136620719 Historia e Sociologia v 2
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Volume 2
Flvio Limoncic
Monica Grin
Flvio Limoncic
Monica Grin
Mdulos 2 e 3Mdulos 2 e 3
Histria e Sociologia Histria e Sociologia
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Volume 2 Mdulos 2 e 3
Flvio LimoncicMonica Grin
V l 2 Md l 2 3
Histria e Sociologia
Apoio:
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Material Didtico
Referncias Bibliogrfi cas e catalogao na fonte, de acordo com as normas da ABNT.
Copyright 2009, Fundao Cecierj / Consrcio Cederj
Nenhuma parte deste material poder ser reproduzida, transmitida e gravada, por qualquer meio eletrnico, mecnico, por fotocpia e outros, sem a prvia autorizao, por escrito, da Fundao.
2010/1
ELABORAO DE CONTEDOFlvio LimoncicMonica Grin
COORDENAO DE DESENVOLVIMENTO INSTRUCIONALCristine Costa Barreto
SUPERVISO DE DESENVOLVIMENTO INSTRUCIONAL Ana Paula Abreu-Fialho
DESENVOLVIMENTO INSTRUCIONAL E REVISO Alexandre BelmonteMarcelo Bastos Matos
EDITORATereza Queiroz
REVISO TIPOGRFICACristina FreixinhoDaniela de SouzaElaine Bayma
COORDENAO DE PRODUOJorge Moura
PROGRAMAO VISUALAlexandre d'OliveiraDavi Daniel de MacdoSanny Reis
ILUSTRAOAndr Dahmer
CAPAAndr Dahmer
PRODUO GRFICAOsias FerrazVernica Paranhos
Departamento de Produo
L734h Limoncic, Flvio. Histria e Sociologia. v. 2 / Flvio Limoncic, Monica Grin. - Rio de Janeiro: Fundao CECIERJ, 2010. 240p.; 19 x 26,5 cm.
ISBN: 978-85-7648-558-2
1. Histria. 2. Sociologia. I. Grin, Monica. II. Ttulo. CDD: 901
Fundao Cecierj / Consrcio CederjRua Visconde de Niteri, 1364 Mangueira Rio de Janeiro, RJ CEP 20943-001
Tel.: (21) 2334-1569 Fax: (21) 2568-0725
PresidenteMasako Oya Masuda
Vice-presidenteMirian Crapez
Coordenao do Curso de HistriaUNIRIO Mariana Muaze
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Universidades Consorciadas
Governo do Estado do Rio de Janeiro
Secretrio de Estado de Cincia e Tecnologia
Governador
Alexandre Cardoso
Srgio Cabral Filho
UENF - UNIVERSIDADE ESTADUAL DO NORTE FLUMINENSE DARCY RIBEIRO
UERJ - UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
UNIRIO - UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
UFRRJ - UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO
UFRJ - UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
UFF - UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSEReitor: Roberto de Souza Salles
Reitor: Alosio Teixeira
Reitor: Ricardo Motta Miranda
Reitora: Malvina Tania Tuttman
Reitor: Ricardo Vieiralves
Reitor: Almy Junior Cordeiro de Carvalho
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Mdulo 2: A Sociologia no Brasil
Aula 11 Grandes temas da Sociologia brasileira I: modernizao, industrializao e urbanizao I___7 Flvio Limoncic / Monica Grin
Aula 12 Grandes temas da Sociologia brasileira I: modernizao, industrializao e urbanizao II__23 Flvio Limoncic / Monica Grin
Aula 13 Grandes temas da Sociologia brasileira IV: o problema da desigualdade social I____________37 Flvio Limoncic / Monica Grin
Aula 14 Grandes temas da Sociologia brasileira III: o problema da desigualdade social no Brasil_____65 Flvio Limoncic / Monica Grin
Aula 15 Violncia e criminalidade______________________87 Flvio Limoncic / Monica Grin
Mdulo 3: Desafi os contemporneos refl exo sociolgica
Aula 16 Famlia e matrimnio: desafi os tradio_______117 Flvio Limoncic / Monica Grin
Aula 17 Identidades, diversidade cultural e multiculturalismo no mundo globalizado_________139 Flvio Limoncic / Monica Grin
Aula 18 Mudanas no mundo do trabalho I_____________163 Flvio Limoncic / Monica Grin
Histria e SociologiaSUMRIO
Volume 2 Mdulos 2 e 3
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Aula 19 Mudanas no mundo do trabalho II_____________189 Flvio Limoncic / Monica Grin
Aula 20 Histria e Sociologia ________________________ 215 Flvio Limoncic / Monica Grin
Referncias _________________________________________233
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Aula 11
Grandes temas da Sociologia brasileira I: modernizao, industrializao e urbanizao I
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Histria e Sociologia
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Aula 11 Grandes temas da Sociologia brasileira I: modernizao, industrializao e urbanizao I Mdulo 2
Meta da aula
Proporcionar ao aluno uma viso da ideologia nacional-desenvolvimentista, conforme
desenvolvida pela Cepal na Amrica Latina e pelo Iseb no Brasil.
Objetivos
Esperamos que, aps o estudo do contedo desta aula, voc seja capaz de:
1. reconhecer que o Iseb identificava uma contradio entre o pas moderno e o
arcaico e que o Estado deveria ter um papel importante para a construo do
primeiro;
2. reconhecer que a ideologia nacional-desenvolvimentista do Iseb percebia os
problemas sociais do Brasil como resqucios do passado colonial, que seriam
superados por meio da industrializao;
3. identificar a fora da ideologia nacional-desenvolvimentista, ainda hoje presente
nas vises de que a industrializao e o crescimento econmico so elementos
fundamentais para a superao da pobreza no Brasil.
Pr-requisitos
Para melhor compreender esta aula, voc deve estar atento aos contedos das
Aulas 4, 5, 6, 7, 8 e 9, uma vez que em todas elas foram tratados temas como
modernidade e modernizao no surgimento do pensamento sociolgico e o
pensamento social brasileiro.
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Aula 11 Grandes temas da Sociologia brasileira I: modernizao, industrializao e urbanizao I Mdulo 2
INTRODUO
Voc j viu que, quando Marx, Durkheim e Weber organizaram
as grandes balizas do que viria a ser o pensamento sociolgico,
fizeram-no em um contexto de profundas transformaes econmicas,
polticas, sociais e culturais pelas quais passava a Europa no sculo
XIX. Para pensar tais transformaes, que associavam a crise de
uma ordem tradicional e a emergncia da modernidade, esses trs
autores elaboraram conceitos tais como os de modo de produo
capitalista, de solidariedade orgnica e de secularizao.
No momento em que tais conceitos eram aplicados realidade
europia, nos Estados Unidos eram dados os primeiros passos da
Escola de Chicago, profundamente associada pesquisa emprica
e busca de solues para os graves problemas urbanos e
sociais ento enfrentados pelo pas, que tambm se modernizava
aceleradamente na virada do sculo XIX para o XX.
O Brasil vivia, poca, situao bem distinta da europia
e da norte-americana. Repblica recente, herdeira de um imprio
solitrio nas Amricas que recm-abolira a escravido e com uma
economia de base agroexportadora, o Brasil surgia ante os olhos
de seus pensadores sociais como arcaico e preso ao passado.
Nas primeiras dcadas do sculo XX, o pensamento social buscou
identificar as razes do atraso brasileiro, da persistncia do
latifndio, da baixa produtividade do trabalho e do insolidarismo.
Como voc viu, alguns autores, como Oliveira Viana, propunham
uma modernizao conduzida pelo Estado autoritrio, ao passo
que outros, como Srgio Buarque de Holanda, defendiam uma
revoluo democrtica.
No ps-Segunda Guerra Mundial, tomou corpo o debate sobre
a modernizao dos pases que passaram a ser ento conhecidos
como subdesenvolvidos, como o Brasil. Tratava-se agora de, por meio
de estudos econmicos e sociolgicos, identificar, com sistematicidade
cientfica, os bices ao desenvolvimento de tais pases, propondo
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Aula 11 Grandes temas da Sociologia brasileira I: modernizao, industrializao e urbanizao I Mdulo 2
polticas pblicas para a sua modernizao. Em 1949, com esse
intuito, foi criada a Comisso Econmica para a Amrica Latina
(Cepal), rgo da Organizao das Naes Unidas (ONU) que tinha
por objetivo pensar o subdesenvolvimento latino-americano e sugerir
estratgias para sua superao. Fizeram parte da Cepal importantes
economistas e socilogos brasileiros que, nas dcadas de 1950,
1960 e 1970, participaram ativamente da proposio de polticas
pblicas e da reflexo sobre o desenvolvimento brasileiro, como
Celso Furtado, Maria da Conceio Tavares, Fernando Henrique
Cardoso, Carlos Lessa, Antonio Barros de Castro e Jos Serra.
O pensamento da Cepal
O pensamento cepalino propunha-se a responder seguinte
questo: Qual o motivo do subdesenvolvimento dos pases latino-
americanos? Uma vez identificadas as causas deste, uma questo
adicional se colocava: Como super-lo? Os estudos da Cepal no
tinham, portanto, um carter meramente acadmico. Longe disso,
eles deveriam servir como base de ao, de formulao de polticas
pblicas com vistas emancipao dos pases latino-americanos de
suas situaes de pobreza e baixo crescimento econmico.
A partir dessas questes, o pensamento cepalino estruturou-se
em torno de dois grandes temas, interligados: por um lado, um esforo
para compreender as caractersticas das estruturas socioeconmicas
dos pases latino-americanos, nelas identificando possveis entraves
A Cepal existe at hoje. Se voc tiver interesse em temas
econmicos latino-americanos, pode acessar seu site
oficial: http://www.eclac.org/default.asp?idioma=PR
para ter acesso a textos e dados.
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Aula 11 Grandes temas da Sociologia brasileira I: modernizao, industrializao e urbanizao I Mdulo 2
modernizao; por outro, compreender a dinmica do comrcio
internacional entre o que chamava de pases centrais e pases
perifricos. Os pases centrais eram identificados s economias urbano-
industriais, como os Estados Unidos e a Europa, e os perifricos eram
os pases subdesenvolvidos, exportadores de matrias-primas, como
os latino-americanos.
O problema fundamental dos pases subdesenvolvidos seria
a falta de dinamismo de suas estruturas produtivas, baseadas na
produo de produtos primrios, nas quais a baixa produtividade
do trabalho impediria uma produo maior de riquezas. Tais
economias seriam voltadas para fora, ou seja, para a exportao
de produtos primrios, sofrendo, portanto, todas as oscilaes do
comrcio internacional.
Mas o ponto fundamental relativo ao comrcio internacional, e
que reproduziria o subdesenvolvimento dos pases latino-americanos,
que haveria o que os cepalinos chamavam de deteriorao dos termos
de troca. O nome complicado, mas quer dizer uma coisa relativamente
simples: no comrcio internacional, os pases perifricos, exportadores
de matrias-primas e importadores de bens manufaturados, sempre
estariam em desvantagem em relao aos pases centrais, exportadores
de manufaturas e importadores de matrias-primas. Portanto, o
comrcio internacional reproduziria e aprofundaria as diferenas
entre os pases centrais e os perifricos, condenando os ltimos ao
subdesenvolvimento.
Como resolver esse dilema? Para a Cepal, a sada seria
a realizao, liderada pelo Estado, de um amplo processo de
modernizao, entendida como industrializao, e que deveria
incluir a reforma agrria. Segundo essa viso, o latifndio, ligado
ao comrcio internacional e, portanto, deteriorao dos termos de
troca, seria um bice ao desenvolvimento industrial, que justamente
emanciparia os pases latino-americanos dessa deteriorao. Em
suma, as economias latino-americanas deveriam deixar de ser
exportadoras de matrias-primas e importadoras de produtos
manufaturados para se tornarem, elas prprias, produtoras de
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Aula 11 Grandes temas da Sociologia brasileira I: modernizao, industrializao e urbanizao I Mdulo 2
produtos manufaturados. Com isso, a produtividade do trabalho iria
aumentar e as riquezas produzidas nos pases neles permaneceriam,
elevando a qualidade de vida de todos.
O pensamento da Cepal teria enorme influncia no apenas
nas idias econmicas implementadas no Brasil nos anos 1950,
durante o governo Juscelino Kubitschek, mas tambm na reflexo
sociolgica do Instituto Superior de Estudos Brasileiros, o Iseb.
O pensamento sociolgico do Iseb
O pensamento desenvolvido por economistas e socilogos
ligados ao Iseb foi fortemente influenciado pela produo cepalina
e contribuiu para forjar as bases ideolgicas do chamado nacional-
desenvolvimentismo do governo Juscelino Kubistchek. De fato, o
Iseb no se constituiu apenas como um grupo de reflexo sobre
a realidade brasileira. Foi alm, contribuindo para que, no plano
das idias, o pas tomasse conscincia do seu subdesenvolvimento
e lutasse para dele emancipar-se.
O Instituto Brasileiro de Estudos Superiores foi criado em,
1955 e fechado em 1964, pelos militares. Dele fizeram
parte importantes socilogos e economistas brasileiros, como
Cndido Mendes, Guerreiro Ramos, Gilberto Paim, lvaro Vieira
Pinto, Roland Corbisier, Hlio Jaguaribe, Igncio Rangel e Nelson
Werneck Sodr. Muito embora tais pensadores tivessem profundas
diferenas entre si, o Iseb forjou a ideologia nacional-desenvolvimentista
que foi fundamental para legitimar o processo de modernizao do
Brasil nos anos 1950.
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Histria e Sociologia
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Aula 11 Grandes temas da Sociologia brasileira I: modernizao, industrializao e urbanizao I Mdulo 2
O diagnstico que os isebianos faziam da realidade brasileira
no diferia, em essncia, daquele realizado pela Cepal para os
pases latino-americanos de um modo geral. O Brasil seria ainda um
pas agro-exportador, marcado por relaes arcaicas no campo e
preso a um comrcio internacional a ele desfavorvel, que impediria
o desenvolvimento de suas indstrias e a elevao da produtividade
de seus trabalhadores. Seria preciso, portanto, romper com essa
lgica, responsvel no s pelo subdesenvolvimento como tambm
pela persistncia da pobreza, por meio da industrializao e da
urbanizao.
Juscelino Kubitschek de Oliveira (1902-1976)
foi presidente do Brasil entre 1956 e 1961. Em
seu governo, JK implementou o Plano de Metas,
conjunto de medidas que deveria fazer o Brasil crescer
50 anos em 5 atravs da industrializao, exemplificada pela
instalao da indstria automobilstica. No governo JK foi construda
tambm a nova Capital Federal, Braslia, que deveria expressar o
novo Brasil, moderno e industrial, em contraposio ao pas agrcola
e arcaico que o presidente herdara quando assumiu a presidncia.
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Aula 11 Grandes temas da Sociologia brasileira I: modernizao, industrializao e urbanizao I Mdulo 2
Esse ponto importante: para o pensamento isebiano,
a pobreza ento existente era percebida como um legado do Brasil
arcaico, latifundirio e agroexportador, sendo, portanto, passvel de
ser superada pelo que ento era considerado o moderno, a cidade e
a indstria. A conjugao da promoo do crescimento econmico via
industrializao e a reforma agrria, que eliminaria o latifndio e seu
arcasmo, era entendida, pois, como o caminho para a superao da
pobreza e para a construo de um pas mais justo e igualitrio.
Nos anos 1950, segundo os isebianos, o Brasil estaria prestes a
emancipar-se da herana de seu passado colonial. Durante a Segunda
Guerra Mundial, um incipiente processo de substituio de importaes
teria dotado o pas de algumas indstrias, como a siderrgica de Volta
Redonda, e, no segundo governo Getlio Vargas (19511954) a
criao de empresas estatais como a Petrobras teria sinalizado um
novo papel do Estado na promoo da industrializao. A prpria
criao do Iseb sinalizaria esse momento propcio alavancagem
de um novo Brasil, moderno e urbano-industrial.
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Aula 11 Grandes temas da Sociologia brasileira I: modernizao, industrializao e urbanizao I Mdulo 2
Atende ao Objetivo 1
1. A viso do Brasil como um pas preso ao seu passado, e que dele deveria se emancipar,
est presente, como voc j viu, em importantes pensadores sociais brasileiros anteriores ao
Iseb. Mas no apenas entre eles. Leia a seguinte passagem de Lus Edmundo, importante
cronista brasileiro da primeira metade do sculo XX, sobre as reformas urbanas do prefeito
Pereira Passos (1902-1906):
Penetramos o sculo das luzes e ainda estamos em plena morrinha colonial.
Ainda somos o que ramos quando aqui albergvamos o mau gnio do
Sr. Luiz Vahia, o ona, a arrogncia do Sr. Marqus do Lavradio, o gravata,
e a palermice coroada do Sr. D. Joo VI, o frouxo. E assim continuamos a ser
at o advento de Rodrigues Alves, at a obra magnfica de Pereira Passos e
Oswaldo Cruz, quando se transforma a cidade pocilga em den maravilhoso,
fonte suave de beleza e sade, centro para onde logo afluem estrangeiros
que, at ento, medrosamente nos visitavam, apavorados, todos, com a febre
amarela: americanos, ingleses, italianos, alemes, que aqui chegam trazendo-
nos, alm de um esforo pessoal aprecivel, capitais, estmulo, e o que melhor
ainda, a viso civilizadora de ptrias adiantadas e progressistas (EDMUNDO,
1938, p. 25).
Identifique nesse texto os trechos em que Lus Edmundo contrape o arcaico ao moderno e nos
quais ele identifica um ator central no processo de modernizao do pas, nos moldes do Iseb.
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Aula 11 Grandes temas da Sociologia brasileira I: modernizao, industrializao e urbanizao I Mdulo 2
Comentrio
So vrios os momentos em que Lus Edmundo contrape o arcaico ao moderno em seu texto:
sculo das luzes x morrinha colonial, cidade pocilga x den maravilhoso, febre amarela x fonte
suave de beleza e sade. Por outro lado, assim como os isebianos, Lus Edmundo localizava
no Estado, representado por Pereira Passos, um ator central no processo de emancipao
do peso do passado.
Ainda que compartilhando um ncleo de idias comum, os
pensadores isebianos divergiam entre si em alguns pontos. Dois
autores podem ser indicados como representativos da principal
clivagem no interior do pensamento isebiano: Hlio Jaguaribe e
Nelson Werneck Sodr.
Hlio Jaguaribe foi um dos fundadores, ainda em 1952,
do chamado Grupo de Itatiaia, antepassado do Iseb que reunia
intelectuais paulistas e cariocas visando ao estudo da realidade
brasileira. Para Jaguaribe, o Brasil vivia nos anos 1950 o embate
entre duas grandes foras: as foras do progresso, envolvendo todas
as classes sociais interessadas na transformao social burguesia
industrial, trabalhadores urbanos e rurais que formariam a
maioria do povo brasileiro, e uma minoria retrgrada a burguesia
latifundiria, o setor mercantil da burguesia urbana e a pequena
burguesia radical interessada em manter o pas na velha posio
colonial de pas exportador de matrias-primas. Em suma, as foras
do progresso eram por ele identificadas indstria e cidade e, as
do atraso, ao latifndio agroexportador.
Para Jaguaribe, o conflito central da realidade brasileira
no era o conflito entre capital e trabalho, o conflito de classes,
portanto, mas o conflito entre modernizantes e arcaizantes,
entre nao e antinao (identificada esta aos aliados locais do
imperialismo, ou seja, aos interessados na manuteno do pas
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Histria e Sociologia
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Aula 11 Grandes temas da Sociologia brasileira I: modernizao, industrializao e urbanizao I Mdulo 2
como uma economia agroexportadora). Assim, So Paulo surgia
como o plo do Brasil moderno, urbano-industrial, em contraposio
a um Brasil ainda predominantemente arcaico e semifeudal, que,
por restringir a ampliao do mercado consumidor de produtos
manufaturados e a oferta de produtos primrios para o mercado
interno, obstaculizaria o desenvolvimento do Brasil moderno.
Para superar tal situao, Jaguaribe sugeria que o Estado fosse o
coordenador da economia, ao lado da burguesia empreendedora,
de modo a superar os entraves do atraso.
No entanto, havia um problema para que isso ocorresse: a
falta de poupana interna, a baixa capacidade de investimento da
economia brasileira. Industrializar um pas exige recursos vultosos
que, na viso de Jaguaribe, deveriam ser buscados fora do Brasil,
por meio de investimentos estrangeiros. Era esse ponto que marcava
a diviso entre duas vises distintas no seio do Iseb: os que defendiam
a participao do capital estrangeiro na industrializao do pas,
como Jaguaribe, que formava a ala desenvolvimentista do Instituto,
e os que a ela se opunham, como Nelson Werneck Sodr, que
formava uma ala mais nacionalista.
Nelson Werneck Sodr vinha de uma tradio intelectual
completamente diferente da de Hlio Jaguaribe. De formao
marxista, Sodr entendia a sociedade brasileira atravs da categoria
de modo de produo. O Brasil teria tido em seu perodo colonial
uma economia baseada no modo de produo escravista, ao qual
teria se seguido uma transio para um modo de produo feudal,
baseado no grande latifndio agroexportador. Ento, na conjuntura
dos anos 1950, a questo principal a ser enfrentada no era a
representada pelo conflito entre capital e trabalho, mas entre estes e
os latifundirios feudais e seus aliados, como as fraes mercantis da
burguesia. Em suma, para Sodr, tratava-se de construir um modo de
produo capitalista no Brasil, passo necessrio para a constituio
do socialismo. Para isso, era preciso industrializar o pas em moldes
capitalistas, e, nesse sentido, burguesia e trabalhadores deveriam
atuar juntos contra o latifndio, como tambm sugeria Jaguaribe.
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Aula 11 Grandes temas da Sociologia brasileira I: modernizao, industrializao e urbanizao I Mdulo 2
Atende ao Objetivo 2
2. Leia a seguinte passagem, de Wanderley Guilherme dos Santos:
Foi o desenvolvimentismo a ltima forma assumida por aquela ideologia
que, nascendo com o prprio alvorecer do capitalismo no Brasil, teve por
misso derrotar as sobrevivncias ideolgicas de uma estrutura arcaica e em
decadncia a estrutura semicolonial predominante no pas at a dcada
dos 30 ao mesmo tempo que vislumbrava e projetava as vias pelas quais
deveria evoluir o sistema econmico nacional. Para tal fim, melhor dizendo,
para ganhar ideologicamente a maioria das foras sociais, retirando-as de sob
o controle das teses colonialistas, esmerou-se a ideologia do desenvolvimento
aqui entendida como a ideologia incumbida de derrotar as teorias coloniais
e equacionar os meios do arranque capitalista inicial em demonstrar que a
liquidao da dependncia econmica para com o exterior, assim como a
soluo das principais agruras sociais, poderiam ser obtidas com a expanso
do capitalismo (SANTOS, 1963, p. 55-56).
Escreva um texto de dez linhas identificando, nas linhas de Wanderley Guilherme dos
Santos, alguns dos elementos principais da ideologia desenvolvimentista presentes nas
formulaes do Iseb.
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Comentrio
So vrios os caminhos que voc trilhar em seu texto. Um que bastante importante de ser
aprofundado diz respeito a uma tese central da ideologia desenvolvimentista: a de que a
superao do arcasmo, a liquidao da dependncia externa e o avano do capitalismo
no Brasil teriam por resultado na soluo das principais agruras sociais brasileiras, como
a pobreza.
CONCLUSO
O Iseb foi fundamental no apenas para consolidar a ideologia
nacional-desenvolvimentista no Brasil como tambm para criar uma
viso dualista da realidade brasileira. De modo sucinto, pode-se afirmar
que o pensamento dualista percebe a formao social brasileira como
fracionada em duas formaes antagnicas, uma moderna e outra
tradicional, a segunda obstaculizando o livre desenvolvimento da
primeira. Como conseqncia, o pas pensado a partir de dicotomias
tais como campo versus cidade, serto versus litoral, Estado versus
sociedade, pblico versus privado, nao versus imperialismo.
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Aula 11 Grandes temas da Sociologia brasileira I: modernizao, industrializao e urbanizao I Mdulo 2
Atividade Final
Atende ao Objetivo 3
Converse com dez pessoas de idades variadas, dos vinte aos sessenta anos, a respeito
de suas vises acerca do desenvolvimento econmico. Faa pelo menos as seguintes
perguntas:
a. Voc acha que a industrializao importante para o pas?
b. Voc acha que a industrializao importante para a superao da pobreza no
Brasil?
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A partir dessa viso, o Iseb buscava criar as bases ideolgicas
da superao do legado do passado colonial e abrir caminho para
o Brasil urbano-industrial. Em suma, os idelogos do Iseb percebiam
a sociedade brasileira fracionada em atores modernizantes e
arcaizantes, devendo os primeiros forjar uma aliana em torno de
um amplo processo de industrializao, capaz de superar e derrotar
os segundos. Para o Iseb, as profundas desigualdades sociais do
pas seriam fruto de seu subdesenvolvimento de sua insuficiente
industrializao.
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Histria e Sociologia
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Aula 11 Grandes temas da Sociologia brasileira I: modernizao, industrializao e urbanizao I Mdulo 2
Comentrio
muito provvel que uma parcela expressiva dos seus entrevistados responda
afirmativamente s duas questes. Muito embora cinqenta anos de industrializao
no Brasil no tenham sido capazes de superar a pobreza brasileira pelo contrrio,
como ser visto na prxima aula , e a crtica ambiental tenha desenvolvido uma viso
problematizadora da grande indstria, ainda muito forte, nos dias de hoje, a viso que
associa modernidade e riqueza industrializao.
RESUMO
No ps-Segunda Guerra Mundial, a Cepal buscou empreender
uma anlise das razes pelas quais as economias latino-americanas
eram subdesenvolvidas. Segundo a Cepal, faltaria dinamismo interno
a tais economias, marcadas pelo predomnio do latifndio e da
agroexportao. Para agravar o quadro, a deteriorao dos termos
de troca no comrcio internacional entre pases perifricos e pases
centrais reproduziria a falta de dinamismo interno de tais pases,
aprofundando ainda mais as diferenas entre centro e periferia.
Para equacionar o problema, a Cepal sugeria a industrializao
dos pases latino-americanos.
No Brasil, o pensamento isebiano, fortemente influenciado pelo
cepalino, forjou uma ideologia nacional-desenvolvimentista, segundo a
qual o pas deveria emancipar-se do legado do seu passado colonial,
expresso no latifndio, e industrializar-se. Haveria, portanto, uma
convergncia de interesses entre a burguesia industrial e o proletariado
em sua oposio s foras do atraso, o grande latifndio e a burguesia
mercantil. Os problemas sociais do Brasil, em suma, seriam resultado
da fora do peso do passado, da insuficincia do seu capitalismo,
e seriam superados, justamente, pela industrializao capitalista.
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Histria e Sociologia
Informao sobre a prxima aula
Na prxima aula, voc vai entrar em contato com a reflexo
sociolgica que buscou compreender as razes pelas quais o
Brasil, ao contrrio do que queriam os isebianos, industrializou-se
e urbanizou-se no ps-Segunda Guerra Mundial aprofundando
suas desigualdades sociais.
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Aula 12
Grandes temas da Sociologia brasileira I: modernizao, industrializao e urbanizao II
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Histria e Sociologia
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Aula 12 Grandes temas da Sociologia brasileira I: modernizao, industrializao e urbanizao II Mdulo 2
Meta da aula
Apresentar as principais correntes do pensamento sociolgico brasileiro que buscaram
pensar a modernizao do pas a partir do esgotamento do pensamento cepalino.
Objetivos
Esperamos que, aps o estudo do contedo desta aula, voc seja capaz de:
1. reconhecer a crtica ao pensamento dualista isebiano;
2. reconhecer a tradio sociolgica do populismo e seus crticos.
Pr-requisito
Para melhor compreender esta aula, voc deve estar atento aos contedos da Aula 11,
sobre o pensamento cepalino.
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Histria e Sociologia
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Aula 12 Grandes temas da Sociologia brasileira I: modernizao, industrializao e urbanizao II Mdulo 2
INTRODUO
O ps-Segunda Guerra Mundial produziu uma ampla srie de
fenmenos polticos e sociais, como a crise dos imprios britnico e
francs, a descolonizao da frica e da sia e a urbanizao e indus-
trializao de diversos pases at ento essencialmente agrrios.
Para pensar sobre tais transformaes, em particular o
grande processo de transformao de sociedades de base agrria
em urbano-industriais, a Sociologia, sobretudo a norte-americana,
produziu ao menos trs grandes correntes da chamada sociologia
da modernizao.
Uma primeira, representada por Seymour Lipset, iden-
tificava uma forte correlao entre modernizao e democracia.
Para Lipset, quanto mais prspera e urbanizada uma sociedade,
mais probabilidade ela teria de ser democrtica, em razo da
expanso da sua classe mdia. Para o autor, ao privilegiar a
competio eleitoral como forma de regulao dos conflitos sociais
e por amortizar esses mesmos conflitos, colocando-se a meio caminho
entre os possveis plos de radicalizao, a classe trabalhadora e a
burguesia, a classe mdia, oriunda do processo de modernizao,
surgia como a base social da democracia.
Uma segunda corrente a representada por Barrington
Moore Jr. Para ele, existiriam pelo menos trs caminhos para a
modernizao, dependendo dos tipos de alianas de classes que
presidissem o processo modernizador: o trilhado por pases que
realizaram a revoluo burguesa, como a Inglaterra, Frana e
Estados Unidos, resultando em pases modernos e democrticos;
o trilhado por pases que se modernizaram por uma aliana entre
a burguesia e setores das antigas classes dominantes rurais, sob a
gide do Estado, resultando no fascismo, como a Itlia e a Alemanha;
finalmente, uma terceira via para a modernizao seria a comunista,
conduzida pelo Estado e trilhada pela Unio Sovitica.
Seymour Martin Lipset
(1922-2006)Foi professor de
vrias universidades
importantes, como
Stanford, Havard
e Columbia e
presidente da
American Sociological
Association, tendo
desenvolvido trabalhos
em diversas reas
da Sociologia,
como sociologia
da modernizao,
movimento sindical e
estratificao social.
Barrington Moore Jr.
Nascido em 1913 e
falecido em 2005,
foi professor da
Universidade de
Harvard e tornou-se um
clssico da Sociologia
ao escrever As origens
sociais da ditadura e da
democracia. Senhores
e camponeses no
mundo moderno.
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Histria e Sociologia
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Aula 12 Grandes temas da Sociologia brasileira I: modernizao, industrializao e urbanizao II Mdulo 2
Ao otimismo de Lipset e aos mltiplos caminhos de Barrington
Moore Jr., Samuel Huntington apresentava uma terceira viso,
bastante pessimista, a respeito dos processos de modernizao dos
pases atrasados. Para ele, tais processos resultariam em profundos
conflitos polticos e sociais, como desdobramento da dissoluo
dos laos tradicionais de coeso social e da incorporao das
massas recm-urbanizadas arena poltica, desembocando,
necessariamente, em regimes polticos autoritrios.
No Brasil, principalmente a partir de 1964 e ao longo dos
anos 1970, os socilogos tinham de lidar com uma situao
bastante diferente da dos norte-americanos. Enquanto estes lidavam
com perspectivas tericas e com realidades concretas distantes
dos prprios Estados Unidos, o desafio que se colocava aos soci-
logos no Brasil era o de compreender o fracasso do nacional-
desenvolvimentismo isebiano.
Ao contrrio do que queriam os isebianos, a modernizao
brasileira, entendida enquanto industrializao e urbanizao, no
havia resultado em melhoria das condies de vida da maior parte
da populao brasileira, tampouco a burguesia industrial brasileira
havia se revelado anti-imperialista. Pelo contrrio, convivera, at com
bastante conforto, com o que o Iseb entendia como imperialismo.
E, por falar em imperialismo, o latifndio, tido como um seu aliado,
no havia sido desmontado pela reforma agrria, o que implica dizer
que o latifndio no se revelara, como queriam os isebianos, um bice
modernizao. Para coroar as desiluses isebianas, o golpe militar
de 1964 havia sepultado a experincia liberal-democrtica iniciada
pela Constituio de 1946, ambiente poltico no qual o prprio Iseb
havia florescido. Portanto, os socilogos dos anos 1960 e 1970
dedicaram-se a refletir sobre a modernizao brasileira a partir de
uma situao bastante diferente daquela, muito mais otimista, que se
colocava diante dos isebianos nos anos 1950.
Diante de tal cenrio, o pensamento sociolgico brasileiro
empreendeu esforos em diferentes direes, criticando o dualismo
cepalino, repensando as opes e estratgias dos diferentes atores
Samuel HuntingtonNascido em 1927,
um dos mais pol-
micos socilogos da
atualidade. Professor
de Harvard,
geralmente identificado
s correntes mais
conservadoras
do pensamento
sociolgico e, alm de
ter produzido estudos
sobre a modernizao,
o autor da tese do
choque de civilizaes.
Segundo tal tese, o
mundo ps-Guerra
Fria seria marcado
no mais por conflitos
ideolgicos, mas
culturais, estando o
Ocidente ameaado
por outras culturas,
como a islmica.
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Aula 12 Grandes temas da Sociologia brasileira I: modernizao, industrializao e urbanizao II Mdulo 2
sociais, como o Estado e a burguesia nacional, diante dos desafios
da industrializao, e repensando tambm as relaes entre o
Estado e os trabalhadores naquilo que ficou conhecido como a
Repblica Populista.
As crticas ao dualismo isebiano
Foi nos anos 1970 que as crticas ao dualismo isebiano se
intensificaram, por sua incapacidade estrutural em compreender o
processo de modernizao capitalista pelo qual o pas passava, em
que o acelerado crescimento econmico no se fazia acompanhar
pela melhoria efetiva da qualidade de vida e da incorporao
de massas ao circuito produo/consumo. A obra fundamental de
crtica ao dualismo foi, sem dvida, a de Francisco de Oliveira,
que demonstrou como a persistncia e o aprofundamento das desi-
gualdades sociais nos anos 1970 eram frutos do desenvolvimento
capitalista brasileiro, que articulou distintos padres de acumulao
com a acumulao propriamente capitalista, esta dando o sen-
tido ao todo. Oliveira demonstrou, assim, como a persistncia
e o aprofundamento das desigualdades sociais eram frutos do
desenvolvimento capitalista, no da insuficincia deste, como
queriam os isebianos. Uma outra crtica importante ao dualismo
isebiano foi desenvolvida por Luciano Martins. Utilizando o conceito
de modernizao conservadora, inspirado em Barrington Moore,
Martins entendia que a modernizao brasileira teria sido feita
por meio de uma coalizo de elites, na qual a diferenciao das
estruturas econmicas nas quatro dcadas posteriores a 1930 no
teria afetado o padro de dominao secularmente existente no
Brasil. Tal qual na Prssia dos junkers, teria ocorrido, no Brasil,
uma coalizo entre interesses agrrios e industriais, resultando
em uma modernizao pelo alto. Para Martins, as assimetrias
percebidas na sociedade brasileira (seu estudo do incio da dcada
de 1970, portanto cronologicamente prximo ao de Oliveira) seriam
plenamente modernas, no resqucios herdados do passado.
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Aula 12 Grandes temas da Sociologia brasileira I: modernizao, industrializao e urbanizao II Mdulo 2
Portanto, ao contrrio do que queriam os isebianos, o latifndio
brasileiro, entendido por estes como herana arcaica e aliado do
imperialismo, teria se revelado, pelo contrrio, um aliado do prprio
processo de modernizao capitalista do pas.
Atende ao Objetivo 1
1. Leia os trechos a seguir de uma crnica escrita em 1921 por Lima Barreto,
sugestivamente intitulada 15 de novembro.
Em seguida, escreva um texto de, pelo menos dez linhas, comparando este texto
com o de Lus Edmundo, lido na aula passada, no que diz respeito viso que
ambos tinham da realidade brasileira, com nfase na questo do dualismo.
Escrevo esta no dia seguinte ao do aniversrio da proclamao da Repblica.
No fui cidade e deixei-me ficar pelos arredores da casa em que moro, num
subrbio distante. (...) Entretanto, li com tristeza a notcia da morte da princesa
Isabel. (...) Veio, entretanto, vontade de lembrar-me o estado atual do Brasil,
depois de trinta e dois anos de Repblica. Isso me acudiu porque topei com
as palavras de compaixo do Senhor Ciro de Azevedo pelo estado de misria
em que se acha o grosso da populao do antigo Imprio Austraco. Eu me
comovi com a exposio do doutor Ciro, mas me lembrei ao mesmo tempo do
aspecto da Favela, do Salgueiro e outras passagens pitorescas da cidade. Em
seguida, lembrei-me de que o eminente senhor prefeito quer cinco mil contos
para reconstruo da avenida Beira-Mar, recentemente esborrachada pelo
mar. Vi em tudo isso a Repblica; e no sei por qu, mas vi. No ser, pensei
de mim para mim, que a Repblica o regime da fachada, da ostentao,
do falso brilho e luxo de parvenu, tendo como repoussoir a misria geral?
(BARRETO, 1995, p. 45- 46).
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Comentrio
Se na aula anterior foi dado a Lus Edmundo o crdito de expressar, bem cedo, uma
sensibilidade dualista para a realidade brasileira, crdito tambm deve ser dado a Lima
Barreto como um dos primeiros intelectuais brasileiros a perceber que a convivncia do
considerado moderno e do atrasado, da riqueza associada ao primeiro e da pobreza
ao segundo, era uma convivncia de contemporneos. Ao contrrio do que queria Lus
Edmundo, para Lima Barreto a misria reinante no Rio de Janeiro de sua poca no
era um resqucio da cidade colonial, mas uma produo da cidade republicana.
Se a persistncia das desigualdades sociais no eram heranas
do passado, como queriam os isebianos, como deveriam ser explicadas?
Quais seriam os papis assumidos no processo de modernizao pelas
diferentes classes sociais e pelo Estado brasileiro?
O papel das classes sociais e do Estado no processo de modernizao
Um tema recorrente na literatura sociolgica sobre a
modernizao brasileira refere-se fragilidade da burguesia
nacional e do conseqente papel assumido pelo Estado na
conduo do processo de modernizao. Para Luciano Martins, a
frgil burguesia industrial brasileira teria desenvolvido um padro
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Aula 12 Grandes temas da Sociologia brasileira I: modernizao, industrializao e urbanizao II Mdulo 2
meramente reativo liderana do Estado, o grande protagonista do
processo de modernizao, advindo da o seu carter autoritrio.
Martins utilizaria tambm o conceito de desarticulao social
para explicar o processo brasileiro, chamando a ateno para a
fragilidade do processo de sedimentao das classes burguesas
dominantes em pases de industrializao recente e acelerada,
ensejando as condies para que o Estado e sua burocracia passem
a desenvolver um papel central na gesto da economia e no processo
de acumulao capitalista.
Tambm Joo Manuel Cardoso de Mello afirmava ser a
burguesia industrial nacional, ancorada em indstrias leves e
com frgil poder de acumulao, incapaz de definir um padro
de acumulao alternativo quele que levasse estatizao dos
novos setores econmicos. Pensando a modernizao capitalista
brasileira como a de um capitalismo tardio, o autor entende que o
pas industrializou-se quando, em nvel internacional, o capitalismo j
havia atingido sua fase monopolista. Neste cenrio, s o Estado teria
as condies de mobilizar recursos para os investimentos necessrios
transformao da economia brasileira, particularmente em funo
da fragilidade de um esquema endgeno de acumulao de capital
em relao s inverses exigidas pelo capitalismo monopolista.
Esta tradio, que ope o Estado forte sociedade desar-
ticulada, no se restringe aos autores brasileiros, tampouco realidade
brasileira. De fato, interessante notar como a teoria da burguesia
fraca se repete em formulaes sobre inmeras outras formaes
sociais, com trajetrias e atores sociais distintos da experincia
brasileira. Geralmente, as burguesias fracas e os Estados fortes so
localizados nos pases subdesenvolvidos, ao passo que as burguesias
fortes e Estados instrumentais so localizados nos Estados Unidos e
na Europa, com a exceo de pases de industrializao tardia, como
a Alemanha. Adam Przeworski, no entanto, chama a ateno para a
fragilidade de tal viso sobre a burguesia como elemento explicador
da autonomia do Estado e demonstra como, exemplificando com
os casos ingls, francs e mesmo o alemo, inexiste relao causal
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Aula 12 Grandes temas da Sociologia brasileira I: modernizao, industrializao e urbanizao II Mdulo 2
entre fragilidade da burguesia e autonomia do Estado: em todos estes
pases teriam se forjado burguesias com projeto de classe, ao passo
que o Estado teria permanecido largamente autnomo. No caso
brasileiro, Snia Draibe afirma que Luciano Martins, ao enfatizar
os aspectos autoritrios da modernizao capitalista brasileira, feita
na ausncia de uma burguesia conquistadora, e baseada em uma
coalizo elitista de formato oligrquico, corre o risco de transformar
a moderna burocracia econmica em ator isolado do processo de
industrializao.
Tambm Eli Diniz desenvolveu uma crtica a essa viso do
papel reativo da burguesia nacional no processo de modernizao
capitalista do Pas. Afirma a autora que, embora a primazia do
Estado na transio para uma moderna economia capitalista, no
Brasil, seja incontestvel, ela no deve levar a que se descaracterize
o importante papel de instituies da sociedade civil, como as
entidades empresariais, enquanto espao de articulao, proposio
e defesa de interesses dotado de dinamismo prprio.
A fragilidade da burguesia nacional, assim como da classe
trabalhadora brasileira, tambm est presente em uma das tradies
que se tornariam centrais para a anlise da modernizao brasileira.
A que a entende dentro dos marcos conceituais do populismo.
A tradio do populismo
Francisco Weffort, Otvio Ianni e muitos outros socilogos
brasileiros pensaram a modernizao brasileira a partir do conceito
de populismo. Apesar das diferenas entre eles, pode-se afirmar que,
para tal tradio, entre 1930 e 1964, o Brasil teria se urbanizado
e industrializado nos moldes de uma Repblica Populista.
A Repblica Populista teria sido resultado, de um lado, de
uma crise de hegemonia da classe dominante, j no mais agro-
exportadora mas ainda incapaz de liderar um projeto de classe
urbano-industrial e, de outro, da falta de conscincia de classe
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Histria e Sociologia
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Aula 12 Grandes temas da Sociologia brasileira I: modernizao, industrializao e urbanizao II Mdulo 2
das massas trabalhadoras, recm-urbanizadas e incapazes de
compreender e agir politicamente enquanto classe trabalhadora.
nesse cenrio que surge o lder populista, dotado de carisma e
capacidade de mobilizar as massas, manipulando-as em troca de
polticas sociais e cujo objetivo final fazer avanar o processo
de urbanizao e industrializao.
Para Weffort, o sistema populista se desenvolveu no perodo
de crise da oligarquia e do liberalismo, que se aprofundou a partir
dos anos 1920 e 1930. A partir de ento, quando a urbanizao
e a industrializao se aprofundaram, a sociedade brasileira teria
vivido um complexo processo de incorporao das massas arena
poltica, o que teria ensejado algum grau de autoritarismo na
conduo da vida pblica, fosse o autoritarismo de Vargas entre
1937 e 1945, fosse o autoritarismo paternalista ou carismtico
dos lderes da democracia de 1946-1964, com destaque para o
prprio Vargas em seu segundo governo (1951-1954). O populismo
expressava, tambm, na viso de Weffort, a debilidade dos grupos
dominantes urbanos quando, diante da iminncia de constituio
de um capitalismo nacional, tiveram de substituir as oligarquias
tradicionais, de base agrria, na conduo da vida pblica.
Em outras palavras, para Weffort o populismo seria resultado
da crise de hegemonia da oligarquia e da emergncia de uma nova
aliana de poder no interior do aparelho de Estado. No entanto,
esta aliana seria caracterizada pela ausncia de hegemonia, ou
melhor, pela incapacidade de qualquer um dos novos scios do
poder em construir uma nova hegemonia, resultando em um Estado de
Compromisso. Nas condies do Compromisso, a instabilidade poltica
que marcou o perodo at 1964 teria tido sua gnese na personalizao
do poder, na imagem, meio real e meio mtica, da soberania do Estado
sobre o conjunto da sociedade e na necessidade de participao,
no jogo poltico-institucional, das massas populares urbanas.
Segundo Weffort, o fundamento do que ele chama de sistema
populista seria uma:
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Aula 12 Grandes temas da Sociologia brasileira I: modernizao, industrializao e urbanizao II Mdulo 2
Estrutura institucional de tipo autoritrio e semicorporativa,
orientao poltica de tendncia nacionalista, antiliberal
e antioligrquica; orientao econmica de tendncia
nacionalista e industrialista; composio social policlas-
sista mas com apoio majoritrio das classes populares
(WEFFORT, 1980, p. 84-85).
Uma outra abordagem do populismo a de Francisco de
Oliveira, que o define como a revoluo burguesa no Brasil.
Para Oliveira, ao contrrio da revoluo burguesa clssica, a
brasileira teria prescindido de uma ruptura total do sistema de poder,
mantendo parte do poder das classes proprietrias rurais. A revoluo
brasileira teria se caracterizado, em verdade, pela construo de um
novo modo de acumulao, voltado para dentro, tendo sido preciso,
para tal, a adequao das relaes de produo:
O populismo a larga operao dessa adequao,
que comea por estabelecer a forma de uno do
arcaico e do novo, corporativista como se tem as-
sinalado, cujo epicentro ser a fundao de novas
formas de relacionamento entre o capital e o trabalho,
a fim de criar as fontes internas da acumulao. A le-
gislao trabalhista criar as condies para isso
(OLIVEIRA, 1975, p. 30-31.)
O conceito de populismo, ainda que largamente utilizado hoje
em dia, comeou a ser crescentemente criticado por historiadores
a partir de fins dos anos 1970 e ao longo dos anos 1980. ngela
de Castro Gomes, principalmente, criticou a viso de que os
trabalhadores teriam se deixado manipular por lderes populistas,
o que encerraria a percepo de que o Estado seria todo-poderoso
e, os trabalhadores, passivos. Criticando tambm a viso, encerrada
no conceito de populismo, de que os trabalhadores brasileiros no
teriam conscincia de classe, a partir da viso de que no existe uma
conscincia de classe correta, Gomes afirma que, no perodo em
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Aula 12 Grandes temas da Sociologia brasileira I: modernizao, industrializao e urbanizao II Mdulo 2
questo, teria se consolidado, entre a classe trabalhadora brasileira
e o Estado, um pacto, ao qual denomina trabalhista, segundo o qual
a classe trabalhadora teria obtido ganhos simblicos e materiais em
troca de apoio ao projeto trabalhista.
CONCLUSO
O perodo compreendido entre 1930 e 1964, e que o cerne
das reflexes da sociologia brasileira da modernizao, acabou por
ser largamente compreendido a partir do conceito de populismo.
Para alm da crtica a tal conceito formulado por, dentre outros,
ngela de Castro Gomes, importante salientar que o conceito de
populismo acabou por extrapolar o circuito acadmico para penetrar
no debate pblico. Ao faz-lo, ele ganhou uma dimenso pejorativa,
desqualificadora. Populista , como diria Gomes, o inimigo, o outro,
o que coopta as massas populares e as manipula. Com isto, no
s toda uma tradio poltica, o trabalhismo, desqualificada,
como a prpria classe trabalhadora percebida como incapaz de
compreender-se a si prpria e os seus interesses.
Esta uma das razes pelas quais Gomes rejeita a utilizao
do conceito de populismo. Se a funo dos conceitos contribuir
para produzir compreenso sobre um determinado fenmeno, o fato
de o conceito de populismo ter adquirido uma dimenso negativa
acaba por contaminar sua funo. Assim, ele pode acabar por
produzir no compreenso, mas condenao sobre um perodo
fundamental da histria do Brasil.
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Aula 12 Grandes temas da Sociologia brasileira I: modernizao, industrializao e urbanizao II Mdulo 2
Atividade Final
Atende ao Objetivo 2
Leia o poema a seguir de Lisindo Coppoli sobre Getlio Vargas, publicado em 1953,
e identifique os elementos que podem ser associados tradio do populismo.
Fala o pai dos pobres
Trabalhadores do Brasil! Meus filhos!
Lembro-me bem de vs, nem poderia
...................................................................
Sois vs, trabalhadores maltrapilhos,
Os detentores da soberania,
Vs, que, perseverando, haveis de, um dia,
Pr nossa ptria sobre novos trilhos. c
Que a vossa grande f no esmorea;
....................................................................
.................................................................................
Firmes em nossos ideais to nobres,
Sempre, em mim, vs tereis o mesmo pai,
E em vs eu terei sempre os mesmos pobres!
_______________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________
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Comentrio
So vrios os elementos do poema que podem ser identificados tradio do
populismo, a comear de seu ttulo. A viso de Getlio como pai dos pobres remete
viso destes como menores, portanto, como tendo a necessidade de serem tutelados
pelos mais velhos. Por outro lado, a idia de pai remete tambm necessidade de
proteo, como se os trabalhadores brasileiros no tivessem capacidade de, por si ss,
tomarem suas prprias decises. Por outro lado, o princpio da cooptao dos pobres
pelo poder est sempre presente, assim como a idia de que, no fundo, o lder, apesar
de revelar-se como protetor dos pobres, implementa o poder em favor dos ricos.
Em suma, o poema de Coppoli inspira-se no famoso ditado de que
Vargas seria o pai dos pobres e a me dos ricos.
RESUMO
O desenvolvimentismo cepalino, ao se revelar incapaz de
produzir compreenso sobre a modernizao brasileira, deu lugar a
novas interpretaes sobre esta. A crtica ao dualismo, uma anlise
mais detida sobre o papel dos agentes sociais e a tradio terica
do populismo foram, todas, tentativas de anlise que objetivavam
compreender as razes pelas quais o Brasil modernizou-se e in-
dustrializou-se sem, contudo, realizar as reformas tidas como
necessrias pela Cepal, como a agrria, e sem superar seus graves
problemas sociais.
Informao sobre a prxima aula
Na prxima aula, voc vai entrar em contato com um dos
temas mais polmicos do pensamento sociolgico brasileiro, e de
grande atualidade, que um desdobramento das reflexes feitas
nas Aulas 11 e 12 sobre a modernizao brasileira: o problema
das desigualdades sociais.
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Aula 13
Grandes temas da Sociologia brasileira IV: o problema da desigualdade social I
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Histria e Sociologia
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Aula 13 Grandes temas da Sociologia brasileira IV: o problema da desigualdade social I Mdulo 2
Meta da aula
Identificar as dimenses da desigualdade social no contexto europeu e as formas pelas
quais ela vem sendo representada historicamente na reflexo sociolgica.
Objetivos
Esperamos que, aps o estudo do contedo desta aula, voc seja capaz de:
1. reconhecer a dimenso sociolgica do tema da desigualdade social;
2. identificar as especificidades histricas das desigualdades sociais;
3. reconhecer as diferentes linguagens da sociologia que buscam representar o tema
das desigualdades sociais.
Pr-requisitos
Para que voc encontre maior facilidade ao estudar esta aula, reveja a Aula 4, sobre
Durkheim e Marx, que tratava a questo social na Europa do sculo XIX, e as Aulas
10 e 11, sobre tenso racial, preconceito e integrao do negro; a Aula 12, sobre
desigualdade social; e a Aula 14, sobre modernizao, industrializao e urbanizao.
Elas so relevantes para a compreenso do tema da desigualdade social.
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Histria e Sociologia
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Aula 13 Grandes temas da Sociologia brasileira IV: o problema da desigualdade social I Mdulo 2
INTRODUO
A pobreza e sua verso mais severa, a misria um
fenmeno to presente na vida brasileira que, muito provavelmente,
voc j a considera parte da paisagem social, ou seja, voc caminha
hoje pelas ruas dos grandes centros urbanos e invariavelmente
esbarra na misria. Pessoas nas ruas pedindo dinheiro, os chamados
sem-teto, os doentes, os famintos, os abandonados, os carentes,
que j compem naturalmente a paisagem urbana nas grandes
cidades no Brasil e no exterior. Por outro lado, voc tambm
observa os mais ricos, os mais aquinhoados, aqueles que exibem
suas riquezas por meio de bens de consumo: carros, roupas caras,
jias e, provavelmente, voc tambm os enxerga como parte da
paisagem urbana. Entretanto, se paramos para refletir detidamente
sobre a pobreza e a riqueza, a misria e a opulncia, a carncia e
a fartura, provvel que o que antes era naturalmente parte da
paisagem transforme-se em um problema, em uma questo e, at
mesmo, em um desafio. Esse o movimento que a sociologia realiza.
Ela se pergunta: a pobreza e a riqueza sempre existiram? justo
que a sociedade se divida entre ricos e pobres? Por que uns tem
muito e outros nada? Qual a distncia tolervel que deve separar
ricos de pobres? Quando a desigualdade social se transforma em
um risco para a ordem social?
Essas perguntas cercam um fenmeno tpico da modernidade
que buscaremos tratar na presente aula: a desigualdade social.
Esse fenmeno, especialmente a partir do sculo XIX, transforma-se,
por assim dizer, em um dos maiores problemas da modernidade
de difcil soluo enfrentados no Brasil e no mundo. Nem
todos, contudo, esto realmente atentos a essa questo. Poucos
se indagam sobre como as sociedades conseguem conviver e se
manter em ordem, ou seja, sem revolues ou guerras civis, frente
desigualdade social. Muitas vezes os mais ricos so indiferentes aos
pobres, e alguns pobres muitas vezes imaginam que natural que
outros tenham muito dinheiro e que eles no tenham quase nada.
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Histria e Sociologia
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Aula 13 Grandes temas da Sociologia brasileira IV: o problema da desigualdade social I Mdulo 2
Alguns se resignam diante da desigualdade; outros, porm, podem
pensar que essa distncia social uma injustia. H, ainda, aqueles
que podem naturalizar essa distncia atribuindo-a vontade de
Deus. Nessa perspectiva, convm perguntar: ser que voc realmente
enxerga a desigualdade social no Brasil? Em que circunstncias
voc identifica a desigualdade social? Que razes voc identifica
para a desigualdade social? Como voc ajuza sobre a distncia
entre ricos e pobres? Qual a distncia tolervel? Qual a sua
opinio sobre a desigualdade social? Como voc se v em um pas
socialmente desigual? Por que alguns pases so mais socialmente
desiguais do que outros? Quais as razes filosficas, histricas e
sociolgicas da desigualdade social? Ainda que reconheamos em
nosso cotidiano as imagens da desigualdade social, nem sempre a
consideramos com a profundidade que ela merece. Em muitos casos,
reconhecemos a desigualdade mas no enxergamos as razes da
sua emergncia histrica, sequer nos envolvemos diretamente com
os seus impactos sobre os indivduos e a sociedade ou, vale dizer,
com as possibilidades de contribuir para a sua superao.
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Histria e Sociologia
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Aula 13 Grandes temas da Sociologia brasileira IV: o problema da desigualdade social I Mdulo 2
Voc deve dirigir sua ateno agora para as questes que
mobilizaram o surgimento da Sociologia desde o sculo XIX.
Lembre-se de Durkheim (Aula 4): como uma sociedade pode se
manter coesa mesmo quando seus indivduos encontram-se em
posies desiguais? Como uma sociedade pode se desenvolver
pacificamente mesmo quando os interesses dos indivduos so
distintos ou quando alguns indivduos so mais recompensados
do que outros? O que assegura a paz social quando alguns
podem ter acesso a uma maior quantidade de bens de consumo e
propriedade, enquanto outros no podem? Essas so questes
que, desde autores como Hobbes, Locke, Rousseau, Adam Smith,
Durkheim e Marx, desafiam a imaginao filosfica e sociolgica
no Ocidente.
As origens da desigualdade segundo Rousseau
Muitos pensadores nos sculos XVII e XVIII se inquietavam
com as condies de emergncia da ordem social. Como possvel
a sociedade? Como homens com status diferenciados podem viver
em sociedade? Se os homens so naturalmente egostas, como
eles podem viver em sociedade? Mesmo considerando todos os
homens como parte de uma mesma natureza humana, intrigava a
esses pensadores o porqu de alguns tornarem-se mais poderosos
do que outros. Por que alguns alcanavam a glria e outros no?
Por que alguns possuam reconhecimento e propriedades e outros
no? Por que alguns possuam riquezas e outros no? Se para esses
pensadores, sobretudo os chamados contratualistas, os homens
nascem iguais, ou seja, so parte de uma mesma humanidade,
que os filsofos do direito natural chamavam natureza humana,
o que, ento, os teria tornado desiguais? Autores contratualistas
como Rousseau, por exemplo, buscaram compreender a origem das
desigualdades entre os homens pelo chamado mtodo heurstico.
Tratava-se de pensar em uma situao hipottica, mas logicamente
ContratualistasEscola que floresceu
na Europa entre os
sculos XVII e XVIII. Teve
como mais conhecidos
representantes, Hobbes
(1588-1679), Locke
(1632-1704) e Rousseau
(1712-1778). Ainda
que esses autores no
pensassem exatamente
da mesma maneira,
adotaram uma mesma
estrutura conceitual a fim
de afirmar o poder do
consenso na manuteno
da sociedade e do
Estado. Para Hobbes, as
paixes levam os homens
ao pacto a fim de garantir
a paz social; para
Locke, a razo o motor
do consenso entre os
homens; para Rousseau,
a busca da felicidade
instituda como vontade
geral permite o contrato
entre os homens.
Mtodo heurstico Parte da pesquisa que
visa favorecer o acesso a
novos desenvolvimentos
tericos ou descobertas
empricas. Define-se
procedimento heurstico
como um mtodo de
aproximao das
solues dos problemas,
que no segue um
percurso claro mas que se
baseia na intuio e nas
circunstncias a fim de
gerar conhecimento novo.
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plausvel, que permitisse refletir sobre as razes das desigualdades
entre os homens. Rousseau vislumbrava uma natureza humana
segundo a qual, na origem dos tempos, os homens teriam nascidos
rigorosamente iguais, destitudos de propriedade, razo ou poder,
aos que ele chamava bom selvagem ou homem natural. Eram
desprovidos de interesse e cobia. Somente quando se introduz
entre os homens a necessidade do trabalho, da sobrevivncia,
com o surgimento da sociedade, surgem a vontade de poder, o
desejo de subjugar o outro, a inveja e a cobia. Essa diferenciao
fundamentada na propriedade permite a escravizao de uns por
outros, inaugurando as desigualdades entre os homens. Nos termos
de Rousseau, a civilizao, a sociedade civil, retiraria o homem da
sua bondade natural e original, tornando-o competitivo, egosta e
individualista.
As desigualdades identificadas especialmente por Rousseau,
derivam da observao de uma sociedade marcada por diferenciaes
quanto posio social, ao status e ao poder poltico. Na reflexo
antropolgica de Rousseau, a desigualdade no est na origem.
Est justamente na vida civilizada, na vida em sociedade.
Ele desenha a evoluo do homem at o surgimento da sociedade,
de maneira hipottica, como ele diz no Discurso: Comecemos por
prescindir dos fatos e imaginemos a existncia fictcia de um estado
de natureza que teria precedido a entrada dos seres humanos em
sociedade. Na verdade, a sua crtica tambm uma denncia
que se dirige ao Antigo Regime, ou seja, ao regime absolutista e
s desigualdades que ele reproduz que acabam por separar os
indivduos: desigualdades de origem moral, social e poltica. Se os
homens nascem iguais, ento, pela lgica de Rousseau, no seria
a desigualdade algo natural. A desigualdade , para Rousseau,
resultado da civilizao, do interesse privado, da transformao
do bom selvagem em homem egosta.
Jean-Jacques RousseauNasceu em Genebra
em 1712 e morreu em
Ermenoville em 1778.
Filsofo suo, escritor
e terico poltico, foi
um dos mais relevantes
filsofos do iluminismo
francs. Suas idias
influenciaram os lderes
da Revoluo Francesa.
Em 1755 escreveu
Discurso sobre a origem
e os fundamentos da
desigualdade entre
os homens, trabalho
no qual os temas da
desigualdade e da
injustia so tratados
como resultado
da competio e
da hierarquia na
sociedade. Para ele,
da prpria civilizao
viriam os males que
afligem o homem
civilizado. Em estado
natural os homens
seriam iguais, a
civilizao que se
encarrega de introduzir
a desigualdade. autor
de uma vasta obra
que inclui seu mais
conhecido trabalho:
O contrato social.
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Pobreza e desigualdade da perspectiva da Sociologia
A compreenso sociolgica da desigualdade social s
ganhar maior nitidez com a Revoluo Francesa. Era preciso que
um acontecimento poltico e histrico trouxesse cena pblica a
pobreza em sua verso mais aguda a misria, les malhereaux ,
como dizia Saint-Just.
A revoluo colocou de ponta-cabea todo o edifcio do
Antigo Regime, antes acomodado na hierarquia, no privilgio, nas
diferenas de status e nas suas desigualdades. Descortinava-se, ento,
um mundo de pobreza to avassalador que a prpria liberdade pela
qual se lutava na Revoluo Francesa foi perdendo espao para
a luta que emergia como mais relevante: a luta pela igualdade.
A pobreza seria, a partir da Revoluo Francesa, compreendida
como uma questo social contra a qual o ideal da igualdade,
atravs do estado e da poltica, se afirmaria. Agora, a oposio
entre igualdade e desigualdade social marcaria a preocupao no
apenas dos revolucionrios, mas tambm dos estudiosos dessa nova
sociedade que se inaugurava com a Revoluo Francesa.
Figura 13.1: Tomada da Bastilha (Prise de la Bastille) de Jean-Pierre
Louis Laurent Houel (1735-1813).
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Bastilha
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Voc agora convidado a pensar em diferentes cenrios sociais
e nas transformaes histricas das noes de riqueza e pobreza.
Cenrio 1: Pensemos no Antigo Regime, no ano hipottico
de 1737. Em algum lugar da Frana havia um campons, o Sr.
Jean-Paul, que era pobre, mas no passava necessidade. Era capaz
de se alimentar, de ter acesso ao moinho e proteo do senhor
ou do proprietrio provavelmente um aristocrata das terras em
que ele vivia. Suas relaes com esse senhor eram marcadas pela
diferenciao de status e de direitos. A desigualdade social era
um dado quase natural dessa diferenciao. O Sr. Jean-Paul podia
se sentir um pouco injustiado por ser pobre, mas no ao ponto
de achar que ele poderia alterar aquela situao. Aquele era um
dado da tradio e at, em uma perspectiva religiosa, uma vontade
divina imutvel. Ele, nesses termos, no se imaginava no lugar do
seu senhor. O seu horizonte de desejo no inclua a possibilidade
de alguma mobilidade social. Lembre que nessa poca as idias
ilustradas de liberdade e igualdade conduzidas mais amplamente
pela Revoluo Francesa no estavam popularizadas. Tampouco
os direitos do homem e do cidado. Aguarde, pois mais adiante
teremos outros cenrios.
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Pensemos um pouco mais nos significados da desigualdade
social. Provavelmente quando voc pensa em desigualdade social
voc a traduz como uma noo ligada esfera econmica, como
expresso das desigualdades entre ricos e pobres ou, em linguagem
mais sociolgica, desigualdades entre classes sociais. A traduo
econmica da desigualdade social uma das mais conhecidas e
possui uma histria que voc j viu em aulas anteriores. Nasce com a
modernidade no sculo XIX, com o advento da sociedade industrial e
do mercado de trabalho. Mas, antes disso, a desigualdade social j era
um problema mesmo para os filsofos sociais, como vimos em Rousseau.
Quando a igualdade poltica e social se torna relevante, isto , objeto
de desejo dos indivduos, a desigualdade passa a ser vista como uma
injustia, um desvio da idia de que todos os homens nascem iguais.
Antes da Revoluo Francesa, no Antigo Regime, a desigualdade social
no era uma questo poltica, sequer uma questo de justia. A ordem
social era hierarquicamente diferenciada, com cada segmento social,
que podemos chamar casta, ocupando um lugar previamente conhecido
e legitimado pela tradio. A ordem dos nobres ou aristocratas, do
clero, dos burgueses e dos camponeses. Antes da modernidade, as
possibilidades de mobilidade de um segmento ou casta social para
outros eram raras. A nobreza, o clero, a burguesia e os camponeses,
todos estavam marcados pelos seus lugares de origem, de nascimento,
e exerciam uma funo prpria nos segmentos do quais eram parte,
como vimos no caso do campons Jean-Paul. Raramente, no Antigo
Regime, o indivduo de um segmento colocava em dvida o seu
lugar de origem a fim de almejar posies em outros seguimentos.
As idias iluministas j no sculo XVIII reproduzem, especialmente
no ambiente burgus, a crtica estrutura social e poltica rgida e
hierrquica do Antigo Regime. A Revoluo Francesa resultado,
com efeito, de uma crescente insatisfao inicialmente manifestada
pela burguesia, casta social mais prxima da nobreza, insatisfeita
com os privilgios da ltima. Observa-se entre a burguesia e a
nobreza o que alguns autores chamam privao relativa, ou seja,
quanto mais prximo voc se encontra de outro segmento social que
possui privilgios que o seu grupo de origem no possui, maiores
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as chances de que voc perceba a sua posio na sociedade como
uma expresso de injustia. Por que o conde de Lion tem privilgios
e eu, um empresrio burgus, no? Se eu tenho mais dinheiro
que o conde, por que no posso ter os mesmos privilgios que
ele? Essa percepo, j no final do Antigo Regime, da injustia
naquela estrutura social hierarquizada e rgida acalentaria o desejo
poltico de alterar esse status quo. A Revoluo Francesa seria,
tambm, a conseqncia poltica daquela percepo de injustia
que nasce ainda no Antigo Regime. A expanso dos direitos civis,
com a Declarao dos Direitos do Homem e do Cidado todos os
homens so iguais... , trouxe a expectativa de uma ordem social
mais igualitria. A igualdade um alvo no horizonte dos desejos
do agora cidado transforma-se em um ideal a ser atingido e tudo
o que contraria esse objeto do desejo passa a ser negativamente
denominado desigualdade.
Atende ao Objetivo 1
1. Comente os seguintes aspectos dos itens retirados da Declarao dos Direitos do Homem
e do Cidado: O que se entende por igualdade na Declarao? Como conciliar igualdade
e garantia da propriedade? Como a liberdade considerada na Declarao?
Status quo Expresso latina para
designar o estado
atual das coisas
ou das situaes.
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Declarao dos Direitos do Homem e do Cidado: 26 de agosto de 1789
Os representantes do povo francs, constitudos em Assemblia Nacional,
considerando que a ignorncia, o esquecimento ou o desprezo dos direitos do
homem so as causas nicas da infelicidade pblica e da corrupo dos governos,
resolvem expor, numa declarao solene, os direitos naturais, inalienveis e
sagrados do homem, a fim de que esta declarao, constantemente presente a todos
os membros do corpo social, lhes lembre sem cessar seus direitos e seus deveres,
a fim de que os atos do poder legislativo e os do poder executivo, podendo ser,
a cada instante, comparados com a meta de toda instituio poltica, sejam mais
respeitados, a fim de que as reclamaes dos cidados, fundadas de agora em
diante sobre princpios simples e incontestveis, se destinem sempre manuteno
da constituio e felicidade de todos. Por conseguinte, a Assemblia Nacional
reconhece e declara, em presena e sob os auspcios do Ser Supremo, os seguintes
direitos do homem e do cidado:
Artigo 1. Os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos. As distines
sociais no podem ser fundamentadas seno sobre a utilidade comum.
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Artigo 2. A finalidade de toda associao poltica a conservao dos direitos
naturais e imprescritveis do homem. Esses direitos so: a liberdade, a prosperidade,
a segurana e a resistncia opresso.
Artigo 4. A liberdade consiste em poder fazer tudo aquilo que no prejudique a
outrem; assim sendo, o exerccio dos direitos naturais de cada homem no tem
outros limites seno os que assegurem aos demais membros da sociedade o gozo
desses direitos. Tais limites no podem ser determinados seno pela lei.
Artigo 6. A lei a expresso da vontade geral. Todos os cidados tm direito de
concorrer, pessoalmente ou pelos seus representantes, na sua formao. Ela tem de
ser a mesma para todos, quer seja protegendo, quer seja punindo. Todos os cidados,
sendo iguais aos seus olhos, so igualmente admissveis a todas as dignidades,
lugares e empregos pblicos, segundo a capacidade deles, e sem outra distino
do que a de suas virtudes e talentos.
Artigo 10. Ningum deve ser molestado pelas suas opinies, mesmo religiosas, desde
que sua manifestao no perturbe a ordem pblica, estabelecida pela lei.
Artigo 17. Sendo a propriedade um direito inviolvel e sagrado, dela ningum
pode ser privado, salvo quando a necessidade pblica, legalmente verificada, o
exigir evidentemente e com a condio de uma justa e prvia indenizao.
Comentrio
A Declarao dos Direitos do Homem e do Cidado de 1789 foi objeto de dois sentimentos
opostos. Se por um lado ela representava a possibilidade de um mundo novo, mais livre e
igualitrio, valores saudados na era da ilustrao pelos chamados progressistas, por outro,
observava-se uma reao a esses valores, sobretudo pelos conservadores, adeptos da
chamada tradio moral e, em alguns casos, da tradio religiosa. Para estes a tentativa do
povo francs de instaurar os sagrados Direitos do Homem e de conquistar a liberdade poltica
no fez mais do que atirar esse mesmo povo na barbrie. Para estes, a liberdade poderia
gerar anarquia e a igualdade poderia favorecer um governo tirnico. Para os socialistas,
dcadas mais tarde, a Declarao era incompleta, pois no abolia a propriedade privada.
Ao contrrio, resguardava-a. Era uma salvaguarda ao Estado liberal. A Declarao dos Direitos
do Homem e do Cidado e a Revoluo resultavam para alguns em mudanas inditas e
justas e para outros significava promessas vs e irresponsveis cujo resultado era exatamente
o oposto do que o que aqueles fenmenos polticos propunham.
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Revoluo Industrial, pauperismo e desigualdade social
No era apenas na Frana que o fenmeno da pobreza mostrava
a sua cara. Na Inglaterra, ou melhor, em Londres, em Manchester,
nas cidades industriais inglesas, o fenmeno da pobreza est
acompanhado, paradoxalmente, do fenmeno da opulncia. Podemos
observar, sobretudo no sculo XIX, no pice da Revoluo Industrial
inglesa, alguns importantes indicadores desse cenrio: o fortalecimento
do Imprio britnico por meio da aventura colonizadora, o aumento
da riqueza, especialmente da riqueza mvel e da propriedade dos
burgueses, a alta produtividade nas indstrias o crescimento urbano, as
manufaturas no campo e nas cidades etc. Observamos, simultaneamente,
o aumento da pobreza, a indigncia, a explorao dos trabalhadores
com longas jornadas de trabalho, o trabalho infantil, a prostituio, a
misria, a marginalidade. Estamos diante de um interessante paradoxo
que mobilizou a imaginao sociolgica no sculo XIX. Voc talvez
se pergunte: ser que todos os avanos alcanados pela Revoluo
Industrial s foram possveis custa de muita misria? Essa pergunta
era formulada pelos socilogos, demgrafos e pelos economistas do
sculo XIX que buscavam desvendar esse cruel paradoxo.
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As explicaes para a pobreza e para a desigualdade social
O paradoxo da coexistncia do pauperismo e da opulncia
mobilizaria pensadores liberais e empreendedores, que identificavam
nessa nova situao social uma clara ameaa manuteno da
sociedade. Ainda na poca de Adam Smith, no final do sculo
XVIII, acreditava-se que os indivduos eram dotados de interesses,
mas que eram tambm dotados de sentimentos morais. Uma
nao, para Adam Smith, no poderia ser rica e prspera se toda
a sua populao no experimentasse os benefcios dessa riqueza.
O que adiantaria uma nao rica se grande parte de sua populao
permanecesse pobre? Impunha-se aqui um dilema moral. Adam Smith,
partilhando essa crena moral com alguns filsofos sociais do seu
sculo, imaginava que o prprio mercado, por meio do que ele
chamava mo invisvel, encarregar-se-ia de tornar harmnica
a sociedade uma vez que, segundo ele, o padeiro precisaria do
aougueiro e vice-versa. Da mesma maneira, o empresrio precisaria
do trabalhador e vice-versa. Como o mercado auto-regulvel est
baseado na interdependncia de seus membros, seria natural que
a sociedade pudesse ser organizada pelo prprio mecanismo
das trocas de mercado. Esse mecanismo beneficiaria a todos.
Entretanto, ao longo do processo de revoluo industrial, conclua-
se que o mercado, deixado livre, ou seja, o mercado auto-regulvel,
era mais imperfeito do que perfeito. Favorecia mais aos que j
detinham a propriedade dos meios de produo (o empresrio) do
que aqueles que tinham de vender a sua fora de trabalho. Com
as cidades inchando e com o aumento de mo-de-obra disponvel,
Adam Smith Nascido em 1723 na
Esccia. Economista
e filsofo, chamado
pai da economia
moderna, considerado
um dos maiores
tericos do liberalismo
econmico. Acreditava
que a iniciativa privada
deveria estar livre da
interveno do governo.
Para ele, o mercado
livre, movido pelos
interesses egostas do
indivduos, levado
pela mo invisvel a
promover algo que no
era parte do interesse
individual: o bem-estar
da sociedade. Seu livro
mais conhecido Uma
investigao sobre a
natureza e a causa da
riqueza das naes
(1776). Morreu em
1790 em Edimburgo.
Mo invisvel Metfora utilizada por Adam Smith (1723-1790) para descrever o
resultado no intencionado das aes dos indivduos preocupados com o
seu prprio interesse. No livre mercado, quando os indivduos perseguem
seus prprios interesses, tendem a promover tambm o bem da sua
comunidade. H uma mo invisvel que dirige os interesses privados em
direo a um benefcio pblico.
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Aula 13 Grandes temas da Sociologia brasileira IV: o problema da desigualdade social I Mdulo 2
tornava-se fcil para o empresrio impor as suas condies, quase
sempre para ele vantajosas (salrios baixos e longa jornada de
trabalho