12El-Ghazali da Pérsia

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12 - El-Ghazali da Prsia

As palavras usadas para denotar estados no sul ismo so meras aproximaes.Kalabadhi

Enquanto os normandos consolidavam seus domnios na Gr-Bretanha e na Siclia, e o fluxo do saber sarraceno para o oeste aumentava atravs da Espanha e da Itlia arabizadas, o imprio do islamismo tinha menos de quinhentos anos de idade. O sacerdcio instvel, cujas funes eram proibidas pelo direito religioso mas que, de fato, detinha imenso poder, tentava desesperadamente conciliar o mtodo filosfico grego com o Coro e as tradies do Profeta. Tendo aceito o escolasticismo como mtodo por cujo intermdio a religio poderia ser interpretada, esses dialticos ainda se achavam incapazes de demonstrar a verdade das suas crenas por meios intelectuais. Atravs da circulao dos conhecimentos, a sociedade crescera mais do que a dialtica formal. Condies econmicas excelentes haviam produzido uma grande inteliguntsia que necessitava mais do que de garantias dogmticas ou da afirmao de que o Estado precisa estar certo. O Isl era o Estado. O Isl parecia em vias de soobrar.Um jovem persa de Meshed, chamado Mohammed El-Ghazali (o Fiandeiro), rfo em tenra idade e criado pelos sufis, estudava, nessa poca, num colgio da sia Central. Estava destinado a levar a cabo duas coisas notveis, em razo das quais tanto o islamismo quanto o cristianismo assumiriam algumas das caractersticas que ainda hoje ostentam.O islamismo ortodoxo opunha-se ao sufismo, considerado como tentativa de desprezar a Lei e substitu-la pela experincia pessoal do que a religio realmente significava uma idia muito hertica. Mas s Mohammed El-Ghazali se revelou capaz de reconciliar o islamismo com o intelectualismo e fixou o credo fundamental dos Ashariyyas e estabeleceu-lhes as mximas como o credo universal do Isl, como diz o professor Hitti. To bem sucedido foi esse herege no converter-se em pai virtual da Igreja muulmana, que at os mais ortodoxos ainda lhe outorgam o mais alto ttulo acadmico que se conhece, a Autoridade do islamismo.Menos de cinqenta anos depois de serem compostos, exerciam os seus livros tremenda influncia sobre o escolasticismo judaico e cristo. Ele no s se antecipou, de modo notvel, ao Holy war e ao Pilgrims progress, de John Bunyan, como tambm exerceu influncia sobre Ramn Mart, Toms de Aquino, Pascal e numerosos pensadores mais modernos.Livros como A destruio dos filsofos, A alquimia da felicidade e O nicho das luzes continuam a ser avidamente estudados e contm grande quantidade de ensinamentos seus.Conhecido na Europa, durante a Idade Mdia, por Algazel, Abu-Hamid Mohammed El-Ghazali avocou a si as perguntas que, como nota mais de um escritor, os telogos cristos, agradecidos, transferiam aos pensadores muulmanos; e respondeu a elas, chegando s solues graas ao que o professor Hitti denomina a resposta mstico-psicolgica do sufi. A posio aceita do sufismo, por meio da qual muitos telogos muulmanos o reconhecem como o significado interior do islamismo, um resultado direto da obra de El-Ghazali.As idias que Ghazali transmitiu e que influram tanto em So Toms de Aquino, o dominicano, e em So Francisco de Assis, cada qual sua maneira, causaram uma confuso na mente de escritores dedicados ao misticismo ocidental, que perdura at hoje. Para o sufi, a corrente ghazalina, vista por dois ngulos diferentes, transparece claramente na obra no s dos dominicanos intelectuais mas tambm na dos franciscanos intuitivos. As duas influncias, separadas merc do fenmeno da adaptao e especializao num mtodo sufista isolado dos outros, so to claramente definveis que, mesmo que no se conhecesse nenhuma fonte da inspirao desses professores cristos, seria possvel identificar a corrente sufista.Evelyn Underhill (Mysticism) conseguiu tornar conhecida a unidade fundamental das correntes aparentemente separadas das duas escolas crists. Sem nada ter ouvido, ao que parece, acerca das influncias sufistas sobre o misticismo cristo, ela nota que tanto os dominicanos como os franciscanos estavam basicamente enraizados na contemplao e, por causa disso, foram capazes de interpretar, para o mundo medieval, as grandes tradies espirituais do passado.Usando o conceito sufista de que toda atividade religiosa e psicolgica essencialmente da mesma natureza e representa uma tradio continuada que pode ser promovida por certos indivduos, Ghazali chegou posio de poder representar perfeitamente tanto o mundo mstico quanto o teolgico dentro dos seus prprios contextos. Ao faz-lo, pde demonstrar a realidade interior da religio e da filosofia de maneira atraente para os seguidores de qualquer credo. Em conseqncia, embora a sua obra fosse reverenciada por seguidores de tradies diferentes, observou-se uma tendncia errnea de presumir que ele tentara fazer uma sntese da religio. Um telogo cristo, o dr. August Tholuck, coloca a sua obra nestes termos, ao mesmo tempo que concorda em que os escritos de Ghazali deviam ser aceitos pelos cristos. Os reparos de Tholuck nesse sentido so dignos de nota, pois do um excelente exemplo da forma do pensador do elefante no escuro, que, no podendo acreditar numa fonte nica de todo o ensino metafsico autntico, tenta explicar os ingredientes que acompanham o aparecimento de um novo professor:Tudo o que bom, digno e sublime, que sua grande alma abarcou, ele ofereceu ao maometanismo, adornando as doutrinas do Coro com tanta piedade e saber que, na forma que ele lhes deu, elas parecem, na minha opinio, dignas da aquiescncia dos cristos. Ele adaptou tudo o que havia de mais excelente na filosofia de Aristteles ou no misticismo sufista, com discrio, teologia maometana. Em todas as escolas buscou os meios de projetar luz e honra sobre a religio, ao passo que a sua piedade sincera e a sua conscincia elevada comunicavam a seus escritos uma sagrada majestade.Quase nada abalar a f do observador intelectualizante em que tudo o que est estudando foi feito de uma colcha de retalhos de outras coisas.Numa poca em que poucos telogos eram considerados capazes de recitar corretamente uma tradio do Profeta a menos que fossem velhos, Ghazali foi nomeado professor da famosa Academia Nizamiyya de Bagd, aos trinta e trs anos de idade. O seu intelecto era de tal ordem que no tinha quem o sobrepujasse no Isl. Para ele, o verdadeiro objetivo da educao no consistia apenas em proporcionar informaes, seno em estimular uma conscincia interior conceito revolucionrio demais para os escolsticos do tempo. Apresentou essa teoria em seu Ihya-el-ulum. Como no caso de Rumi (que s falou das limitaes da poesia depois que se tornou grande poeta), Ghazali pde dar-se ao luxo de exibir escolasticismo quando j sabia de cor trezentas mil tradies do Profeta, e era a Autoridade do islamismo.Seus poderes intelectuais estavam aliados a uma inquietao mental que, como ele mesmo diz em seus escritos autobiogrficos, o levavam a investigar incansavelmente todos os dogmas e doutrinas que se lhe deparavam, desde a primeira mocidade.Enquanto ainda lecionava, Ghazali chegou concluso de que o direito cannico (sobre o qual escreveu livros de muito peso) era uma base insuficiente para a realidade, e deslizou para o ceticismo.Renunciando ctedra, passou doze anos o tradicional perodo do dervixe perambulando e meditando, regressando ao seu passado sufista em busca das respostas que no encontrava no mundo comum.Ele confessa que era egosta e suspirava por aplausos e reconhecimento. Quando compreendeu que isso constitua uma barreira ao verdadeiro entendimento, no se aviltou abruptamente escolhendo o caminho da culpa, panacia oferecida por muitos msticos. Decidiu empregar o desenvolvimento consciente a fim de chegar verdade objetiva.Durante esse perodo de alheamento do mundo, depois que abandonou a carreira de escolstico, que salvara a teologia muulmana da decadncia, Ghazali relata como batalhou com o seu Eu Dominante. Estivera vagueando pelo Oriente, em peregrinaes, buscando a iluminao maneira dos dervixes, quando entrou numa mesquita. O im rematava o sermo com as palavras: Assim fala o nosso lder Ghazali.O dervixe errante disse consigo: O Eu Dominante, como lhe agradvel ouvir essas palavras! Entretanto, no mais tolerarei esse prazer. Sairei deste lugar incontinenti e irei para onde ningum fale de Ghazali.O telogo, mestre aceito em matria de religio exterior, sabia que a compreenso do que se poderia querer dizer com o termo Deus era algo que s poderia ser apreciado por meios interiores, inacessveis atravs da estrutura de qualquer religio formal.Viajei Sria, diz ele, e ali permaneci dois anos. No tinha outro objetivo alm de buscar a solido, vencer o egosmo, combater as paixes, tentar clarificar minha alma, completar meu carter. Fez isso porque o sufi no pode chegar compreenso enquanto no tiver o corao preparado para meditar sobre Deus, como lhe chama.Esse perodo de tempo s foi suficiente para proporcionar-lhe lampejos espordicos de realizao espiritual (prelibao) o estdio que a maioria dos msticos no-sufistas considera o ltimo, mas que, na realidade, apenas o primeiro degrau.Tornara-se claro para ele que os sufis no so homens de palavras, mas de percepo interior. Eu aprendera quanto se pode aprender com a leitura. O restante no poderia ser adquirido pelo estudo nem pelo discurso.Em lugar de sentir-se desorientado por suas experincias extticas, considerando-as a totalidade e o fim da busca mstica, Ghazali compreendeu que a chamada absoro em Deus, que se considera a meta do sufi, na realidade no mais do que o princpio.Ele exaurira o escolasticismo e o intelectualismo por compreender que eles tinham um fim, e assim lhe era possvel exaurir as fases preliminares que passavam como experincia mstica num sentido final. Conseguiu-o porque atingiu o que buscava uma forma de cognio que, qual farol diretor, lhe dava um sentido de certeza e um meio de alcanar a realizao final. E alguma coisa, relata, descrevendo a percepo, to especfica quanto o seria se algum houvesse realmente tocado num objeto.Relacionando a felicidade e a realizao com um processo de transformao alqumica da mente humana, Ghazali conta uma histria de Bayazid, um dos primeiros mestres sufistas clssicos, em sua A alquimia da felicidade, a fim de acentuar o modo como que o amour propre (Eu Dominante) precisa ser visto primeiro sua luz verdadeira para que se possa chegar a algum refinamento:Um homem aproximou-se de Bayazid e contou-lhe que jejuara e orara durante trinta anos e, no obstante, ainda no chegara perto de uma compreenso de Deus. Bayazid respondeu-lhe que nem mesmo uma centena de anos teria sido suficiente. O homem perguntou-lhe por qu. Porque o seu egosmo est agindo como barreira entre voc e a verdade. D-me o remdio. H um remdio, mas impossvel para voc.O homem insistiu, e Bayazid concordou em descrever-lho. Corte a barba. Dispa-se at ficar s de tanga. Encha um embornal de nozes e v ao mercado. Ali chegando, grite: Uma noz para cada menino que me esbofetear! Em seguida, dirija-se ao tribunal em que os jurisconsultos esto reunidos em sesso. Mas eu, realmente, no poderia fazer uma coisa dessas. D-me outro mtodo. S existe esse mtodo tornou Bayazid , mas, como eu j lhe disse, no h resposta para voc.Como outros professores dervixes, Ghazali sustentava que o sufismo era o ensinamento interior de todas as religies e empregava inmeras citaes da Bblia e dos Livros Apcrifos para defender seus pontos de vista. Escreveu uma primeira obra crtica sobre distores dos ideais cristos El Qawl el Jamil fil Raddi a la man Ghayar el Injil. Como conseqncia, evidentemente, foi acusado de sofrer a influncia crist. Ele a sofria, na verdade, menos do que a prpria British Broadcasting Corporation quando utiliza, por vezes, histrias sufistas em seus programas religiosos matutinos, tirando-as, provavelmente, de fontes secundrias, e usando-as em seu sentido esotrico quando se ajustam ao cristianismo nominal.Ghazali foi acusado por muita gente de pregar uma coisa e, secretamente, ensinar outra. Isso, sem dvida, verdadeiro, se se admitir que ele considerava o sufismo ativo como um empreendimento especializado que s servia a um nmero limitado de pessoas aptas Iniciao. Os aspectos externos e doutrinrios do islamismo, que ele enunciava com to impecvel ortodoxia, destinavam-se aos que no podiam seguir o Caminho sufista interior.O Homem Aperfeioado (insani kamil), por viver em diferentes dimenses ao mesmo tempo, deve dar a impresso de seguir mais de um conjunto de doutrinas. O homem que atravessa um lago a nado exerce aes e responde a percepes diferentes das de outro que desce a encosta de um morro, por exemplo. E o mesmo homem; e, quando anda, carrega consigo toda a potencialidade do nadar.Com extraordinria coragem ele o proclama realmente em seu Mizan el Amal (Equilbrios do trabalho).O Homem Aperfeioado tem trs estruturas de crena:1) a do meio;2) a que comunica aos alunos de acordo com a capacidade de compreenso deles;3) a que compreende por experincia interior e que s deve ser conhecida de um crculo especial.

O seu Mishkat el Anwar (nicho de luzes) , ao mesmo tempo, um comentrio sobre o famoso Verso da Luz do Coro e uma interpretao do seu significado iniciatrio( 1 ).Ele explica que tudo tem uma significao Aparente e uma significao Interior, que no operam juntas, conquanto trabalhem consistentemente dentro das prprias dimenses. verdade que a verso disponvel ao pblico em geral no contm a interpretao transmitida pelos atuais representantes das fraternidades de dervixes; mas isto s se deve ao fato de no poder a chave desse livro extraordinrio ser expressa com palavras, visto ser uma extenso da experincia pessoal. Em outras palavras, no pode ser compreendida enquanto no for experimentada.Esse fato, bsico no sufismo e acentuado por numerosos autores sufistas, facilmente mal interpretado por pensadores formais. Numa traduo do Nicho feita em ingls pelo diretor da Escola de Estudos Orientais, do Cairo, o sr. W. H. T. Gairdner refere-se dificuldade de compreender Ghazali sobre o ponto em que coincidem a crena e a descrena, e muito mais:Todas essas coisas so mistrios incomunicveis, secretos, de cuja revelao o nosso autor (Ghazali) se afasta no momento exato em que esperamos o desenlace. A arte suprema porm mais do que tantalizadora. Quem eram os Adeptos que receberam dele esses segredos emocionantes? Foram tais comunicaes, algum dia, postas por escrito pelos irmos iniciados?Ghazali refere-se a segredos experimentados, que no podem ser escritos. No est tentando tantalizar coisa alguma.Existem, na verdade, quatro partes na obra de Ghazali. A primeira o material filosfico que colocou disposio dos telogos e intelectuais muulmanos com o propsito de manter coesa a estrutura terica da religio. Vm, em seguida, os ensinamentos metafsicos contidos em obras como o Nicho e a Alquimia. Seguem-se-lhes os significados, ocultos sob uma forma codificada em seus escritos. E, por fim, h o ensinamento, derivado da compreenso dos dois ltimos, em parte transmitido oralmente e, em parte, acessvel aos que lhe acompanharam corretamente as obras e experincias msticas.Como todos os dervixes clssicos, Ghazali fez uso do simbolismo e das chaves poticas. Seu sobrenome, escolhido por ele mesmo, pronuncia-se geralmente El-Ghazali, que significa, em primeiro lugar, o Fiandeiro. A apelao denota o que fia, trabalha com material como a l a palavra-cdigo para sufi e tinha por conotao a necessidade de fiar ou trabalhar com os materiais prprios e consigo mesmo. Tambm por associao de idias est ligado a Ftima (que significa a Tintureira), filha de Maom. Dela procedem todos os descendentes do Profeta, os quais, segundo se acredita, herdaram o ensinamento interior do islamismo e mostram o ponto em que ele se liga a todas as tradies metafsicas autnticas.O cuidado com que se escolhem esses nomes poticos manifesta-se nas inmeras outras associaes da obra. Ghazali tambm quer dizer gazela (termo genrico que designa vrios tipos de antlope, como o rix, homnimo literal de amante). A raiz triliteral GH-Z-L, da qual deriva toda a srie de palavras, tambm produz a palavra GHaZaL, termo tcnico comum ao rabe e ao persa, que indica poema de amor, verso amoroso. Outras derivaes dessa raiz incluem uma teia de aranha (alguma coisa fiada), destinada, nesse caso, a fazer referncia ao que vem atravs da f. A ao era a fiao de uma teia de um lado a outro da boca da caverna em que Maom e o seu companheiro Abu Bakr haviam se escondido dos inimigos, numa famosa ocasio.Por conseguinte, o sufi cnscio dessas tradies interpreta o nome de El-Ghazali de acordo com os princpios pelos quais foi escolhido. Para ele, portanto, o nome quer dizer que Ghazali segue o caminho do Amor, do sufismo (l), que significa trabalho (nesse caso, fiao). Ghazali deixou essas idias bsicas para serem recolhidas pelos sucessores, incluindo a sugesto da continuidade de uma doutrina interior (Ftima, a Tintureira), dentro do contexto religioso em que vive.A metodologia de Ghazali seguida nas ordens sufistas tradicionais com diversas variaes. Ele defendeu o emprego especial da msica para elevar as percepes em seu Ibya e a msica empregada dessa maneira nas ordens de dervixes Mevlevi e Chishti. A melodia conhecida no Ocidente pelo nome de Bolero de Ravel , na verdade, uma adaptao de uma dessas peas especialmente compostas. Ghazali assinala que, para desenvolver faculdades mais elevadas, cumpre reconhecer e dominar a vaidade. Isso constitui outra parte do adestramento e do estudo sufistas. Diz ele que a conscincia h que ser transmudada, e no suprimida nem distorcida.Esse mesmo uso da fraseologia da alquimia pelos sufis da Idade Mdia responsvel pela grande confuso reinante na mente de pesquisadores ulteriores quanto ao que realmente quer dizer alquimia. Querem alguns que se trate de uma forma disfarada de busca espiritual. Retrucam outros que os laboratrios dos alquimistas, examinados, mostram todos os indcios de terem sido usados para experimentos reais. Obras atribudas a alquimistas espirituais tm sido descritas como tratados qumicos.Diz Ghazali: O ouro alqumico melhor do que o ouro, mas os verdadeiros alquimistas so raros, como so raros os verdadeiros sufis. Quem tem apenas um conhecimento perfunctrio do sufismo no superior a um homem culto. (A alquimia da felicidade.)Primeiro que tudo no devemos esquecer que grande parte da tradio alqumica do Ocidente nos veio atravs de fontes rabes, e que a chamada Tbua de Esmeralda de Hermes Trismegisto, em sua forma primitiva, est em rabe. Alm disso, o primeiro sufi clssico foi Jabir Ibn al-Hayyan, apelidado o Sufi, alquimista e ocultista o Geber latino, que viveu trs sculos antes de Ghazali.A Grande Obra uma expresso sufista traduzida, e a doutrina do microcosmo e do macrocosmo (o que est em cima igual ao que est embaixo) encontra-se tambm na tradio sufista e foi exposta por Ghazali. Como o sufismo no uma simples inveno que se verificou em determinado ponto do tempo, inevitvel que idias semelhantes ocorram em outras tradies interiores autnticas. A menos que esses pontos sejam firmemente compreendidos, ser intil observar a teoria da transmutao do grosseiro para o refinado de um ponto de vista adequado.O renascimento das cincias religiosas de Ghazali foi queimado em pblico na Espanha muulmana (antes que ele se tornasse a maior autoridade religiosa do Isl) porque continha pronunciamentos como este:

A questo do conhecimento divino to profunda que s a conhecem realmente os que a possuem. A criana no tem um conhecimento verdadeiro das realizaes do adulto. O adulto comum no compreende as realizaes do homem de saber. Da mesma forma, o homem de saber no compreende as experincias dos santos ou sufis iluminados.

O Renascimento contm exposies importantssimas do ideal de amor sufista. Acentua-se a afinidade entre os membros da humanidade e entre a humanidade e a criao. Citando o mestre sufi Malik ibn Dinar, Ghazali afirma, no Livro IV: Assim como os pssaros da mesma plumagem voam juntos, assim se juntaro duas pessoas que tiverem uma qualidade comum a ambas( 2 ) .Ghazali assinala que uma mistura de porco, co, diabo e santo no constitui base adequada para uma mente que tenta atingir a compreenso profunda de coisas que essa mistura, por definio, no pode alcanar. Voc precisa parar de olhar para a almofada se estiver tentando olhar para a lmpada.A maneira como se corrige a mistura profana, o mtodo por meio do qual se alinha o espelho a fim de refletir apropriadamente, precisam ser conhecidos e praticados. Esses so o conhecimento e a prtica que resultam da especializao sufista.As tcnicas especializadas do sufismo para chegar capacidade de aprender e ao prprio aprendizado, bem como a sabedoria finalmente atingida, so o resultado do enfoque correto. H muitos graus de conhecimento, sublinha Ghazali. O mero homem fsico como a formiga que se arrasta sobre o papel, que observa as letras pretas e atribui sua produo somente pena e a nada mais. (A alquimia da felicidade.)Qual o produto dessa especializao, no que diz respeito ao mundo comum? Ghazali responde a isso em termos especficos na Alquimia. Algumas pessoas governam o prprio corpo. Os indivduos que alcanam certo grau de poder governam o prprio corpo e o dos outros tambm. Se desejarem que um invlido se recupere, ele se recuperar.Podem fazer que algum venha a eles, por um simples esforo da vontade.Existem trs qualidades, conseqncia da especializao sufista, que podem ser expressas em termos perceptveis ao leitor comum:

1. O poder da extrapercepo, exercido conscientemente.2. O poder de mover corpos fora da sua prpria massa.3. A conscincia imediata do conhecimento. At o que normalmente s se adquire pelo trabalho passa a ser deles pela iluminao ou por introviso.

Tais faculdades podem parecer separadas ou estranhas, mas so, na verdade, apenas parte da uma fase mais elevada da existncia, e s podem ser reconhecidas pelas pessoas comuns desse modo grosseiro. Essa relao recproca no se explica da maneira usual; assim como em coisas mais mundanas no podemos explicar o efeito da poesia sobre algum cujo ouvido no pode aceit-la, nem a cor, a algum destitudo de viso.O homem, assinala Ghazali, capaz de existir em diversos planos diferentes. Normalmente, ele no sabe o suficiente a respeito deles para diferenci-los. Ele est em um de quatro planos. No primeiro, parece uma mariposa. Tem viso, mas no tem memria. Chamuscar-se- muitas e muitas vezes na mesma chama. No segundo, parece um cachorro. Se for surrado uma vez, fugir vista de uma bengala. No terceiro, como um cavalo ou um carneiro. Ambos sairo correndo se virem um leo ou um lobo, seus inimigos naturais. No fugiro, todavia, de um camelo nem de um bfalo, embora estes dois ltimos sejam muito maiores do que os seus inimigos hereditrios. O quarto plano aquele em que o homem, transcendendo inteiramente as limitaes animais, exerce alguma previso. A relao entre essas fases, no que diz respeito locomoo, pode ser comparada a:

1. Caminhar sobre a terra.2. Estar num navio.3. Guiar uma carroa.4. Caminhar sobre o mar.

Alm de todas elas, h a fase em que se pode dizer que o homem capaz de voar, pelos prprios meios, atravs do ar.O comum dos homens permanece numa das duas primeiras fases, onde no se agenta tanto quanto devia. Estticos, so invariavelmente inimigos dos que se movem.Em sua obra metafsica, Ghazali raramente se d ao trabalho de exortar as pessoas a seguirem o caminho sufista. Num trecho, contudo, ele enfatiza um argumento. Se for verdade, diz ele, o que os sufis esto dizendo a saber, que existe um urgente empreendimento na vida relacionado com o nosso estado futuro esse empreendimento ter muita importncia no estado futuro. Se, por outro lado, no houver essa relao, nada ter importncia. Por conseguinte, pergunta ele, no ser melhor dar a esse ponto de vista o benefcio da dvida? Mais tarde talvez seja demasiado tarde.Em seguida, volta-se Ghazali, na Alquimia, para a questo dos aspectos psicolgicos da msica. Nota o mecanismo por cujo intermdio se podem usar a msica e a dana com propsitos de excitao. A msica pode ser um mtodo de produzir efeitos emocionais. Ele sustenta, porm, que existe uma funo inocente da msica, em que ela no produz os sentimentos pseudo-religiosos usados pelos cultos no-discriminativos.O emprego sufista da msica difere do emprego emocional. Para que um sufi participe de atividades musicais, incluindo a sua audio, mister que o seu diretor verifique se a experincia lhe aproveitar corretamente.Relata-se aqui uma histria para mostrar como um professor sufista (xeque Gurjani) explicou por que certo discpulo ainda no se achava em condies de ouvir msica no sentido objetivo dos sufis. Em resposta ao pedido do aluno, redargiu o xeque: Jejue durante uma semana. Mande preparar a comida que voc mais aprecia. Se, ainda assim, preferir o movimento musical, participe dele.A participao na msica e na dana em quaisquer outras circunstncias, diz Ghazali, no s proibida como tambm nociva ao aspirante. A psicologia moderna ainda no se deu conta de que existe uma funo especial do som para elevar a conscincia.A realidade do estado verdadeiro da experincia sufista de apreenso muito difcil para quem est de fora, acostumado a pensar em termos diferentes desse estado. preciso relevar-lhe algumas coisas, diz Ghazali, porque ele no tem conscincia do que so esses estados. Como um cego que tentasse compreender a experincia de enxergar a relva verde ou a gua que corre.O mximo que pode fazer uma pessoa de fora relatar a experincia que lhe referem em funo de suas prprias experincias sensuais, orgisticas, emocionais. Um homem sbio, todavia, no negar tais estados simplesmente porque no os experimentou; pois essa maneira de formar opinio desastrosamente tola.A viso, pelo desta, da chamada experincia mstica, que no encerra nenhum conhecimento superior e no passa de uma forma de auto-embriaguez, no a que Ghazali tenta retratar. Ainda menos inclinado se mostra a aceitar a assero de que h alguma espcie de descida da divindade no homem. Toda descrio viciada, e pode ser at invalidada, pela tentativa de transport-la num veculo as palavras que no a transmita adequadamente. Um comentador sufista de Ghazali observa que coisas que so experincias abrangentes no podem ser expressas por um forjador de palavras resmungo, assim como ele mesmo no aceitaria o desenho de uma fruta no papel como comestvel ou nutritivo.A tentativa intelectual ou externalista de compreender alguma coisa vicariamente introduzir fora, num modelo de palavra, algo que no se ajuste a ela como algum que imagina, ao ver o prprio rosto num espelho, que o rosto, de um modo ou de outro, ficou preso nele.Nas reunies de dervixes h exemplos de convulses extticas e outros sinais de experincia ou estados falsos. De uma feita, recorda Ghazali, o grande xeque Junayd repreendeu um jovem que entrara a delirar numa reunio sufista. Nunca mais faa isso ou, ento, deixe a minha companhia, disse-lhe Junayd. A crena sufista de que evidncias externas, como essa, de mudanas supostamente internas, so simuladas ou meramente emocionais. A verdadeira experincia no acompanhada de nenhuma ao concomitante desse gnero quer seja a emisso exttica, ou aparentemente exttica, de sons ininteligveis, quer sejam as convulses de um corpo que rola no cho. O ilustre Mahmud Shabistari, em seu Jardim secreto, comenta: Se no conheces esses estados, segue adiante, no te juntes ao infiel em ignorante simulao. . . Pois nem todos aprendem os segredos do Caminho.Tais demonstraes, de certo modo, esto associadas ao emprego emocional de palavras, que constitui a fraqueza e, finalmente, a decadncia das religies formais. Fazer frases relacionadas com Deus, com a f ou com qualquer religio uma questo externa e, na melhor das hipteses, emocional. Essa uma das razes por que os sufis no discutem o sufismo no mesmo contexto da religio. Os planos envolvidos so diferentes.Depois de uma experincia interior do que se pretende dizer com a fraseologia familiar da religio, as frases deixam de ter significado, seja ele qual for, porque se registrou a transio do mais grosseiro para o mais refinado. Ghazali ilustra esse fato com um relato. O mestre sufista Fundayl (morto em 801) disse: Se lhe perguntarem se voc ama a Deus, no diga nada. Porque, se disser: No amo a Deus, ser um ateu. Se, por outro lado, disser: Amo a Deus, suas aes o contradiro.Se souber o que o amor religioso, uma pessoa o expressar sua maneira e no do modo familiar aos que no sabem o que . Toda a gente ser enaltecida ou rebaixada de acordo com suas prprias capacidades e com aquilo com que est familiarizada. Refere Ghazali que um homem desmaiou numa perfumaria. Os circunstantes tentaram reanim-lo com perfumes suaves. Dali a pouco, algum que o conhecia disse: Fui lixeiro. Esse homem tambm foi. Ele ser reanimado pelo cheiro do que lhe familiar. Em vista disso, colocaram debaixo do nariz do homem desmaiado uma substncia nauseabunda, que logo o reanimou.Esse tipo de afirmao geralmente contestado pelos que procuram atribuir sensaes familiares a uma ordem superior de coisas, e presumem estar experimentando, pelo menos, alguma parte do divino ou do mstico em formas ainda mais grosseiras. A forma mais grosseira, apropriada ao seu contexto, no pode ser transposta. Um motor de gasolina no ser movido a manteiga, ainda que a manteiga seja, por si mesma, uma coisa excelente. Mesmo assim, ningum pensaria em cham-la, a srio, de gasolina. A doutrina sufista de um contnuo refinamento da matria ser vista aqui como totalmente diversa da de outros sistemas. As outras duas escolas sustentam que a materialidade deve ser evitada de todo, ou utilizada. Na realidade, cada grau de materialidade tem sua prpria funo; e a materialidade se estende num refinamento sucessivo at tornar-se o que geralmente se considera separado esprito.Ghazali enunciou a doutrina da necessidade de se compreenderem as mltiplas funes, em nveis diferentes, do que parece ser a mesma coisa, como por exemplo: Os olhos tanto vm o grande quanto o pequeno: o Sol do tamanho de uma tigela. . . A inteligncia compreende que o Sol, na verdade, muitas vezes maior do que a Terra. . . As faculdades da imaginao e da fantasia produzem, amide, crenas e sentenas promulgadas que se tm por produtos da nteligncia. O erro est, por conseguinte, nos processos mentais inferiores para os desavisados ou insensveis. (Nicho de luzes, primeira parte.) Por insensveis subentende ele os que no querem sentir o impacto e o sentido mltiplos. Entre numerosas ilustraes da maneira como funciona essa tendncia, ele diz no Renascimento algumas coisas importantes a respeito do eu.O eu significa, num sentido, a personalidade do homem, utilizada no manejo dos impactos externos e no seu emprego para a satisfao prpria. Mas tambm significa a qualidade interna ou essencial do indivduo. Nessa capacidade, seu nome formal muda de acordo com suas funes. Se a essncia opera corretamente na reorganizao da vida emocional e no impedimento da confuso, conhecida como o Eu Pacfico. Operando no campo da conscincia, quando se ativa para lembrar ao homem ou mulher certos assuntos, chama-se Eu Acusador. Tem havido tremenda confuso nesse assunto, porque, para fins de exame e de ensino, preciso dar um nome ao eu essencial. Entretanto, seus diferentes modos de operao, de acordo com o trabalho que est executando, podem dar a impresso de ser um sem- nmero de coisas diferentes; ou at de estar em fases diferentes de desenvolvimento. legtimo representar o processo como composto de fases, mas isso ser, no mximo, simples distino ilustrativa. O sufi cuja conscincia opera corretamente encarar as diferentes fases da transmutao da essncia de um modo especial e distintivo, que no se duplica adequadamente na terminologia familiar. Quando a essncia opera de modo normal para o homem no-desenvolvido, empresta seu potencial ao mecanismo que concede satisfaes primitivas, e ento conhecida como o Eu Dominante.Certas condies, destaca ele, facilmente compreendidas, do a impresso de que tudo pode ser, da mesma forma, facilmente compreendido. Mas existem situaes s compreendidas pelos que as vem de certo modo [especial]. A ignorncia desse [mecanismo] d origem ao erro comum de presumir uma uniformidade nos acontecimentos.Em comum com outros professores sufistas, Ghazali de opinio que tem de repetir o seu argumento em formas diferentes medida que o texto o exigir. Em parte, porque o mtodo sufista pode querer que se adote o mesmo ponto de observao em diferentes conjuntos de idias. E tambm porque, como no raro se v, em grupos de estudo, as pessoas exaltam, da boca para fora, uma afirmao importante e, todavia, no se deixam penetrar por ela. A afirmao precisa realmente operar como fora dinmica no interior da mente do estudante. Em muitos casos, por estar acostumado a ser condicionado ou exercitado, o estudante aceitar a afirmao como um condicionamento. Em resultado disso, limitar-se- a pensar que a absorveu, porque responde de modo previsvel toda vez que certo estmulo de afirmao lhe aplicado. Tal condicionamento, se que ocorreu, ter de ser rompido para que se manifeste o efeito sufista.O mal-entendido envolvido no emprego das expresses Filho de Deus (atribuda a Jesus) e Eu sou a Verdade (proferida pelo sufi Hallaj ( 3 ) ) deve-se inteiramente a essa questo. A tentativa de expressar certa relao num idioma no preparado para tanto faz que a expresso seja erroneamente compreendida.O indivduo, diz Ghazali no Renascimento, pode passar por estdios de desenvolvimento interior anlogos aos do crescimento humano. Esse desenvolvimento gradativo permite que suas experincias assumam formas diferentes. Da que um sufi possa prescindir de determinada experincia fsica porque o seu desenvolvimento tomou o lugar da capacidade para uma experincia melhor, mais coerente. Cada fase da vida, por exemplo, assinalada por um tipo novo de prazer. As crianas gostam de brincar, e no fazem a menor idia dos prazeres do casamento, para cuja apreciao desenvolvero mais tarde a capacidade necessria. O adulto, por seu turno, na mocidade, no ter capacidade para o gozo de riquezas e grandeza, experimentado pelo indivduo de meia-idade. Este ltimo, por sua vez, considerar os deleites anteriores muito menos significativos do que os que experimenta agora. Indivduos mais desenvolvidos, naturalmente, reputaro incompletas, impalpveis ou espordicas as satisfaes convencionalmente familiares quando cotejadas com sua nova capacidade de apreciao.A alternao das alegorias, que as impede de se cristalizarem em meros mecanismos de condicionamento, um processo comum ao ensino vivo das escolas sufistas. Em suas obras, Ghazali modifica amide o ensino num sentido exterior, sendo que o sentido interior continua o mesmo. Em seu trabalho Minhaj el-Abidin, ele divide o progresso da transmutao da conscincia em sete vales de experincia o Vale do Conhecimento, o Vale do Retorno, o Vale dos Obstculos, o Vale das Tribulaes, o Vale do Relmpago, o Vale dos Abismos e o Vale do Elogio. Esta a mais teolgica das estruturas de projeo da mensagem sufista, e forma o meio atravs do qual o devoto muulmano e o devoto cristo da Idade Mdia foram capazes de vislumbrar o ensinamento sufista. interessante notar que Bunyan e Chaucer empregaram esse material sufista, adotando muita coisa da sua imaginria, a fim de dar maior firmeza ao pensamento catlico.Professores orientais, como Attar e Rumi, mantinham contato com a corrente mais direta do sentido da busca; provavelmente por serem professores no s prticos mas tambm tericos, que tinham suas prprias escolas.No entender de Ghazali, a felicidade do homem passa por refinamentos sucessivos de acordo com o seu estado de ser. Esse ensinamento, que no aceita a concepo humana habitual de que existe uma forma padronizada de felicidade, uma abstrao, uma caracterstica acentuada do saber sufista.O homem contm diversas possibilidades, correspondendo cada uma delas ao seu prprio tipo de prazer. Para comear, h o prazer fsico. De um modo semelhante h a faculdade moral, a que chamo razo verdadeira, que se compraz com a obteno do maior acervo possvel de conhecimentos. Dessa maneira, h satisfaes externas e internas, preferidas de acordo com o seu refinamento."Um homem, portanto, que tenha a capacidade de aceitar a perfeio do Ser, preferir a sua contemplao. At na vida atual a felicidade dos que procuram o bem incomparavelmente maior do que se pode imaginar.

Notas:

( 1 ) Ver a anotao Verso da Luz.

( 2 ) Verso de Sayed Nawab Ali, Some moral and religious teachings of Al-Ghazzali, Lahore, 1960, pg. 109.

( 3 )Ver a anotao Hallaj.