos agentes como a grande fragi-lidade do plano diretor, a participaçãosocial externa ao NGPD mostrou que

importantes instrumentos e canais departicipação propostos pelo Ministériodas Cidades foram apenas formalmenteassumidos, sobretudo em duas instân-cias: (1) a leitura comunitária, que de-veria ser o instrumento principal demobilização social e discussão coletivasobre a cidade; e (2) as audiências te-máticas e territoriais, que seriam impor-tantes instrumentos de descentralizaçãodos debates em torno do plano diretor.

Em relação à leitura comunitária, suasduas principais funções eram: (1) servirde base para que o núcleo gestor defi-nisse pactos e propostas; (2) ser instru-mento catalisador da mobilização socialno município (Brasil, 2005). Em Itajaí,nenhuma dessas funções foi cumprida,pelo menos de maneira satisfatória. Aleitura comunitária acabou sendo formal,já que suas atividades tiveram pouca re-percussão e o seu conteúdo veio a pú-blico somente em fevereiro de 2006,quando boa parte das discussões doNGPD já havia ocorrido. Acreditamosque, mais do que mobilizar e levantarinformações, a leitura comunitária foi ela-borada para cumprir as exigências dotermo de referência do programa Habi-tar Brasil/BID – que financiou parcialmen-te a elaboração do plano diretor – e daestrutura de participação apresentadapelo Ministério das Cidades. Em Itajaí, aleitura comunitária foi baseada em qua-tro atividades:

a) Orçamento Participativo (OP). Foiapenas formalmente assumido, já quenão houve uma articulação efetiva entreprocessos. As demandas foram transfor-madas em gráficos inseridos – sem análise

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e reflexão – no documento final da lei-tura comunitária. O OP, como priorida-de de governo, contou com grandeapoio institucional e logrou importanterepercussão, enquanto o plano diretor,por essa falsa articulação, utilizou-se daparticipação contida nas atividades doOP para justificar e legitimar suas ações.É preciso destacar que o OrçamentoParticipativo aconteceu antes das ativi-dades de elaboração do plano diretor.

b) Conferência da Cidade no âm-bito municipal. Importante momento dediscussão sobre a cidade, teve poucarelação com o plano diretor, sobretudoem razão de três aspectos fundamentais:(1) a participação social e a sua reper-cussão foram restritas; (2) houve umafragmentação da discussão sobre a cida-de em temas específicos. Além disso, aConferência da Cidade esteve claramentecondicionada à necessidade de dar res-posta às demandas do Ministério dasCidades; (3) as informações obtidas nasreuniões, que foram tratadas e transfor-madas em diretrizes de planejamento apartir do esforço de reflexão e análisedos técnicos, não serviram de base paraas discussões do plano diretor, sobretu-do no âmbito do NGPD.

c) Realização de um ciclo de pales-tras. Mais do que discutir a cidade emobilizar a população, esse canal visouà instrução da população sobre temasrelativos ao planejamento da cidade. Afalta de divulgação, a restrição das reu-niões ao auditório da prefeitura e a parti-cipação reduzida – limitada praticamenteaos técnicos da prefeitura, às consulto-rias e a alguns membros do NGPD –

não permitiram que o ciclo de palestrastivesse maior repercussão, gerando sub-sídios para a leitura comunitária.

d) Plano diretor escolar. Foi elabora-do para a realização de atividades nasescolas municipais, com intuito de discutiro plano diretor. Dos canais propostospara a leitura comunitária, foi o que maisse aproximou do seu objetivo. O envol-vimento da rede municipal de ensinopara discutir o planejamento e o desen-volvimento da cidade, por meio de ati-vidades didáticas e lúdicas, pareceu-nosuma iniciativa importante na busca dealternativas que possibilitassem a inserçãoda população nas discussões sobre a ci-dade. No entanto, restrições de tempo ede logística impediram que a amplitudeimaginada para o plano diretor escolarfosse alcançada. A grande quantidade dedados e informações inseridos no docu-mento da leitura comunitária não foi uti-lizada nas demais atividades do NGPD.

e) As audiências temáticas e territo-riais. Ficaram restritas apenas a seis reu-niões, todas ocorridas no auditório daprefeitura com segmentos específicos dasociedade local. Essas reuniões, realiza-das em somente dez dias, mais do queterem ampliado as discussões sobre oplano diretor, tiveram a preocupação dedivulgá-lo na estrutura da administraçãopública municipal e em alguns segmentossociais considerados estratégicos, comoo empresariado e a imprensa local.

A análise do processo de elaboraçãodo plano diretor demonstra que a me-todologia, a forma e a intensidade departicipação na experiência de Itajaí es-

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tiveram acondicionadas num espaçomínimo de manobra, que impossibilitouo alcance de um nível mais consistente econfiável de participação social. Essa res-trição participativa pode ser compreen-dida mediante três dimensões: (1) faltade vontade política, ou seja, o compro-misso de governo não era com a demo-cratização do processo ou, pelo menos,com a tentativa de democratização doplanejamento. Podemos aferir essa di-mensão pela falta de apoio institucionalao processo e pelo curto prazo disponibi-lizado para elaboração do plano; (2) au-sência de uma tradição de participaçãoda população local, que aceitou passiva-mente o que foi oferecido, reproduzin-do, assim, valores de cidadania tutelada(Demo, 1996a); (3) falta de referenciaismais claros para a atuação profissionalnessa nova estrutura participativa, oque, em muitos casos, implicou a repro-dução, pelos técnicos envolvidos no pro-cesso, de velhas fórmulas de atuação.

As ações empreendidas pelosadministradores públicos emrelação à gestão territorial domunicípio

Foram analisados três momentos distin-tos: antes do plano, durante a realizaçãodo plano e na perspectiva da gestão doplano – futuro: (1) levantamento da le-gislação urbanística de Itajaí implantadaaté o ano de 2005; (2) avaliação da atua-ção dos administradores públicos noprocesso de elaboração do novo planodiretor; (3) apreciação das perspectivasdo planejamento e da gestão da cidadeem desenvolvimento a partir da apro-vação do referido plano.

A ANÁLISE DO HISTÓRICO DO PLANEJAMENTO E

GESTÃO DA CIDADE por meio das legislaçõesurbanísticas demonstrou que, institucio-nalmente, o poder executivo municipalsó reconheceu a importância do planeja-mento urbano em 1997, data da criaçãoda Secretaria de Planejamento e Desen-volvimento Urbano (SPDU). Até então,as ações de planejamento do município,em todas as áreas da administração mu-nicipal, estavam diretamente ligadas aogabinete do prefeito.

A intervenção no espaço urbano esta-va limitada à implantação de infra-estru-turas, à realização de obras públicas e àfiscalização urbanística e edilícia, o quepôde ser comprovado pelas legislaçõesexistentes até aquele período. O primeiroe único plano diretor do município, ela-borado em 1971 por uma empresa deconsultoria do Paraná, não foi efetiva-mente implantado. Nesse período, haviaações compartilhadas de gestão entre ostécnicos do poder executivo e a Comis-são de Urbanismo, que foi, durante mui-tos anos, uma instância bastante influenteno município. Esse compartilhamento, noentanto, ocorria somente com setoresespecíficos da sociedade, sobretudo osligados ao ramo da construção civil.

A gestão do espaço urbano, desdeentão, desenvolveu-se por meio de leisde zoneamento e código de obras. Mes-mo após a criação da SPDU, não existiamações consistentes do poder executivopara planejar o desenvolvimento da ci-dade. Somente em 2005, com o iníciodas atividades de elaboração do novoplano diretor, essa competência foi efe-tivamente assumida.

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Concluímos, portanto, que o planeja-mento urbano, do ponto de vista histórico,nunca foi prioridade do governo munici-pal em Itajaí e que as articulações em tornodo novo plano diretor só ocorreram porobrigação legal. Por um entendimentorestritivo do que seria planejamento ur-bano, a gestão limitou-se à aplicação dasleis de zoneamento e do código de obras,o que contribuiu em muitos aspectospara a manutenção da lógica seletiva deatuação do poder público.

A AVALIAÇÃO DA ATUAÇÃO DOS ADMINISTRA-

DORES PÚBLICOS NA ELABORAÇÃO DO NOVO PLANO

DIRETOR indicou uma falta de comprome-timento do poder executivo municipalem relação à democratização do plane-jamento e da gestão da cidade. Na ex-periência do Plano Diretor de Itajaí, aanálise das informações obtidas leva àconclusão de que a atuação do poderpúblico procurou reproduzir uma lógicade controle dos processos políticos e,conseqüentemente, das formas de apro-priação do território e do desenvolvi-mento da cidade. No Plano Diretor, aprioridade atribuída ao prazo e aos pro-dutos causou a conseqüente marginali-zação da participação social.

A APRECIAÇÃO DAS PERSPECTIVAS DO PLANE-

JAMENTO E GESTÃO DA CIDADE A PARTIR DO PLANO

DIRETOR é ainda prematura, dado o poucotempo de aprovação da referida lei.Entretanto, as primeiras ações do poderexecutivo, após a aprovação do planodiretor, indicam que permanece a in-tenção de restringir a participação socialno processo de implantação e gestão donovo plano. Na composição do recém-criado Conselho de Gestão Territorial,

há forte predomínio do poder executivomunicipal, de setores produtivos e decampos específicos de atuação profissio-nal ligados à construção civil, o que le-gitima a atuação das forças hegemônicasno território do município. Manifesta-se,portanto, uma tendência à reproduçãoda lógica seletiva, centralizadora e social-mente restrita de planejamento e degestão da cidade.

Alguns atores entrevistados afirma-ram que neste momento o poder exe-cutivo está propenso a viabilizar as açõesde determinados grupos e setores eco-nômicos. Dessa forma, o Conselho temassumido uma postura de questionar erediscutir aspectos do uso e ocupaçãodo solo de determinadas áreas do mu-nicípio pactuados durante o processo deelaboração do plano, sobretudo das áreasque interessam ao mercado imobiliário.Compreendemos, portanto, que o planodiretor não legou uma base socialmentearticulada que proporcionasse sustenta-ção às decisões do NGPD. O conteúdodo plano diretor está, pois, fragilizado etende a ser continuamente modificadode acordo com interesses e articulaçõespolíticas arbitrárias.

Limites e condicionantes daação dos técnicos ouprofissionais do planejamentourbano no processo deelaboração do Plano Diretor deItajaí

A atuação dos técnicos do planejamentoenvolvidos na elaboração do novo PlanoDiretor esteve condicionada por doisfatores principais: (1) a subordinação das

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iniciativas dos técnicos ao núcleo cen-tral do poder executivo; (2) a falta dereferenciais e orientações mais consis-tentes para a prática profissional em pro-cessos participativos.

A SUBORDINAÇÃO DAS INICIATIVAS DOS TÉCNI-

COS AO NÚCLEO CENTRAL DO PODER EXECUTIVO.Existem diferenças importantes entre alógica que fundamenta a ação dos ad-ministradores públicos e a lógica quecondiciona a ação dos técnicos do plane-jamento: a primeira, mais preocupadacom os processos políticos, com a manu-tenção da governabilidade e a legitima-ção das ações, sobretudo nos estratossociais que lhe dão suporte; a segunda,mais preocupada, geralmente, com assoluções tecnicamente mais aceitáveis.A atuação dos técnicos, mesmo os maispolitizados e progressistas, foi amplamen-te condicionada pela estrutura políticae hierárquica do poder público munici-pal. Assim, as decisões foram tomadasem instâncias superiores, mais compro-metidas com a lógica dos tempos políti-co-eleitorais do que com a do temponecessário para o amadurecimento deprocessos sociais.

Em Itajaí, os técnicos, de uma formageral, assumiram e defenderam o dis-curso da participação social e, mesmosem experiência e referenciais muito cla-ros, procuraram alternativas que trou-xessem maior efetividade e flexibilidadeao processo participativo do plano di-retor. Suas ações, no entanto, foramconstantemente cerceadas por determi-nações advindas do núcleo central dopoder executivo, que queria um proces-so limitado, pragmático e que resultasse

em produtos no prazo estabelecido. Aindaassim, conseguiram lograr alguns avan-ços: no âmbito do NGPD, que adotouuma metodologia adaptada às condicio-nantes impostas; no plano diretor esco-lar, que envolveu a rede municipal deensino; no ciclo de palestras, que, apesarde pouco divulgado e prestigiado, cons-tituiu-se num momento importante deapropriação de conhecimentos sobre acidade e seu planejamento.

A FALTA DE REFERENCIAIS E ORIENTAÇÕES

MAIS CONSISTENTES PARA A PRÁTICA PROFISSIONAL

EM PROCESSOS PARTICIPATIVOS. O quadro téc-nico, tanto da prefeitura quanto dasconsultorias contratadas para orientar oprocesso, era formado por profissionaiscom pouca experiência em processosparticipativos, fato que não era exclusivode Itajaí: são raros os quadros técnicosque apresentam, no Brasil, trabalhosconsistentes no campo das políticas pú-blicas participativas. Esse problema nãoestá presente somente na prática pro-fissional mas também no processo deformação dos técnicos: poucas são asescolas ou faculdades – sobretudo degeografia, arquitetura, urbanismo e en-genharia – que apresentam, em seuscurrículos, disciplinas que preparem oaluno nessa direção. Registramos, por-tanto, a escassez de profissionais prepa-rados para trabalhar a participação social,tanto no front das práticas e experiênciasparticipativas, incluindo o desenvolvi-mento de novas metodologias e alter-nativas, quanto na academia, cujaresponsabilidade é formar os novos pro-fissionais que ingressarão no mercadode trabalho.

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Acreditamos, no entanto, que o pro-cesso de qualificação profissional e oamadurecimento de referências meto-dológicas serão graduais e só virão pormeio do enfrentamento da análise ereflexão das experiências presentes.

O desenho da participação social noPlano Diretor de Itajaí foi definido a partirdas orientações gerais disponibilizadaspelo Ministério das Cidades. O principalvalor dessas orientações, que se mostra-ram extremamente genéricas e maleá-veis, eram seus princípios e objetivos. Aexperiência de Itajaí mostra que é pos-sível assumir as orientações gerais sem

obedecer aos seus princípios. Por isso,consideramos que o “próximo passo”deva ser a criação de espaços de apro-ximação e articulação das experiênciasparticipativas, formando assim um “bancode dados” confiável que facilite o acessoàs informações. Esse banco de dados,que começa a ser implementado peloMinistério das Cidades e pelo InstitutoPólis, configura uma possibilidade dediálogo e aprendizado mútuos, median-te a confirmação de metodologias e oreconhecimento de obstáculos e avan-ços na participação social no planeja-mento e desenvolvimento urbano.

Considerações finais

Nossa investigação, mais do que se con-tentar em ratificar a importância da par-ticipação social, buscou compreender oslimites e possibilidades das práticas par-ticipativas e o alcance das expressões“participação popular” e “plano diretor”,tão em evidência no campo do plane-jamento urbano atualmente.

Pudemos conferir fragilidades naatuação dos administradores públicos,dos quadros técnicos e da própria po-pulação; entretanto, o principal pontoque diferencia tais fragilidades é a in-tencionalidade: a população não parti-cipa porque não conhece a importânciada participação ou porque não acreditanos seus canais e nos processos políticos;a ação dos técnicos está marcada pelafalta de referências do novo modelo – oque causa, muitas vezes, a reprodução de

velhas e incompatíveis formas de atua-ção – e pela subordinação à vontade dosadministradores públicos. Alguns adminis-tradores reproduzem uma compreensãoe uma prática limitada de participaçãosocial, com intuito de perpetuar proces-sos sociais baseados no controle e na do-minação.

Acreditamos que o plano diretor éum instrumento poderoso de interven-ção, mas deve vir necessariamenteacompanhado da criação e conquista dedireitos e da construção de novos con-teúdos para a cidadania, baseados nosvalores de autonomia e solidariedade.Assim, como formula Souza (2007), oprimeiro passo para essa nova condiçãodeve ser “demonstrar que a participaçãopopular consistente é perfeitamente pos-sível”.

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Compreendemos que as reflexõescontidas neste trabalho devem ser consi-deradas uma fotografia de um processoem constante redefinição, já que nossacompreensão deve ser dinâmica comosão dinâmicos os processos sociais e como

é, fundamentalmente, dinâmica a cidade.No momento, parece-nos que a adminis-tração pública ainda detém a maior par-cela de poder na construção de planosdiretores participativos; no entanto, pelomenos, ela é obrigada a entrar no jogo.

Referências

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Resumo

O trabalho se inscreve no esforço deanálise crítica da nova estrutura demo-crática do planejamento urbano, ques-

Abstract

The article finds itself into the efforts ofcritical analysis of the new democraticstructure of urban planning, questions

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tionando limites, rupturas e continuida-des nas práticas e desvelando as inten-cionalidades encobertas pelo discursoconciliador da participação social. Paratanto, enfocamos a forma como ocorreua participação social na elaboração doPlano Diretor de Itajaí (SC): seus objeti-vos, metodologia e repercussão social.Buscamos mais rigor e clareza no usodas expressões: plano diretor e partici-pação social. O processo de construçãodo Plano Diretor de Itajaí e a inserçãodo município no contexto político, econô-mico e social do País apresentam especifi-cidades que justificam uma análise dessaexperiência, no sentido de colaborar parao entendimento, o aprofundamento e oavanço do processo de democratizaçãodo planejamento no Brasil.

Palavras-chave: planejamento urbano,participação social, Itajaí-SC.

limits, breakouts and continuities in thepractice, uncovering the intentionalitieshidden by the conciliating discourse ofsocial collaboration. To do so it focus onthe way that social collaboration hap-pened in the elaboration of the Itajaí (SC)Director Plan: its goals, methodology andsocial repercussion. We searched formore severity and clarity in the use ofthe expressions: director plan and socialparticipation. The process of elaborationof the Itajaí Director Plan and the inser-tion of the city in the political, economicand social context of the country showspecificities that justify an analysis of thisexperience in the direction of collaborat-ing to the understanding, deepening anddeveloping of the process of democrati-zation of the planning in Brazil.

Keywords: Urban planning, democraticplanning processes, Itajaí-SC.

Elson Manoel Pereira é Professor da Universidade Federal de Santa Catarina,Doutor em Urbanisme et Aménagement - IUG, atualmente em estágio pós-doutoralno Institut de Géographie Alpine. Realiza trabalhos junto a prefeituras municipais eé representante da UFSC no Plano Diretor de Florianópolis.

Samuel Steiner dos Santos é Arquiteto e Urbanista, formado pela Universi-dade Federal de Santa Catarina, Mestre em Geografia na área de DesenvolvimentoRegional e Urbano, Consultor junto a prefeituras municipais do Estado de SantaCatarina. Atua principalmente nas áreas de planejamento urbano e de políticaspúblicas.

Recebido em julho de 2008. Aprovado para publicação em outubro de 2008

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Cadernos IPPUR, Rio de Janeiro, v. 22, n. 2, p. 131-150, ago./dez. 2008.

Suely Maria Ribeiro Leal

Uma das frações capitalistas de maiorinfluência na produção e organizaçãoterritorial da metrópole do Recife é, semdúvida, a formada pelos segmentos domercado imobiliário, que têm assumi-do, ao longo do tempo, um papel fun-damental na apropriação do solo, noprocesso de mercantilização e na expro-priação dos setores mais pobres. Estesúltimos, levados historicamente a buscara habitação nos espaços precários doterritório da cidade por meio da auto-produção, quase sempre desprovida dassuas condições essenciais, são exemplosde uma distribuição heterogênea e de-sigual da riqueza.

Acumulação urbana competitiva:a produção imobiliária noprocesso de organização doespaço metropolitano do Recife

Introdução

Nas últimas décadas, a feição mercan-til/rentista que marcava o comportamentodo capital imobiliário na apropriação dosolo urbano vem sendo associada à feiçãoempresarial/oligomonopolista e empre-sarial/concorrencial na conformação degrupos imobiliários. Trata-se de antigosgrupos travestidos de novos, organizadospor meio de fusões de setores do capitalindustrial com o imobiliário ou de novosgrupos originados da articulação com ocapital financeiro nacional e internacio-nal. As ações desses segmentos estão dis-postas territorialmente nas metrópoles,e a dinâmica imobiliária resulta do modocomo, em cada metrópole, se articulam

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para formar o sistema de provisão demoradia.

No contexto da apropriação oligo-monopolista do uso e da produção doespaço urbano no Recife, as caracterís-ticas observadas são, de um lado, o con-traste entre valorização, reconfiguraçãoe surgimento de novas áreas de interessedo mercado da construção civil, e, deoutro, a degradação e a desvalorizaçãode espaços (outrora vinculados à pró-pria origem e formação de um tradicio-nal perfil mercantil/rentista ostentadopela cidade – os bairros do Recife e SantoAntônio, por exemplo), que são atual-mente testemunhos incontestes de altera-ções significativas de seu perfil econômico.

Alterações que, mormente, não sãode forma, uma vez que ainda prevalecea feição mercantil/rentista de sua funçãoeconômica, mas que com certeza sãode conteúdo. Tal é o caráter vetorizadoque uma dinâmica recente estabelecidapela reestruturação produtiva, que de-termina a valorização de novas áreas(com fenômenos paralelos de exclusãosocial e periferização urbana) e degra-dação de outras (ensejando esforços degestão voltados para sua revitalização erevalorização).

Essas configurações sugerem mu-danças sutis nas relações institucionaisque outrora determinavam o peso dosagentes imobiliários na formatação deum quadro político marcado pela defesade interesses corporativos.

No primeiro vetor de valorização denovas áreas, a dinâmica resultante justi-

fica-se, ao menos em tese, pela próprianecessidade de o capital imobiliário geraralternativas que assegurem a continuida-de do processo de acumulação. Sendoconseqüente sua preocupação de con-tinuar em expansão, numa base territo-rial densamente ocupada – o centrometropolitano, Recife, apresenta umadensidade de 6.534 hab/km2 –, fazendouso de meios destinados a promover averticalização construtiva – em espaçostradicionalmente valorizados, a exem-plo dos bairros de Boa Viagem e CasaForte – e de instrumentos de marketingimobiliário que se associam aos novospadrões de competitividade do mercadode construções. Em parte, essas alterna-tivas se complementam com uma novafeição do “rentismo/oligomonopolista”e da dinamização de sua função mercan-til, trazendo alterações significativas nosetor terciário, representadas por muta-ções na estrutura do comércio varejista,com o surgimento de shoppings e decentros menores de compra e, ainda,com o nascimento e ampliação dos seto-res de suporte aos serviços de consultoriae de informática (destaque para o pro-grama “Porto Digital”) e a importânciaalcançada por um expressivo pólo médi-co. Alterações que, de certo modo, tam-bém são responsáveis pelo surgimentode novas áreas e a revalorização de outras,em termos de demanda habitacional.

No segundo vetor, mais identificadocom a degradação de espaços tradicio-nais e a conseqüente preocupação dopoder público com a implementação deprojetos estratégicos de revitalização daárea portuária e de seu entorno, a dinâ-mica resultante se espelha em um ideário

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de planejamento fundado no empreen-dedorismo urbano.

Esses projetos (a exemplo do Com-plexo Turístico Cultural Recife / Olinda)visam atrair investimentos econômicosexternos para áreas, como o bairro doRecife e seu centro expandido, onde seobservam impactos causados por alte-rações profundas decorrentes da obso-lescência tecnológica e produtiva dasinstalações portuárias, bem como daperda de expressão da economia açu-careira pernambucana que, no passadodistante, foi o motor e a razão do própriosurgimento da cidade. No bairro de SantoAntônio, marcantes são os indícios deáreas de degradação, associados a umarecente adequação das funções públicasque a cidade exerce como capital do es-tado de Pernambuco. Degradação moti-vada, em parte, pela reforma processadano Estado brasileiro, que resultou naredução de seu aparato administrativo,ocasionando o fechamento de prédiosque sediaram, outrora, os braços de umaestrutura de welfare e da provisão deserviços públicos. E em parte pela re-configuração espacial e pela perda defunções típicas de centralização regionalde interesses sediados na região Sudeste,que hoje perdem significado com o apa-rato da informação e da tecnologia.

O centro metropolitano do Recifepossui especificidades em relação às re-giões Sul, Sudeste e demais metrópolesdo Nordeste, desde que essas fraçõesoligomonopolistas são predominante-mente formadas por grupos empresariaisregionais articulados ao capital financeirolocal e internacional, sendo o controle

do mercado exercido por grandes em-presas (Queiroz Galvão, Moura Dubeux,Gabriel Bacelar, entre outras).

No denominado segmento empre-sarial/concorrencial, enquadraríamos ossetores imobiliários vinculados direta-mente a grupos estrangeiros, que vemexercendo forte pressão sobre a ocupa-ção das áreas litorâneas da região Nor-deste, particularmente nas metrópolesde Recife, Fortaleza, Natal e Salvador.

A sua emergência deriva de doismovimentos: o primeiro, decorrente daintensificação das ações do Estado naatividade turística, a partir do final dosanos 1980, voltadas para a implemen-tação de políticas de desenvolvimentoeconômico para a região e os estadosnordestinos, a exemplo do Prodetur-NE.De forma geral, o presente quadro des-toa do preexistente, no qual a atividadeturística era pouco dinâmica e poucocontemplada nas políticas de desenvol-vimento econômico.

Os projetos estratégicos se espelhamno modelo de empreendedorismo ur-bano, no qual as cidades passam a serprotagonistas do desenvolvimento e ins-trumento de resposta às crises, atendendoa aspirações de inserção econômica nocontexto global. A lógica desse modeloé a competitividade interurbana expressana forma do marketing, dos simbolismose emblemas do empresarialismo, na par-ceria entre público e privado e na emer-gência de novas expressões de liderançae de gerência administrativa, capazes dearticular as diversas forças sociais (Harvey,1996; Leal, 2004a).

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Algumas cidades litorâneas do Nor-deste, de acordo com essa lógica de va-lorização, serão “vendidas” e ofertadas,como bens culturais e ambientais ao mer-cado turístico internacional. As regiõeslitorâneas passam a articular-se dire-tamente com o exterior ou com as capi-tais, sem que haja a mediação de outroscentros urbanos e, por vezes, do própriomunicípio envolvido. São comuns os des-locamentos de grupos turísticos realizadospor empresas, diretamente dos aeropor-tos para os hotéis ou resorts, sem que oturista mantenha contato seja com a ca-pital seja com o município.

Esse processo de mercantilização dealgumas áreas litorâneas tem provocadomudanças profundas de natureza socioes-pacial, cultural e política, retratadas naemergência de novos atores, na expul-são de antigos habitantes, na intensifi-cação do fluxo populacional visando àocupação de novas vagas de trabalhoe, em algumas localidades, no surgimentode movimentos de resistência por partedas comunidades atingidas.

O segundo movimento, que deriva,sobretudo, das transformações econômi-cas internacionais, diz respeito a mudan-ças no próprio perfil do capital imobiliáriotradicional, expresso, agora, na forma doimobiliário-turístico empresarial-competi-tivo, configurando uma nova modalidadede produção espacial. Assim, parece exis-tir uma interrelação do empreendimentode tipo residencial tradicional com o diri-gido à oferta de equipamentos voltadosao atendimento de novas demandas docapital internacional (hotéis, flats, shop-pings, restaurantes).

Esses empreendimentos têm comolocalização preferencial não só áreas no-bres das cidades pólos metropolitanosmas também “nichos” de potencial estra-tégico, em termos culturais e ambientais,das zonas litorâneas das metrópoles, oschamados “territórios de oportunidades”.A nova demanda por esses empreendi-mentos vincula-se à presença de produ-tos excêntricos da gastronomia, do lazer,do ócio, da cultura, da ecologia etc., vi-sando atender todos os “gostos”: dasclasses abastadas à figura do executivointernacional, que, em função da flexi-bilização do processo de trabalho e dafinanceirização da economia, realiza des-locamentos freqüentes para as regiõesdinâmicas onde se localizam os grandesempreendimentos empresariais e finan-ceiros. A oferta de produtos e equipa-mentos visa permitir o fortalecimento dacapacidade da empresa de direcionar eatrair capitais externos de forma diversi-ficada e flexível. O novo mercado imo-biliário do tipo empresarial-competitivotem de se adequar à dinâmica da acumu-lação capitalista, propiciando a criação deespaços segmentados e capitais flexíveise estimulando a produção e o consumocapitalista do espaço tanto geográficoquanto econômico.

As novas estratégias para captação derecursos (particularmente no estrangeiro),o uso do marketing promocional, a fa-cilitação ao cliente de um ágil sistema definanciamento e a adoção de novas tec-nologias de produção são expressões dasregras de flexibilidade. A associação entrea indústria da construção civil e o setorhoteleiro é cada vez mais freqüente, con-figurando a emergência de um “novo

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tipo de capital imobiliário”, centrado nainter-relação de capitais tradicionais comnovos capitais advindos do setor turístico,que se viabiliza por meio da valorizaçãoimobiliária e do fornecimento de serviçossofisticados e de produtos de consumovoláteis.

As conseqüências desses processossobre a produção e a reconfiguração doespaço urbano são a fragmentação doterritório, a formação de nichos e en-claves de riqueza, que violam o lugar eos meios de subsistência de comunida-des inteiras que, ao longo do tempo,construíram as raízes de sua cultura eagora são expulsas para áreas de baixovalor de mercado. A estrutura urbana dasmetrópoles nordestinas passa a padecerde intenso crescimento dos processos desegregação social e habitacional, namedida em que os imóveis em áreas demaior valorização são adquiridos porinvestidores locais e estrangeiros.

Essa ameaça à sustentabilidade nãose restringe à economia e à base culturale social local, mas se estende ao meioambiente natural, onde paisagens inteirastêm sido destruídas (áreas de mangues,lagoas, dunas, áreas de estuário, faixasde praias etc.), para servir à instalaçãode empreendimentos hoteleiros e condo-mínios fechados para as classes abastadas.

Na Região Metropolitana do Recife,os supracitados traços da expansão imo-biliária não se reproduzem de forma si-milar nos municípios que a integram. Nocentro metropolitano, as áreas commaior valor imobiliário estão localiza-das nos bairros de classes média e alta.Nos municípios do núcleo expandido,como Olinda, Jaboatão e Paulista, osprojetos imobiliários de maior expres-são se situam na faixa litorânea, mesmoassim com valores de mercado abaixodos registrados nas áreas mais nobresdo Recife.

Nos municípios metropolitanos quecompõem a faixa litorânea em direçãoà Zona da Mata Sul de Pernambuco,situam-se as localidades que integramos maiores acervos naturais e culturaisda região, como as praias de Enseadados Corais, no município do Cabo deSanto Agostinho, e de Porto de Gali-nhas e Muro Alto, em Ipojuca. Especial-mente essas últimas têm se destacadocomo destino de fluxos turísticos inter-nacionais e nacionais, sendo alvo deprojetos imobiliários de grande portecaracterizados pela associação entregrupos empresariais locais e estrangei-ros, configurando o que denominamosde empresariamento turístico do tipoempresarial-oligomonopolista-concor-rencial.

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Nichos da produção capitalista do mercado imobiliárioempresarial/oligomonopolista e empresarial/competitivo

Os guetos burgueses daverticalização construtiva e doscondomínios fechados

Como muitos outros centros de regiõesmetropolitanas brasileiras, Recife vemsofrendo um ritmo acelerado de explo-ração capitalista do solo urbano, quetem agravado as disparidades em ter-mos de riqueza e de poder e conferidoà cidade, considerado o seu universometropolitano, um perfil de crônico de-senvolvimento geográfico desigual.

Esse movimento de especulaçãocapitalista tem, por um lado, induzido odeslocamento de frações burguesas dasociedade local para os territórios maisafastados e privilegiados da metrópole,em geral áreas de latifúndios perten-centes à indústria açucareira ou aosgrandes proprietários de terra, caracteri-zadas por estruturas fundiárias que aindaresguardam os seus atrativos naturais eambientais. Enquanto esse primeiro des-locamento ocorre no núcleo expandidoda cidade, um segundo deslocamentoocorre em direção à orla marítima e àzona noroeste, onde as ofertas de infra-estrutura e de serviços dão ao solo urbanogrande valor fundiário, que se manifes-ta na intensa verticalização construtivadessas áreas.

Outro aspecto que pode ser obser-vado é o da gentrificação e da expulsãodos pobres urbanos, desprivilegiados emarginalizados, para as periferias, onde

cada vez mais se concentram abaixo dalinha de pobreza e na exclusão, de talmodo que os níveis de segregação vêmalcançando patamares críticos.

Os ricos formam guetos de opulênciaem seus sonhos burgueses e se fechampor trás dos muros em condomínios fe-chados, destruindo assim, conceitos decidadania, de pertencimento social e deapoio mútuo. Os efeitos desse modeloperverso de apropriação dos espaços dacidade são a divisão e a fragmentaçãodo espaço metropolitano, que se tornasocialmente e politicamente fracionado.

Um breve olhar sobre o processode produção imobiliária na cidade doRecife permite antever algumas tendên-cias do comportamento do mercadoimobiliário e de sua expansão no espaçourbano. As principais mudanças ocor-rem a partir da década de 1990, confi-guradas pela crescente verticalizaçãoconstrutiva dos bairros de classe médiae alta da cidade e na associação do setorimobiliário a outros ramos empresariais,a exemplo do turismo-hoteleiro e do ca-pital financeiro. Esses processos de verti-calização e de adensamento construtivoda cidade vem se efetivando indiscrimina-damente em grande parte do território,de forma incompatível com a paisageme com a capacidade das estruturas urba-nas, redundando em grande adensa-mento populacional, na saturação dasinfra-estruturas e na degradação dos re-cursos ambientais e culturais.

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Apesar de legalmente regularizadaspela administração local, as edificaçõesexcessivamente verticalizadas não guar-dam relação com o parcelamento dosolo, provocando o confinamento dosespaços públicos e a criação de locaispropícios à violência urbana bem comobarreiras físicas que tornam inacessívelo contato com a paisagem e, por vezes,com a própria rua.

Esse novo padrão construtivo vemseguindo uma tendência mais recente,visível na construção de edificações commais de 30 pavimentos, que gera nãoapenas intensa especulação e valoriza-ção fundiária do solo urbano em áreasde alto valor imobiliário mas também oaproveitamento máximo dos índicesconstrutivos estabelecidos pela legislaçãourbanística em vigor (Figura 1).

Figura 1: Edificações com mais de 30 pavimentos

Fonte: Portfolio da Moura Dubeux. Disponível em: <http//www.mouradubeux.com.br>.

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Quem detém o poder do dinheirodispõe de liberdade para escolher entremercadorias suntuosas, localizadas emáreas de status e prestígio, adequada-mente protegidas, cercadas por murose portões, com todos os serviços dese-jados pelo gosto volátil das classes do-minantes.

Com esse modelo de mercantilizaçãodo solo e da habitação, a cidade do Re-cife tem sido afetada pela concorrênciaentre grupos imobiliários na corrida pelosescassos vazios urbanos, levando à es-peculação com terrenos ocupados porhabitações térreas e prédios antigos situa-dos em locais que guardam atrativos.

Verdadeiros “cemitérios urbanos”escondem por trás dos tapumes antigasmansões da burguesia local, bem comoprédios abandonados que mancham apaisagem urbana e que servirão comovalioso estoque fundiário à espera deinvestimentos.

Há ainda outros tipos de derivaçãodo capital que extrapolam as edificaçõescom funções habitacionais. Os mais co-muns são os edifícios dotados de serviçospara escritórios e os hotéis em prédioscom muitos andares construídos em ter-renos valiosos, negociados tanto pelosgrandes proprietários da terra comopelo estado.

Outra tendência da produção capita-lista do solo urbano é a construção de con-domínios fechados. Impelidas por umamistura de temor das cidades, associado

à violência e à saturação das infra-estrutu-ras públicas, e atraídas pelo desejo utópicoburguês de conforto isolado e protegido,as classes abastadas continuam a sair dascidades buscando a tranqüilidade, a se-gurança e o ócio.

Os empresários do segmento imo-biliário habitacional oferecem esses gran-des guetos “doentios” como panacéiapara a desintegração urbana, primeirono centro das cidades e, mais tarde,quando o centro encontra-se saturado,de forma disseminada nas áreas privile-giadas dos municípios vizinhos. Sãoempreendimentos vendidos como locaisprivilegiados, como lugares da almejada“felicidade”, onde se pode ter uma vidaquotidiana abrigada pela beleza naturale longe dos conflitos sociais. A “natureza-paisagem” passa a ser uma mercadoria,uma idéia/símbolo desses empreendi-mentos, e os clientes se transformam emconsumidores de uma nova imagem dascidades que oferece a compra de poderou status (Figuras 2 e 3).

Eesse individualismo centrado napropriedade vem criando uma paisagemnotavelmente repetitiva arquitetonica-mente, cada vez mais associada à totaldependência do automóvel. Os seusimpactos ecológicos são altamente ne-gativos, e os custos sociais e econômi-cos se agravam a cada dia através dasegregação dos espaços dos pobres.“Residir nessa ‘utopia burguesa’ comer-cializada fundamenta a peculiar misturade conservadorismo político e liberalis-mo social” (Harvey, 2004, p. 187).

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Figura 2: Beach Flat Resort: Praia de Muro Alto

Fonte: Portfolio da Moura Dubeux. Disponível em: <http//www.mouradubeux.com.br>.

Figura 3: Marulhos Flat: Praia de Muro Alto

Fonte: Portfolio da Queiroz Galvão. Disponível em: <http//www.queirozgalvao.com.br>.

O empreendedorismo urbanodos projetos estratégicos

No final do século XX, passou-se a legaràs cidades um conjunto de atribuiçõespolítico-econômicas que transformou opapel dos governos. O protagonismo dopoder local na configuração territorial dosinvestimentos na produção e no que con-cerne a decisões sobre as questões admi-nistrativas, programáticas e financeiras depolíticas, que eram tradicionalmente dogoverno central, tem provocado uma

competitividade interurbana pela aloca-ção dos investimentos econômicos. Nessacompetição, a capacidade empreende-dora de cada governo local vem se cons-tituir em um diferencial na efetivação devantagens comparativas em relação aoutras cidades.

As atribuições de natureza econômicareferidas surgem como conseqüênciasespaciais das transformações advindasda reestruturação produtiva em curso.A mobilidade geográfica propiciada pela

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Para tanto, busca-se a efetivação deprojetos estruturadores, sobretudo pormeio de grandes operações de requali-ficação e revitalização de áreas urbanas,não mais provenientes da dotação pú-blica estatal, mas de novos arranjos emque a diminuição dos riscos e os atrativosfiscais e tributários passam a aglutinarinteresses do capital nacional e estrangei-ro. Ainda sob a visão empreendedorista,a promoção externa das potencialidadeslocais, mediante o marketing urbano, éadotada como meio de atrair esses in-vestidores.

Os princípios e procedimentos des-critos tornaram-se inerentes a diversasadministrações de cidades brasileiras,com maior ou menor intensidade. Avariável ênfase atribuída aos princípiosdo empreendedorismo evidencia-se deacordo com a realidade de cada cidadebrasileira. A coalizão de forças políticas,sua capacidade de pactuação social esua potencial inclusão nos processos de(re)configuração produtiva apontamvantagens e desvantagens na acirradacompetição pela transformação da cida-de em um território de oportunidadesdo novo cenário político-econômico.

Todas as grandes e médias cidadesbrasileiras foram afetadas por esse ver-dadeiro surto empreendedor. A vendadas cidades como territórios de oportu-nidades, os negócios urbanos, o citymarketing são alguns dos slogans quemarcam o novo discurso.

No Recife, o estímulo ao empreen-dedorismo pela via dos projetos estra-tégicos e as iniciativas na direção da

flexibilidade dos processos de produçãoe dos mercados redefine funções e con-forma uma nova hierarquia urbana emâmbito mundial. A busca por funções pri-vilegiadas nesse contexto, provocando oacirramento da competitividade interur-bana, difunde um espírito empreendedorque, cada vez mais, passa a incorporar-se ao perfil da gestão local.

O discurso e as estratégias neolibe-rais foram associados à capacidade deenfrentamento das dificuldades conjun-turais. A defesa da mobilização de atoresprivados na viabilização de investimen-tos em setores desregulamentados, pormeio de práticas de gerenciamentoempresarial e da competitividade, intro-duziu a partilha, a concessão, o consenso,a otimização, a flexibilidade e a eficiênciana gestão urbana como princípios daação dirigida à concretização de grandesempreendimentos locais.

As práticas resultantes de tais princí-pios materializam-se a partir, sobretudo,da introdução de um modelo empresa-rialista de administração pública, funda-do na terceirização, na privatização, nasparcerias com o setor privado e na buscada construção de um terceiro setor, decaráter público não-estatal, constituídopor mecanismos de accountability. Essacapacidade empreendedora passa a serentendida, em grande medida, comoresultante da transformação de poten-cialidades econômicas locais em negó-cios e oportunidades territorializadas deatração de investimentos, segundo osprincípios ditados pela reestruturaçãoprodutiva e com base em planos estra-tégicos locais.

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modernização gerencial, das parceriascom setores privados e do city market-ing, que evidenciam a absorção do ideá-rio empreendedorista na gestão urbana,ocorreram, ainda que de forma tímida,na década de 1990, na 2ª administraçãoJarbas Vasconcelos (1993/96) (Leal,2004a).

No período mais recente, nas gestõesde João Paulo de Lima, do Partido dosTrabalhadores (2001/04 e 2005/07), asarticulações para o planejamento estraté-gico se dão no bojo de uma administraçãocujo centro é o paradigma da “CidadeDemocrática”. Do mesmo modo, no mu-nicípio metropolitano de Olinda, nas ges-tões 2001/04 e 2005/207, da prefeitaLuciana Santos, do Partido Comunistado Brasil, também orientadas segundoprincípios ativistas da participação demo-crática, há uma adesão ao modelo deplanejamento estratégico orientado porpremissas do empreendedorismo.

Essa contradição entre as óticas da“Cidade Mercado” e da “Cidade Demo-crática” passa a representar um campode tensão permanente expresso na cor-relação de forças e na hegemonia dosinteresses que perpassam o estado.

Uma das políticas urbanas propostaspelas administrações citadas, ajustada aosparadigmas do empreendedorismo ur-bano, é o Plano Estratégico do Comple-xo Turístico Cultural Recife Olinda,coordenado, no âmbito estadual, pelaAgência Estadual de Planejamento e Pes-quisa de Pernambuco (Condepe/Fidem)e, no âmbito municipal, pela PrefeituraMunicipal do Recife e pela Prefeitura

Municipal de Olinda. Seus objetivos sãoservir de instrumento estratégico de in-dução ao empreendedorismo nas duascidades e promover a integração do pla-nejamento e gestão territorial, com focoem atividades turístico-culturais nos nú-cleos históricos de Recife e Olinda e emseu eixo de conexão, a partir de açõesintegradas cujo desenvolvimento estáprevisto para 20 anos.

O Plano define espacialmente qua-tro territórios de oportunidades de in-tervenção: Recife e Olinda e suas áreasde entorno e ligação, os pólos Tacarunae Brasília Teimosa, sendo cada territóriocomposto por diversos núcleos. As açõessão dirigidas à execução de projetos quecombinam objetivos de crescimento eco-nômico e desenvolvimento urbano, comum sistema de tomada de decisões quecomporta riscos; com a identificação decursos de ação específicos e formulaçãode indicadores e, ainda, com o envolvi-mento de agentes sociais e econômicosao longo do processo (Figura 4).

O nódulo central do modelo de ges-tão e governança do Plano são as parce-rias público/privado que visam possibilitargrandes investimentos em operações derequalificação e revitalização urbana nasduas cidades, a fim de atrair serviços fi-nanceiros, turismo cultural e de lazer eas chamadas funções de hospitalidade.

[...] O Plano sintetiza uma estratégiade intervenção do setor público –com ênfase na esfera municipal, masconectada particularmente com aesfera metropolitana – e de articula-ção com o setor privado, com vistas

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a desenvolver, no território em aná-lise, uma ação integrada - nas dimen-sões de tempo, espaço e agentessociais – que maximize o aproveita-mento do potencial cultural e turísticoda área, entendido como instrumen-to para favorecer o desenvolvimentolocal no sentido mais amplo, com-preendendo dinâmicas sociais, cultu-rais e intervenções físicas. [...] A idéia

é que o plano para o Complexo Tu-rístico Cultural Recife / Olinda funcio-ne como elemento de orientaçãopara as instituições parceiras, na me-dida em que sintetiza as condiçõespara a realização de intervenções asmais diversas públicas e privadas –no amplo território que compreendeo Complexo. (Pernambuco, 2003)

Figura 4: Territórios e núcleos de intervenção do Complexo Turístico Recife Olinda

Fonte: Pernambuco (2003).

Territórios de Intervenção doComplexo Cultural Recife-Olinda.

Territórios Recife e seusNúcleos: Bom Jesus;Moeda; São José; Praçada República; Aurora;Boa Vista; Cinco Pontas.

Territórios Olinda e seusNúcleos: Varadouro;Carmo; Ribeira; Alto daSé e Amparo.

Territórios Tacaruna e seus Núcleos: ParqueMemorial Arcoverde e Espaço Ciência,Centro de Convenções e Centro Cultural daEmpetur, Classic Hall, Fábrica CulturalTacaruna e Shopping Tacaruna.

Territórios Brasília Teimosa e seusNúcleos: Bairro de Brasília Teimosa ePólo Pina.

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Os princípios que orientam a pro-posta do Complexo Turístico CulturalRecife / Olinda estão fundamentados naarticulação entre os atores; na inclusãosocial com foco no cidadão local; na in-tegração das ações e recursos e numapolítica cultural concentrada mas des-centralizada. A partir desses princípios,dois indicativos estratégicos para imple-mentação das ações do Complexo ser-virão de base para o desenvolvimentodas proposições a seguir:

[...] - buscar um equilíbrio entre adinamização econômica e a inclusãosocial, na promoção das ações cul-turais;- procurar uma sintonia entre o poderprivado e o poder público – na condi-ção de agente viabilizador e regulador,definindo estratégias para envolverempresários locais em ações de inte-resse e impacto público. (Ibid.)

O Plano prevê a necessidade de inte-grar os dois centros históricos e a regiãode entorno, de compatibilizar planos epolíticas municipais e metropolitanasrecentes, a exemplo do processo de re-visão dos planos diretores municipais edos planos e projetos setoriais – o PlanoDesenvolvimento Turismo, o ProjetoMonumenta, o Prodetur, o Centro Ta-caruna e, no Território 1 (Recife), o pro-jeto Metrópole Estratégica –, além daconvergência de projetos turístico-cul-turais definidos para a região.

As ações estratégicas se dirigem: àsintervenções prioritárias e à inte-gração de programas existentes; àsdiretrizes de uso do solo – usos e ati-

vidades recomendados, indicativo dezoneamento e regulação; às propos-tas de gestão – papéis dos agentes,formas de cooperação. (Ibid.)

O modelo de gestão do ComplexoTurístico-Cultural prevê a presença deuma intrincada rede de atores que incluinão apenas os municípios territorialmenteenvolvidos mas também instâncias dasesferas estaduais e federal, bem como arepresentação dos agentes privados e dascomunidades.

Entre os princípios de gestão, pre-conizados pelo plano, destaca-se a in-tenção de articular esse leque de atoresinstitucionais, empresariais e comunitá-rios que representam uma ampla gamade interesses sociais e econômicos, nosentido de pactuar esforços em favor deuma nova dinâmica de desenvolvimentopara o território.

[...] A visão geral aqui proposta é deconcepção de uma rede estruturadae aberta, envolvendo tais diferentesagentes, a partir da construção de umconjunto de iniciativas que incluema criação de uma esfera de gestãocompartilhada - com alocação depessoal e planejamento de atividadesespecífico para tal -, assim como apromoção de um intercâmbio institu-cional regular e o estabelecimento deações concretas de integração e com-plementação entre as programaçõesdos diferentes equipamentos culturaisinstalados no Complexo. (Ibid.)

Um aspecto a ressaltar é a presençamarcante dos agentes econômicos na

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futura apropriação dos espaços destinadospara uso de empreendimentos privados,por meio, particularmente, de investimen-tos imobiliários de grande porte nos espa-ços objeto da operação de requalificaçãourbana preconizada, que serão disponi-bilizados a partir da implantação do com-plexo. As operações urbanas para as áreasdo Cais José Estelita e do núcleo Tacaruna,onde se localiza grande extensão fundiária

de propriedade da Marinha, são exem-plos de operações especialmente atrati-vas ao capital. Em ambas as áreas, estáprevista a disponibilização de terrenosdestinados ao setor imobiliário. Diga-sede passagem que essas áreas oferecemgrandes atrativos, naturais e paisagísticos,além de serem dotadas de boa infra-estrutura viária e de equipamentos co-merciais (Figuras 5 e 6).

Figura 5: Simulação da futura ocupação do Cais José Estelita

Fonte: Pernambuco (2003).

Figura 6: Simulação da futura ocupação do Complexo Tacaruna

Fonte: Pernambuco (2003).

Os arranjos institucionais preconiza-dos pelo Plano prevêem um sistema degestão de caráter consultivo com a par-ticipação de todos os atores, além de

uma “Configuração Institucional Socie-tária da Operação”, cuja esfera de tute-la será exercida por uma única entidade,que deverá assumir a forma jurídica de

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pessoa coletiva de direito privado semfins lucrativos, de modo a permitir a suaqualificação como Organização Social(OS) ou Sociedade Civil de InteressePúblico (OSCIP).

[...] Esta entidade a qual chamare-mos de (OS) vincular-se-á peranteas entidades públicas mediante a ce-lebração de um contrato de gestão(ou termo de parceria, no caso devir a ser constituída uma OCIP) quedefinirá as obrigações da OS, bemcomo o programa de trabalho a cum-prir pela OS no âmbito da imple-mentação do projeto, sem esqueceros respectivos objetivos e critérios deavaliação a serem respeitados. (Ibid.)

O aspecto mais polêmico do modelode configuração institucional e societá-ria do projeto de requalificação urbanaproposto é a criação da “Sociedade Im-plementadora”, para a qual, segundopreconiza o capítulo relativo ao modeloeconômico financeiro do plano, serãotransferidos todos os terrenos públicos.Assim,

[...] será essencial assegurar, atravésdos instrumentos contratuais ade-quados, a transmissão dos terrenosobjeto da operação, para a Socie-dade Implementadora, em moldesque permitam a esta executar todosos atos necessários à prossecução do

projeto de requalificação programa-do. (Ibid.)

Os riscos dessa megaoperação detransferência se intensificam na medidaem que ela se funda na lógica de gestãoprivada, na qual o controle pela socie-dade não é assegurado:

Assim, responsável, perante a OS –e, na mesma medida, perante oPoder Público –, pelo cumprimentodos objetivos traçados e por todasas obrigações definidas no Contratode Gestão, e atuando segundo umalógica de gestão/execução privadade interesse público, esta sociedadeterá, necessariamente, de ver legiti-mada a sua intervenção nos terre-nos, ao longo de todas as fases doprojeto, desde o primeiro momentoaté a alienação dos lotes. (Ibid.)

Embora se argumente que a trans-ferência dos terrenos poderia assumir aforma de Capital Social e que se consti-tuiria, na prática, em uma operação nãoonerosa e sem impacto fiscal, materiali-zada através do Contrato de Gestãoentre o Poder Público e a OS, essa ope-ração dota, a nosso ver, a chamada “So-ciedade Implementadora” de poderesfinanceiros e políticos que extrapolamo controle do estado, abrindo espaço àprivatização de bens públicos. 1

1 Ao assumir o governo de Pernambuco em 2007, o governador Eduardo Campos definiu anova equipe de gestão do plano que vem procedendo à revisão do Plano Estratégico doComplexo Turístico Cultural Recife Olinda. Até a conclusão do presente artigo, esse Planonão foi implantado.

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Conclusões: tentáculos do empresarialismo-imobiliário sobre as esferas de governança local

2 O processo de aprovação do novo Plano Diretor do Recife passou por um longo período denegociação: de 2001 a 2002 – Início Revisão PDR, Conselho Gestor Seplam/Dirbam e CDU;de 2002 a 2004 – Texto Base e Comissão Organizadora da Conferência; de 2004 a 2006 –Conferência e Aprovação do Regimento da Conferência no CDU; de 2006 a 2007 –Substitutivo do Projeto de Lei Encaminhado a Câmara; em 2008 – Aprovação do PlanoDiretor do Recife em 29 de dezembro de 2008.

Os movimentos do capital imobiliário nabusca por nichos do mercado se pro-cessam, tradicionalmente, de forma ar-ticulada com os vínculos políticos queesse segmento estabelece com as instân-cias de poder da administração pública.Vínculos que têm crescido em impor-tância em face da presença crescentedos agentes econômicos na governançadas cidades, como determina o receituá-rio neoliberal que prescreve a partici-pação do setor privado como requisitode good governance.

As premissas desse ideário têm estadopresentes nos modelos de empreende-dorismo urbano das cidades, que passama ser protagonistas de experiências de pla-nejamento estratégico centradas na im-bricação entre o público e o privado nagestão e governança dos seus territórios.No caso brasileiro, essa interpenetraçãoprivado/público emerge, contraditoria-mente, em uma conjuntura na qual vêmse fortalecendo os novos arranjos político-institucionais democráticos, que resulta-ram na abertura de espaços e canais departicipação direta, trazendo à tona umaampla estrutura de representação e delegitimação dos interesses populares naagenda pública local.

O estreitamento dos laços de proxi-midade entre os agentes imobiliários ea esfera do poder local vem sendo in-tensificado diante da abertura de espaçosà representação desses atores nas esferasde gestão compartilhada, criadas pelaadministração local. A convivência confli-tante entre a representação dos agentesprivados e a dos movimentos sociais noscanais e mecanismos institucionais degestão participativa tem gerado embatesnos fóruns de participação democrática,como o Conselho de DesenvolvimentoUrbano e as Conferências Municipais eEstaduais.

No Recife, barreiras à especulaçãodo solo urbano têm sido criadas pelaslegislações urbanísticas, a exemplo do an-tigo Plano Diretor de 1991 (Lei 15.547/91), da Lei de Uso e Ocupação do Solo(Lei 16.176/1996), da Lei dos 12 Bairros(Lei 16.719/2001-ARU) e do novo PlanoDiretor do Recife, aprovado em 2008(Lei 17.511/08) 2. O congelamento daverticalização construtiva imposto pela Leidos 12 Bairros criou resistências por partedo setor imobiliário local às mudançaspreconizadas pela lei, e houve tambémreações adversas com relação ao novoPlano Diretor do Recife de 2008, como

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ocorreu na I Conferência do Plano, reali-zada em 2005. Nesta, foi acintosa a gritado empresariado local da construção civil,diante da aprovação, pelos movimentossociais, dos instrumentos de restrição à ver-ticalização, a exemplo do Solo Criado eda Transferência do Direito de Construir,que delimitam parâmetros urbanísticos nasáreas onde ocorrem os maiores índicesde especulação construtiva.

Também foi flagrante a corrida pelolicenciamento e aprovação de projetosno período que antecedeu à referida Leie ao novo Plano Diretor, levando a umestoque de projetos cuja desova deveráprosseguir ainda por um longo períodode tempo.

No entanto, apesar das restriçõesmencionadas, o setor imobiliário temencontrado brechas para negociar seusinteresses no Executivo e no Legislativomunicipal, seja por meio de lobby, sejapor meio de pressões políticas, comopode ser percebido no próprio discursodo prefeito João Paulo de Lima na en-trega do projeto de lei do Plano Diretorà Câmara Municipal, que sinaliza mu-danças em pontos aprovados democra-ticamente pela Conferência:

[..] A chegada do Projeto ao PoderLegislativo é aguardada desde o anopassado. Ele baseia-se no resultadoda Conferência do Plano Diretor,realizada em julho de 2005. Na ava-liação da Prefeitura, o documentoresultante do evento continha pon-tos inconsistentes e inconstitucionais,que já foram retirados durante aformatação do projeto de lei. Mas oGoverno Municipal ainda discordade alguns pontos aprovados naConferência, e enviará, em seguida,emendas para propor alterações deconteúdo. [...] O longo processo dediscussão, que culminou na Confe-rência, fez com que 80% do con-teúdo já esteja consensuado com asociedade. Porém, o governo temuma visão diferente em relação aoutros pontos, e é por isso que man-daremos as emendas. (Matéria Pu-blicada pela Câmara de Vereadoresdo Recife em 08/04/2006) [Grifomeu].

Esses conflitos expressam a luta per-manente entre os “fetiches” do mercadoe os “fetiches” da democracia, inerentesà natureza do capitalismo.

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Resumo

Este trabalho traz uma reflexão sobre asespecificidades e os novos vetores docomportamento do mercado imobiliárionas cidades brasileiras, sob a perspectivade duas tendências. Na primeira, sugere-se a hipótese de que a provisão da mora-dia se organiza por meio de um mercadoprofundamente segmentado, no qual sãoidentificáveis pelo menos quatro grandessegmentos: o empresarial-monopolista,o empresarial-concorrencial, o rentistapatrimonial e a autoprodução parcial. Asegunda tendência se expressa nas mu-danças do capital imobiliário em face dastransformações econômicas não apenaslocais mas, sobretudo, internacionais.Podem-se perceber a formação e a con-solidação de uma nova modalidade deprodução espacial, destinada a umamodalidade de consumo que está sendochamada, pelo mercado, de turismo-

Abstract

This work brings up a reflection aboutthe specificities and new vectors of realestate behavior in Brazilian cities, underthe perspective of two tendencies. In thefirst one, we suggest the hypothesis that,residence provision is organized througha profoundly segmented market, inwhich we can identify at least four bigsegments: organizational-monopolist,organizational-competitive, patrimonialrent-seeking and partial auto-produc-tion. The second vector is expressed onchanges in the real estate capital, faceto not only local but international eco-nomic transformations. One can noticethe formation and consolidation of anew modality of spatial production, ad-dressed to a consumption modality thathas been called, by the market, of realestate tourism. The main objective of thiswork is to understand the particularities

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imobiliário. O objetivo geral do trabalhoé compreender as particularidades doprocesso de estruturação, organização edinâmica de produção do capital imobi-liário na Região Metropolitana do Recifeem suas frações empresarial-oligomono-polista e empresarial-concorrencial e de-rivações para os segmentos turístico efinanceiro.

Palavras-chave: concorrencial, rentista,imobiliário-turístico, oligomonopolista.

of the process of structuring, organiza-tion and dynamic in real estate capitalproduction of Recife metropolitan area,in its organizational-monopolist and or-ganizational-competitive fractions andderivations for touristic and financial seg-ments.

Keywords: competitive, rent-seeking,tourist-real state, monopolist.

Suely Maria Ribeiro Leal é Arquiteta e Doutora em Economia Urbana peloIE/Unicamp, Professora do Programa de Pós-Graduação em DesenvolvimentoUrbano da Universidade Federal de Pernambuco, Coordenadora do Núcleo deGestão Urbana e Políticas Públicas Nugepp/MDU.

Recebido em julho de 2008. Aprovado para publicação em novembro de 2008

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Cadernos IPPUR, Rio de Janeiro, v. 22, n. 2, p. 151-183, ago./dez. 2008.

La literatura teórica de las últimas déca-das expresa un consenso generalizadoen torno a la centralidad de lo urbano yla redefinición funcional del medio rural.Si bien estas lógicas urbanas comenza-ron a esbozarse en etapas anteriores alcapitalismo, y se fueron profundizandoa lo largo de su evolución 1, las manifes-taciones actuales permiten afirmar quelo urbano estructura el espacio en unmarco regional-urbano unificado quedesafía los enfoques convencionales entorno a la relación dicotómica campo-

Políticas rurales en Argentina.Pobreza, localismo y agriculturafamiliar

Silvia Gorenstein

Martín Napal

Mariana Olea

Introducción

ciudad (Diniz, Santos y Crocco, 2006:26).

Esto no significa que las problemá-ticas rurales carezcan de entidad teóricay política. Por un lado, la cuestión ruralatraviesa una aguda redefinición con-ceptual en el marco de la urbanizacióndel campo, los procesos de reestructura-ción de la agricultura, las nuevas tecno-logías de comunicación e información,sumado a la creciente importancia delos negocios ligados a la explotación y

1 A partir de la primera revolución industrial, con el surgimiento de una nueva dinámicaurbano-industrial, el medio rural inicia el proceso de pérdida de centralidad económica,social y simbólica.

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152 Políticas rurales en Argentina. Pobreza, localismo y agricultura familiar

uso de la naturaleza a nivel global. Porel otro, las manifestaciones y alcances so-ciales de estas tendencias asumen formasdistintas entre los países desarrollados ylos periféricos. En las sociedades ricas des-tacan los conflictos relativos a la seguridady diversidad de la alimentación, junto alcuidado del medioambiente, mientras queen la periferia se profundizan las preo-cupaciones por la pobreza y sostenimientode la población rural.

Esta distancia entre las problemáticasno tiene una expresión nítida en los li-neamientos de intervención dominan-tes. Si bien esta afirmación peca de unaexcesiva generalización, ignorando con-tribuciones con otros énfasis y formasde acción, lo que al inicio de este artículose pretende resaltar es la uniformizacióndel discurso público bajo el paragua delpotencial endógeno. Este es el contextodel debate aquí planteado, en un intentode detectar las limitaciones de este en-foque a la hora de mirar y actuar en lorural y, más específicamente, cuando setrata de mejorar las condiciones de re-producción de la pequeña agriculturafamiliar, los trabajadores y la poblaciónrural más vulnerable.

La decisión de colocar la perspecti-va endógena o “localista” en el centrode estas reflexiones se fundamenta entres razones:

— Primero, en la mayor parte de lospaíses latinoamericanos los progra-

mas encuadrados en el financia-miento y recomendaciones de losorganismos internacionales parapaliar la pobreza y promover el de-sarrollo rural, se traducen en formu-laciones gestadas desde esta usinateórico-política: la inserción compe-titiva de la producción local, la ge-neración de fuentes de empleo ruralno agrícola y la dotación de capitalsocial.

— La segunda responde a la posibili-dad de examinar traducciones deldiscurso teórico en un contextoagro-rural de fuerte heterogeneidadentre la región de mayor potencialproductivo y riqueza, propia de laagricultura extensiva (pampeana),las que albergan otras produccionesde exportación y aquellas de mayorrezago socioeconómico, más cerca-nas a la imagen estilizada que amenudo surge de la ruralidad cam-pesina latinoamericana.

— La tercera obedece, de alguna ma-nera, a la inquietud analítica que hadespertado el conflicto reciente entreel gobierno y las entidades agrope-cuarias más importantes del país. Enel marco de esta disputa por la apro-piación del excedente agrícola 2, losfactores involucrados son complejosy diversos, incluyendo la tensión queel modelo productivo en curso ejerceen relación con la lógica de repro-ducción de la agricultura familiar y

2 Se trata del conflicto político en curso, desatado a principios del año 2008, que ha enfrentadofuertemente al gobierno de Cristina Kirchner con las entidades agropecuarias operandoconjuntamente en la llamada Mesa de Enlace (Sociedad Rural, Federación Agraria Argentina,Confederaciones Rurales Argentinas y Confederación Intercooperativa Agropecuaria) tras elrechazo a la política de retenciones a las exportaciones agrícolas (soja, maíz y trigo).

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el sostenimiento de pequeños pue-blos y localidades.

El artículo se estructura en dos partes,además de la introducción y las reflexio-nes finales. En la primera se presentanlas bases de las nuevas políticas rurales,encuadrando los elementos comunes aldiscurso teórico del llamado nuevo regio-nalismo. En la segunda parte se analizael caso argentino. Por un lado, se exami-nan rasgos estilizados de los procesos detransformación en el medio agro-ruraldel país, en un intento de aproximar unadescripción comprensiva de la hetero-

geneidad y diversidad existente en lasrealidades provinciales y regionales. Porel otro, se avanza sobre el enfoque delas políticas rurales. El debate sobre estaspolíticas se apoya en el análisis de do-cumentos oficiales sobre diagnósticos ylineamientos propuestos para el desa-rrollo rural, elaborados por diferentesEstados Provinciales 3. Este materialbrinda una lectura abarcativa de la visiónglobal y los elementos que condicionanlos resultados de las propuestas ruralesorientadas a atenuar las problemáticassociales que devienen del modelo agro-rural en curso.

Las políticas rurales en el contexto del nuevolocalismo

El tratamiento de las transformacionesdel medio rural 4 asumió una crecientedifusión, particularmente, a partir de lareflexión e implementación de políticasactivas en la Unión Europea. 5 Los pobla-dores rurales, un conjunto heterogéneo

que abarca desde agricultores pluriacti-vos, pasando por los neo-rurales (inmi-grantes urbanos en la búsqueda de lacalidad de vida del medio rural), a losresidentes urbanos temporales, se cons-tituyen en el objetivo de diferentes pro-

3 Se trata de los documentos provinciales elaborados en el marco del el Componente Fortale-cimiento Institucional (CFI) del Proyecto de Desarrollo de Pequeños ProductoresAgropecuarios (Proinder), cuyo objetivo es generar condiciones de desarrollo institucionalen ámbitos públicos y otros espacios organizativos relacionados con los pequeños produc-tores familiares, trabajadores y población rural vulnerable. Este material está publicado en<http://www.proinder.gov.ar/Productos/DocumentosProvinciales/Default.aspx>.

4 Desde abordajes que provienen tanto desde perspectivas analíticas urbanas como rurales,esta literatura da cuenta de las transformaciones del medio rural abarcando: el fenómenofísico-funcional; el quiebre de la organización social y espacial basada exclusivamente en laagricultura; cultura y patrones de vida semejantes a los urbanos; difusión de las nuevastecnologías de información y comunicación, entre otros importantes. Para un análisis enprofundidad sobre estos desarrollos teóricos, veáse: Ferrás (2007); Ruiz y Delgado (2008);Gorenstein, Napal y Olea (2007); Gorenstein (2000).

5 Esta discusión cobró impulso durante los años ‘80, cuando la Unión Europea promueve unplan integral de desarrollo rural cuyos lineamientos se sintetizan en El futuro del mundorural europeo. Al respecto, Etxezarreta (2006:140) plantea que en estos países los agricultoresy sus múltiples organizaciones, incluidos los municipios rurales, ejercen una fuerza políticasuperior a su peso real demográfico, y económico.

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gramas de desarrollo rural orientadosfundamentalmente por los postuladosdel discurso teórico del “potencial endó-geno”.

El debate sobre esta perspectiva teó-rica, comprendida en un proceso inter-disciplinario de reconstrucción analíticaal que suele rotularse como el NuevoRegionalismo (NR), es conocido (Amin,2000; Klink, 2001; Fernández, 2007;Brandão et al., 2005). Un breve acerca-miento a esta corriente permite observarque, más allá de los matices teóricos ylos distintos campos disciplinarios, 6 elpunto de convergencia de estas contri-buciones radica en la asociación entreel territorio, en tanto contexto relacionaly de proximidad, y el proceso que per-mite capitalizar la difusión de conoci-mientos e innovaciones. En este marco,tal como señala Fernández (ibid.:101)al analizar las políticas regionales en laUnión Europea “el concepto de com-petitividad fue articulado con el interéspor la cohesión social y territorial”, y entanto sustento del crecimiento “la compe-titividad fue entendida como el resultadode la adaptación a la nueva economíadel conocimiento considerada por el Con-sejo Europeo de Lisboa (2000) como un

objetivo estratégico en pos del desarrollosustentable”.

Este es el laboratorio que ha inspi-rado, más allá de los matices existentes,a los diseños y lineamientos de políticasagro-rurales que se difunden en AméricaLatina. Vale la pena recalcar que estepatrón genético no necesariamente seexpresa en el mismo cuerpo de accionesrurales. 7 Sí, en cambio, que es a travésde la visión dominante en torno a lacompetitividad, que requiere lazos desolidaridad y complementariedad ancla-dos en el territorio (Wilkinson, 2003),desde donde se articulan las políticasagro-rurales de los últimos años. Estaconfluencia se plasma a través de losaspectos siguientes:

— Se trata de estimular la integracióncompetitiva de la pequeña agricultu-ra familiar a los mercados globaliza-dos impulsando, simultáneamente,la creación de empleos en activida-des no agrarias para facilitar las estra-tegias pluriactivas de estos sectores.Es decir las posibilidades de diversi-ficación de los ingresos de la familiarural, a través de su ocupación endiversas actividades y servicios.

6 Comprende una extensa literatura con contribuciones, muy variadas, que enfatizan en lolocal como actor/sujeto económico con capacidades endógenas para ajustarse a las nuevasexigencias de la acumulación del capital y la inserción dinámica en mercados globales. Lasinvestigaciones refieren a la gestación y desarrollo de clusters, nuevos distritos industriales(NDI), regiones de aprendizaje (learning regions) y entornos innovadores (milieu); y, losllamados modelos de desarrollo endógeno (distintos a los de crecimiento endógeno), queenfatizan en los recursos y procesos internos de las regiones (Alburquerque, 2002; VazquezBarquero, 1999, entre otros ), en los activos relacionales y las interdependencias no- mercado(Storper, 1995) y en el aprendizaje colectivo (Pecqueur, 1996, entre otros).

7 Las principales líneas de este accionar se encuadran en el llamado abordaje territorial deldesarrollo rural (Schejtman y Berdegué, 2004).

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— Las acciones deben estar inmersasen un ambiente localizado –comu-nidad local– donde la articulación delos actores sociales y el tejido institu-cional tienen la misión fundamentalde construir “ambientes sinérgicos”.El rescate del concepto de capital so-cial 8 se inscribe en esta visión y re-fiere a la movilización de las fuerzassociales, espíritu cooperativo y, endefinitiva, capacidad para concretarproyectos colectivos (territorial)9. Estacuestión se vuelve clave a la horade implementar políticas, ya que suausencia puede bloquear tanto lasiniciativas de la sociedad civil comola receptividad de los programaspúblicos, particularmente, aquellosinducidos para la proyección com-petitiva y el desarrollo de los territo-rios rurales.

— Por último, otra cuestión que atra-viesa a estas propuestas, refiere alotorgamiento de facultades másamplias para los gobiernos localesen el marco de interrelaciones con lacomunidad que potencien las diná-

micas participativas. La descentrali-zación, entonces, es una condiciónnecesaria, para el desarrollo rural,entendiendo que se trata de una mo-dalidad de relacionar gobierno y so-ciedad civil, impulsando la sinergiade ambos sectores mediante proce-sos de acuerdo y acción conjunta –concertación.

Tres o cuatro observaciones sobreesta visión hoy hegemónica. En primerlugar, es preciso entender que el énfasisen el círculo virtuoso asociado al “po-tencial endógeno” se ha corporizado enuna concepción unificada del desarrolloterritorial integrado y sustentable. Lamisma macro-visión se utiliza para pro-mover el desarrollo en diferentes escalasy densidades urbanas, regionales o rura-les 10. Así, el accionar rural en nuestrospaíses supone, explícita o implícitamen-te, que bajo el estímulo de los factoreslocalizados, los recursos inmateriales eintangibles y la voluntad comunitaria esposible remover los condicionantes(económicos, sociales, políticas, ambien-tales) al desarrollo rural.

8 Frente al alcance y difusión generalizada de la noción de capital social, hay autores querecuerdan que el conjunto de procesos cubierto por el concepto no es nuevo, dado que hasido estudiado bajo otras etiquetas en el pasado. Durston (2002) señala, por ejemplo, quePortes (1998) alude al comienzo de la sociología y rescata a Espinoza (1998) cuando afirmaque estas “nuevas” ideas constituyen, más bien, un concepto sensibilizador que dirige laatención a la importancia de la sociabilidad pero no la explica.

9 Caravaca et al. (2005:17) señalan que “debe ser entendido como capacidad organizativa yaptitud social para el desarrollo, determinando la habilidad y la facilidad de las gentes y delos grupos para trabajar juntos por un objetivo común. Se diferencia así de otros factores dedesarrollo por su carácter relacional puesto que sólo existe cuando se comparte”.

10 Al respecto, resulta oportuno rescatar reflexiones de Carlos Vainer en su análisis crítico sobreel planeamiento estratégico, una de las herramientas más difundidas del paradigma localista:“esta permanente flexibilidad y fluidez conceptual opera como un poderoso instrumentoideológico, proveyendo múltiples y combinadas imágenes y representaciones, que puedenser usadas según la ocasión y la necesidad” (Vainer, 2000:100).

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En segundo lugar, y relacionadocon lo anterior, la reducción de la po-breza rural en los países de AméricaLatina sigue siendo un punto central dela agenda para los organismos interna-cionales (BM, BID, FAO, FIDA). Losgrandes lineamientos difundidos porestas usinas teórico-políticas, amalga-man sin mayores mediaciones los prin-cipios orientadores arriba mencionadostanto para delinear estrategias de vin-culación comercial a mercados dinámi-cos como para estimular la participacióny el empoderamiento de los pobres ru-rales. Desde esta óptica, es dada poca onula atención en torno a las dinámicasde acumulación y la estructura de poderen cadenas globalizadas, las relacionesde producción en las tramas productivaslocalizadas que perpetúan la pobreza ymarginalidad, entre otros aspectos rele-vantes (Gorenstein, Barbero y Napal,2007).

En tercer lugar, la cuestión del capi-tal social en el sentido del ambiente si-nérgico que favorece la articulacióncooperativa y solidaria de los actoreslocales. Inducir capital social suele sermucho más difícil de lo que se desprendede las elaboraciones teóricas de moda.Moyano Estrada (2006) –referenciandoobservaciones de Graziano da Silva(2000) relativas a sociedades rurales enpaíses periféricos– advierte sobre los ries-gos de adoptar políticas inspiradas enpaíses con una sociedad civil autónoma

y articulada, como el caso de la UniónEuropea, en lugares donde tales estra-tegias pueden ser monopolizadas poroligarquías locales y sus redes de cliente-lismo. En ámbitos rurales donde la po-blación es escasa y dependiente delempleo público, tal como sucede enmuchas localidades de Argentina, estassituaciones son bastante habituales.Manzanal (2006:41), por su parte, plan-tea que este patrón de comportamientono sólo reduce y condiciona la libertadde acción de actores y organizacionessino que también contribuye al “descrei-miento social, el desinterés por participary, en definitiva, a la desmovilización”.Buena parte de las experiencias exami-nadas en este artículo, subrayan esta pro-blemática.

En síntesis, el accionar el rural –al igualque el urbano– hoy presenta una fuertesintonía con enfoques que colocan unénfasis especial sobre las capacidades lo-cales en las que se corporizan procesosdinámicos de transformación productiva,desarrollo institucional y social. El debatepasa, entonces, por las características quedevienen de las condiciones periféricasde los países y sus propias áreas rurales,localidades y/o regiones; las diferenteshistorias productivas y condicionanteslocales, las bases socio-culturales especí-ficas, las distintas dotaciones de recursosnaturales y humanos, las dispares formasy calidades de gobierno y articulacionesinstitucionales.

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Elementos del caso argentino

La población rural

Como lo expresa la tendencia mundialy, en el continente de América Latinaen particular 11, la población rural enArgentina experimenta una fuerte caídadesde hace más de cuatro décadas y,según las últimas cifras censales (CNP,2001, INDEC), representaba un 10,5%de la población total si se aplica el criteriode ruralidad vigente. 12 Sin embargo,aún dentro de esta baja dimensión re-lativa, la incidencia de la pobreza es sig-nificativa. En efecto, según la mismafuente de información, más del 30% dela población rural era pobre 13 –frente auna incidencia de la pobreza urbana quealcanzaba la mitad de este guarismo– y,tal como se refleja en el Cuadro 1, existeuna fuerte heterogeneidad intra e inter-regional tanto en la incidencia de la po-breza rural como en términos de su pesorelativo en la población total.

Las regiones más rezagadas (NEA yNOA) albergan el mayor porcentaje depoblación rural (23% y 21% respecti-vamente), con jurisdicciones provinciales

como Santiago del Estero y Misiones quealcanzan valores que rondan el 30%. Sonprecisamente las provincias que integranestas dos grandes regiones las que con-centran la mayor proporción relativa depoblación rural dispersa, pese a la diná-mica descendente entre los dos últimoscensos (14% y 3% respectivamente).Aproximadamente 1.700.000 personasviven en pequeños pueblos, áreas rura-les dispersas y establecimientos agríco-las distribuidos en el NEA y NOA. Dadoel escaso desarrollo relativo en estas pro-vincias, a su vez, se observa una elevadaproporción de hogares con necesidadesbásicas insatisfechas (NBI) 14.

En el grupo de provincias más ricas,agrupadas en la región pampeana, se dis-tribuyen un poco más de 1.400.000 habi-tantes rurales que representan menosdel 7% de la población total regional. Lacaída de la población rural dispersa, contasas superiores al 20%, se manifiesta encasi todas las jurisdicciones mientras quela asentada en pequeñas localidades,salvo en La Pampa, crece a tasas muyheterogéneas. En Buenos Aires se mani-

11 La tasa de urbanización pasa de 56,5 en 1970 al 76,8 en el 2000; más aún, en la útlimadécada del siglo pasado la población rural absoluta disminuye en más de 3 millones depersonas (Nações Unidas, 2005).

12 Se consideran rurales a todas aquellas localidades de hasta 2000 habitantes. Cabe hacernotar, sin embargo, que tanto en la literatura teórica como en documentos oficiales másrecientes han comenzado a plantear la discusión sobre los criterios de medición del espaciorural, en la búsqueda de indicadores que reflejen las nuevas realidades rurales. (Castro yReboratti, 2008; Neiman y Craviotti, 2006)

13 Medido en términos del indicador censal de Necesidades Básicas Insatisfechas (NBI).14 En varias localidades y departamentos de Formosa, Chaco y Catamarca, por ejemplo, los

hogares receptores de planes sociales en el año 2005 superaban el 50%, con niveles quealcanzaban el 80% como en el departamento de Bermejo (Chaco) (Gatto, 2007:336).

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fiesta la mayor urbanización, con la tra-dicional concentración poblacional en suregión metropolitana y el crecimiento delas ciudades con una población superiora los 10.000 habitantes (Gorenstein,Napal y Olea, 2007). Entre Ríos, Cór-doba y Santa Fe detentan, en términosrelativos, los territorios rurales más habi-tados. Cuantitativamente la poblaciónrural de estas jurisdicciones explica entreel 17 y el 10 del total, más que triplicandoel peso de estos habitantes en la jurisdic-ción bonaerense.

En las provincias ubicadas en la re-gión cuyana, resalta el peso de la po-blación rural dispersa en Mendoza sibien encuadrado en un marcado creci-miento de la población agrupada; encambio, en el caso de San Juan, el des-censo de la población rural se asocia conla caída en ambas categorías poblacio-nales. Por último, en el grupo de pro-vincias patagónicas se conjuga unacompleja trama de factores ambienta-les y geográficos que condicionan supotencial para desarrollar produccionesagropecuarias y sostener población enel medio rural. En este marco, como seaprecia en el Cuadro 1, todas las pro-vincias tuvieron una evolución negativade la población rural.

En suma, se ha dado una reduccióncercana a las 350.000 personas de lapoblación rural por la caída absoluta queexperimentan los habitantes en explota-ciones agropecuarias, áreas rurales y pe-queñas localidades (rural dispersa 15). Porsu parte, se profundizan las condicionesde pobreza de la población residente tanto

en las nuevas áreas de expansión agrícola(Santiago del Estero, Chaco, Tucumán ySalta) como en el medio rural de las res-tantes provincias de mayor rezago econó-mico (La Rioja, Jujuy, y Formosa) (Gatto,2007).

Los pequeños productoresfamiliares

Esta categoría analítica sigue siendo ob-jeto de debate en la literatura especiali-zada; su definición no es precisa: en unextremo se engloba a pequeños produc-tores familiares de subsistencia, entreellos los campesinos en su concepciónclásica, y en el otro puede aludir a pe-queñas explotaciones en términos de susuperficie y ocupación, pero con gradosde capitalización y rentabilidad relativa-mente altos (Tsakoumagkos, Soverna yCraviotti, 2000).

Siguiendo a Carballo (2004:9), lasvariables que reflejan lo que se podríanllamar “denominadores comunes” de losestudios agrarios en la materia, contem-plan: predominio del trabajo familiar enlas tareas productivas; acceso limitadoo nulo al capital y al crédito, y compo-nentes importantes del capital fijo depre-ciado; una escala productiva o dimensióneconómica que difícilmente le permitesuperar las necesidades de reproducciónfamiliar y de su explotación. El mismoestudio señala la importancia del mer-cado tanto para la venta de los produc-tos como para el aprovisionamiento deinsumos y, asimismo, la integración dela pequeña agricultura familiar del país,como proveedora de materias primas de

15 La población rural dispersa disminuye 456.679 y la población agrupada aumenta 105.441.

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distintas ramas agroindustriales (cultivosindustriales, alimentos). Slutzky (2008),por su parte, remarca que si bien la te-nencia de la tierra constituye un condicio-namiento importante para los pequeñosproductores familiares, su capacidad dereproducción exige contemplar otro con-junto de restricciones: tamaño de la ex-plotación, nivel de capitalización, el tipode suelos, el acceso al agua, otros condi-cionantes físicos y ambientales, la orienta-ción productiva, el acceso a innovacionestecnológicas, así como la configuraciónde la estructura de poder en las cadenasagroalimentarias a las que se insertan.

En cuanto a la importancia cuanti-tativa de los pequeños productores enla agricultura argentina, el trabajo reali-zado por el Ministério de Agricultura,Canadería y Pesca (2006b) ofrece pre-cisiones partiendo de la tipificación dela Explotación Agropecuaria que dirigeny contemplando las diferencias agroeco-lógicas regionales 16. Cabe destacar quedentro de esta estrategia empírica, sediferencian tres situaciones o niveles so-cioeconómicos entre los pequeños pro-ductores familiares, ubicando el estratoinferior entre aquellos cuya escasez derecursos no le permite vivir exclusiva-mente de su explotación y mantenerseen la actividad; recurren, entonces, aotras estrategias de supervivencia (tra-bajo extrapredial, generalmente comoasalariado transitorio en changas y otrostrabajos de baja calificación). Al contras-

tar con la lógica y objetivos de los Fon-dos destinados a los Programas de De-sarrollo Rural, se observa que es estegrupo el que explica, mayoritariamente,el destino de estos aportes públicos du-rante los últimos años.

Como se puede apreciar en el Cua-dro 2, las regiones NEA y NOA, no soloconcentran la mayor proporción de ex-plotaciones que reúnen los rasgos pro-pios de la pequeña agricultura familiarsino que, al mismo tiempo, la participa-ción del estrato inferior dentro del con-junto muestra el peso más alto de todaslas regiones del país. Esta configuraciónde la pequeña agricultura se completacon valores relativamente superiores deproductores que trabajan fuera de laagricultura para completar ingresos.

En las jurisdicciones de la regiónpampeana, pese a los procesos de des-plazamiento que se verificaran en lasúltimas décadas, este tipo de explota-ciones aún mantienen su participaciónrelativa, en parte explicado por la menorsignificación relativa del estrato inferior.La información parcial disponible revelaque en estas jurisdicciones las estrate-gias pluriactivas (fuera de la agricultura),así como la actividad ganadera y la api-cultura, contribuyen a frenar el despla-zamiento de las pequeñas explotacionesderivado del modelo agrícola basado enla agricultura extensiva y de gran escala(Tsakoumagkos et al., 2008).

16 La metodología considera: que el productor trabaja directamente la explotación; no empleatrabajadores no familiares remunerados permanentes; no tiene como forma jurídica la “sociedadanónima” o “comandita por acciones”; tienen una superficie total cuyo rango varía entre 5000 haspara la región patagónica y 500 has para provincias del NEA; mientras la superficie cultivada tieneun rango de 500 has en las provincias de la región pampeana a 25 en los oasis de riego del laPatagonia y Cuyo. Ver detalles en Ministério de Agricultura, Canadería y Pesca (2006b:31-45).

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En las provincias de Cuyo, la pequeñaagricultura familiar se orienta mayorita-riamente a la fruticultura (vid, y frutas decarozo) y, en menor medida, a la horti-cultura (tomate, ajo, cebolla, lechuga).Por su parte, dentro del estrato inferiorde la pequeña agricultura es usual la ga-nadería (ovina y caprina) con fuertes ca-racterísticas vinculadas a produccionesde subsistencia (Tsakoumagkos et al.,2008). En este marco, el dinámico sec-tor turístico mendocino y la movilizaciónmás reciente de la minería metalífera enSan Juan, pueden explicar algunas ocu-paciones extra-sectoriales.

Por último, en el grupo de provin-cias patagónicas, con el fuerte predo-minio de las actividades hidrocarburíferae hidroenergética, se combinan áreasbajo riego ligadas al desenvolvimientodel complejo agroindustrial de frutas depepita (Río Negro y Neuquén), y vastosespacios en todas la provincias de estaregión orientados a la ganadería (ovinosy caprinos). En los sectores de la agri-cultura familiar se verifican procesos queponen en peligro la sobrevivencia de susexplotaciones, tanto por procesos deconcentración como ocurre en la fruticul-tura (Preiss, 2006) como por sobreexplo-tación de los factores productivos –tierra,acceso al agua– propios de la ganadería(Easdale, 2005).

En suma, en las regiones más reza-gadas se puede observar una alta pro-porción de explotaciones familiares desubsistencia con altos índices de pobrezaque dependen, cada vez más, de activi-dades extraprediales para su mante-nimiento en el medio rural. Gran parte

de estos procesos se combinan con ladinámica expansiva de ocupación de tie-rras productivas para el desarrollo de laagricultura en gran escala (soja). Un fe-nómeno también presente en regioneso zonas de agricultura intensiva y pro-ducciones de alto dinamismo exportador(vitivinicultura, fruticultura). Por su par-te, en las provincias más ricas –tal comose analiza más adelante– este procesoestá mediado por diferentes formas depluriactividad que contribuyen al soste-nimiento de las pequeñas explotacionesfrente a la profundización del modelosojero. En otras regiones, con zonas demenor potencial agroecológico, la peque-ña agricultura familiar orientada al abas-tecimiento del mercado local-regional(horticultura, granja, etc.) ve limitada sucapacidad de reproducción en el marcode un proceso de inaccesibilidad de re-cursos productivos (tierra, agua, etc.) y/o disminución de la demanda asociadaal despoblamiento de los pueblos.

Las tendencias agro-ruralescontemporáneas

Escapa a los alcances de este trabajo unanálisis pormenorizado de los cambiosy tendencias en curso en la agriculturay el medio rural del país. Aquí interesahacer notar tres cuestiones que formanparte del debate actual sobre la proble-mática agro-rural nacional. La primerarefiere al proceso de expansión de lafrontera agropecuaria, asociada al des-pliegue espacial de la producción de sojatanto en la pampa húmeda como enzonas no pampeanas, muchas de ellas,ligadas históricamente a la producción

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de otros cultivos (Ver Gráfico 1). Esteproceso fue el resultado de la difusiónmasiva de un nuevo paquete agronómi-co y tecnológico (semilla transgénica,siembra directa, fertilizantes y herbicidas)en el contexto de dinámicas de transfor-mación a escala global en el cual interac-túan desde el surgimiento– expansión delmercado chino hasta los desarrollos ener-

géticos y de provisión de insumos alter-nativos al petróleo. Muy asociado a estemodelo tecno-productivo, los nuevosriesgos ambientales ligados al uso inten-sivo y sin rotación de las tierras, la conta-minación hídrica por exceso de nitratoso fosfatos, la diseminación de envases deherbicidas, entre otras problemáticas quecomienzan a difundirse.

Gráfico 1: Evolución del área sembrada en Provincias Seleccionadas

Continúa

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En segundo lugar, se verifica la pro-fundización de la concentración econó-mica y la centralización del capital a lo largode todas las cadenas agroalimentarias(cereales, oleaginosos, carnes, frutícola y

vitivinicola entre las más importantes).En este contexto, especial atención me-recen los procesos ligados a la presenciade nuevos agentes nodales transnacio-nalizados (en la provisión de insumos y

Fuente: Elaboración propia en base a SAGPyA.

Gráfico 1: Continuación

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166 Políticas rurales en Argentina. Pobreza, localismo y agricultura familiar

equipos, por un lado y actividades decomercialización, por otro) 17, la natura-leza de las innovaciones que se difundenen la agricultura y, en general, las diná-micas que conducen a redefiniciones enlas estrategias empresariales y en las for-mas de coordinación a lo largo de lastramas (Lavarello, 2004; Gutman y La-varello, 2002; Bisang, 2007; Viteri yGhezán, 2002; Bendini y Steimbreger,2002; Preiss, 2006).

En el marco de estas dinámicas seelevan las barreras de entrada para laefectiva adopción de los paquetes tecnoló-gicos así como las barreras a la movilidad(esto es, a la transición de explotacionesdesde los estratos de tamaño inferiores alos superiores), profundizando los pro-cesos de expulsión de los sectores ligadosa la agricultura familiar de sus explota-ciones, trabajos y/o localidades. Una rá-pida ilustración de estas consecuenciassociales puede obtenerse a través de lascifras censales: casi 100.000 explotacionesfamiliares pequeñas y medianas menosentre 1988-2002, un aumento del ta-maño promedio de las explotaciones delpaís de más de 100 has y, entre 1991-2001, tal como ya se mencionó, se re-duce en unas 350.000 personas de la

población rural mientras que se agudizanlas condiciones de pobreza de la pobla-ción residente, particularmente, en lasprovincias y regiones más rezagadas. Estasituación, por su parte, persiste aún enaquellas provincias que integran las nue-vas áreas de expansión agrícola (Santiagodel Estero, Chaco, Tucumán y Salta) Eneste sentido, los casos de Santiago del Es-tero y Chaco resumen una característicasaliente del fenómeno expansivo ligadoal complejo sojero: un cambio tecno-pro-ductivo que desarticula entramados lo-cales de producción y empleo 18.

De un modo diferente puede pen-sarse en el caso de las áreas agro-ruralespampeanas. En efecto, numerosos pue-blos y pequeñas y medianas ciudadeshan experimentado cierta reactivacióneconómica motorizada por la demandade insumos, equipamiento, servicios tec-nológicos, sumado al efecto renta que,entre otros sectores, se tradujo en el cre-cimiento de la construcción. Pero en esteámbito espacial también hay una altaheterogeneidad entre municipios quemanifiestan muy disímiles tamaños ydensidades urbanas, con numerosas lo-calidades con alternativas económicasreducidas al agro zonal. Los sectores de

17 Los casos de frutas frescas y vitivinicultura son ilustrativos. Más allá de la situación coyunturalde cada producto en el mercado internacional, la reconversión de estos complejos durante ladécada del ‘90 llevó a una concentración del capital vía inversiones en tecnología paraaumentar la productividad de las plantaciones (especialmente las integradas con las fases deempaque, procesamiento y, en el primer caso, sitios portuarios), mientras que la crisis cambiariade 2001/2002 impulsó la centralización, favoreciendo las adquisiciones de firmas de empa-que, bodegas y comercialización menos eficientes por parte de las más grandes.

18 Un cálculo aproximado revela que esta cadena oleaginosa genera menos de un empleo cada100 has, mientras que el algodón, principal cultivo de su base productiva anterior, genera15. Nótese, a su vez, que el modelo de agricultura extensivo y de gran escala requiere nuevascapacidades y habilidades para los trabajos temporarios en la provisión de servicios a laproducción (manejo de maquinarias informatizadas en siembra y cosecha).

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la agricultura familiar de la región pam-peana conviven, entonces, no sólo conlos procesos de desplazamiento (tecno-lógico y económico) reseñados sino conmuy disímiles alternativas en términos deotras actividades rentables y/o empleosextra-prediales.

En este sentido, la tercera tendenciaa remarcar tiene que ver con el procesode arrendamiento de las explotacionesagropecuarias. La mayor parte de laproducción sojera (y granaria en gene-ral) se realiza en grandes extensiones,bajo contratos de arrendamiento a losllamados pools de siembra, fondos deinversión, y fideicomisos financieros.Este fenómeno de cesión de tierras hasido significativo entre los pequeños ymedianos productores, particularmentelos ubicados en zonas pampeanas y deexpansión sojera (Slutzky, 2003; Cloquellet al., 2005). El proceso de valorizaciónde la tierra y los altos arrendamientosvigentes en los últimos años han rever-tido, en cierta medida, las característicasdel desplazamiento económico que ex-perimentan estos sectores en el períodoanterior. En efecto, la venta y/o liquida-ción de campos que se efectivizara du-rante las décadas del ’80 y buena partede los ’90 del siglo anterior, con el con-secuente fenómeno emigratorio hacialas ciudades más próximas o de impor-tancia regional, hoy parece subsumirseen un renovado rentismo agrario donde

también participan sectores de la agri-cultura familiar. 19 Entre ellos, sin embar-go, tanto están los que han alquiladosus campos, convirtiéndose en rentistas(urbanos o pueblerinos), como los quese mantienen activos como productores,y localizados en las zonas de mayor pro-ductividad y densidad urbana, combinanactividades (individuales y familiares)extra-prediales fuera o dentro del sector.

Al respecto, cabe resaltar aquí otrofenómeno importante: la pluriactividad.Su presencia entre las estrategias y sen-deros evolutivos de los pequeños y me-dianos productores familiares de todaslas regiones agro-rurales del país, talcomo se refleja en el Cuadro 2, muestraque las salidas fuera del propio sectorde actividad es una práctica que involu-cra tanto a los que están insertos en laagricultura extensiva como en otras pro-ducciones típicas regionales (hortifructi-cultura; ganadería ovina, caprina).Investigaciones recientes ponen en evi-dencia su importancia ofreciendo pre-cisiones sobre las diferencias regionales:los productores pluriactivos en ocupa-ciones asalariadas en el NEA y NOA,mientras las ocupaciones por cuenta pro-pia se destacan en las provincias pam-peanas (Tort y Román, 2005:53).

En este marco, el factor locacionales importante y delimita las posibilidadesreales en términos de trabajo, ingreso y

19 Este fenómeno constituye una línea argumental importante del gobierno de Cristina Kirchnerfrente a las corporaciones agropecuarias que enfrentan su política de retenciones a las expor-taciones de soja. Las raíces teóricas del debate sobre los propietarios de la tierra y el agro dela pampa húmeda pernean, sin duda, esta discusión y encuadran los aportes que se handifundido en el período reciente. Véanse, entre otros, Basualdo y Khavisse (1993); Basualdo(1996); Arceo (2002); Rodríguez y Arceo (2006); Manzanal (2008).

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reproducción de los pequeños produc-tores familiares. En efecto, hay áreasrurales lejanas a los centros urbanos, conmuy malas condiciones de conectividadpor la falta y/o deficiencias en las infraes-tructuras de comunicación y transporte,en las cuales hay una mayor incidenciade los costos de acceso a diferentesmercados (de trabajo, capital, produc-tos e insumos) 20. En Argentina, tal comoocurre en las estructuras rurales de otrospaíses de la región, la polarización terri-torial, expresada en los muy diferentesgrados de concentración y crecimientourbano, constituye un factor importantea la hora de explicar las mayores diver-gencias sociales en términos de ingresosy acceso a los servicios públicos, así comolas pronunciadas diferencias económico-productivas (Dirven, 2001).

En suma, las tendencias en curso re-velan los cambios significativos en el perfilproductivo por la irrupción de otros cul-tivos en provincias de regiones rezagadas(pampeanización) 21; la competencia enel uso del suelo agrícola; la fuerza e inten-sidad de los procesos de concentracióneconómica en las CAA; la desertificaciónsocial del espacio rural; la pobreza ruraly, en definitiva, los elementos que demar-can el contexto de las políticas rurales quese discuten.

Los lineamientos ruralesdominantes

Dos observaciones preliminares. En pri-mer lugar, hay un plano de intervenciónsobre el medio rural del país y, la agri-cultura familiar en particular, que estáimplícito (por acción u omisión) en laspolíticas agropecuarias y sus orientacio-nes. Escapa a los alcances de este artí-culo el tratamiento de las innumerablesdiscusiones y controversias sobre la na-turaleza, problemas, condicionantes yperspectivas de estas acciones, especial-mente a la luz del conflicto desatado enel último año. En concreto, una caracte-rística a resaltar es que las tendencias queprofundizan la concentración y centraliza-ción del capital en el agro y, más en ge-neral en los eslabones estratégicos de loscomplejos agroalimentarios más impor-tantes, no se han revertido, lo que exigeespecial reflexión a la hora de confrontarlos resultados de las políticas rurales encurso. En segundo lugar, los programasy políticas rurales constituyen el planode intervención explícita sobre estas rea-lidades.

Estos lineamientos, tal como ya seha señalado, remiten a las recomenda-ciones de política de los organismos in-ternacionales para paliar la pobreza rural:

20 En Mateo (2002:9), retomando la tipificación de De Janvry y Sadoulet (2001), se contemplantres “salidas” potenciales para los agricultores más pobres: i) los más cercanos a los centrosurbanos, pueden especializarse en productos para el mercado nacional o internacional; ii) losdistantes continuarán con actividades de subsistencia, complementando las mismas con unmayor nivel de empleo fuera de sus explotaciones; iii) los ubicados en zonas aisladas,además de la emigración a las ciudades, continuarán con un nivel alto de marginalización ypobreza.

21 Este término alude a la expansión de uno de los principales cultivos extensivos que sedesarrollan en la pampa húmeda (soja) en zonas agrícolas extra-pampeanas.

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promover los sectores dinámicos de laagricultura. es decir aquellos con poten-cial competitivo en mercados globalizados;impulsar, simultáneamente, la creación deempleos en actividades no agrarias a finde fortalecer las estrategias pluriactivas delos sectores de la agricultura familiar des-plazados; combinar políticas focalizadasde asistencia a los sectores sociales másvulnerables (familias rurales, comunida-des, etc.).

En términos de la teoría que da sus-tento a estas orientaciones, y en sentidoamplio, el desarrollo rural tiene una di-mensión integral y fructifica en aquellosterritorios capaces de endogeneizar con-diciones económicas, sociales e institu-cionales virtuosamente convergentes.

Resulta interesante intentar una re-flexión sobre la forma en que esta ma-crovisión se traduce en los grandeslineamientos estratégicos para el desa-rrollo rural en diferentes provincias. Loque se presenta a continuación se ali-menta de las fuentes documentales men-cionadas al comienzo del artículo (verreferencia 3) y, más allá de los enunciadosformales y particularidades provinciales,lo que interesa analizar son los tres ele-mentos clave que explícita o implícita-mente integran el debate en torno almodelo de ruralidad que se promueve:

a) Qué tipo de potencial endógeno?

El primer elemento a destacar es laadopción de la perspectiva del desarrolloendógeno o, más recientemente, el De-sarrollo Territorial Rural (DTR) 22 no seapoya en una única propuesta.

Por un lado, se identifican linea-mientos centrados en el estímulo y crea-ción de condiciones de competitividadpara nuevas producciones primarias.Este esquema, presente en las áreas deformulación de políticas agropecuariasde la mayor parte de las provincias(también a nivel nacional), supone lautilización de incentivos para mejorardesarrollar productos con demanda in-ternacional. Durante los últimos años,varias producciones intensivas o no tra-dicionales han sido estimuladas desdeesta óptica, de manera general o pormedio de medidas específicas (progra-mas de productos/tramas, zonas agro-productivas). Así, las líneas de apoyo alos pequeños agricultores combinanotras que apuntan a determinadas pro-ducciones o actividades agrícolas, encua-drando la doble finalidad de incrementarsu competitividad y generar condicio-nes para la agricultura familiar. 23

Este tipo de soluciones, sin embargo,pueden entrar en conflicto. Las políticasde incentivo fiscal a “nuevas” produc-

22 Esta noción aparece en los documentos provinciales más recientes, mencionando los criteriosy definiciones difundidas a partir del trabajo del Secretaría de Agricultura, Ganadería, Pescay Alimentación (2006).

23 Entre otros casos, el programa ProMendoza, es elocuente en este sentido; el énfasis estapuesto en la configuración de un espacio organizativo que promueva la inserción competitivade las producciones provinciales y que participe e interactúe con las instancias públicasnacionales y provinciales responsables de la política sectorial y rural.

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ciones (con mercados externos poten-ciales), que se está implementando ennumerosas provincias extra-pampea-nas, generan competencia en el uso delsuelo agrícola con producciones fami-liares tradicionales (huertas, pequeñosrodeos, granjas, etc.). También, se regis-tran efectos sobre estos sectores por lavía de la dotación/disponibilidad del unrecurso estratégico como el agua, pro-fundizando los efectos del proceso de“pampeanización”. 24 Asimismo, aumen-tan los riesgos ambientales, por problemascon la conservación y contaminación desuelos y bosques, por efectos de la ero-sión, el desmonte sin regulación, y la conta-minación por desechos tóxicos agrícolas.En otros casos, paradójicamente, el es-quema de asistencia orientado a los pe-queños productores se ha convertido enun subsidio indirecto para los nodos deciertas tramas productivas (cunicultura,otros pequeños animales) o han genera-do circuitos productivos informales (fisca-les, condiciones de calidad) que atentansobre la competitividad global de la trama(Gorenstein et al., 2006; Gutman et al.,2004).

Otra línea de intervención pone elacento en la capacidad de movilización,organización y autogestión de las comuni-dades rurales. Es decir, los lineamientosde política se centran en los productoresy poblaciones rurales en términos de su

potencial para la generación de lazossociales y acción colectiva. Las propues-tas económicas tienen su origen en plan-teamientos diversos (economía social,solidaria, comunitaria, popular) si bien,a grades rasgos, coinciden en las formasde producción en la que participan pe-queños productores y/o familias ruralesasociadas, y en un accionar público quedebe incentivar estos espacios de auto-nomía donde se puedan afirmar solida-ridades locales.

De algún modo, quienes propugnaneste esquema agro-rural conciben unapolítica pública capaz de frenar el vacia-miento de las poblaciones rurales, orien-tando y promoviendo la resistencia a lamarginación social, económica y terri-torial. En este marco cabe ubicar, porun lado, las acciones propias de los pro-gramas asistenciales, compensatorios yfocalizados en la pobreza rural, para loscuales la promoción de estas estrategiasproductivas tienen como principal ob-jetivo mejorar los ingresos de las fami-lias directamente involucradas.

Una visión complementaria postula,por su parte, la importancia de la pequeñaproducción familiar por su contribucióna la generación de riqueza en las econo-mías de los pequeños asentamientospoblacionales, localidades, cabeceras de-partamentales. Estas propuestas, muchas

24 El caso de Catamarca ilustra este tipo de situaciones: las nuevas producciones (olivo, vid,cítricos, y hortalizas), promovidas por incentivos fiscales del gobierno provincial, combinadascon la agricultura extensiva de granos, amplían la frontera agrícola, con una disminuciónimportante de las pequeñas explotaciones (Ministério de Agricultura, Canadería y Pesca,2005a). En La Rioja, la política de incentivo fiscal (Ley de Desarrollo Económico 22021)tiene derivaciones en el tipo y calidad del sistema de riego al que pueden acceder los pequeñosagricultores, desplazados de las ventajas del nuevo sistema de irrigación por los sectores dela agricultura moderna (Ministério de Agricultura, Canadería y Pesca, 2003b).

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veces, persiguen el objetivo de ampliarlas bases de subsistencia local (jóvenes,mujeres) y/o fortalecer actividades queoperan bajo condiciones mínimas, únicafuente de ingreso de los pequeños pro-ductores y/o pobladores rurales. Esto nosignifica, que estén ausentes los proyec-tos locales ligados a mercados externocuando esta posibilidad se presenta ose avalúa como futura posibilidad.

En tal sentido:

b) ¿Cuáles cadenas de valor local?

La visión en torno a las pequeñasproducciones (artesanías, agroindus-trias, servicios rurales, etc.), persigue elobjetivo de articular cadenas de valorlocal cuya fuerza potencial en mercadosalternativos es un eje de las políticas pro-puestas.

Dos argumentos pueden enlazarseen este tipo propuesta. Uno, referido ala proximidad espacial y las economíasexternas asociadas a las interdependen-cias (no deliberadas) y, por lo tanto, albeneficio de las condiciones “pasivas” de“eficiencia colectiva”. Dos, el rol del ac-cionar público y privado para acompa-ñar/promover la dimensión “activa”(interdependencias deliberadas) de laeficiencia colectiva. Aunque bajo condi-

ciones locales bastante diferentes, se tratade una línea argumental asimilable a lade cluster o sistemas productivos localesdifundida en la política urbana reciente(Diniz et al., 2006:102).

Un tercer argumento remite, sinembargo, a otras bases conceptuales. Enun sentido amplio, puede reconocersela influencia de corrientes críticas de laagroecología que promueven la resis-tencia al modelo agroindustrial hegemó-nico. 25 En efecto, poniendo el acentoen el conocimiento local y sus manifesta-ciones en los agrosistemas se promuevela regeneración y/o creación de produc-tos “específicos”, es decir definidos desdesu propia identidad local. Los atributosvalorizados para la pequeña producciónagrícola y/o rural suelen combinar, enton-ces, lo artesanal con contenidos ambien-tales, construyendo estas capacidadeslocales a través de procesos de trabajo einstituciones sociales generadas en tornoa ellos. Parten, entonces, de la valoriza-ción socio-cultural del territorio 26 y, almismo tiempo, promueven una produc-ción sana, y de calidad, mediante prác-ticas respetuosas del medio ambiente.

Vale la pena advertir que, más alláde la ascendencia de esta visión en laformulación de algunos programas (na-cionales, provinciales, locales), es en el

25 Es habitual el desarrollo de experiencias encuadradas en el modelo de investigación acciónparticipativa, donde la interacción entre productores, técnicos, investigadores y extensionistasen general, supone un fuerte compromiso ético tanto por los valores ambientales como porlos sociales (Guzmán Casado, González de Molina y Sevilla Guzmán, 2000).

26 Las afirmaciones de Sevilla Guzmán (2000) ilustran al respecto: “Lo más relevante de lasrespuestas socioculturales y ecológicas generadas desde lo local lo constituyen los mecanismosde reproducción y las relaciones sociales que de ellas surgen. Es en los procesos de trabajo,y en las instituciones sociales generadas en torno a ellos, donde aparece la auténtica dimensiónde lo endógeno”.

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proceso de implementación donde sevislumbra con más claridad. De estemodo, interactúan con otras lógicas deintervención –programas asistenciales,comunitarios, etc.– adoptadas y difun-didas a través de grupos de técnicos yotros actores locales que interactúan enel accionar rural.

En la documentación provincial haysuficiente evidencia sobre los problemasque se entrecruzan en la evolución delas experiencias productivas promovidasy/o asistidas. Un primer nivel de condi-cionantes se asocia con la distancia y/odificultades de accesibilidad entre las lo-calidades, donde operan las pequeñascadenas, y la ciudad. Como ya se men-cionó, aquí surge otro límite impuestopor la pequeña dimensión del mercadolocal y, en el mejor de los casos, las ventasde numerosos emprendimientos contri-buyen a estabilizar la pobreza. 27

En un segundo nivel cabe ubicar lasrelativas a la comercialización. Ademásde las cuestiones estructurales, derivadasdel poder que ejercen los agentes no-dales de las distintas cadenas producti-vas (agroindustrias, gran distribución),que incluso tienen cada vez más pesoen la franja de producciones agro-ecoló-gicas, hay factores intrínsecos, como elde las condiciones de informalidad (eco-nómica y tributaria) que son bastante fre-cuentes e inciden en el mantenimiento

de muchas de estas experiencias. Estosfactores de comportamiento abren otrasproblemáticas: dificultades para accedera mercados extra-locales, derivadas delas regulaciones (provinciales y locales)en relación con aspectos sanitarios y bro-matológicos; las trabas impositivas; latensión entre la esfera pública local, quedebe garantizar la salubridad y calidadmínima de los productos, y los progra-mas que promueven estas pequeñas pro-ducciones, entre los más importantes.

Desde la óptica de los promotoreslocales (públicos, de agencias, ONG, etc.)las pequeñas cadenas de valor, más alláde sus condicionantes, constituyen laúnica y/o mejor alternativa para el man-tenimiento de las pequeñas explotacio-nes, los ingresos familiares y, en general,las economías locales. Estos planteospueden partir de premisas diferentes.Están los que, por ejemplo, desde la ór-bita pública provincial las promuevenporque la estructura del área no da cabi-da a actividades de mayor productividadrelativa. Otros, en cambio, motorizanestas experiencias productivas desde unavisión centrada en la salida organizacionaly el accionar colectivo. 28 En ese marco,tanto en el discurso como desde algunasestrategias institucionales se esbozan unaserie de temas que no siempre tienen elmismo significado: organización y susten-tabilidad ecológica de los sistemas produc-tivos; seguridad alimentaria, alimentos de

27 Al respecto, Dirven (2001) plantea que este es uno de los factores que explica que muchosde los conglomerados agrarios y agroindustriales ubicados en países periféricos, si no lamayoría, sean enclaves o meras aglomeraciones de supervivencia de microempresas.

28 Como señala Klein (2005:33): “formas activas de identidad que le den al pueblo localmenteorganizado, un mayor poder de participación en la toma de decisiones. Es lo que se denomina‘empoderamiento’ (empowerment)”.

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calidad; producción agroecológica; bio-diversidad; agregado de valor, comerciojusto, entre otras (Carballo, 2007:87).

c) ¿Quiénes y cómo intervienen?Cuáles sinergias colectivas?

Siguiendo los principios globales deldiscurso “localista” se plantea la necesidadde construir una “atmósfera” democrá-tica, solidaria, y con una fuerte identidadlocal. En tal sentido, parten de la especi-ficación de objetivos respecto a la con-formación del capital social entendido, enla mayor parte de los casos, como redesy organizaciones a través de las cualeslos pequeños productores familiares ypobladores rurales asumen compromisoscolectivos para lograr una valorización delterritorio encuadrada en condiciones devida que garanticen la satisfacción de di-versas necesidades (inserción socio-pro-ductiva, trabajo digno, educación, salud,etc.) Este conjunto territorio-institucionesdebería materializarse en senderos vir-tuosos, en el sentido de revertir dinámicasevolutivas negativas.

Los parteners naturales de las polí-ticas rurales son las organizaciones delos productores, las experiencias asocia-tivas y cooperativas en rubros específicos(lechería, apicultura, pequeña ganade-ría, horticultura, etc,) y las ONG. Ungrupo importante ha sido motorizadopor organizaciones religiosas, fundacio-nes y/o agencias internacionales u otrasentidades comunitarias, en el marco deprocesos largos y accidentados de cons-trucción organizacional que reflejan lassucesivas crisis de las localidades ruralesdonde se asientan. Otro grupo, más re-

ciente, ha sido inducido por programaspúblicos (nacionales, provinciales-locales)asistenciales y/o genéricamente orienta-dos a la promoción del desarrollo local.

Estas diferentes iniciativas y experien-cias organizativas aglutinan a un espec-tro relativamente amplio de productoresy/o pobladores en torno a temas pro-ductivos, ambientales, sociales u otros.Combinan objetivos y accionares rela-cionados con el acceso a la educación,salud, producción de autoconsumo y,en general, el fortalecimiento del siste-ma de vida rural, contemplando desdela capacitación en temas productivos,ambientales, sociales u otros, hasta obje-tivos exclusivamente económicos (recon-versión productiva, nuevos mercados,integración agroindustrial; financiamientoalternativo; comercialización, etc.).

Si bien el espectro de experienciases muy diverso, los documentos provin-ciales dan cuenta de un conjunto deproblemáticas comunes. El primer ele-mento que se destaca es de naturalezapolítica; es decir, la cuestión de la cons-trucción de poder local-rural en ámbitosdonde parece que su entramado insti-tucional (municipios, ONGs, otras enti-dades intermedias) carece de peso, decapacidad de coordinación, y de nego-ciación. Todos estos factores se articulanen un ambiente socio-cultural y políticoque posee escasa conciencia sobre elvalor de la organización, un clima dedesconfianza entre actores e institucionesy, tal como se ha señalado, condicionan-tes estructurales (económicos, sociales,culturales y políticos) que retroalimentandiferentes tipo de conductas clientelares.

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Desde esta perspectiva, entre los fac-tores asociados a las instituciones ligadasa los sectores de la agricultura familiarse destacan: escasa presencia y/o signi-ficación; baja capacidad convocatoria;falta de renovación, envejecimiento delos cuadros directivos; “resistencia” orga-nizativa, especialmente en áreas ruralesmarginales; restricciones financieras y enla dotación de recursos (humanos, técni-cos y de información); baja formaliza-ción de las organizaciones existentes.

Otro problema identificado en lamayor parte de las provincias se vinculacon la capacidad de gestión de la esferapública local (municipios, agencias des-centralizadas, etc.), estrechamente aso-ciada a las falencias en la dotación derecursos humanos, infraestructuras, yfinanciamiento. Esto tiene relación, a suvez, con la capacidad de coordinación,articulación y negociación con instanciasgubernamentales superiores y, más engeneral, con las posibilidades de moto-rizar ambientes sinérgicos en pos deldesarrollo rural. Por su parte, la “leja-nía” o “dispersión” de las comunidadesrurales puede jugar un rol destacado enel mismo sentido.

Un balance global arroja, entonces,serios condicionantes: baja capacidadorganizacional (pública y de la sociedadcivil); una “ingeniería” social que descan-sa en el accionar centralizado e indivi-dual de los técnicos de los programasrurales; los escasos recursos públicosprovinciales destinados al desarrollo ru-ral; deficiente calificación de los recur-sos humanos a involucrar; debilidadespropias de las organizaciones de los pe-queños productores (conformación le-gal, representatividad, etc.) y, más engeneral, de los pobladores rurales. Ellose traduce en alianzas débiles que mástemprano que tarde inciden en la cali-dad y sostenibilidad de los procesos deconstrucción colectiva.

En síntesis, la “dotación” de capitalsocial parece constituir una traba impor-tante para recrear capacidades que seplasmen en proyectos colectivos. Desdela perspectiva dominante, no se trata decualquier restricción, es precisamente lacondición que concibe al territorio, y alas regiones rurales, como cerramientoscon capacidad para desarrollar estrategiasautorreproductivas y moldear la endo-geneización de dinámicas de desarrollo.

Algunas conclusiones

Los elementos expuestos en estas pági-nas sugieren dos tipos de reflexiones. Laprimera refiere a las tendencias agro-rurales consolidadas en las dos últimasdécadas que dan cuenta, no sólo la hete-rogeneidad socio-económica, provincialy regional, sino de los efectos perversos

sobre las condiciones de sobrevivenciade vastos sectores de la pequeña agri-cultura familiar y las localidades dondeviven. Estos procesos, asociados a cam-bios significativos en estructuras produc-tivas regionales, dinámicas de mayorconcentración económica en las CAA

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más importantes; y modalidades orga-nizacionales en la agricultura que elevanlas exigencias tecnológicas y de tamañoeconómico, entre otras, en definitiva,demarcan la naturaleza y posibilidadesde las políticas rurales en curso.

La segunda reflexión pone el acentoen los objetivos declarados y destacadosen estos programas. Las orientacionesque hoy se difunden, sin dejar de ladoel diseño y estilo focalizado de la políticasocial rural, combinan la perspectiva deldesarrollo territorial articulando otra fo-calización: la comunidad local.

En este sentido, se han materializado,conjuntamente con las políticas básicasde índole social, en acciones de corteproductivo e institucional. Las primerashan perfilado la promoción de diversasexperiencias (familiares y colectivas) deproducciones alternativas, productosagroecológicos, artesanías o de serviciosque si bien pueden contribuir, en elmejor de los casos, al crecimiento pro-ductivo y de los ingresos de pequeñosproductores familiares no logran revertirlos múltiples factores (institucionales, demercado, etc.) que modelan los destinosde las pequeñas localidades o centrosdonde operan. El accionar en torno alfortalecimiento institucional, por su parte,se centra en la búsqueda de modalida-des organizativas y canales instituciona-

lizados de participación en ambientes ru-rales donde, salvo excepciones, se ma-nifiesta una institucionalidad muy baja.En consecuencia, el surgimiento de re-laciones cooperativas y de la dimensión“activa” (interdependencias delibera-das), fundamentales para que se plasmela eficiencia colectiva, son fuertementecondicionadas por estos contextos.

El nuevo enfoque de las políticasrurales incorpora la heterogeneidad ydiversidad espacial como encuadre parala movilización de los actores presentesen el medio rural, incluyendo las insti-tuciones y organismos públicos próximose implicados en la realidad de estos es-pacios. En este sentido, “el territorio im-porta” y constituye un objetivo específicode estas políticas. Pero el punto centralaquí es que los ejes del accionar, si bienpueden dar lugar a micro-experienciasinteresantes de ningún modo tienen elalcance y potencial para revertir las des-igualdades y desequilibrios generadospor el modelo en curso. Tampoco existenlos procesos sociopolíticos necesariospara que estas políticas se combinen conpolíticas públicas más amplias que efec-tivamente contribuyan a la reversión delos factores estructurales que reprodu-cen o profundizan las condiciones depobreza y vulnerablidad de poblacionesy territorios rurales.

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Abstract

The so-called rural issue is going througha process of redefinition of its conceptualframework in the light of the restructur-ing of agriculture, new communicationand information technologies, urbaniza-tion of the countryside, joined with thegrowing importance of global businesslinked to the exploitation and use of nat-ural resources. The scope and social ef-fects of these trends assume differentforms in developed and peripheral coun-tries. However, this difference is not al-ways reflected clearly in the predominantpolicy guidelines, based in both cases inthe concept of endogenous potential. Inthis context, this article tries to introducesome critical reflections, supported by adiverse set of provincial experiences re-lated with the aim of improve the condi-tions of life of rural population, workersand small family farmers. Within thisframework, the paper discusses the glo-bal vision, constraints and limitations ofrural policies in the Argentine case.

Resumen

La llamada cuestión rural atraviesa unproceso de redefinición conceptual en elmarco de los procesos de reestructura-ción de la agricultura, las nuevas tecno-logías de comunicación e información,la urbanización del campo, sumado a lacreciente importancia de los negocios li-gados a la explotación y uso de la natura-leza a nivel global. Las manifestaciones yalcances sociales de estas tendencias asu-men, sin embargo, formas distintas entrelos países desarrollados y los periféricos.La distancia existente entre las problemá-ticas no siempre se refleja con nitidez enlos lineamientos de intervención dominan-tes, basados en la perspectiva endógenao localista. Es en este contexto, entonces,donde se ubican las reflexiones críticasque se intentan en el trabajo, apoyadasen un conjunto diverso de experienciasprovinciales que traducen estas formula-ciones en estrategias para mejorar las con-diciones de reproducción de la pequeñaagricultura familiar, los trabajadores y lapoblación rural más vulnerable. En estemarco, el trabajo discute la visión global,condicionantes y limitaciones de las políti-cas rurales en curso en el caso argentino.

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183Silvia Gorenstein, Martín Napal, Mariana Olea

Palabras clave: nueva ruralidad, polí-ticas agro-rurales, estrategias de desa-rrollo rural, Argentina.

Keywords: new rurality, agro-rural poli-cies, rural development strategies, Ar-gentina.

Silvia Gorenstein es Investigadora del Consejo Nacional de Investigaciones Cien-tíficas y Técnicas (Conicet), Profesora Titular del Departamento de Economía de laUniversidad Nacional del Sur, Directora de la Maestría en Desarrollo y GestiónTerritorial - Programa en Red de las Universidades Nacionales de Río Cuarto, Rosarioy del Sur.

Martín Napal es Tesista de la Maestría en Desarrollo y Gestión Territorial - Pro-grama en Red de las Universidades Nacionales de Río Cuarto, Rosario y del Sur,Director del Programa de Empleo en el Municipio de la ciudad de Bahía Blanca.

Mariana Olea es Becaria de postgrado del Consejo Nacional de InvestigacionesCientíficas y Técnicas (Conicet), Tesista de la Maestría en Desarrollo y Gestión Terri-torial - Programa en Red de las Universidades Nacionales de Río Cuarto, Rosario ydel Sur, Docente auxiliar del Departamento de Economía de la Universidad Nacionaldel Sur.

Recebido em agosto de 2008. Aprovado para publicação em novembro de 2008

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Cadernos IPPUR, Rio de Janeiro, v. 22, n. 2, p. 185-216, ago./dez. 2008.

O petróleo como grande financiador

da “guerra de lugares”: o caso dos

municípios da Bacia de Campos - RJ

Jayme Freitas Barral Neto

William Souza Passos

Romeu e Silva Neto

Introdução

Nas últimas décadas, e sobretudo a partirdo final dos anos 1990, um conjuntode municípios litorâneos do estado doRio de Janeiro, fronteiriços à Bacia deCampos, passou a receber um signifi-cativo volume de recursos financeiros,sob a forma de royalties e “participaçõesespeciais” sobre a exploração e produçãodo petróleo, resultando num extraordi-nário aporte orçamentário, cujo coroláriofoi um espetacular aumento do poderde atração de investimentos. Em facedisso, tem-se registrado, durante o mes-mo período, um significativo número deinvestimentos privados diretos que têmoptado por esses municípios, em detri-

mento de outros no próprio estado, emoutros estados e, até mesmo, na AméricaLatina. No entanto, dentro desse con-junto de municípios, tem-se verificadoum processo que, ao mesmo tempo queapresenta particularidades marcantes,mostra-se semelhante ao ocorrido emdiversos pontos do território brasileiro,qual seja, uma disputa interna e externapor investimentos que autorizaria a apli-cação da expressão “guerra de lugares”,de Santos (2004).

Nesse contexto, o trabalho em ques-tão tem por objetivo investigar as basese as conseqüências do processo de atração

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186O petróleo como grande financiador da “guerra de lugares”:

o caso dos municípios da Bacia de Campos - RJ

de investimentos ocorrido nesses muni-cípios, enfatizando a maneira feroz comoos mesmos têm entrado na “guerra delugares”.

Para tanto, o artigo primeiramenteapresenta uma breve visão do que con-siste a “guerra de lugares”, suas causas,conseqüências e justificativas. Em segun-do lugar, mostra evidências de como,no Brasil, após a implementação daspolíticas neoliberais na década de 1990,a lógica da “guerra de lugares” tem es-tado presente entre os gestores de esta-dos e municípios da Federação. Emseguida, a partir da aplicação da meto-

dologia proposta, procura comprovarque os municípios da Bacia de Campostêm se inserido não numa simples guerrafiscal mas, sim, numa verdadeira “guerrade lugares”, que, além dos benefícios fis-cais concedidos, consiste em toda umapreparação do território como forma devalorizá-lo para a melhor utilização dasgrandes empresas que foram ou serãoatraídas. Por último, o artigo, em suas con-siderações finais, aponta que, como con-seqüência desse processo, ocorre intensafragmentação regional, que transformaas perspectivas de desenvolvimento in-tegrado e complementar praticamentenuma utopia.

Proposta metodológica

Para avaliar a hipótese da inserção dosmunicípios da Bacia de Campos na ló-gica da “guerra de lugares”, foram rea-lizadas pesquisas bibliográficas em livrose periódicos acadêmicos relacionadosdireta ou indiretamente tanto à temáticada “guerra de lugares” e da incorpora-ção de sua lógica ao Brasil quanto à di-nâmica socioeconômica da RegiãoNorte Fluminense. Somando-se a estas,procedeu-se a pesquisa documental emjornais, periódicos locais e nacionais e àconsulta a sítios na internet das prefei-turas e de empresas com investimentosnesses municípios. O intuito era obterinformações dos investimentos futurosou em fase de implementação, além dosincentivos fiscais e taxas de juros ofereci-dos, bem como dados sobre as institui-ções locais formadoras de mão-de-obra

e sobre as principais obras de infra-es-trutura realizadas na região como pre-paração do território para a atuação degrandes empresas.

De forma complementar, foram rea-lizadas entrevistas semi-estruturadascom representantes das empresas atraí-das aos municípios do Norte Fluminense,com integrantes dos poderes públicoslocais envolvidos na política de atraçãodessas empresas e com representantesde entidades da classe empresarial sedia-das na região.

Foram entrevistados Maurício Alecrin,gerente de marketing da Cellofarm, in-dústria farmacêutica indiana instaladaem Campos dos Goytacazes; GiácomoCássaro, diretor da DuVêneto, indústria

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187Jayme Freitas Barral Neto, William Souza Passos, Romeu e Silva Neto

alimentícia com sede no estado do EspíritoSanto, também instalada recentementeem Campos; Lucas Vieira, gerente admi-nistrativo e financeiro da Schulz, meta-lúrgica alemã que se instalou no DistritoIndustrial da Codin, em Campos; GeraldoCoutinho, presidente da Federação dasIndústrias do Estado do Rio de Janeiro(Firjam) - Seção Norte Fluminense; eHaroldo Carneiro, secretário de desen-

volvimento econômico de Quissamã ecoordenador do Programa QuissamãEmpreendedor. Além dessas, tambémfoi realizada entrevista com Luiz MárioConcebida, presidente do Fundo de De-senvolvimento de Campos (Fundecam),pela equipe de pesquisa da UniversidadeFederal Fluminense coordenada peloProf. José Luiz Vianna.

A transferência da disputa intercapitalista para oslugares: novos usos e “abusos” do território

A nova lógica da localização industrialtrazida à tona num contexto de intensamundialização e penetração do capitalinternacional nos espaços regionais elocais afetou diretamente a gestão doterritório e as estratégias de desenvolvi-mento econômico, social e territorial.

O incremento da absorção de novastecnologias de transporte, informática etelecomunicações na indústria e as mu-danças estruturais das empresas, emtorno de maior flexibilidade, implicaramnum extraordinário aumento da suamobilidade espacial, tornando-as maisindependentes em relação às restriçõesgeográficas no tocante à proximidadede fontes de matérias-primas e merca-dos consumidores. Alguns ramos em-presariais que dispunham de grandevolume de recursos financeiros e tecno-lógicos puderam, assim, produzir emespaços anteriormente impensados, oque os levou a redefinir suas estratégiaslocacionais. Surgiu, assim, uma gama de

lugares espalhados nos múltiplos territó-rios aptos para serem escolhidos paraabrigar grandes empresas globais.

A maior oferta espacial de lugarespara a atuação empresarial, no entanto,não desvalorizou ou banalizou a impor-tância do espaço. Ao contrário, escolheradequadamente onde produzir é cadavez mais decisivo na acirrada competiçãointerempresarial. Como ressaltado porSantos (2004, p. 247), para as grandesempresas, “os lugares se distinguiriampela diferente capacidade de oferecerrentabilidade aos investimentos”. Emvirtude de suas condições de ordem téc-nica (infra-estrutura, equipamentos, dis-ponibilidade de mão-de-obra, logística)e de decisões políticas (leis locais, im-postos), os lugares podem aumentar oudiminuir a competitividade, a produtivi-dade e, essencialmente, a lucratividadedas empresas. Assim, “cada lugar entrana contabilidade das empresas com di-ferente valor” (Santos, 2002, p. 88).

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188O petróleo como grande financiador da “guerra de lugares”:

o caso dos municípios da Bacia de Campos - RJ

Deve-se observar, no entanto, queo valor que um lugar adquire, para asempresas, não é perpétuo 1. Mudançasna combinação dos fatores de ordemtécnica e política podem valorizar oudesvalorizar os lugares de um instantepara outro. Espaços outrora altamentevalorizados, ocupados por numerosasempresas, deixaram de ser atrativos, sejapor seus “problemas”, seja pela valoriza-ção de outros, ou por ambos os motivos.Em contrapartida, lugares anteriormenteignorados passaram a ser “bem-vistos”pelos representantes do capital, na medi-da em que passaram a oferecer excelen-tes condições para o aumento das taxasde lucro, pelo menos por algum tempo.

Tudo isso tem provocado significa-tivas mudanças na gestão e planejamen-to dos territórios, em que as antigasconcepções centralistas, baseadas empolíticas de implantação de “pólos dedesenvolvimento” que visavam ao estí-mulo à economia das “regiões menos

favorecidas” e à correção de desequilí-brios regionais, têm perdido espaço paraconcepções mais descentralizadas e frag-mentadas de planejamento territorial,ligadas a um novo paradigma na ques-tão do desenvolvimento econômico, ochamado desenvolvimento local 2, noqual o pensar regional, baseado numideal maior de desenvolvimento nacio-nal, é substituído pela visão fragmentadado “planejamento orientado pelo e parao mercado” (Vainer, 2007, p. 14).

Nesse novo contexto, a escala localganha mais visibilidade e autonomia,podendo, até certo ponto, definir estra-tégias e objetivos próprios no que serefere ao fomento de políticas de de-senvolvimento e, em muitos casos, in-teragir de forma direta com a escalaglobal, principalmente no que tange àatração de investimentos. Os principaisagentes da economia globalizada, asempresas multinacionais, suplantando aescala nacional 3, negociam diretamente

1 Não se pode ignorar que o valor de um lugar varia de setor para setor. Um mesmo territóriopode ser altamente valorizado para um ramo empresarial e pouco valorizado para outro(Santos e Silveira, 2001).

2 Benko (2002, p. 228) define o desenvolvimento local da seguinte maneira: “O desenvolvimentolocal é, antes de tudo, a flexibilidade, opondo-se à rigidez das formas de organização clássica,uma estratégia de diversificação e de enriquecimento das atividades sobre um dado territóriocom base na mobilização de seus recursos (naturais, humanos e econômicos) e de suas ener-gias, opondo-se às estratégias centralizadas de manejamento do território”. Cabe lembrar,entretanto, que o desenvolvimento econômico local divide-se em duas perspectivas opostas, odesenvolvimento local endógeno e o desenvolvimento local exógeno (Coelho, 1996).

3 Deve-se ter em vista que a escala nacional de decisões não perdeu totalmente sua importância.Segundo Harvey (1992, p. 160), “hoje, o Estado está numa posição muito mais problemá-tica. É chamado a regular as atividades do capital corporativo no interesse da nação e éforçado, ao mesmo tempo, também no interesse nacional, a criar um bom clima de negócios,para atrair o capital financeiro transnacional e global e conter (por meios distintos dos controlesde câmbio) a fuga de capital para pastagens mais verdes e mais lucrativas”. Assim, conclui-seque nesse novo contexto, o governo central passa a assumir muito mais um papel regulatóriodo que o papel ativo de investidor e planejador do território de outros tempos, delegandoeste papel às esferas subnacionais de governo e/ou ao capital privado.

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com os agentes locais das regiões quelhes interessam, passando para estes oseu elenco de exigências.

Todavia, é um equívoco pensar queos lugares permaneçam simplesmentenuma posição passiva, esperando queas empresas os procurem; ao contrário,cada vez mais têm entrado numa frené-tica corrida por investimentos externos.Nesse sentido, Vainer (2007, p. 13)mostra que pela lógica competitiva im-posta aos gestores locais

a cidade e a região empreendedorassão, isto é, devem ser, antes de maisnada, concebidas e planejadas comouma empresa (...) Num mundocada vez mais pragmático, trata-seagora não apenas de explicar ossucessos e os insucessos de cidadese regiões, mas, sobretudo, formularos planos de guerra, os planos estra-tégicos que as conduzirão à vitória.

Como se estivessem administrandouma verdadeira empresa, os gestoresbuscam a todo momento conferir valoraos lugares, adaptando-os às demandasempresariais, especializando-os e moder-nizando-os “ao gosto do freguês”. Utili-zando estratégias próprias do marketingempresarial, a imagem da cidade comoum ambiente propício aos negócios,como um bom lugar para aumentar olucro, passa a ser propagada “aos quatroventos”, na esperança de que seja vistapelos grandes grupos empresariais. Dessaforma, a cidade torna-se um produto aser promovido e “vendido”, e uma ver-dadeira competição entre os mais diver-sos lugares é estimulada em detrimento

de um “pensar” regional. É a “guerrade lugares” que se impõe (Santos, 2002e 2004; Santos e Silveira, 2001).

A “guerra de lugares” significa, antesde tudo, a imposição da lógica competi-tiva capitalista em níveis escalares cadavez menores, em que expressões comoeficiência, plano de negócios, produtivida-de, lucro, concorrência, destacadamentepertencentes ao mundo empresarial,passam a incorporar-se à realidade dascidades e regiões, definindo o seu “de-sempenho”. Os países fragmentam-se em“cidades/regiões - empresas” ávidas pormostrar que são mais eficazes do que asoutras na atração de investimentos.

Nessa guerra, entretanto, não são oslugares que saem vencedores, são osgrandes grupos empresariais, que, comose estivessem leiloando uma peça rara,ao anunciarem um novo investimentoou o deslocamento de uma de suas filiais,vêem um maior número de lugares dosmais diversos países oferecerem, “lancea lance”, vantagens de ordem técnica epolítica cada vez melhores, permitindo-lhes formar ao seu redor, conformeapontado por Santos (2004, p. 248), umverdadeiro “exército de reserva de luga-res”, que a todo instante é renovado.

À medida que são julgados “ade-quados” e escolhidos, os lugares entramnum processo de subordinação e alie-nação. O receituário imposto pelas em-presas deve ser cumprido. Isso inclui oemprego de considerável volume derecursos públicos para preparar e adap-tar o território, como exemplificam aconstrução e a modernização de vias de

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acesso, de pontes, de canais e outrasobras de infra-estrutura, para uso quaseexclusivamente privado, que Santos eSilveira (2001, p. 291) denominam deuso corporativo do território.

Tal uso acaba por transferir para asgrandes empresas o comando sobreporções significativas do território, per-mitindo-lhes decidir suas funções e osseus manejos, adaptando-os aos seusinteresses. As grandes empresas globaispassam assim a definir uma lógica terri-torial própria, utilizando os lugares à suadisposição como pontos para a sua atua-ção, que, através das redes materiais eimateriais mais modernas, conectam-seentre si e também com as “centrais decomando”, cidades localizadas, muitasvezes, a grande distância. Dessa forma,como apontado por Santos e Silveira(2001, p. 290), cada empresa cria umadivisão territorial do trabalho, determi-nando aos lugares o seu papel na suaestratégia global de atuação.

Por essa razão, em muitos casos, osterritórios locais tornam-se verdadeirosenclaves nos territórios regionais e nacio-nais, e as ações têm uma ligação maisdireta com a escala global do que comseu entorno. Constituem “espaços na-cionais de uma economia internacional”(Santos, 2004, p. 244), por vezes alta-mente especializados num produto ounum serviço, que, destituídos de auto-nomia para pensar e agir, são “adminis-trados” de fora.

As próprias articulações com outrosespaços dentro de uma região ou de umpaís, quando realizadas, são definidas

não em função das populações numaproposta de bem-estar regional ou na-cional mas em função de estratégias eobjetivos privados e distantes.

Assim, as populações locais acabamperdendo o controle dos destinos deseus próprios lugares, vendo ignoradosseus anseios e desejos. O território, umavez modernizado com recursos públicos,lhes é negado; a produção realizada nolocal, em muitos casos, é consumida foradele; e, em virtude de isenções fiscaisconcedidas, boa parte da riqueza geradano local é enviada para fora. Dessa forma,pode-se dizer que as populações são alie-nadas do uso de seu território.

No entanto, cabe perguntar: o quejustificaria o envolvimento numa guerrapor investimentos e numa lógica de su-bordinação às empresas?

A justificativa apresentada pelos ges-tores locais baseia-se na velha falácia dageração de emprego e de dinamismoeconômico imediatos. Promessas deempregos para a população local e decrescimento do PIB justificam qualquerpolítica de atração de empresas e de usodo território ou a sua concessão para asempresas. Modelos nacionais e interna-cionais são evocados para infundir con-fiança ao “futuro próspero” decorrentedesse tipo de política.

Na maior parte dos casos, a popu-lação local inicialmente se ilude ao ver“baterem à porta” novas perspectivas e,assim, alimenta esperanças em relaçãoaos investimentos pretendidos, as quais,no entanto, são logo desfeitas com a sua

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chegada. Os empregos gerados não sãosuficientes, e o dinamismo criado nãoestimula as atividades locais. Como afir-mado por Coelho (1996, p. 13), namaioria dos casos tais investimentos nãoincorporam a mão-de-obra local, porserem “estranhos” ao perfil das localida-des. Ou seja, são investimentos que nãose coadunam com o padrão produtivolocal (a cultura e tradição econômica daregião), ignoram as potencialidades ine-rentes e não estimulam o sistema de ino-vação local.

Além disso, o autor citado destacaque esses investimentos vêm acompa-nhados de massas de migrantes que nãosão absorvidos economicamente pelaregião. Um processo que tende a au-mentar a segregação socioespacial e osproblemas urbanos, que, além do mais,são problemas que devem ser solucio-nados não pela empresa mas, sim, pelaadministração local.

Essa política de desenvolvimento decaráter exógeno e privado, embora con-tribua para a descentralização das ativi-dades produtivas e cause certo impactona economia local, gerando crescimen-to econômico, não promove o desen-volvimento auto-sustentado das regiõesonde as empresas se instalam, por nãoaproveitarem as potencialidades do sis-tema produtivo local e por criarem, mui-tas vezes, um descompasso entre essesistema produtivo e o sistema produ-tivo externo, que acaba se impondo emarginalizando as atividades com raízeslocais.

As grandes empresas atraídas nãoassumem nenhum real compromissocom um projeto de desenvolvimentoregional que leve em conta o futuro daspopulações locais, suas preocupações ebem-estar. Como “parasitas num hos-pedeiro”, fixam-se no território e deleabsorvem tudo aquilo que possa ofere-cer em termos de benefícios técnicos epolíticos que proporcionem o constanteaumento das taxas de lucro. Todavia, aomenor sinal de redução do lucro, a res-ponsabilidade é transferida para o terri-tório, e, sem o menor pudor, as empresas“fecham as portas” e partem para umanova região que lhes possa render maisbenefícios. Dessa forma, como num jogode chantagens, o “lugar deve, a cada dia,conceder mais privilégios, criar perma-nentemente vantagens para reter as ati-vidades das empresas, sob ameaça deum deslocamento” (Santos e Silveira,2001, p. 116).

Percebe-se, portanto, mesmo deuma perspectiva que justifica iniciativasde desenvolvimento pautadas na atra-ção de investimentos, a efemeridade deseus efeitos e a alienação das popula-ções locais estão presentes. No entanto,essa concepção fragmentária, competi-tiva e localista de desenvolvimento eco-nômico e de planejamento territorialainda está longe de ser reconhecida porseus prejuízos. As suas diretrizes conti-nuam presentes nas políticas territoriaisde muitos lugares e, sobretudo, nos paí-ses da periferia do capitalismo global,que tentam a todo custo (custo mesmo!)se “inserir” no centro.

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Brasil: um típico exemplo da “guerra de lugares”

No Brasil, a concepção de desenvolvi-mento e gestão territorial anteriormentecitada bem como as políticas e estraté-gias para sua realização têm se mostradocada vez mais hegemônicas.

Apesar de o Estado brasileiro consti-tuir-se numa federação, historicamente,o governo federal assumiu importantepapel no desenvolvimento e organiza-ção do espaço produtivo nacional. Comoinvestidor ou planejador, conduziu apolítica industrial de projetos de desen-volvimento mais amplos, baseados naredução das desigualdades regionais ena integração do território nacional.Entretanto, a partir da década de 1980,num contexto de esgotamento do pa-drão de financiamento da economiabrasileira, e no início da década de 1990,marcada pela adesão ao receituário neo-liberal do Consenso de Washington,verifica-se profunda redefinição na atua-ção do governo federal no que concerneà economia e ao território.

Naquele período, a busca por inser-ção, ainda que subalterna, na crescentedinâmica do capitalismo globalizado étraduzida como atração de investimen-tos externos, adquirindo prioridade.Desse modo, o governo federal esvaziasua participação na articulação e fomentode políticas de desenvolvimento regio-nal de caráter verdadeiramente nacionale, por meio de indiscriminada aberturaeconômica e da privatização de setoresestratégicos da economia nacional, reduzconsideravelmente os investimentos pro-dutivos em todo o País, abrindo assim

lacunas para a ação cada vez maior dasforças de mercado.

Nesse contexto, conforme apontadopor Vainer (2007, p. 2), antigos órgãose agências do governo federal, tais comoa Superintendência de Desenvolvimentodo Nordeste (Sudene), a Superinten-dência de Desenvolvimento da Amazô-nia (Sudam) e a Superintendência deDesenvolvimento do Centro-Oeste (Su-deco), idealizadas com a finalidade defomentar o desenvolvimento de regiõeseconomicamente menos dinâmicas, arti-culando-as em um projeto nacional dedesenvolvimento, são “esvaziados de fun-ção e sentido” e reorientadas segundoas novas concepções de desenvolvimen-to baseadas nas diretrizes de mercado.

Logo, grandes empresas, sobretudoestrangeiras, detentoras de grande capa-cidade de investimento, começam a am-pliar não só sua atuação na economiabrasileira, por meio da aquisição de em-presas estatais, mas também o seu con-trole sobre significativas parcelas doterritório nacional, estabelecendo, deacordo com suas necessidades, uma ló-gica própria de ordenamento territorial,completamente desvinculada de compro-missos com o desenvolvimento das re-giões em que atuam.

Como em qualquer parte do mundo,essas empresas procuram os melhoreslugares para produzir, ou seja, os que lhespossam oferecer as melhores condiçõestécnicas e políticas para o alcance dolucro. Para tal, convocam o Estado nos

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seus mais diferentes níveis, para quepossam “assessorá-lo” da melhor forma.

Assim, nessa conjuntura, verifica-se,no Brasil, um intenso processo de frag-mentação. As políticas de integraçãonacional perdem espaço para a visãolocalista de desenvolvimento baseada naatração de grandes empreendimentos.Na realidade, a carência de projetosnacionais de desenvolvimento tem le-vado cada fração do território nacionala elaborar metas próprias de desenvol-vimento e a buscar, de maneira desarti-culada e egoísta, a sua inserção diretanos fluxos do capitalismo global.

Os governos subnacionais, estadose municípios da Federação, que, desdea promulgação da Constituição da Re-pública de 1988, foram dotados demaior autonomia política e fiscal para aelaboração de sua política de desenvol-vimento, passam a “guerrear” ferozmentepor investimentos. Para tal, conformeproposto por Alves (2001) e Cardozo(2007), utilizam, como estratégia prin-cipal, as políticas de incentivos fiscais,especialmente as ligadas à redução ouisenção do Imposto sobre a Circulaçãode Mercadorias e Prestação de Serviços(ICMS) 4, no caso dos estados, e do Im-

posto Sobre Serviços de Qualquer Na-tureza (ISSQN), no caso dos municípios.

A década de 1990 foi marcada pelalarga utilização do ICMS e de outros in-centivos fiscais nas disputas entre os esta-dos brasileiros, principalmente no tocanteà atração de investimentos da indústriaautomobilística. Entretanto, essas dispu-tas não se resumiram a isenções fiscais.Alves (2001, p. 30) ressalta que

[...] embora o instrumento tributárioseja o principal mecanismo de subsi-diamento na guerra fiscal, os progra-mas estaduais de incentivo podem sercompostos por um mix de instrumen-tos bem mais amplo. Às operaçõesde isenção e diferimento do ICMS,podem ser adicionados outros incen-tivos com o objetivo de criar vanta-gens locacionais adicionais para osagentes privados. [...] além da utili-zação de recursos orçamentáriosatravés da criação de fundos de fi-nanciamento observa-se também adoação de terrenos e de obras deinfra-estrutura. (Grifo nosso)

A esse respeito, e a título de exemplo,registra-se que Santos e Silveira (2001,p. 113), ao falarem das estratégias utili-

4 Cabe destacar que, segundo esses autores, o uso do ICMS para atrair investimento é umaprática antiga no Brasil, com origem nos anos 1960, quando esse imposto denominava-seapenas Imposto sobre a Circulação de Mercadorias (ICM). Todavia, em virtude da existênciade reais projetos nacionais de desenvolvimento do governo federal, que induziam o cresci-mento de regiões subdesenvolvidas, tais incentivos acabavam sendo usados de forma maistímida nas décadas de 1960 e 1970. Entretanto, a partir de meados da década de 1980, oabandono de tais projetos e a redução do papel de investidor do governo federal, combinadosà maior autonomia dos estados e municípios com a Constituição de 1988, levaram aoaumento da utilização de incentivos fiscais na indução de escolhas locacionais, principal-mente nos estados e municípios que outrora eram mais dependentes do governo federal noestímulo ao seu crescimento econômico.

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zadas pelo estado do Paraná para atrairuma fábrica da Renault, mencionam quehouve duplicação de estradas, amplia-ção do Aeroporto Internacional de Curi-tiba e do Porto de Paranaguá, doaçãode terreno, além, é claro, de isençõesde impostos.

Os benefícios políticos (incentivos fis-cais, leis de isenção) agregando-se aosbenefícios técnicos (obras de infra-estru-tura), compõem um conjunto indissociá-vel de recursos fundamentais e poderosospara a prática da “guerra de lugares”.Dessa forma, estados e municípios commaior capacidade de oferta desses recur-sos se sobressaem, ditando o ritmo dadisputa, que, para ser acompanhado,muitas vezes obriga os estados e municí-pios com menor capacidade a compro-meter a sua “saúde financeira”.

Convém ressaltar ainda que, pormais que a “guerra de lugares” estejaintrinsecamente vinculada à competição,não acontece sem certa cooperação.Quanto maior a escala da disputa, maisalianças precisam ser formadas. Os mu-nicípios que disputam investimentoscom municípios de outros estados oucom lugares de outros países precisam,na maioria dos casos, do apoio de seusrespectivos estados e/ou da União. Talapoio pode ocorrer por meio de incen-tivos fiscais conjuntos ou de ajustes na

legislação, bem como de parcerias, entreesferas de governo, para a realização deobras de infra-estrutura necessárias àatuação das empresas.

Há também, conforme previsto pelalegislação brasileira, a possibilidade deformação de consórcios intermunicipais,ou seja, uma parceria formal entre mu-nicípios, com a finalidade de promoverações conjuntas para atingir um determi-nado objetivo comum. Todavia, quandorealizadas, o que tem se mostrado raro,essas alianças estão longe de resultarnum movimento articulado que planejeo território e estimule o desenvolvimen-to integrado dos municípios. Em geral,tais consórcios são pontuais, passageiros,uma união de forças com a finalidadeúnica de viabilizar a atração de um in-vestimento específico, cogitado em de-terminado momento.

Portanto, nesse cenário, percebe-seque o desenvolvimento regional estáabandonado no Brasil. O governo fede-ral esvaziou sua atuação regional, pas-sando a dedicar-se a viabilizar a atraçãode investimentos externos, sem nenhumprojeto em prol da integração produtivanacional. Estados e municípios, por suavez, não assumem essa função, insistindonuma frenética competição em que acooperação é rara e incipiente e os re-sultados beneficiam apenas o capital.

A incorporação dos municípios da Bacia de Campos àlógica espoliativa dos lugares

A partir do início dos anos 2000, muni-cípios localizados no litoral do estado do

Rio de Janeiro e limítrofes à Bacia deCampos foram incorporados aos impe-

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A adesão dos referidos municípiosà disputa pela atração de investimentoscomeçou em 2001, com a criação deum fundo que reúne parte dos royaltiespetrolíferos recebidos por Campos dosGoytacazes. Chegando a subsidiar comcrédito, em alguns casos sem juros, ainstalação de empresas de grande portedos mais variados ramos econômicos,o Fundo de Desenvolvimento de Cam-pos dos Goytacazes (Fundecam) foi visto,pelos gestores da região, como um “su-cesso”. Esse fundo foi logo sucedidopelo Fundo de Desenvolvimento Eco-nômico e Social de Macaé (Fundec) epelo programa Quissamã Empreende-dor, do município de Quissamã.

Concomitantemente, a disputa passoua contar com a participação de outros trêsmunicípios: Carapebus, Rio das Ostras eCasimiro de Abreu, que, a exemplo deQuissamã, também passaram a reservarporções de seus territórios para os futurosinvestidores, chamados de Zonas Especiaisde Negócios (ZENs), dotando-os, antes,de toda a infra-estrutura necessária ao re-cebimento de novas empresas, que se be-neficiariam, imediatamente, do custoirrisório dos terrenos e do valor simbólicodo imposto municipal, o Imposto SobreServiços de Qualquer Natureza (ISSQN),que, em alguns casos, não era cobrado(ver Quadro 1).

rativos da “guerra de lugares”, medianteo desvio de parcela das fartas receitasque recebem, provenientes da compen-sação pela exploração do petróleo, paraa atração e recepção de novas empresas.

Em conseqüência do conjunto demodificações legais e econômicas intro-duzidas no Brasil durante o governoFernando Henrique Cardoso (1994-2002), ocorreu a quebra do monopólioda estatal brasileira do segmento depetróleo. Por meio da Lei 9.478/97, tam-bém conhecida como lei do petróleo, omonopólio da Petrobras sobre a extra-ção e produção do petróleo foi desfeitoe as compensações pagas aos municí-pios confrontantes com as bacias petro-líferas foram superelevadas. Além disso,foi criada uma receita suplementar, tam-bém direcionada a esses municípios,denominada participação especial 5.

Assim, um conjunto de municípiospassou a dispor repentinamente de umvolume estupendo de receitas orçamen-tárias que lhes possibilitaria a realizaçãode um volume significativo de investi-mentos (ver Tabela 1). Estavam postas,dessa forma, as condições concretaspara o ingresso desses municípios, his-toricamente marginalizados pelo capita-lismo brasileiro (Cruz, 2003), na “guerrade lugares”.

5 Participação especial é uma renda que incide sobre os lucros das atividades de exploração eprodução de petróleo dos campos de elevada produção e rentabilidade. Na definição deSerra (2004, p. 173), “participação especial corresponde a uma parcela aplicada sobre areceita bruta da produção, deduzidos os royalties, os investimentos na exploração, os custosoperacionais, a depreciação e os tributos previstos na legislação em vigor, nos casos degrande volume de produção, ou de grande rentabilidade.”

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Os municípios de Campos dos Goy-tacazes e Macaé, ao contrário, não tive-ram a necessidade de destinar áreas aorecebimento de novas empresas, porquejá haviam sido beneficiados por um pro-grama de desenvolvimento econômico,implementado pelo governo estadual,que os dotou, décadas antes, de áreasestaduais, de baixo custo, orientadas paraa instalação de indústrias, os Distritos In-dustriais da Companhia de Desenvolvi-mento Industrial do Estado do Rio deJaneiro (Codin) 6 (ver Quadro 1).

Já com intuito de induzir o espraia-mento das atividades industriais, áreasmunicipais destinadas ao recebimento denovas empresas foram criadas, em algunscasos, nos limites com os municípios vizi-nhos, como ocorre com Macaé, que, porabrigar a maior parte do segmento up-stream da cadeia produtiva de petróleo egás, tem sido “naturalmente” escolhidopara receber investimentos ligados a essesetor:

O ideal seria continuar em Macaé.Mas ainda precisaremos fazer novasavaliações. Para optarmos por cida-des mais distantes, teremos quecompensar com vantagens fiscais asperdas em logística, destaca o ge-rente de base da Promontest, Fer-

nando Antônio Carvalho de Araújo.(Nascimento e Nunes, 2007)

Para isso, a Prefeitura [de Rio dasOstras] (através da Lei n° 0691/2002)criou o Distrito Industrial, denomi-nado de Zona Especial de Negóciosjunto à fronteira com o municípiode Macaé, através da modificaçãodo Zoneamento Geofísico do Muni-cípio (Lei n° 0719/2002, que alteraa Lei nº 0194/1996). (Melo, 2005,p. 3)

A localização é outro grande atrativoda ZEN de Carapebus. Além de estarsituada às margens da BR-101, umdos principais eixos rodoviários dopaís, a Zona Especial de Negóciosfica próxima às duas maiores cidadesdo Brasil e se localiza entre os portosdo Rio de Janeiro e Vitória (ES), im-portantes corredores de exportação.Outro fator positivo é a proximidadecom Macaé (30 quilômetros), ondese concentram milhares de empresasdo setor de petróleo e gás; e com asregiões onde começam a ser cons-truídos, ainda este ano, os portos doAçu (São João da Barra) e da Barrado Furado (Quissamã). (Prefeiturade Carapebus, 2007)

6 O ingresso de Campos na “guerra de lugares” deu-se através da reativação dos DistritosIndustriais da Codin, que, após terem sido criados nos anos 1960 e até terem abrigadoalgumas indústrias, experimentaram um período de desativação de cerca de 20 anos, porterem sucumbido à competição com o estado do Espírito Santo. Esse estado, após suainclusão na Sudene, passou a oferecer um conjunto bastante agressivo de atrativos fiscais.Macaé, por outro lado, não vivenciou a desativação de seu Distrito Industrial, que recebeu ainstalação de algumas empresas ligadas à economia petrolífera, mas também não experi-mentou um período de crescimento significativo nos últimos anos da demanda por terrenosno distrito, como experimentou Campos (Passos, 2007).

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“Macaé está saturada, sem espaçoe com forte especulação imobiliária”,diz o assessor da Secretaria de Fa-zenda, Indústria e Comércio de Ca-simiro de Abreu, Ermano Neves. Acidade montou um pequeno estandena feira para divulgar um condomí-nio industrial e comemorava o pri-meiro contrato, com a portuguesaQuintas & Quintas. A empresa vaise instalar na cidade para fabricaramarras para ancoragem de plata-formas de petróleo. (O Estado deSão Paulo, 2003)

Como fica claro, as grandes benefi-ciadas acabam sendo as empresas, que,além das vantagens fiscais, podem des-frutar da proximidade com Macaé,onde estão os principais fornecedores econsumidores, e ao mesmo tempo fugirdas deseconomias geradas nessa aglo-meração 7, localizando-se em municípiosmenos densos. Além disso, como se nãobastasse ter a sua disposição lugares “en-dinheirados” ávidos por elas, essas em-presas ainda estimulam a competiçãoregional para obter ofertas mais vanta-josas:

Eu acho que disputa sempre vaihaver, mas eu acho que cada umvai ter o seu trabalho. Campos estáatraindo empresas, nós estamosatraindo também, somos vizinhos,entendeu! Acho que com certeza vaihaver. Já teve empresas que veioaqui, foi em Campos. E fica jogan-do lá e cá, isso acontece. É concor-

rência saudável, acho que isso nãotem problema não. (Carneiro, Se-cretaria de Quissamã, 2008)

Além dos incentivos fiscais, as em-presas fazem uma série de exigências noque tange à preparação do território,que devem ser cumpridas pelas prefei-turas locais, sob a ameaça de perder oinvestimento:

A empresa holandesa CompipeNetherlands quer estabelecer nocomplexo industrial de Barra doFurado [nos limites entre Quissamãe Campos] uma unidade de fabri-cação de dutos submarinos de pe-tróleo e gás offshore. O projeto foiapresentado nesta sexta-feira aoprefeito [de Campos] em exercício,Roberto Henriques, em reunião nogabinete, no Centro AdministrativoJosé Alves de Azevedo, sede da pre-feitura, pelo representante no Brasil,David Ortiz, e o consultor, EduardoVal.Para o andamento do projeto é ne-cessária uma contrapartida da pre-feitura para a desapropriação deum terreno com 50 mil metros qua-drados sobre o canal, um caladopassando de 7,5 metros para 9,5metros e extensão das linhas elétricasde média tensão até a boca do canal.Ortiz explicou ao prefeito que Cam-pos é o plano A da empresa porquestão estratégica de logística, jáque está na bacia petrolífera, porém,existe o plano B, que é em São Paulo,

7 A respeito dessas deseconomias, Barral Neto et al. (2008) apontam os altos preços dosimóveis, o congestionamento do trânsito e a crescente violência.

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que conta com toda a infra-estruturapara a instalação da fábrica holan-desa. [...]Roberto Henriques se comprome-teu a entregar o ofício com as pro-postas da Compipe ao prefeito deQuissamã, Armando Carneiro, eanalisar as contrapartidas dos doismunicípios para a instalação da fá-brica holandesa em Barra do Furado.Ele também pedirá parceria nestesentido ao governador [do estadodo Rio de Janeiro] Sérgio Cabraldurante reunião no Palácio Guana-bara na próxima quarta-feira, dia16, às 15h30. (Nuffer, 2008)

O prefeito em exercício [de Campos],Roberto Henriques, e secretários daárea de infra-estrutura e planeja-mento estiveram reunidos na manhãdesta sexta-feira (11) com diretoresda empresa Norte Americana EdisonChouest Offshore, que construirá oPorto de Barra do Furado, na foz doCanal das Flexas, na região do Farolde São Thomé. [...][O prefeito Roberto Henriques du-rante a reunião com os represen-tantes da Edison Chouest Offshoredisse:] “Os senhores podem estarcertos de que a Prefeitura de Cam-pos está sim empenhada em agilizaros procedimentos e o que for neces-sário para tirar o projeto do papel.As instalações da Secretaria de Pla-nejamento estão à disposição daChouest. Na semana que vem esta-remos estreitando os entendimentoscom o governador Sérgio Cabral,para que o Estado participe com asprefeituras de Campos e Quissamã,

para realizar as obras de dragagemdo canal e do bypassing. Em seguidaestaremos na Petrobrás para adian-tar outras parcerias que também vãoviabilizar o empreendimento quevai de certa forma fazer interfacecom o aeroporto que a estatal vaiconstruir no Farol de São Thomépara dar suporte às atividades off-shore na Bacia de Campos, que temnovas demandas a partir da atua-ção de novas empresas do setor deexploração de Petróleo, além daPetrobras.” (Delfino, 2008)

O caso de Campos dos Goytacazesé bem ilustrativo nesse sentido. Além dasobras de dragagem do Canal das Flexas,que realizará em parceria com a prefei-tura de Quissamã, na fronteira dos doismunicípios, para viabilizar a instalaçãodos empreendimentos supracitados, aprefeitura de Campos, após atrair em-presas de grande porte, como a Schulz,para o Distrito Industrial da Codin, agi-lizou uma série de medidas para atendera exigências dessas empresas. Foram ela-boradas propostas para a criação deestradas de contorno na BR-101, e, emparceria com a Empresa Brasileira deInfra-estrutura Aeroportuária (Infraero),foi elaborado um plano de desenvolvi-mento aeroportuário (PDA) para a am-pliação da capacidade do AeroportoBartolomeu Lisandro, localizado nessemunicípio. Dessa forma, procurou-seresolver dois importantes gargalos apon-tados pelas empresas localizadas naCodin:

Algumas coisas hoje ainda atrapa-lham algumas indústrias a se insta-

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larem, como o problema da BR-101, que é um grande problema;nós temos o problema do aeroporto,que não tem quase vôos. (Vieira,2007)

Alguns municípios da região têm seantecipado às empresas, dotando seuterritório de condições técnicas e usando-as como parte integrante de seu “pacote”de ofertas:

A Zona Especial de Negócios (ZEN)é um projeto elaborado pela Pre-feitura de Rio das Ostras através daSecretaria de Turismo, Indústria eComércio, a fim de atrair investi-mentos produtivos, diversificar aeconomia do município, ordenar asatividades empresariais de produçãode bens e serviços, estimular o turis-mo de negócios e gerar empregos.[...]Os investimentos municipais iniciais,conforme dados fornecidos pela Pre-feitura, são da ordem de 8 milhõesde reais, de forma que a ZEN contarácom 12 quadras e 148 lotes, em umaárea aproximada de 1 milhão demetros quadrados, com fornecimen-to de água, estação de tratamentode esgotos e efluentes, saneamentobásico, energia elétrica, pavimenta-ção, fornecimento de gás natural,telefonia por fibra ótica, internet embanda larga, Centro Tecnológico,Centro de Qualificação Profissional,Hospital e um Shopping de Serviços.(Melo, 2005, p. 3)

Quissamã lança sua primeira ZonaEspecial de Negócios, a ZEN 1. Loca-

lizada no bairro Conde de Araruama,a cinco quilômetros da BR-101 e a15 quilômetros do Centro da cidade,a ZEN 1 conta com toda a infra-es-trutura necessária para a instalaçãode empresas, como eletrificação,abastecimento de água e pavimen-tação. Aliada ao programa QuissamãEmpreendedor, que oferece incenti-vos para empreendimentos no mu-nicípio, a ZEN promete dar um saltode desenvolvimento para Quissamã.Outro grande atrativo do municípioveio do Governo do Estado. Quissa-mã está dentro da área de incentivocom ICMS a 2%, uma ação estadualpara industrialização do interior. [...]A ZEN 1 compreende uma área de200 mil metros quadrados, compossibilidade de expansão até 800mil metros. Destinada preferencial-mente a agroindústrias e a empresasprestadoras de serviços, a ZEN 1 jáatrai empreendedores. Três empre-sas já estão se instalando no local: aCooperativa de Macuco, cujo pro-jeto foi aprovado pelo programaQuissamã Empreendedor; a PróVida Alimentos, empresa de fabri-cação de açúcar mascavo, e a BarroBranco Metalúrgica. Juntas, as trêsempresas irão gerar 120 empregosdiretos no município. (Carneiro, Se-cretaria de Quissamã, 2008)

O novo condomínio empresarial [aZEN do município de Carapebus]terá uma área de 204 mil metrosquadrados, divididos em 36 lotes, euma completa infra-estrutura, com-posta por ruas pavimentadas, água,esgoto, energia elétrica, rede de in-

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o caso dos municípios da Bacia de Campos - RJ

terfonia, fornecimento de fibra óti-ca, gás e transporte coletivo. (Pre-feitura de Carapebus, 2007)

Agindo como verdadeiros empresá-rios negociadores, os prefeitos da regiãotêm viajado pelo mundo para “promo-ver” a imagem dos seus respectivosmunicípios como um “bom” lugar parainvestir. Participam de eventos empre-sariais, montando stands para divulgarseu “produto”, fazem visitas às sedes dasempresas, assessoram os empresáriosque vêm conferir as “qualidades” dosmunicípios:

A falta de informação sobre os atra-tivos que os municípios próximos aCampos oferecem aos fornecedoresé o principal motivo para as empre-sas não escolherem estas cidadescomo local de instalação. A Oniptem aconselhado as prefeituras acomparecerem no maior númeropossível de eventos, acrescenta.No mês passado, o prefeito de Ca-rapebus, Eduardo Nunes Cordeiro,deixou a agenda municipal para ira Houston divulgar a cidade entreos empresários que participavam dafeira internacional OTC (OffshoreTechnology Congress). “Algumasempresas demonstraram interessepelas cidades do Norte e Leste flu-minense”, adiantou Machado, quetambém participou do evento.Na bagagem de retorno dos EstadosUnidos, o prefeito de Carapebustrouxe um novo investimento paraa sua cidade. A Cordoaria São Leo-poldo, empresa gaúcha especializadana produção de cabos de poliéster

para ancoragem de plataformas emáguas profundas, instalará uma uni-dade no município. “Eles têm contra-to de quatro anos com a Petrobrase fecharam a instalação em nossocondomínio. Como são de PortoAlegre, o custo para o transportedos produtos era muito alto”, expli-ca o secretário de Planejamento dacidade, Jorge Aziz. (Nascimento eNunes, 2007)

É, a gente ainda tem feito um es-forço, por isso, a gente vem partici-pando dessas feiras, que assim, é ummomento muito bom de você estarmostrando o município, as suas po-tencialidades e tudo mais e com issoa gente tem conseguido ser visitado.(Carneiro, Secretaria de Quissamã,2008)

As potencialidades de Campos nosetor industrial estão sendo divulga-das na cidade de Dusseldorf, na FeiraInternacional de Tubos especiaispara a indústria de petróleo e gás,na Alemanha. Um painel que retra-ta o canteiro de obras do empreen-dimento empresarial da Schulz parafabricar conexões em ligas especiaisno Distrito Industrial de Guarus –com a cidade ao fundo – está ex-posto em local estratégico da Feira,que é freqüentada por investidoresde todo o mundo, notadamenteempresários do setor naval, petró-leo, gás, têxtil, sucroalcooleiro, me-talúrgico e portuário. [...]“Hoje (terça-feira, dia 25) ficamoso dia todo fazendo contatos comempresas na Feira em Dusseldorf.

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Na oportunidade, entregamos opainel que retrata as obras da pri-meira fábrica da Schulz na AméricaLatina, que está sendo construídaem Campos. O senhor Schulz ficoumuito satisfeito e fez questão de ex-por o painel, que está nos ajudandona divulgação comercial de Cam-pos”, informou Lucas Vieira [ex-di-retor do Fundecam]. [...]O secretário acrescentou que ama-nhã (quarta-feira, dia 26) a comitivade Campos vai à cidade de Krefeld,onde o prefeito Mocaiber será re-cebido formalmente pelo presidenteda Schulz, para conhecer a fábricae os produtos que vão ser fabricadosna indústria que o grupo constróiem Campos. (Delfino, 2006)

As mais de 400 empresas que parti-ciparam da feira Brazil Offshore, rea-lizada na semana passada emMacaé, Litoral Norte do Rio, enfren-taram forte assédio de prefeituras depequenas cidades da região e go-vernos estaduais, que corriam embusca dos petrodólares da região. Aoferta de vantagens como doaçãode terrenos e isenção de impostoschegava a reeditar a guerra fiscal tra-vada nos últimos anos entre estadose municípios para atrair grandesprojetos industriais. (O Estado deSão Paulo, 2003)

Contando com recursos financeirosde que poucos municípios brasileiros dis-põem, seria difícil imaginar que essesmunicípios ficariam limitados a uma dispu-

ta “interna” por investimentos. Conformeconstatado pelas matérias jornalísticas le-vantadas e entrevistas realizadas, a abran-gência dessa disputa é muito maior, emrelação tanto à localização geográficaquanto aos ramos industriais, visto queempresas desvinculadas da cadeia produ-tiva do petróleo também têm sido atraí-das para a região 8. Pode-se dizer assim,que os municípios confrontantes são osmais novos participantes da “guerra delugares” no Brasil:

A gente tava buscando, fazendo al-gumas análises de monta mesmo emVitória [Espírito Santo], já que a fá-brica [da Duvêneto] já era ali, só quea Prefeitura em si não tava dandomuito incentivo. Depois disso, o pri-meiro que começamos a fazer nessaquestão foi aqui [em Campos]; teveoutros também, mas a questão doFundo Fundecam foi o que mais in-teressou pra gente. (Cassaro, 2007)

Quando a Cellofarm optou porCampos, a negociação estava prati-camente concluída com o estado deGoiás, na cidade de Anápolis, graçasaos incentivos fiscais que o estadode Goiás tem. (Alecrim, 2007)

Ela [a Schulz] foi ao Espírito Santo,esteve observando lá, e veio paraCampos [...] teve também em Nite-rói [...] tiveram oferta do Nordeste,através de um banco do Nordeste,o Banco do Nordeste, que facilita-ria também a instalação, mas comovocê falou, incentivos hoje tem aqui

8 São o caso, por exemplo, da Duvêneto, ligada ao ramo da indústria de alimentos, e o daCellofarm, ligada à indústria farmacêutica, ambas localizadas em Campos.

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no estado do Rio, tem no EspíritoSanto, e, na verdade, o dinheiro atra-vés do fundo, que é um dinheiromais barato, [...] quando você conse-gue ter um recurso barato, que vocênão onera a instalação da empresa,você não liga de estar pagando im-postos, de você estar fazendo outrascoisas, porque você teve uma ajudapara não estar pagando caro para seinstalar no município. (Vieira, 2007)

A próxima fábrica da japonesaToyota poderá ficar em Campos. Anotícia foi veiculada pelo jornal ODia na edição de ontem, 23, e con-firmada, pela manhã, pelo prefeitoAlexandre Mocaiber, numa emissorade TV a cabo local e reprisado numprograma de Rádio do governomunicipal, transmitido pela RádioEducativa FM. O município disputacom o estado do Espírito Santo aimplantação de uma fábrica daToyota no Brasil, para fabricar umcompacto, carro para disputar o seg-mento popular, já que a marca élíder de vendas do Sedan (Corolla).Antes da disputa entre os estados doRio e Espírito Santo, a Bahia e o RioGrande do sul entraram na disputapela nova fábrica com a região doABC paulista, onde se concentramas principais montadoras do país.(Campos, 2007a)

Embora a disputa por investimentosesteja relacionada à lógica do capitalis-mo, a “guerra de lugares” que atingeesses municípios cria uma superposiçãode escalas, havendo, em alguns casos,disputa dos municípios da região até

mesmo com outros países. Um exemplodisso pode ser retirado da declaraçãodo representante da Schulz, que afir-mou em entrevista que, muito antes dadefinição pelo Brasil, a empresa chegoua cogitar a sua instalação em outros paí-ses da América Latina:

Foi feita [uma pesquisa] em váriosestados onde teria as melhores con-dições porque, na verdade, a Schulzestá no mercado brasileiro há 10anos como distribuição. A Schulz doBrasil, as pessoas daqui, tiveram quefazer um trabalho para convencer aAlemanha para montar uma fábricano Brasil e não no México, como es-tava se cogitando, e em outros lugaresque eles [os proprietários da Schulz]possuem fábricas. Então, na verda-de, foram vendidos os benefícios queteriam que estar se instalando aqui:o Fundo, a questão dos incentivos, amão-de-obra que eles consideramboa aqui e com custo competitivo anível mundial e principalmente comqualidade. (Vieira, 2007)

Contudo, é importante ressaltar quesomente a oferta de subsídios a partirda aplicação dos royalties e a disponibi-lização de terrenos baratos e incentivosfiscais municipais talvez não expliquemintegralmente a incorporação dessesmunicípios à “guerra de lugares”. A par-ticipação dos governos supralocais temse mostrado de fundamental importân-cia para a atração da maioria dos inves-timentos, principalmente a do governodo estado do Rio de Janeiro, que pormeio de seus programas de financia-mento e da realização de obras de infra-

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estrutura tem viabilizado a consolidaçãode empreendimentos na região:

A gente faz agora uma parceria coma Investe Rio, uma agência de fomen-tos que também tem feito parceriascom o Fundecam, aonde normal-mente a gente tem entrado com oprédio e a Investe Rio financia osequipamentos para o empreendi-mento [...] Com recursos do Estado,os do fundo, que tem FREMF, é umnome esquisito, mas é o Fundo deRecuperação Econômica do Norte eNoroeste Fluminense. [...]O governo do estado foi muito im-portante, ele que atraiu essas empre-sas para a gente. (Carneiro, Secretariade Quissamã, 2008)

A disputa pelos investimentos nãoficou só entre prefeituras [durantea realização da Feira Brasil Offshoreem 2003]. Os estados do Rio e Espí-rito Santo travaram um embate ver-bal em uma das conferências dafeira para mostrar aos investidoressuas vantagens. (O Estado de SãoPaulo, 2003)

A empresa Aker Promar será a res-ponsável pela construção do estaleiroem Barra do Furado, e a ChouestAlfanave assumiu a responsabilidadede instalar uma base offshore noFarol de São Tomé (Baixada Cam-pista). As duas empresas têm previ-são de, juntas, investirem cerca deR$ 110 milhões no empreendimento.O governo estadual e as duas pre-feituras assumiram a dragagem doCanal das Flechas e também o trans-

passe de sedimentos (através do bypass), num investimento que foi ini-cialmente orçado em R$ 60 milhões.(Moraes, 2008b)

Com investimentos de R$ 5,8 bi-lhões e geração de 5 mil empregosna fase de construção, além de 3 mildiretos na operação, o ComplexoLogístico e Industrial do Açu envolveos estados do Rio e Minas Gerais. Osistema começará a operar a partirdo segundo semestre de 2009, comexportações de 8 milhões de tone-ladas naquele ano; 20 milhões em2010 e 26 milhões em 2011. Asvendas para o exterior representa-rão US$ 1,5 bilhão/ano somente emminério de ferro.“A implantação de um projeto comoesse só é possível com o apoio dosgovernantes. Quero aqui registrarmeu especial agradecimento à go-vernadora Rosinha Garotinho. Oempenho demonstrado e os incen-tivos concedidos estão nos permi-tindo fazer algo grandioso, de portemundial, para o Rio de Janeiro. Fi-camos muito felizes com a liderançada senhora e a dedicação de seussecretários. Vamos agregar valor àmatéria-prima que vem de Minas.E, na esteira do complexo, certamen-te outros empreendimentos virãopara a região. Inicialmente tínhamos2 mil hectares e já compramos mais4 mil hectares para executar umasérie de projetos que irão se instalarno entorno. Estamos muito felizesde poder participar desse PIB novofluminense” explicou Eike Batista.(Rio de Janeiro, 2006b)

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O governador Sérgio Cabral lançou,no dia 8 de novembro, o Plano Estra-tégico 2007-2010, com o objetivo decriar condições para promover umboom de desenvolvimento. O go-vernador e empresários assinaramo projeto criado para acompanhare dinamizar as ações relacionadas aogoverno para a execução de gran-des investimentos em curso no esta-do, como o Aeroporto Internacionalde Cabo Frio; a construção do esta-leiro Aker Promar, em Barra do Fu-rado, Quissamã; a implantação doComplexo Petroquímico de Itaboraí(Comperj); a construção do Portodo Açu da empresa MMX, em SãoJoão da Barra; o complexo siderúr-gico ThyssenKrupp CSA, em SantaCruz, no Rio; e a siderúrgica Voto-rantim-Metais, em Resende.O Plano prevê estratégias de ação einvestimentos públicos e privadosem educação, saúde, recuperaçãode rodovias, urbanização de comu-nidades, saneamento, desenvolvi-mento econômico diversificado egeograficamente equilibrado. (Riode Janeiro, 2006a)

Não se pode esquecer, ainda, que aLei estadual 4.533/05, que reduziu para2% o ICMS de alguns segmentos indus-triais que se instalassem nas regiões Nortee Noroeste do estado do Rio de Janeiro,foi um dos fatores responsáveis pela in-serção desses municípios na “guerra delugares”:

Eu estou na Schulz há pouco tempo.Na verdade, há dois, três meses.Mas a gente conhece o histórico da

empresa: ela foi ao Espírito Santo,esteve observando lá, e veio paraCampos em função principalmenteda localização, em função do mer-cado de petróleo (onde eles atuammuito) e, principalmente, em funçãodo Fundo de Desenvolvimento deCampos (Fundecam), que foi quemfinanciou a instalação da indústria.E depois que já estava em anda-mento, em função da Lei 4.533 deICMS, que também facilita a instala-ção de empresas aqui no município.(Vieira, 2007)

E além do FREMF, os incentivos quea “Lei Rosinha” dão para o desen-volvimento dessa região, são 31 mu-nicípios no Norte e Noroeste, são os2% de ICMS, isso aí tem sido funda-mental para atração de empresas,como também esse FREMF. (Carnei-ro, Secretaria de Quissamã, 2008)

Outro processo que corrobora a teseda inserção desses municípios na “guerrade lugares” é a intensa extração de mais-valia pelas empresas neles instaladas. Taisempresas gozam do máximo de benefí-cios e, como se isso não bastasse, umavez instaladas, buscam explorar ao má-ximo tudo o que os municípios podemlhes oferecer. Nesse aspecto, pode-secitar o exemplo da alemã Schulz, insta-lada no Distrito Industrial da Codin emCampos, que, além de ter gozado deisenção de impostos municipais, impos-tos estaduais reduzidos, terreno barato,crédito subsidiado da prefeitura deCampos e do governo do estado do Riode Janeiro, estaria pagando uma médiasalarial em torno de 1,5 salário mínimo.

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Quando perguntado, durante entrevistaconcedida, se o fator mão-de-obra ba-rata foi determinante para a instalaçãoda Schulz em Campos, Lucas Vieira,representante da empresa, respondeu:

Foi um fator determinante. Não umamão-de-obra barata, uma mão-de-obra qualificada e com preço justo.[...]a mão-de-obra que eles consideramboa aqui e com custo competitivo anível mundial e principalmente comqualidade. (Vieira, 2007)

Outras empresas, também de grandeporte, como a Duvêneto, empresa capi-xaba produtora de biscoitos instalada nabaixada campista, têm comemorado ofato de empregarem funcionários queresidem nas suas proximidades, porqueisso lhes possibilitaria o não-pagamentode vales-transporte (Barral Neto et al.,2008; Passos et al., 2007). A Duvêneto,além disso, atrasou por meses o paga-mento dos funcionários e, mais, quandoos salários foram pagos, o seu valormostrou-se desestimulante.

Os baixos salários oferecidos em con-trapartida à carga horária e outrascobranças fizeram muitas mulheres,a maioria na produção, a deixar aempresa voltando para atividades,

por exemplo, de faxinas residenciais.Três faxinas semanais rendiam oequivalente ao que recebiam comatrasos freqüentes na fábrica. (Mo-raes, 2008a)

Esse conjunto de variáveis é quegarante e possibilita a tese levantada poreste trabalho: a deflagração, a partir dosprimeiros anos da década de 2000, deuma disputa por investimentos que, detão intensa, não se restringiria a uma sim-ples guerra fiscal, mas teria uma natu-reza muito mais ampla, uma verdadeira“guerra de lugares”.

Um fato relevante, envolvendo osmunicípios da Bacia de Campos, é queo quadro que possibilita a existência deuma “guerra de lugares” é assegurado,contraditoriamente, pela cooperação.Na busca da preservação do seu valor,as elites locais articulam-se em torno dacriação de mecanismos que garantam afiscalização do repasse dos royalties e apermanência do recebimento dessesrecursos. Assim, em 2001, foi instituídaa Organização dos Municípios Produto-res de Petróleo e Gás e Limítrofes daZona de Produção Principal da Bacia deCampos (Ompetro), que se constitui nogrande instrumento de manutenção dascondições que asseguram, a esses muni-cípios, o direito a competirem entre si 9.

9 Pertencem à Ompetro, atualmente, os seguintes municípios: Armação dos Búzios, Cabo Frio,Campos dos Goytacazes, Carapebus, Casimiro de Abreu, Macaé, Niterói, Quissamã, Rio dasOstras e São João da Barra.

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o caso dos municípios da Bacia de Campos - RJ

Considerações finais: conseqüências da “guerra delugares” na Bacia de Campos

A entrada dos municípios confrontantescom a Bacia de Campos na “guerra delugares” tem significado, por um lado,uma maior inserção dessa porção doterritório fluminense na atual fase docapitalismo, revertendo um históricoquadro de marginalização econômica,e por outro, trazido sérias conseqüênciaspara o desenvolvimento dessa região amédio e longo prazo. Observam-se, nacontinuidade desse processo, as raízesde uma verdadeira fragmentação regio-nal, causada, sobretudo, pelas disputaspor investimento entre os próprios mu-nicípios.

O fato de cada município traçar suaspróprias estratégias de desenvolvimentobaseadas na criação de atrativos paraas grandes empresas desfaz as perspec-tivas de um desenvolvimento integradofocado nas potencialidades e comple-mentaridades regionais. O pensar regio-nal, nunca formado, fica mais distante.

Nesse sentido, quando perguntadosobre as possibilidades de um desenvol-vimento regional integrado, HaroldoCarneiro, secretário de desenvolvimentoeconômico de Quissamã, respondeu:

Isso é o ideal, é difícil conseguir har-monizar tudo isso que você pensa,é complicado. Mas a tendência écada um mesmo criar sua forma deatração e desenvolver. Acho que oimportante é essa idéia se solidificarna região, e está ganhando um ponto

cada vez mais com o sucesso de Cam-pos. E, com Quissamã Empreende-dor, os outros municípios vão vendoe a população pede isso, quem in-vestir na área de geração de empregona região vai ganhar muito. (Carnei-ro, Secretaria de Quissamã, 2008)

O presidente da Firjam - Seção NorteFluminense, Geraldo Coutinho, emboramostrando-se otimista com a atuaçãodos fundos, também compartilha da idéiade que o pensar regional está sendo postode lado:

Gostaríamos muito que eles assu-missem um formato um pouco di-ferente do que o que está sendoimplementado. Gostaríamos tam-bém que esses “Fundos” pudessemter um programa de ação conjuntapara pensar no desenvolvimento deuma maneira regional e não munici-pal. Enfim, temos vários pontos quepudemos observar e que poderiamtrazer qualidade maior à operaçãodesses “Fundos”. (Coutinho, 2007)

A Ompetro, por promover o encon-tro dos prefeitos dos municípios da Baciade Campos em torno de interesses co-muns, poderia assumir a função de fórumregional de desenvolvimento, articulan-do estratégias e desestimulando a com-petição. Entretanto, essa organização nãodemonstra nenhuma intenção nesse sen-tido, concentrando-se única e exclusiva-mente na defesa, por meio de lobbies

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no Congresso Nacional, da manutençãodos royalties. Ou seja, o que importa paraa Ompetro não é pensar conjuntamentea aplicação desses recursos mas, sim,garantir o direito de acesso e de uso dosroyalties, que têm financiado e estimula-do a competição entre os municípios. Éa defesa do direito de competir.

A omissão da Ompetro nas ques-tões que envolvem o desenvolvimentoregional é tão nítida que a própria classeempresarial da região, na sua maioria,desconhece sua existência, e os poucosque a conhecem avaliam mal a sua atua-ção (Piquet e Oliveira, 2007).

Vista como de “pensamento paro-quial e de curto prazo” por impor-tante empresário campista, uma vezque cuida apenas da defesas dosroyalties, não articulando propostade desenvolvimento envolvendotoda região, é também considerada“defensora cega dos royalties” poroutro empresário (dos mais indica-dos como de destaque no cenárioempresarial de Campos). Segundosua opinião, deveria garantir não sóa transparência na aplicação de re-cursos financeiros recebidos, comotambém incorporar em suas açõesas propostas de empresários locaisem lugar de se restringir somente àatuação dos prefeitos. (Ibid., p. 278)

Dessa forma, percebe-se que, atémesmo do ponto de vista dos beneficia-dos pela política competitiva dos municí-pios da região, a atuação da Ompetro évazia.

Além da fragmentação regional, aprópria perspectiva de desenvolvimentoposta em prática em cada municípiomostra-se problemática. Na realidade,a concepção de desenvolvimento dosgestores municipais pode ser traduzidana pura e simples atração de investi-mentos de grande porte.

Tal política é justificada pelo discursode que os royalties estão sendo usadosna geração de emprego qualificado eno crescimento econômico, o que criaenormes expectativas nas populaçõeslocais e uma certa “sensação de pros-peridade”:

Porque agora estão chegando osprojetos maiores. O projeto peque-nininho gera tanto emprego comoo projeto grande. Exemplo: umaindústria de confecções você montacom R$ 300.000,00, você gera umaquantidade boa de emprego, mas éum “empreguinho”; com a indús-tria de medicamento, goma xanta-na, gera emprego, gasta muito maisrecurso, mas aquilo dá uma consis-tência muito grande, ou seja, vai terali um químico, um biólogo, umapessoa de nível maior. [...]Eu acho que essas indústrias maioresque estão sendo montadas agora, elasvão fomentar ainda mais essas cadeiasprodutivas. (Concebida, 2006)

Todavia, como os investimentos nãotêm sido planejados em sintonia com asatividades locais, não estimulam as poten-cialidades dessas atividades, e os empregosgerados, por sua vez, são insuficientes.

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A esse respeito, Passos (2007), noseu estudo acerca da atuação do Fun-decam, revelou que, do total de em-pregos anunciados pelo Fundo comogerados por empreendimentos financia-dos, apenas para cerca de 30% essaorigem pode ser efetivamente compro-vada a partir de consulta às bases dedados da Rais e do Caged.

Além disso, a maior parte dessesempregos, destinados à população local,está longe de ser qualificada, como es-perado pelos gestores locais:

A indústria farmacêutica requer umamão-de-obra especializada. Então,as funções de nível hierarquicamen-te superior geralmente são pessoasque já tem experiência na indústriafarmacêutica e são trazidas de fora.Localmente, você não encontra estaespecialização e conhecimento queesta função requer. Nos outros níveis,são pessoas da própria cidade. (Ale-crim, 2007)

A maior parte é de chão de fábrica,com salário um pouco menor, nóstemos poucas pessoas aqui dentrocom salário um pouco maior, quesão pessoas do escritório, mas basi-camente é tudo com ensino básico.Tem muito funcionário que trabalhacomo auxiliar de produção no em-pacotamento. (Cassaro, 2007)

Mais grave ainda é o fato de algunsdesses grandes empreendimentos, tãoelogiados pela mídia regional como “pro-pulsores do desenvolvimento”, terem fra-cassado, até mesmo do ponto de vista

da gestão empresarial. Recentemente,a Duvêneto – que contou com um in-vestimento de R$ 63 milhões do Fun-decam – anunciou, com menos de umano de sua inauguração e após ter demi-tido cerca de 100 funcionários nos últi-mos meses, o fechamento temporárioda sua fábrica em Campos, alegandocomo causa a grande alta no preço dotrigo, principal matéria-prima para a fa-bricação de biscoitos (Campos, 2007a).

O fomento das cadeias produtivasna região, outra justificativa apresentadapara a manutenção da política de atra-ção de empresas através do uso dosroyalties, também se mostra falho, namedida em que, segundo estudos dePiquet e Oliveira (2007), as grandesempresas atraídas à região estabelecemtênues relações com empresas locais,não as estimulando a participar maisativamente da cadeia produtiva em queestão inseridas. Não são criadas as basesde uma forma de desenvolvimento quearticule as empresas que chegam comas que nascem na região; ao contrário,cada vez mais torna-se visível o fossoexistente entre a estrutura produtivaavançada das grandes empresas e a es-trutura defasada das empresas locais,sobretudo nos setores hegemônicos (Pi-quet, 2003).

Os royalties do petróleo, na verdade,estão sendo usados para adequar o terri-tório ao seu melhor uso pelas empresasatraídas. Pontes, rodovias, dragagem decanais, zonas especiais dotadas da infra-estrutura necessária são construídas nãoem função da população local mas emfunção das empresas, transferindo o con-

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trole de porções significativas do territóriopara a gestão privada. Essas empresas,como agentes do capitalismo global, estãovinculadas a interesses de outras escalas,e o seu único compromisso é com o lucroque o território lhes proporcionará. Paraelas, o território da região Norte Flumi-nense é um espaço destituído de interes-ses e perspectivas próprias, não passandode uma “simples base de fluxos onde searticulam nós de uma sofisticada rede deplataformas, portos, dutos, aeroportos eestações de processamento, que captame redistribuem fluxos de pessoas, homens

e informações”, e onde atuam para atin-gir seus objetivos (Piquet e Oliveira, 2007,p. 279).

Além disso tudo, cabe salientar queo futuro dessa política não tem basesólida, uma vez que os recursos que afinanciam são provenientes, e altamentedependentes, das rendas petrolíferas. ATabela 2 mostra com clareza o grau dedependência das receitas orçamentárias,dos municípios envolvidos na “guerrade lugares”, dos royalties e participaçõesespeciais.

Uma eventual mudança nas regrasde pagamento das rendas petrolíferaspoderá afetar significativamente as contaspúblicas dos municípios e levar ao encer-ramento da política de atração de empre-sas. O fim dos royalties e participaçõesespeciais poderá inclusive significar odeslocamento das empresas atraídaspara os municípios da Bacia de Campos

pelos créditos e subsídios fiscais permiti-dos por esses recursos.

Assim, observa-se que o crescimentoeconômico experimentado pelos muni-cípios não se tem transformado em realdesenvolvimento, na medida em que serevela fragmentário, politicamente frágil,e, principalmente, descomprometido

Fonte: Adaptado pelos autores a partir do Info-Royalties - Ucam e Fundação Cide.

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212O petróleo como grande financiador da “guerra de lugares”:

o caso dos municípios da Bacia de Campos - RJ

com a população local em relação tantoao crescimento gerado quanto ao usodo território.

Conclui-se que os municípios con-frontantes com a Bacia de Campos nãopodem deixar passar a oportunidadeímpar que estão tendo para planejar umdesenvolvimento integrado e sustentadode longo prazo. Os royalties e participa-ções especiais, que lhes oferecem um

invejável orçamento, exigem, pela suafinitude, uma concepção de desenvol-vimento que transcenda o risco de queo dinamismo econômico seja efêmero.Assim, são precisas as palavras de Crespo(2003, p. 255): “os royalties significama oportunidade de um presente quepode garantir o futuro e não mais ficarchorando um passado de coronéis, es-cravos e canaviais”.

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Resumo

Este trabalho objetiva analisar e descre-ver as principais características e conse-qüências do processo de atração deinvestimentos pelos municípios da Baciade Campos, iniciado ao final dos anos1990, quando cresceram significativa-

Abstract

The objective of this research paper is toanalyze and describe the main charac-teristics and consequences of the processof attraction of investments, whichwas initiated by the municipalities ofCampos Basin at the end of the 1990’s

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o caso dos municípios da Bacia de Campos - RJ

mente as rendas petrolíferas do estadodo Rio de Janeiro e dos municípios be-neficiários. Dentre as diversas iniciativase estratégias metodológicas para o de-senvolvimento do trabalho, priorizaram-se a busca, a coleta e a sistematizaçãode dados e informações sobre: os inves-timentos públicos e privados e a ofertade crédito e outros incentivos fiscais, comintuito de avaliar a atratividade dessesmunicípios. Os resultados indicam queo generoso pacote de atrativos, viabiliza-do pelos royalties, tem inserido, não semobstáculos, os municípios numa “guerrade lugares” de âmbitos nacional e glo-bal, gerando, porém, fragmentação noprocesso de desenvolvimento regional.

Palavras-chave: Bacia de Campos,desenvolvimento econômico regional,“Guerra de Lugares”.

when the petroleum revenues of the stateof Rio de Janeiro and the benefitingmunicipalities grew significantly. Amongthe various initiatives and methodologicalstrategies utilized to develop this researchpaper, the search, gathering and organi-zation of data and information concerningpublic and private investments and theavailability of credit and fiscal incentiveswas prioritized, with the goal of evaluat-ing the attractiveness of these municipali-ties. The results indicate that the generouspacket of incentives, made possible bythe royalties, although hindered by ob-stacles, has inserted the municipalities ina “war of places”, of a national and glo-bal scale, however this has generated afragmentation of the regional develop-ment process.

Keywords: Campos Basin, regional eco-nomic development, “War of Places”.

Jayme Freitas Barral Neto é Graduado em Geografia pelo Centro Federal deEducação Tecnológica de Campos, Bolsista do Observatório Nacional do Mundodo Trabalho e da Educação Profissional e Tecnológica, Setec/MEC, no Centro Fe-deral de Educação Tecnológica de Campos (Cefet/Campos).

William Souza Passos é Graduado em Geografia pelo Centro Federal de Educa-ção Tecnológica de Campos (Cefet/Campos), atualmente Professor da rede estadualde ensino.

Romeu e Silva Neto é Doutor em Engenharia de Produção pela PontifíciaUniversidade Católica do Rio de Janeiro, atualmente Professor e Pesquisador doMestrado em Engenharia Ambiental do Centro Federal de Educação Tecnológicade Campos (Cefet/Campos).

Recebido em julho de 2008. Aprovado para publicação em novembro de 2008

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Cadernos IPPUR, Rio de Janeiro, v. 22, n. 2, p. 219-244, ago./dez. 2008.

Elier Méndez Delgado

María del Carmen Lloret Feijóo

El desarrollo territorial en Cuba tiene suorigen en las grandes deformaciones ydesigualdades socioeconómicas previasal triunfo de la revolución en enero de1959 y por tanto, parte de la necesidadimpostergable de encaminar los esfuer-zos hacia el ordenamiento de los terri-torios en aras del desarrollo demandadopor el proceso revolucionario en auge.Los orígenes y rasgos del diseño territo-rial y local en la isla se remontan al pa-sado colonial y se extienden al períodorepublicano previo al triunfo revolucio-nario. Con la Constitución de 1901 sedan los primeros pasos relacionados conlas estructuras y poderes locales; más

Índice de Desarrollo HumanoTerritorial en Cuba de 1985 a 2007

Introducción

tarde, en la Constitución de 1940, en-tonces una de las más avanzadas del con-tinente, se asentó la necesidad defortalecer la actividad de las localidadeso municipios. A mediados de siglo XXCuba contaba con 126 municipios dis-tribuidos irregularmente en las seis pro-vincias existentes, por ejemplo, 26 en LaHabana contra sólo nueve en Camagüey.

El desarrollo territorial ordenado yplanificado constituye una vía para re-solver las dificultades desde el punto devista socioeconómico; la economía pla-nificada posibilita una mejor distribuciónde los limitados recursos a nivel nacional,

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220 Índice de Desarrollo Humano Territorial en Cuba de 1985 a 2007

territorial y local; el calculo del Índice deDesarrollo Humano a escala Territorial(IDHT) en Cuba es una herramienta autilizar para priorizar decisiones que tienenque ver con el desarrollo futuro de losterritorios y localidades del país. Al analizarlas desproporciones territoriales podríapreguntarse. ¿Qué provincias o territo-rios necesitan un mayor volumen de in-versiones?; esto sin afectar en mayormedida los renglones fundamentales de

la economía del país. ¿Cuales de las pro-vincias necesitan una atención especialpor su bajo grado de ocupación, una tasaalta de mortalidad infantil o materna?

Con el propósito de medir el desarro-llo económico territorial, con vistas a diag-nosticar la situación socioeconómica encada provincia y apoyados en la expe-riencia de otros trabajos 1 realizados en estadirección es que se realiza este trabajo.

Desarrollo

¿Qué es el desarrollo territorialy cómo puede medirse?

El Desarrollo Territorial es un procesolocalizado de cambio social sostenidoque tiene como finalidad última el pro-greso permanente del territorio, la loca-lidad, la comunidad y de cada individuoresidente en ella. Además de estar vin-culado estrechamente a un proceso decrecimiento económico, el DesarrolloTerritorial requiere de las siguientes con-diciones:

1. Un proceso de autonomía paraemprender un estilo propio de desarro-llo y aplicar políticas autóctonas.

2. Capacidad de apropiarse delplusproducto para reinvertir en el pro-ceso, lo que permite superar en formapaulatina las estructuras de producciónobsoletas y diversificar la base econó-mica. Esto posibilitará un desarrollo sus-

1 Disponible en: <http://www.eumed.net/cursecon/ecolat/cu/index.htm>. Disponible en: <http://www.ean.edu.co/2000/serviuni/biblioteca/bh2011R.htm>.

tentable a largo plazo, pues ofrece ci-mientos más sólidos.

3. Una actitud permanente de con-cientización con respecto a la protecciónambiental y el uso racional de los recur-sos naturales, al tiempo que se deberápropiciar el incremento del nivel de vidade la población.

4. La identificación plena de la pobla-ción con su territorio; lo que da sentidode pertenencia e identidad al DesarrolloTerritorial; esto se vincula a la historia,sicología, lengua, tradición y arraigo so-ciocultural de la población con ese Terri-torio; por lo que deberá predominar unverdadero sentido de pertenencia quedesarrolle la cohesión y al final posibilitela motivación de cada uno de los indivi-duos.

5. Se necesita de lo cotidiano y aquíestá la unidad, como requisito indispen-

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221Elier Méndez Delgado, María del Carmen Lloret Feijóo

sable para ejercer las diferentes activi-dades del individuo en la sociedad. Locotidiano posibilita la comunicación y eldiálogo que es lo que permite adentrar-se en los problemas del territorio.

6. Producto del significado social deeste proceso, es fundamental que el in-greso se reparta entre la población conjusticia y equidad; además de garantizarla participación constante de ésta en latoma de decisiones.

7. El protagonismo es requisito in-dispensable para este proceso, entendidoeste como el liderazgo de los gestoresdel Desarrollo Territorial.

8. La coordinación entre los agentesdel desarrollo, constituye una condiciónnecesaria para consolidar el desarrollodel Territorio.

Etapas del desarrollo territorialen Cuba

PRIMERA ETAPA: COMPRENDIDA ENTRE LOS AÑOS

1959-1975

En 1959 las deformaciones de la eco-nomía cubana agravaban las despro-porciones territoriales. Las relaciones deproducción imperantes dificultaban eldesarrollo de las fuerzas productivas.Además de las diferencias socioeconó-micas entre las regiones de la isla, enespecial entre la occidental (sin contar aPinar del Río) y la oriental (con un mayoratraso general), las características delterritorio y el sistema de asentamientos

humanos correspondiente expresaban laforma en que se desarrollaron las fuerzasproductivas en el capitalismo. Durantelos primeros años de la revolución laeconomía cubana navegó sin rumbopreciso por la carencia de controles eco-nómicos de la sociedad en un períododeterminado. En palabras de Fidel Cas-tro, cuando los problemas concretos delos revolucionarios “se reducían a de-rrocar la tiranía, tomar el poder y erradi-car el injusto sistema social existente enel país, las tareas ulteriores en el campode la economía nos parecían más senci-llas. En realidad éramos considerable-mente ignorantes en este terreno” 2. Taletapa se caracteriza por el reordena-miento de las fuerzas productivas y elinicio de nuevas relaciones de produc-ción, con el predominio de la propiedadestatal de los medios de producción.

Así comenzó la transformación dela economía para atenuar en lo funda-mental las grandes desproporciones entrelas provincias. Los principales problemasimplicaban tres aspectos: la organizaciónterritorial de la actividad política y admi-nistrativa del partido y el Estado revo-lucionarios; la estructuración territorialde las unidades de producción agrope-cuaria estatal, y la racionalización y elfortalecimiento de las relaciones agroin-dustriales en el sector azucarero. La situa-ción crítica de la isla forzó la consolidaciónde un fuerte aparato estatal que concen-tró las facultades legislativas, ejecutivas yadministrativas.

Pese a la ausencia de institucionesgubernamentales consolidadas, en ese

2 Fidel Castro Ruz (1975, p. 90).

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222 Índice de Desarrollo Humano Territorial en Cuba de 1985 a 2007

tiempo se dieron pasos firmes hacia lareestructuración profunda de la econo-mía. Ejemplos de ellos fueron las leyesde reforma agraria de mayo de 1959,cuya ejecución dio origen al InstitutoNacional de Reforma Agraria (INRA), yde octubre de 1963, que expropió laspropiedades rurales mayores de cincocaballerías.

El INRA creó las zonas de desarrolloagrario (ZDA), primeros órganos oficia-les locales que, además de apoyar lareforma agraria, contribuyeron a formarcooperativas y desarrollar la producciónagropecuaria en general. Las ZDA nopodían actuar como órgano de gobierno,aunque llenaron el vacío de poder polí-tico, por lo que se tornó necesario susti-tuir al consejo provincial y de gobiernomunicipal existente durante el capitalis-mo. Las direcciones provinciales de plani-ficación física se iniciaron en los primerosaños sesenta. En marzo de 1960 se creóla Junta Central de Planificación (Juce-plan) 3 y, al año siguiente, se instituyó laJunta de Coordinación e Inspección(Jucei), con la tarea básica de coordinarlos trabajos de los organismos adminis-trativos, políticos y sociales. En las Juceiaparecieron los primeros brotes de des-centralización, aunque de manera toda-vía insuficiente por la gran cantidad deactividades centralizadas a su nivel. En1966 las Jucei fueron remplazadas porel denominado poder local, un proyectode descentralización administrativa másambicioso; sin embargo, éste tuvo cortavida como entidad municipal mediadapor elecciones, al tener en contra la di-

visión político-administrativa, la escasezde recursos para atender necesidades delos vecinos y la falta de instituciones re-presentantes de sus intereses. En esaetapa surgieron varios elementos quedieron un carácter propio a la actividadterritorial, como la creación de granjasestatales, la ampliación de la red vial, laconstrucción de pueblos, la orientaciónde las inversiones industriales, y el equi-pamiento escolar. La planificación físicadesempeñó un papel importante en dossentidos: contribuyó a transformar elentorno para la nueva vida social, pro-porcionando un poderoso instrumentode acción política e ideológica para latransmisión de los nuevos valores, y esta-bleció en escala regional, por lo menosen términos funcionales, la coordina-ción y la convergencia de planes y pro-gramas sectoriales para el desarrolloterritorial.

Las dificultades y limitaciones parala planificación física provinieron princi-palmente del alto grado de incertidum-bre en la formalización de los planes acausa del carácter todavía abierto de laeconomía y los efectos del bloqueo es-tadounidense. Ello impidió establecerprogramas socioeconómicos de medianoy largo plazos, por lo que los planes deinversiones se circunscribieron a los sec-tores, con un marcado sesgo coyuntural.A dichos factores se sumó la aguda es-casez de personal técnico calificado.Hacia mediados de los sesenta,

así, los dos sistemas de dirección pla-nificada de las empresas estatales

3 Juceplan, Organismo encargado en Cuba de la Planificación de las actividades económicasdurante la primera etapa del desarrollo económico y social del país.

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223Elier Méndez Delgado, María del Carmen Lloret Feijóo

presentaron un conjunto de defi-ciencias en su funcionamiento [porel uso limitado] de los mecanismoseconómicos de dirección y control,incluido el de las relaciones mone-tario-mercantiles. En este mismosentido, la planificación como mé-todo fundamental de dirección dela economía nacional presentó de-bilidades. [También por la pobreaplicación de dichos] mecanismos,que no pudieron actuar como po-derosos resortes de influencia, comométodos directos de control de laconducción de la economía de lasempresas, estimulándolas, medianteel interés material por los resultadosde su gestión, a un uso más eficientede los recursos a su disposición, ase-gurando así el cumplimiento eficientede los planes establecidos. 4

A finales de 1961 el gobierno revo-lucionario asumió la tarea de la planifi-cación de la economía y el trabajo entodos los niveles. Como parte de las ac-ciones correspondientes, se reestructuróla Juceplan y se le encomendó la ela-boración del primer plan cuatrienal defomento económico para el período1962-1965. Merced a la reforma agra-ria, se establecieron las granjas del pue-blo, lo que impulsó la concentración yla especialización de la actividad produc-tiva. Con la reorganización de la agri-cultura esas granjas se integraron conlas cañeras y ello dio origen a la agru-pación estatal, esqueleto económico dela reestructuración político-administra-tiva de Cuba.

El Instituto de Planificación Física(IPF) fue el principal responsable de laplanificación territorial con base en losplanes sectoriales hasta 1975. La crea-ción de los sectores económicos globalesen las provincias en 1972, sin embargo,representó uno de los primeros indiciosde un nuevo enfoque territorial en el planeconómico nacional, con base en los in-formes de las delegaciones provincialesde los organismos. Pero no se puede afir-mar que en aquellos años hubiese plani-ficación territorial. Cabe destacar, sinembargo, el fortalecimiento de los orga-nismos, las organizaciones de masas y laadministración del Estado, lo cual abriópaso a un proceso de institucionaliza-ción que contribuyó al desenvolvimientode la planificación territorial. Comoejemplo se puede citar la constitución delos órganos del poder popular (OPP),aunque de modo experimental, en laprovincia de Matanzas.

SEGUNDA ETAPA: COMPRENDIDA ENTRE LOS AÑOS

1975-1885

En esta fase se sentaron las bases paraun desarrollo cualitativamente superior,más acelerado y completo de la planifi-cación territorial en Cuba con base enla nueva división político-administrativa,lel establecimiento de los OPP en todoel país y la implantación el Sistema deDirección y Planificación de la Economía(SDPE). La nueva división político-admi-nistrativa fue necesaria por las notoriasdeficiencias de la estructura anterior contres eslabones intermedios (provincia,región y municipio), en detrimento de

4 Vilariño Ruiz y Domenech Nieves (1986, p. 96).

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224 Índice de Desarrollo Humano Territorial en Cuba de 1985 a 2007

las tareas de dirección, organización ycontrol de la gestión política y social.Además, la estructura no respondía alas exigencias del nuevo modelo de de-sarrollo planificado y de mejoramientode las instituciones estatales.

Antes del referéndum popular queen febrero de 1976 aprobó la actualcarta constitucional, en Cuba

existían seis provincias, 58 regionesterritoriales y 407 municipios, lo cualno resultaba racional ni funcional.Tras un detallado estudio se llegó ala conclusión de que era necesariosuprimir el eslabón regional; además,sobre la base del criterio de relativauniformidad en cuanto a área, po-blación, actividades productivas yotros aspectos, era imprescindiblereducir el número de municipios yaconsejable crear un número mayorde provincias. Así, la nueva divisióncontemplaba 14 provincias y 169municipios. La Isla de la Juventudquedaría como un municipio espe-cial atendido directamente por lasinstancias centrales de la nación. 5

La creación de los OPP amplió lasfunciones y facultades de las provinciasy fortaleció la autoridad e importanciaeconómica de los municipios, los cualesasumieron la administración de miles deunidades antes atendidas por los órga-nos centrales. Con base en esa nuevaorganización se confirió a los nuevosniveles territoriales las características idó-neas para facilitar la planificación y admi-nistración de las actividades económicas

y sociales, en congruencia con la ade-cuada relación que debe existir entre lacentralización y la descentralización delas decisiones en aras del desarrollo.

La institucionalización permitió tam-bién perfeccionar y desarrollar la demo-cracia, al igual que la participacióndirecta de los trabajadores en las deci-siones políticas del país, los asuntos delEstado y la gestión de la economía. ElSDPE se instituyó para ofrecer respaldoinstitucional a la actividad económica,así como amplitud y complejidad en losdiferentes niveles de dirección. Por ellose establecieron las direcciones de plani-ficación tanto provinciales y municipa-les cuanto las provincias de planificaciónfísica, que se subordinaron a la Juce-plan; ésta absorbió el IPF y creó la Di-rección de Planificación Territorial, loque constituyó un importante impulsopara el desarrollo de dicha actividad.

En el plan quinquenal 1976-1980,aprobado por el Primer Congreso delPartido Comunista de Cuba (PCC), seincluyó un capítulo dedicado especial-mente a la distribución territorial de lasfuerzas productivas. En él se asentó que

el desarrollo de la economía nacional[…] deberá realizarse teniendo encuenta una acertada distribución delas fuerzas productivas en las distintaszonas del país, particularmente enlo relativo a la localización de lasnuevas inversiones.

Hacia julio de 1978 se celebró unaimportante reunión del PCC con el

5 Granma (1997, p. 5).

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Consejo de Ministros para elaborar laestrategia de desarrollo económico ysocial hasta el año 2000. El esfuerzo pororientar la economía a largo plazo for-taleció el papel de la planificación terri-torial. Fruto de esa labor fue un conjuntode documentos que brindó, por prime-ra vez, una visión integral del desarrolloterritorial basado en la política orgánicade desarrollo económico y social. Du-rante ese período se profundizó en elcontenido y los alcances de la planifica-ción territorial, con base en un mayororden económico en cada provincia yen la consolidación institucional de lasestructuras administrativas. Enriquecer losmecanismos, métodos y procedimientosaplicados, sin embargo, resultaba fun-damental para conjugar los objetivos enel corto, mediano y largo plazos. Paraello se emprendieron estudios con mirasa perfeccionar la metodología de la pla-nificación territorial. En 1983 el PCCaprobó un texto normativo del alcancey los objetivos de la actividad, con larecomendación de que

la Junta Central de Planificación apartir de las líneas de trabajo reco-gidas en el presente documento con-tinúe el perfeccionamiento de laplanificación territorial como parteintegrante del Sistema de Direccióny Planificación de la Economía 6.

Con tal propósito se organizarongrupos de trabajo para examinar losmecanismos vigentes, así como las expe-riencias y perspectivas de la planificaciónterritorial. Los resultados de los estudiossirvieron para elaborar un nuevo capí-

tulo sobre la planificación territorial, quese incorporó al anteproyecto de Indica-ciones Metodológicas del Plan de la Eco-nomía Nacional.

Si bien en esta segunda etapa secrearon la base organizativa y las condi-ciones necesarias para el desarrollo dela planificación territorial, no se alcan-zaron todas las metas, pues el trabajo selimitó a organizar, planificar y controlarlas tareas orientadas por los OPP en todoslos niveles.

Apenas en 1982 se realizaron las pri-meras reuniones de análisis por territorios,en las que se discutieron las propuestasdesde el punto de vista socioeconómico.Con estos encuentros se buscó evaluarlos criterios territoriales para dar un usomás racional a los recursos, conforme alas prioridades y los volúmenes de pro-ducción previstos; asegurar el cumpli-miento de las exportaciones; garantizarla documentación técnica y demás aspec-tos de ejecución del proceso inversionista;alcanzar la máxima eficiencia en la eco-nomía provincial; evaluar el aprovecha-miento de las capacidades instaladas,como la tierra, los recursos hidráulicos, yelevar la calidad de vida de la población.

TERCERA ETAPA: COMPRENDIDA ENTRE LOS AÑOS

1886-2007

Durante el quinquenio 1986-1990 ladiscusión del plan económico se trasladóa las asambleas municipales y provin-ciales del poder popular, donde se ana-lizaron los problemas de su competenciay se turnaron a organismos centrales los

6 Junta Central de Planificación (1983, p. 7).

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226 Índice de Desarrollo Humano Territorial en Cuba de 1985 a 2007

que exigían decisiones de otra instancia.No obstante, diversos factores impidie-ron la integración territorial del plan eco-nómico. Entre ellos sobresalió la falta decooperación entre los organismos de unmismo territorio, lo cual dificultó unmejor aprovechamiento de los recursosy las potencialidades de cada zona; otrofue la ausencia tanto de un procedi-miento y una organización estable en laelaboración de los planes cuanto de ci-fras y estadísticas adecuadas. El sistemainformativo vigente desde entonces noofrece la información que requiere laplanificación, pero además la cantidadde indicadores directivos consideradoses excesiva, en detrimento de la flexibi-lidad y la eficiencia productivas.

Otras deficiencias importantes fueronlos métodos para formular, controlar yejecutar los proyectos, que no garanti-zaron la participación de todos los orga-nismos y los sectores respectivos; la faltade coordinación de los organismos res-ponsables de elaborar el plan territorialcon los OPP, y la falta de una evalua-ción rigurosa de la distribución territo-rial de los principales indicadores de laactividad con subordinación nacional, loque impidió conciliar de manera ade-cuada los intereses sectoriales y territo-riales considerados en los planes.

La resolución en torno al perfeccio-namiento del SDPE, aprobada por elTercer Congreso del PCC, planteó que

la planificación territorial pasará auna etapa superior a fin de garantizar

la proporción debida en el desarro-llo económico y social de los territo-rios. Esta permitirá, a su vez, unaparticipación más activa de los órga-nos locales del Poder Popular en ladirección de la economía nacional.Se garantizará que las decisiones quetomen las provincias respondan to-talmente a los objetivos de desarro-llo previstos en el plan.

Para mejorar la planificación territo-rial se solicitó la cooperación del profesorHorst Kummel, mediante el Comité Es-tatal de Planificación de la entonces Re-pública Democrática Alemana 7.

De septiembre a diciembre de 1988el especialista germano oriental, catedrá-tico de la Escuela Superior de Econo-mía Bruno Leuschner, colaboró con laJuceplan, organismos nacionales, direc-ciones de planificación provinciales yotras instituciones. La cooperación serealizó por medio de trabajos y confe-rencias encaminadas a mejorar lo de-sarrollado hasta entonces. En 1989 seiniciaron los trabajos para instrumentar,de forma experimental, la planificacióncontinua en la provincia de Matanzas,lo cual se extendió después a las pro-vincias de Villa Clara, Granma y Hol-guín; dicha experiencia se amplió aúnmás en el plan del año siguiente. En1991 se aplicó la planificación en escalareducida, que contribuyó a hacer menosvoluminoso el trabajo de representacióndel plan, con el consiguiente ahorro demodelos y tiempo.

7 Véase Selección de temas de conferencia de Horst Kummel, Juceplan, La Habana, 1988.También puede consultarse Criterios sobre la planificación territorial (1989, p. 43).

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La fase correspondiente al períodoespecial obligó a adoptar un conjuntode medidas extraordinarias que reper-cutió en las economías territoriales. Elesfuerzo principal se centró en frenar eldescenso continuo de la economía desde1989, objetivo que se logró en 1994,cuando el producto interno bruto (PIB)creció 0.7%; como se aprecia en la Grá-fica 1, sin embargo, en ese lapso la eco-

nomía decreció en un 35%. Sin duda laprofunda crisis económica cubana tuvovarias causas estructurales, pero sobre-salen los efectos del derrumbe del camposocialista, la desintegración de la UniónSoviética y los efectos del Bloqueo nor-teamericano que según algunos analis-tas tiene un costo para Cuba de más de85 mil millones de dólares.

Gráfica 1: Producto Interno Bruto de Cuba por años

Fuentes: Anuarios Estadísticos de Cuba publicados por la Oficina Nacional de Estadísticas,desde 1996 hasta 2008, además se realizaron cálculos por los autores.

Se puede apreciar en la Gráfica 1 quela tercera etapa del desarrollo territorialen Cuba está caracterizada por un perío-do de crisis fundamentalmente en losaños 90 y de reanimación de la economíacubana a partir del año 2000 que crececomo promedio 6.3% del 2000 al 2006como se puede apreciar, según cifras ofi-ciales publicadas por el Anuario Estadísticode Cuba. En este último periodo y sobretodo del 2000 y el 2009 han incidido signi-ficativamente los siguientes elementos.

1. Las relaciones de intercambio conVenezuela en el marco una nueva con-cepción que se materializa con la ALBA.

2. La ampliación de relaciones eco-nómicas y comerciales con China.

3. Los niveles de producción de pe-tróleo y gas alcanzados.

4. La alta producción de níquel fa-vorecida con los altos precios.

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228 Índice de Desarrollo Humano Territorial en Cuba de 1985 a 2007

5. Crecimiento del arribo de turistas.

6. Incremento de los ingresos del sec-tor del turismo unido a una mayor efi-ciencia en el sector.

7. Incremento de las exportacionesde productos biotecnológicos y medi-camentos.

8. Flexibilidad para aplicar Inicia-tivas Municipales de Desarrollo (IMD)

en localidades o municipios selecciona-dos del país, según estudios realizadospor el Ministerio de Economía y Planifi-cación.

A lo anterior se une el cambio es-tructural que ha tenido la economíacubana donde los servicios (III) desem-peñan un papel cada vez más preponde-rante como se puede ver seguidamenteen la Gráfica 2.

Gráfica 2: Comportamiento estructural de la economía cubana

Como se aprecia en la Gráfica 2,más de las 3/4 del PIB se genera en laesfera de los servicios, que constituyenel 64% de las Exportaciones.

¿Qué resultados se han obtenidocon las investigaciones de Desa-rrollo Humano realizadas a nivel

Fuente: Información procesada y agrupada por sectores de actividad y cálculos realizados porlos autores a partir de los Anuarios Estadísticos de la Oficina Nacional de Estadística.

territorial en Cuba? ¿Pueden sercomparables estos resultados?

Desde 1959 el Desarrollo Humano enCuba ha sido concebido como un pro-ceso de amplitud de opciones y posibili-dades del desarrollo de las personas,desde el inicio del proceso revolucionarioexistió una concepción precisa y funda-

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229Elier Méndez Delgado, María del Carmen Lloret Feijóo

mentada de las principales dimensionesque abarca este concepto; en los últimosaños en estudios realizados por Centro deInvestigaciones de la Economía Mundial(CIEM) este tema ha sido ampliamentetratado y analizado 8. Los resultados ob-

tenidos comparativamente en las tres in-vestigaciones, se pueden apreciar en laTabla 1 que aparece seguidamente, dondese puede apreciar la posición y el lugarque ha ocupado cada provincia del paísen las diferentes investigaciones realizadas.

8 Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (1997, p. 89); Programa das NaçõesUnidas para o Desenvolvimento (1999, p. 167); Programa das Nações Unidas para oDesenvolvimento (2003, p. 130).

Fuente: Tabla elaborada por los autores a partir de las investigaciones sobre el desarrollohumano en Cuba (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, 1997,p. 89; Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, 1999, p. 167;

Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, 2003, p. 130).

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230 Índice de Desarrollo Humano Territorial en Cuba de 1985 a 2007

Un aspecto que llama la atención alos directivos, investigadores y académi-cos de los territorios fue el cambio signi-ficativo de posición de algunas provinciaen la clasificación del índice, sobre todoentre la primera y segunda investigacióndonde se observan diferencias significa-tivas en los resultados, por cambios deprocedimientos; en algunos territorioshubo reuniones para el análisis de losresultados, en otros hubo satisfacción alver reflejado su territorio con un nivelde desarrollo más alto; en fin se estable-cieron polémicas y análisis al respecto,esto indudablemente es síntoma de queestas investigaciones despertaron interésy fueron de gran utilidad.

No obstante resulta muy interesanteformularnos dos preguntas para meditary reflexionar sobre aspectos propios dela comparación territorial.

¿Sobre que base puedo decir queun territorio alcanzó mayor desarrollosi he utilizado diferentes indicadores cadaaño?

¿Cómo puedo comparar el desarro-llo anual de cada territorio sí he tenidola necesidad de emplear indicadores deaños anteriores para el cálculo del IDH?

En el orden técnico al utilizarse indi-cadores diferentes los resultados del ín-dice por supuesto que serán diferentesy eso no siempre se interpretó de esamanera, no obstante somos del criterioque los indicadores que sean analizadoscon el objetivo de reflejar las dimensio-nes del desarrollo humano para el cál-culo del índice deberán ser homogéneos

y deberán corresponder al año en quese esté analizando, pues en ocasionesvemos reflejados los valores de un añoy estos corresponden a otro.

El IDHT es un índice compuesto porindicadores que de algún modo reflejanlos adelantos y oportunidades que tieneel hombre. Los informes de DesarrolloHumano publicados hasta la fecha reco-nocen tres dimensiones fundamentalesque reflejan el desarrollo humano.

1) Una vida larga y saludable.2) La adquisición de conocimientos, y3) El acceso a recursos que le permi-

tan tener un nivel decente de vida.

En este caso se han escogido seis va-riables para representar esas tres dimen-siones: mortalidad infantil, Índice deOcupación, volumen de Inversiones, tasade escolarización, salario medio deven-gado, mortalidad materna.

El IDH reduce los indicadores básicosa una medida homogénea al medir eladelanto de cada territorio por el resulta-do del indicador; los rangos del resultadodel IDH oscilan entre 0 y 1 y cada unode los territorios analizados se encuentraubicado en este rango. El resultado deeste índice posibilita la medición del de-sarrollo y por tanto la comparación enesos indicadores entre cada uno de lasprovincias del país y el municipio espe-cial de la Isla de la Juventud.

En este trabajo se ha consideradocomo base la evolución que han pre-sentado los indicadores antes señaladosen todos los territorios del país desde

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231Elier Méndez Delgado, María del Carmen Lloret Feijóo

1985 hasta 2004, de igual modo seanalizan los resultados alcanzados, lo quenos ayudará a ver la diferencia de desa-rrollo que pueda existir entre ellos.

Se han denominado las variables dela siguiente forma.

1. Mortalidad Infantil (X1)

Este indicador es el resultado de di-vidir las defunciones de menores de unaño, en un área y periodo determinado,entre los nacimientos ocurridos en eseperiodo. Se expresa por cada 1000 na-cidos vivos.

2. Índice de Ocupación (X2)

Este indicador representa la relaciónque existe entre el promedio de traba-jadores y la población actual de cadaterritorio.

3. Volumen de Inversiones percá-pita (X

3)

Este indicador representa el montoal que asciende el valor de la ejecuciónde inversiones por territorios divididaentre la cantidad de población del terri-torio.

4. Tasa de Escolarización (X4)

Es la relación existente entre la ma-tricula de una edad o grupo de edadesy la población de esa edad o grupos deedades.

5. Salarios Medios Devengados (X5)

Es el importe de las retribucionesdirectas devengadas como promediopor un trabajador en un mes. Se obtienede dividir el salario devengado por elpromedio de trabajadores total.

6. Mortalidad Materna (X6)

Relación entre el número de defun-ciones maternas y la cantidad de nacidosvivos en un área geográfica para unperiodo determinado. Es importanteaclarar que hasta el 2001 en este indica-dor se consideraba la mortalidad directa,indirecta y por otras causas; pero ya apartir del 2002 sólo se esta considerandola mortalidad directa e indirecta.

En las variables analizadas en elCuadro 1 se reflejan las dimensionesesenciales del Desarrollo Humano, lasque se explican seguidamente.

Fuente: Elaboración propia de los autores.

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232 Índice de Desarrollo Humano Territorial en Cuba de 1985 a 2007

Ante todo se calcula la medida deprivación del territorio en el rango decero a uno; este índice de privación sepuede calcular de la siguiente forma.

Donde:

IPij - Índice de privación del indica-dor i en la provincia j.

Xij - Valor del indicador i en la pro-vincia j.

Máx. Xi - Valor máximo del indica-dor i.

Mín. Xi - Valor minino del indica-dor i.

Procedimiento para el cálculo del

IDHT

El procedimiento de cálculo del IPijse muestra a continuación, para el año2004 en el territorio de Villa Clara,como se puede apreciar en la Tabla 2.

Una vida saludable. Se puedeapreciar en los bajos índices de mortali-dad infantil y de mortalidad materna,pues estos indicadores llevan implícitoadecuados servicios médicos y sanita-rios; incluyendo la existencia de hospi-tales, policlínicos, puestos médicos,personal calificado, servicios de atenciónprimaria, atención preventivo-curativaentre otros.

Conocimientos. Se ven expresa-dos con la tasa de escolarización; puesella es reflejo del acceso que existe a laeducación, del número de escuelas ycentros de educación superior que exis-ten al igual que la cantidad y calidad delpersonal docente frente al aula.

Nivel decente de vida. Se ve re-flejado en el índice de ocupación, elvolumen de inversiones y los salariosmedios devengados; que a su vez tradu-cen los resultados generales del procesoeconómico en su conjunto y como losmismos influyen en la calidad de vidade los individuos.

ii

iji

ijMínXMáxX

XMáxXIP

−−

=

Fuente: Elaboración propia de los autores.

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233Elier Méndez Delgado, María del Carmen Lloret Feijóo

IPPj - Índice de privación promedio por

provincia j.

Por tanto el índice de Privación Prome-dio para la provincia de Villa Clara en elaño 2004 sería:

∑==

6

1ij ijIPIPP

61

0)0,610,570,940,78(0,426

1jIPP +++++=

Clasificación de las catorce provincias de Cuba y elmunicipio especial Isla de la Juventud según losresultados del cálculo del IDHT

El IDTH clasifica al territorio entre valoresde cero a uno. Para este caso el rango seha elaborado tomando en consideraciónque el índice que se obtuvo durante losveinte años analizados (1985-2004), re-fleja un promedio de 0,46. Por tanto, losterritorios quedarán clasificados de la si-guiente forma (Tabla 3 y Gráfica 3):

— Nivel alto de Desarrollo Territorial =0,60 ó por encima de este;

— Nivel medio de Desarrollo Territo-rial = 0,46 a 0,59;

— Nivel bajo de Desarrollo Territorial =inferior a 0,46.

Dentro de todas las provincias, po-seen niveles altos de desarrollo las pro-vincias de:

— Ciudad de La Habana;— Cienfuegos.

Debido a que el valor del índice eneste caso se comporta considerablemente

Ippj = 0,55

Cálculo del IDTH como sigue:

IDTH = 1 - IPPjIDTH = 1 - 0,55IDTH = 0,45

por encima del promedio situado, sinconsiderar que sean estos los “óptimos”a alcanzar.

Con niveles medios se ubican lasprovincias de:

— La Habana;— Matanzas;— Villa Clara;— Ciego de Ávila;— Isla de la Juventud.

Las provincias que poseen un nivelbajo de desarrollo, pues no alcanzaronun nivel superior al promedio son:

— Pinar del Río;— S. Spíritus;— Camaguey;— Las Tunas;— Holguín;— Granma;— Santiago de Cuba;— Guantánamo.

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234 Índice de Desarrollo Humano Territorial en Cuba de 1985 a 2007

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236 Índice de Desarrollo Humano Territorial en Cuba de 1985 a 2007

Pinar del Río se encuentra entre lasprovincias de más bajos IDHT por susmalos resultados en índices como: Vo-lumen de Inversiones Per Cápita, Tasade Escolarización y Mortalidad materna.Según se pudo corroborar en los resul-tados del trabajo teniendo en cuenta losanuarios estadísticos de Cuba.

Las Tunas se ve mayormente afecta-da por índices como: Mortalidad Infantil,

Gráfica 3: Resultado promedio del IDHT por provincias

Fuente: Creada por los autores a partir de los resultados obtenidos en la investigación.

Tasa de escolarización y Mortalidad Ma-terna.

En el caso de Holguín los índices demás crítico estado son: Índice de Ocu-pación y Tasa de Escolarización.

Para Granma podríamos señalar ín-dices como: Índice de Ocupación, Mor-talidad Infantil, Volumen de InversionesPer cápita y Salario Medio Mensual.

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237Elier Méndez Delgado, María del Carmen Lloret Feijóo

general, una buena situación en todoslos índices analizados, sus mejores re-sultados se pueden apreciar en índicescomo: Volumen de Inversiones Per Cá-pita e Índice de Ocupación.

En términos generales las provinciascon peores resultados son precisamentelas que se encuentran más alejadas dela capital y en especial las que se en-cuentran en el extremo oriental del país;seguidamente se pueden observar losdiferentes niveles de desarrollo de losterritorios del país en el Mapa 1.

En Santiago de Cuba los índices depeor estado son: Índice de Ocupación,Mortalidad Infantil, Volumen de Inversio-nes Per Cápita y la Mortalidad Materna.

En Guantánamo se aprecia deficien-cias significativas en índices como: Índicede Ocupación, Mortalidad Infantil, Vo-lumen de Inversiones Per cápita, SalarioMedio Mensual y Mortalidad Materna.

En cambio de la provincia que so-bresale, Ciudad de la Habana, podemosdecir que a pesar de tener, de manera

Mapa 1: Representación gráfica de los niveles de desarrollo por territorios

Fuente: Elaboración propia.

Al realizar el cálculo del IDHT detodos los territorios del país CiudadHabana se sitúa en condiciones muysuperiores a la del resto de los territo-rios, pues su condición de capital le fa-vorece en casi todos sus aspectos; en tal

sentido será de gran utilidad realizar elcálculo excluyendo a la provincia CiudadHabana. Así es que se obtienen resulta-dos más objetivos y que se ajustan a lamedia del país como se puede apreciaren la Tabla 4 y Gráfica 4.

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238 Índice de Desarrollo Humano Territorial en Cuba de 1985 a 2007

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240 Índice de Desarrollo Humano Territorial en Cuba de 1985 a 2007

Clasificación de las provincias y el municipio especialIsla de la Juventud (excluyendo Ciudad Habana)

Gráfica 4: Resultado promedio del IDHT por provincias sin considerar CiudadHabana

Fuente: Elaboración propia.

Nivel alto de desarrollo = 0,60 o por en-cima de este.

Nivel medio de desarrollo = 0,46 a 0,59.

Nivel bajo de desarrollo = inferior a 0,46.

Dentro de las provincias que poseennivel alto de desarrollo encontramos lasprovincias de:

— Cienfuegos— Isla de la Juventud

Las provincias con niveles medios dedesarrollo son:

— La Habana— Matanzas— Villa Clara— Sancti Spíritus

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241Elier Méndez Delgado, María del Carmen Lloret Feijóo

— Ciego de Ávila— Camaguey

Poseen niveles bajos de desarrollopues no alcanzaron resultados por en-cima de la media:

— Pinar del Río— Las Tunas— Holguín

— Granma— Santiago de Cuba— Guantánamo

Como se puede apreciar en el Mapa 2cuando se excluye a Ciudad de la Habanadel análisis del IDHTC hay tres territoriosque tienen una situación muy favorableen su desempeño, son ellos: Cienfuegos,Ciego de Ávila y La Isla de la Juventud.

Mapa 2: Representación gráfica de los niveles de desarrollo por territorios sinconsiderar a Ciudad Habana

Fuente: Elaboración propia.

Conclusiones

El desarrollo territorial planificado enCuba ha pasado por tres etapas esencia-les; desde el punto de vista territorial enla segunda etapa se sentaron las basespara un desarrollo más acelerado ycompleto de todos los territorios del país.

Con las limitaciones que pueda tenerun índice para medir el desarrollo territo-rial, el IDHT constituye un instrumento

de gran valor para caracterizar los nive-les de desarrollo que se van alcanzandoen las diferentes provincias de Cuba yel municipio especial de la Isla de la Ju-ventud.

Los territorios orientales en Cubapresentan bajos niveles de desarrollo, loque hace ineludible prever el diseño depolíticas de desarrollo significativamente

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242 Índice de Desarrollo Humano Territorial en Cuba de 1985 a 2007

diferenciadas para atenuar las despro-porciones territoriales desde el punto devista socioeconómico.

La aplicación de este IDHT en Cubaa diferencias de otras analiza un con-junto de indicadores con incidencia di-recta en el desarrollo humano para unaserie de años nunca antes estudiada,desde 1985 a 2002. Esto posibilita elanálisis de las tendencias del desarrollo

territorial de una forma más objetiva yfundamentada.

Al realizar el Diagnóstico del PlanTerritorial se deberá tener en cuenta elIDHT como una Técnica de Análisis quesirve de complemento para el análisis,lo que posibilita establecer los Objetivosy las Metas del plan de manera más fun-damentada y objetiva.

Referencias

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Abstract

The Human Development Index of theterritories that form the isle of Cuba iscalculated by classifying each of theminto territories with low, medium or highlevels of development. This index wascalculated using six indicators that havedirect incidence in Human Develop-ment. To the calculus of this TerritorialHuman Development Index, different-ly from what is done in other studies,indicators of each year analyzed wereused. The data utilized correspond to aseries of twenty-three consecutive years,that is, from 1985 to 2007.

Keywords: development, human devel-opment, Territorial Development Index,Territorial Human Development Index.

Resumen

Se calcula el Índice de Desarrollo Huma-no para los territorios que conforman laIsla de Cuba, clasificándose los mismosen territorios con niveles bajos, medios yaltos de desarrollo. Este índice se calculóa partir de seis indicadores que tienenincidencia directa en el Desarrollo Hu-mano. Para el cálculo de este Índice deDesarrollo Humano Territorial, a diferen-cia de otros estudios, se emplearon indi-cadores de cada año analizado. Los datosutilizados corresponden a una serie deveinte y tres años consecutivos, es decirdesde 1985 hasta el 2007.

Palabras Clave: desarrollo, desarrollohumano, Índice de Desarrollo Territorial,Índice de Desarrollo Humano Territorial.

Elier Méndez Delgado es Licenciado en Economía por la Universidad Central“Marta Abreu” de Las Villas (Cuba) y Profesor Titular de esa Universidad. Tienediplomado en Gestión del Desarrollo Regional y en Gestión Estratégica del Desa-rrollo Local por Ilpes/Cepal, y diplomado en Gestión Urbana y Desarrollo Sosteniblepor Cepal/Guds/Conau. Master en Desarrollo Económico por la Universidad deOviedo, Doctor en Ciencias Económicas por la Universidad de La Habana.

Recebido em maio de 2008. Aprovado para publicação em julho de 2008

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244 Índice de Desarrollo Humano Territorial en Cuba de 1985 a 2007

María del Carmen Lloret Feijóo es Licenciada en Economía por la UniversidadCentral de Las Villas, Cuba, Profesora de esa Universidad, Master en DesarrolloEconómico por la Universidad de Oviedo y Universidad Central de Las Villas. Haimpartido diferentes cursos de postgrados en los temas de la Economía Empresarial.Ha participado en diferentes trabajos de investigación sobre el Desarrollo Territorialy Local.

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Cadernos IPPUR, Rio de Janeiro, v. 22, n. 2, p. 245-270, ago./dez. 2008.

Chélen Fischer de Lemos

No delineamento das condições históricasde ocupação e apropriação do espaçoamazônico, observa-se um longo pro-cesso de identificação de riquezas apro-priáveis e descoberta de novos caminhose obstáculos à penetração capitalista. Emalguns momentos, determinados objetosnaturais, como as cachoeiras, por exem-plo, foram representadas como obstá-culos ao pleno desenvolvimento dopotencial humano. À medida que novasinvenções e tecnologias tornaram possí-vel a exploração da energia hidráulica,os trechos encachoeirados dos rios, antes

O processo sociotécnico deeletrificação da Amazônia:esboço de uma análise histórica*

Introdução

vistos como obstáculos ao desenvolvi-mento, passaram a ter outra significação.

Em meados da década de 1890, avisão corrente considerava necessário efundamental o aproveitamento dos cur-sos dos rios para penetrar nos territóriosférteis do vale amazônico, a fim de al-cançar as riquezas apropriáveis disponí-veis. Os rios eram as únicas vias de acessoe de escoamento viáveis para a explo-ração da região. Mas, ao mesmo tempoque os rios eram um meio de acesso àsriquezas, as cachoeiras eram obstáculos

* Este trabalho apresenta algumas questões e conclusões desenvolvidas em minha Tese deDoutorado (Lemos, 2007).

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ao desenvolvimento comercial, por impe-direm a livre navegação e interrompe-rem o fluxo dos recursos e mercadorias.As cachoeiras nos rios Tocantins, Xingu,Tapajós e Madeira eram consideradas oprincipal inimigo da civilização amazôni-ca, o marco da oposição entre o homemcivilizado e a natureza selvagem:

A cachoeira é como que o obstáculooposto pela natureza ao poder hu-mano na apropriação de suas forçasvivas, é a resistencia bruta do mundoinorganico a incitar a manifestaçãodo esforço intelligente capaz de ven-cel-a á fim de conquistar as quantasriquezas guarda a natureza em seuseio alem d’essa barreira.A cachoeira é o marco milliario, quea civilisação não consegue transpôre de onde começa o livre imperioda vida selvagem em toda a singe-leza dos seus costumes [...]. (SantaRosa, c. 1900, p. 32, grifo meu)

Com o passar do tempo, os trechosencachoeirados dos rios ganharam umanova interpretação e um novo papelnesse mesmo progresso. Conforme res-saltou, na década de 1970, o presidentedo Comitê Coordenador dos EstudosEnergéticos da Amazônia (Eneram) 1,engenheiro Léo Penna:

O Eneram surpreendentemente re-velou que a Amazônia é um vastopotencial hidrelétrico. Não são apro-

veitáveis, para fins de geração deenergia, os rios situados numa dis-tância média de 250 quilômetros decada margem do Amazonas. A partirdaí, contudo, existem rochas nos fun-dos dos rios, elemento fundamentalpara a construção de barragens. (Ele-tronorte, 1984, grifo meu)

O aspecto simbolicamente significa-tivo que ressalta na fala reveladora dopresidente do Eneram é a afirmação deque a “Amazônia é um vasto potencialhidrelétrico”, e não que ela “tem umvasto potencial”, como se toda a regiãopudesse ser reduzida ao seu valor ener-gético. É este aspecto particular da visãosobre a região amazônica que este textobusca compreender e analisar.

A primeira parte do artigo constróiuma perspectiva de análise opondo ahistoricidade como possibilidade decompreensão do processo de eletrifica-ção na Amazônia à naturalização daconcepção da região como “vocaciona-da” para a exportação de energia. Asegunda parte expõe as opções meto-dológicas adotadas a partir da aborda-gem histórica contextualista, que ressaltao caráter sócio-histórico das tecnologiascomo processos sociais conformados econformadores da sociedade e do espaço.A terceira parte faz uma breve exposiçãoda história da eletrificação na Amazôniae a última parte expõe algumas consi-derações finais.

1 O Comitê Coordenador dos Estudos Energéticos da Amazônia (Eneram) foi criado peloDecreto 63.952, de 31/12/1968. O comitê realizou os primeiros estudos hidroenergéticossistemáticos para o aproveitamento hidrelétrico da Amazônia.

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Historicidade X naturalização: a desconstrução davisão da Amazônia como “província energética”

Ao longo da década de 1980 até o inícioda década 1990, o Estado brasileiro foiperdendo capacidade de planejamentoe investimento, resultando no desmontedo aparato planejador. A chamada “crisedo Estado” pôs em questão o seu papelcomo mediador nas relações com omercado, enquanto o desenvolvimento,substituído pelo termo crescimento eco-nômico, passou a ser visto cada vez maissob a perspectiva da internacionalizaçãoda economia. Nesse contexto, surgiu umnovo modelo de planejamento, impor-tado das empresas privadas e fundamen-tado na competição e na inserção nomercado internacional: “o management(gestão) territorial e/ou ambiental, o pla-nejamento estratégico (competitivo), omarketing de lugares” (Vainer, 2003).Esse tipo de gestão territorial, centradana “produtivização” do território e nainserção regional competitiva, serviucomo inspiração para a retomada doplanejamento governamental. Em mea-dos dos anos 1990, a pretexto de en-frentar a crise do Estado e promover ocrescimento econômico, o governo fede-ral desenvolveu novos instrumentos deplanejamento, como os Planos Pluria-nuais 2, os Eixos Nacionais de Integraçãoe Desenvolvimento e, mais recentemen-

te, o Plano de Aceleração do Crescimento(PAC) 3.

Esses planos estabeleceram comoponto estratégico a realização de grandesinvestimentos governamentais e priva-dos em setores de infra-estrutura, espe-cialmente energia (construção de usinashidrelétricas, gasodutos e linhas de trans-missão) e transporte (pavimentação deestradas, construção de portos, hidro-vias e ferrovias).

No que concerne à Amazônia, osinvestimentos visaram dotar a região denovos corredores de circulação de mer-cadorias, para permitir a expansão daexportação de grãos (especialmente asoja) para os mercados internacionais,reduzindo o custo e o tempo da expor-tação. Nesse formato de planejamento,em que se busca fundamentalmente ainserção competitiva do País no cenáriointernacional, o papel da Amazônia emrelação à configuração do mapa ener-gético nacional é orientado para as se-guintes perspectivas: i) de solução paraos problemas advindos do esgotamentoda capacidade de produção hidrelétricade outras regiões, como o Nordeste, e,principalmente, os centros dinâmicos da

2 A Constituição de 1988 introduziu o Plano Plurianual (PPA) como principal instrumento deplanejamento de médio prazo do governo brasileiro. O primeiro PPA (1991-1995) atendeuexclusivamente às exigências do dispositivo constitucional. No governo Fernando HenriqueCardoso (eleito por dois mandatos consecutivos de quatro anos, 1995-2002), foram elabo-rados os PPAs 1996-1999 e 2000-2003. No governo Luís Inácio Lula da Silva (tambémeleito por dois mandatos consecutivos, 2003-2010), foram elaborados os PPAs 2004-2007e 2008-2011.

3 O Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) 2007-2010 foi lançado em fevereiro de 2007.

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economia nacional (Sudeste e Sul); ii) deatração de indústrias eletrointensivas, oque significa a exportação indireta deenergia para os países centrais; e iii) deuma possível integração energética daAmérica do Sul, por meio do estabele-cimento de novos fluxos energéticos 4.

Ao centralizar a ação nas obras deinfra-estrutura, os planos estabelecemum lugar para a Amazônia no processogeral de acumulação capitalista, peladinamização seletiva de alguns espaços.

Esse planejamento concretiza novasarticulações entre o capital e o Estado,nas quais cabe ao Estado a regulação, oplanejamento e o financiamento dasinfra-estruturas a serem implementadas,geridas e prioritariamente usadas pelainiciativa privada. Trata-se, portanto, deum planejamento governamental emque a produção, a transmissão e o con-sumo da energia em larga escala tendema se distribuir entre os grupos econômi-cos que sustentam as formas de inserçãocompetitiva no mercado internacional.As necessidades e aspirações das popu-lações locais estão ausentes nos planos,que as excluem do “desenvolvimentonacional”. A região, vista de fora, é obje-to passivo de apropriação, como se fossedesprovida de sujeitos capazes de for-mular um projeto próprio de desenvol-vimento.

Vários trabalhos (Pinto, 2005 e2002; Sevá Filho, 2005a; Silva, 2005;Bermann, 2001; Magalhães, Brito eCastro, 1996) mostram que a geração

centralizada de grandes blocos de ener-gia em grandes usinas hidrelétricas, aoinvés de produzir a dinamização da eco-nomia amazônica, aumentou as desigual-dades sociais e econômicas na região etambém criou uma diferenciação entretrês grupos de consumidores: i) o grupodos grandes consumidores, compostoprincipalmente pelos complexos eletro-intensivos mínero-metalúrgicos expor-tadores (cuja eletricidade é subsidiada)e as cidades amazônicas maiores e maisimportantes, que são atendidos pelo sis-tema interligado; ii) o grupo compostopor sedes municipais e vilarejos de maiorporte, cujo suprimento de energia elé-trica é feito em sua maioria pelos gera-dores térmicos, movidos por derivadosde petróleo (diesel ou óleo combustível),que constituem os sistemas isolados; eiii) o grupo dos consumidores dispersos,constituídos por comunidades isoladas,parcamente supridas ou não supridaspor energia elétrica.

Como ressalta Bermann (2001), amercadoria energia possui um caráterpolítico. Por um lado, constitui um im-portante insumo produtivo que funcionacomo mecanismo de regulação, já queo preço (tarifa) afeta diretamente a taxade lucro da atividade produtiva. Poroutro, ao ser consumida, a energia de-fine e assegura um determinado padrãode qualidade de vida para as popula-ções. O quadro de diferenciação dosconsumidores de energia elétrica naAmazônia sugere, portanto, que a desi-gualdade na distribuição das riquezas nasociedade brasileira se reproduziu na

4 Para uma análise da questão da integração energética na América do Sul e dos conflitosgerados pelos projetos de integração, ver Nuti (2006).

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desigualdade no consumo de energiaelétrica na região.

O jornalista Lúcio Flávio Pinto, críticodos planos e projetos contemporâneosde exploração econômica da região,ressalta que uma das visões mais recor-rentes na concepção desses planos eprojetos é que “a água é o principal ativode curto, médio e longo prazo da Ama-zônia [...]” (Pinto, 2002, p. 75). Enten-dimentos semelhantes configuram aregião no cenário nacional como “jazidaenergética”, “área de monocultura daágua ou hidronegócio”, “província ener-gética” e “área vocacionada para a ex-portação de energia”. Dessa maneira, olugar da Amazônia no processo produ-tivo e no desenvolvimento do País é es-tabelecido e configurado a priori, semqualquer consideração acerca das pos-sibilidades de uma inserção produtivaoriunda de determinações econômicase relações sociais locais/regionais.

Para Raffestin (1993), a matéria sóse torna um recurso como resultado deum processo de produção em que seestabelecem relações de poder em tornodo acesso e apropriação da matéria in-vestida de novas propriedades. As novaspropriedades da matéria (tornada recur-so) se manifestam por meio das técnicasmobilizadas pelo trabalho. Assim, pode-se dizer que a configuração do lugar daAmazônia nos processos produtivos con-temporâneos determina a construçãosocial da água/rios amazônicos exclusi-vamente como recursos energéticos.

Conforme propôs Bourdieu (1989),as práticas discursivas não são vazias, elas

produzem efeitos objetivos na realidade,ou seja, o poder simbólico não só tem acapacidade de impor uma representaçãoda realidade social, como é capaz de(re)criar o próprio mundo a partir dasrepresentações. O poder simbólico seinscreve em toda parte por meio daimposição de sistemas simbólicos queocultam em si mesmos sua arbitrarie-dade e que são aceitos e naturalizadospelos que a eles se submetem como sis-temas legítimos de reconhecimento domundo. A percepção do mundo socialfeita pelas categorias derivadas da incor-poração das estruturas objetivas do es-paço leva os agentes sociais a tomar omundo social tal como ele é, aceitando-o como natural. Isso ocorre porque “asrelações de força objetivas tendem areproduzir-se nas visões do mundo so-cial que contribuem para a permanênciadessas relações” (ibid., p. 142). O podersimbólico não tem força própria, masse legitima por outras formas de podere nisso reside sua virtude, pois é capazde transfigurar e encobrir relações sociaisde força, ocultando-as sob a forma derelações de comunicação. O poder sim-bólico se inscreve na relação entre osque exercem o poder e os que a ele sesujeitam, e o ocultamento da arbitrarie-dade é sua principal força (ibid., p. 13).

Assim, a predefinição do lugar daregião amazônica no processo produtivonacional de energia elétrica foi o pontode partida desta investigação. Em vezde se buscar a especificidade da confi-guração da Amazônia no desenvolvi-mento contemporâneo, por meio dasrepresentações consolidadas no curso doplanejamento e formulação de políticas

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energéticas governamentais, optou-sepor compreender o processo histórico-social de construção daquela concepção.Foi adotado o pressuposto de que houveuma transformação nas concepções dopapel da Amazônia no cenário do de-senvolvimento nacional e da exploraçãodos seus recursos energéticos, de modoque a região passou a ser vista não ape-nas pelo Setor Elétrico mas também porsetores da burocracia estatal e da socie-dade como “região exportadora de ener-gia”, “jazida energética” etc. Essa visãofoi construída no processo histórico-so-cial de eletrificação da região.

Conforme a orientação de Raffestin(1993), o território é construído a partirdas relações sociais de produção e depoder que se projetam e desenvolvemno espaço. O trabalho se inscreve noterritório marcando-o com relações depoder que se territorializam e, dessa for-ma, organizam as relações no espaço.Por sua vez, já há algum tempo, Vainervem afirmando que as macropolíticassetoriais – de transporte, mineração eenergia – são estruturadoras da confi-guração do espaço nacional pelo Estadoe de apropriação pelo capital do terri-tório e dos recursos territorializados nadinâmica da acumulação capitalista 5. Aprodução do território nacional brasi-leiro e as transformações espaciais são,portanto, em forte medida, determina-

dos pelas políticas setoriais. Em especial,as políticas de infra-estrutura de energiaelétrica condicionam as dinâmicas socioes-paciais de maneira até mais objetiva doque outras políticas concebidas explici-tamente para ordenar o território, soba rubrica de planejamento regional outerritorial. Isso porque, por sua capaci-dade de definir articulações econômicase políticas, os projetos de infra-estruturasão capazes de interferir nas relações so-ciais e na organização do espaço. Vainere Araújo (1992) observaram ainda quea incorporação progressiva de recursosnaturais e territórios nas estratégias dedesenvolvimento tem sido a marca doprocesso de intervenção e de ação doSetor Elétrico no espaço.

A análise da especificidade do pro-cesso de eletrificação na Amazônia, por-tanto, permitiu pensar os processos deterritorialização do espaço nacional numaperspectiva histórica, em que a própriaeletrificação foi o fenômeno social orien-tador da investigação.

Partiu-se do pressuposto de que aconfiguração do Setor Elétrico na Amazô-nia, pela implantação de sua base mate-rial e articulações socioespaciais, implicouno exercício de relações de poder e emformas específicas de apropriação e dis-tribuição da riqueza social. Além disso,os padrões de territorialização e apropria-

5 Desde 1988, sob a coordenação do Prof. Carlos B. Vainer, um enorme esforço teórico eanalítico tem sido empreendido no sentido de compreender e explicitar o papel dasmacropolíticas setoriais na conformação dos padrões dominantes de intervenção territorialdo Estado brasileiro. O projeto Política Energética e Organização Territorial (Peot) inauguroua discussão, que prosseguiu com o projeto Setor Elétrico e Organização Territorial (Seot) e,posteriormente, com o projeto Setor Elétrico, Território, Meio Ambiente e Conflito Social(Setmacs), que continua em andamento.

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ção dos recursos energéticos, estabele-cidos pela implantação físico-territorialde projetos e empreendimentos elétricos,associados às formas de distribuição econsumo desigual da energia produzida,contribuíram para afirmar a apropriaçãodo território e dos recursos naturaiscomo elemento central, garantindo acompetitividade de empresas e a repro-dução do processo de acumulação de

capital. A busca da dimensão históricaparticular das relações entre o processode eletrificação e o planejamento terri-torial procurou iluminar concepções epráticas relacionadas à apropriação doterritório e dos recursos territorializadosna Amazônia, bem como adicionar novoselementos teóricos à reflexão sobre as di-mensões e determinantes territoriais dodesenvolvimento.

A abordagem histórica contextual

Mills (1969) observa que a transforma-ção histórica e a contradição entre orien-tações institucionais não fazem parte davida dos homens tal como experimen-tada cotidianamente. As transformaçõesestruturais que relacionam o homem ea sociedade não são percebidas imedia-tamente pelos indivíduos, pois há umgap de compreensão do homem emrelação ao seu mundo e sua história. Emsua concepção, faltaria aos homensmodernos

[...] uma qualidade de espírito quelhes ajude a usar a informação e adesenvolver a razão, a fim de per-ceber, com lucidez, o que está ocor-rendo no mundo e o que pode estaracontecendo dentro deles mesmos.É essa qualidade [...] que podere-mos chamar de imaginação socio-lógica. (Mills, 1969, p. 11)

A imaginação sociológica, assim de-finida, é uma qualidade humana quepermite desvendar a falsa consciênciadas posições sociais individuais e queconduz à compreensão do mundo. Mills

afirma ainda que as “questões” são as-suntos públicos que transcendem a ex-periência pessoal e se relacionam àsorganizações que formam a vida social.Para identificar as questões públicas, énecessário indagar quais são os valoresque se encontram ameaçados e quais sãoos valores aceitos e mantidos na socie-dade. Nas palavras do autor, “nenhumproblema pode ser adequadamente for-mulado, a menos que os valores envol-vidos e a aparente ameaça a eles sejamexpostos” (ibid., p. 142). Esta é a tarefaprimordial da ciência social, ou seja, for-mular os problemas, enfrentando as pre-ocupações e questões vivenciadas peloshomens, de modo a contribuir para suacompreensão.

O principal valor ameaçado peloprocesso social e histórico de eletrifica-ção da Amazônia é uma perspectiva dedesenvolvimento que contemple as di-ferentes regiões do País como totalidadee não como segmento a ser incorporadode forma subordinada como espaçoseletivo de valorização nos processos deacumulação do capitalismo global. A

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escolha de uma abordagem históricapara a investigação, portanto, não é for-tuita. O padrão energético amazônico éresultado de um processo histórico desuperposição de políticas energéticas epráticas de intervenção territorial quedeterminam e circunscrevem o “lugar”da região no espaço energético nacio-nal. A naturalização da Amazônia comoregião exportadora de energia é opera-cionalizada ideologicamente para darsentido à sua subordinação na divisãoregional do trabalho. A naturalização éjustamente o movimento de subtraçãoda historicidade dos fenômenos, permi-tindo que se perpetue o sistema de domi-nação (Raffestin, 1993). A abordagemhistórica visa “desnaturalizar” esse pa-drão energético, que define a Amazôniabasicamente como uma região exporta-dora de energia, baseado na constataçãoda abundância de recursos hidroener-géticos e do baixo consumo local de ele-tricidade.

O foco central do estudo são a ele-trificação, entendida como um processosocial determinado histórica e cultural-mente, e sua relação com a produçãodo espaço na Amazônia. Ao adotar esseponto de vista, consideramos que astecnologias fazem parte dos sistemas designificado das sociedades e expressamações e idéias. Em outras palavras, astecnologias envolvem narrativas quefalam tanto sobre as sociedades que asconstruíram/ conceberam/ adotaram –como e por que foram constituídas, comque propósito e quais as formas possíveisde seu uso – quanto sobre as técnicasem si. Os artefatos técnicos, como barra-gens, usinas nucleares ou até aparelhos

de TV, emergem em contextos sociaisespecíficos, como expressão de forçassociais, de necessidades pessoais, deconsiderações políticas, de constrangi-mentos legais etc., porque são constru-ções sociais (Nye, 2006, p. 49).

Para a realização da pesquisa, foiadotada uma abordagem contextualistaque focaliza o “ambiente” socioculturale histórico em que se configuram e seadotam as tecnologias (Hughes, 1993).Ou seja, como as sociedades relacionamdiferentes níveis de realidade com conjun-tos de idéias e, dessa maneira, configu-ram/conformam as tecnologias, escolhemsuas máquinas e se transformam, asso-ciando, de forma inseparável, os aspectostécnicos e culturais (Nye, 2006 e 1991).Nessa abordagem, as tecnologias sãoprofunda e continuamente embebidasna (re)construção do mundo, o que sig-nifica que os processos técnicos são partedas práticas culturais das sociedades epodem se desenvolver a partir de maisde um caminho. Nenhum artefato outecnologia em si é uma força implacávele inexorável movendo-se pela história.Os sistemas tecnológicos fazem parte daspráticas sociais que variam ao longo dahistória e de uma cultura para outra.Cada artefato, cada objeto, seja o auto-móvel ou uma usina hidrelétrica, está en-volvido numa série de escolhas e decisõesque são apenas parcialmente baseadasem considerações técnicas, envolvendo,igualmente, questões econômicas, políti-cas, legais, organizacionais, culturais etc.

As tecnologias são construções sociaise, como tais, fazem parte das práticasculturais e dos sistemas de significados

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253Chélen Fischer de Lemos

das sociedades. A eletrificação, portanto,é compreendida como processo socio-técnico. Isso significa dizer que as possi-bilidades de transformação da sociedadee do espaço, com a participação da ele-trificação, só existem na medida em queela interaja com outras instâncias sociais,econômicas, técnicas, políticas e culturaisda sociedade, influenciando-as e sendopor elas influenciada. A adoção de umaabordagem histórica contextualista, nolevantamento e análise dos fatos e even-tos, permitiu desvendar a emergênciadas formas de produzir energia elétricana Amazônia ao longo do tempo, bemcomo sua interação com projetos políticosque reconfiguraram o papel e o signifi-cado da Amazônia no espaço energéticonacional. Essas formas envolveram di-ferentes técnicas e recursos, articuladoscom interesses econômicos e políticos,e concepções de apropriação do terri-tório e dos recursos territorializados.

A abordagem contextualista buscoutratar a inseparabilidade dos fatos e even-tos dos contextos sociais e históricos emque ocorreram. Em outras palavras, par-tiu-se da consideração de que, para queo passado possa ser compreendido, oseventos, fatos e agentes sociais e insti-tucionais devem estar situados no contex-to social e histórico da época. Ou seja, oprocesso e o movimento histórico devemtransparecer na análise por meio da inves-tigação de múltiplas influências de fatorestecnológicos, socioeconômicos, institucio-nais, políticos e organizacionais. Essaopção metodológica orientou a definiçãodo ponto de partida factual para a análise

do processo de eletrificação na Amazô-nia. Foi estabelecido o período desde aimplantação dos primeiros sistemas elétri-cos na região, especificamente em Beléme Manaus (cujos serviços elétricos parailuminação pública foram inauguradosrespectivamente em 1o de fevereiro de1896 e 22 de outubro de 1896), até osanos 1990.

A compreensão da eletrificação comoum processo histórico-cultural permitiuestabelecer, como ponto de partida ana-lítico, a introdução sistemática da ilumi-nação pública nas principais capitaisamazônicas, que coincidia com a ascen-são da economia da borracha, na segun-da metade do século XIX. Esse pontode partida possibilitou correlacionarações do capital privado e do setor pú-blico para produzir um novo tipo deserviço urbano – a iluminação pública –que culminou com a introdução, no finaldo século XIX, de uma nova tecnologiana região: a energia elétrica 6.

Nos anos 1990, um conjunto detransformações, nos âmbitos nacional einternacional, determinou mudanças nopapel do Estado na economia e umaradical reestruturação do Setor Elétrico.Com o surgimento de novos agentes,nova estrutura institucional, novo marcolegal e novos mercados, a análise darelação entre o território e as políticassetoriais de energia elétrica se tornoumuito mais complexa. Por outro lado,já estava consolidada a representaçãoda região como “jazida energética” e“exportadora de energia”, que passou

6 Note-se que o ponto de partida analítico precede o ponto de partida factual, para que sejapossível correlacionar o fenômeno da eletrificação com o contexto histórico precedente.

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a figurar, desde então, como “vocaçãonatural” da região no planejamento go-vernamental e nos projetos públicos eprivados de expansão da economia na-cional. Assim, o recorte temporal entre1890 e 1990, demarcando 100 anosde história, mantém a coerência analíticae teórica. Essa delimitação permitiu pro-por a seguinte periodização analítica 7:i) do final do século XIX aos primeirosanos do século XX: constituição dos ser-viços de iluminação pública e processode implantação dos sistemas elétricos;ii) dos primeiros anos do século XX atéo fim dos anos 1940: evolução dos siste-mas elétricos nas capitais e penetraçãoe disseminação dos pequenos sistemaselétricos no interior dos estados amazô-nicos; iii) dos anos 1950 ao início dosanos 1970: ação planejada do Estadono processo de eletrificação e definiçãodo papel da eletricidade na constituiçãoda infra-estrutura regional para o desen-volvimento; iv) dos anos 1970 aos anos1990: mudança nos padrões de explo-ração energética, com a consolidação dahidreletricidade e a construção da re-presentação da Amazônia como regiãoexportadora de energia.

A pesquisa, essencialmente de natu-reza qualitativa, baseou-se no levanta-mento e na análise de conteúdo das fontesdocumentais. Foram analisados textos

históricos de diversas naturezas, mas pri-mordialmente documentos oficiais (go-vernamentais), como fontes primárias:mensagens, falas, exposições, discursos,relatórios, planos, projetos, diagnósticose leis. O caráter “oficial” dos documen-tos não dispensou a crítica documentaldos textos históricos 8 pela confrontaçãode diferentes documentos e fontes. Aanálise buscou situar as fontes docu-mentais nos contextos de sua produção,focalizando a construção das visões erepresentações sobre a Amazônia noprocesso de eletrificação, ao longo doperíodo estudado. Jornais e revistas deépoca foram importantes fontes para acontextualização, por fornecerem umpanorama geral da sociedade nas dife-rentes épocas, além de complementareminformações. Toda a análise se apoiouna revisão da literatura nacional e inter-nacional, especialmente sobre história datecnologia e da eletrificação, planeja-mento energético e desenvolvimentocapitalista.

A adoção de uma abordagem histó-rica contextual demandou a opção pelaanálise preferencial de documentos pri-mários e a necessidade de elaborar umaorganização das fontes de pesquisa 9. Asfontes foram divididas em duas grandescategorias, fontes primárias (diretas) e fon-tes secundárias (indiretas), que, por sua

7 Convém ressaltar que a periodização não constituiu uma camisa-de-força, mas um recursoanalítico e de organização da narrativa. Ao longo da pesquisa, os períodos foram flexibilizadospara comportar narrativas mais “longas” de fenômenos persistentes no tempo e no espaço,bem como suas dinâmicas internas e articulações externas com outros fenômenos e processos.Esse aspecto é particularmente notado ao longo da Tese.

8 Como afirma Cardoso (2005, p. 69): “[...] Os textos históricos, narrativas eles também, nãosão um desvio ou deturpação da estrutura dos fatos ou processos de que falam, que narram:são uma extensão legítima de suas características intrínsecas.”

9 A organização das fontes foi feita a partir de sugestões colhidas em Cardoso (1986).

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vez, foram divididas em subcategorias 10:i) fontes primárias impressas: (a) docu-mentos (mensagens, falas, exposições, dis-cursos, relatórios, planos, diagnósticos eleis); (b) álbuns (produzidos pelos gover-nos como propaganda oficial); (c) dadosestatísticos oficiais 11; e (d) outros (relató-rios de instituições não-governamentais,estatutos de empresas, contratos, dis-cursos, depoimentos (história oral) etc.);ii) fontes primárias manuscritas: ofícios,cartas e contratos; iii) fontes secundárias:(a) livros, capítulos de livros, teses, disser-tações e artigos de periódicos científicos;(b) jornais e revistas (notícias e propa-gandas); (c) e-books 12 (livros e textos ela-borados para veiculação em mídiaeletrônica); e (d) sítios (URL); e iv) acer-vos históricos consultados: indicação dasinstituições em que se localizam os prin-cipais acervos documentais consultados.As fontes iconográficas – fotografias,anúncios comerciais e cartões postais –,embora de fundamental importânciapara a pesquisa, não tiveram um trata-mento em separado 13.

O uso de fontes primárias documen-tais, complementadas por outras fontesdiretas como álbuns, estatísticas oficiais eoutros tipos de documentos, foi particu-larmente importante na recuperação daconstituição dos serviços de iluminação

pública na segunda metade do século XIX,nas cidades de Belém e Manaus, duranteo período de ascensão da economia daborracha. Os diferentes sistemas de ilu-minação foram analisados objetivandoidentificar os elementos que pudessemlevar à compreensão da passagem (nãoautomática) de um tipo de tecnologia –a iluminação a gás – para outro – a ele-tricidade – nos serviços de iluminaçãopública amazônicos. Foram analisadasparticularmente as formas contratuaisdos serviços, os problemas, as discussõessobre as tecnologias empregadas e osconflitos relacionados aos sistemas deiluminação. Também foi elaborado umpanorama da situação da eletrificaçãonos municípios e localidades do interiorda Amazônia na primeira metade doséculo XX, detalhando alguns processosespecíficos de eletrificação.

Fontes primárias documentais, com-plementadas por jornais e revistas deépoca, foram importantes para a recupe-ração da trajetória histórica das principaiscompanhias estrangeiras fornecedorasde energia elétrica nas capitais amazô-nicas na primeira metade do século XXe para o estabelecimento do contextosocial da evolução dos sistemas elétricosaí instalados. A associação entre os prin-cipais usos da energia elétrica, especial-

10 Essa divisão das fontes por categorias e subcategorias é explicitada na Tese. Neste texto, sóaparece a bibliografia citada, sem tratamento especial das fontes.

11 Em geral, os dados estatísticos são considerados fontes secundárias por fornecerem umainformação já filtrada e indireta. Contudo, como em alguns casos estas constituem as únicasfontes históricas disponíveis, optamos por incluí-las nas fontes primárias.

12 Os e-books não possuem versão impressa ou esta é diferente da versão veiculada na internet.13 Neste texto, não foram apresentadas iconografias, mas elas foram fundamentais, especial-

mente para a identificação de fabricantes de equipamentos e do uso de tecnologias. Na Tese,encontram-se inseridas na bibliografia citada e foram identificadas junto às ilustrações.

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mente luz e tração, foi focalizada em con-junto com a análise dos arranjos tecno-lógicos empregados pelas empresas naconstituição dos sistemas elétricos. Foipossível associar, ainda, um panoramada indústria de energia elétrica no Brasilao quadro geral da indústria na região,bem como às primeiras ações regulado-ras do governo federal nesse setor, noperíodo.

Embora tenham sido baseadas numgrande número de fontes documentais,

as análises dos períodos dos anos 1950ao início dos anos 1970 e dos anos 1970aos anos 1990 recorreram amplamenteàs fontes secundárias de diversos tipospara complementação de informações efundamentação analítica. Isso se deveu,principalmente, ao fato de que ambosos períodos são bastante tratados pelopensamento social e econômico brasi-leiro, sob diversos pontos de vista, o queimplicou uma importante e necessáriarevisão bibliográfica.

Breve história da eletrificação na Amazônia: quatrofases

Primeira fase

Na história do processo sociotécnico deeletrificação da Amazônia, foi identificadauma primeira fase, como prelúdio paraa eletrificação propriamente dita, carac-terizada pela constituição dos serviços deiluminação pública nas capitais amazô-nicas, especialmente Belém e Manaus. Arelação entre a disponibilidade de recur-sos públicos – advindos da economia daborracha na segunda metade do séculoXIX –, o crescimento das cidades e o pro-cesso de urbanização propiciou o con-texto no qual o capital privado e o setorpúblico interagiram para constituir a ilu-minação pública como um tipo específicode serviço urbano. Ao longo do tempo,diferentes sistemas de iluminação se su-cederam, utilizando várias fontes comoiluminantes: óleo de andiroba, querose-ne, benzeno, acetileno, gás globo, gás lí-quido de carvão e gás carbônico. Das

interações e conflitos entre os agentes so-ciais envolvidos nos diferentes sistemasde iluminação e os arranjos políticos,emergiram novas relações contratuais,formas de gestão dos serviços, estruturasadministrativas e aperfeiçoamentos téc-nicos nos sistemas, que culminaram naadoção de uma nova tecnologia: a ener-gia elétrica.

A ascensão da borracha viabilizou oinvestimento maciço dos excedentes daeconomia no desenvolvimento urbano,com o estabelecimento dos mais mo-dernos serviços nas capitais amazônicas:foram instalados serviços de iluminaçãopública a gás e posteriormente elétricos,de viação urbana, de comunicação, deágua e esgoto, além de urbanização eembelezamento. As concessões para aexploração dos serviços de luz e força,nos primeiros anos do regime republi-cano, seguiram a herança da doutrina

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do direito administrativo imperial naconcessão dos serviços de iluminação agás: subsídios governamentais, renúnciafiscal de taxas e impostos, contratos delongo prazo, pagamentos em moedaestrangeira, usufruto gratuito de terrenos,benfeitorias e edifícios, entre outras.

No final do século XIX e início doséculo XX, cronistas e viajantes da época(Nery, F., 1899; Luciani e Lima, 1899;Marajó, 1895; Plane, 1903; Gonçalves,1904; Dias, c. 1904; Wileman, 1908 e1909; Lloyd, 1913) não se furtavam emdescrever as belezas das capitais amazô-nicas iluminadas pela luz elétrica e o con-forto urbano promovido pelo uso daeletricidade em prédios públicos e priva-dos. A “propaganda oficial”, feita pormeio dos álbuns produzidos a mando dosgovernadores dos estados, como os doPará em 1899 e 1908, de Belém em1902 e do Amazonas em 1901 e 1902,procurava ressaltar os traços mais moder-nos das cidades, suas estruturas urbanase estilos de vida cosmopolitas, de acordocom modelos europeus. O pioneirismoda adoção da luz elétrica em Belém eManaus situava essas cidades no mesmopatamar de progresso de capitais comoParis e Londres. Fotografias de máquinas,caldeiras e edifícios das usinas geradoraspovoavam as páginas dos álbuns oficiaise comerciais, mostrando a afinidade dascidades com as novas tecnologias de ge-ração de energia elétrica (Santa Rosa, c.1900, p. 135; Montenegro, 1909, p. 141;Álbum de Belém do Pará, 1902, p. 26-27; Caccavoni, 1898, p. 51, 67; Nery,J., 1902, p. 26-29, 114). O caráter “es-petacular” da luz elétrica era exploradoinclusive como atrativo turístico.

Há, contudo, exagero na afirmaçãode que essas cidades eram totalmenteiluminadas com luz elétrica, naquele pe-ríodo. O centro e as partes mais “nobres”eram servidos por sistemas de gás e luzelétrica, tanto particular quanto público,e possuíam os equipamentos urbanosmais modernos. A população mais pobreda periferia, entretanto, não gozava detais privilégios. Conforme aponta Vicen-tini (2004), enquanto as áreas centraisadotavam padrões mundiais de urbani-zação e hábitos adequados aos estilosmetropolitanos, condizentes com seushabitantes burgueses brancos e estran-geiros, os migrantes, sertanejos, negrose mestiços ficavam à margem. As con-dições de vida da população, para alémdos centros urbanos, eram miseráveis.A luz elétrica, que prolongava o dia eembelezava a paisagem urbana à noite,era mais um privilégio de poucos queum benefício coletivo. Servia comometáfora da riqueza produzida coletiva-mente, mas acumulada e consumidaapenas por uma pequena parcela.

A eletricidade não substituiu de ime-diato a iluminação a gás, posto que aluz elétrica era apenas uma de suas múl-tiplas aplicações. Com ela, a sociedadedesenvolveu novas formas de apropria-ção e vivência das cidades. À medidaque os trens elétricos consolidaram oslimites urbanos, incorporaram os subúr-bios às atividades cotidianas de lazer etrabalho. A instalação dos ventiladoresdeu maior conforto aos cafés, hotéis,restaurantes e prédios públicos, en-quanto a iluminação noturna coroavatudo isso com a ampliação da vivênciasocial, familiar ou pública, da noite. No

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momento de sua instalação nas capitaisamazônicas, a eletricidade, com todosos usos possíveis, representava o alcancede um nível de progresso material e sim-bólico de uma sociedade que se via emascensão.

Segunda fase

A instalação dos primeiros sistemas elé-tricos, ainda no final do século XIX, e aconstituição das primeiras empresas es-trangeiras concessionárias dos serviçospúblicos de eletricidade – Manaós Tram-ways & Light Company, em Manaus, ea Pará Electric Railways and LightingCompany, Limited, em Belém –, no iní-cio do século XX, marcaram uma se-gunda fase do processo sociotécnico deeletrificação na Amazônia. A recuperaçãoda trajetória histórica dessas empresasrevelou que, embora tenha sido introdu-zida precocemente na região amazônica,a energia elétrica estava relacionada quaseexclusivamente às atividades de embele-zamento urbano – especificamente ilumi-nação pública e iluminação privada – ede tração para o transporte público. Ossistemas elétricos das capitais se consoli-daram em função do desenvolvimentoassociado da eletrificação com a viaçãourbana. A eletricidade era, antes de tudo,uma fonte de energia para o confortourbano e não um insumo de atividadesprodutivas.

O processo de eletrificação das ca-pitais amazônicas ocorreu baseado noinvestimento de empresas estrangeiras,vinculado e dependente da demanda

pública. O Estado teve um papel fun-damental para garantir o lucro das em-presas, além de direcionar/definir os usosda energia elétrica: serviços de bombea-mento de água, tração para o transporteurbano, iluminação de logradouros pú-blicos, iluminação de prédios públicos,ventilação e segurança. Mesmo durantea gestão pública dos serviços de energiaelétrica em Manaus, no início do séculoXX, os objetivos e usos da energia nãose modificaram, e o foco da eletrificaçãocontinuou a ser o conforto urbano nasáreas mais desenvolvidas e ricas da ci-dade. O uso doméstico da energia elé-trica, na maioria dos casos, tornou-seum privilégio de uma classe abastadaque não apenas podia pagar pelo serviçomas que se localizava, na cidade, em lu-gares providos de redes de distribuição.A eletrificação estava relacionada aospadrões de modernidade e progressomaterial cristalizados nas opções do Es-tado, que projetava as escolhas de umasociedade hierarquizada e conformadapelas clivagens socioeconômicas.

Esse modelo de eletrificação nãoencorajava as empresas a buscar novasfontes de energia, tecnologias e/ou ar-ranjos produtivos que reduzissem oscustos da geração e distribuição em di-reção a uma ampliação do mercadoconsumidor. Como também não haviaconcorrência, as empresas não precisa-vam se preocupar em perder ou ganharclientes, pois o Estado liberal concessio-nário 14 se encarregava de determinar otamanho e a qualidade do mercadoconsumidor de energia. O mercado, “co-mandado” pela demanda pública, crescia

14 Expressão de Carlos Vainer.

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ou encolhia de acordo com as conve-niências e finanças governamentais. Asempresas não tinham incentivos parabuscar novos mercados, já que crescersignificaria também investir e arriscar. Poroutro lado, se o baixo desenvolvimentoindustrial da região se traduzia em fracosmercados para a indústria de energia, ocontrário também era verdadeiro: aoperação, muito próxima da capacidadedas usinas, limitava qualquer ambiçãoindustrial que a região pudesse ter. Eisso era verdadeiro tanto para as capitaisquanto para as cidades no interior, jáque, aos poucos, pequenos sistemas elé-tricos também foram instalados em algu-mas cidades, do interior, que passarama usufruir de serviços de iluminação.

Tanto a iniciativa privada quanto opoder público municipal e o estadualforam responsáveis pela disseminaçãodos sistemas elétricos no interior dosestados amazônicos. No caso das insta-lações privadas, algumas iniciativas es-tavam vinculadas a empreendimentosespecíficos, como a eletrificação de PortoVelho (RO), que, desde 1908, possuíainstalações elétricas ligadas ao estabele-cimento da Madeira-Mamoré RailwayCo., para a construção da Estrada deFerro Madeira-Mamoré. Outros exem-plos seriam as instalações de Fordlândia,em 1928, e Belterra, em 1934, no Pará,ligadas à exploração da borracha porHenry Ford; e, ainda, a instalação emSantana, no Amapá (1940), feita porfuncionários da empresa Icomi, que iriaexplorar o manganês na Serra do Navio.Todas as unidades instaladas no interior,no início do século XX, pela iniciativaprivada – Cruzeiro do Sul (1904) e Xa-

pury (1914), no Acre; Humaitá (1905),no Amazonas; Mazagão (1914) e Amapá(início da década de 1940), no Amapá;Bragança (1911) e Santarém (1915), noPará – passaram para a gestão governa-mental, seja municipal ou estadual, atéa década de 1950, exceto a de Mazagão,que só foi municipalizada em 1958.

As iniciativas governamentais de ele-trificação nas cidades do interior tinhamcaráter pontual, como em Cachoeira eChaves (1914), no Pará; Rio Branco(1916) e Vila Seabra (1920), no Acre;Clevelândia (em torno de 1920), emVila de Espírito Santo do Oiapoque; eMacapá (1937), no Amapá. As ativida-des de eletrificação mais sistemáticasocorreram no Amazonas, com a eletrifi-cação das cidades de Itacoatiara, Parin-tins, Coary, em 1926, e Borba, São Félixe Teffé, em 1928, e no Pará, entre 1937e 1939, quando uma ação conjunta doestado e dos municípios instalou e/oureformou os serviços elétricos de San-tarém, Óbidos, Mocajuba, Gurupá, Bra-gança, Faro, Santa Isabel, Oriximiná,São Miguel Guamá, Igarapé-Assu, Curu-çá, Afuá e Capanema. As pequenasunidades geradoras eram essencialmentetérmicas (unidades locomóveis estacio-nárias, unidades dieselelétricas, peque-nos motores a vapor etc.), impulsionadasa lenha, carvão ou derivados de petró-leo. Essas unidades se tornaram a basedos sistemas isolados, uma forma típicada organização espacial dos sistemas elé-tricos na região amazônica.

Na década de 1920, as centrais ter-melétricas da Pará Electric Railway andLighting Company, Limited, e da Manaós

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Tramway and Light Company, Limited,estavam entre as dez maiores unidadesgeradoras do Brasil. Suas instalaçõespossuíam equipamentos e máquinasmodernas (Beliss & Morcom, Babcock& Wilcox, Westinghouse, Siemens etc.)No final da década de 1930, a Pará Electricainda era considerada uma das maioresdo País. Assim, até o início da SegundaGuerra Mundial, o modelo de eletrifi-cação adotado nas capitais amazônicas,com seus altos e baixos conjunturais, con-seguia atender às demandas, da maneiracomo eram formuladas pelo poder pú-blico.

Ao longo da década de 1940, con-tudo, os sistemas elétricos de Manaus eBelém entraram em colapso. Vários fa-tores contribuíram, de maneira variávelno caso de cada empresa, para esse pro-cesso: desgaste de alguns equipamentose obsolescência de outros, interrupçãono fornecimento da lenha para as cal-deiras, falta de equipamentos de repo-sição que não podiam ser importadosdurante a Segunda Guerra Mundial,demanda crescente, concorrência dotransporte automotivo, endividamentodas empresas, falta de pagamentos declientes (como a prefeitura de Belém),entre outros. A má qualidade dos serviços(interrupções no fornecimento de luz,irregularidade e mau estado dos trensurbanos) gerou a insatisfação dos usuá-rios e dos governos. A intervenção dogoverno federal nas empresas de ener-gia elétrica acabou determinando a esta-tização dos serviços, que passaram a sergeridos pela municipalidade, no caso deBelém, e pelo governo estadual, no casode Manaus.

Terceira fase

A crise energética nas capitais amazôni-cas sensibilizou e mobilizou políticos eplanejadores. Após a criação da Supe-rintendência do Plano de Valorização daAmazônia (SPVEA), primeira agência dedesenvolvimento regional, esses atorescanalizaram para o órgão as perspectivase expectativas de regularização da situa-ção da energia elétrica na Amazônia.Com o planejamento centralizado, aeletrificação na Amazônia entrou emuma terceira fase. No período pioneiro daeletrificação na Amazônia, esta teve umcaráter localizado, associado a algunsempreendimentos privados e iniciativaspontuais. Com a SPVEA, pelo menos nonível do “plano”, a questão da eletrifica-ção passou a envolver o estabelecimentode uma infra-estrutura de suprimentopúblico de energia elétrica, para garantiro provimento regional e promover odesenvolvimento da região. A SPVEApretendia comandar esse processo, vin-culando a questão energética às demaisações de desenvolvimento regional. Afalta de um modelo de planejamento egestão do setor de energia elétrica, e deum plano abrangente e concreto deação, contudo, acabaram tornando asações da superintendência, embora maisamplas, também pontuais. Apesar disso,a SPVEA teve um papel importante naconstrução do sistema público de supri-mento de energia elétrica na região, aocontribuir para a consolidação das em-presas locais de energia (Força e Luz doPará - Forluz, em Belém, e Companhiade Eletricidade de Manaus - CEM, emManaus, ambas criadas em 1952) eapoiar as ações das empresas estaduais

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recém-criadas: Centrais Elétricas deGoiás S/A (Celg), em Goiás, em 1955;Companhia de Eletricidade do Amapá(CEA), no Amapá, em 1956; CentraisElétricas Matogrossenses S/A (Cemat),no Mato Grosso, em 1956; CompanhiaEnergética do Maranhão (Cemar), noMaranhão, em 1958; Centrais Elétricasdo Pará S/A (Celpa), no Pará, em 1960;Centrais Elétricas do Estado do Amazo-nas S/A (Celetramazon), no Amazonas,em 1964; e Companhia de Eletricidadedo Acre (Eletroacre), no Acre, em 1965.Aos poucos, essas empresas assumiramo planejamento da expansão, a realiza-ção de projetos de eletrificação e a cons-trução e operação de sistemas deprodução, transmissão e distribuição deenergia elétrica nos seus estados, tarefaque a SPVEA não conseguiu coordenar.A indústria amazônica, contudo, conti-nuou por muito tempo dependente daautoprodução para se desenvolver, poisa crise energética deflagrada na décadade 1940 só foi realmente superada nofinal da década de 1960.

Dois importantes projetos hidrelétri-cos, planejados e parcialmente execu-tados durante a gestão da SPVEA,tiveram pouca participação dessa supe-rintendência: a Usina Hidrelétrica Coara-cy Nunes, que começou a ser planejadano início da década de 1950 e a serconstruída em 1960, e a Usina Hidrelé-trica Curuá-Una, que foi planejada noinício da década de 1960 para atendera projetos industriais em Santarém eAveiro. Como os recursos da SPVEApara Curuá-Una não chegaram, a usinasó começou a ser construída em 1968,sob a responsabilidade da Celpa.

No caso da Usina Hidrelétrica Coa-racy Nunes, a participação da SPVEA serestringiu à alocação de alguns recursos(para a criação da CEA e para as obras),ficando de fora da participação na coor-denação do projeto de construção e darealização do plano de desenvolvimentoassociado, que envolvia a exploração domanganês da Serra do Navio, uma dasmaiores reservas do minério do País. Ésignificativo que o principal órgão dedesenvolvimento regional tivesse poucainfluência na elaboração e execução da-quele que era considerado um dos pri-meiros projetos modernos na região. Oprojeto envolvia a primeira usina hidre-létrica de grande porte na Amazônia, e aassociação entre hidreletricidade e mine-ração era sua principal característica.Ressalta já, nesse caso, um aspecto dis-tintivo que viria a se tornar típico dosgrandes projetos de investimento naAmazônia: o caráter de enclave territorial(Vainer e Araújo, 1992), com a consti-tuição de uma dinâmica excludente deapropriação e uso do território e seus re-cursos. Além disso, fica patente que tantoa SPVEA quanto sua sucessora, a Supe-rintendência de Desenvolvimento daAmazônia (Sudam), desde o início nãotinham capacidade de influir nos espaçosde valorização em que participavam ogrande capital nacional em associaçãocom o capital internacional.

A Usina Hidrelétrica Coaracy Nunesfoi uma espécie de “protótipo”, emmenor proporção, dos projetos hidroe-nergéticos modernos na Amazônia. Umausina hidrelétrica, associada à exploraçãode jazidas minerais, que polarizou umaregião que cresceu e se urbanizou em

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torno de um projeto cujo principal re-curso explorado era esgotável. O desen-volvimento pretendido com o projetonão foi alcançado, pois ainda hoje a eco-nomia do Amapá depende da explora-ção de recursos não renováveis. Alémdisso, um enorme passivo ambiental,resultante da exploração do manganês,foi deixado como herança.

A conclusão e entrada em operaçãodas usinas hidrelétricas de Coaracy Nunes(1976) e Curuá-Una (1977) iniciarama dinamização do parque gerador elétri-co da região amazônica, que era essen-cialmente térmico. Mas foram somenteo planejamento e a construção da usinahidrelétrica de Tucuruí que efetivamenteinseriram a Amazônia no “mapa” dageração de energia elétrica nacional.

A instabilidade no aporte de recur-sos, a fragmentação das iniciativas e asingerências políticas, associadas à baixacapacidade de coordenação efetiva dasações executadas por outros órgãospúblicos, entres outras dificuldades, de-terminaram o fracasso da SPVEA e suasubstituição pela Sudam, em 1966.

A Sudam deu continuidade a muitasdas ações iniciadas pela SPVEA na áreade energia elétrica. Apoiou as iniciativasdas empresas estaduais em projetos es-pecíficos e a realização de estudos hi-droenergéticos, concedendo incentivospara a renovação do parque gerador.Mas, logo perdeu espaço para novasarticulações institucionais que viriam a

comandar o processo de expansão dossistemas de energia elétrica na Amazônia.

Quarta fase

A partir da década de 1970, a conjugaçãode múltiplos fatores em âmbitos regional,nacional e internacional contribuiu parauma mudança radical na política ener-gética nacional e para a mudança nofoco do desenvolvimento na Amazônia:crise mundial do petróleo; política de in-tegração nacional do governo, com suaalta capacidade de mobilização do territó-rio e seus recursos; divulgação da dispo-nibilidade dos recursos hidroenergéticosna região, a partir dos estudos do Eneram;comprometimento do governo federal edas empresas estatais com determinadosinteresses econômicos (indústria eletroin-tensiva de capital internacional); mudan-ças na estrutura organizacional do SetorElétrico e seu plano de expansão territo-rial, com a criação da Eletronorte comosubsidiária regional; disponibilidade derecursos públicos e privados e de fontesde financiamento para o investimento emgrandes projetos, entre outros. A essesfatores, somava-se o contexto de um re-gime político autoritário, que refletia umabaixa capacidade de organização dasociedade e de crítica às intervenções go-vernamentais no espaço.

Com a oportunidade oferecida pelaposição estratégica que a energia passoua ocupar na política nacional de de-senvolvimento, o Setor Elétrico decidiu“bancar o risco” 15 de sua expansão terri-

15 A expressão usada pelo então Ministro das Minas e Energia, Shigeaki Ueki, era que o SetorElétrico deveria assumir o “risco de comportamento do Mercado” para garantir a construçãode Tucuruí. Ver Lemos (2007, cap. 5).

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torial na Amazônia. Esse risco represen-tou, na década de 1990, o desembolsode US$ 23,5 bilhões pelo Tesouro Nacio-nal, pagos com recursos dos contribuin-tes, para cobrir o deficit das empresasconcessionárias de energia elétrica 16.Para expandir sua ação na região, pormeio da implantação de grandes proje-tos hidrelétricos, o Setor Elétrico investiuna construção e consolidação do merca-do consumidor para a energia da Ama-zônia e, nesse processo, construiu a visãoda região como “vocacionada” para aexportação de energia, reconfigurandoseu lugar no sistema produtivo nacionalde energia. A construção dessa visão –que iniciou a quarta fase no processode eletrificação da Amazônia – envolveutambém vários aspectos: divulgação doenorme potencial hidrelétrico, tendocomo contrapartida a baixa demandaregional; ênfase no esgotamento dasfontes hídricas para produção de ener-gia elétrica em outras regiões; disponi-bilidade de tecnologia e capacidade daengenharia nacional para a realizaçãodos grandes empreendimentos hidrelé-tricos; divulgação dos empreendimentoscomo uma forma de desenvolvimentoregional; cooptação de políticos e em-presários regionais que viam na implan-tação de grandes projetos hidrelétricosuma oportunidade de crescimento eco-nômico; e divulgação, em matérias jorna-lísticas e propagandas, da associação entretecnologia e progresso, tendo a energiacomo base do “milagre econômico”.

A Eletronorte 17 desempenhou umpapel fundamental na expansão terri-torial do Setor Elétrico na Amazônia.Sua criação foi determinada por trêsfatores. O primeiro diz respeito à pró-pria estrutura organizacional do setor,que, com uma empresa holding (Eletro-brás) e empresas subsidiárias regionais(Chesf no Nordeste, Furnas no Sudestee parte do Centro-Oeste e Eletrosul noSul), caminhava, em termos organizacio-nais, para a construção de uma territoria-lidade de âmbito nacional. O domínioterritorial, contudo, só poderia ser alcan-çado com a constituição de uma empre-sa para atuar na região Norte e na outraparte do Centro-Oeste, completando aestrutura federativa da organização dosetor. O segundo diz respeito aos des-dobramentos dos estudos do Eneram,que constataram/confirmaram o poten-cial hidroenergético amazônico, desta-cando, por outro lado, a debilidade domercado consumidor regional frente aopotencial existente e a necessidade deprosseguimento dos estudos. Finalmente,o terceiro fator remete à decisão políticado governo federal de entrar no merca-do de exportação de produtos eletroin-tensivos e de prover a infra-estruturapara os investimentos estrangeiros: aEletronorte era fundamental para con-cretizar o suprimento energético às in-dústrias eletrointensivas.

Uma vez constituída, a Eletronortepassou a atuar no espaço contraditório

16 É verdade que o deficit não foi provocado apenas pelo subsídio à indústria eletrointensiva.Mas a concessão de preços favorecidos pela Eletronorte à indústria de alumínio tinha comocontrapartida o ressarcimento desses valores pelo sistema de equalização tarifária. Para umaanálise aprofundada desse processo, ver ibid.

17 A Eletronorte (Centrais Elétricas do Norte do Brasil S.A.) foi criada pela Lei 5.824, de 14 denovembro de 1972.

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de disputa entre duas concepções deaproveitamento do potencial hidroener-gético da Amazônia, cada uma imbuídade um projeto de desenvolvimento di-ferente: i) a exploração do potencial naescala técnica e economicamente com-patível com os mercados e o desenvol-vimento regionais; e ii) a exploração domesmo potencial na escala de produçãoadequada à fabricação de produtos ele-trointensivos para a exportação e trans-ferência dos excedentes de energia paraoutras regiões, a fim de atender aos ob-jetivos do projeto de desenvolvimentonacional.

Na tentativa de conciliar projetos cla-ramente irreconciliáveis, a Eletronorteassumiu os parques geradores das capi-tais – participando da gestão, operaçãoe expansão dos principais subsistemaselétricos da região – e os inseriu no pla-nejamento centralizado de expansão edesenvolvimento do Setor Elétrico nacio-nal. Nesse processo, a empresa expandiua sua própria influência na região e con-solidou a sua posição como empresa re-gional. Por outro lado, produziu maisuma fragmentação do território amazô-nico, visto que introduziu descontinuida-des de natureza econômica, técnica e deplanejamento que afetariam a relaçãodos sistemas elétricos com o espaço regio-nal. Essas descontinuidades aumentarama distância socioeconômica entre os seis“sistemas isolados Eletronorte” e os de-mais sistemas isolados do interior, a cargodas empresas concessionárias regionaise de prefeituras municipais.

Em vez de pensar um projeto deaproveitamento energético e de supri-

mento regional do ponto de vista da re-gião, a Eletronorte introduziu uma visãode exploração energética dos recursosamazônicos e de suprimento a partir docentro hegemônico da economia do País.Assim, a entrada em cena da empresafederal, ao invés de fortalecer as conces-sionárias regionais com uma divisão detrabalho e uma ação mais coordenadano sentido de planejar a expansão e geriros sistemas elétricos regionais, ressaltoua fragilidade técnica, gerencial e finan-ceira daquelas empresas.

A crucial participação do Setor Elé-trico na política federal de incentivo àinstalação no território nacional de plantaseletrointensivas voltadas para a expor-tação, por meio de contratos de tarifaselétricas a preços favorecidos, viabilizoua expansão da ação setorial na regiãoque concentrava não apenas o maiorpotencial hidrelétrico remanescente doPaís mas também reservas minerais cujaexploração dependia de suprimentoabundante e barato de energia. Ao bus-car o consumidor, oferecendo vantagenspara a implantação das unidades indus-triais eletrointensivas, ao invés de espe-rar a manifestação da demanda, o SetorElétrico também assumiu o papel deagência de desenvolvimento. Além disso,guiou, para o seu território específico,empreendimentos de maior peso indus-trial, participando ativamente da estrutu-ração do espaço nacional de apropriaçãodo território e dos recursos territorializa-dos pelo capital nacional e internacional.

A expansão dos sistemas elétricosque, durante a atuação da SPVEA e iní-cio da atuação da Sudam, tivera como

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eixo a constituição de uma infra-estru-tura para a dinamização da economiaregional mudou radicalmente. Agora,com a atuação da Eletronorte, consoan-te com os PNDs e planos setoriais, pas-sou a se concentrar na produção para aexportação indireta de energia para ospaíses centrais, através do provimentode infra-estrutura energética para a in-dústria exportadora mínero-metalúrgicae, posteriormente, para a alimentaçãodo sistema interligado nacional, comintuito de exportar energia para outrasregiões. Dominante no resto do País, sóno início da década de 1980 a hidrele-tricidade se tornou o padrão energéticona região. Com essa mudança, os me-gaempreendimentos hidrelétricos comoTucuruí, Balbina e Samuel foram con-sagrados como novo modelo de explo-ração dos recursos hidroenergéticos naAmazônia, tendo como conseqüência ainstauração de uma forma específica deordenamento, apropriação e gestão doterritório e seus recursos. O contexto re-gional foi totalmente subordinado aosobjetivos e interesses nacionais e globais,e o suprimento regional de energia elé-trica tornou-se um mero apêndice naconstituição do sistema centralizado desuprimento nacional.

É importante lembrar que esse pro-cesso ocorreu em um contexto em quetodo o sistema elétrico nacional, ou seja,os segmentos de geração, transmissão edistribuição de energia elétrica, era es-tatal e servia à constituição de um siste-ma público de suprimento nacional. Apartir da década de 1990, com o pro-cesso de privatização e a abertura dosetor à participação da iniciativa privada,o sentido público do sistema de supri-mento nacional de energia elétrica foisubstituído por uma estrutura baseadana exploração competitiva. Essas mu-danças, contudo, não alteraram a con-figuração da Amazônia como regiãoexportadora de energia e a transforma-ção dos seus rios em recursos em hidre-letricidade; ao contrário, o novo contextoprivatizante reitera os megaempreendi-mentos hidrelétricos como modelo deexploração desses recursos 18. Essa rea-lidade impõe novos desafios à reflexãoe à ação, já que, conforme ressalta SeváFilho (2005b), os megaprojetos de en-genharia envolvem, antes de tudo, um“ato político”, uma vez que implicam osuporte a projetos que produzem umacompleta alteração da natureza e trans-formações radicais na sociedade.

18 Os empreendimentos do Rio Madeira e Belo Monte são exemplos atuais dessa visão.

Reflexões finais

A concepção da Amazônia como “jazidaenergética”, “área de monocultura daágua”, “hidronegócio”, “província ener-gética” e região “vocacionada para a ex-portação de energia” foi incorporada não

apenas pelo Setor Elétrico mas tambémpor setores da burocracia estatal e da so-ciedade. Essa concepção determina aconstrução social dos recursos hídricosamazônicos exclusivamente como recur-

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sos energéticos. Também configura a su-bordinação da região ao centro-sul nadivisão regional de trabalho no sistemaelétrico nacional. Em outras palavras,traduz uma leitura naturalizada de um pro-cesso histórico de construção de repre-sentações sociais, relacionado às formasespecíficas de construção e apropriaçãodos espaços e seus recursos naturais.

Conforme propõe Cardoso, o temposocial se constrói por seqüências configu-radas que “integram fatos e projetos daação e da experiência comuns” numaestrutura narrativa em que “cada presenteé a projeção prospectiva/retrospectivaque lhe dá sentido e configuração, uni-ficando os fatos e ações num projetoreconhecível quanto aos objetivos”(Cardoso, 2005, p. 68). Embora o pas-sado seja passível de manipulação pormeio da recordação, resiste às manobrasde distorção (ibid., p. 20); além disso,há o caráter dialético da relação passa-do/presente que reconstrói o passado àluz de novas interpretações. A análisehistórica do processo de eletrificação naAmazônia buscou se contrapor ao mo-vimento de subtração da historicidadedesse processo que, ao naturalizá-lo,contribuiu para a manutenção do siste-ma de dominação política e ideológicae de subordinação da região aos proje-tos hegemônicos.

O presente trabalho procurou darum passo para desvendar as condições

históricas de construção da reconfigu-ração da Amazônia como fornecedorade energia para um processo produtivoarticulado de fora da região, tendo comofundamento a associação entre o capitalnacional e o capital internacional.

De acordo com Cardoso (2005), anarrativa é inseparável do plano daação: antes de ser cognitiva, é prática,faz parte e é condição das ações sociaisorganizadas. Partiu-se de uma perspec-tiva histórica da eletrificação na Amazô-nia para compreender os processos deterritorialização do espaço nacional. Aanálise dos fatos e eventos pesquisadoslevou à conclusão de que, no processode expansão de sua ação na região, oSetor Elétrico investiu na construção econsolidação do mercado consumidorintensivo para a energia da Amazônia,ao mesmo tempo que reconfigurou aregião como “vocacionada” para a ex-portação de energia. Por meio de evi-dências históricas, constatou-se que oSetor Elétrico é um importante vetor deestruturação do território, não apenaspela capacidade técnica, econômica epolítica de apropriação, criação e trans-formação do espaço e seus recursos,exercida na construção de barragens,usinas, linhas de transmissão, intercone-xão de sistemas etc., mas, também, peloestabelecimento de condições que criame impõem continuidades e descontinui-dades no espaço que alteram as relaçõesentre agentes sociais e instituições.

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267Chélen Fischer de Lemos

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Resumo

Este artigo apresenta o esboço das prin-cipais questões relativas à recuperação eanálise da história da eletrificação naAmazônia no período dos anos 1890 aoinício dos anos 1990. Por meio da investi-gação das articulações entre as dimensõessociotécnicas do processo de eletrificaçãoe o planejamento territorial, procurou-se desvendar o papel da energia elétricanas dinâmicas socioespaciais e no desen-volvimento da região. Partindo do pres-suposto de que os sistemas tecnológicosfazem parte das práticas sociais e quevariam ao longo da história e de umacultura para outra, a abordagem contex-tualista foi usada para situar o ambientesociocultural e histórico em que se confi-guraram os sistemas elétricos amazônicos.A análise dos fatos e eventos pesquisadoslevou à conclusão de que, no processode expansão de sua ação na região, oSetor Elétrico investiu na construção econsolidação do mercado consumidorintensivo para a energia da Amazônia,ao mesmo tempo que reconfigurou a re-gião como “vocacionada” para a expor-tação de energia.

Palavras-chave: Amazônia, eletrifica-ção, processo sociotécnico, abordagemcontextualista.

Abstract

The text analyses the Brazilian Amazonelectrification history, from 1890 to1990. The contextual approach is usedto point out the historical and sociocul-tural environment of Amazon electricpower systems configuration. The anal-ysis of the sociotechnical dimensions ofthe Amazonian electrification and terri-torial planning process was applied toclarify the role of electrification in spa-tial organization, regional developmentand social relations. The analyzed his-torical data suggests that the expansionof Electric Sector in the Amazon in the1970s shaped the social meaning ofAmazonian region as energy exporter,by constructing the market for the Bra-zilian Amazon energy. This social con-struction allowed the establishing ofgreat hydroelectric plants as pattern ofhydraulic resources exploitation in Bra-zilian Amazon.

Keywords: Amazon, electrification, so-ciotechnical process, contextual appro-ach.

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270 O processo sociotécnico de eletrificação da Amazônia: esboço de uma análise histórica

Chélen Fischer de Lemos é Socióloga, Mestre e Doutora em PlanejamentoUrbano e Regional pelo IPPUR/UFRJ, Pesquisadora associada do Laboratório Es-tado Trabalho Território e Natureza (Ettern) do IPPUR/UFRJ. Desenvolveu atividadesde pesquisa no IPPUR/UFRJ e na Escola Nacional de Administração Pública (Enap) -Brasília.

Recebido em julho de 2008. Aprovado para publicação em setembro de 2008

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Cadernos IPPUR, Rio de Janeiro, v. 22, n. 2, p. 273-278, ago./dez. 2008.

Ana Clara Torres Ribeiro

Héctor Atilio Poggiese

A denominada Declaração de BuenosAires, “Por uma cidade justa”, constitui-se numa síntese analítica e numa plata-forma potencial de ação concebidas porintegrantes do Grupo de Trabalho Desen-volvimento Urbano do Conselho Latino-americano de Ciências Sociais (Clacso).O documento foi elaborado durante aVIII Reunião do Grupo de Trabalho,ocorrida no período de 22 a 24 de outu-bro de 2008, intitulada “Utopias pratica-das em cidades da América Latina”.

Esse documento, veiculado pela pla-taforma virtual do Clacso, foi assinadopor 28 pesquisadores da Argentina, Bo-lívia, Brasil, Colômbia, Equador e Uru-guai, integrantes do Grupo de Trabalho

Declaração de Buenos Aires

Desenvolvimento Urbano, e por outrospesquisadores desses países e, ainda, doMéxico, da Espanha e da França. Diri-gida à reflexão de fenômenos que hojetransformam a rede urbana da região,a Declaração de Buenos Aires tambémsignifica um registro dos dez anos deexistência do Grupo de Trabalho Desen-volvimento Urbano.

Esse Grupo de Trabalho, criado em1999, promoveu, com apoio do Clacso,nove reuniões em diferentes países daAmérica Latina, além de atividades co-nexas a encontros de associações cien-tíficas e do Fórum Social Mundial. Essasreuniões foram organizadas nas seguintescidades: Rio de Janeiro, em 2000; Quito,

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274 Declaração de Buenos Aires

em 2002; Porto Alegre, em 2003; ElSalvador, também em 2003; La Paz, em2004; Medellín, em 2005; Quito, em2007; Buenos Aires, em 2008, e Cocha-bamba, em 2009.

Nessas reuniões, procurou-se identi-ficar os principais elementos dos projetosurbanos hegemônicos e, ao mesmo tem-po, valorizar resistências sociais e raciona-lidades alternativas. Os eixos temáticosda reunião de Buenos Aires (modelos emetáforas x utopias; imaginários urba-nos; projetos e práticas; utopias materia-lizadas) e da reunião de Cochabamba(imaginário dominante e forças instituin-tes; afirmação social e insurgência; outrasteorias/outros conceitos) exemplificam opropósito do Grupo de Trabalho de atua-lizar o pensamento crítico e de preservara força utópica do urbano.

O investimento reflexivo do Grupode Trabalho deu origem aos seguinteslivros, publicados pelo Clacso: Repen-sando a experiência urbana da América

Latina: questões, conceitos e valores(2000); El rostro urbano de AméricaLatina (2004); e Outro desarrollo urba-no: ciudad incluyente, justicia social ygestión democrática (2009). Neste últi-mo, encontra-se registrada experiênciade oferta de curso através da plataformavirtual do Clacso. Essa experiência, repe-tida a seguir, possibilitou a interação deintegrantes do Grupo de Trabalho comuma ampla rede de jovens pesquisado-res da questão urbana.

A publicação da Declaração de Bue-nos Aires expressa o reconhecimento deseu valor como fruto do diálogo e dotrabalho coletivo. Também correspondeà sua apreensão como testemunho dosvínculos, construídos pelo Clacso, entrecientistas sociais da região. A existênciadesses vínculos sustenta a expectativa deque, após o encerramento das atividadesdo Grupo de Trabalho DesenvolvimentoUrbano, as utopias praticadas continuemconduzindo à reflexão crítica e proposi-tiva da urbanização latino-americana.

Ana Clara Torres Ribeiro é Professora do IPPUR/UFRJ, Doutora em CiênciasHumanas pela Universidade de São Paulo, Pesquisadora do CNPq, contempladapelo Programa Cientista do Nosso Estado da Faperj. Trabalha principalmente nasáreas de metodologia científica, de sociologia urbana e de teorias da ação (movi-mentos e conflitos sociais, sociabilidade e práticas espaciais).

Héctor Atilio Poggiese es Abogado, Universidad de Buenos Aires, Master enAdministración Pública por el Ebap/Fundación Getulio Vargas, Consejero de Plani-ficación Urbana de la Municipalidad de Buenos Aires (1989-92), Asesor de políticasgubernamentales de desarrollo urbano, gestión ambiental, relocalización de pobla-ciones, descentralización, desarrollo local, promoción social.

Recebido em julho de 2008. Aprovado para publicação em novembro de 2008

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DECLARACIÓN DE BUENOS AIRES

POR UNA CIUDAD JUSTA

Asistimos en América Latina y en particular en Sudamérica a una circunstanciahistórica inédita. Un conjunto de países con gobiernos democráticos y populares searticulan en una acción regional (Unasur, Mercosur, Tratado de Río), que presuponeretomar la iniciativa autónoma del destino de los pueblos. La agenda pública lati-noamericana está ahora abierta, posibilitando el ingreso de temas de relevanciapara el desarrollo. Es el momento en que la importancia de lo urbano, de la ciudadmetropolitana, cobre un sentido mayor en la agenda de la unidad regional.

Luego de casi siete años de crecimiento estable los índices de pobreza descen-dieron aunque las desigualdades económicas persisten. Han surgido orientacionesde políticas alternativas con énfasis social, no adscriptas a los previos acuerdos decorte neoliberal. En algunos casos incluso, han tomado la forma de nuevas Consti-tuciones que intentan reelaborar acuerdos nacionales con reconocimiento explicitode realidades multiétnicas y pluriculturales.

La crisis mundial derivada del fracaso de décadas de neoliberalismo reinstala lasoberanía de las naciones del continente para reconfigurar el papel del Estado enla intervención y orientación del desarrollo a través de las políticas públicas.

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276 Declaração de Buenos Aires

La desregulación financiera ha caído en el descrédito por sus nefastas consecuen-cias globales; los Estados asumen un papel activo y en algunos países se intentaanticipar la crisis con amplios programas de inversión pública en infraestructura yapoyo a los pequeños y medianos negocios.

Lo que dio en llamarse “el fin de las ideologías” resultó en el fin de su contrario“el pensamiento único” (un único modelo económico, un solo modelo político,una única cosmovisión, un único tipo de orden urbano) para dar lugar a un mundomultilateral, a una revalorización de las uniones regionales, a una multipolaridad quehabilita las más variadas perspectivas para el devenir de los pueblos y las naciones.

Uno de los actuales desafíos enfrentados en las ciudades de América Latina esla intervención en territorios cada vez más complejos, impredecibles e inciertos.Otro desafío es aceptar el reconocimiento del protagonismo de nuevos y viejosactores sociales y políticos que están construyendo nuevas espacialidades públicas.

Por todo lo anterior:

Concebimos el desarrollo urbano como un desarrollo social legitimo, incluyente,participativo y concertado, con una espacialidad que soporte las relaciones socialesque se establezcan en la reproducción de la vida, rechazando modelos impuestossin relación con la historicidad de América Latina. El objetivo de este desarrollourbano es la valorización de la vida y su reproducción en territorios concretos,respetando sus especificidades y cosmovisiones.

Necesitamos redefinir las formas de representación social en el Estado a fin deestablecer institucionalidades políticas constituidas por nuevos acuerdos, normas yprocedimientos adoptados colectivamente. Se trata de instituir espacios compartidosde reflexión para elaborar programas y procesos de transformación dirigidos a configu-rar un proyecto de desarrollo y justicia social basado en las territorialidades populares.

Propugnamos por una globalización alternativa que supere la actual “moderni-zación sin modernidad” porque las ciudades latinoamericanas no pueden seguiracumulando deuda social a costa de un denodado esfuerzo por proyectar imágenesepidérmicas de “modernidad”, relucientes sí, pero inconsecuentes o indolentes consu realidad social, política, económica, ambiental y cultural.

Abogamos por políticas de desarrollo incluyente que construyan escenarioshorizontales y multiactorales para una experiencia urbana creativa e íntegra, quesupere la marginalización de los sectores populares, la estigmatización y criminaliza-ción de la pobreza y las lecturas reduccionistas y que apunten a la construcción deuna economía social.

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277Documento

Consideramos necesario que la materialidad urbana, expresada por su dimensiónfísica, técnica, tangible, amplifique las posibilidades de una integración social posi-tiva en la totalidad del espacio urbano: freno a la especulación, asignación socialdel suelo y distribución colectiva de las plusvalías urbanas resultantes del conjuntode inversiones públicas y privadas en el territorio.

Reconocemos la multidimensionalidad (funcional, física, simbólica) del espaciopúblico, concebido como ámbito de construcción de ciudadanía, descubrimiento ydefensa de nuevos derechos, expresivos de una lucha efectiva por la libertad indi-vidual y colectiva. La concepción, manejo y administración del espacio públicoconstruido de la ciudad debe ser una responsabilidad colectiva encaminada al forta-lecimiento del sentido de lo público y de la gobernabilidad.

Consideramos el conocimiento como una creación social que resulta de instru-mentos tradicionales y de nuevas formas de gestión del propio conocimiento, poreso defendemos: el uso socialmente justo de redes telemáticas, el reconocimientode las comunidades de práctica y de las redes socio-gubernamentales como formasadecuadas para alcanzar la democratización de la producción, la apropiación de lariqueza y de los recursos concentrados en el espacio urbano.

Defendemos un proyecto pedagógico ciudadano que fortalezca las formas deorganización social y política, la formación de redes sociales como procesos queenriquecen la experiencia urbana, la corresponsabilidad, el sentido de pertenenciaa los lugares y el control por parte de la sociedad de las decisiones que afectan elespacio urbano.

Concebimos el transporte como medio de movilidad y elemento material, quepor constituir condición de accesibilidad, garantiza el derecho a la ciudad posibilitandoel uso de sus recursos materiales e inmateriales. A su vez, es un valioso instrumentopara una integración social y espacial de la ciudad, constituyendo un recurso públicoa ser controlado por el Estado y la ciudadanía.

Entendemos que la transformación y diversidad social y cultural resultante dela movilidad y la migración, es una nota distintiva que no puede obviarse en laciudad latinoamericana. El migrante espera y tiene derecho a ser respetado, enten-dido y considerado en su cultura y su identidad. La ciudad y los migrantes habránde transcurrir el mutuo aprendizaje de compartir una ciudad transformada por unanueva integración que los incluya.

Sostenemos que la planificación y la descentralización político-administrativa,como producto de la interacción de los actores sociales, contribuye a garantizar laciudadanía cuando se realiza a través de procesos participativos que reconocen los

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278 Declaração de Buenos Aires

saberes locales y evitan la fragmentación y guetificación. La elaboración participa-tiva del proyecto de descentralización y la recuperación de prácticas socio-urbanaspreexistentes configuran un marco apropiado para que el Estado descentralizadoresultante no sea una mera y mala copia del que se quiere descentralizar con susmismos vicios e ineptitudes.

Fundamentados en los posicionamientos anteriores, valoramos las siguientesdirecciones en la producción de conocimiento sobre lo urbano:

— el rescate de la historicidad y singularidad de las formaciones sociales latinoame-ricanas;

— el lenguaje transdiciplinar, las racionalidades alternativas, la lectura activa y dia-lógica de la cuestión urbana;

— la simultaneidad de los movimientos de involución y evolución de las ciudades;— la inclusión de otros saberes y la valorización de contextos y lugares;— la resistencia a la reproducción acrítica de paradigmas y modelos, superando el

economicismo y la tecnocracia, teniendo como guía una reflexión moral y éticade la experiencia urbana.

De esta manera, para nosotros, una ciudad justa es aquella donde:

1. Se respeta la vida, la identidad y la dignidad de las personas.2. Hay acceso igualitario y equitativo a bienes y servicios.3. Se garantiza la igualdad de oportunidades.4. Los pobladores participan en la creación de la normatividad social.5. Se garantiza la participación en espacios de decisión para elaborar e imple-

mentar políticas urbanas.6. Se reconoce la utilización de espacios públicos físicos para las prácticas demo-

cráticas, la movilización de la ciudadanía y su libre expresión.7. Coexisten los diferentes y se rechaza la discriminación, la marginación y la

estigmatización.8. Se promueve la economía social con recursos públicos priorizando la distri-

bución equitativa de la riqueza.9. Se reconoce en el espacio urbano su valor de uso sobre el valor de cambio

que le otorga el mercado.10. Permite la expresión espontánea y autónoma de la gente y la interactividad

creativa, solidaria y libre de su experiencia urbana.

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1. As contribuições enviadas sob a forma deartigo devem ser apresentadas em no máxi-mo 25 (vinte e cinco) laudas, incluindo fi-guras, notas de rodapé, referências e anexos.As figuras deverão ser em P&B, ter exten-são JPG ou TIF e 300 dpi.

2. O texto deve ser digitado com fonte 12 eespacejamento de 1,5. As citações de maisde três linhas, notas de rodapé, paginação elegendas de ilustrações e tabelas devem serdigitadas com fonte tamanho 10 e espace-jamento simples.

3. As referências devem ser redigidas de acordocom a NBR 6023/2002 da ABNT:

a) Livro – último sobrenome em caixa-alta, se-guido de prenome e demais sobrenomesdo(s) autor(es). Título em destaque (itálico):subtítulo. Número de edição, a partir da se-gunda. Local de publicação: editora, anode publicação. Número total de páginas dolivro. Quando houver mais de um volume,citar somente o número de volumes (Cole-ção ou Série).Exemplos:MOOG, Vianna. Bandeirantes e pioneiros:paralelo entre duas culturas. 19. ed. Rio deJaneiro: Graphia, 2000. 351 p.MAMANI, Hernán Armando. Transporte in-formal e vida metropolitana: estudo do Riode Janeiro nos anos 90. Rio de Janeiro:UFRJ, 2004. 2 v.

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IPPUR/UFRJPrédio da Reitoria, Sala 543

Cidade Universitária / Ilha do FundãoRio de Janeiro (RJ) CEP 21.941-590

Tel: (21)2598-1676Fax:(21)2598-1923

Para assinatura ou número avulso, consultar: http://www.ippur.ufrj.br

centralidades e dinâmicas espaciais na me-trópole fluminense. In: SILVA, Catia Antoniada; FREIRE, Désirée Guichard; OLIVEIRA,Floriano José Godinho de (Org.). Metrópole:governo, sociedade e território. Rio de Janei-ro: DP&A Editora; FAPERJ, 2006. p. 79-97.

d) Dissertações e TesesExemplo:MARQUES, Ana Flávia. Novos parâmetrosna regionalização dos territórios: estudo dozoneamento ecológico-econômico (ZEE) naAmazônia legal e das bacias hidrográficasdo Rio Grande do Sul. 2006. 189f. Disser-tação (Mestrado em Desenvolvimento Re-gional) – Universidade de Santa Cruz doSul, Santa Cruz do Sul, 2006.

e) Artigo e/ou matéria de revista em meio ele-trônicoExemplo:WACQUANT, Loïc. Elias no gueto. Rev. deSociologia e Política, Curitiba, n. 10, jun. 1998.Disponível em: <http://www.humanas.ufpr.br/publica/revsocpol>.

4. Deve ser enviado um resumo em português(ou espanhol) e inglês, e uma relação de nomáximo 5 (cinco) palavras-chaves (em por-tuguês e inglês) para efeito de indexação.

5. O autor deve enviar informações relativas àsua trajetória profissional e vínculos institu-cionais (no máximo 5 linhas).

6. O autor de artigo publicado em CadernosIPPUR/UFRJ receberá três exemplares dorespectivo fascículo da revista.

7. Os artigos devem ser enviados à ComissãoEditorial do Cadernos IPPUR/UFRJ atravésdo endereço eletrônico [email protected].

8. Em caso de aprovação, o autor deverá enviarpelo correio o formulário (disponível nahomepage) de autorização devidamentepreenchido e assinado para disponibiliza-ção em texto completo nas bases de dadosàs quais o Cadernos IPPUR/UFRJ esteja in-dexado, incluindo a Base Minerva da UFRJ.

9. Para as resenhas críticas de publicações, re-comenda-se o máximo de 4 páginas.

Instruções aos colaboradores do CADERNOS IPPUR/UFRJ

Page 275: 35Cadernos IPPUR - Ano XXII, n2, Ago-Dez 2008