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O DESAFIO EM CARDIOLOGIA KARDIA VOLUME 13 - Nº 4 - 2010 ISSN 1981-3449 EDITORIAL Celso Amodeo Doença coronariana e síndrome metabólica: É possível o seu controle ainda que haja muito baixa aderência a um programa de mudanças no estilo de vida? ARTIGO COMENTADO Estatinas e acidente vascular encefálico. Mecanismos potenciais de proteção cerebrovascular ATUALIZAÇÃO CLÍNICA Bloqueio do receptor AT1 da angiotensina II com foco em proteção cerebral CASO CLÍNICO

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O D E S A F I O E M C A R D I O L O G I AK A R D I A

VOLUME 13 - Nº 4 - 2010 ISSN 1981-3449

EDITORIALCelso Amodeo

Doença coronariana e síndrome metabólica: É possível o seu controle ainda que haja muito baixa aderência a um programa de mudanças no estilo de vida?

ARTIGO COMENTADOEstatinas e acidente vascular encefálico. Mecanismos potenciais de proteção cerebrovascular

ATUALIZAÇÃO CLÍNICA Bloqueio do receptor AT1 da angiotensina II com foco em proteção cerebral

CASO CLÍNICO

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Programa de estudos GALAXY™1:Cerca de 70.000 pacientes envolvidos em 23 estudos clínicos para compreender os efeitos das modificações lipídicas.

Participação do Brasil: (PLANET I e II, SATURN, AURORA, DISCOVERY, JUPITER E MERCURY II).

1

Referência Bibliográfica: 1. Schuster H. The GALAXY Program: an update on studies investigating efficacy and tolerability of rosuvastatin for reducing cardiovascular risk. Expert Rev Cardiovasc Ther. 2007 Mar;5(2):177-93.

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índiceEditorial ...............................................................4Celso Amodeo

Atualização Clínica ..............................................5Bloqueio do receptor AT1 da angiotensina II com foco em proteção cerebralCelso Amodeo

Artigo Comentado................................................8Estatinas e acidente vascular encefálico. Mecanismos potenciais de proteção cerebrovascularFrancisco A. H. FonsecaCarolina N. FrançaRui M. S. PóvoaMaria Cristina O. Izar

Caso Clínico ......................................................12Doença coronariana e síndrome metabólica: É possível o seu controle ainda que haja muito baixa aderência a um programa de mudanças no estilo de vida?Francisco A. H. Fonseca

editoresCelso AmodeoCardiologista pelo Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia de São Paulo.Nefrologista pela Universidade da Virgínia, EUA.Especialista em Hipertensão Arterial pela Alton Oschner Medical Foundation, EUA.Doutor em Nefrologia pela Universidade de São Paulo.

Francisco A. H. FonsecaLivre-docente e Professor Afiliado da Disciplina de Cardiologia da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Chefe do Setor de Lípides, Aterosclerose e Biologia Vascular da Unifesp.

o d e s a f i o e m c a r d i o l o g i a

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EditorialCom esta edição de Kardia, estamos encerrando as

publicações da revista no ano de 2010. Sempre com o intuito de levar ao leitor os aspectos mais práticos da prevenção cardiovascular baseados nas evidências clínicas disponíveis, a revista Kardia apresenta, neste número, na sessão de Artigo Comentado e de Atualização Clínica uma excelente revisão sobre a proteção cerebral produzida pelos bloqueadores do receptor AT1 da angiotensina II. Vários prováveis mecanismos de proteção cerebrovascular são discutidos nestes dois artigos mostrando, também, as evidências da efetiva proteção cerebral produzida por essa classe de fármacos anti-hipertensivos.

Dentro do tratamento das doenças cardiovasculares uma preocupação constante é a adesão as recomendações de mudança de estilo de vida no tratamento e prevenção da doença coronária. É de conhecimento geral que as mudanças de estilo de vida diminuem ao longo do tempo, seja em prevenção primária ou secundária. Portanto, é ponto controverso o sucesso terapêutico naqueles pacientes que não seguem as orientações para mudança do estilo de vida. Para analisar esse lado do tratamento da doença cardiovascular, o Caso Clínico apresentado discute se é possível o controle da síndrome metabólica e da doença coronária em paciente que toma medicação, mas não mantém um estilo de vida adequado. Quando o esquema terapêutico é efetivo e apropriado, mesmo para os que não seguem um estilo de vida saudável, os pacientes podem se beneficiar com estatinas mais potentes e agentes anti-hipertensivos no controle do risco cardiovascular.

Foi uma honra, um grande prazer e um aprendizado para mim, poder dividir com o amigo Francisco Fonseca os trabalhos das edições da revista Kardia em 2010. Espero que os leitores tenham aproveitado os artigos e casos clínicos apresentados nestas edições e que isso possa ter auxiliado na melhoria da prática clínica em benefício dos pacientes.

Boa leitura a todos!

Celso AmodeoEditor

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O acidente vascular encefálico (AVE) é uma das principais causas de morte e invali-dez na civilização ocidental.1,2 Estima-se que cerca de 40% dos pacientes que sobrevivem a um AVE demonstram algum nível de incapacidade cognitiva ou motora que os levam a necessitar auxílio de cuidadores.3

Portanto, o objetivo principal tem sem-pre que ser a prevenção desse importante agravo à saúde. O meio de se prevenir é buscando a eliminação ou controle dos principais fatores de risco para o AVE. Além da idade, a hipertensão arterial repre-senta esses principais fatores de risco para AVE. Muitos estudos demonstraram que o controle da pressão arterial principalmente da hipertensão sistólica isolada tem impac-to importante na prevenção do AVE.4-7

Quando a prevenção não é possível e o evento acontece, em muitos centros, se o paciente consegue chegar até três horas do início do AVE, o uso de trombólise pode ser uma solução. Entretanto, na maioria dos países isso ainda não é possível devido

a vários fatores que impedem o paciente de chegar a centros especializados nesse tipo de intervenção.8 Portanto, a abor-dagem mais pertinente nesses casos é a neuroproteção, isto é, minimizar a injúria causada pela isquemia.

Atualmente, tem sido bem evidencia-do nos pacientes de alto risco para AVE que o bloqueio do sistema renina-angio-tensina pelos bloqueadores da enzima de conversão da angiotensina I (IECA) e pelos bloqueadores dos receptores AT1 da angiotensina II (BRAs) podem efeti-vamente diminuir a incidência de AVE.9,10 Estudos em humanos e animais demons-traram que os BRAs apresentam um efeito protetor adicional que vai além daquele devido a redução da pressão arterial.11-14 Essa neuroproteção farmacológica é pos-sível dentro das seis horas que seguem o evento agudo. As células nervosas da área do evento isquêmico (espasmo ou hemor-ragia) ao morrerem liberam substâncias tóxicas que comprometem as células da

Bloqueio do receptor AT1 da angiotensina II com foco em proteção cerebralCelso AmodeoCardiologista pelo Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia de São Paulo.Nefrologista pela Universidade da Virgínia, EUA.Especialista em Hipertensão Arterial pela Alton Oschner Medical Foundation, EUA.Doutor em Nefrologia pela Universidade de São Paulo.

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vizinhança, levando a formação de uma área denominada de penumbra. Essa zona de penumbra apresenta intensa atividade inflamatória.15 Portanto, a área de pe-numbra é onde os agentes farmacológicos poderão mais intensamente agir.16,17

O sistema renina-angiotensina tem na angiotensina II um dos principais e mais potentes vasoconstritores do or-ganismo. Essa vasoconstrição se realiza por meio da ativação do receptor AT1. A densidade de receptor AT1 e AT2 no organismo não é uniforme. Entretanto, em muitos tecidos a expressão do re-ceptor AT1 é muito maior do que do receptor AT2.18 Entretanto, em situações de alterações teciduais provocadas por eventos clínicos como infarto miocár-dico ou acidente vascular encefálico, a isquemia induz a uma maior expressão dos receptores AT2, que parodoxalmente induzem vasodilatação e inibem ativida-de inflamatória e fibrose.14

Os BRAs agem inibindo a ação da angiotensina II via receptor AT1. Além desse efeito os BRAs atuam aumentando a expressão do receptor AT2, que mimetiza o mecanismo natural de proteção tecidual com produção de substâncias vasodilata-doras, principalmente do óxido nítrico. Este mecanismo de ação poderia explicar essa ação protetora cerebral dos BRAs que vai além da redução da pressão arterial.

Outro mecanismo de proteção cere-bral dos BRAs especulado seria a redução no aparecimento de fibrilação atrial, principalmente nos pacientes portadores de insuficiência cardíaca. É conhecido que uma das principais causas de AVE é o tromboembolismo determinado pelo desenvolvimento de fibrilação atrial. O estudo CHARM19 mostrou que candesar-tana administrada a pacientes com insufi-ciência cardíaca diminuiu o aparecimento de fibrilação atrial (Figura 1). Tal efeito, portanto, poderia também ter impacto na prevenção cerebrovascular.

O estudo SCOPE (Study on COgni-tion and Prognosis in the Elderly) mostrou que 4 anos de tratamento com candesar-tana reduziu em 28% a incidência dos AVE não fatais (p<0,05) e em 24% dos AVE totais (p=NS) quando comparados com o placebo (Figura 2).20,21 Portanto, esse estudo mostra as vantagens do blo-queador do receptor AT1 da angiotensina II, candesartana, em prevenção primária do acidente vascular encefálico em idosos.

Também existem dados de preven-ção secundária de AVE com o uso da candesartana. O estudo ACCESS (Acute Candesartan Cilexetil Therapy in Stroke Survivors study)22 foi desenhado para estudar a segurança de uma redução discreta da pressão arterial com cande-sartana na fase inicial do tratamento do AVE, isto é, tempo médio de início do evento de 30 horas (Figura 3). O estudo foi interrompido prematuramente devido aos efeitos mais favoráveis observados com a candesartana na prevenção de um novo evento encefálico. Os pacientes que receberam a candesartana desde o primeiro dia após o acidente vascular encefálico mostraram uma redução significante na mortalidade no primeiro ano, bem como no número dos eventos vasculares. Houve uma diferença não significativa em favor da candesartana na redução de acidente vascular encefálico (13 no grupo candesar-tana contra 19 no grupo placebo, p=NS).

Figura 1. Possíveis explicações para melhores resultados em AVE com BRAs

Figura 2. Estudo SCOPE. Redução de 42% de AVE em idosos com hipertensão sistólica isolada

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Portanto, existem evidências do envolvimento dos receptores AT2 da angiotensina II nos prováveis mecanismos de neuroproteção dos BRAs em prevenção primária e secundária do acidente vascular encefálico. Esse mecanismo foi melhor demonstrado em estudos experimentais que mostraram uma ação de contra ponto com os efeitos deletérios da angiotensina II via receptor AT1, principalmente no que se refere a ações anti-inflamatórias, antiproliferativa, antifibrótica e estímulo a regeneração dos neurônios.23 Provavel-mente esses mecanismos explicam, em parte, as possíveis ações dos bloqueadores dos receptores AT1 da angiotensina II sobre a neuroproteção que vão além da simples redução da pressão arterial.24

Referências1. Murray CJL, Lopez AD. Global mortality,

disability, and the contribution of risk factors: Global Burden of Disease Study. Lancet. 1997;349:1436-42.

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3. Brainin M, Dachenhausen A, Steiner M. Epidemiologie des schlaganfalls. Wien Med Wochenschr. 2003;153:3-5.

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5. MacMahon S, Peto R, Cutler J, Collins R, Sorlie P, Neaton J, et al. Blood pressure, stroke, and coronary heart disease. Part

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8. Oureshi AI, Kirmani JF, Sayed MA, Saf-dar A, Ahmed S, Ferguson R, et al, for the Buffalo Metropolitan Area and Erie County Stroke Study Group. Time to hospital arrival, use of thrombolytics, and in-hospital outcomes in ischemic stroke. Neurology. 2005;64:2115-20.

9. Dahlöf B, Devereux RB, Kjeldsen SE, Julius S, Beevers G, Faire U, et al. Car-diovascular morbidity and mortality in the losartan intervention for endpoint reduction in hypertension study (LIFE): a randomised trial against atenolol. Lan-cet. 2002;359:995-1003.

10. The Heart Outcomes Prevention Evalua-tion Study Investigators. Effects of ramipril on cardiovascular and microvascular out-comes in people with diabetes mellitus: results of the HOPE study and MICRO-HOPE substudy. Lancet. 2000;355:253-9.

11. Culman J, Blume A, Gohlke P, Unger T. The rennin-angiotensin system in the brain: possible therapeutic implications of AT1-receptor blockers. J Hum Hyper-J Hum Hyper-tens. 2002;16:64-70.

12. Thöne-Reineke C, Zimmermann M, Neumann C, Krikov M, Li J, Gerove N, et al. Are angiotensin receptor blockers

neuroprotective? Curr Hypertens Rep. 2004;6:257-66.

13. Wilms H, Rosenstiel P, Unger T, Deutschl G, Lucius R. Neuroprotection with angio-tensin receptor antagonists. A review of the evidence and potential mechanisms. Am J Cardiovasc Drugs. 2005;5:245-53.

14. Steckelings UM, Kaschina E, Unger T. The AT2 receptor – a matter of love and hate. Peptides. 2005;26:1401-9.

15. Mergenthaler P, Dirnagl U, Meisel A. Patho-physiology of stroke: lessons from animal models. Metab Brain Dis. 2004;19:151-67.

16. Astrup J, Siesjo BK, Symon L. Thresh-olds in cerebral ischemia – the ischemic penumbra. Stroke. 1981;12:723-5.

17. Ginsberg MD. Adventures in the patho-physiology of brain ischemia: penumbra, gene expression, neuroprotection: The 2002 Thomas Willis Lecture. Stroke. 2003;34:214-23.

18. De Gasparo M, Catt KJ, Inagami T, Wright JW, Unger T. International Union of Phar-macology. XXIII. The angiotensin II recep-tors. Pharmacol Rev. 2000;52:415-72.

19. Pfeffer MA, Swedberg K, Granger CB, Held P, McMurray JJ, Michelson EL, et al. Effects of candesartan on mortality and morbidity in patients with chronic heart failure: the CHARM-Overall programme. Lancet. 2003;362(9386):759-66.

20. Lithell H, Hansson L, Skoog I, Elmfeldt D, Hofman A, Olofsson B, et al. For the SCOPE Study Group. The Study on COgnition and Prognosis in the Elderly (SCOPE): principal results of a random-ized double-blind intervention trial. J Hypertens. 2003;21:875-86.

21. Papademetriou V, Farsang C, Elmfeldt D, Hofman A, Lithell H, Olofsson B, et al. Stroke prevention with the angiotensin II type 1-receptor blocker candesartan in elderly patients with isolated systolic hypertension: the Study on Cognition and Prognosis in the Elderly (SCOPE). J Am Coll Cardiol. 2004;44(6):1175-80.

22. Schrader J, Lüders S, Kulschewski A, Berger J, Zidek W, Treib J, et al, on behalf of the ACCESS Study Group. The ACCESS Study: evaluation of Acute Candesartan Cilexetil Therapy in Stroke Survivors. Stroke. 2003;34:1699-703.

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24. Naunyn Schmiedebergs Arch Pharma-col. 2002;365(suppl 1):R67.

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Figura 3. ACCESS: Acute Candesartan Cilexetil Evaluation in Stroke Survivors

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ResumoÀ medida que aumenta a vida média

da população em todo o mundo, o aci-dente vascular encefálico (AVE) se torna uma das maiores causas de mortalidade e morbidade, particularmente para os países emergentes.

Nos últimos anos, tornou-se evi-dente a significativa redução das taxas

de primeiro ou recorrente a AVE pelo uso de estatinas, com base em grandes estudos ou metanálises.

De forma interessante, do ponto de vista epidemiológico, existe uma fraca associação entre os níveis de colesterol ou de LDL-C com o AVE, sugerindo que outros mecanismos, além da redu-ção lipídica possam estar envolvidos.

Estatinas e acidente vascular encefálico.Mecanismos potenciais de proteção cerebrovascularFrancisco A. H. FonsecaSetor de Lípides, Aterosclerose e Biologia Vascular. Disciplina de Cardiologia, Universidade Federal de São Paulo.

Carolina N. França Setor de Lípides, Aterosclerose e Biologia Vascular. Disciplina de Cardiologia, Universidade Federal de São Paulo.

Rui M. S. PóvoaSetor de Cardiopatia hipertensiva. Disciplina de Cardiologia, Universidade Federal de São Paulo.

Maria Cristina O. IzarSetor de Lípides, Aterosclerose e Biologia Vascular. Disciplina de Cardiologia, Universidade Federal de São Paulo.

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De fato, além de modificações li-pídicas, algumas propriedades destes fármacos, relacionadas com inflamação, hemostasia, função endotelial, estabili-zação de placas, mobilização de células endoteliais progenitoras, têm sido propostas em conjunto para explicar o benefício destes fármacos. Além disso, recente metanálise e ensaios clínicos controlados também mostram que as estatinas reduzem a pressão arterial sis-tólica e diastólica, renovando o interesse nesta classe de fármacos.

Palavras-chaves: Acidente Vascu-lar Encefálico, Estatinas, Hemostasia, Inflamação, Células Progenitoras En-doteliais, Pressão Arterial.

Prevenção dos acidentes vasculares encefálicos com base em grandes estudos com estatinas

Em 2005, os colaboradores do Cholesterol Treatment Trialists (CTT) publicaram metanálise de 14 estudos randomizados de estatinas, controlados por placebo disponíveis até aquela data. Os autores descreveram 2.957 AVE ocorridos nestes estudos que incluíram 90.056 indivíduos, e relataram redução significante de 17% na incidência do primeio AVE de qualquer tipo entre os pacientes alocados para o uso de estatinas (RR 0,83; 99% IC 0,78-0,88, p<0,0001).1 De acordo com os autores, a redução do AVE foi principalmente atribuída ao AVE isquêmico, o qual foi reduzido em 22% (RR 0,78; 99% IC 0,70-0,87, p<0,0001) por mmol/L de redução de LDL-C.1 Durante um período médio de cinco anos, o uso de estatinas pode ser traduzido como responsável por oito AVE a menos (95% IC 4-12) por 1.000 indivíduos em prevenção secundária da doença coronariana e em cinco AVE a menos (95% IC 1-8) para os indivíduos sem prévia doença coronariana, por mmol/L de LDL-C de redução.1 Os mesmos investigadores publicaram em 2008 os efeitos da terapia com estatinas em 18.686 indivíduos com diabetes incluí-

dos nesta metanálise. Neste subgrupo, eles relataram 21% de redução no risco relativo para o primeiro AVE para os pacientes alocados para trata-mento com estatinas (RR 0,79; 99% IC 0,67-0,93, p=0,0002).2

Em 2006, o estudo The Stroke Prevention by Aggressive Reduction in Cholesterol Levels (SPARCL) foi publi-cado e adicionou novas informações do papel das estatinas na prevenção secundária do AVE.3 Este estudo em particular incluiu 4.731 pacientes com AVE ou AIT (acidente isquêmico transitório)prévio ocorrido entre um e seis meses antes da inclusão ao estudo. Nenhum destes pacientes possuía história prévia de doença coronariana e foram tratados com atorvastatina 80 mg/dia ou placebo. Após uma mediana de 4,9 anos de seguimento, o objetivo primário do estudo, re-corrência de AVE fatal ou não fatal foi reduzido em 16% (hazard ratio ajustado 0,84; 95% IC 0,71-0,99, p=0,03).3 Novamente, o benefício foi devido a uma redução significante na redução das taxas de AVE isquê-mico. Outros benefícios incluíram significante redução nos desfechos coronarianos principais (hazard ratio ajustado 0,65; 95% IC 0,49-0,87; p=0,003), e desfechos cardiovascula-res principais (hazard ratio ajustado 0,80; 95% IC 0,69-0,92, p=0,002).3 O benefício do tratamento com es-tatina no estudo foi demonstrado na prevenção do AVE isquêmico (hazard ratio 0,75; 95% IC 0,66-0,94), mas existiu um aumento na taxa de AVE hemorrágico (hazard ratio 1,66; 95% IC 1,08-2,55). Entretanto, não houve diferença significativa na mortalidade por AVE hemorrágico (17 no braço atorvastatina e 18 no grupo placebo) bem como na mortalidade total.

Mais recentemente, outro impor-tante estudo4 testou os benefícios da terapia com estatina na prevenção do AVE em pacientes na prevenção primária da doença cardiovascular. Esse estudo4 avaliou os benefícios da

rosuvastatina 20 mg/dia entre 17.802 indivíduos com níveis relativamente normais de LDL-C (< 130 mg/dL) no basal, mas que estavam sob risco cardiovascular aumentado devido ao aumento dos níveis de proteína C-reativa (≥ 2 mg/L). Após um período de seguimento de 1,9 anos (mediana) uma redução inesperada de 48% na in-cidência do primeiro AVE fatal ou não fatal foi observada entre os pacientes sob terapia com a estatina (hazard ratio 0,52; 95% IC 0,34-0,79, p=0,002). Os autores relataram que o benefício foi devido a 51% de redução na taxa do primeiro AVE isquêmico (hazard ratio 0,49; 95% IC 0,30-0,81, p=0,004) sem diferenças entre os grupos nas taxas de AVE hemorrágico.

Finalmente, Amarenco e Labreuch publicaram uma interessante revisão e metanálise dos efeitos das estatinas que incluiu 165.792.5 De acordo com os autores, para prevenção primária do AVE, o risco relativo para AVE fatal e não fatal foi reduzido em 19% (RR 0,81; 95% IC 0,75-0,84, p<0,0001), e para a prevenção secundária do AVE o risco relativo foi reduzido em 12% (RR 0,88; 95% IC 0,78-0,99, p=0,003), en-tre os pacientes tratados com estatinas. Considerando-se todos os estudos de forma conjunta existiu uma redução no risco relativo de AVE em 18% (RR 0,82; 95% IC 0,77-0,87, p<0,0001). Para o AVE hemorrágico existiu um efeito não significante pela terapia com estatinas na prevenção primária (RR 0,81; 95% IC 0,60-1,08, p=0,15). Por outro lado, existiu um significante aumento de AVE hemorrágico para os pacientes em prevenção secundária do AVE (RR 1,73; 95% IC 1,19-2,50, p=0,004). Mas este aumento no AVE hemorrágico desaparece quando se considera todos os estudos de prevenção primária e secundária em conjunto (RR 1,03; 95% IC 0,75-1,41, p=0,88). A Tabela 1 mostra os principais achados e algumas características clínicas dos estudos mencionados.

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Mecanismos potenciais relacionando estatinas à proteção cerebrovascular

Lípides e AVENo estudo the Multiple Risk Factor

Intervention Trial (MRFIT),6 uma posi-tiva associação com AVE isquêmico foi observada com os níveis de colesterol. Subsequentemente, no the Copenhagen City Heart Study,7 um estudo observacional envolvendo 19.698 indivíduos, os autores relataram uma relação positiva com níveis de colesterol e AVE não hemorrágico e uma relação inversa com eventos hemor-rágicos com níveis baixos de HDL-C. No mesmo estudo, níveis elevados de triglicérides medidos sem jejum também se associaram com AVE isquêmico.8

Em outro importante estudo obser-vacional The Prospective Cardiovascular Muenster Study (PROCAM),9 nenhuma clara relação entre os níveis de colesterol com AVE foi evidenciada, assim como no estudo Stroke Prevention by Aggressive Reduction in Cholesterol Levels (SPARCL), onde os níveis de LDL-C não foram pre-ditores de AVE mesmo entre os pacientes com doença carotídea.10 De fato, baseado neste último estudo, apenas os níveis

basais de HDL-C estiveram associados com a recorrência do AVE.11

Assim, os dados destes estudos de forma conjunta mostram uma relação positiva, mas fraca entre os níveis de co-lesterol, de LDL-C e de triglicérides com acidentes vasculares encefálicos e inversa para os AVE hemorrágicos. Uma relação inversa também ocorre com níveis de HDL-C. Baseado nestes aspectos e tendo em conta que a ação predominante das estatinas ocorre nos níveis de LDL-C, a presença de efeitos não lipídicos das estatinas parece envolvida na proteção destes fármacos para o AVE.

Efeitos além das modificações lipídicasNos anos mais recentes, pesquisas

sobre estatinas na aterosclerose têm mos-trado novos mecanismos para explicar todo o espectro de benefícios. Assim, a melhora da função endotelial e redução do risco trombótico parecem aspetos chaves na proteção vascular. Além disso, estes agentes farmacológicos parecem mediar a mobilização de células progenitoras endoteliais e até mesmo a imunidade

inata e adaptativa, o que pode determinar uma resposta reparadora, cicatricial das lesões da aterosclerose e não de sinalização pró-inflamatória, hemorragia intraplaca e fenômenos de erosão endotelial ou ruptura de placas. Todos estes chamados efeitos pleiotrópicos das estatinas constituem um fascinante campo de investigação atual.12,13

Acidente vascular encefálico e células progenitoras endoteliais

Recentes estudos têm mostrado que as células progenitoras endoteliais (EPC) estão reduzidas nos pacientes na fase aguda do AVE,14 e que a extensão do mesmo pode ser reduzida com aumento das EPC.15 Pacientes com maior número de EPC cir-culantes possuem melhor evolução clínica, sugerindo que a quantificação das EPC pode se constituir em um marcador de risco na evolução destes pacientes após AVE.

Efeitos das estatinas na pressão arterialMais da metade dos AVE podem ser

atribuídos à elevação da pressão arterial16 e os riscos de recorrência também são muito influenciados pelos níveis pressóricos.17,18 Além disso, com base em metanálise de nove estudos randomizados, mesmo peque-nas alterações nos níveis de pressão arterial (1 a 3 mmHg) estão associadas com uma surpreendente redução de 20-30% no risco de AVE.19 Assim, um possível mecanismo de prevenção do AVE por estatina poderia estar relacionado com a habilidade destes fármacos em reduzir a pressão arterial.Recentemente, grandes estudos clínicos e metanálise confirmaram que uma pequena, mas significativa redução da pressão arterial foi mostrada para pacientes tratados com estatinas.20,21 Os possíveis mecanismos para a redução da pressão arterial incluem melhora da função endotelial, redução da inflamação,22,23 declínio na ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona24 e redução na curva de pressão carotídea.25

ConclusãoA terapia com estatina emerge como

uma útil estratégia para se reduzir as taxas de AVE. Primariamente considerada uma medicação hipolipemiante, esta classe de medicamentos parece atenuar sobre múlti-

Tabela 1. Terapia com estatinas e prevenção do acidente vascular encefálico.1-5

Estudo Qualquer AVE AVE isquêmico AVE hemorrárico

CTT*

(n=90,056)

IC

SPARCL

(n=4,731)

atorvastatina IC

JUPITER

(n=17,802)

rosuvastatina IC

Amarenco†

(n=165,792)

$ 17% (RR 0,83)

(95%; 0,78-0,88)

$ 16% (RR 0,84)

(95%; 0,71-0,99)

$ 48% (RR 0,52)

(95%; 0,34-0,79)

$ 18% (RR 0,82)

(95%; 0,77-0,87)

$ 22% (RR 0,78)

(99%; 0,70-0,87)

$ 22% (RR 0,78)

(95%; 0,66-0,94)

$ 51% (RR 0,49)

(95%; 0,30-0,81)

NA

# 5% (RR 1,05)

(99%; 0,78-1,41)

# 66% (RR 1,66)

(95%; 1,08-2,55)

$ 33% (RR 0,67)

(95%; 0,24-1,88)

NS, RR 1,03

(95%; 0,75-1,41)

* Inclui: 4S (Scandinavian Simvastatin Survival Study), WOSCOPS (West of Scotland Coronary Prevention Study), CARE (Cholesterol And Recurrent Events); Post-CABG (Post Coronary Artery Bypass Grafting), AFCAPS/TexCAPS (Air Force-Texas Coronary Atherosclerosis Prevention Study), LIPID (Long-Term Intervention with Pravastatin in Ischemic Disease), GISSI prevenzione (Gruppo Italiano per lo Studio della Sopravvivenza nell’Infarto Miocardico), LIPS (Lescol Intervention Prevention Study), HPS (Heart Protection Study), PROSPER (Prospective Study of Pravastatin in the Elderly at Risk), ALLHAT-LLT (Antihypertensive and Lipid-lowering Treatment to Prevent Heart Attack Trial), ASCOT-LLA (Anglo-Scandinavian Cardiac Outcomes Trial-Lipid Lowering Arm).

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11

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Figura 1. Principais mecanismos relacionados à prevenção do AVE pelas estatinas

plos mecanismos relacionados à ocorrência do AVE, sua extensão e evolução clínica. A Figura 1 sumariza as múltiplas vias en-volvidas na proteção cardiovascular pelas estatinas. Além disso, deve ser lembrada a frequente concomitância de aterosclerose em outros territórios vasculares, além do cerebrovascular, o que implica em proteção adicional de eventos cardiovasculares para muitos pacientes.

Referências1. Cholesterol Treatment Trialists’ (CTT)

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Volume 13nº 4 - 2010

12

caso

clín

ico

Identificação55 anos, administrador de empresas,

aposentado, casado, dois filhos, natural e procedente de São Paulo.

HistóricoFalta de preparo físico que associa a

ganho de 14 kg nos últimos seis anos. Negou sintomas de doença coronaria-na, mas há quatro anos foi submetido a um cateterismo cardíaco devido à dor abdominal com irradiação retroesternal, depois identificada como decorrente de litíase renal. O cateterismo cardíaco à

época foi considerado normal. Com a intenção de fazer exercícios em academia, realizou teste ergométrico que foi inter-rompido devido à elevação da pressão arterial (PA = 220/140 mmHg), sendo encaminhado para avaliação cardiológi-ca. Refere que a pressão arterial se elevou nos últimos dois anos, mas não fez uso de nenhum medicamento.

Antecedentes familiaresPai falecido aos 91 anos de com-

plicações da doença de Parkinson; mãe

Doença coronariana e síndrome metabólica: É possível o seu controle ainda que haja muito baixa aderência a um programa de mudanças no estilo de vida?Francisco A. H. FonsecaLivre-docente e Professor Afiliado da Disciplina de Cardiologia da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).Chefe do Setor de Lípides, Aterosclerose e Biologia Vascular da Unifesp.

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13

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falecida aos 76 anos durante cirurgia ortopédica. Possuía prótese mecânica mitral implantada há 27 anos. Referia ainda uma irmã de 59 anos diabética e hipertensa e um irmão de 50 anos com dislipidemia.

APLitotripsia há quatro anos. É seden-

tário, mas pratica automobilismo, tendo sido campeão paulista há dois anos e também piloto de kart.

HábitosFoi tabagista (10 anos/maço), parou

há 32 anos. Etilismo nos últimos dois anos (duas taças de vinho ou 1-2 doses de uísque, diárias).

Exame físico inicialCorado, eupneico, acianótico, arco

corneal +.PA MMSS sentado: 145 x 100

mmHg; PAS MMII = 140 mmHg.FC = P = 74 bat/min; circunferência

abdominal = 106 cm, peso = 95 kg.Índice de massa corpórea = 32,5 kg/

m2.Ritmo cardíaco regular, bulhas nor-

mofonéticas sem sopros, pulmões livres, abdome e extremidades sem altera-

ções.ECG repouso sem anormalidades

Exames laboratoriais sem medicação (2001):

ParâmetroValores em

jejum

Colesterol total, mg/dL

LDL-colesterol, mg/dL

HDL-colesterol, mg/dL

Triglicérides, mg/dL

Creatinina, mg/dL

Glicose, mg/dL

TSH, microUI/L

Potássio, mEq/L

Proteína C-reativa de alta sensibilidade, mg/L

ALT, U/L

268

173

44

253

0,9

113

1,0

4,9

1,2

15

Comentários iniciaisPaciente teve à época seu risco estima-

do como elevado, agravado por síndrome metabólica. Foi encaminhado para orien-tação nutricional, medicado com atorvas-tatina 10 mg/dia e perindopril 4 mg/dia.

Paciente retornou para nova avaliação apenas após dois anos (2003), referindo ter feito uso contínuo da medicação pres-crita (atorvastatina e perindopril). Não seguiu as recomendações sobre mudanças no estilo de vida, ganhou peso e manteve-se sedentário. Mantinha-se assintomático do ponto de vista cardiovascular e conti-nuava a correr, disputando ao redor de uma prova automobilística/mês.

O exame físico nesta ocasião mostrou IMC = 33,5 kg/m2; a pressão arterial sen-tado em repouso foi de 120 x 90 mmHg, e os exames laboratoriais solicitados foram:

Colesterol total=159 mg/dL; LDL-C=88 mg/dL; HDL-C=33 mg/dL; triglicérides=190 mg/dL. A conduta foi mantida.

O paciente se ausentou de controles nos quatro anos seguintes, retornando ao final de 2007.

Nesta ocasião, mantinha-se assin-tomático, mas realizou teste de esforço que foi positivo no pico do exercício. Foi submetido a escore de cálcio coronário e à cintilografia miocárdica e exames labo-ratoriais descritos a seguir. Estava em uso de perindopril 8 mg/dia; metformina 500 mg/dia e atorvastatina 20 mg/dia

Parâmetro ADA ACX ACD Total

Escore de cálcio coronário(unidades Agatston)

246 31 240 516 (percentil

91)

Parâmetro Resultado

Teste de esforço

Cintilografia miocárdica, MIBI

Positivo em CM5, infra de ST 2 mm horizontal

VE normal, FEVE = 58% Discreta hipocaptação transitória na parede apical do VE, podendo corresponder a isquemia

ParâmetroValores obtidos

Glicose, mg/dL

HbA1c, %

Colesterol total, mg/dL

LDL-C, mg/dL

HDL-C, mg/dL

Triglicérides, mg/dL

Creatinina, mg/dL

TSH, microUI/L

ALT, U/L

119

6,5%

125

58

36

153

0,98

1,5

27

Optou-se por tratamento clínico e a medicação foi intensificada, passando a fazer uso de: perindopril 8 mg/dia; ro-suvastatina 20 mg/dia; metformina 500 mg/dia; ezetimiba 10 mg/dia

Com esta intervenção, manteve-se totalmente assintomático nos três anos seguintes e aos 66 anos, mantém níveis pressóricos ao redor de 120 x 80 mmHg. Realizou testes ergométricos anuais que mostraram redução da isquemia no pico de exercício.

No último perfil laboratorial apresen-tava: colesterol total=103 mg/dL; LDL-C = 46 mg/dL; HDL-C = 32 mg/dL; tri-glicérides = 123 mg/dL; HbA1c =6,3%, PCRas = 2,5 mg/L; creatinina = 0,98 mg/dL; glicemia em jejum = 122 mg/dL.

ComentáriosA síndrome metabólica tem uma

incidência cada vez maior na sociedade moderna. Embora seja discutível sua condição como síndrome de uma única base fisiopatológica (principalmente relacionada à resistência à insulina), pois muitos pacientes que preenchem os critérios de sua definição, na verdade possuem apenas uma reunião de fatores de risco não necessariamente relacionados com a resistência à insulina. Por outro, parece indiscutível o reconhecimento da síndrome como condição de risco para desfechos cardiovasculares.1,2

Neste paciente, com história familiar de diabetes e hipertensão arterial, a inati-vidade física, o possível estresse das com-petições esportivas, o ganho considerável de peso e o aparecimento de distúrbios da

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14

glicemia, sem dúvida constituiriam uma condição de alto risco para desfechos coronarianos ou cerebrovasculares.

Entretanto, ainda que uma primeira opção pudesse se basear em efetiva mu-dança no estilo de vida, o teste de esforço e cintilografia miocárdica positivas e o elevado escore de cálcio coronário suge-riam uma situação de risco elevado3 e a necessidade de uma terapia farmacológica mais efetiva.

Hoje sabe-se que as estatinas e os blo-queadores do sistema renina-angiotensina atuam de maneira sinérgica, melhorando a reposição de células endoteliais, diminuin-do a inflamação e o risco trombótico.4,5

Sabe-se que a incidência de acidente vascular encefálico isquêmico é significante-mente reduzida pelo uso de estatinas, em que pese sua fraca relação epidemiológica com os níveis de colesterol, sugerindo que este bene-fício seja decorrente de efeito pleiotrópico.6

Metanálises recentes têm mostrado que o uso de estatinas reduz a pressão ar-terial sistólica e diastólica em populações em uso de anti-hipertensivos ou em uso de dose estável de anti-hipertensivos.7,8 Esta redução é tanto maior quanto maior o nível basal de pressão arterial o que pode ser particularmente benéfico em portadores de síndrome metabólica, uma vez que a elevação da pressão arterial é uma condição comum a estes pacientes.

Os pacientes com síndrome metabóli-ca possuem aumento no risco trombótico, sendo típica a elevação dos níveis de vários componentes da coagulação (fibrino-gênio, inibidor do ativador do plasmi-nogênio tecidual, fator tecidual, entre

outros). Hoje sabe-se que a inibição da síntese endógena de colesterol se associa a redução de substâncias que diminuem a transcrição de genes relacionados com inflamação e hemostasia.9,10

Portadores de síndrome metabólica possuem caracteristicamente níveis baixos de HDL-C e altos de triglicérides, uma condição frequentemente associada com partículas pequenas e densas de LDL, muito mais aterogênicas.11 Com a utiliza-ção de estatinas de meia vida mais longa como a atorvastatina e a rosuvastatina pode-se obter maior efetividade sobre li-poproteínas ricas em triglicérides.12 Além disso, com a rosuvastatina pode-se obter maior efetividade na redução de LDL-C e no aumento do HDL-C.13

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