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[2Km]² do ENGENHO DE DENTRO: Conectividade e legibilidade de um fragmento da Zona Norte Metropolitana - um caso exemplar Margareth da Silva Pereira e Fabiana Izaga. Resumo: O caso em estudo enfoca um bairro localizado na parte Norte da cidade do Rio de Janeiro - o Engenho de Dentro - que faz parte dos seus “subúrbios”. Zona rural até meados do século XIX, o bairro se situa em uma vasta planície e está separado da fachada atlântica da Barra da Tijuca pela imponente cadeia de montanhas da Floresta da Tijuca. A história moderna do Engenho de Dentro se desenha a partir de 1854, com a implantação das primeiras ferrovias no Brasil. O bairro crescerá, assim, como os bairros do Méier e de Deodoro que lhe são próximos, em torno das estações da linha da Estrada de Ferro D. Pedro II ( após a República chamada Central do Brasil), que começa a ser construída em 1858, ligando o Rio a São Paulo. Ao longo da primeira metade do século XX o Engenho de Dentro passou a atrair uma população operária e de classe média, graças à instalação de uma escola técnica para ferroviários e de oficinas de reparação e fabricação de vagões e trens. Entretanto, a partir dos anos 1940-50, com a construção das ligações rodoviárias entre o Rio e diferentes cidades brasileiras e, mais tarde, com a criação de inúmeras ligações aéreas, a ferrovia começa um processo de obsolescência e o bairro acabou perdendo, ano a ano, sua importância. O marco na reversão, em parte, dessa situação foi a inauguração em 1986 do Norte Shopping e a reconfiguração desta parte da cidade se acelerou, particularmente, a partir 1997 com a abertura ao tráfego rápido da chamada Linha Amarela ligando a Barra da Tijuca à Avenida Brasil cortando o bairro e, por fim, com a inauguração, em 2007, do Estádio João Havelange, também chamado de Engenhão, nos terrenos já desfuncionalizados das instalações ferroviárias. O estudo de caso contempla um quadrilátero de 2km por 2km do Engenho de Dentro , ou seja, [2Km]² - balizado ao sul pelas avenidas Archias Cordeiro e Amaro Cavalcanti que margeiam a linha da estação do Engenho de Dentro, a oeste pela Linha Amarela, ao norte pela Av. D. Helder Câmara, onde está localizado o Norte Shopping e a leste por ruas secundárias que dão acesso ao Engenhão. As quatro avenidas citadas contam não só a história do bairro como revelam os atuais conflitos de lógicas urbanas, permitindo avaliar as políticas públicas no que tange tanto a garantia de mobilidade, conectividade e

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Resumo: O marco na reversão, em parte, dessa situação foi a inauguração em 1986 do Norte Shopping e a reconfiguração desta parte da cidade se acelerou, particularmente, a partir 1997 com a abertura ao tráfego rápido da chamada Linha Amarela ligando a Barra da Tijuca à Avenida Brasil cortando o bairro e, por fim, com a inauguração, em 2007, do Estádio João Havelange, também chamado de Engenhão, nos terrenos já desfuncionalizados das instalações ferroviárias. Apresentação:

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[2Km]² do ENGENHO DE DENTRO: Conectividade e legibilidade de um fragmento da Zona Norte Metropolitana - um caso exemplar

Margareth da Silva Pereira e Fabiana Izaga.

Resumo:

O caso em estudo enfoca um bairro localizado na parte Norte da cidade do Rio de Janeiro - o Engenho de Dentro - que faz parte dos seus “subúrbios”. Zona rural até meados do século XIX, o bairro se situa em uma vasta planície e está separado da fachada atlântica da Barra da Tijuca pela imponente cadeia de montanhas da Floresta da Tijuca. A história moderna do Engenho de Dentro se desenha a partir de 1854, com a implantação das primeiras ferrovias no Brasil. O bairro crescerá, assim, como os bairros do Méier e de Deodoro que lhe são próximos, em torno das estações da linha da Estrada de Ferro D. Pedro II ( após a República chamada Central do Brasil), que começa a ser construída em 1858, ligando o Rio a São Paulo. Ao longo da primeira metade do século XX o Engenho de Dentro passou a atrair uma população operária e de classe média, graças à instalação de uma escola técnica para ferroviários e de oficinas de reparação e fabricação de vagões e trens. Entretanto, a partir dos anos 1940-50, com a construção das ligações rodoviárias entre o Rio e diferentes cidades brasileiras e, mais tarde, com a criação de inúmeras ligações aéreas, a ferrovia começa um processo de obsolescência e o bairro acabou perdendo, ano a ano, sua importância.

O marco na reversão, em parte, dessa situação foi a inauguração em 1986 do Norte Shopping e a reconfiguração desta parte da cidade se acelerou, particularmente, a partir 1997 com a abertura ao tráfego rápido da chamada Linha Amarela ligando a Barra da Tijuca à Avenida Brasil cortando o bairro e, por fim, com a inauguração, em 2007, do Estádio João Havelange, também chamado de Engenhão, nos terrenos já desfuncionalizados das instalações ferroviárias.

O estudo de caso contempla um quadrilátero de 2km por 2km do Engenho de Dentro , ou seja, [2Km]² - balizado ao sul pelas avenidas Archias Cordeiro e Amaro Cavalcanti que margeiam a linha da estação do Engenho de Dentro, a oeste pela Linha Amarela, ao norte pela Av. D. Helder Câmara, onde está localizado o Norte Shopping e a leste por ruas secundárias que dão acesso ao Engenhão. As quatro avenidas citadas contam não só a história do bairro como revelam os atuais conflitos de lógicas urbanas, permitindo avaliar as políticas públicas no que tange tanto a garantia de mobilidade, conectividade e legilibilidade urbana dos habitantes do bairro e daqueles que utilizam seus equipamentos e serviços quanto em relação aos diferentes ritmos e escalas da vida da metrópole. De fato como estas questões foram pensadas em relação à esses investimentos públicos e privados de escala metropolitana? Nesse sentido o caso do Engenho de Dentro é duplamente exemplar: primeiramente, no plano do próprio bairro, pela envergadura dessas grandes obras. Em segundo lugar, por sua história, comparável a tantos outros bairros ferroviários do Rio, que continuam muitas vezes recebendo grandes investimentos público e privadas, e paradoxalmente, ainda em abandono.

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Apresentação:

O Engenho de Dentro é um dos 160 bairros do Rio de Janeiro, dos quais mais da metade se situa na Zona Norte da cidade. Esta parte do Rio, também conhecida hoje como a área “suburbana” da cidade, era formado até meados do século XIX por vastas propriedades agrícola, quando passou a ser desmembrada e parcelada a partir da implantação das 3 grandes linhas de ferro que se implantaram na planície ao Norte do Rio de Janeiro: a Central do Brasil e as antigas linhas chamadas Rio d’Ouro e Estrada de Ferro Norte ou Leopoldina Railway.

Mapa mostrando, em 1908, o território do Distrito Federal, à direita; a Baia da Guanabara ao centro, e as cidades do Rio de Janeiro e de Niterói que se posicionam face à face em cada uma de suas margens., Em cinza escuro as cadeias de montanhas e os vales ao Norte da cidade do Rio de Janeiro cortado pelas linhas férreas: à esquerda a Central do Brasil ligando o Rio à São Paulo (com o ramal a partir de Deodoro, para o Matadouro de Santa Cruz), no centro a Linha da Estrada de Ferro Rio d’Ouro e à esquerda a Leopoldina Railway.

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A área do atual bairro do Engenho de Dentro foi ocupada no período colonial por engenhos de açúcar, o que daria nome ao bairro. Situado em uma faixa de terra às margens do Rio Farinha (ou Faria) a região se conectava com a cidade pelo rio - que desaguava nas proximidades da Baia de Inhaúma e de pequenas ilhas (já aterradas e desaparecidas) - e pela estrada que, vindo da cidade propriamente dita, contornava algumas pequenas elevações e se bifurcava próxima ao atual bairro de Del Castilho em direção `a Pavuna e ao Campinho.

Entre fins do século XIX e meados do século XX, tornou-se um dos bairros industriais da cidade com a construção da Estrada de Ferro Central do Brasil, a mais antiga linha férrea de grande porte do país, inaugurada em 1858. Entretanto, a história moderna do bairro começa realmente quinze anos mais tarde, com a inauguração da estação do Engenho de Dentro em 10 de dezembro de 1873. Naquele ano, duas novas estações foram inauguradas a do Engenho de Dentro e a de Piedade. A primeira vinha estimular o adensamento dos interstícios entre as estações já abertas de Todos os Santos e Encantado, ambas inauguradas em 1868. A segunda, por sua vez, cumpria o mesmo papel entre o nascente bairro do Encantado e a antiga estação de Sapopemba (hoje Deodoro), aberta praticamente com a inauguração do primeiro trecho da linha, em 1859. Nesse ano também o Engenho de Dentro ganhava visibilidade administrativa, sendo criada a Freguesia de mesmo nome, a partir do desmembramento das freguesias ( atuais bairros) de S. Cristóvão, Inhaúma e Engenho Velho.

Do ponto de vista administrativo, o Engenho de Dentro faz parte hoje da 13a Região Administrativa (13a RA- Meier), das 33 regiões que dividem o Município do Rio de Janeiro. A 13aRA reúne 17 bairros formando o chamado Grande Meier, composto além do próprio bairro do Meier, pelos bairros da Abolição, Água Santa, Encantado, Piedade, Engenho de Dentro, Jacaré, Lins, entre outros. Por outro lado, a 13a RA ao lado de 12 outras Regiões Administrativas - Ramos, Penha, Inhaúma, Irajá, Madureira, Ilha do Governador, Anchieta, Pavuna, Jacarezinho, Complexo do Alemão, Maré e Vigário Geral - forma a Área de Planejamento 3 (AP3) – da Prefeitura do Município - a mais populosa com cerca de 2milhões e 400 mil habitantes e onde se situa também atualmente o maior conjunto de favelas da cidade – o Complexo do Alemão.

Mapa d a esquerda da AP1, parte da AP3 e alguns bairros limítrofes do Engenho de Dentro

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A titulo indicativo o Engenho de Dentro possuía em 2010 uma população de pouco mais de 45.500 habitantes distribuídos em cerca de 390 hectares e o Meier, sede da região administrativa, 49.800 habitantes em 247 hectares. Na década de 1970 o Meier e Madureira (49.500 habitantes /387hectares em 2010) eram os centros mais atrativos e dinâmicos da zona suburbana norte do Rio pela vitalidade de seu comércio. O Engenho de Dentro, com a prevalência do automobilismo, encontrava-se em decadência com suas oficinas ferroviárias a cada ano diminuindo suas atividades, a escola técnica vendo seus recursos encolherem e o parque imobiliário da Rede Ferroviária Federal (RFFSA) - à época transformada em proprietária e operadora da antiga linha Central do Brasil - em estado de abandono e ruína. Contudo esse quadro começou a mudar primeiro, lentamente, na década de 1980-90 e de modo cada vez mais claro, na última década. O Engenho de Dentro vem exibindo, assim, sinais crescentes de vitalidade. Entretanto, a pergunta que fica é: nos últimos 20 anos como esses investimentos públicos e privados se articularam entre si e como a questão da mobilidade foi pensada nessa nova escala metropolitana?

Os diferentes ritmos da reconfiguração do Engenho de Dentro (1986-2012)

Os tempos longos:

A partir de 1984 o Engenho de Dentro começou a ser objeto de projetos criados a partir de lógicas mais amplas e pouco a pouco metropolitanas que o colocaram no centro de uma teia de interesses. Um primeiro sintoma das mudanças que ainda estavam por vir foi a criação por iniciativa da Governo Federal, em 1984 do Museu do Trem, ocupando parte das antigas instalações ferroviárias, já desativadas. Com o processo de abertura econômica do Brasil nos anos 1990 e com a privatização da Rede Ferroviária Federal, a concessão para a operação das linhas urbanas da Central do Brasil foi adquirida pela empresa espanhola Supervia em 1995 e o projeto do Museu do Trem acabou caindo em uma zona de indeterminação. A área ocupada pelas oficinas somavam mais de 200 mil metros quadrados e a valorização do bairro de mesmo que o futuro dos transportes ferroviários eram tão incertos que a Supervia não só não fez investimentos na melhoria das oficinas como não se interessou pelo Museu que acabou sendo abandonado, sem conseguir revitalizar o bairro e a área em torno da estação.

Contudo, a partir de 1986, diferentes espaços industriais desfuncionalizados situados nos arredores do Engenho de Dentro - mas em terrenos relativamente bem servidos sobretudo por empresas de ônibus - passaram a atrair investimentos privados e projetos de revitalização. Este foi o caso, por exemplo, de grandes áreas fabris situadas ao longo da Avenida Suburbana - atual Av. D. Helder Câmara – importante artéria que limita ao norte o engenho de Dentro e estrutura os bairros vizinhos do Cachambi e de Del Castilho e que se situavam em alguns casos à proximidade das antigas estações da estrada de Ferro Rio d’Ouro. O primeiro deles foi o Norte Shopping, inaugurado em 1986 em terrenos da Fábrica Klabin com cerca de 215.000 m² no Cachambi.

Hoje com 245.028 m² o Norte Shopping é o segundo maior do Brasil e possuí além de estacionamento para 4.000 veículos, mais de 300 lojas, 1 centro médico, 1 teatro (Teatro

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Miguel Falabella), 1 faculdade (Estácio de Sá - Campus Norte Shop), 1 escola (Centro Educacional da Lagoa) , 2 cursos de idioma (Aliança Francesa e CCAA) 1 pista de kart indoor, 1 pista de patinação no gelo, 1 boliche e recebe mais de 2,4 milhões de pessoas por mês.

Pátio do Norte Shopping

Marcando um segundo momento desta lenta reconfiguração, dez anos mais tarde seria aberto, em 1995, o Shopping Nova América – no local de uma antiga fábrica de tecelagem que havia ido à falência com a crise econômica que vinha castigando o país desde o final dos anos 1970 e, particularmente, o Rio. Ora, estes grandes centros de compras, lazer e serviços acabaram atraindo a instalação de outras grandes áreas comerciais - como a Leroy Merlin e Walmart - e até mesmo de polos universitários - como a Universidade Estácio de Sá – alimentando a tendência de ocupação e revitalização econômica de diferentes terrenos desfuncionalizados.

De igual impacto para os bairros suburbanos ferroviários do Grande Meier e adjacências foi a abertura ao tráfego rápido da chamada Linha Amarela - ou Avenida Carlos Lacerda – em 1997. Atravessando as cadeias de montanhas a Linha Amarela é uma via expressa a pedágio, aberta pela Prefeitura da Cidade mas operada por uma empresa privada e coloca em ligação a Ilha do Fundão e , sobretudo, a Av. Brasil com a região da Barra da Tijuca. É ela que, somada a multiplicação das novas áreas de comércio e serviços, delineiam um segundo tempo nas mudanças observadas no bairro nos anos 1990.

Digressões e histórias necessárias

Na verdade, a Linha Amarela, compunha um plano urbanístico para o Rio – o “Guanabara Urban Development Plan” - apresentado 32 anos antes, em 1965, pelo urbanista grego Constantino Doxiadis e seu escritório, sob encomenda do Governador Carlos Lacerda. O Plano Doxiadis foi um plano de desenvolvimento para o novo estado da Federação - o Estado da Guanabara (1960-1975) – que teve quer ser criado, com a transferência da capital do Rio de Janeiro para a Brasília. Nascia assim, o

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Município do Rio de Janeiro como uma cidade-estado, ocupando a área do Distrito Federal onde havia sido até 1960 e por quase 200 anos, a sede administrativa do país.

Com a transferência da capital para Brasília e a mudança de estatuto do Rio de Janeiro tornava-se necessário repensar a cidade e também, como pouco a pouco se verificou, as relações do novo Estado da Guanabara com toda a região.

Vista da Linha Amarela, também chamada Av. Carlos Lacerda, vendo-se à esquerda os terrenos desfuncionalizados ferroviáriso

Neste contexto, o escritório Doxiadis e Associates com sede em Nova York havia considerado a necessidade de criar um novo centro metropolitano para o Rio, situando-o geograficamente na região da Barra da Tijuca, nas áreas ainda inocupados à oeste do Município. Na ocasião, o urbanista propôs 6 auto estradas urbanas – cada uma com um traçado identificado com uma cor – que, saindo do novo centro, deveriam cortar as áreas já consolidadas, estruturando a expansão urbana e garantindo a fluidez do tráfego. O momento era de implantação da indústria automobilística no país e, portanto, de grande aumento do consumo de automóveis e de impulso da indústria petrolífera.

Os conceitos do “Plano de Desenvolvimento para a Guanabara” de Doxiadis e sobretudo a lógica automobilística foram mantidas por Lucio Costa que, por sua vez,

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retomava a questão e a desenvolvia especificamente no que tange a urbanização da Barra. Assim, em 1969 era apresentando, seu “Plano Piloto para urbanização da baixada compreendida entre a Barra da Tijuca, Pontal de Sernambetiba e Jacarepaguá e a Expansão Urbana do Rio de Janeiro” e que , embora com modificações, passou a ser implementado a partir dos anos 1970. Quanto a implementação do sistema de auto estradas de Doxiadis é preciso, sobretudo quando se fala em mobilidade, certas digressões.

De fato, pode parecer curioso que se detenha nesses planos dos anos 1960 voltados para o desenvolvimento de um novo centro metropolitano e de uma nova frente de urbanização na Barra da Tijuca quando se fala da Zona Norte e de seus subúrbios. Entretanto, malgrado os avanços e recuos - tanto da história do Rio de Janeiro quanto técnicos - desde então, os destinos destas duas áreas da cidade vêm sendo intimamente interligados. Mas não é só: a própria centralidade do Centro histórico do Rio de Janeiro ressentiu-se tanto da falta de domínio sobretudo por parte de uma nova geração de atores técnicos ou políticos tanto um conhecimento histórico de diferentes e complexos

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processos – envolvendo da administração municipal e da política à economia -– quanto da ausência de debates públicos sobre estes modelos de desenvolvimento. É também a mudança deste quadro que a candidatura da cidade aos Jogos Olímpicos contexto passou a fomentar e exigir , aumentando a divulgação das informações sobre a história recente da cidade e de sua região metropolitana que passaram a ganhar múltiplos fóruns de discussão e maior transparência.

Ora, um dos textos mais esclarecedores sobre a situação dos transportes na região metropolitana do Rio de Janeiro realizado para a Secretaria Municipal de Transportes do Rio de Janeiro, (MacDowel: 2002 e 2011) já alertava para a necessidade de compreensão do seu processo histórico de planejamento em suas rupturas e fragilidades.

Neste sentido é necessário sublinhar não só - como já o fizemos - a nova percepção do Rio de Janeiro nos anos 1960-70, como uma cidade ou uma região “metropolitana” centrada no uso intensivo e extensivo de automóveis - o que os Planos Doxiadis e Lucio Costa já expressam e tem se mantido por parte do pensamento técnico sem muitas revisões nas suas dinâmicas históricas e contemporâneas. É preciso assinalar também o caráter transitório tanto do Estado da Guanabara quanto de outras estruturas de governança metropolitana que lhe sucederam e foram igualmente extinta, e que direta ou indiretamente buscaram pensar os transportes e a mobilidade.

De fato, em 1975 o Estado da Guanabara seria extinto, com grande peso econômico para a cidade do Rio de Janeiro, e seria anexado ao antigo Estado do Rio de Janeiro. A cidade do Rio de Janeiro torna-se a capital do novo Estado do Rio de Janeiro, mas sua nova posição exige cada vez diretrizes claras para sua expansão e ordenamento. É de notar-se que a década de 1970 até a crise do petróleo foi de grande crescimento para o Brasil e para o Rio.

Assim, no ano mesmo da fusão dos dois estados da Federação, eram aprovados pelo governador do novo Estado do Rio, Floriano Faria Lima, os Estatutos da Fundação para o Desenvolvimento da Região Metropolitana do Rio de Janeiro (FUNDREM). Mantida pelo Governo do atual Estado do Rio de Janeiro e responsável por desenvolver um conceito ainda mais amplo, mas também mais integrado de “região metropolitana” , a FUNDREM buscaria articular o Município do Rio de Janeiro com os outros municípios vizinhos que formavam a conturbação.

O papel potencialmente sistêmico e articulador das ‘redes’ de transporte se revelaram rapidamente e assim, por outro lado, era criada pelo Governo Federal a Companhia do Metropolitano do Rio de Janeiro – Metrô-Rio, empresa de economia mista com o objetivo de implantar o Sistema Metropolitano de Transportes de Massa do Rio de Janeiro. Dois anos mais tarde dois novos planos buscavam trazer respostas ao novo cenário: o Plano Urbanístico Básico do Rio (PUB-Rio) dividindo a cidade em 5 Áreas de Planejamento (como foi dito, o Engenho de Dentro está situado na AP3) e o Plano Integrado de Transporte elaborado pela Companhia do Metropolitano ( PIT-Metrô).

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Segundo MacDowel “(...) o PIT-Metrô nasceu num momento de pujança econômica, tendo por foco transformar o Metrô-RJ num elemento normatizador do Sistema de Transportes de Massa.” (MacDowell, 2002) O conceito de Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ) agora passa a ordenar as tomadas de decisão e previa-se que a partir da implantação do Metrô-Rio, prevista para 1979, ele iria se constituir numa Rede Estrutural à qual se integrariam os demais Modais de Transporte da região” Barcas, ônibus, trens, automóveis num regime de estreita colaboração, conhecido por ‘Integração Total’, deveriam se articular de forma racionalizada e em regime de competição, igualmente, total.

Formuladas em um período de exceção, durante a ditadura – e de grande centralização das tomadas de decisão pelo poder Federal, estas ideias foram pouco a pouco abandonadas no processo de abertura política após a Constituição de1998. Por sua vez a instância formuladora da política metropolitana - a FUNDREM – foi extinta pelo decreto 13.100 em 1989.

Ora torna-se evidente que devido as oscilações e tensões técnicas, mas também as desinteligências políticas tanto os planos da década de 1960 quanto aqueles dos anos 1970, como os demais que lhes seguiram, nem foram totalmente implementados nem descartados. Assim, muito fragmentos das auto estradas urbanas propostas por Doxiadis foram sendo lentamente construídas, inclusive aqueles propostos para a área Norte como a Linha Vermelha, inaugurada a entre 1992 e 1994 e a Linha Amarela que a secciona.

No que tange o Engenho de Dentro e os bairros ferroviários ao norte da Cidade, dado o paradigma de expansão urbana que os estrutura – totalmente distinto em relação àquele que deu origem e vem guiando o crescimento da Barra da Tijuca e a Zona Oeste da cidade - pode-se dizer que à impulsão que foi dada a uma acabou tendo impactos de

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diferentes graus sobre a outra. Assim, o Engenho de Dentro e a zona dos subúrbios ferroviários sofreu primeiro uma grande retração e um processo de marginalização e abandono por parte dos poderes públicos agravada ao seu máximo até os anos 1990. A partir de então, com a inauguração das Linha Amarela e sobretudo , quando o Engenho de Dentro passou a ser literalmente cruzado pelas lógicas automobilísticas e metropolitanas e ter seu cotidiano, também, conflituosamente ritmado por elas.

Mapa que mostra a Linha Amarela ligando a Barra à Ilha do Fundão, passando pelos bairros da Pechincha, Meier (Engenho de Dentro) e Bonsucesso e a Linha Vermelha servindo ao Centro e à BR 116.

Os tempos imprevisíveis dos grande eventos

O terceiro momento das mudanças que vêm transformando a paisagem do Engenho de Dentro não só foi articulado mais uma vez à expansão da Barra como à realização de grandes eventos. De fato, para a realização dos jogos pan-americanos que o Rio de Janeiro sediou em 2007, César Maia, prefeito da cidade desde 2000, realizou negociações desde 2002 no sentido de obter por parte da RFFSA (em liquidação) os terrenos das antigas oficinas em torno da estação do Engenho de Dentro além de desapropriações para aí instalar um novo estádio municipal.

Também para sediar os jogos pan-americanos foram construídos na Barra da Tijuca a maior parte dos equipamentos esportivos que eram exigidos para a realização dos eventos nos terrenos do autódromo Nelson Piquet: o complexo esportivo ‘Cidade dos Esportes’, inaugurado em 2007 e composto por um parque aquático, um velódromo e uma arena olímpica.

As inaugurações, em 2006 da nova ala de expansão do Norte Shopping e em 2007, do Estádio João Havelange – o Engenhão - nos terrenos das oficinas da antiga Rede Ferroviária viriam coroar a tendência de reconfiguração dos subúrbios cariocas em torno do Engenho de Dentro.

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Estádio João Havelange visto da Rua José dos Reis, com a estação do Engenho de Dentro à direita–Foto My zoom

Entretanto, a despeito da sucessão de lançamentos imobiliários de modo geral, que aí têm se multiplicado pelos interesses das empresas imobiliárias e visando as camadas médias e em ascensão, esse processo hoje encontra-se parcialmente colocado em suspense com a concentração, após o anúncio do Rio como sede dos Jogos Olímpicos em 2009 dos investimentos mais uma vez na Barra.

Projeto do Parque Olímpico a ser construído na Barra da Tijuca

De fato, embora estejam previstos investimentos na Zona Norte, onde seria situado em Deodoro um parque para Esportes Radicais, a Zona Oeste - que já é a que mais vem recebendo o maior número de lançamentos imobiliários na cidade – é também a que receberá a maior parte dos investimentos públicos e privados em torno dos Jogos Olímpicos, uma vez que acolherá a maior parte das atividades em 2016.

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Assinale-se que nela residem menos que 10% dos habitantes da cidade mas e aí que vêm se concentrando as atenções do mercado imobiliário e das empresas de construção civil desde a década de 1970-80. Mais recentemente, somaram-se também os interesses das empresas de ônibus e vans,o que, como vimos, causou a obsolescência do sistema de trens urbanos metropolitanos da Zona Norte. Por fim, esta nova frente de dispersão urbana passou também a acolher os projetos dos corredores de ônibus das 3 linhas de BRTs das quais duas - a Transcarioca e a Transolímpica – passarão a cortar, tal como a Linha Amarela, ainda outros bairros suburbanos com impactos em sua reconfiguração, que ainda não foram discutidos com isenção e sobre seus efeitos a longo termo, para além de 2016.

As lutas de diferentes atores sociais - vereadores de diferentes partidos, órgãos e associações profissionais, professores e pesquisadores - alertando sobre as assimetrias que os grandes investimentos naquela área trariam para o Centro histórico e para a Zona Norte metropolitana – ainda com grandes terrenos desfuncionalizados e vazios urbanos capazes de receber as novas construções e programas, além do seu passivo em investimentos por parte do poder público, não sensibilizaram o COI e o COB e mobilizar ainda mais as instâncias de governo federal, estadual e municipal, envolvidas com o evento. É certo que justamente os projetos do Porto Maravilha e do Porto Olímpico, visam neutralizar em parte aqueles efeitos, mas como viabilizar recursos para obras tão vultosas e porque não foram os investimentos dirigidos onde seus efeitos sociais de longo termos seriam sentidos de imediato?

Projeto para o Porto Olímpico.

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O Engenho de Dentro visto por dentro: Mobilidade e lisibilidade urbana em um bairro de múltiplas escalas e ritmos

As mudanças topográficas

Como vimos o nome do bairro se refere às primeiras atividades econômicas globalizadas do Rio de Janeiro, ainda, no século XVII: o cultivo e o fabrico da cana de açúcar. De fato, os engenhos, geralmente se situavam às margem de cursos d’água para poder se servir dos recurso hídricos como força motriz de suas rodas d’agua ou moinhos para moer a cana. No caso do Engenho de Dentro este se situava “dentro das terras” em relação a outros situados mais próximos da Baía da Guanabara, às proximidades de pelos menos 3 pequenos rios – o Faria ( ou Farinha) - o mais importante deles - além do Timbó e o dos Frangos. É provável que o Rio Faria também fosse usado para o transporte uma vez que a Baia de Guanabara foi durante mais de três séculos cortada pelo movimentos de barcas transportando indivíduos ou cargas.

No século XVIII os antigos engenhos de produção de açúcar da região foram sendo desmembrados em fazendas. Também desapareceriam partes inteiras dos seus rios – hoje canalizados e poluídos – e com eles também o sistema de transporte e circulação hidroviário que garantia o escoamento da produção e o abastecimento de engenhos, casa de farinha e fazendas.

As ferrovias viriam se sobrepor a este ritmos lentos e a esse tempo quase imóvel e silencioso estimulando o movimento, a circulação, a troca e, sobretudo, a retomada da ocupação da área no século XIX. Buscando caminho entre estreitas faixa de planície entre os maciços da Carioca, do Gericinó e da Pedra Branca a Estrada de Ferro D.Pedro II buscava alcançar os plateaux de São Paulo e as áreas do interior de Minas Gerais, agora transportando o café para o Rio e daí para os portos europeus e redistribuindo, em sentido inverso, manufaturas importadas e imigrantes para atender uma novo período de expansão do Brasil, agora na segunda metade do século XIX.

Na micro escala, data de 1871 a ocupação dos terrenos situados entre os rios Faria, Timbó e Frangos quando começaram as obras de construção de um grande Complexo Ferroviário da então Estrada de Ferro D. Pedro II e os trens começaram a parar no trecho. O conjunto de instalações industriais ocupava mais de 150 mil metros quadrados e era composto por edifícios que atendiam a infraestrutura da própria expansão da rede ferroviária - oficinas, prédio para escritórios, residências para funcionários, hotel para visitantes e uma escola – foi considerado um dos mais importantes da América Latina no período.. Por outro lado, os rios passavam agora simplesmente a balizar os primeiros limites do bairro do Engenho de Dentro e da zona da estação.

A expansão dos transportes ferroviários em direção à Minas Gerais e São Paulo) foi o principal vetor de expansão da cidade em direção à sua Zona Norte . Em 1924, cinquenta anos após sua inauguração, a estação original do Engenho de Dentro foi demolida para ampliação e em 1937 é novamente modernizada como parte do projeto de eletrificação das linhas férreas, sendo considerada como uma das mais importantes

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do sistema de trens dos subúrbios. Este fator alavancou o processo de subdivisão das fazendas, conformando um significativo aglomerado urbano. A estação existente até os dias de hoje se constitui em uma referência para o bairro, e comparativamente às outras estações da linha por sua cobertura em estrutura de ferro em arco apoiado em treliças, vencendo um vão de 50metros de largura e com 6 metros de altura.

Quando se observa antigas cartas, é nítido o processo de construção de grandes aterros na área provavelmente desde o século XIX . Ao lado do “apagamento”dos rios, desapareceu completamente com sucessivos aterros a baía de Ihaúma e hoje o que restou destes pequenos cursos d’água parecem distantes da Baia de Guanabara, da qual estiveram tão próximos, formando o sistema de comunicação e circulação até então com seus barcos repletos de açúcar, de ostras, pescados, cal, tijolos e mantimentos.

A urbanização da Zona Norte da cidade nos anos 1930 já era um fato. Organizada de início a partir de núcleos isolados, próximos às paradas e estações dos trens, com a difusão dos automóveis e serviços de ônibus no período entre- guerras e com o loteamento dos terrenos rurais - foi se adensando rapidamente, dando origem a uma extensa zona suburbana. Este crescimento não obedeceu a nenhum plano de conjunto, tendo-se realizado pela soma de inúmeros loteamentos particulares a partir do desmembramento de fazendas, sítios e chácaras. As ruas da zona norte foram sendo criadas sem planejamento entre áreas agrícolas, e posteriormente industriais.

Dessa forma, nem sempre existe hoje continuidade entre as vias e as conexões internas não são favorecidas, o que é reforçado pela presença da linha férrea que tornou-se, assim, uma espécie de grande barreira que corta um a um os bairros que atravessa dividindo-os em duas partes com características, com frequência, diferentes de um lado e outro. No Engenho de Dentro não é diferente mas a própria importância que a estação teve no passado e sua dimensões ainda hoje, permitindo além de servir à linha Central do Brasil- Deodoro a conexão para dois outros ramais ferroviários – os de Santa Cruz e Japeri - amplia esse efeito.

Mais recentemente o traçado da Linha Amarela se superpôs, por sua vez, à malha urbana existente. A conectividade das alças de ligação entre a Linha Amarela e o bairro não foi objeto de atenção e muito menos de desenho e exibe total falta de aderência às ruas do bairro. Entretanto, assim como ocorreu com a linha do trem é a Linha Amarela que vem sendo responsável por novamente impulsionar o crescimento dos bairros que ela toca e, particularmente o Engenho de Dentro.

Como se vê as questões já de desenho urbano interferem nas formas de circulação e mobilidade do Engenho de Dentro o que não é diferente e provavelmente irá se repetir com os traçados dos BRTs em outros bairros da área. Some-se a isso o fato de que, com o encurtamento das distâncias em relação ao centro e aos demais bairros periféricos viabilizado pelas vias expressas, a área vem sendo objeto de intensa renovação urbana pelo mercado imobiliário, como já mencionado. Surgem assim condomínios fechados com edifícios altos e isolados em centro de terreno, contrastando com as temporalidades

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mais antigas do bairro, formadas por residências unifamiliares, algumas vilas modestas e edifícios baixos,.

Foi entre vias novas e antigas que passaram a surgir também os grandes equipamentos e as grande áreas comerciais no bairro. De dimensões significativas, eles também contrastam com as edificações baixas e as vias locais, mas são importantes atrativos e novos ícones para a região como o estádio de futebol João Havelange, o “Engenhão”, e o Norte Shopping e o futuro do bairro está bastante ligado à atratividade destes equipamentos.

Com a aproximação da Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016 um novo vetor de expansão imobiliária já se estabelece, uma vez que no estádio se realizarão muitas atividades. O reposicionamento do bairro nessa equação e no interior do diagrama da Zona Norte Metropolitana parece exigir uma nova reflexão sobre o potencial da área, suas infraestruturas e um programa de investimentos – financeiros e afetivos - que saibam associar as qualidades de vizinhança do bairro, o bom desenho das ruas e das faixas de preservação ambiental e ainda a eficiência no projeto e gerenciamento de grandes fluxos urbanos. Pelo menos estas parecem ser exigências desejáveis tanto para o bom funcionamento dos grandes eventos quanto para o dia a dia dos seus antigos e novos moradores.

[2Km]²

O trecho escolhido para observação neste estudo é o core do bairro e abrange um recorte de 2km por 2Km onde estão inscritas a acomodação e memórias antigas e recentes mas também conflitos morfológicos, tipológicos e de formas de sociabilidade. Além da Via Férrea e da Estação Engenho de Dentro delimitam este core as quatro vias que estruturam o bairro – Avenidas Archias Cordeiro e Amaro Cavalcanti, a Linha Amarela e a Avenida D. Helder Câmara (antiga Avenida Suburbana).

Ao Sul dos [2Km]² correm paralelas à linha férrea duas das vias mais importantes da área e que são, ainda hoje, uma prova da competitividade que no passado, os automóveis, passaram a fazer aos serviços de trens suburbanos. São elas as ruas Archias (hoje grafada Arquias) Cordeiro, já existente desde os primórdios da ocupação do bairro do Engenho de Dentro e por onde corria o bonde da Light Praça XV- Engenho de Dentro e a Avenida Amaro Cavalcanti aberta mais tarde em 1918, e que recebeu o nome do então Prefeito da cidade.

Antes da abertura dessas vias, as linhas férreas estavam mais presentes na paisagem do bairro. A construção dos muros ao longo das vias férreas foi um marco do crescimento progressivo do bairro e com eles a separação dos seus dois lados começou a ser acentuada, sobretudo após a modernização da estação em 1937.

A Rua Arquias Cordeiro, tem aproximadamente 3km de extensão, dos quais 1,10 Km estão dentro dos 2KM2. É servida por 14 linhas de ônibus que trafegam no sentido zona norte-centro. Possui três faixas de rolamento, calçadas estreitas em ambos os lados,

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chegando a não possuir calçadas em alguns momentos. É uma via com uso principalmente residencial unifamiliar.

A Avenida Amaro Cavalcanti, no lado sul da via férrea, é um importante eixo da cidade que atravessa parte dos bairros suburbanos de Todos os Santos, Engenho de Dentro e Méier. Desde o bairro do Méier (ao sul do Engenho de Dentro), após a rua Dias da Cruz, até o encontro com a Linha Amarela possui 3km de extensão até mudar de nome. Destes 2,5 Km estão inscritos dentro dos 2KM2.

Em direção a Todos os Santos a Avenida Amaro Cavalcanti torna-se mais estreita e com apenas um sentido e três faixas. Suas calçadas são muito estreitas e provavelmente foram diminuídas para aumentar a caixa de rua. A paisagem da Avenida Amaro Cavalcanti é marcada por longas extensões dos muros da linha férrea por um lado, e por outro, por residências e alguns comércios.

Pode-se dizer que a Avenida Amaro Cavalcanti e a Rua Arquias Cordeiro são fragmentos dos eixos rodoviários que se desenvolvem em paralelo ao ramal de Queimados da Estrada de Ferro Central do Brasil.

A Avenida Dom Helder Câmara, antiga Avenida Suburbana e como ainda é popularmente chamada, é o principal eixo viário da Zona Norte. Seu surgimento remonta ao Caminho Imperial, que conectava o Município da Corte à Sepetiba. A via tem 11Km de extensão, sendo que 1,78 Km se encontram dentro do recorte dos [2km]². Conecta os bairros de Benfica (à norte do Engenho de Dentro) à Cascadura (à oeste do Engenho de Dentro), passando pelo Jacarezinho, Maria da Graça, Pilares,  Abolição, Piedade  e  Quintino Bocaiúva. O uso da avenida é predominantemente comercial, com alguns comércios de grande porte. Registra-se também um inicio de um processo de verticalização nos recentes condomínios residenciais construídos nessa rua. Nela, dentro da área estudada, estão o Norte Shopping (com 245.028 m², maior centro comercial do rio de janeiro e 2º maior no ranking dos centros comerciais no Brasil) e o Info Norte (shopping center de informática).

Devido ao processo de loteamento da área muitas vias transversais à Avenida D. Helder Câmara não possuem continuidade e o traçado em diagonal de algumas delas retrata a longa herança das iniciativas individuais na formação do arruamento que, assim, não segue em suas imediações qualquer plano de conjunto.

A última via estudada é a Linha Amarela. Visando conectar a Cidade de Deus à Ilha do Fundão sem ter que passar pela Zona Sul, é uma via expressa estruturadora da circulação da cidade. Possui 25km de extensão, na maior parte elevada sob os bairros, sem criar qualquer aderência com os seus traçados urbanos antigos. 2Km da Linha Amarela cortam os 2KM2 em estudo no Engenho de Dentro e as alças de conexão com o bairro ignoraram completamente as lógicas locais de mobilidade e de tráfego.

Neste recorte temos uma amostra de diferentes camadas de temporalidades e modos de vida dos antigos subúrbios do Rio de Janeiro interagindo com os dois equipamentos de

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dimensões metropolitanas aí instalados - o Engenhão e o Norte Shopping.que se encontram nesse perímetro.

Os diferentes eixos de expansão ou conexão não dialogam entre si e tampouco com as pequenas vias locais. Se os grandes equipamentos e áreas comerciais trouxeram vitalidade a área, o grande fluxo de torcedores em dias de jogos de futebol ou shows de música (o estádio tem capacidade para 45.000 pessoas e será expandido para 60.000 em 2014 e até 80.000 em 2016) contrasta com a vida suburbana de vizinhança próxima. É certo que o Engenhão também aumentou as receitas dos moradores do bairro que em dias de jogos passam a vender refrigerantes e sanduíches nas portas de suas casas e até mesmo a alugar os pequenos jardins para terceiros para que sejam desenvolvidas estas atividades. Entretanto estes ritmos são oscilantes.

De fato, os jogos se realizam 2 ou 3 vezes por semana e é quando as ruas locais, tranquilas durante a maior parte do tempo, se enchem de milhares de torcedores e participam, sem serem inclusive consultadas, não só do ir e vir das torcidas organizadas mas também de suas disputas e pequenas guerras conforme o placar. Como mover esta massa de indivíduos mas também o que fazer com os veículos dos próprios torcedores que invadem estas ruas estreitas? E como usar a rua? Deixá-la para os torcedores mas o que fazer com os veículos dos habitantes locais ? Nos domingos, por exemplo, por ocasião de jogos, os moradores das áreas próximas do estádio não podem sequer estacionar seus próprios carros à frente de suas casas como fazem de hábito. Como acomodar estes ritmos urbanos e garantir a mobilidade das massa de torcedores e um modo de vida residencial que parece ter seus dias contados?

Esta população flutuante também não consegue ler nem a história, nem as formas de sociabilidade lentas do Engenho de Dentro. Os próprios meios de transporte não auxiliam na compreensão e valorização das características da área nem no acesso aos grandes equipamentos urbanos. É comum do ponto de vista destes grandes fluxos oscilantes de usuários do bairro que torcedores se utilizem dos trens da Supervia para vir aos jogos e se dispersem em taxis até o centro ao final. Os que vem em seus automóveis se utilizam do estacionamento do Norte Shopping e caminham bandos até o estádio ou desenvolveram novas formas de sociabilidade com os moradores e, assim, ocupam as áreas de antigos quintais das casas, tornadas estacionamentos não oficiais a preço negociável.

Serviços de transporte coletivos

A linha férrea que corta o Engenho de Dentro vai desde a Central do Brasil (centro do Rio de Janeiro), até o bairro de Marechal Hermes, na Zona Norte Metropolitana possui aproximadamente 22Km. O trecho desta linha que está dentro da área de estudo, percorre 2,13 Km.

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O trem continua a ser um modo de transporte importante nesta área. Contudo, abandonado em benefício da lógica automobilística, os serviços de transporte ferroviários das linhas que passam pelo Engenho de Dentro, como se mencionou, desde 1998 passaram a ser explorados pela concessionária espanhola Supervia. Estes serviços encontram-se hoje em péssimas condições e não oferecem regularidade, segurança ou comodidade aos seus usuários. Sintoma, entretanto, das potencialidades mas também das interrogações que pairam sobre o transporte sobre trilhos em relação aos investimentos que vêm recebendo os BRTs, o controle acionário da empresa mudou de mãos e passou a ser controlado em 2010, pela Odebrecht TransPort, empresa da Organização Odebrecht com foco em mobilidade urbana, concessões rodoviárias, sistemas integrados de logística e aeroportos.

Em contrapartida, a área estudada é hoje bastante irrigada por linhas de ônibus e é a que melhor se conecta com o centro por este modo de transporte. Das 698 linhas de ônibus que cruzam a cidade 53 linhas passam pelas vias estudadas do Engenho de Dentro o que significa dizer:

Linhas de ônibus Total Trafegam na Zona Norte

Trafegam no [2Km]²

Trafegam no [2Km]² (%)

MunicipaisInternorte 224 224 29 12,94Intersul 126 48 2 4,16Transcarioca 148 62 15 24,19Santa-Cruz 200 39 4 10,25

Dentro do recorte de estudo, a Avenida Dom Helder Câmara é servida por 19 linhas de ônibus que trafegam em dois sentidos com três faixas em cada um deles. Pela avenida Amaro Cavalcanti trafegam ônibus de 20 linhas urbanas e a via possuí dois sentidos de trânsito e duas faixas em cada sentido no trecho Meier-Estação do Engenho de Dentro. Se os números de linhas surpreendem positivamente, os serviços não correspondem às expectativas: sobrecargas de trajetos, veículos vetustos, obsoletos, desconfortáveis para o uso de pessoas com mobilidade reduzida, poluentes, barulhentos, pouco amigáveis.

De todos os modos tendo em vista os fluxos internos e externos é possível se interrogar sobre a legibilidade deste fragmento de cidade e da garantia de circulação e mobilidade de seus conectores: trens, ônibus, vans, táxis, bicicletas ( os barcos que outrora deram nascimento à ocupação econômica do lugar já não podendo aqui serem integrados aos diferentes modos, ritmos e formas de deslocamentos).

Consta-se a falta de um plano de mobilidade para a área, refletida no descuido com a escala local, isto é, com a vida citadina na escala cotidiana e com o abandono de investimentos formal, estético ou afetivo inclusive do ponto de vista do desenho urbano - da acessibilidade ao desenho das vias do bairro.

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Em tempos de expectativas para os habitantes do Engenho de Dentro e da cidade, uma pergunta que fica é como potencializar essas infraestruturas existentes e melhorar as suas aderências e conexões no bairro? Do ponto de vista dos grandes fluxos que atravessam o bairro como garantir que eficazmente os diversos ritmos e modos de circulação e deslocamento se articulem e possibilitem um verdadeiro sistema de mobilidade metropolitana respeitoso da escala cotidiana local? Saberão as autoridades competentes criar as respostas adequadas para a Zona Norte Metropolitana passados os acertos, desacertos e distorções das grandes projetos de 2016 que já estão em curso? Fica de todo modo o paradoxo; porque o Engenho de Dentro que vêm recebendo tantos investimentos públicos e privados parece continuar no abandono?