2. VENTILAÇÃO E COMPORTAMENTO TÉRMICO DA...

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26 2. VENTILAÇÃO E COMPORTAMENTO TÉRMICO DA EDIFICAÇÃO Neste capítulo são apresentados os problemas relacionados à ventilação natural de um prédio, como proceder ao cálculo das vazões e da qualidade do ar dentro dos cômodos, como avaliar o conforto térmico dos usuários e finalmente, os aspectos específicos do acoplamento da ventilação natural ao problema térmico. É apresentado um código computacional para predição da ventilação natural em prédios de múltiplos pavimentos e a abordagem utilizada para acoplar o código computacional a um sistema de simulação térmica comercial (TRNSYS). 2.1 – A Ventilação do Espaço Construído Por que ventilar uma edificação? Duas razões se apresentam como as principais respostas a essa questão. Inicialmente, ventila-se um ambiente para se obter condições de conforto, seja em termos de redução de odores e de concentração de poluentes, seja em termos de melhoria do conforto térmico. Em seguida, existe a razão relacionada à saúde dos ocupantes, para permitir tanto uma diluição de poluentes patogênicos presentes no ar quanto para o provimento de ar fresco dentro dos cômodos. Uma melhor qualidade do ar interno pode ser alcançada, então, com o aumento da vazão de ar, obtendo-se os seguintes efeitos: redução da concentração de poluentes no ar interior; melhoria a percepção do Índice de Qualidade do Ar; redução da reclamação quanto a odores; redução da reclamação quanto a problemas relacionados à Síndrome do Edifício Doente; A ventilação possui ainda um papel fundamental na carga térmica recebida pelo prédio. O ar que penetra o ambiente pode aumentar ou diminuir a temperatura

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2. VENTILAÇÃO E COMPORTAMENTO TÉRMICO DA EDIFICAÇÃO

Neste capítulo são apresentados os problemas relacionados à ventilação

natural de um prédio, como proceder ao cálculo das vazões e da qualidade do ar

dentro dos cômodos, como avaliar o conforto térmico dos usuários e finalmente, os

aspectos específicos do acoplamento da ventilação natural ao problema térmico. É

apresentado um código computacional para predição da ventilação natural em

prédios de múltiplos pavimentos e a abordagem utilizada para acoplar o código

computacional a um sistema de simulação térmica comercial (TRNSYS).

2.1 – A Ventilação do Espaço Construído

Por que ventilar uma edificação? Duas razões se apresentam como as

principais respostas a essa questão. Inicialmente, ventila-se um ambiente para se

obter condições de conforto, seja em termos de redução de odores e de

concentração de poluentes, seja em termos de melhoria do conforto térmico. Em

seguida, existe a razão relacionada à saúde dos ocupantes, para permitir tanto uma

diluição de poluentes patogênicos presentes no ar quanto para o provimento de ar

fresco dentro dos cômodos. Uma melhor qualidade do ar interno pode ser

alcançada, então, com o aumento da vazão de ar, obtendo-se os seguintes efeitos:

• redução da concentração de poluentes no ar interior;

• melhoria a percepção do Índice de Qualidade do Ar;

• redução da reclamação quanto a odores;

• redução da reclamação quanto a problemas relacionados à Síndrome do Edifício

Doente;

A ventilação possui ainda um papel fundamental na carga térmica recebida

pelo prédio. O ar que penetra o ambiente pode aumentar ou diminuir a temperatura

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interior, dependendo das condições ambientais exteriores. Portanto, é preciso

conhecer as vazões de ar que entram e saem nos diversos ambientes do prédio. No

caso de um projeto, calculá-las previamente.

O enfoque tradicional para se calcular os escoamentos internos resultantes da

ação dos ventos sobre o prédio, consiste em modelar uma edificação como uma

rede de escoamentos de ar constituída por nós. Segundo esse modelo, cada nó

representa ou uma zona interior do edifício (nó interior), ou uma condição

ambiental externa correspondente a uma abertura na fachada (nó exterior). Um nó

interior é caracterizado pela temperatura e a pressão dentro da zona correspondente.

Um nó exterior, por sua vez, é caracterizado não só pela temperatura e pressão nas

imediações das janelas, mas também pelo coeficiente local de pressão, resultado da

distribuição de pressões dinâmicas dos ventos incidentes nas superfícies das

fachadas. Finalmente, as ligações entre dois nós interiores (passagens de ar entre

duas zonas adjacentes) ou entre um nó exterior e um nó interior (aberturas nas

fachadas) são modeladas como condutâncias não-lineares, caracterizadas pelo tipo

de escoamento. Como exemplo, a figura 2.1 mostra uma planta baixa de um

pavimento de um pequeno prédio de escritórios e a rede de escoamentos

correspondente.

Figura 2.1 – Exemplo de projeto e rede de escoamentos correspondente.

Fonte: Autor

A modelagem baseada nesses princípios apoia-se nas seguintes hipóteses:

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1. O edifício simulado é considerado como constituído de vários ambientes de

superfície horizontal retangular e volume prismático, unidos entre si por

aberturas de seções também retangulares;

2. Os escoamentos de ar entre as diversas zonas (ambientes) e com o exterior são

considerados em regime permanente com o tempo, para cada passo de tempo da

simulação;

3. As temperaturas e pressões são consideradas uniformes para todo o volume

interior numa dada zona (ambiente);

A solução para o cálculo dos escoamentos na rede é determinada através de

um processo iterativo da equação do balanço dos fluxos de massa de cada zona:

∑=

=j

imQ

10 onde [2-1]

Qm é a vazão mássica de ar através da i’ésima abertura (em kg/s) dada por:

Qmi = ρ Ci (Pi-Pint)ni se Pi > Pint ou [2-2]

Qmi = -ρ Ci (Pint-Pi)ni se Pi < Pint onde [2-3]

j é o número total de aberturas da zona e ρ a densidade do ar. Cis são os coeficientes

de descarga para cada abertura e são calculados independentemente conforme as

aberturas estiverem sendo consideradas como abertas ou fechadas

(FLOURENTZOU, 1998). As pressões externas induzidas pela ação dos ventos

incidentes é calculada utilizando-se a pressão dinâmica, dada por:

Pw = 0,5 ρ Cp Vh2 [2-4]

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onde Cp é o coeficiente local de pressão e Vh a velocidade do vento especificada à

altura do topo do prédio.

O valor de Cp é obtido através de diagramas (ASHRAE, 1997) resultantes de

testes de modelos em túnel de vento. Os diagramas apresentam dados de pressão

para ventos incidindo nas fachadas em todas as direções com um passo de 15 graus,

para o caso de edificação isolada no terreno. Utilizando-se estes diagramas com os

dados de direção de ventos provenientes de informações da meteorologia para o

sítio em estudo, pode-se determinar as distribuições das pressões sobre as fachadas

da edificação em questão.

Como na prática o prédio geralmente não se encontra isolado no terreno,

mas inserido num contexto urbano de maior densidade, pode-se obter uma correção

dos coeficientes locais de pressão através da utilização de um coeficiente β, redutor

destes Cps devido à presença de prédios adjacentes à edificação simulada, calculado

pela fórmula (ROUSSEAU et al, 1996):

β = 1 / e0.05D [2-5]

onde “D” é a porcentagem da superfície da área circundante à edificação ocupada

por edifícios.

Deve ser levado em conta ainda, nos cálculos da ventilação natural, o efeito

da tiragem natural por efeito termo-sifão, devido às diferenças de pressões

resultantes de gradientes térmicos existentes entre janelas posicionadas em alturas

desiguais, sendo dada por:

Pts = -ρo g 273(h2 – h1)[int

11TText

− ] onde [2-6]

• ρo é a massa específica do ar a 273 K (=1,29 kg/m3);

• g é aceleração da gravidade (=9,81 m/s2);

• Text é a temperatura do ar exterior e Tint é a temperatura do ar interior (K);

• h1 é a altura da abertura 1 e h2 é a altura da abertura 2, em metros;

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A velocidade do vento Vh no topo do edifício é calculada considerando uma

velocidade de vento conhecida através de medição em uma altura de referência de

10 metros, valor este proveniente de informações da meteorologia para o local, e

utilizando um perfil vertical de velocidades exponencial dado por (LIDDAMENT,

1986):

Vh = Vref K (h)α [2-7]

onde o expoente α e o K dependem do tipo de ambiente e terreno:

α = 0.17 e K= 0.68 para áreas de campo aberto α = 0.20 e K= 0.52 para áreas de campo com obstáculos espaçados α = 0.25 e K= 0.35 para áreas urbanas α = 0.33 e K= 0.21 para áreas de centro urbano

De posse de todos estes parâmetros, a solução final para uma simulação dos

escoamentos em um edifício de múltiplas zonas é a resolução simultânea do sistema

de equações não-lineares resultante dos balanços de todas as zonas, em que as

incógnitas são os valores das pressões internas Pint. Com estas pressões, é possível

calcular as vazões para todas as aberturas e todas as zonas, o sentido do escoamento

e a taxa de renovação de ar para todas as zonas.

Uma grande dificuldade no cálculo da ventilação interior é a obtenção da

velocidade do ar dentro dos cômodos devido ao vento incidente nas fachadas e

penetrando pelas janelas, em condições de ventilação natural. Ernest (1991) obteu

uma correlação entre a velocidade do vento exterior e interior (Cv, COEFICIENTE DE

VELOCIDADE) que avalia o valor de Cv segundo o ângulo de incidência e a diferença

de pressão entre a entrada e a saída de ar. O Cv é definido como:

Cv = Vi / Ve [2-8]

onde Vi é a velocidade do ar no interior da efificação e Ve a velocidade do ar exterior

à edificação na altura das janelas. Por sua vez, a correlação de Ernest é dada por:

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Cv = (0.0203 ∆Cp + 0,0296Cpi cosφ - 0.0651Cpo cosφ - 0.0178cosφ + 0.0054)½ [2-9]

onde Cpi é o coeficiente local de pressão na entrada de ar, Cpo o coeficiente local

de pressão na saída de ar, e φ o ângulo de incidência do vento na fachada, em

relação à normal.

Kindangen (1997) também realizou estudos dos campos de velocidades

interiores, tentado obter valores para os Cv para diversas configurações de ângulos

de incidência e proporção tamanho da janela-tamanho da parede. Para isso, utilizou

técnicas de CFD (computational fluid dynamics), obtendo os resultados mostrados no

gráfico 2.1.

Gráfico 2.1 – Correlação entre Cv e ângulo de incidência do vento

Fonte: KINDANGEN (1997)

Baseando-se no trabalho de Kindangen (1997), é possível estabelecer regras

de tendência para predição simplificada dos coeficientes de velocidade do ar no

interior da edificação. Considerando um comportamento linear entre os dados

disponíveis (incidência de vento a 0, 30, 45, 60 e 90o), e estabelecendo uma

correlação entre o valor máximo do Cv (que ocorre para incidência de vento a 30o) e

a porosidade da fachada, contrói-se seqüências de valores que podem ser facilmente

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implementadas num código computacional para cálculo dos coeficientes de

velocidade. O aspecto dessas seqüências pode ser visto no gráfico 2.2. Obtêm-se os

Cv para valores de ângulos de incidência de vento intermediários, interpolando-se

linearmente entre os dois valores mais próximos para cada curva correspondente à

porosidade.

Coeficientes de Velocidade em relação à Incidência do Vento

0

0.1

0.2

0.3

0.4

0.5

0.6

0.7

0.8

0.9

1

0 30 45 60 90

Incidência do Vento em relação à fachada (em graus)

Cv

Porosidade = 0.2Porosidade = 0.3Porosidade = 0.4Porosidade = 0.5Porosidade = 0.6Porosidade = 0.7Porosidade = 0.8Porosidade = 0.9

Gráfico 2.2 – Correlação Cv e ângulo de incidência do vento (valores adotados)

2.2 – Avaliação da Qualidade do Ar Interior

A qualidade de ar no interior de edificações não industriais é obtida

considerando o número de pessoas nos ambientes, o tipo de atividade, o número de

renovações de ar por hora e o tipo de ambiente. Para os ambientes de escritórios,

pode-se considerar a qualidade do ar interior através de um índice de qualidade

olfativa, como o modelo de Fanger (1988). Nesse modelo, é contornado o problema

da identificação das espécies químicas odorantes e a interpretação de suas

concentrações (BASTOS, 2001). A unidade que quantifica a intensidade de uma

fonte de poluição olfativa é o OLF, que representa a poluição produzida por um

indivíduo adulto, com uma taxa de metabolismo de 1,2 met (58,2 W/m2), em um

ambiente não industrial, realizando uma atividade sedentária e sob condições de

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higiene e conforto. Por sua vez, a unidade que traduz a percepção do odor por um

usuário da edificação é o DECIPOL, que representa a qualidade do ar percebida num

ambiente confinado ventilado pela vazão de 10 litros por segundo e com uma carga

poluente de 1 olf.

Para outras emissões individuais de poluentes (outros indivíduos diferentes

do adulto médio considerado por Fanger), pode-se considerar as emissões

mostradas na tabela 2.1. A esses valores, é adicionada uma emissão de 0,4 olfs/m2

de superfície de sala (VIRGONE, 2002), caso o ambiente seja de escritórios. Caso

haja fluxos de ar provenientes de outras zonas, é acrescentado uma carga de

poluição correspondente à este fluxo de ar que entra na sala. A qualidade do ar

relacionada com a poluição percebida no ambiente é obtida, então, considerando a

quantidade de ar entrando no ambiente.

Tabela 2.1 - Emissão de poluentes por uma pessoa em relação à atividade

Fonte: Autor

ATIVIDADE NÃO FUMANTE FUMANTE Descansando 1 olf 1 olf

Sentado 1 olf 5 olf Trabalhando em escritórios 1 olf 15 olf

Trabalhando pesado/Ginástica 30 olf 30 olf

Supondo-se por exemplo uma sala de escritório com superfície de piso de 40

m2 e contendo em seu interior 4 pessoas, sendo 2 fumantes, e submetendo-a a uma

ventilação (ar vindo do exterior) de 20 litros/s, calcula-se a percepção do odor pelos

usuários como:

QAI = (40 m2 x 0,4 olf/m2 + 2 x 1 olf + 2 x 15 olf) ÷ 20/10 litros/s = 24 decipol

A qualidade de ar percebida pode ser expressa ainda pela percentagem de

pessoas insatisfeitas (PPI), que é calculada pela relação:

PPI = EXP(5.98-(112/QAI)0.25) [2-10]

Para o exemplo anterior, por exemplo, o PPI calculado seria de:

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PPI = EXP(5.98-(112/2.4)0.25) = 28.97 % de pessoas insatisfeitas.

2.3 – Avaliação do Conforto Higrotérmico

Existem três maneiras de se determinar índices ambientais: diretamente,

racionalmente e empiricamente (KINDANGEN, 1997). O método direto é baseado

na tomada de medidas por um dispositivo capaz de responder diretamente às

condições do ambiente, como por exemplo, termômetros e termografia de

infravermelho. O método racional baseia-se em modelos matemáticos que

respondam da mesma maneira que o corpo humano ao seu ambiente térmico,

levando em conta as trocas térmicas e a termoregulação. Por fim, os métodos

empíricos geram índices a partir de respostas fornecidas por indivíduos submetidos

a condições de ambientes termicamente controlados. Possuem estes, pois, um

caráter estatístico.

O método empírico foi o utilizado por Fanger (1970) ao propor índices de

conforto higrotérmico. Sua abordagem foi considerar que a sensação de conforto do

indivíduo é resultado de uma percepção da temperatura da pele, e não da

temperatura do ar ambiente. Segundo esse pesquisador, existem três exigências a

serem satisfeitas para se poder atingir o conforto térmico em regime permanente:

primeira, a perda de calor do corpo deve se igualar à sua produção de calor

(metabolismo) mais os ganhos do ambiente, o que pressupõe um equilíbrio térmico

entre o corpo e o ambiente; segunda, a sensação térmica está diretamente

relacionada à temperatura da pele e, portanto, esta temperatura é importante na

avaliação do conforto; e terceira, o nível de sudação tem de estar dentro de certos

valores ideais. Caso estas três exigências não sejam satisfeitas, o corpo estará sob

tensão fisiológica, provocando uma reação do organismo que tem por objetivo

recuperar o equilíbrio térmico. As reações do corpo podem se dar modificando o

nível de temperatura da pele e/ou através do aumento da sudação.

Considerando essas premissas, Fanger adotou índices de sensação térmica

relacionados aos diversos níveis de tensão fisiológica, segundo uma escala psico-

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física variando de –3 (muito frio) a +3 (muito quente). Seu índice PMV (Predicted

Mean Vote), significa como o próprio nome diz, o voto médio previsível de um

grupo de pessoas submetidas a um ambiente térmico conhecido, segundo a escala

adotada. Por isso, o índice de Fanger é utilizado em modelos de previsão do estado

de conforto. A equação deduzida por Fanger para o cálculo do PMV é:

PMV = (0.303e-0.036M + 0.028) {(M-W) – 3,05x10-3 [5735-6.99 (M-W) – pa] –

0.42[(M-W) – 58.15] –1,7x10-5 M(5867–pa) –0.0014 M(34-ta) –3,96x10-8 fcl

[(tcl+273)4 –tr+273)4] –fcl hc (tcl – ta) } sendo [2-11]

• M - energia produzida pelo metabolismo na unidade de tempo (W);

• W - trabalho muscular realizado pela atividade na unidade de tempo (W);

• pa - pressão do vapor d’água no ambiente (Pa);

• ta - temperatura do ar no ambiente (oC );

• tr - temperatura radiante média do entorno ( oC );

• hc - coeficiente de transferência de energia por convecção ( W/m2. K);

• fcl - fator relativo à resistência da superfície do corpo protegido pela

vestimenta (razão entre a superfície do corpo coberta pela superfície do

corpo nu);

• tcl - temperatura superficial da vestimenta ( oC );

A partir de dados experimentais, Fanger estabeleceu ainda uma correlação

entre a porcentagem real de indivíduos insatisfeitos e a porcentagem prevista de

indivíduos insatisfeitos, obtendo um novo índice, PPD (Predicted Percentage of

Dissatisfied). Esta correlação entre o índice PPD com o índice PMV pode ser

expressa por:

PPD = 5 + 20,97 |PMV|1,79 para |PMV|≤ 2 [2-12]

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Gráfico 2.3 – Correlação entre os índices PPD e PMV

A ISO 7730 (1994) recomenda um valor limite de 10% para o PPD,

correspondendo a um valor para o PMV entre –0,5 e 0,5. Observa-se que para

prédios com condicionamento mecânico do ar, o índice PMV tradicional apresenta

bons resultados. Entretanto,

indivíduos que vivem ou trabalhem em edifícios ventilados naturalmente, estão

habituados à diversidade térmica que reflete os padrões locais da variabilidade

climática diária e sazonal. Desta maneira, sua percepção térmica – em termos de

tolerâncias e preferências – parece se estender para além das escalas de temperatura

consideradas como dentro das zonas de conforto. (DEAR et al, 2002, p. 550)

Além disso, o índice PMV apresenta valores maiores que o voto médio real

de uma amostra, para velocidades do ar superiores a 0,5 m/s. Essas constatações

têm levado alguns pesquisadores a propor um modelo adaptativo para predição das

temperaturas de conforto, baseado em relações simples entre a temperatura exterior

e a temperatura de conforto interna esperada pelos usuários da edificação. Segundo

esses autores, estas relações deveriam ser usadas apenas quando o prédio for

ventilado naturalmente. Nicol e Humphreys (2002) apresentam a relação:

Tc = 13.5 + 0.54 To [2-13]

onde Tc é a temperatura de conforto e To a temperatura mensal média do ar

exterior;

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De maneira semelhante, Dear et al (2002) apresentam a relação:

Tc = 17.8 + 0.31 To com os mesmos parâmetros. [2-14]

Uma restrição desses modelos adaptativos é que eles são incapazes de

predizer os limites de aceitação em termos de porcentagem de pessoas insatisfeitas,

provendo apenas um valor para a temperatura de conforto ou de neutralidade

térmica com o ambiente. Além disso, não permitem a determinação das

temperaturas de conforto para temperaturas do ar acima de 33 ºC (Dear et al, 2002),

inviabilizando sua utilização para edificações sujeitas a condições climáticas em que

este limite é ultrapassado.

Seguindo um outro enfoque, Gagge (1986) preferiu desenvolver um índice

alternativo, denominado PMV*, no qual a temperatura operante do modelo original

de Fanger é substituída pela temperatura efetiva padrão (SET*), a qual é definida

como a temperatura do bulbo seco de um ambiente isotérmico fictício cuja umidade

relativa é de 50% e dentro do qual um indivíduo apresentará uma pele molhada

indicada pelo grau “w” e uma troca de calor pela pele idêntica àquelas de um

ambiente real. Os resultados obtidos com seu índice são um pouco melhores em

relação às sensações térmicas esperadas pelos usuários de ambientes quentes, mas

possui a desvantagem do seu cálculo ser complicado, requerendo um software

especializado ou uma expertise que a maioria dos engenheiros não possui. (Dear et al,

2002).

Recentemente, uma outra abordagem para a solução desse problema foi

proposta por Fanger e Toftum (2002) consistindo na redução do nível da taxa

metabólica considerada e na adoção de um fator “e”, que assume valores entre 0.5 e

1.0 para edifícios ventilados naturalmente, dependendo da região em que o edifício

está localizado e da duração do período quente ao longo ano (ver tabela 2.2). Apesar

de reter os mesmos problemas do índice PMV originalmente proposto para

ambientes com temperatura amena (WONG, 2002), esse novo modelo funciona

bem para condições de altas temperaturas ambientais, como no clima tropical

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úmido. Além disso, é de fácil implementação, pois para o cálculo dos novos PMV

basta multiplicá-los pelo fator “e”. Por essas razões, este foi o método adotado neste

trabalho para a determinação das condições de conforto ambiental numa edificação

aerada naturalmente.

Tabela 2.2 – Fatores “e” para edifícios sem ar-condicionado em climas quentes

Fonte: Adaptado de Fanger e Toftum (2002)

LOCALIZAÇÃO DO EDIFÍCIO PERÍODO QUENTE FATOR e

Em regiões em que edifícios com ar-condicionado são comuns Breves períodos durante a estação quente 0.9 – 1.0

Em regiões com alguns edifícios com ar-condicionado Durante toda a estação quente 0.7 – 0.9

Em regiões com poucos edifícios com ar-condicionado Durante todas as estações 0.5 – 0.7

2.4 – Simulação do Comportamento Térmico da Edificação

Neste trabalho, o comportamento térmico da edificação é simulado através

de um software comercial, o TRNSYS (SOLAR ENERGY LABORATORY, 2000).

Este consiste em um programa de simulação para sistemas transientes cuja principal

característica é a modularidade. A versão utilizada nas simulações foi a de número

15, lançada no ano de 2000. Dentro do conceito de estrutura modular, um sistema é

definido como uma série de componentes, interconectados de maneira adequada a

realizar uma certa tarefa. Um componente é, portanto, um módulo descrito

matematicamente através de alguns parâmetros fixos de entrada, inputs que podem

ser inclusive ouputs de outros componentes, funções dependentes do tempo que

modelam seu comportamento e outputs que são resultados de cálculos. O programa

TRNSYS é capaz de pegar todos os componentes interconectados e resolver as

equações diferenciais e algébricas existentes dentro de cada módulo, resolvendo o

sistema completo. Dentro do TRNSYS, cada componente recebe a denominação

TYPEn, n representando um número entre 1 e 99. Uma descrição simplificada de

um componente (contendo 2 parâmetros, 3 inputs e 2 outputs) e um pequeno

sistema com três componentes podem ser vistos nas figuras abaixo:

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Figura 2.2 – Um componente TRNSYS

Fonte: Autor

Figura 2.3 – Um sistema com 3 componentes TRNSYS

Fonte: Autor

Conhecendo a estrutura de um componente e o funcionamento físico do

fenômeno ou dispositivo a ser modelado, um usuário é capaz de escrever seus

próprios componentes. De posse do código do novo componente, o TRNSYS deve

ser recompilado para que se obtenha acesso ao novo módulo desenvolvido. A

versão TRNSYS-15 utilizada é comercializada num pacote que inclui uma série de

componentes já testados e validados para simulação térmica. Nesse trabalho,

utilizou-se os seguintes Types:

Type9: Standard Data Reader

Type16: Solar Radiation Processor

Type24: Quantity Integrator

Type25: Printer

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Type55: Periodic Integrator

Type56: Multi-zone Building

Type61: Calling na External DLL

Type65: Online Plotter

Desses, o Type56 apresenta uma relevância especial, por ser o responsável

pelos cálculos do comportamento térmico do modelo da edificação com múltiplas

zonas. O Type56 é um modelo de balanço não geométrico, atribuindo um nó a cada

zona, o qual representa a capacidade térmica do volume de ar da zona. Paredes e

janelas são modeladas segundo o método da função de transferência, proposto por

Mitalas (1967). Infiltração e ventilação são dadas em termos do número de

renovações de ar em cada zona, servindo de parâmetros da simulação e devendo,

portanto, ser calculadas por outro Type ou externamente por outro programa.

Podem ser considerados dispositivos de sombreamento externo e/ou interno no

modelo, através de um fator de sombreamento das janelas. Este fator deve ser

calculado previamente pelo projetista ou por um Type externo desenvolvido

especificamente para isso. Desta forma, o efeito térmico de lightshelves, janelas

recuadas, brises ou persianas pode ser simulado, mas seu comportamento frente à

incidência de radiação solar deve ser previamente conhecido.

Essas características do Type56 possibilitam diversos tipos de simulação da

edificação. Pode-se, por exemplo, verificar a influência da inércia térmica na

resposta transiente das paredes, fazendo-se simular o edifício com diversas

composições de tipos diferentes de fechamentos - espessuras de tijolos, camadas de

isolamento, diversos materiais de revestimento, e assim por diante. A verificação das

respostas transientes da massa do edifício pode auxiliar na escolha de materiais

adequados, evitando, por exemplo, que a carga térmica absorvida pelas paredes

externas seja liberada para o interior da edificação ainda durante o período de

ocupação do prédio, fazendo com que esta liberação seja atrasada para o horário

noturno, com o prédio vazio.

Considerando as janelas, pode-se estudar a influência da proporção de

envidraçamento da fachada nos ganhos térmicos dos ambientes, podendo-se

considerar inclusive variações destas aberturas – múltiplas camadas de vidro,

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diferentes materiais na caixilharia, - ou mesmo componentes de sombreamento para

estas aberturas e seu desempenho para diversas condições – variadas orientações do

edifício, etc. Além disso, sabendo-se que em climas tropicais úmidos a ventilação

noturna pode ser utilizada para arrefecer os ambientes e melhorar as condições de

conforto no período da manhã, a determinação de perfis de abertura/fechamento

das janelas pode auxiliar na otimização dessa estratégia de ventilação.

Pode-se ainda simular o comportamento da edificação para diversos períodos

do ano, fazendo-se variar os dados de entrada de radiação solar incidente,

temperatura do ar, umidade relativa, velocidade e incidência dos ventos, etc. Esse

tipo de simulação permite a elaboração de estratégias diferenciadas para o período

de verão e inverno, que possuem características climáticas diferenciadas, como uma

maior carga térmica no verão, mas uma maior penetração solar dentro dos espaços

no período de inverno (devido à posições mais baixas do sol no céu).

Enfim, uma quantidade enorme de simulações pode ser realizada de modo a

se obter, para cada passo de tempo, as temperaturas no interior das zonas, a energia

necessária para resfriamento ou aquecimento de cada zona, os índices PMV e PPD

de conforto térmico, os ganhos térmicos devido à infiltração, e muitos outros, que

bem analisados permitem desenvolver estratégias para uma melhor concepção de

edificações.

2.5 – O Acoplamento do Problema Termo-aeráulico

Numa simulação temporal, existem três maneiras de realizar o acoplamento

do modelo de ventilação ao modelo térmico. A primeira é conhecida como

“acoplamento ping-pong”. Nesse método, as vazões de ar são calculadas para o

primeiro passo de tempo, considerando temperaturas internas previamente

adotadas. Essas vazões servem então de dados de entrada para o modelo térmico e

os resultados das temperaturas são obtidos. No próximo passo de tempo, essas

temperaturas são utilizadas para o cálculo das novas vazões de ar, retroalimentando

o modelo de ventilação.

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Figura 2.4 – Abordagem “Ping-pong”

Fonte: Autor

Uma segunda abordagem consiste em realizar esta retroalimentação do

modelo de ventilação, repetidamente, dentro de cada passo de tempo até que seja

alcançada uma convergência nos resultados. Nesse caso, a convergência representa

que o regime permanente foi alcançado para cada passo de tempo no que se refere

às temperaturas internas e as vazões de ar. Essa abordagem é conhecida como

“acoplamento em cebola” e apresenta resultados mais confiáveis, porém a custa de

recursos computacionais. Uma terceira e última abordagem pressupõe uma

integração completa do problema, solucionando-o através da resolução simultânea

das equações de ambos os modelos numa única matriz cobrindo todos os processos

de transferência de calor.

Figura 2.5 – Abordagem “Cebola”

Fonte: Autor

Neste trabalho, a aplicação desta terceira abordagem é impossível, devido à

utilização do software TRNSYS para realização das simulações térmicas. Com sua

estrutura modular, ele só permite que seja implementada uma estratégia em “ping-

pong” ou “cebola”. A tentação do “uso do modelo ‘ping-pong’ pela sua

simplicidade deve, entretanto, ser descartada porque o método pode gerar erros

substanciais.” (HENSEN, 1995). Por este motivo, o método em “cebola”, é o

utilizado no presente estudo.

43

2.6 – O Software de Simulação de Ventilação Natural

Para proceder aos cálculos relacionados à ventilação natural em ambientes

interiores, um software foi desenvolvido em Object Pascal/Delphi 3.0, e foi

denominado AEOLUSMZ. O código foi compilado em um único arquivo de pouco

mais de 1 Mb executável numa plataforma PC/Windows, desde que configurada

para uma resolução de tela de no mínimo 800X600 pontos. O objetivo principal foi

criar um programa para estudo das condições de ventilação e qualidade do ar em

ambientes de trabalho do setor terciário inseridos em prédios de múltiplos

pavimentos. Um grande esforço foi feito para se desenvolver uma interface

interativa, de modo a evitar o esquema complicado de entrada de dados tão comum

em outros códigos de ventilação. Essa facilidade no uso permite que sejam

realizadas um grande número de simulações “exploratórias” que podem ser usadas

na obtenção de uma boa estratégia de ventilação natural, principalmente nas etapas

iniciais da concepção de um edifício.

O código AEOLUSMZ foi desenvolvido baseando-se no enfoque descrito

detalhadamente no item 2.1. A utilização do programa dá-se de forma bem direta. A

interface é relativamente simples e bastante amigável.

Figura 2.6 - Janela principal do programa

Fonte: Autor

Na janela principal (figura 2.6) o usuário pode entrar/modificar os seguintes

parâmetros:

44

• dimensões exteriores do edifício;

• direção do vento conforme a fachada principal do edifício;

• velocidade do vento de acordo com o tipo de ambiente exterior;

• densidade urbana do entorno local do prédio (obstruções adjacentes);

Na janela de entrada dos dados das zonas (figura 2.7) o usuário pode

entrar/modificar os seguintes parâmetros:

• volumes das zonas;

• superfície horizontal de cada zona;

• altitude de cada zona (ao nível do piso);

• temperaturas internas;

• número de pessoas na zona;

• porcentagem de fumantes;

• tipo de ambiente interno;

• tipo de atividade realizada dentro da zona;

Figura 2.7 - Janela de entrada – Zonas

Fonte: Autor

45

De maneira semelhante, através da janela de entrada dos dados das aberturas

(figura 2.8) o usuário pode entrar/modificar com os parâmetros de cada abertura

(posições, dimensões, situação em relação às zonas, coeficientes de pressão,

expoentes da equação de fluxo, coeficientes locais de pressão e status da abertura:

aberta=ventilação natural / fechada=infiltração).

Figura 2.8 - Janela de entrada – Aberturas

Fonte: Autor

Após a entrada de todos ao dados, dois tipos de simulações podem ser

executadas: i) INSTANTÂNEA, em que os resultados são obtidos considerando os

dados de entrada como fixos para qualquer período do dia; e ii) PERÍODO LONGO,

em que são considerados perfis horários de ocupação das zonas e perfis horários de

ventos. Para esse segundo caso, os valores correspondentes aos perfis são lidos pelo

código computacional de um arquivo-texto que deve ser editado pelo usuário e estar

presente no subdiretório do programa. A primeira linha do arquivo informa o

número de horas seqüenciais que será considerada na simulação. As linhas seguintes

contêm respectivamente os valores horários para a porcentagem de ocupação das

zonas, velocidade do vento e direção do vento, em três campos separados por

espaços (figura 2.9). A porcentagem de ocupação é considerada em relação ao total

de pessoas de cada zona, valores estes que foram inseridos pelo usuário através da

janela de dados das zonas (coluna 6 da janela mostrada na figura 2.7). A velocidade

46

horária do vento é tomada da meteorologia do local, como também a direção do

vento, essa última considerada no sentido horário a partir do norte geográfico (norte

= zero graus).

A figura 2.9 mostra, a título de exemplo, o conteúdo de um arquivo para uma

simulação de 24 horas, contendo os perfis apresentados nos gráficos 2.4, 2.5 e 2.6.

24 0 4.2 75 0 4.3 90 0 3.8 105 0 4.1 105 0 2.6 30 0 5.0 60 0 3.4 0 50 5.1 15 100 4.6 45 100 4.4 75 100 2.9 15 100 3.4 75 100 3.2 90 100 4.4 15 100 3.9 15 100 2.1 30 100 3.3 15 75 3.2 45 75 5.0 195 0 3.8 180 0 1.5 210 0 3.2 105 0 5.0 90 0 4.4 105

Figura 2.9 - Exemplo de arquivo com os de Perfis de ocupação e os Perfis de vento (24 horas) Fonte: Autor

Ocupação

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

100

0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23

hora

porc

enta

gem

Gráfico 2.4 - Perfil de ocupação das zonas (24 horas)

47

Velocidade do Vento

0

1

2

3

4

5

6

0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23

hora

m/s

Gráfico 2.5 - Perfil de velocidades do vento (24 horas) – dados de meteorologia

Direção do vento

0153045607590

105120135150165180195210225240255270285300315330345360

0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23

hora

grau

s

Gráfico 2.6 - Perfil de direções do vento (24 horas) – dados em relação ao norte geográfico

Após a execução dos cálculos, os resultados são mostrados em janelas

correspondentes ao tipo de simulação executada (figuras 2.10 e 2.11). Ao mesmo

tempo, um relatório contendo todos os resultados numéricos é gravado em forma

de arquivo-texto no disco rígido.

48

Figura 2.10 - Janela de resultados de uma simulação instantânea.

Fonte: Autor

Figura 2.11 - Janela de resultados de uma simulação de período longo (24 horas)

Fonte: Autor

2.7 – Problemas Numéricos Solucionados no Código Computacional.

Os principais problemas numéricos que tiveram de ser contornados ao longo

do desenvolvimento do código AEOLUSMZ, estão relacionados à solução do

sistema de equações não-lineares definido por [2.1]. O método utilizado para a

49

determinação das incógnitas (no caso, as pressões internas) foi o de Newton-

Raphson, em que a cada iteração, a aproximação do valor para uma pressão interna

“Pn” é dada por:

Pn+1 = Pn – f(Pn)/f ’(Pn) [2-15]

onde f ’(Pn) é a derivada parcial da equação do balanço de massa f em relação à

pressão interna P. Chamando a aproximação (Pn+1 - Pn) de CORREÇÃO, a equação

[2.15] pode ser reescrita na forma:

f ’(Pn) x CORREÇÃO = -f(Pn) [2-16]

Entretanto, para o caso específico do problema de determinação das vazões

de ar, devido ao tipo de equação utilizado para modelar o fluxo de ar nas aberturas

(equações [2.2] e [2.3]), as derivadas parciais não são definidas quando a diferença

das pressões entre duas zonas internas é zero. Por esse motivo, na resolução do

sistema de equações linearizado, é necessário evitar que os valores para as pressões

internas sejam iguais para que o método possa ser utilizado.

O primeiro problema numérico encontrado foi a definição dos valores

iniciais das pressões internas. Como visto, esses valores têm que diferir entre sí.

Elaborou-se então uma rotina específica dentro do código para a sua determinação.

Inicialmente, a rotina determina a pressão máxima (dinâmica + estática) ao nível

externo de todas aberturas. Depois, encontra-se a pressão mínima. As pressões

internas iniciais são então estabelecidas como uma seqüência de valores

intermediários entre essas pressões máxima e mínima, conforme o esquema

mostrado na figura 2.12. Esse esquema garante que, para a primeira aproximação,

cada zona interna possua uma pressão diferente, permitindo o cálculo das derivadas

parciais, além de fornecer valores com uma ordem de grandeza adequada.

50

Figura 2.12 – Esquema para determinação inicial das pressões internas das zonas.

Fonte: Autor

Infelizmente, mesmo adotando valores iniciais distintos para as pressões

internas, pode acontecer que, em iterações posteriores, elas apresentem diferenças

muito pequenas devido, por exemplo, à configuração geométrica da edificação. Se as

aberturas estiverem localizadas simetricamente ao fluxo de ar em torno do prédio e

as temperaturas do ar interior forem muito próximas, as diferenças de pressão entre

as diferentes zonas serão mínimas. Da mesma maneira, zonas com aberturas muito

grandes para o exterior e com pequenas conexões para as outras zonas interiores do

prédio, tendem a apresentar pressões internas muito próximas das pressões

exteriores da vizinhança da abertura. Numericamente, isso afeta a convergência da

solução. Esse segundo problema numérico pode ser resolvido desconsiderando-se

então nos cálculos as aberturas entre zonas apresentando uma diferença de pressões

abaixo de um certo valor, o que não afeta significativamente os resultados. Pode-se

também utilizar técnicas para acelerar a convergência dos resultados, obtendo uma

melhor precisão dos resultados, que foi a abordagem utilizada no AEOLUSMZ.

Um último problema numérico encontrado diz respeito a zonas isoladas da

edificação em termos de ventilação. Uma zona deste tipo representa um nó sem

comunicação (ausência de aberturas ou poros) com outros nós da rede de

escoamentos Matematicamente, isso faz com que o Jacobiano utilizado na solução

do sistema de equações linearizado torne-se singular (determinante = 0), levando a

um erro e impedindo o calculo das pressões internas. Esse problema não pode ser

solucionado numericamente e suas causas devem, então, ser evitadas pelo usuário

do código, ao definir e distribuir as zonas utilizadas nos cálculos. Trata-se, assim, de

uma limitação do código computacional. Por isso, na modelagem da edificação,

deve-se tomar cuidado ao estabelecer a rede de escoamentos correspondente,

evitando no processo considerar qualquer zona que não esteja conectada a pelo

menos duas aberturas (internas ou externas). Desta forma, zonas com um única

51

abertura, como por exemplo, pequenas adegas ou lavabos em que não exista

circulação cruzada de ar, devem ou ser desconsideradas ou, no máximo, modeladas

acrescentando o seu volume às zonas às quais estão acopladas.

2.8 - Validação Indireta do Código Computacional.

Para verificar a precisão do código desenvolvido, foram realizadas simulações

de ventilação natural para um caso padrão utilizando o software AEOLUSMZ e após

comparou-se os resultados com aqueles obtidos através do software AIOLOS 1.0

(DASCALAKI, 2001). O protótipo virtual representa um prédio de escritórios de

pequeno porte, possuindo uma superfície total de 184 m2 por pavimento (figura

2.1). Para a simulação, considerou-se o oitavo de um total de quinze pavimentos.

Adotou-se uma configuração do pavimento dividido em sete zonas (tabela 2.3), cada

uma possuindo uma única abertura para o exterior (janelas) e algumas portas

internas.

Tabela 2.3 – Características das zonas consideradas nas simulações

Fonte: Autor

ZONA 1 DESCRIÇÃO LARGURA COMPRIMENTO ALTURA ÁREA VOLUME ZONA 1 SALA ESQUERDA 4.00 10.00 3.00 40.00 120.00 ZONA 2 SALA DO MEIO 4.00 10.00 3.00 40.00 120.00 ZONA 3 SALA DIREITA 4.00 10.00 3.00 40.00 120.00 ZONA 4 CORREDOR 12.00 2.00 3.00 24.00 72.00 ZONA 5 BANHEIRO 4.00 2.00 3.00 8.00 24.00 ZONA 6 CAIXA CORTA-FOGO 4.00 2.00 3.00 8.00 24.00 ZONA 7 CAIXA DA ESCADA 4.00 6.00 3.00 24.00 72.00

Tanto as aberturas externas quanto as aberturas internas que interligam as

zonas (portas) foram consideradas sempre abertas, possuindo as dimensões e

posições na fachada conforme mostrado na tabela 2.4. A localização das janelas na

fachada é determinada pela DISTÂNCIA-X, que é tomada da aresta esquerda da

fachada considerada até o centro da abertura e pela DISTÂNCIA-Y, que por sua vez é

tomada do nível do solo ao centro da abertura, conforme o esquema mostrado na

figura 2.13. Como foi visto no item 2.1, os coeficientes locais de pressão usados no

52

cálculo das vazões de ar devido à ventilação natural, dependem desse

posicionamento das aberturas nas fachadas. Para a validação do código, os Cps

foram calculados pelo software AEOLUSMZ (tabela 2.5) e então usados como

parâmetros das simulações no software AIOLOS para certificar que as mesmas

condições estavam sendo utilizadas pelos dois códigos. Pelo mesmo motivo,

utilizou-se um coeficiente de descarga igual a 0,6 (FLOURENTZOU, 1998; ORME

et al, 1998) para as janelas e portas abertas em ambos os softwares.

Tabela 2.4 – Características das aberturas consideradas nas simulações Fonte: Autor

ABERTURA DESCRIÇÃO STATUS LARGURA ALTURA ÁREA FACHADA DIST-X DIST-YEXTERIOR – ZONA 1 JANELA ABERTA 3.00 1.00 3.00 3 2.00 16.00 EXTERIOR – ZONA 2 JANELA ABERTA 3.00 1.00 3.00 3 6.00 16.00 EXTERIOR – ZONA 3 JANELA ABERTA 3.00 1.00 3.00 3 10.00 16.00 EXTERIOR – ZONA 4 JANELA ABERTA 2.00 2.00 4.00 2 9.50 18.00 EXTERIOR – ZONA 4 JANELA ABERTA 2.00 2.00 4.00 4 11.50 18.00 EXTERIOR - ZONA 5 JANELA ABERTA 2.00 0.50 1.00 2 10.00 16.50 EXTERIOR - ZONA 7 JANELA ABERTA 2.00 1.00 1.00 1 2.00 16.00

ZONA 1 - ZONA 4 PORTA ABERTA 0.80 2.00 1.60 - - - ZONA 2 - ZONA 4 PORTA ABERTA 0.80 2.00 1.60 - - - ZONA 3 - ZONA 4 PORTA ABERTA 0.80 2.00 1.60 - - - ZONA 4 - ZONA 5 PORTA ABERTA 0.80 2.00 1.60 - - - ZONA 4 - ZONA 6 PORTA ABERTA 0.80 2.00 1.60 - - - ZONA 6 - ZONA 7 PORTA ABERTA 0.80 2.00 1.60 - - -

Figura 2.13 – Esquema de posicionamento das janela nas fachadas

Fonte: Autor

53

Tabela 2.5 – Coeficientes de pressão calculados para as aberturas externas e cada direção de vento Fonte: Autor

ABERTURA (Fachada) 0 45 90 135 180 225 270 315 EXTERIOR - ZONA 1 (1) 0.70 0.65 -1.00 -0.55 -0.36 -0.63 -0.55 0.10 EXTERIOR - ZONA 2 (1) 0.85 0.40 -0.80 -0.60 -0.34 -0.58 -0.90 0.45 EXTERIOR - ZONA 3 (1) 0.70 0.10 -0.55 -0.63 -0.36 -0.55 -1.00 0.65 EXTERIOR - ZONA 4 (2) -0.90 0.45 0.85 0.40 -0.80 -0.60 -0.34 -0.58 EXTERIOR - ZONA 4 (4) -0.90 -0.58 -0.34 -0.60 -0.80 0.40 0.85 0.45 EXTERIOR - ZONA 5 (3) -0.36 -0.55 -1.00 0.65 0.70 0.10 -0.55 -0.63 EXTERIOR - ZONA 7 (3) -0.36 -0.63 -0.55 0.10 0.70 0.65 -1.00 -0.55

Oito simulações (de 0 a 315 graus) foram executadas variando a cada 45

graus a direção dos ventos em relação à fachada principal. A velocidade do vento foi

considerada igual a 2,5 m/s no topo do prédio. Os resultados encontrados para as

vazões de ar entrando nas zonas 1, 2, 3, 4, 5 e 7, quando o vento possui uma direção

normal à fachada da edificação, estão mostrados no gráfico 2.7. Claramente, a

comparação entre os valores obtidos com o AEOLUSMZ e com o AIOLOS

demonstram excelente concordância. Os resultados para as outras situações (ventos

com outras direções) apresentam uma similaridade comparável.

INFILTRAÇÃO NAS ZONAS - VENTO A 0 GRAUS

0.00

5000.00

10000.00

15000.00

20000.00

25000.00

30000.00

1 2 3 4 5 6

ZONAS

FLU

XOS

DE

AR

(m3/

h)

Aeolus MZ Aiolos 1.0

Gráfico 2.7 - Comparação dos influxos de ar nas zonas para direção de vento = 0 grau

54

2.9 – Acoplando o Software AeolusMZ ao Software TRNSYS

A utilização do código de ventilação dentro do software TRNSYS foi

possível através da adaptação da versão stand-alone do software AEOLUSMZ em um

componente que pudesse ser reconhecido por aquele ambiente de simulação. O

TRNSYS oferece duas possibilidades para a implementação de um módulo externo

ao ambiente de trabalho. A primeira é a formulação de um componente seguindo a

padronização utilizada pelo sistema, com os respectivos INPUTS, OUTPUTS,

PARAMETERS e DERIVATIVES exigidas pelo formato. Este componente deve

então ser compilado em um arquivo do tipo DLL (dynamic linked library) do windows,

inserido no subdiretório “userlib”, e posteriormente “chamado” de dentro do

TRNSYS como um outro componente qualquer. A outra possibilidade é compilar o

módulo desenvolvido, também como um arquivo do tipo DLL do windows,

denomina-lo EXTDLL.DLL e executá-lo de dentro do TRNSYS através do

Type61, previamente configurado para “chamar” esta DLL. Essa última estratégia

foi a utilizada na adaptação do AEOLUSMZ como um componente TRNSYS.

Figura 2.14 – Esquema do componente Type61/AEOLUSMZ, com seus Inputs e Outputs

Fonte: Autor

O componente desenvolvido possui 16 inputs e 61 outputs, conforme

discriminados a seguir.

55

• Inputs de 1 a 10 – Temperaturas do ar no interior de cada zona (máximo de 10

zonas), calculadas pelo Type56;

• Input 11 – Temperatura do ar exterior, valor lido de um arquivo meteorológico;

• Input 12 – Perfil de ocupação dos ambientes, dado em porcentagem do número

de usuários de cada zona;

• Input 13 – Velocidade do vento a 10m de altura (m/s);

• Input 14 – Direção do vento tomada em relação ao norte geográfico, no sentido

horário;

• Input 15 – Orientação da edificação, tomada em relação ao norte geográfico, no

sentido horário;

• Input 16 – Porosidade das fachadas principais, dada pela relação entre a área total

das janelas e a área das fachadas principais (fachada frontal e fachada posterior);

• Outputs 1 a 10 – Infiltração de ar exterior em cada uma das zonas, calculada pelo

componente como o número de trocas de ar por hora (Volume/h);

• Outputs 11 a 50 – Vazões de ar calculadas para cada abertura interna (máximo de

20) ligando duas zonas quaisquer A e B, em kg/h. Os outputs de número ímpar

(11, 13, ..., 49) fornecem as vazões de ar no sentido ZonaA-ZonaB e os de

número par (12, 14, ...,50) as vazões de ar no sentido ZonaB-ZonaA. Cada

abertura interna é representada, portanto, por um par de outputs (11-12, ...,49-

50);

• Outputs 51 a 60 - Índice de qualidade do ar percebida no interior de cada uma

das zonas, calculadas pelo componente como a Porcentagem de Pessoas

Insatisfeitas (PPD);

• Output 61 - Velocidade calculada do ar no interior da edificação (m/s);

Conforme descrito no item 2.5, seguindo a abordagem do tipo “cebola” para

o acoplamento do problema termo-aeráulico, a cada passo de tempo da simulação as

vazões de ventilação são calculadas pelo Type61-AEOLUSMZ e servem de inputs

para o Type56 calcular as temperaturas internas dentro das zonas. Essas

temperaturas são então utilizadas como inputs do Type61 e servem para calcular

56

novas vazões de ventilação, e assim sucessivamente, num processo de

retroalimentação cíclico que só é interrompido quando uma convergência é

alcançada, tanto para as temperaturas calculadas pelo Type56 quanto para as vazões

de ar calculadas pelo Type61-AEOLUSMZ. Só então o TRNSYS avança para o

próximo passo de tempo. Além disso, com o valor da porosidade das fachadas, o

Type61 calcula o velocidade do ar no interior da edificação, que é então utilizada

para o cálculo do conforto térmico dos ocupantes.

A descrição do edifício a ser simulado (dimensões, dados do sítio, das zonas

e das aberturas) é obtida pelo componente através da leitura de um arquivo de nome

“trnsys.aif”, o qual deve ser gerado e gravado no subdiretório raiz do sistema

TRNSYS, pela versão stand-alone (com interface) do AEOLUSMZ. Desta forma, essa

versão serve de módulo de entrada de dados para o Type61, da mesma maneira que

o software PREBID é utilizado para gerar a descrição da edificação para o

componente Type56 do TRNSYS. A leitura do arquivo “trnsys.aif” é realizada

automaticamente pelo componente a cada passo de tempo da simulação.