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  • Cincias & Letras, Porto Alegre, n. 52, p. 159-173, jul./dez. 2012 159 Disponvel em:

    Poesia e guerra: poetas e soldados marcham em cadncia

    Maysa Cristina Dourado*

    ResumoEste artigo objetiva evidenciar as relaes existentes entre histria e poesia lrica, buscando as representaes de guerra ou de situaes de confl itos poltico-sociais na poesia lrica con-tempornea. Analisando a produo de poetas tanto de lngua inglesa quanto de portuguesa, focalizo e comento a passagem de uma poesia que enaltecia as guerras para uma poesia anti-guerra. Esta, alis, parece ser uma caracterstica marcante da poesia lrica contempornea que trata desse tema. Os resultados confi rmam que os poemas lricos ilustram as possibilidades de uma leitura histrica, bem como dos fatos e dos personagens nela inseridos. Os poetas trazem a histria para dentro de seus poemas para salientar o compromisso da literatura com as realidades que o cercam.

    Palavras-chave: Poesia lrica. Guerra. Histria.

    I did my best to report on the merciless carnage of [the Second World War and Vietnam], of our armies victories and defeats, and close-ups of unimaginable gallantry and suffering and pain and selfl ess sacrifi ce. When the wars ended and I was back home, friends and relatives were encouragingly complimentary. Good stuff, Walt. I read every word you wrote. But then they added the discouragingly sequel. Tell me, they went on, what was it really like?. It seems that the gift of telling what war is really like has been bestowed upon the poets.

    Walter Cronkite, jornalista americano, 2004.

    Desde que se inventou a escrita, os homens tm escrito sobre guerras de Homero, Cames, Walt Whitman, Randall Jarrell, Denise Levertov, Robert Bly, prosseguindo at os dias atuais, com poetas como Charles Simic, Marga-ret Atwood, Robert Pinsky, Yusef Komunyakaa, Jorie Grahan, entre outros. Os grandes poemas picos eram sempre poemas que tratavam das guerras.1 A grande maioria exaltava a guerra.

    * Doutora em Estudos Literrios pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Pro-fessora adjunta da Universidade Federal do Acre (UFAC). (E-mail: [email protected]).

    1 Considero como defi nio de poema pico os extensos poemas narrativos, em que lenda e histria se confundem. Os primeiros grandes modelos ocidentais de poema pico so Ila-da e Odisseia, nos quais Homero narra a saga do confl ito de Troia. Da literatura medieval, destaco Beowulf, obra annima, que apresenta uma viso da guerra e da honra similar de Homero.

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    No passado, os poemas lricos estavam sempre relacionados com a arte de exprimir sentimentos individuais. Fossem sentimentos de alegria ou tristeza, havia a predominncia de um lirismo intimista, que procurava exprimir o mundo interior do eu lrico e adotava uma linguagem bem ela-borada, apoiada, sobretudo, no ritmo e nas imagens. Na poesia lrica mo-derna, encontram-se muitas manifestaes poticas que criticam a realida-de social em que ela est inserida. A poesia lrica contempornea registra a experincia histrica da humanidade. Os poemas lricos contemporneos que tratam das guerras so, na verdade, poemas antiguerras. Eles adotam um tom hostil e agressivo com relao guerra.

    A mudana da poesia que enaltecia a guerra para a poesia antiguer-ra ocorreu no por conta de infl uncias literrias, mas por conta de exi-gncias histricas e sociais: a poesia idealizada do passado precisou ser erradicada para estar em condies de igualdade com a realidade brutal do presente. A poesia lrica em especial, a contempornea sempre se preocupou em mostrar o real e no romantizvel mundo da guerra.

    Um dos maiores representantes da poesia antiguerra do sculo XIX o poeta norte-americano Walt Whitman. Ele registrou seu prprio estar-recimento a partir do entendimento dos custos horrendos da beligerncia, enquanto escrevia sobre a Guerra Civil Americana, em uma das primeiras coletneas de poemas sobre o tema. Aos 42 nos de idade, Whitman foi con-siderado muito velho para o servio militar, e, como cidado-expectador, ele comeou a escrever seu volume, Drum Taps. O tom de seus poemas inicialmente excitado pelas preparaes para a guerra na cidade de Nova Iorque, onde ele vivia. Drum Taps inicia-se com First O Songs for a Prelu-de, uma observao animada da cidade personifi cada que se prepara para a guerra: O Manhattan [...] How your soft opera-music changed, and the drum and fi fe were heard/ in their stead, How you led to the war (WHITMAN apud BAYM, 2003, p. 109)2

    Aps fi car sabendo que seu irmo fora ferido durante uma bata-lha, o poeta deixa Nova Iorque e voluntaria-se como ajudante de mdico em Virgnia. A experincia nos hospitais de guerra muda o tom de seus poemas. Em A March in the Ranks Hard-Prest e The Road Unknown, Whitman (apud BAYM, 2003, p. 111) descreve a catica atividade de um hospital de emergncia provisoriamente instalado em uma igreja: Sur-geons operating, attendants holding lights, the smell of ether, the odor of blood, the crowd, O/ the crowd of bloody forms.

    As inocentes primeiras imagens de Manhattan mandando seus rapa-zes para a guerra converteram-se em imagens abruptas e terrivelmente tris-tes dos corpos feridos dos soldados. Ao fi nal, Whitman (apud BAYM, 2003, p. 113) focaliza a condio dos sobreviventes: Some, their time up, returning with thinnd ranks, young, yet very old, worn, marching, noticing nothing.

    2 Todas as citaes de poemas de Whitman foram retiradas do volume C da coleo The Norton Anthology of American Literature, editada por Nina Baym.

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    Stephen Crane e Herman Melville, entre muitos outros, tambm documentaram os aspectos problemticos da Guerra Civil Americana. Melville (apud BAYM, 2003, p. 56) questionava o entusiasmo da guerra em seu poema The March into Virginia, no qual testemunhou a inocn-cia dos jovens rapazes que eram mandados para os campos de batalha: All wars are boyish and are fought by boys. Crane (apud MADDEN, 2004, p. 73), embora no tenha ido para a guerra, escreveu um dos mais vvidos poemas a respeito daquela poca, no qual prope, ironicamente, a uma me que no chore por seu fi lho, j que War is Kind e These man were born to frill and die.

    O poema I Have a Rendezvous with Death, que foi inspirao para o ttulo da coletnea de poemas do poeta norte-americano Alan Seeger, considerado o mais popular de todos os poemas publicados durante aque-le confl ito:

    I have a rendezvous with DeathAt some disputed barricade,When Spring comes round with rustling shadeAnd apple-blossoms fi ll the air I have a rendezvous with DeathWhen Spring brings back blue days and fair.

    Escrito durante a participao do poeta na Batalha do Somme, as-sim como tantos outros poemas escritos mesma poca, o poema refl etia claramente as condies polticas e sociais daquele momento. Enquanto o poema de Seeger nos apresenta a imagem enlouquecida de um jovem rapaz desejando um encontro com a morte, os poetas-soldados britnicos protestavam veementemente contra esse tipo de iluso, ou morte insen-sata. Em seu poema mais famoso, Dulce et Decorum Est, Wilfred Owen (1999, p. 171-172) , transforma a morte de uma vtima envenenada por um gs letal em uma das mais devastadoras acusaes Guerra:

    If you could hear. . . the bloodCome gargling from the froth-corrupted lungs,Obscene as cancer, bitter as the cudOf vile, incurable sores on innocent tongues My friend, you would not tell with such high zestTo children ardent for some desperate glory,The old lie: Dulce et decorum est/ Pro patria more.

    Morrer pela ptria doce e digno. Os jovens de todas as geraes so energticos e entusiastas, na verdade, ardent for some desperate glory; mas no so instrudos para a realidade da guerra, conclui o poeta.

    De acordo com James Mersmann (1974, p. 40), em seu estudo so-bre poetas que escreveram durante as guerras, podemos classifi car grande parte da poesia escrita durante o incio da Primeira Guerra Mundial de in-gnua, heroica e romntica. Muitos crticos concordam que Owen, Thomas Hardy e Isaac Rosemberg esto entre os melhores poetas que escreveram

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    durante a Primeira Guerra Mundial. Junto a Sassoon e Rupert Brooke, eles certamente foram os mais discutidos. Os poetas-soldados, como eles so conhecidos, tm sido tratados como um grupo, apesar de nunca terem constitudo nenhum tipo de movimento.

    Os poetas-soldados so frequentemente rotulados de poetas amadores, que fazem uso de rima pobre, ou simplesmente escritores po-lmicos. Um exemplo disso a crtica de John Middleton Murry (apud CRILDRESS, 1999, p. 46) aos poemas de Sassoon. Segundo ele, os versos de Sassoon no podem ser considerados poesia, porque, alm de dor, ex-pressam muito pouco.

    O reconhecimento da poesia que fala das guerras sempre foi proble-mtico, e seu posto, por muito tempo, perifrico. Nos anos 1970, contudo, foram publicados dois livros que reivindicavam a importncia cultural e histrica desse tipo de poesia dentro das grandes correntes literrias: Out of Battle, de Jon Silkin (1972), e The Grear War and Modern Memory, de Paul Fussell (1979). Ambos so intensamente polmicos e trazem questes cru-ciais no s no que diz respeito ao estudo crtico da relao entre poesia e guerra, mas constituindo-se tambm em excelentes crticas a poemas e poetas que tratam desse tema (MERSMANN, 1974, p. 7).

    Jon Silkin (1979, p. 26-30) concentra-se na poesia da Primeira Guer-ra Mundial e a divide em quatro stages of consciousness: o patriotismo, representado por poetas como Rupert Brooke; a compaixo, representada por Owen; a raiva e o protesto, representados por Sassoon; e desejo por mudana social, representado por Rosenberg. O estudo de Jon Silkin su-gere o desenvolvimento da conscincia da realidade da guerra como um fator determinante na poesia.

    The Great War and Modern Memory tende em direo oposta inter-pretao de poesia sobre guerra representada por Silkin. Fussell rejeita a noo de movement of consciousness, partindo de uma iluso patritica at uma realidade angustiada, sugerindo um contexto social e literrio mais varivel para a poesia de guerra. Diferente de Silkin, que estabelece um cnone literrio e ignora todo o resto, Fussell reconhece a poesia de guerra em uma amplitude de poetas menores, bem como a que foi apresentada em revistas e documentos pessoais.

    Os estudos de Fusseel e Silkin, de maneiras diferentes, refl etem as possibilidades e os problemas que so atribudos poesia que nos fala de guerra. A partir desses estudos, fi ca claro que os poemas sobre a guerra avizinham-se com uma realidade bem alm da experincia normal do ser humano da a sua importncia. Na anlise de Mersmann (1974, p. 10, traduo minha),

    [s]eja inspirada por pena, raiva ou tentativas de encontrar o signifi cado da guerra, a poesia dos poetas-soldados pri-meiramente um poesia ocular. uma poesia visual na qual o olhar detalhado, cortante e claro [...]. A impresso que permanece para o leitor a memria visual que fi ca gravada.

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    uma poesia masculina, livre de autocompaixo, livre de dvidas, brutal, vigorosa, corajosa e compassiva.3

    Cito novamente Mersmann (1974, p. 11, traduo minha):

    Os poetas das trincheiras tinham seus olhos no objeto. [...] A guerra era feia, inglria, estpida, e, de maneira nada heroica, os poetas-soldados cresceram sob as suposies romnticas a respeito da guerra e aprenderam que a guerra trazia mutilao e morte e era uma interrupo da vida sem propsito.4

    Poemas escritos e publicados aps a Guerra, como Hugh Selwyn Mauberly, de Ezra Pound, e my sweet old etcetera, de E. E. Cummings, vieram a quebrar o quase monoplio dos poetas-soldados, alm de cap-turarem as realidades histricas de 1914-1918. Em my sweet old etcetera, E. E. Cummings escreve sobre sua experincia na guerra e como isso afeta sua famlia durante esse tempo. Rudyard Kippling, cujo fi lho morreu du-rante a guerra, escreveu muitos poemas movidos por esse tema. Tambm comovido pela morte de um estimado amigo, T.S. Eliot, que no conside-rado um poeta da guerra, expe, em The Waste Land, a condenao de toda uma civilizao e, em Triumphal March, a compilao de imagens de um cenrio ps-guerra.

    As imagens e cenas que dominam o longo poema The Waste Land so feias, brutais e cruis. Elas descrevem momentos de deteriorao, pe-rigos e decadncia mental, retratando uma sociedade dessensibilizada, rodeada por poluio e escombros. Ademais, o poema sugere uma civi-lizao cambaleante, estarrecida e cansada por conta da Primeira Grande Guerra. Na viso do poeta, uma sociedade pronta para morrer e, assim, aps a redeno, renascer.

    O poema de Eliot antecipava o colapso fi nanceiro de toda uma so-ciedade: desemprego em massa, fascismo e uma Segunda Guerra Mun-dial. Esses eventos exigiam um novo tipo de poesia, mais urgente e mais politicamente engajada. Tendo testemunhado wastage as never before, a nova vanguarda da poesia expunha old lies and new infamy, escreven-do sobre as realidades das guerras modernas e industrializadas e falando explicitamente de disillusion as never told in the old days. O testemunho dos poetas e seu pacifi smo incipiente defi niram as atitudes dos poetas que falam sobre guerra no sculo XX (ELIOT, 1969, p. 118).

    3 No original: [w]hether inspired by pity, anger, or attempts to fi nd wars signifi cance, the poetry of the soldier-poets is primarily a poetry of the physical eye. It is a visual poetry in that its sight is detailed, sharp-edged, and clear [...]. The lasting impression on the reader is the etched into the visual memory. It is masculine poetry, free of self-pity, free of self-doubt, brutal, crisp, courageous, and compassionate (MERSMANN, 1974, p.10).

    4 No original: The trench poets had their eyes on the object. [...] War was ugly, inglorious, and stupid, and not all like the heroic idea [...] the soldier-poets had grown beyond the romantic as-sumptions about war to a realization that war brought mutilation and death and was a purposeless interruption of life (MERSMANN, 1974, p.11).

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    O crescimento do uso das mquinas acompanhado do longo pro-cesso de rearmamento nos anos entre as guerras um dos temas principais da poesia de 1930. O prospecto da Segunda Guerra Mundial estava cada vez mais presente, e os debates sobre rearmamento, desarmamento, pa-cifi smo e os movimentos antiguerra estavam cada vez mais presentes no cotidiano das pessoas, bem como na poesia.

    Quatrocentos mil americanos morreram durante a Segunda Guer-ra Mundial, e a poesia dessa poca, assim como aquela sobre as guerras anteriores, no celebratria. Os poetas que escrevem sobre a Segunda Guerra Karl Shapiro, John Ciardi, Randall Jarell, Richard Eberhart e Ro-bert Lowell, entre outros no so piedosos nem patriticos. Seus poemas so obscenos e irreverentes, mas, de acordo com Mersmann (1974, p. 13, traduo minha), eles diferem da poesia escrita durante a Primeira Guerra Mundial:

    A maioria dos poetas da mais recente guerra no via com frequncia os sinais horrendos que os primeiros poetas viram. A Segunda Guerra Mundial foi travada em muitas frentes, teve muito mais mobilidade, armamentos e logsti-cas mais complexas e um sistema de suporte muito maior. Muitos homens serviram no mar, longe das linhas de bata-lhas, no ar ou em esquadras navais e viam a guerra dis-tncia. J no era mais uma guerra ocular, ela era refl exiva e especulativa, talvez uma poesia da mente.5

    Boa parte das batalhas da Segunda Guerra Mundial foi travada em pleno ar, enquanto a tecnologia da guerra progredia. O avio mudou o horizonte de muitos poemas sobre esse confl ito. Para o poeta Harvey Sha-piro (2003), the way trench warfare dominates the imagery of World War I, the fl eets of bombers and the smoking cities dominate the imagery of World War II.6

    Dessa nova guerra no ar, originou-se o mais antolgico poema do confl ito, e talvez o poema de guerra mais conhecido naquela poca: The Death of the Ball Turret Gunner, no qual Randall Jarrell descreve o medo, o esforo pela vida e a insignifi cncia dos soldados que lutam e morrem durante a guerra.

    A poesia dos poetas que fi cavam nas infantarias muito diferente da poesia dos que permaneciam nas bases areas. De acordo com Shapiro (2003), the language [of the poem] tends to be grittier, maybe because the life

    5 No original: Most of the poets of the later war did not often see the gruesome sights the earlier poets had seen. World War II was fought on many fronts, with more mobility, more complex weap-onry and logistics, and larger support systems. Many men served at sea, far behind the lines, in air or artillery squadrons, and saw the war with a greater distance. Not any longer a poetry of the physical eye, it was ruminative and speculative, perhaps a poetry of the mind. (MERSMANN, 1974, p. 13).

    6 Da mesma maneira como as operaes militares de trincheira dominaram a imagem da Primeira Guerra Mundial, a velocidade das bombas e as cidades em chamas dominaram a imagem da Segunda Guerra Mundial.

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    was grittier.7 Alan Dugan considerado o poeta que mais escreveu sobre a guerra em terra fi rme. Seu poema Memorial Service for the Invasion Beach Where the Vacation in the Flesh Is Over, trata de um assunto que viria tona em muitos outros poemas daquela poca: a localizao dos corpos aps as batalhas:

    I see that there it is on the beach. It isahead of me and I walk toward it: itsfollowing vultures and contemptible dogsare with it, and I walk toward it. If,in the approach to it, I turn my backto it, then I walk backwards: Iapproach it as a limit. Even if Ifall to hands and kneed, I crawl to it.backwards or forwards I approach it.

    Na avaliao de Shapiro (2003), Dugans colloquial but formal diatri-bes are references to Homer and other Greeks8, o que plenamente justifi cvel: nenhum poeta descreveu melhor as muitas formas como a morte est pre-sente na guerra do que o grego Homero. O poema pico Ilada est repleto de cenas de massacres arrolados por uma narrativa.

    Em 1964, com o envolvimento dos Estados Unidos na Guerra do Vietn, a poesia americana sobre a guerra fez-se ouvir mais insistente-mente. Fazendo uso de uma linguagem extremamente franca, empregan-do jarges militares e fazendo constante referncia a eventos histricos, bem como denominando pessoas e lugares especfi cos, o que caracteriza a maioria dos poemas sobre essa guerra a sua especifi cidade, j que essa foi a mais longa guerra da qual os Estados Unidos j participaram.

    Em 1994, Yussef Komunyakaa, veterano do Vietn, recebeu o Pr-mio Pulitzer, com o seu livro de poemas Neon Vernacular: New and Selected Poems. A maior parte dos poemas selecionados usam ricas metforas para falar-nos sobre esta guerra em particular, a partir da viso de um soldado negro. Tu do Street descreve a experincia de um soldado afro-americano ao entrar em um bar no Vietn que serve apenas soldados brancos. Seus poe-mas Facing It e The Wall esto gravados na parede do Vietnam Veterans Memorial, em Washington, D.C., e expressam os sentimentos de um vete-rano desta guerra quando da contemplao dos nomes daqueles que no sobreviveram a este confl ito. Destaco um trecho de Facing It:

    My black face fades,hiding inside the black granite.I said I wouldnt,dammit: No tears.Im stone. Im fl esh.My clouded refl ection eyes melike a bird of prey, the profi le of nightslanted against morning. I turn

    7 A linguagem era mais corajosa, talvez porque a vida era mais corajosa.8 As crticas coloquiais e formais de Dugan eram referncias a Homero e a outros gregos.

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    this way--the stone lets me go.I turn that way--Im insidethe Vietnam Veterans Memorialagain, depending on the lightto make a difference.I go down the 58,022 names,half-expecting to fi ndmy own in letters like smoke.I touch the name Andrew Johnson

    Alm de Komunyakka, os poetas americanos W. D. Ehrhart, Robert Bly, Denise Levertov e Bruce Weigl esto entre os poetas mais representa-tivos desse perodo. De acordo com John Clark Pratt (1998), em seu estudo sobre a poesia do Vietn, os poemas se destacam no apenas por mostrar as agruras da guerra, as mortes dos civis inocentes, a interrupo abrupta da juventude de muitos soldados e a quebra dos valores morais e ticos, mas tambm por expor the sense of loss of individuality, the feeling of guilt at having participated, the impossibility of anyones understanding the totality of the experience, the realization of having been betrayed by higher authority.9

    No fi nal dos anos 1960, com o mundo em especial, os Estados Unidos envolvido em incessantes guerras, a poesia lrica tornou-se mais politicamente engajada. Muitos poetas concentravam-se em escrever uma poesia que expunha todos os ultrajes e abusos polticos, alm de tambm convocar os leitores ao.

    Assim como aconteceu com a poesia dos poetas-soldados, a poesia engajada tambm muito questionada dentro do mbito literrio. A esse respeito, a poeta Denise Levertov (1973) declara que no h razo para que a poesia que trate de problemas sociais no seja to boa quan-to qualquer outro tipo. Para ela, o desafi o de escrever poemas que sejam poltica e socialmente engajados e tenham as qualidades da lrica muito instigante para o poeta.

    O poeta canadense Todd Swift inicia seu extenso ensaio A Broad-cast from Cairo: Poetry, Politics and the Extraordinary Pressure of News com a seguinte pergunta: If the poet can write a good love poem, why not a good anti-war poem?10 Editor de 100 Poets Against War uma srie de livros ele-trnicos propagados pela internet desde janeiro de 2003 , Swift tambm organizou em Washington, DC., Los Angeles, New York, Seattle, Austin, Boston, Oxford, London, Paris, Toronto, Montreal e Berlim leituras de poemas protestando contra a invaso ao Iraque. Em maro de 2003, os livros eletrnicos foram reeditados e publicados pela editora Cambridge, UK, sob o mesmo ttulo. Desde ento, j foi feito o download desses livros 10 milhes de vezes.

    9 [...] a sensao da perda da individualidade, o sentimento de culpa pela participao, a impossibilidade da compreenso da totalidade da experincia por parte de outras pes-soas, o reconhecimento da traio por partes das autoridades.

    10 Se um poeta tem a capacidade de escrever um bom poema de amor, por que no um bom poema antiguerra?

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    Para Swift, a poesia que aborda temas polticos deve evitar os cli-chs do jornalismo, da propaganda e da linguagem extravagante. Para ele, a fora do poema deve nascer de imagens memorveis e ter a mesma lin-guagem das elegias gregas e dos poemas de amor. Ao fi nal de seu ensaio, Swift responde a pergunta central de sua tese: Por que escrever poemas polticos? To provide antidotes to the spin excreted by the White House, Down-ing Street and media. And because the poet feels it is necessary.11

    Em novembro de 1986, um grupo de poetas, tradutores e pesqui-sadores participaram do 7th Annual Al-Merbid International Poetry Festival, em Bagd, no Iraque (POETS & WRITERS, 1987). Apesar de todo o tu-multo no Oriente Mdio quela poca, 600 poetas, escritores e tradutores de mais de 40 naes fi zeram parte desse festival internacional de poesia. Superando o tom poltico dos discursos e os horrores da Guerra do Golfo, o que por fi m unia todas as vozes era o tema do festival: Singing for our past. Writing for the future. Nessa ocasio, Robert Hendin, um dos poetas americanos participantes, declarou: Iraq is, at present, a country at war and great pain. Yet, beneath the horror and the bloodshed, it remains as it has always remained, a warm and generous land of poetry.12

    Pouco mais de um ms antes da invaso dos Estados Unidos ao Ira-que, a Primeira-Dama dos EUA, Laura Bush, convidou um grupo de po-etas Casa Branca para um simpsio sobre Walt Whitman, Emily Dickin-son e Langston Hughes. Porm, quando a administrao da Casa Branca suspeitou que algum dos poetas convidados poderia ler poemas contra a iminente guerra, o encontro foi cancelado. O cancelamento foi motivo de uma imediata resposta por parte de poetas de todo o pas. Milhares de po-emas de protesto foram enviados pela internet, e leituras aconteceram em todos os lugares. Em cafs, livrarias, igrejas e universidades de todo o pas, celebrou-se o poder da palavra. Entre os participantes estavam Rita Dove, Robert Pinsky, Mark Strand, Martin Espada, Adrienne Rich, Lawrence Ferlinghetti e Paul Auster.

    Os poetas no s condenam a explorao por parte de corpora-es, polticos e militares, mas reprovam a devastao da cultura do ini-migo, feita em nome do lucro. Em Global Inequalities, coleo de poemas publicados aps a Guerra do Golfo, a poeta norte-americana Jayne Cortez enfatiza que os confl itos acontecem muito mais por conta do complexo industrial militar do que para a liberdade dos oprimidos: Chairperson of the board / is not digging for roots / in the shadows / ... / Under-secretary of interior not writing / distress signals on shit house walls/ ... / Its somebody else without weight / without blood without land... (CORTEZ, 1992, p. 22).

    11 Para prover antdotos contra os movimentos expelidos pela Casa Branca, Downing Street e mdia. E porque os poetas sentem que necessrio. O ensaio foi enviado pelo prprio poeta, via e-mail.

    12 O Iraque , no presente, um pas em guerra e profunda dor. No entanto, debaixo do horror e do derramamento de sangue, ele permanece como sempre foi, uma calorosa e generosa terra de poesia.

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    Alguns poetas discutem as relaes racistas nos campos de batalhas. Em Vietn #4, a poeta Clarence Major confronta o racismo na Amrica e suas conexes com a guerra, particularmente o nmero desproporcional de negros comparado com o dos brancos morrendo no Vietn: so many/ of us/ niggers/ are dying over there/ [...]/ dont make sense/ unless its true/ that the honkeys/ are trying to kill us out/ [...]/ two birds with one stone (CORTEZ, 1992, p. 149).

    Junto poesia engajada, apareceu a chamada poesia testemunho, que atribua ao poeta a funo de testemunhar a verdade. De acordo com Octavio Paz, in a century of false testimonies, a writer becomes the witness to man13 (POETRY NATION REVIEW, 1977). A respeito da natureza e valida-de da poesia testemunho, o crtico Henry Gifford (1986) afi rma que, em um mundo dividido, antagnico e deteriorado por falta de entendimento mtuo, a fi delidade da poesia indispensvel. Para ele, alm de ser a ponte de comunicao com o passado, a fi dedignidade da testemunha est a servio do futuro.

    No ensaio Notes on Poetry and History, o poeta norte-americano, re-centemente nomeado Poeta Laureado dos EUA, Charles Simic (1985, p. 126) declara que o objetivo do poeta, em contraste com o do historiador, insistir no que ele chama de the history of unimportant events: In place of the historians distance, I want to experience the vulnerability of those partici-pating in tragic events. Ao trazer a histria dos annimos para dentro da histria monumental, os poemas lricos que tm como tema a guerra forne-cem vigorosas crticas mesma, revelando a violncia e o caos de tempos conturbados.

    Desde a defl agrao de guerras mais recentes, os poemas de Simic tm assumido um tom mais direto, e, assim como os documentos da hist-ria, sua poesia, consciente ou inconsciente, deixa testemunhos passveis de recontar e orientar a histria num ou noutro sentido. Cito parte da extensa entrevista que ele concedeu recentemente a Michel Hulse, quando solicitado a falar sobre o poema que est em discusso:

    Uma grande porcentagem da humanidade se no a maio-ria tem sido afetada pela guerra, no ltimo sculo. Muitos no escaparam desse destino fatal. Tudo o que algum tem que fazer assistir a CNN, a qualquer hora, para confi rmar isso. Algum, em algum lugar do mundo, est em meio a uma poa de sangue. Eu percebo que a maioria das pessoas no nota isso ou se entristece como eu e eu as entendo. Meus fi lhos tambm dizem que eu exagero [...]. Bem, tal-vez. Ainda assim, matar inocentes me parece ser o que os seres humanos sempre tm feito com grande entusiasmo. Olhe a histria ou a mitologia e o que voc encontra? As-sassinato, estupro, aprisionamento, ou o corte do pescoo de alguma jovem virgem para satisfazer o deus da guerra. (SIMIC, 2002, p. 32, traduo minha)14

    13 Em um sculo de falsos depoimentos, o escritor torna-se a testemunha do homem.14 No original: A large percentage of humanity if not the majority has been affected by

    war in the last century. Not many have escaped that common fate. All one has to do is

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    Comparado aos Estados Unidos, o Brasil jamais sofreu um impacto militar direto, nem bombardeios ou invases, e envolveu-se em poucos confl itos internacionais, sendo que o maior destes foi a chamada Guerra do Paraguai. Alguns confl itos internos, como as revoltas da poca do Bra-sil colnia, as rebelies regenciais do perodo da monarquia, a Balaiada, a Cabanagem, a Guerra dos Farrapos, a Guerra de Canudos, a Revoluo de 1930, a Revoluo Constitucionalista na Era Vargas, entre outros, esto retratados na narrativa, mas no mereceram ateno especial por parte dos poetas.

    Embora o Brasil tenha enviado cerca de 26.000 soldados Itlia por ocasio da Segunda Guerra Mundial, a poesia, que trata desta guer-ra, produzida neste pas reduzida, especialmente se compararmos com a poesia produzida nos Estados Unidos e na Europa. Sobre esse tema, destacamos a poesia de Carlos Drummond de Andrade, Ceclia Meireles e Murilo Mendes. Segundo Murilo Marcondes de Moura (1998), esses trs poetas estabeleceram uma forte empatia com a guerra na Europa, propondo respostas diferenciadas do ponto de vista literrio e poltico.

    Muitos poemas de Drummond funcionam como denncia da opresso que marcou aquele tenso momento histrico. No livro de poe-mas A Rosa do Povo, publicado em 1945, o poeta se revela profundamente marcado pela Segunda Guerra, pelo socialismo e pela experincia do Es-tado Novo no Brasil. Considerada a melhor obra de Drummond, A Rosa do Povo apresenta poemas que falam de ditadura, priso, tortura, guerra e massacres, como Carta a Stalingrado e Nosso Tempo. Exemplifi co com um trecho deste ltimo:

    Tempo de divisas,Tempo de gente cortadaE mos viajando sem braos,Obscenos gestos avulsos.

    Na avaliao do crtico Jos Guilherme Merquior (1975, p. 25), o poema simboliza o homem mutilado, danifi cado tanto pela guerra como pela cidade opressora que esmaga corpos e conscincias. O poema e a avaliao de Merquior lembram o painel pintado por Pablo Picasso em 1937: Guernica. Em estilo cubista, o pintor retrata pessoas, animais e edifcios destrudos, em uma clara analogia ao bombardeio sofrido pela cidade espanhola de Guernica durante a Guerra Civil Espanhola.

    turn on CNN any time, at any hour, to get confi rmation of that. Someone somewhere in the world is lying in a puddle of blood. I realize most people dont notice it or get as upset as I do and I understand them. My children, too, say I exaggerate []. Well, maybe. Still, killing the innocent seems to me what human beings have always done and still do with great enthusiasm. Look at world history or mythology and what do you fi nd? Murder, rape, imprisonment, or the slitting of some innocent young maidens throat to appease the god of war. (SIMIC, 2002, p. 32)

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    A condenao guerra e ao uso da cincia e da tecnologia como ar-mas de destruio esto presentes em muitos poemas de Ceclia Meireles, como, por exemplo, em Lamento do Ofi cial Por Seu Cavalo Morto:

    Ns merecemos a morte,porque somos humanose a guerra feita pelas nossas mos,pela nossa cabea embrulhada em sculos de sombra,por nosso sangue estranho e instvel, pelas ordensque trazemos por dentro, e fi cam sem explicao.

    Criamos o fogo, a velocidade, a nova alquimia,os clculos do gesto,embora sabendo que somos irmos.Temos at os tomos por cmplices, e que pecadosde cincia, pelo mar, pelas nuvens, nos astros!Que delrio sem Deus, nossa imaginao!

    Em Guerra, Ceclia Meireles (1945) nos oferece imagens e simbo-lismos que traduzem o mal-estar do ser humano vivendo a realidade da guerra. A destruio causada pela Segunda Guerra Mundial tambm mar-cou profundamente a poesia de Murilo Mendes. Escrito sob o impacto da guerra, Poesia Liberdade, apresenta uma srie de poemas que testemunham as decepes provenientes dos efeitos da Guerra.

    Murilo Mendes tambm praticou a poesia social, mas esta passa-va por um fi ltro bem defi nido. Para ele, a transfi gurao to valorizada quanto a realidade que se quer apresentar:

    A poesia social sempre me seduziu. De resto, tentei-a vrias vezes. O que desaprovo a poesia tipo manifesto e progra-mao poltica, cumprindo desajeitadamente um papel que antes compete ao artigo de jornal e literatura de comcio prosa enfi m. Na mesma ordem de ideias um certo tipo de pintura social que retira o poeta da seu mundo ambiente, e cortando o cordo umbilical do seu egosmo e do indivi-dualismo, abre-lhe perspectivas muito mais vastas dentro da dimenso histrica e do mito, esta me parece seguir o caminho mais fecundo e com maiores possibilidades de fu-turo. (MENDES apud MOURA, 1995, p. 147)

    Poesia Liberdade, publicado em 1947, o livro de Murilo Mendes em que mais fl agrante a deciso de fazer poesia social. Escrito durante a Segunda Guerra, o poema Janela do Caos parece querer expor, em meio aos acontecimentos do embate, um vasto painel histrico. Alm disso, a liberdade proposta pelo ttulo da coletnea chega a ser um desafi o frente situao catica da sociedade, que vivia a ditadura militar do Estado Novo.

    A poesia lrica contempornea expe a hipocrisia poltica e, dife-rentemente dos documentos histricos, expe as razes reais que levam os homens guerra. O mito mais difundido o de que nosso democrtico modo de viver est sob ataque e requer que sacrifcios sejam feitos, de

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    modo a garantir a liberdade das geraes futuras. O desejo de proteo da liberdade por parte dos soldados honorvel. Mas, quando eles percebem que podem ser sacrifi cados por motivos estratgicos, a crena de que mor-rer pelo pas um sacrifcio que vale a pena cai por terra.

    A temtica da guerra tambm uma constante na lrica de Affonso Romano de SantAnna. Seu extenso poema Os Homens Amam a Guer-ra foi primeiramente publicado em 1985, no livro de poesias A Catedral de Colnia, com o ttulo original O ltimo Tango nas Malvinas. Antes de estar em livro, j havia sido publicado em vrios jornais brasileiros e estrangeiros. Posteriormente e aps a retirada de alguns versos, o poema passou a ter o ttulo Os Homens Amam a Guerra. Em 2001, a Editora Francisco Alves lanou uma pequena edio contendo apenas este poema. Recentemente, e por conta da invaso dos EUA ao Iraque, o poema me-receu uma edio especial e foi traduzido em vrias lnguas, entre elas o ingls e o espanhol.

    Os homens, no poema, tm prazer na violncia, na morte, no san-gue, no calor da guerra. Esse estranhamento suscita uma coerncia po-tica, que quebra a barreira entre as palavras e defi ne aquela realidade. A temtica do amor guerra, que o tema principal do poema, est con-fi gurada em todas as suas implicaes. O amor, fonte de aproximao, quando pervertido, torna-se o princpio de diviso e morte. O poema Os Homens Amam a Guerra no termina de maneira inslita. O eu lrico indaga se a espcie humana, de uma vez por todas, chegar, de fato, ao extermnio to possvel nos dias de hoje. Ele mesmo, indubitvel e espe-ranosamente, responde que no. Ainda cr o narrador que sempre so-bram alguns da sua espcie. Sua expectativa de que uma nova gnese se inscreva no espao de vida que restar, e que ho de sobrar um novo Ado e Eva a refazer o amor (linhas 114-116). Mas, num fi lete do ltimo verso, deixa escapar que destes, novamente, dois irmos sero refeitos: Caim e Abel. E estes reinventaro a guerra. Continua, assim, a dicotomia que j est desde o ttulo: amor e guerra.

    De qualquer forma, seja qual for a classifi cao poesia antiguer-ra, poesia poltica ou poesia testemunho , na contemplao da histria, a poesia lrica contempornea tem-se preocupado em descrever e registrar o que muitos veem e sentem mas no podem entender ou articular.

    Os poemas discutidos at ento so valorizados porque a voz in-dividual do sofrimento dos poetas profundamente consciente do estado geral de desespero, agonia e loucura que toma conta das naes. Dessa for-ma, a poesia tambm uma viso antecipada dos anos que se aproximam. Espera-se que a poesia que trata das batalhas atuais incluam condenaes urgncia da guerra, falta de planejamento para atingir a vitria e como isso coloca em risco a vida de soldados e civis. Ignorncia e incompetncia so as razes que os polticos atribuem para essas imperdoveis condies, enquanto os poemas continuaro desafi ando a veracidade das desculpas luz da nossa histria.

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    Os trgicos acontecimentos do dia 11 de setembro de 2001, em Nova Iorque, vivero historicamente ao lado do poema September 1, 1939 de Auden. Os confl itos atuais prosseguem confi rmando o que o poeta anun-ciava na primeira linha do poema: We must love ane another or die. Esse poema foi o mais enviado por e-mail aps o incidente de 11 de setembro de 2001, em Nova Iorque, mostrando que a poesia, mais uma vez, sobrevive e continua a refl etir nossa histria.

    Recebido em setembro de 2012.Aprovado em outubro de 2012.

    Poetry and War: Poets and soldiers marching in cadence

    AbstractThis article explores the connection between history and poetry. It investigates the repre-sentations of war or social-political confl icts in contemporary lyrical poetry. By analyzing poems in English and Portuguese, I focus and comment on the transition of war poetry to antiwar poetry. In fact, the subject of war seems to be a striking feature of contemporary lyrical poetry. The results confi rm that lyrical poetry demonstrates the possibilities of a historical reading, as well as its facts and characters in it. Poets incorporate history in their poems to emphasize the commitment of literature with the realities that surround them.

    Keywords: Lyrical poetry. War. History.

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