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Acta Cirúrgica Brasileira - Vol 17 (Suplemento 3) 2002 - 59 RESUMO Introdução - O presente trabalho analisou 150 casos consecutivos de tratamento da hidrocefalia com DVP no Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto entre março de 1997 e julho de 2000. Objetivo - Traçar as principais características dos pacientes e dos procedi- mentos, com ênfase nas etiologias, diagnóstico, compli- cações, seqüelas e fatores associados. Métodos - Pron- tuários médicos como fonte para quantificar as variá- veis selecionadas. Resultados - As etiologias congêni- tas e adquiridas tiveram a mesma incidência, destacan- do-se a mielomeningocele no primeiro grupo e a prematuridade e a meningite no segundo. As principais complicações foram o mal funcionamento da válvula (33%) e a infecção (15%). Incluídas as cirurgias de- vido às complicações, houve 2,5 procedimentos por paciente em média. No último retorno, 40% dos paci- entes apresentavam algum grau de retardo do desen- volvimento neuro-psico-motor (RDNPM). As princi- pais etiologias relacionadas a RDNPM foram prematuridade, meningite e malformações complexas. Discussão: O trabalho serviu como ferramenta para ajudar a caracterizar a história natural da hidrocefalia e de seu tratamento em nosso meio, fornecendo base para uma melhor compreensão da mesma e para com- paração com a literatura e com outros serviços. A taxa de RDNPM está condizente com a literatura. A taxa de infecção está mais elevada, podendo haver relação com o fato de ser este um hospital-escola. Maior tempo de seguimento seria necessário para comparação da inci- dência de complicações mecânicas. Disponível em URL: http://www.scielo.br/acb Descritores – Hidrocefalia, Derivação Ventrículo- Peritoneal. ABSTRACT Introduction/objectives -This study has analyzed 150 consecutive cases of treatment of hydrocephalus by ventriculoperitoneal shunt in the Faculty of Medicine of Ribeirão Preto’s Hospital between May 1997 and July 2000, in order to stablish the main characteristics of the patients and proceedings , in particular the etiologies, diagnosis, complications, final outcome and associated factors. Methods - Medica records as a source for assesment of the selected variables. Results - The congenital and the acquired etiologies had the same incidence, with the complexes malformations and the complications of prematurity TRATAMENTO DE HIDROCEFALIA COM DERIVAÇÃO VENTRÍCULO-PERITONEAL: ANÁLISE DE 150 CASOS CONSECUTIVOS NO HOSPITAL DAS CLÍNICAS DE RIBEIRÃO PRETO 1 . TREATMENT OF HYDROCEPHALUS BY VENTRICULOPERITONEAL SHUNT: ANALYSIS OF 150 CONSECUTIVE CASES IN THE HOSPITAL OF THE FACULTY OF MEDICINE OF RIBEIRÃO PRETO. Carlos Eduardo Barros Jucá 2 Antônio Lins Neto 3 Ricardo Santos de Oliveira 4 Hélio Rubens Machado 5 1 Trabalho desenvolvido pela Disciplina de Neurocirurgia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão preto - USP 2 Aluno do 6º ano médico da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - USP 3 Médico Residente do Departamento de Cirurgia e Anatomia – FMRP - USP 4 Médico Assistente da Disciplina de Neurocirurgia do Depto de Cirurgia e anatomia- FMRP - USP 5 Médico Associado da Disciplina de Neurocirurgia do Departamento de Cirurgia e Anatomia – FMRP - USP

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Acta Cirúrgica Brasileira - Vol 17 (Suplemento 3) 2002 - 59

RESUMO

Introdução - O presente trabalho analisou 150casos consecutivos de tratamento da hidrocefalia comDVP no Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto entremarço de 1997 e julho de 2000. Objetivo - Traçar asprincipais características dos pacientes e dos procedi-mentos, com ênfase nas etiologias, diagnóstico, compli-cações, seqüelas e fatores associados. Métodos - Pron-tuários médicos como fonte para quantificar as variá-veis selecionadas. Resultados - As etiologias congêni-tas e adquiridas tiveram a mesma incidência, destacan-do-se a mielomeningocele no primeiro grupo e aprematuridade e a meningite no segundo. As principaiscomplicações foram o mal funcionamento da válvula(33%) e a infecção (15%). Incluídas as cirurgias de-vido às complicações, houve 2,5 procedimentos porpaciente em média. No último retorno, 40% dos paci-entes apresentavam algum grau de retardo do desen-volvimento neuro-psico-motor (RDNPM). As princi-pais etiologias relacionadas a RDNPM foramprematuridade, meningite e malformações complexas.Discussão: O trabalho serviu como ferramenta paraajudar a caracterizar a história natural da hidrocefalia ede seu tratamento em nosso meio, fornecendo base

para uma melhor compreensão da mesma e para com-paração com a literatura e com outros serviços. A taxade RDNPM está condizente com a literatura. A taxa deinfecção está mais elevada, podendo haver relação como fato de ser este um hospital-escola. Maior tempo deseguimento seria necessário para comparação da inci-dência de complicações mecânicas. Disponível em URL:http://www.scielo.br/acb

Descritores – Hidrocefalia, Derivação Ventrículo-Peritoneal.

ABSTRACT

Introduction/objectives -This study has analyzed150 consecutive cases of treatment of hydrocephalusby ventriculoperitoneal shunt in the Faculty of Medicineof Ribeirão Preto’s Hospital between May 1997 andJuly 2000, in order to stablish the main characteristicsof the patients and proceedings , in particular theetiologies, diagnosis, complications, final outcome andassociated factors. Methods - Medica recordsas a source for assesment of the selected variables.Results - The congenital and the acquired etiologieshad the same incidence, with the complexesmalformations and the complications of prematurity

TRATAMENTO DE HIDROCEFALIA COM DERIVAÇÃOVENTRÍCULO-PERITONEAL:

ANÁLISE DE 150 CASOS CONSECUTIVOS NO HOSPITAL DASCLÍNICAS DE RIBEIRÃO PRETO1.

TREATMENT OF HYDROCEPHALUS BY VENTRICULOPERITONEALSHUNT: ANALYSIS OF 150 CONSECUTIVE CASES IN THE HOSPITAL

OF THE FACULTY OF MEDICINE OF RIBEIRÃO PRETO.

Carlos Eduardo Barros Jucá2

Antônio Lins Neto3

Ricardo Santos de Oliveira4

Hélio Rubens Machado5

1 Trabalho desenvolvido pela Disciplina de Neurocirurgia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão preto -USP

2 Aluno do 6º ano médico da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - USP3 Médico Residente do Departamento de Cirurgia e Anatomia – FMRP - USP4 Médico Assistente da Disciplina de Neurocirurgia do Depto de Cirurgia e anatomia- FMRP - USP5 Médico Associado da Disciplina de Neurocirurgia do Departamento de Cirurgia e Anatomia – FMRP - USP

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and meningitis with distinction in each grouprespectively. The main complications were malfunctionof the valve (33%) and infection (15%). Including theoperations caused by complications, there were 2,5surgical proceedings to each patient, on average. Inthe final examination, 40% of the patients had somelevel of neurological deficit. The main etiologies relatedto this deficits were prematurity , meningitis and thecomplexes malformations. Discussion - This reporthas contributed to characterize the evolution andtreatment of hydrocephalus in our environment,producing basis to make comparisons with the literatureand with other services. The rate of neurological deficitagrees with the literature. The rate of infection is higher,maybe because it is a Universitary Hospital. A longerperiod of observation would be necessary to comparethe incidences of mechanical complications.

Key Words – Hydrocephalus; Ventriculoperitonealshunt.

INTRODUÇÃO

A hidrocefalia é entidade nosológica definida comoaumento da quantidade de líquido cefalorraquidianodentro da caixa craniana, mormente nas cavidadesventriculares, mas podendo ocorrer também no espaçosubdural. Sua principal conseqüência clínica imediataé a hipertensão intracraniana, a qual muitas vezes exigepronto tratamento cirúrgico.

Constitui morbidade de extrema importância paraa Neurocirurgia, devido principalmente a três fatores:a grande gama de doenças à qual pode associar-se; aquantidade de procedimentos cirúrgicos dentro dovolume total da especialidade; e as virtuais seqüelas àsquais o paciente está sujeito.

A hidrocefalia apresenta-se, fundamentalmente,como manifestação de algum estado mórbido subja-cente, como tumores, infecções ou hemorragias intra-cranianas, por exemplo. Grande parte dessas doençasacomete tipicamente a faixa etária infantil, o que colocaa hidrocefalia como assunto de particular interesse paraa Neurocirurgia Pediátrica.

Do total de procedimentos cirúrgicos realizadospela especialidade, o tratamento da hidrocefalia ocupaproporção de destaque, perfazendo, em conjunto como tratamento da mielomeningocele e dascraniossinostoses, 60% do total (Choux, 1982).

Dentre os aspectos que despertam maior preocu-pação estão as possíveis seqüelas apresentadas pelospacientes após o tratamento, sendo uma das maistemidas o retardo do desenvolvimento neuro-psico-motor, fator limitante das potencialidades da criança e

freqüentemente causador de desajustes familiares esociais.

Avanço significativo e determinante na história dotratamento da hidrocefalia foi a introdução do uso dedrenagens valvuladas unidirecionais com o objetivo dederivar o líquido em excesso nos ventrículos cerebraispara outras cavidades corporais, anulando a basefisiopatológica da hipertensão intra-craniana verificada.Foi verificada marcante diminuição da mortalidade eda morbidade em crianças hidrocéfalas após aintrodução dessa modalidade de tratamento. Embora aderivação possa ser feita para o meio externo, para oátrio direito ou através de terceiro ventriculostomia, avariedade mais largamente empregada é a derivaçãoventrículo-peritoneal (DVP).

O presente trabalho analisou 150 casos conse-cutivos de pacientes com hidrocefalia tratados atravésde derivação ventrículo-peritoneal na Divisão deNeurocirurgia Pediátrica do Hospital das Clínicas deRibeirão Preto (HCRP) entre março de 1997 e julho de2000.

O objetivo proposto era traçar uma visão panorâ-mica da apresentação da hidrocefalia e de seu tratamentono HCRP, quantificando variáveis relacionadas àscaracterísticas dos pacientes, ao quadro clínico apresen-tado, aos meios diagnósticos empregados, ao tratamentocirúrgico, e às seqüelas apresentadas pelos pacientes.

A partir daí, poderia ser traçado um perfil potencial-mente útil como ferramenta em avaliações de condutase de atendimento à demanda. Poderiam ainda ser feitascomparações com a literatura e com outros serviços,bem como apontar fatores que pudessem sugerirassociação com maior risco de prognóstico indesejável,como o retardo do desenvolvimento neuro-psico-motor.

MÉTODOS

A análise retrospectiva dos casos se deu atravésda revisão dos prontuários dos pacientes, disponíveisno Serviço de Arquivo Médico do Hospital das Clínicasde Ribeirão Preto.

Cada paciente foi analisado e enquadrado emcategorias levando em conta as seguintes variáveis:sexo, idade, etnia, procedência ,peso ao nascimen-to,etiologia da hidrocefalia, achados no exame pré-DVP,tensão da fontanela bregmática, modalidade de diagnós-tico por imagem empregado, grau de dilatação ventricu-lar, duração do procedimento cirúrgico,pressão daválvula empregada, complicações e tratamento dasmesmas,número de procedimentos cirúrgicos sofridos,intervalo de tempo entre o procedimento cirúrgico e odiagnóstico da complicação, duração da internação,

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condições no último retorno e acompanhamentoambulatorial.

A partir desses dados, quantificados segundo ascategorias pré-estabelecidas em tabelas separadas paracada variável, pode-se ainda obter o índice de letalidade,as causas dos óbitos, a etiologia da hidrocefalia dospacientes que vieram a óbito e a etiologia da hidrocefalianos pacientes que se apresentaram com seqüela neuro-psico-motora no último retorno ambulatorial. Estaúltima informação foi pesquisada com o intuito de seachar indícios das causas mais associadas com areferida seqüela, o que pode ter algum valor prognóstico.

RESULTADOS

Quanto ao sexo, 65% dos pacientes analisadoseram do sexo masculino e 35% do feminino.

Por ocasião da apresentação inicial, 29% estavamno período neonatal, 47% tinham entre 28 dias e 6meses de idade, 10% entre 6 meses e 2 anos, 9% entre2 e 12 anos e 5% maiores que 12 anos de idade.

Dos casos estudados, 85% pertenciam à etniabranca, 4% à negra, e havia ainda 11% de pardos.Quanto à procedência, 23% vinham da cidade deRibeirão Preto, 52% da região da Alta Mogianaexcluindo Ribeirão Preto, 10% de outras regiões doEstado de São Paulo e 15% de outros Estados.

No que se refere ao peso ao nascimento, 35%eram considerados de baixo peso (menos que 2500g)e 27% de peso normal. O registro dessa informaçãoestava ausente em 39% dos prontuários.

As etiologias congênita e adquirida apresentaramincidência semelhante, 46% para cada uma, com 8%de etiologias indeterminadas. Dentro das causascongênitas, destacaram-se as malformações complexascom 53%, incluindo a mielomeningocele (associada àmalformação de Chiari II), com 36% dos casos, amalformação de Dandy-Walker e a esquizencefalia. Aestenose do aqueduto foi responsável por 12% dos casosde origem congênita, havendo ainda 8% para cistos e6% para hidranencefalia.

No que toca às causas adquiridas, a maiorporcentagem relacionou-se à prematuridade extrema,principalmente devido à hemorragia intraventricular emencéfalos imaturos. Em seguida apareceram ameningite, com 24% e os tumores intracranianos com16%. Houve ainda 7% de incidência atribuída àventriculite e 5% a infecções como toxoplasmose,rubéola e citomegalovirose.

O quadro clínico na apresentação inicial varioubastante dependendo da etiologia. Sinais gerais comosonolência e irritabilidade foram observados em 13 %

e 24% dos pacientes, respectivamente. A cefaléia foiregistrada em 16% dos casos e vômitos em 14%. Osinal do olhar em sol poente foi registrado em 20% doscasos. Entretanto, na maioria dos casos na faixaneonatal, a pobreza do quadro clínico, restritoprincipalmente a sinais inespecíficos, conferiu especialimportância ao aumento do perímetro cefálico comosinal de alerta.

O exame da fontanela bregmática revelou tensãonormal em 24% das crianças. Em 19% a fontanelaestava cheia ou moderadamente tensa, e em 40% estavatensa. Em 10% dos pacientes, a fontanela não seencontrava mais palpável. O diagnóstico por imagemfoi realizado em sua maioria com o uso do ultra-som,em 52% dos casos. A associação de ultra-som comtomografia computadorizada foi empregada em 11%dos pacientes, e a tomografia isoladamente em 32%. Aressonância magnética foi utilizada em 5% dos casos.De acordo com esses exames, 65 das criançasapresentavam dilatação ventricular discreta, 19%moderada, 49% acentuada e 15% máxima. Registrou-se ainda hidranencefalia em 3% dos casos.

O procedimento cirúrgico inicial durou menos que30 minutos em 15% dos casos. A maioria das cirurgias,52,7%, durou entre 30 e 60 minutos; e 27% demorarammais que uma hora.

As principais complicações observadas foram asde natureza mecânica, relacionadas à drenagem dolíquido cefalorraquidiano em si, ocorrendo em 36% doscasos durante o tempo de seguimento. Dentre estas, omau funcionamento da válvula contribuiu com a maioriados casos. As complicações infecciosas, notadamentea ventriculite, vieram a seguir, ocorrendo em 15% dasvezes. Houve ainda registro de deiscência de sutura,necrose de pele, coleções subdurais e psudocistosabdominais, todos ocorrendo em menos de 2% doscasos. A maior parte dos procedimentos originados porcomplicações foi representada por troca da DVP, 24%;retirada da DVP com colocação de derivação ventricularexterna (DVE), 10%; e revisão da DVP, 9%. Dospacientes que apresentaram algum tipo de complicação,38% tiveram o diagnóstico desta dentro de um mêsapós a cirurgia. Um total de 40% foi diagnosticado entre1 e 6 meses, 13% entre 6 meses e 1 ano e 8% após umano ou mais. Contados os procedimentos para correçãode complicações, houve uma média de 2,5procedimentos por paciente (figura 1).

Das crianças operadas, 52 % permaneceraminternadas por mais que 30 dias, incluindo o tempopara tratamento de outras doenças além da hidrocefalia.Uma parcela de 28% permaneceu até uma semana nohospital, adicionais 11% entre 7 e 15 dias e 12% entre15 dias e um mês.

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No último retorno ambulatorial, 27% dos pacien-tes apresentavam-se com quadro e clínico e desenvolvi-mento normais. Do total, 40% tinham algum grau deretardo do desenvolvimento neuro-psico-motor, sendo

este considerado grave em 9% das vezes. Foram aindaobservadas desorientação, paraplegia e ataxia, emvalores menores que 5% cada (figura 2).

Figura 1 – Mostra a quantidade dos procedimentos para correção de complicações.

Gráfico 2 – Ilustra a condição do paciente no último retorno.

Foram registrados 15% de óbitos. As principaiscausas destes foram complicações relacionadas aprematuridade, 22%; infecções do SNC, 17%;neoplasias, 17% e pneumonia culminando eminsuficiência respiratória em 13%. As principaisetiologias da hidrocefalia nos casos que vieram a óbitoforam a mielomeningocele, 30%; a prematuridade, 22%e os tumores do SNC em 17%.

Finalmente, dos pacientes que apresentaram algumgrau de seqüela neuro-psico-motora, 26% tinhamcomplicações da prematuridade como origem dahidrocefalia. Em seguida vieram a meningite e asmalformações complexas, cada uma registrada na origemde 19% dos casos que evoluíram com déficit neurológico.

DISCUSSÃO

O levantamento serviu como ferramenta paraajudar a caracterizar a apresentação e o tratamento da

hidrocefalia em nosso meio, fornecendo base para umamelhor compreensão da doença e para comparação coma literatura e com séries publicada por outros serviços.

A caracterização dos pacientes revelou umapreponderância do sexo masculino, fato este registradoem outras fontes na literatura, mas para o qual nãoencontramos explicação. A distribuição etária encontradatem íntima relação com a descrição das etiologias, poiso fato de a maioria das crianças ter seu diagnóstico atéos seis meses de idade relaciona-se com as altasproporções de prematuridade e malformaçõescomplexas como origem da hidrocefalia. Tal fatodemonstra a importância da observação de sinais geraise inespecíficos nos berçários, associada à vigilânciasobre a evolução do perímetro craniano e ao exame dafontanela, sobretudo naquelas crianças de maior risco,ou seja, prematuros, portadores de malformações e deinfecções.

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Vale ressaltar que a distribuição das etiologias éinfluenciada pelo fato de ser o serviço de referência,recebendo casos de origem mais complexa. A relaçãodas procedências das crianças confirma o papel doserviço, observando-se a considerável proporção depacientes encaminhados de outras regiões do Estadode São Paulo e ainda de outras regiões do País.

A análise do quadro clínico apresentado reforça aidéia de que não se deve aguardar o aparecimento dossinais e sintomas clássicos da síndrome de hipertensãointracraniana para se iniciar a investigação sobrehidrocefalia, devendo-se valorizar os sinais já citados eos grupos de risco. No que toca à investigação, o exa-me clínico da fontanela mostrou-se de grande impor-tância, visto que apresentava tensão aumentada em 60%das vezes, constituindo-se exame de fácil realização,custo nulo e boa sensibilidade.

O estudo sobre os exames de imagem revela aimportância do ultra-som, apresentando vantagens comocusto baixo, inocuidade e facilidade de realização, umavez dispondo-se de profissional capacitado e com apresença de fontanela aberta.O ultra-som pode aindaser usado como avaliação da evolução da dilataçãoventricular, antes da indicação cirúrgica; e como con-trole pós-operatório, pois sua repetição requer muitomenos recursos que as outras formas de investigaçãoradiológica.

No que toca à análise sobre o procedimento cirúr-gico em si, observa-se que as complicações mecâni-cas, sobretudo o mal funcionamento da válvula, e asinfecções, notadamente a ventriculite, são os princi-pais complicadores pós- operatórios. Sainte-Rose(1991)1 relata mau funcionamento da válvula em 81%dos casos em 12 anos de observação e, em outro arti-go2 relata menor incidência com válvulas auto-reguláveise caracteriza a complicação mecânica como resultantede fatores relacionados ao paciente, ao cirurgião e àválvula, sendo prevenível em muitos casos.

A taxa de infecção registrada na literatura interna-cional está entre 2 e 10%. A taxa mais elevada obser-vada no presente levantamento será passível de maio-res investigações. Cavalheiro (2001), no Brasil, referevariação entre 5 e 15% nas taxas de infecção.

Levando-se em consideração os procedimentosrealizados para correção de complicações, houve umtotal de 367 cirurgias, resultando numa média compa-tível com a registrada na literatura.

Quanto aos pacientes que apresentaram algum graude seqüela neurológica, 40%, a análise das principaiscausas relacionadas revela um grande potencial de pre-venção. A prematuridade pode ser prevenida de formaprimária em grande parte com um adequado atendi-mento pré-natal e atenção às gestantes com fatores derisco. A meningite, além da prevenção primária, com aprofilaxia, é passível de prevenção secundário com odiagnóstico precoce e o tratamento adequado, evitando-se que crianças com desenvolvimento até então normalvenham a ter seu potencial reduzido de formaimportante. A prevenção da mielomeningocele deve serfeita em gestantes de risco com a reposição de ácidofólico desde antes da concepção, sendo que em algunspaíses esta reposição é feita de rotina para todas asgestantes.

Hoppe-Hirsch (1998)3 relatam taxa semelhante deretardo do desenvolvimento, referindo ainda que, dos60% de pacientes que puderam ser educados em classestradicionais, metade tinha dificuldades e estava atrasadaem relação à faixa etária, contribuindo para isto tantofatores intelectuais como alterações de comportamento.

Em suma, o presente trabalho deverá servir comoreferência para novas investigações que, utilizandotratamento estatístico adequado, possa encontrarrelações entre alguns dos muitos fatores analisados equantificados e a ocorrência de complicações ouseqüelas, estimulando ações que diminuam suaocorrência.

REFERÊNCIAS1. Sainte-Rose C, Renier D, Pierre Kahn A. Mechanical

Complications in shunts. Pediatr Neurosurg 1991-92;17(1):2-9.2. Sainte-Rose C. Shunt obstruction: a preventable complication?

Pediatr Neurossurg 1993 May-jun 19(3): 156-643. Hoppe-Hirsch E, Sainte-Rose C, Pierre Kahn A. Late outcome

of the surgical treatment of hydrocephalus. Childs Nerv Syst1998;14(3):97-9.

Endereço para correspondênciaHélio Rubens MachadoDepartamento de Cirurgia e Anatomia da Faculdade deMedicina de Ribeirão Preto da Universidade de SãoPaulo.Campus Universitário- Av dos Bandeirantes 3900, BairroMonte Alegre – CEP 14048-900e-mail: [email protected]