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Semiologia da Pele
RONALDO LUCAS
"O HOMEM É O ÚNICO ANIMAL QUE SE RUBORIZA. O PIOR É QUE TEM MOTIVOS." (Mark Twain)
INTRODUÇÃO
A pele é o maior órgão de um organismo - aquele que determina as
formas, dá características às raças e mantém o recobrimento piloso, tão
nobre em algumas espécies que por décadas, e ainda hoje, queremos
usá-las ou imitá-las como vestimenta.
É a barreira anatómica e fisiológica entre o organismo e o meio am-
biente, promovendo proteção contra injúrias físicas, químicas e microbio-
lógicas. É sensível ao calor, ao frio, à dor, ao prurido e à pressão.
Justamente por ser um órgão tão exposto o tegumento sofre várias
agressões, refletindo na casuística das clínicas e hospitais veterinários
grande parte do atendimento destinado a casos de dermatologia -
dependendo do autor consultado estima-se que os casos de dermato-
logia em medicina veterinária, mormente na clínica de pequenos ani-
mais, representam 30 a 75% de todos os atendimentos, quer como queixa
principal ou como queixa secundária. Em nosso território, os levanta-
mentos são escassos, porém aqueles pouco realizados revelam resulta-
dos semelhantes aos estrangeiros.
Este sistema pode, ainda, apresentar-se alterado quando outros órgãos
são acometidos. A pele pode ser considerada o "espelho do organismo",
refletindo processos instalados internamente, aumentando ainda mais as
queixas de processos cutâneos indicados pelos proprietários dos animais.
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Funções da Pele
Pode-se relacionar inúmeras funções ligadas
ao tegumento:
• Proteção contra perdas: possibilita um meio in terno adequado para outros órgãos e impede a perda de água, eletrólitos e macromoléculas.
• Proteção contra injúrias externas; químicas, físi
cas ou microbiológicas, contando, neste último
caso, com uma variedade de bactérias e fungos
que faz parte da microbiota e impede a "ocupa
ção de seu habitaf por agentes oportunistas.
• Produção de estruturas queratinizadas, como pêlos, unhas e a camada córnea, que novamente
irão colaborar com as funções de proteção contra
lesões, frio e com a movimentação e obtenção
de alimentos.
• Flexibilidade: além da colaboração clássica com
a proteção contra lesões físicas, esta proprie
dade, mais observada nos mamíferos, é que
permite às espécies grande capacidade de rea
lizar diferentes movimentos.
• Termorregulação: pela sustentação do manto
piloso, regulação dos vasos sanguíneos e da
função glandular. • Reservatório: pode estocar eletrólitos, água,
vitaminas, ácidos graxos, carboidratos, proteí
nas, entre outros.
• Imunorregulação: apresenta imunidade celu
lar e humoral capaz de controlar infecções ou
inibir o desenvolvimento de neoplasias.
• Pigmentação: processada na pele, a melanina
determina a coloração dos pêlos e da pele, pro
movendo proteção contra os efeitos dos raios
solares não só pela absorção, como também
pela difusão da radiação ultravioleta.
• Secreção: as glândulas sudoríparas e sebáceas apresentam diferentes funções ligadas à ma
nutenção e à lubrificação do recobrimento pi
loso, termorregulação e determinação de odo
res, entre outras.
• Produção de vitamina D: esta importante vi
tamina necessita de sua ativação cutânea, para
que possa ser utilizada pelo organismo.
• Identificação: estudos comprovam que as super
fícies das narinas, espelho nasal, apresentam ca
racterísticas individuais e podem, a exemplo das
impressões digitais dos humanos, ser utilizadas
como nasolabiogramas na identificação e reconhe cimento de um determinado animal.
• Percepção: por meio da complexa e especiali
zada rede nervosa cutânea, a pele é o órgão
receptor sensitivo do calor, frio, dor e tato.
REVISÃO ANATÓMICA
E FISIOLÓGICA
A pele se insere ou dá continuidade às mucosas em todos os orifícios do organismo (digestivo, respirató-rio, ocular e urogenital). A pele e os pêlos variam quantitativa e qualitativamente entre as diferentes
espécies, entre as raças numa mesma espécie e in-dividualmente entre animais de uma mesma raça. Existem ainda diferenças entre regiões anatómicas de um mesmo indivíduo, além daquelas determina-das por identificação sexual e etária.
Geralmente a espessura da pele decresce ven-tralmente, é mais espessa nas regiões cervical dor-sal, torácica dorsal, cefálica e base da cauda, sendo mais delgada nas regiões das orelhas, axilar, ingui-nal e perianal. Nessas observações se excluem os coxins palmo-plantares. De maneira geral, a espes-sura da pele varia de 0,4 a 2mm cm felinos e de 0,5
a 5mm em caninos; nos grandes animais, apresen-ta-se com 2,2mm em suínos, 2,6mm em ovelhas, 2,9mm em caprinos, 3,8mm em equinos e 6mm em bovinos. O recobrimento piloso acompanha também, de maneira geral, o comportamento da pele, sendo mais denso nas áreas mais espessas e mais rarefeito nas regiões de pele fina.
O pH da pele tem fundamental importância na
escolha de um xampu destinado à higienização ou nos
ditos xampus terapêuticos. Um xampu é considerado
neutro quando tem o mesmo pH da pele.
A superfície cutânea dos mamíferos é, de
maneira geral, levemente ácida. O pH cutâneo dos
carnívoros domésticos varia de 5,5 a 7,5, na pele
de bovinos o pH apresenta-se ao redor de 5,5;
entretanto, nos equinos é que ocorre a maior va-
riação, apresentando-se entre 4,8 e 6,8, chegando ao limite de 7,9 quando há sudorese exacerbada.
Em estudos realizados com cães, pôde-se obser-
var que o pH sofre várias interferências, podendo
inclusive variar num mesmo animal em diferen-
tes dias. Claramente o pH varia conforme a região
anatómica, o tipo de manto piloso, a identificação
sexual, o status sexual e a raça.
Estrutura da Pele
A pele compõe-se, essencialmente, de três
grandes camadas de tecidos: uma camada supe-
rior - a epiderme; uma camada intermediária - a
derme; e uma camada profunda - a hipoderme ou
tecido celular subcutâneo.
644 Semiologia Veterinária: A Arte do Diagnóstico
Os queratinócitos dessa camada sintetizam grâ-
nulos lamelares, que terão importância na barrei-
ra de proteção oferecida pela epiderme.
Camada granulosa. É assim denominada pois
suas células caracterizam-se pela presença de grande
quantidade de grânulos, de tamanho e forma irre-
gulares, compostos por querato-hialina. Em pele
recoberta por pêlos apresenta de duas a quatro
camadas, já em peles desprovidas de pelame apre-
senta-se com quatro a oito camadas. As células desta
camada apresentam-se nucleadas, achatadas e
basofílicas, contendo em seu citoplasma grânulos
basofílicos e irregulares. Esses grânulos são com-
postos de polifilagrina e citoqueratinas, precurso-
res da filagrina e do envelope queratinizado da ca-
mada córnea, respectivamente. A filagrina apre-
senta duas funções: agrega e alinha os filamentos
de queratina, além de produzir a matriz que in-
terpõe tais filamentos no corneócito (célula da
camada córnea); é fonte de aminoácidos livres que
garantem a hidratação normal da camada córnea.
Camada lúcida. É uma camada fina de células
anucleares, mortas e completamente queratinizada.
Está situada entre a camada granulosa e a camada
córnea, apresenta-se homogénea e suas células
contêm uma substância semifluida, denominada
eleidina. Essa camada celular ocorre exclusivamente
em coxins palmo-plantares e plano nasais, inexistindo
em outras regiões do corpo.
Camada córnea. É a camada mais externa da
epiderme, composta por queratinócitos em sua fase
final de desenvolvimento. É uma camada compos-
ta basicamente por algumas camadas de células
envoltas por uma matriz lipídica. As células, cha-
madas de corneócitos, apresentam-se anucleares e
de coloração eosinófila. Os corneócitos são constan-
temente perdidos por um processo denominado
descamação. O número de corneócitos perdidos,
assim como a espessura da epiderme, são mantidos
pela velocidade de reprodução da camada basal. Em
seu último estágio de diferenciação, o queratinóci-
to apresenta uma estrutura altamente especializa-
da em sua periferia, chamada de envelope celular,
que possui funções protetoras por conter políme-
ros insolúveis, que são desenvolvidos a partir de pro-
teínas sintetizadas na camada espinhosa. Esse en-
velope queratinizado e impermeável oferece suporte
estrutural às células e resiste à invasão de micro-
organismos e agentes ambientais deletérios.
Os corneócitos apresentam-se cobertos por um
filme homogéneo, formado a partir de secreção
sebácea e lipídeos intercelulares, tendem a ocul-
tar a estrutura das escamas e suas junções inter-
celulares. Os lipídeos têm um importante papel
na diferenciação, estruturação e função da epider-
me. Sua constituição muda dramaticamente du-
rante o processo de queratinização. No início, as
células contêm uma grande concentração de fos-
folipídeos e finalmente predominam ceramidas,
colesterol e ácidos graxos. As células da camada
córnea contêm seis vezes a concentração de lipí-
deos encontrados nas células da camada basal. Es-
sas evidências sugerem que os lipídeos de super-
fície de animais são de origem epidérmica, ao passo
que, nos humanos, se originam das glândulas se-
báceas. Todos os elementos, quais sejam, a que-
ratina intracelular, o envelope celular queratinizado
e os lipídeos intercelulares, assumem papel im-
portante na estabilidade estrutural e funcional da
epiderme, principalmente da camada córnea.
Se considerarmos a epiderme, mais especifica-
mente a camada córnea, como um muro, teremos, no
lugar de tijolos, corneócitos e no lugar de cimento,
lipídeos. Fica claro observarmos que um muro bom é
aquele com bons tijolos e bom cimento, ambos na
proporção ideal. Havendo qualquer falha em um dos
dois elementos o muro pode ruir.
Melanócitos. São o segundo tipo celular encon-
trado na camada basal, encontrados também na matriz
dos folículos pilosos e nos duetos de glândulas se-
báceas e sudoríparas. São células que, à coloração
habitual por H&E, aparecem como células claras,
com núcleo pequeno e hipercromático, além de
citoplasma transparente, levemente basófilo. Co-
lorações pela prata evidenciam a natureza dendrítica
dos melanócitos (Fig. 12.1), com numerosos pro-
longamentos longos e ramificados que se relacio-
nam com células da camada espinhosa suprajacente.
No geral existe um melanócito para cada 10 a 20
queratinócitos. Os melanócitos, conjuntamente com
os queratinócitos com que funcionalmente se relaci-
onam, constituem as unidades epidermo-melânicas
da pele.
Essas células apresentam, no seu citoplasma,
organelas especializadas denominadas melanos-
somas, onde ocorre a síntese e a deposição de
melanina pelo armazenamento de tirosinase arma-
zenada pelos ribossomos. Os melanócitos também
apresentam algumas funções bem determinadas:
promovem a coloração responsável pela proteção
e atração sexual; protegem contra radiações, es-
pecialmente a radiação ultravioleta (UV); partici-
pam nos processos inflamatórios. Há teorias que
propõem que, apesar de absorver as UVA e UVB,
Figura 12.1 - Esquema de corte histológico
de pele, com detalhes do bulbo piloso, rede
vascular da derme e melanócito. Desenho
de Fernando Tadeu Tavares Fernandez.
Glândula
sudorípara
apócrina
(epitriquial
Papila
in <D 3 c[ o 10 S' a O)
CTl ^ U1
Epiderme
Derme
Queratinócito
Melanócito
Músculo
piloeretor
Inervação
646 Semiologia Veterinária: A Arte do Diagnóstico
a mclanina não consiga absorver todas as frequên-cias de radiação UV; porém, parece participar da fotoproteção inativando radicais livres produzidos em resposta às demais faixas de UV.
A melanina é responsável pela pigmentação da pele e dos pêlos. A pigmentação cutânea se dá de duas maneiras: aquela decorrente de infor-mação genética, sem influência de outros fato-rcs, e a pigmentação facultativa, na qual a pig-mentação é influenciada por vários fatores, entre eles, a radiação UV, desequilíbrios hormonais e processos inflamatórios. O pigmento melânico compreende dois tipos de melanina que, habitu-almente, se apresentam em mistura: a cumelanina, polímero marrom derivado da tirosina e as feome-laninas, compostos amarelo-avcrmelhados que também se originam da tirosina, porém com um composto intermediário, a dopaquinona. Os que-ratinócitos influenciam a proliferação, o número de dendritos e a produção melânica dos mela-nócitos por meio de fatores solúveis, sendo o mais ativo o FGF, produzido pelos queratinócitos em fase de divisão celular intensa. Outros fatores que interferem na atividade melanocítica são hor-monais (MSH - hormônio estimulador do mela-nócito e hormônios sexuais), mediadores de infla-mação, vitamina D,, além dos já citados fatores genéticos. Particularmente o a-MSH é um pcptídio neuroimunomodulador e antiinflamatório que é sintetizado e liberado pelos queratinócitos, células de Langerhans, fibroblastos e células endo-teliais, além dos próprios melanócitos. Os recep-tores para esse peptídeo podem ser encontrados também nestas células. O a-MSH diminui a produ-ção de citocinas pró-inflamatórias, funciona como antagonista da interleucina I, modulando assim a inflamação cutânea e as doenças hiperprolife-rativas da pele. Esses efeitos podem ser mais sig-nificativos que os efeitos de pigmentação que este peptídeo provoca na epiderme.
Observando as ações do a-MSH na epiderme, pode-se compreender melhor o fato de grande parte das dermatopatias inflamatórias crónicas apresentar-se hiperpigmentadas.
Além dos melanócitos, existem outras células dendríticas na epiderme, as células de Langerhans. São
células desprovidas de tirosina, que não aumentam
de tamanho por estimulação pelo ultravioleta e que
se coram pelo cloreto de ouro. Possuem os corpús-
culos cm formato de raquete de ténis, que rece-
bem o mesmo nome das células. Atualmente, são
consideradas células monocitárias macrofágicas, atuando no processamento primário de antígenos exógenos que atingem a pele. Originam-se na medula óssea e são mantidas, não somente a partir de re-servatórios da medula óssea, mas também através da atividade mitótica de uma pequena parcela na própria epiderme. Possuem receptores para a por-ção Fe da IgG, IgE c C;. Graças a essa estrutura imunológica, a célula de Langerhans é capaz de reconhecer antígenos, processá-los e apresentá-los aos linfócitos T, iniciando, assim, sua ativação. E possível que, através dessas propriedades imunes, tais células participem não somente nas reações de sensibilização das dermatites de contato, mas tam-bém da rejeição de enxertos, na proteção às infec-ções virais e, também, na eliminação de células neo-plásicas originadas na pele. Alterações qualitativas e quantitativas têm sido registradas em várias doen-ças, como lúpus eritematoso, vitiligo, micose fun-góide e atopia.
Finalmente, existem na epiderme, mormen-te na camada basal e em folículos pilosos táteis especializados, as células de Merkel, que não são visualizadas na microscopia óptica convencional, porém são evidenciadas na microscopia eletrôni-ca, onde podem ser evidenciados grânulos que contêm substâncias ncurotransmissoras, como a enolase neurônio-específica. Sua origem é discu-tida, considerada como de origem neural, pois estão associadas a terminações nervosas e desempenham funções táteis e sensitivas.
Derme
A derme compreende um verdadeiro gel rico em mucopolissacarídeos, fibras colágenas e elásti-cas, além de diferentes tipos celulares. E um com-plexo sistema formado de material insolúvel (co-lágeno e elastina) que protege a pele de forças pro-vocadas por tensão, ao passo que a substância so-lúvel (os mucopolissacarídeos) protege a pele de forças compressivas. Nessa camada de pele, estão alojadas as estruturas anexas da pele, como as glân-dulas sudoríparas, os folículos de pêlos, as glându-las sebáceas e o músculo eretor do pêlo, além de vasos sanguíneos, linfáticos e estruturas nervosas. Como a epiderme de animais não forma cones à semelhança daqueles observados na epiderme humana, não há a presença de derme papilar e reticular. Nos animais a derme é dividida em su-perficial e profunda. A derme também está envol-vida na regulação do crescimento e na prolifera-ção celular. O material extracelular da derme é
Semiologia da Pele 647
produzido pelos fibroblastos, que respondem a
vários estímulos provenientes dos queratinócitos,
células inflamatórias e estímulos próprios.
As fibras dcrmicas são produzidas pelos fibro-
blastos e dividem-se em três tipos: colágenas, reti-
culares e elásticas. As fibras colágenas correspon-
dem a 90% das fibras da derme e são divididas em
14 tipos de colágeno, alguns com funções bem ca-
racterizadas, outras com funções ainda pouco defi-
nidas, porém de maneira geral respondem pela
estruturação, arranjo arquitetônico da pele e suas estruturas anexas, além de participarem da adesão
dcrmo-epidérmica e permitirem a comunição en-
tre as diferentes camadas do tecido. As fibras elás-
ticas que constituem o sistema elástico da pele estão
envolvidas, as mais superficiais, na ligação entre
epiderme e derme e, as mais profundas, pelo seu
maior teor de elastina, na absorção de choques e
distensões que se produzem na pele.
O aumento da mucina, um mucopolissacarídeo
da derme, é que confere aos cães da raça shar-pei
sua aparência pregueada.
A substância fundamental da derme é um gel
viscoso e elástico originado nos fibroblastos e com-
posto basicamente por mucopolissacarídeos, en-tre estes a mucina, a fibronectina e a tenascina.
Essas substâncias têm importante função no de-
senvolvimento e no ciclo da epiderme, membrana
basal, folículos pilosos e na própria derme, nas
relações intercelulares, adesão celular ao substra-
to, integridade e permeabilidade vascular. Essa subs-
tância preenche os espaços e envolve todas as
estruturas da derme, permitindo que eletrólitos,
nutrientes e mesmo células possam passar dos vasos
dérmicos para a epiderme que é avascular. Parti-
cipa ainda da estocagem e homeostasia da água,
no suporte da estrutura dérmica, na lubrificação e na orientação, crescimento e diferenciação das fibras
colágenas.
A derme c ocupada por células esparsamente
dispostas. Encontram-se nesta camada de pele os
fibroblastos, os dendrócitos dérmicos, que são cé-
lulas apresentadoras de antígenos e os mastócitos.
Ocasionalmente podemos observar os neutrófilos,
eosinófilos, linfócitos, histiócitos e plasmócitos.
Pêlos e Folículos
Os pêlos são estruturas filiformes constituí-
das por células queratinizadas produzidas pelos
folículos pilosos. Compõem-se de uma parte livre,
a haste, e uma porção intradérmica, a raiz. Ane-
xam-se ao folículo piloso: a glândula sebácea e o
músculo erctor do pêlo.
Os pêlos desenvolvem-se a partir dos folículos
pilosos. Não há formação de novos folículos pilo-
sos após o nascimento. Nos filhotes apenas o tipo
de pêlo produzido é diferente e posteriormente é
substituído pelo pelame do adulto. As porções do
folículo piloso encontram-se pormenorizadas na
Figura 12.1. Pode-se considerar a existência de dois
tipos de pêlos, o primário e o secundário. Cada
pêlo primário possui uma glândula sebácea e o mús-
culo eretor, além de emergir separadamente por
um poro; já os pêlos secundários são acompanha-
dos apenas pela glândula sebácea e emergem em
grupos por um mesmo poro. De 5 a 20 pêlos se-
cundários acompanham cada pêlo primário. As
diferenças proporcionais e qualitativas entre os dois
tipos de pêlos é que determinam os tipos de pelames
observados nas diferentes raças de animais inde-
pendentemente da espécie.
Entre as diferentes espécies domésticas, sabe-
se que os felinos, caninos, caprinos, suínos e ovi-
nos apresentam pêlos primários e secundários; já
os bovinos c equinos apresentam apenas os pêlos
primários compondo o recobrimento piloso.
Os folículos pilosos de animais com pêlos li-
sos apresentam-se retos e, naqueles animais com
pelame crespo, apresentam-se com conformação
espiral.
A haste dos pêlos é composta pela cutícula
externa, córtex e medula. A camada cortical é
composta de células fortemente compactadas, que
contêm o pigmento do pêlo, que determina sua
coloração, ao passo que, na medula, os queratinócitos
se agregam mais frouxamente e também nesta região
pode haver a presença de pigmento, porém este
não será determinante na coloração do pêlo. A
cutícula é composta por células cornificadas e
anucleadas.
Os pêlos secundários possuem uma medula
menos desenvolvida e uma cutícula mais proemi-
nente, já o lanugo não apresenta medula. O princi-
pal componente dos pêlos é a queratina e partici-
pam de sua estrutura cerca de 20 aminoácidos.
Os pêlos são estruturas características dos
mamíferos, são importantes na termorregulação e
na percepção sensorial, além de exercerem fun-
ções igualmente protetoras àquelas referidas na
pele. Apresentam ainda importante função na
preservação do organismo contra os raios solares.
A habilidade dos pêlos em regular a temperatura
corporal está diretamente ligada a sua espessura,
comprimento e densidade.
648 Semiologia Veterinária: A Arte do Diagnóstico
A coloração e o brilho do pêlo estão igual-mente relacionados à regulação térmica e à refle-xão de raios solares.
Os pelames crescem numa inclinação de 30 a 60° e a direção do crescimento é geralmente cra-niocaudal e dorsoventral. Esta disposição particu-lar facilita a movimentação dos animais bem como o escoamento da água, promovendo uma secagem mais rápida.
Ciclo do Pêlo
Os pêlos não crescem continuamente, haven-
do alternâncias de fases de crescimento e repou-
so, que constituem o ciclo do pêlo (Fig. 12.2). A
fase de crescimento denominada anágena caracte-
riza-se pela intensa atividade mitótica da matriz.
Nessa fase, o pêlo se apresenta na máxima expressão
estrutural. Segue-se a fase catágena, durante a qual
os folículos regridem a um terço de suas dimen-
sões anteriores, interrompe-se a melanogênese na
matriz e a proliferação celular interrompe-se até
cessar. As células da porção superior do bulbo
continuam sua diferenciação à haste do pêlo, cons-
tituída somente por córtex e membrana radicular
interna até que o bulbo se reduza a uma coluna
desorganizada de células. Na última fase, a telógena,
a extremidade do pêlo assume a forma de clava,
constituindo o "pêlo em calva", ainda aderido ao
saco folicular por retalhos de queratina. Isto significa
que o pêlo está prestes a se desprender, os folí-
culos estão quiescentes, com menos da metade
de seu tamanho original e há uma desvinculação
completa entre a papila dérmica e o pêlo em eli-
minação. A duração de cada uma das fases do ciclo
varia com a idade, a região do corpo, a raça e o
sexo e pode ainda ser modificada por fatores fisio-
lógicos e patológicos.
O ciclo do pêlo e, conseqúentemente, o manto
piloso dos animais sofre influência de uma série
de fatores, como o fotoperíodo, temperatura am-biente, nutrição, hormônios, estado geral de higidez e genética, além de fatores intrínsecos, que incluem fatores de crescimento e citocinas produzidas pelos folículos, papila dérmica e ou-tras células.
Em climas bem definidos, há maior queda de pêlos na primavera e no outono, porém esse fenómeno parece não se repetir em climas tro-picais, nos quais há uma exposição contínua a grandes períodos de luz e consequente queda constante de pêlos em algumas raças de animais. Porém, mesmo em nosso clima, observamos que animais, especialmente os cães de pêlo longo, como o poodle, por exemplo, apresentam pouca queda de pêlos; já os animais de pêlo curto, como o boxer, apresentam queda constante de grande quantidade de pêlos, que muitas vezes levam seus proprietários a procurarem atendimento ve-terinário. Gomo isso pode ser explicado? Existe uma diferença no ciclo de pêlos de animais de diferentes raças?
Apesar de existirem poucos trabalhos com ci-clos de pêlos, existe uma definição muito precisa do comportamento do couro cabeludo em huma-nos, onde o anágeno pode durar de 2 a 5 anos, o catágeno dura cerca de 3 semanas e o telógeno, de 3 a 4 meses. Ainda se deve observar que os pêlos não se encontram todos na mesma fase; há uma troca de pêlos em mosaico tanto no couro cabeludo de humanos como no manto piloso de animais. Obser-va-se que, em humanos, 85% dos pêlos encontram-se em fase anágena, 1% na fase catágena e 14% em fase telógena. Sabe-se que, em cães, a fase catágena também é aquela que está em menor proporção de 2 a 4%, independentemente do comprimento do pelame, porém há diferenças entre as proporções da fase anágena e telógena em animais de pêlo lon-go e curto.
A assertiva: "... o pêlo reflete o estado de saúde
de um animal..." fica facilmente explicável quando
observamos todos os fatores que podem interferir
no ciclo dos pêlos.
Da mesma maneira, entende-se melhor por
que os quadros hormonais estão frequentemente
associados a falhas (alopecia) no recobrimento
piloso.
Por analogia, pode-se acreditar que o mesmo
comportamento em termos de duração e propor-
ção das fases observado nos humanos ocorre em
animais de pêlo longo. Observações clínicas revê-
Telógena Anágena
Figura 12.2 - Representação esquemática das fases de cres-
cimento do pêlo.
Semiologia da Pele 649
Iam que animais com este tipo de pelame demo-ram cerca de 18 a 24 meses para recuperar a pelagem quando submetidos à tosa. Um estudo recente realizado em nosso meio comprova que, no caso de animais de pêlo curto (utilizaram-se nesse experimento beagles), a proporção é de 30% dos pêlos em fase anágena e 70% em fase telógena. Soma-se a esta informação que, pela mesma obser-vação já referida, animais de pêlo curto submeti-dos à tosa recuperam o manto piloso em 4 a 8 semanas. Essas observações são suficientes para explicar por que animais de pêlo curto perdem maiores quantidades de pêlos que animais de pêlo longo. Pode ser que o proprietário de um animal de pêlo curto tenha trabalho em higienizar o am-biente, enquanto o proprietário de um animal de pêlo longo terá trabalho em higienizar o pêlo de seu animal com escovação e tosa. Esse último recurso é totalmente dispensado em animais de pelame curto.
Glândulas Anexas
Glândulas Sebáceas
Estão presentes em toda a pele, à exceção dos coxins e plano nasal. Desembocam sempre no folículo piloso (unidade pilosebácea). Apre-senta-se em maior número nas junções mucocu-tâneas, no espaço interdigital, na região cervical dorsal, na região mentoniana e na região dorsal da cauda dos carnívoros.
A secreção das glândulas sebáceas é do tipo holócrino denominada sebum, que mantém a pele macia, formando uma película de emulsão que se espalha por toda superfície cutânea e tende a manter a camada córnea hidratada, impedindo a perda de água dessa camada. Essa secreção tam-bém se encontra como um filme envolvendo os pêlos, possibilitando maciez e brilho a estas es-truturas. O sebum colabora também, juntamente com a secreção das glândulas sudoríparas, na for-mação de uma barreira física e química contra patógenos.
As glândulas sebáceas sofrem influência nu-tricional e controle hormonal, os andrógenos cau-sam hipertrofia e hipcrplasia e os estrógenos e glicocorticóidcs causam involução.
Glândulas Sudoríparas
As glândulas sudoríparas, anteriormente clas-sificadas como apócrinas e écrinas, são atualmen-te classificadas em epitriquiais e atriquiais.
As glândulas sudoríparas epitriquiais estão presentes na pele recoberta por pelame, apre-sentam-se geralmente espiraladas e saculadas ou tubulares. Estão localizadas abaixo das glându-las sebáceas e a abertura de seu dueto é acima da abertura destas glândulas (ver Fig. 12.1). São maiores e mais numerosas próximas às junções mucocutâneas, no espaço interdigital c na região cervical dorsal. Essas glândulas não são inervadas e aparentemente exercem funções antimicrobi-anas e de feromônios. Essas glândulas estão pre-sentes em caninos, felinos, suínos, caprinos, ovinos, equinos e bovinos.
Já as glândulas sudoríparas atriquiais são en-contradas exclusivamente nos coxins palmo-plan-tares, apresentam-se levemente espiraladas e es-tão localizadas na derme profunda ou no tecido subcutâneo. Nesse caso, as glândulas são fortemente inervadas. Essas glândulas estão presentes nos carnívoros domésticos.
Sudorese
A frequência da sudorese e as circunstânci-as em que ocorre em caninos e felinos são pouco compreendidas. Alguns autores consideram que os cães, especialmente o pastor alemão e o golden retriever, apresentam uma discreta sudorese em região axilar, inguinal e abdominal ventral. Ou-tros autores consideram que a sudorese somen-te ocorre em estados de excitação ou febre ex-trema. Finalmente há aqueles que consideram que não há sudorese de glândulas epitriquiais em cães e gatos. Porém, todos concordam que am-bas as espécies apresentam sudorese em coxins palmo-plantares decorrente da função das glân-dulas atriquiais.
Os equinos apresentam sudorese intensa em resposta a exercícios. Na verdade, equinos e hu-manos são as únicas espécies capazes de produ-zir grandes quantidades de suor, que é o princi-pal elemento na termorregulação dessas espé-cies. Os bovinos também têm a sudorese como importante componente na perda de calor, em-bora possa haver variação na densidade de glân-dulas sudoríparas de uma raça para outra. As es-pécies ovina e caprina também apresentam su-dorese em resposta ao calor, mas esta é produ-zida em pequena quantidade e de maneira in-termitente. Após alguns episódios de sudorese, as glândulas podem entrar em fadiga e não mais produzir o suor.
650 Semiologia Veterinária: A Arte do Diagnóstico
Glândulas Especializadas dos
Carnívoros Domésticos
Incluem as glândulas pcrianais, os sacos anais,
as glândulas das orelhas e as glândulas da cauda.
As glândulas perianais ou cincum-anais são glân-
dulas sudoríparas que se desenvolvem desde o
nascimento na face interna é externa do ânus e
também podem ser encontradas no prepúcio e face
dorsal e ventral da cauda.
A glândula supracaudal dos cães está localiza-da na face dorsal da cauda entre a quinta e a sé-
tima vértebras coccígeas; visível em apenas 5% dos
cães machos, ocorre também em cães selvagens e
parece envolvida com o reconhecimento olfatório.
Quando há uma disfunção, essa região se torna
visível c os pêlos tornam-se oleosos e podem apre-
sentar aspecto graxento. O aspecto histológico
dessas glândulas é o mesmo das glândulas peria-
nais e são compostas de células ditas hepatóides.
Já no caso dos felinos há uma concentração de
glândulas sebáceas na região dorsal da cauda, de-
nominada de órgão supracaudal. A testosterona
apresenta ação estimuladora de todas as glându-
las citadas.
Glândulas Especializadas dos
Animais de Esporte e Produção
Estruturas glandulares especializadas têm sido observadas na região nasolabial de bovinos, caprinos e ovinos e mantêm uma secreção abundante nes-sas espécies e constante nos bovinos. São glându-las seromucóides, têm funções de lubrificação. Entre os suínos podem ser evidenciados aglomerados de glândulas na região mentual, denominados órgão mandibular, que são compostos de grandes glân-dulas sebáceas e sudoríparas, além de pêlos sen-sitivos e espessos.
Vascularização da Pele
A circulação cutânea se forma por meio de redes de capilares cm todas as regiões do corpo dos vertebrados, a partir de "ilhas sanguíneas" no mesoderma esplâncnico do embrião. À medida que essas ilhas vão se tornando ocas, as células perifé-ricas formam o endotélio vascular, ao passo que as células localizadas centralmente formam as célu-las sanguíneas primitivas. Forma-se um plasma san-guíneo primitivo, aparentemente a partir das cé-lulas das ilhas sanguíneas. A medida que o feto vai se desenvolvendo esses espaços vasculares sepa-
rados se unem formando plexos vasculares. O cres-cimento proliferativo do endotélio une os espaços vasculares simples em canais contínuos e finalmente novos vasos originam-se dos vasos preexistentes. As artérias e veias definitivas surgem pela sele-ção, ampliação e diferenciação apropriada dos tra-jetos nessas redes com base nos fatores hemodi-nâmicos e hereditários.
O sistema vascular cutâneo está dividido em três níveis interconectados:
1. Plexo profundo, subdérmico ou subcutâneo. 2. Plexo intermediário ou cutâneo. 3. Plexo superficial ou subpapilar.
Em cães e gatos, este suprimento vascular primário da pele resulta da artéria cutânea direta. Os vasos cutâneos diretos correm paralelamente na pele através do plexo profundo, enviando ra-mificações para os plexos intermediário e superfi-cial. Exceções nesse arranjo vascular geral são notadas na orelha externa canina, coxins palmo-plantares, mamilos e junções mucocutâneas da narina, do lábio, da pálpebra, do prepúcio, da vul-va e do ânus. O plexo profundo é a principal rede vascular para pele sobrejacente. A preservação desse plexo é crucial para sobrevivência da pele. Esses vasos correm geralmente na parte superficial da gordura subcutânea e no tecido areolar da face profunda da derme. Onde houver uma camada de músculo cutâneo, o plexo subdérmico situa-se tanto superficial quanto profundamente a ele. Nas áreas de pele solta dos pequenos animais, as artérias cutâneas diretas ficam acentuadamente elásticas e se acomodam juntamente com alterações da pele.
O plexo subdérmico irriga o bulbo e o folículo piloso, glândulas tubulares e partes mais profun-das dos duetos e também o músculo eretor dos pêlos. Ramos do plexo subdérmico ascendem até a derme formando o plexo intermediário ou cutâ-neo, localizado no nível das glândulas sebáceas. Ramos do plexo ascendem e interiorizam a der-me, irrigando as glândulas sebáceas e reforçando as redes capilares ao redor dos folículos pilosos, duetos das glândulas tubulares e músculo eretor dos pêlos. O plexo intermediário mostra variações evolutivas e posicionais variando de acordo com a distribuição dos folículos pilosos na pele. O plexo superficial é irrigado por raízes do plexo interme-diário e situa-se na camada externa da derme. Alças capilares desse plexo se projetam nos corpos capi-lares da derme, irrigando as papilas epidérmicas. Esse sistema de alças capilares e corpos papilares
Semiologia da Pele 651
é pouco desenvolvido em cães e gatos, ao contrá-rio com o homem, macacos e suínos, nos quais exerce uma importante função tcrmorreguladora. Essa diferença anatómica explica por que a pele dos caninos geralmente não forma bolhas nas queima-duras superficiais. Nos seres humanos, macacos e suínos, dois tipos de artérias irrigam a circulação cutânea: artérias musculocutâneas e artérias cu-tâneas diretas. As artérias perfuradoras enviam vários ramos para massa muscular subjacente antes de terminarem como artérias musculocutâneas per-pendiculares à pele e irrigam uma pequena área. Em comparação, as artérias cutâneas diretas origi-nam-se de artérias perfuradoras que enviam alguns ramos para massa muscular subjacente antes que ascendam ao plexo subdérmico. As artérias cutâ-neas diretas correm paralelamente à pele e em direção ao plexo subdérmico, em comparação a uma artéria musculocutânea isolada, mas possuem pa-pel secundário na circulação cutânea total dos se-res humanos.
Músculo Eretor do Pêlo e Inervação da Pele
O músculo eretor do pêlo está presente em toda a superfície da pele recoberta por pêlos, ori-gina-se na derme superficial e insere-se nos pêlos primários. Recebe inervação colinérgica e contrai em resposta a epinefrina, produzindo piloereção. Este músculo está envolvido na termorregulação e no esvaziamento de glândulas sebáceas.
As fibras nervosas cutâneas têm ações sensi-tivas, controladoras do tônus vaso-motor, regula-doras da secreção glandular, estão em contato di-reto com os vasos dérmicos, mastócitos, fibroblas-tos, queratinócitos e células de Langerhans. Es-tão associadas a órgãos sensitivos da pele como os discos pilares (estruturas ricas em células de Merckel), os corpúsculos de Pacini (sensibilidade à pressão), Meissner (sensibilidade tátil) e Ruffini (sensibilidade térmica), glândulas sebáceas e músculo eretor do pêlo, além de penetrarem em terminações livres diretamente na epiderme. Além de importantes funções como percepção (toque, calor, frio, pressão, dor e prurido), os nervos dérmicos proporcionam sobrevivência e funcionamento ade-quados da epiderme.
Hipoderme
A hipoderme é a camada mais profunda da pele e, geralmente, a mais fina. É também cha-mada de tecido celular subcutâneo ou ainda de
panículo adiposo, pois é constituída basicamente de adipócitos (células repletas de gordura). Re-laciona-se, em sua porção superior, com a der-me profunda, por meio de projeções que "inva-dem" a derme, formando a papila adiposa ou derme papilar, constituindo-se a junção dermo-hipodérmica, envolvendo os folículos pilosos, as glândulas sudoríparas e a vascularização, prote-gendo assim estas estruturas. Funcionalmente a hipoderme, além de depósito nutritivo de re-serva, participa do isolamento térmico e na pro-teção mecânica do organismo às pressões e trau-matismos externos, e, finalmente, facilita o des-lizamento da pele em relação às estruturas subja-centes.
EXAMINANDO A PELE
A pele não irá se diferir dos outros sistemas em termos de exame. É, entre todos os sistemas, aquele que mais sofre erros de abordagem pelo clínico que, guiado pela ansiedade do proprietário, muitas vezes ignora ou subtrai passos importantes no exame do paciente. Deve conter todos os pontos-chave de um exame clínico: identificação, anamnese, exa-me físico, além dos exames complementares ou subsidiários.
IDENTIFICAÇÃO
A preocupação com a identificação do animal em questão deve conter a espécie, pois algumas doenças
são características de determinadas espécies, como
o sarcóide, característico dos equídeos; o comple-
xo granuloma eosinofílico, particular aos felinos;
as piodermites, muito mais incidentes entre os
caninos.
Ainda dentro de uma mesma espécie, a iden-tificação etária, racial, sexual e de coloração apre-
sentam importância singular para que o clínico possa
iniciar a compilação dos dados rumo ao diagnósti-
co definitivo.
Identificação etária. Existem determinadas doen-
ças que ocorrem exclusivamente ou muito mais
frequentemente em determinadas idades, como a
demodicidose dos cães, que é mais frequente em
animais jovens. Alguns levantamentos indicam que
cerca de 70% dos cães com essa enfermidade apre-
sentam-se para o atendimento com menos de 12
meses de idade. A dermatofitose, a celulite juve-
nil, a papilomatose dos bezerros, o impetigo canino
652 Semiologia Veterinária: A Arte do Diagnóstico
também são exemplos de doenças que acometem
igualmente animais jovens, refletindo provavelmente
o frágil estado imunológico dos filhotes. Os qua-
dros alérgicos, assim como as doenças de
queratinização, atingem animais adultos jovens e
animais maduros. Os quadros hormonais, em cães
e gatos, acometem principalmente animais entre 6
e 10 anos de idade. Finalmente, as neoplasias, assim
como as doenças auto-imunes, acometem animais
idosos, na sua maioria, independendo da espécie
em questão.
Identificação sexual. Há, obviamente, quadros
dermatológicos que estão relacionados com a iden-
tificação sexual; como exemplos podem ser cita-
das as dermatopatias relacionadas a neoplasias tes-
ticulares em machos e a neoplasias ovarianas em
fêmeas. Porém há quadros em que a relação não é
tão óbvia assim, como: as fístulas perianais que
acometem quase exclusivamente os machos cani-
nos, provavelmente por influência hormonal; os
abscessos dos felinos, que são mais frequentes em
machos, possivelmente adquiridos em brigas por
disputa territorial. Essa mesma relação pode ser
observada na escabiose dos cães que, migrando de
longas distâncias ao encontro de uma fêmea no
cio, deparam-se com outros machos com o mesmo
objetivo, formando um ambiente promíscuo, faci-
litando a disseminação do Sarcoptes scabiei. Além
da identificação do sexo do paciente, é necessário
que se observe o status sexual (animais castrados
ou não), principalmente as fêmeas, pois devemos
observar que pode haver quadros que se relacio-
nam com o cio ou não. O clínico deve estar atento
a esse detalhe, pois poucos eventos são tão mar-
cantes na vida de uma fêmea, como o estro e, muitas
vezes, aos olhos do proprietário: "... o quadro se
instalou antes, durante ou após o último cio...", é
interessante que o veterinário tenha em mente que
poucos são os quadros dermatopáticos verdadei-
ramente relacionados com o cio, e aqueles que apre-
sentam essa relação geralmente são raros, como os
quadros de hipersensibilidade hormonal.
Identificação racial. Existe dentro de uma mes-
ma espécie a predisposição de determinadas raças
a tipos específicos de dermatopatias. As Tabelas
12.1 e 12.2 relacionam alguns exemplos de raças de
animais predispostos a doenças dermatológicas.
Coloração do pelame. Existem dermatopatias
diretamente relacionadas à coloração do pelame
dos animais. Gomo exemplo pode-se citar a doen-
ça do mutante de cor em cães de pêlo azulado, o
carcinoma espinocelular em felinos brancos, a fo-
Tabela 12.1 - Alguns exemplos de predileção
racial a dermatopatias em animais carnívoros
domésticos. Adenite sebácea Síndrome
uveodermatológica Atopia Demodicidose Hipotireoidismo
Foliculite-furunculose
Acrodermatite letal
Hipozincemia Piodermite das
dobras Atopia Demodicidose
Dematomiosite Lúpus
eritematoso Astenia
Hipersensibilidade alimentar Piodermite das
dobras labiais
Otite externa
Seborréia primária
Acantose nigricante
Demodicidose
Alopecia padrão Celulite
juvenil Dermatite psicogênica
Atopia Foliculite-furunculose
Hipotireoidismo Atopia Eritema multiforme DAPP Otite externa Seborréia
Síndrome foliculite furunculose-celulite
Reação a aplicações
Hiperadrenocorticismo
Hipossomatrotopismo
Foliculite-furunculose Vitiligo Síndrome do Shar-pei Atopia Demodiciose Mucinose cut
Displasia folicular
Dermatofitose
Hipersensibilidade alimentar Vitiligo
Dermatofitose Complexo
granuloma colagenolítico Displasia
folicular
Canina Boxer
Canina Buli terrier
Canina Bulldog inglês
Canina
Canina
Canina Dachshund
Canina Golden retriever
Canina Pastor alemão
Canina Poodle
Canina
Canina
Canin
a
Felina
Felina
Felina
Akita
Collie Cocker
spaniel
Rottweiler
Shar-pei
Yorkshire
Siamês
Persa
Abissínio
Semiologia da Pele 653
Tabela 12.2 - Alguns exemplos de predileção racial a dermatopatias em
animais de produção e esporte.
cie Raça Dermatopatia
Equina Apaloosa Pênfigo foliáceo
Equina Árabe Vitiligo
Astenia cutânea Equina Quarto de milha Astenia cutânea
Queratose linear
Dermatose papulosa unilateral Bovina Angus Acantólise familiar Bovina Jersey Hipotricose Bovina Simental Astenia cutânea Bovina Holandês Carcinoma espinocelular
Ovina Blackface Epidermólise bolhosa Ovina Merino Astenia cutânea Suína Landrace Dermatose vegetante
tossensibilização em gado de coloração clara ou
branca e a maior incidência de melanoma em
equinos de coloração tordilha.
ANAMNESE
Como referido anteriormente, a anamnese pode
ser responsável, segundo alguns semiologistas, por
até 50% do diagnóstico final. Nas dermatopatias
ocorre o mesmo, embora este talvez seja o item
mais esquecido ou erroneamente mais resumido
pelos clínicos veterinários. Deve-se destacar que
não existe anamnese dermatológica, porém nesse
capítulo serão destacadas as perguntas mais rela-
cionadas com as enfermidades do tegumento.
Queixa principal. Na opinião do autor, deve ser
a primeira etapa no questionamento do proprie-
tário ou tratador do animal, pois é justamente aquilo que a pessoa busca ao procurar o Médico Veteri-
nário. O clínico deve colher as informações passi-
vamente e, só então, complementar as informa-
ções acerca da queixa principal com perguntas como:
Tempo de evolução? Início do quadro? Tratamen-
tos efetuados? Consequência do tratamento efe-
tuado?
Antecedentes. Antes da sequência da anamne-
se, é importante que se determine os antecedentes
do animal, tanto os recentes como os distantes.
Os termos recentes e distantes são relativos e
diretamente ligados à idade do animal submetido ao exame. No caso de um animal idoso, os antece-
dentes distantes podem significar alguns meses
ou até anos, ao passo que em filhotes podem signi-
ficar alguns dias ou semanas. Essas informações
obtidas devem sempre visar:
• A procedência do animal dentro de uma mesma
cidade: propriedades ou criadouros que, muitas
vezes, possuem um ambiente propício à perpe
tuação de algumas doenças, como a aglomera
ção de cães em feiras de animais, o que facilita
a disseminação de sarnas e dermatofitose. Isso
faz com que o veterinário passe a associar algu
mas doenças com determinadas localidades.
• A procedência geográfica do animal: como
exemplo a leishmaniose, que não ocorre cm
todas as cidades do nosso país; muitas vezes,
dentro de um mesmo Estado, há cidades onde
tal enfermidade ocorre e, em outras cidades,
não há casos relatados.
• Parentesco: avaliar se há algum animal geneti
camente relacionado com o paciente, como pais,
irmãos, filhos, etc., que possam ter apresenta
do quadro semelhante. O objetivo é colher
informações sobre a possibilidade de doenças
de caráter hereditário, como dermatites alér
gicas, demodicidose, seborréia, entre outras.
Inicio do quadro e tempo de evolução. Objetiva ava-
liar o decurso evolutivo do quadro. Os quadros de
surgimento abrupto são classificados de agudos, como
a dermatite úmida aguda, dermatite de contato e o
eritema multiforme. Já aquelas dermatopatias ins-
taladas há muito tempo são denominadas crónicas,
como as neoplasias, demodicidose e quadros alér-
gicos, que podem acometer os animais, por perío-
dos que muitas vezes ultrapassam anos.
Cerca de 80% dos casos de escabiose canina apre-
sentam-se para o atendimento com 2 meses de evo-
lução.
654 Semiologia Veterinária: A Arte do Diagnóstico
Tratamentos já efeluados e suas consequências. É
imprescindível que o clínico tome conhecimento
acerca dos fármacos já empregados na terapia do
paciente e como este evoluiu com o tratamento.
Pode-se citar os corticóides, que proporcionam a
melhora de pacientes com quadros alérgicos e piora
em quadros fúngicos e parasitários a exemplo das
sarnas sarcóptica c demodécica. Os parasiticidas
somente proporcionarão melhora dos quadros que
têm os parasitas envolvidos na sua etiopatogenia.
Esses dados importantes podem ser perdidos
quando o animal está recebendo vários princípios
ativos num único tratamento. Perde-se até a pos-
sibilidade da execução do diagnóstico terapêuti-
co, uma técnica frequentemente utilizada na
Dermatologia Veterinária.
Uma maneira adequada para se anotar na fi-
cha clínica do paciente a melhora obtida é solici-
tar ao proprietário que indique o percentual de
melhora obtido - "proprietário refere 70% de me-
lhora do quadro".
Periodicidade. Quando são considerados os
pacientes, mormente os que se apresentam com
dermatopatias de etiologia alérgica, a determina-
ção da sazonalidadc dos casos pode ajudar a deter-
minar a causa da hipersensibilidade. Casos de
dermatites alérgicas a ectoparasitas frequentemente
pioram no verão, os quadros de hipersensibilida-
de alimentar são perenes (mantêm o mesmo grau
de intensidade todo o ano) e, finalmente, os ani-
mais atópicos, nos quais o alérgeno está suspenso
no ar, alternam períodos de melhora e piora no
decorrer de um ano.
Ambiente, manejo e hábitos. A determinação des-
ses três elementos pode proporcionar a obtenção
de informações valiosas:
• Ambiente e higienização das instalações: exis
tem quadros intimamente ligados aos produ
tos utilizados na limpeza das instalações, como
as dermatites de contato. O tempo em que as
excretas permanecem no local também pode
ser importante nos casos de pododermatite cau
sada pelas larvas de Ancylostoma. Ainda o tipo
de piso é importante, como exemplo as pio-
dermites de calos de apoio que se desenvol
vem muito mais frequentemente em animais
pesados e que vivem em pisos rústicos.
• Manejo: inclui informações sobre a higienização
do animal, como o produto utilizado, a frequên
cia de banhos, o tempo de ensaboamento e o
modo de secagem. Os proprietários de animais,
frequentemente, utilizam produtos inadequa-
dos para os banhos dos animais, podendo afe-
tar fatores como hidratação da pele e alterar
o pH, com consequências perigosas, princi-
palmente para a barreira de proteção micro-
biológica da pele.
• Hábitos: são importantes na determinação de
várias enfermidades, como o acesso à rua. Mesmo
aquele animal sem contactantes em casa pode
ter contato com outros ao sair à rua. Pode
também ter acesso a ambientes infestados por
ectoparasitas, como praças e ambientes gra
mados, frequentados por outros animais; via
gens a outras cidades, pode-se repetir o exem
plo da Leishmaniose; acesso a lagos, rios a ala
gados, importante informação nos casos em que
se suspeita de pitiose.
• Alimentação: outro elemento importante na
anamnese é a determinação da dieta do ani
mal, uma vez que a nutrição influencia muito
a qualidade da pele e do pelame. Existem
doenças intimamente ligadas à alimenta
ção, como os quadros de seborréia, hipo-
zincemia e dermatose genérica alimentar
dos cães e a fotossensibilização dos bovinos
que têm acesso a determinadas espécies
de braquiária.
Contactantes. Verificar que espécies de contac-
tantes o animal examinado pode apresentar, pois
estes podem ser vistos como sentinelas do pro-
cesso desenvolvido pelo paciente em questão. O
animal pode apresentar um quadro que vem sen-
do desenvolvido por outros animais de uma mes-
ma propriedade. Essa informação encaminha o
diagnóstico para as doenças infecto-contagiosas,
porém se o processo for crónico e afetar exclusi-
vamente um animal, mesmo que este tenha con-
tato com outros, os quadros passíveis de disse-
minação são praticamente eliminados da estra-
tégia de diagnóstico. O proprietário deve tam-
bém ser considerado um contactante. Muitas
vezes, o diagnóstico é concluído ao se evidenciar
lesões cutâneas nos proprietários dos animais exa-
minados, caracterizando assim as dermatopatias
zoonóticas.
Ectoparasitas. O questionamento feito aos pro-
prietários para a verificação da presença e espécie
de ectoparasitas deve ser o mais detalhado possível,
pois uma falha nessa investigação pode comprome-
ter todo o diagnóstico da dermatose em questão. O
exemplo mais típico da função de tal informação talvez
Semiologia da Pele 655
seja o da DAPP (dermatite alérgica à picada de pulgas)
em cães e gatos. Cerca de 30% dos animais com essa
dermatite alérgica apresentam-se para o atendimento
sem que o proprietário ou o clínico consigam evi-
denciar a presença de pulgas. O veterinário não deve
se limitar somente à pergunta direta se o proprietá-
rio observou ou não o parasita; a busca deve investi-
gar todos os ambientes frequentados pelo animal e
verificar se os contactantes apresentam ou não o
parasita.
Prurido
É a sensação desagradável que manifesta no
paciente o desejo de se coçar. A abordagem, nesse
caso, deve ser feita minuciosamente, para que se
definam pontos como: a presença real do pruri-
do, a intensidade, a manifestação e a localiza-
ção do sintoma.
Avaliação da presença do prurido. É o maior de-
safio para o clínico, pois muitas vezes o proprie-
tário se apresenta para o atendimento com frases
prontas, como: "... meu cão está com coceiras", ou
ainda "... meu cão está com alergia". Essas frases,
muitas vezes, levam o veterinário ao erro de ava-
liação, induzido e levado a crer que se trata de um
quadro pruriginoso. Portanto, o mais seguro é ava-
liar se realmente existe o prurido patológico, onde
o animal passa grande parte do seu tempo dedi-
cando-se a coçar. Perguntar ao proprietário de
diferentes maneiras o quanto e como o animal
realmente se coça é técnica imprescindível ao se
avaliar essa manifestação sintomatológica.
Muitas vezes, os animais se coçam sem que isso
seja um problema; basta que o veterinário observe a si
mesmo e concluirá que algumas regiões do corpo real-
mente coçam no decorrer de um dia. Deve-se diferen-
ciar esse prurido considerado fisiológico daquele dito
patológico. Quando o animal se coça acima de 30% do
tempo disponível ou mais, considera-se um caso de
prurido patológico.
Intensidade do prurido. Uma vez considerado
patológico, o próximo passo a ser dado é quantifi-
car o quanto o paciente se coça, o que fica direta-
mente relacionado a quanto o prurido do animal
incomoda o proprietário. Há duas maneiras de
classificar o prurido. A primeira seria a classifica-
ção em leve, moderado e severo, outra seria quan-
tificar por pontuação ou "nota", na qual conside-
rar um animal apenas com o prurido fisiológico
significaria nota = O, e um animal com prurido
extremo (um cão com escabiose) significaria nota
= 10. A Tabela 12.3 associa quadros dermatológi-
cos com a presença ou não de prurido e sua inten-
sidade.
Manifestação do prurido. Muitas vezes o proprie-
tário não sabe interpretar quais são todas as mani-
festações de prurido. Esse fato também já foi moti-
vo de discussão por diferentes autores, porém acei-
ta-se que o trauma com os membros (modo clássico
de manifestação de prurido), lamber, roçarem pare-
des ou fômites, além do ato de mordiscar, sejam
atualmente considerados como diferentes maneiras
pelas quais o animal pode aliviar o prurido.
Localização do prurido. Finalmente, pode-se
cobrar do proprietário o local mais traumatizado
pelo animal através do ato de se coçar. Detendo
essa informação, o clínico irá buscar lesões derma-
tológicas nessas regiões indicadas pelos proprie-
tários.
Na abordagem do quadro, sempre deve ser leva-
do em consideração que as manifestações de prurido
representam reações autotraumáticas do animal, ofe-
recendo como padrão de lesões de pele parecido inde-
pendentemente da etiologia do processo pruriginoso,
dando relativo sentido à frase: "... em dermatologia os
quadros são muito parecidos."
Seguramente é o sintoma mais importante da
dermatologia veterinária, não somente por ser aquele
que mais incomoda ao paciente e conseqíientemente
seu proprietário, mas principalmente pelo fato de
ser um grande divisor, pois existem as dermatopatias
Tabela 12.3 - Alguns exemplos de dermatopatias e sua associação à presença e
intensidade de prurido.
Dermatopatia Presença de prurido Intensidade do prurido
Escabiose Demodicidose
Atopia
Hiperadrenocorticismo
Dermatofitose
Sim Não Sim Não
Geralmente não Severo Moderado a
severo Leve (se
ocorrer)
656 Semiologia Veterinária: A Arte do Diagnóstico
nas quais o prurido está presente e as outras em
que não há a presença do sintoma.
O clínico deve, após o término do exame, listar
os diagnósticos prováveis, porém o mais correio
seria que existissem duas listas, uma com quadros
cutâneos que classicamente são pruriginosos, ou-
tras com quadros em que se sabe que não há en-
volvimento de prurido (Tabela 12.3). Se a aborda-
gem for precisa na determinação da ocorrência desse
importante sintoma, a possibilidade de êxito no
diagnóstico será infinitamente maior.
Sintomas relacionados a outros órgãos. Mesmo que
o enfoque seja dermatológico, o veterinário deve
obter informações do proprietário referentes a
diferentes sistemas da economia corporal, uma vez
que alguns quadros, mormente os de origem en-
dócrina, podem apresentar sintomas aparentemente
não relacionados com o tegumento. Gomo exem-
plo: hipotireoidismo, o animal apresentará sono-
lência, polifagia, termofilia e ganho de peso; hipera-
drenocorticismo, cujos sintomas como polidipsia
e poliúria, polifagia, dispneia, galactorréia entre
outros, além das dermatopatias sexuais que fre-
quentemente estão associadas a quadros de au-
mento ou diminuição da libido.
Destaca-se que quando a pessoa que procura
o veterinário não é o proprietário ou tratador, ou
tem pouco contato com o animal em questão, a
anamnese muito pobre pode prejudicar de forma
imensurável a conclusão diagnostica.
EXAME FlSICO
Somente após toda a identificação e a anamnese,
a despeito da insistência do proprietário, o clínico
irá proceder ao exame mais detalhado das lesões
de pele e caracterizá-las, para que se consiga unir
todas as informações e propor um ou mais diagnós-
ticos. Os meios semiológicos que podemos utili-
zar no exame físico da pele são palpação, olfação,
inspeção direta e indireta.
corpo do animal, podendo apresentar aumento ou
diminuição na dependência de alterações fisiológi-
cas, como exercícios ou patológicas, como inflama-
ção de uma determinada região. A característica de
elasticidade da pele é utilizada no cotidiano da clínica
médica para a determinação do grau de hidratação
ou desidratação apresentado pelo animal.
Na identificação de aumento de volume, o clí-
nico deve avaliar a consistência classicamente como
em outros órgãos. Porém o clínico deve dispensar
atenção especial ao edema e ao enfisema.
O edema (aumento de líquido no interstício)
pode ser generalizado, indicando uma doença sis-
témica (cardiopatia ou hipoproteinemia, por exem-
plo) ou localizado, indicando realmente um qua-
dro dermatológico. Em se identificando um enfise-
ma o veterinário deve avaliar se este se trata de um
quadro aspirado, decorrente de perfuração de vias
aéreas superiores e consequente extravasamento de
ar para o tecido subcutâneo, ou autóctone, decorren-
te de acúmulo de gases produzidos por bactérias,
geralmente do género Clostridium.
Através desse meio semiológico, utilizando-
se da digitopressão, pode-se diferenciar o eritema
da púrpura, duas lesões de coloração vermelha na
pele, sendo que o eritema volta a adquirir a colo-
ração normal da pele após a pressão e a púrpura
não cede a esta compressão, permanecendo com a
coloração avermelhada.
Finalmente, o recurso da palpação pode ser
realizado quando se quer estimular o prurido. Tem
fundamental importância quando o veterinário
percebe não poder confiar plenamente nas infor-
mações relatadas na anamnese, ou ainda quando
quer confrontar suas observações com as informa-
ções passadas referentes à presença do prurido.
Pode-se então friccionar a borda do pavilhão auri-
cular (Fig. 12.3), ou ainda com os dedos coçar uma
região do animal que se quer investigar. Se o qua-
dro for pruriginoso o animal responderá com os
membros com uma mímica de prurido.
Palpação
A palpação deve ser utilizada no exame der-
matológico para que sejam determinados aspec-
tos de sensibilidade das lesões, volume, espessu-
ra, elasticidade, temperatura, consistência e ca-
racterísticas como umidade e untuosidade da pele.
A temperatura da pele deve ser aferida com o
dorso das mãos e deve ter a mesma temperatura do
Olfação
Meio semiológico muito utilizado na clínica
dermatológica. É, porém, um meio semiológico muito
ligado à experiência profissional e extremamente
particular de cada pessoa. Entretanto, com o treina-
mento e o passar dos anos, o clínico pode encontrar
um grande auxílio diagnóstico na identificação de
alguns quadros específicos pela olfação. O exemplo
mais clássico seria a miíase, pois muitas vezes sem
Figura 12.3 - Cão, Poodle, Cf de 7 meses de idade, com
reflexo otopedal positivo.
identificar o quadro completamcnte e apenas no
primeiro contato o veterinário pode incluir no seu
diagnóstico diferencial esta parasitose, guiado ape-
nas pelo odor exalado pela enfermidade.
Inspeção Direta
A inspeção direta é a principal orientação do
dermatologista veterinário para a elaboração do
diagnóstico. Erra ou não é um admirador da se-
miologia dermatológica aquele que afirma que as
dermatopatias são todas parecidas. As diferentes
características e particularidades das lesões cutâ-
neas são importantes e indispensáveis para a ca-
racterização de um quadro dermatológico. Uma
pequena nuance de uma lesão para outra pode
mudar o rumo de um diagnóstico.
A inspeção direta deve ser realizada em am-
biente muito bem iluminado por luz branca ou
natural. O primeiro contato visual deve ser feito a
1,5 a 2 metros de distância para que se verifique,
além da distribuição, a gravidade do quadro e to-
das as regiões anatómicas acometidas. Somente após
esta abordagem inicial é que o animal deve ser
contido adequadamente para a realização da ins-
peção direta pormenorizada. Nessa observação a
distância, o clínico pode observar o comportamento
do animal e verificar a presença ou não de pruri-
do, confrontando com a informação já obtida na
anamnese. Vale ressaltar que, por não apresentar
prurido no momento do atendimento, não signifi-
ca que o quadro não seja pruriginoso, pois em con-
Semiologia da Pele 657
dições de estresse e medo é freqiicnte que os animais não apresentem este sintoma.
Essa distância também é ideal para que se
evidenciem os pêlos c as falhas no recobrimento
piloso mas, para que possam ser consideradas
patológicas, devemos nos lembrar da espécie e da
raça em questão.
Suínos. Apresentam normalmente recobrimento
piloso pouco denso.
Equinos. Apresentam ausência de pêlos
(alopecia) nas regiões abdominal ventral, axilar e
na face interna do pavilhão auricular.
Caprinos e bovinos. Apresentam ausência de pêlos (alopecia) nas regiões abdominal ventral, axilar e
na face interna do pavilhão auricular.
Ovinos. Apresentam farto recobrimento piloso
em toda a superfície corporal.
Caninos. A maioria apresenta ausência de pêlos
(alopecia) nas regiões abdominal ventral, axilar e
na face interna do pavilhão auricular. Porém há ra-
ças nas quais há recobrimento piloso em toda a
superfície corporal, como o husky siberiano, chow-
chow, samoicda entre outros. Finalmente, as raças
que apresentam grandes áreas de alopecia fisioló-
gica, como os cães da raça dachshund e pinscher, que apresentam falhas no recobrimento piloso na
região da face externa do pavilhão auricular, cervi-
cal ventral, torácica ventral e abdominal ventral; e
cães da raça pelado mexicano, que apresentam
recobrimento piloso apenas nas extremidades.
Felinos. A maioria apresenta ausência de pêlos
(alopecia) na face interna do pavilhão auricular. Po-
rém, há raças nas quais há recobrimento piloso em
toda a superfície corporal, como o gato persa. Há,
particularmente, no gato doméstico brasileiro (sem
raça definida), uma faixa de rarefação pilosa entre a
região de órbita e a base do pavilhão auricular. Fi-nalmente, também entre os felinos, existem os
animais da raça devon rex que se apresentam sem
recobrimento piloso em toda a superfície cutânea.
É indispensável que o veterinário conheça
detalhadamente essas características particulares
de cada raça para que não cometa erros de inter-
pretação do exame físico com consequente erro
de diagnóstico. Todas as falhas no pelame eviden-
ciadas e que não correspondem à normalidade levam
à constatação de que se trata de falhas (alopecia
ou rarefação pilosa) patológicas. Ainda, como já
referido, o clínico deve conhecer intimamente as características do crescimento e trocas sazonais do
pelame de cada raça e espécie, para que possa
diferenciar quadros de perda exagerada de pelame
daqueles de trocas fisiológicas, como já citado no
item "Ciclo do pêlo".
658 Semiologia Veterinária: A Arte do Diagnóstico
A coloração da pele também deve ser analisada.
Essa observação pode ser feita nas regiões desprovi-
das de pelame, que variam nas diferentes espécies.
Cianose, icterícia, palidez e hiperemia podem ofere-
cer informações importantes sobre o estado geral do
paciente. A pele fisiologicamente é de coloração rósea.
Outro aspecto que pode ser conferido é a presença da
sudorese, que pode estar aumentada - hiperidrose,
diminuída—hípoidrose ou mesmo ausente—anidrose. A
quantidade de sudorese e a região anatómica onde
ocorre varia de espécie para espécie.
O principal enfoque na inspeção direta deve
ser a observação detalhada das lesões cutâneas, sua
caracterização e sua classificação sob diferentes
aspectos. Uma mesma lesão pode ser classificada
de diferentes maneiras, como uma pessoa, por
exemplo, pode ser classificada quanto a altura, o
peso, a cor dos olhos, o sexo, a idade, etc.
Classificação das Lesões Cutâneas
As reações da pele às doenças traduzem-se por
número limitado de respostas, que se constituem
nas lesões cutâneas. São as letras do alfabeto der-
matológico. Assim como da união de letras formam-
se palavras e destas, frases e destas, textos e, fi-
nalmente, livros, da combinação das lesões formam-
se síndromes e afecções.
As lesões de pele podem ser classificadas quan-
to à distribuição, configuração, topografia, profun-
didade e morfologia, essa última também deno-
minada lesões elementares. Estas alterações de-
vem ser anotadas num quadro esquemático na ficha
clínica (Fig. 12.4).
Distribuição
Quanto à distribuição as lesões podem se clas-
sificadas em localizadas, disseminadas, generali-
zadas. Fica clara a importância de tal classifica-
ção quando se constata que alguns quadros mór-
bidos são representados por lesões localizadas e
outros por lesões disseminadas ou generalizadas.
Há ainda casos como o da demodicidose canina,
na qual o prognóstico é dado na dependência da
distribuição da doença. De uma maneira geral os
quadros de demodicidose localizada apresentam
melhor prognóstico quando comparados aos qua-
dros generalizados.
Alguns autores não são claros em determinar
exatamente a transição de uma classificação para
outra. Na opinião do autor pode-se classificar da
seguinte maneira:
• Localizada: de uma a cinco lesões cutâneas in
dividualizadas.
• Disseminada: mais de cinco lesões cutâneas in
dividualizadas.
• Generalizada: acometimento difuso de mais que
60% da superfície corporal do animal.
• Universal: comprometimento total da superfí
cie corporal do animal.
Topografia
Esta classificação é feita de uma lesão em
relação à outra. Classificam-se em simétricas ou
assimétricas, encontrando particular importância
nos quadros hormonais, que geralmente são repre-
sentados por perdas de pêlos simétricas. O clínico
não deve esquecer que esta classificação é mais
uma ajuda na determinação do diagnóstico, não
deixando se guiar apenas pela topografia, uma vez
que a dermatite alérgica a picadas de pulga fre-
quentemente vem associada a uma lesão alopécica,
pruriginosa e triangular (conseqúentemente simé-
trica) em região lombossacral e não se trata de uma
dermatose endócrina.
Profundidade
Recebe igual importância a classificação das
lesões em superficiais e profundas, pois além da
correlação com determinadas dermatopatias, o prog-
nóstico e a gravidade do quadro podem estar liga-
dos à profundidade da lesão. Geralmente os qua-
dros mais brandos são superficiais e os mais gra-
ves, profundos. Os autores adotam este critério
Figura 12.4 - Representação esquemática para a anotação
em região anatómica das lesões cutâneas reconhecidas
durante o exame físico.
Semiologia da Pele 659
na classificação de uma das mais importantes piodermitcs - a foliculite, classificando-a em su-perficial e profunda, indicando até diferenças te-rapêuticas para cada um dos quadros.
Configuração
A configuração (também denominada forma ou contorno) das lesões caracteriza-se num impor-tante guia ao diagnóstico, pois algumas lesões apresentam-se com formato classicamente asso-ciado a dermatopatias, orientando o clínico vete-rinário na elucidação da enfermidade. Na Tabela 12.4 estão relacionadas algumas configurações lesionais e dermatopatias associadas.
Morfologia - Lesões Elementares Cutâneas
É a classificação mais importante na semio-logia dermatológica, que permitirá ao clínico no-mear as lesões. A classificação adotada foi propos-ta pelos professores e médicos Sampaio e Rivitti, adaptada para a dermatologia veterinária pelo pro-fessor Larsson.
Considerando-se os aspectos morfológicos, as lesões cutâneas podem ser agrupadas cm cinco grupos distintos:
• Alterações de cor. • Alterações de espessura. » Formações sólidas.
* Coleções líquidas. * Perdas e reparações teciduais.
Alterações de Cor
São representadas pelas manchas ou máculas planas sem relevo ou depressão. As manchas vásculo-sangúíneas ocorrem por vasodilatação ou pelo ex-travasamento de hemácias, já as pigmentares ou
Tabela 12.4 - Associação da configuração das lesões com algumas dermatopatias.
————..._
Configuração Dermatopatia
Circular Dermatofitose, demodicidose localizada Iridiforme Dermatofitose Geográfica Larva migrans cutânea Cotada Dermatofilose Linear Granuloma eosinofílico felino Numular Histiocitoma, mastocitoma Arciforme Linfoma cutâneo Puntiforme Dermatite miliar dos felinos
discrômicas ocorrem por aumento ou diminuição de melanina ou ainda depósito de outros pigmen-
tos na derme (mancha artificial-tatuagem).
Manchas Vásculo-sangúíneas
Eritema (Fig. 12.5). Coloração avermelhada da pele decorrente de vasodilatação. O eritema volta
à coloração normal quando submetido a
digitopressão ou vitropressão.
Significado clínico: geralmente ocorre em dermatopatias inflamatórias e frequentemente estão
associados a quadros pruriginosos.
O eritema pode ainda ser classificado pela tonalidade da cor, temperatura, localização, extensão
e evolução em:
* Cianose: eritema arroxeado, por congestão pas
siva ou venosa, com diminuição da tempera
tura.
» Enantema: eritema de mucosa.
» Exantema: eritema disseminado, agudo e efémero.
* Eritrodermia: eritema crónico, geralmente acompanhado de descamação.
» Mancha lívida: cor plúmbea, do pálido ao azulado, temperatura fria, por isquemia.
* Mancha anêmica: mancha branca, permanente,
por agenesia vascular. A vitropressão iguala a
área subjacente à mancha, mostrando haver
diminuição ou ausência de vasos sanguíneos.
Figura 12.5 - Cão, Dálmata, Q de 11 meses de idade, com
eritema generalizado. Caso de demodicidose.
660 Semiologia Veterinária: A Arte do Diagnóstico
O eritcma também pode receber nomes
particulares relacionado-o a sua forma, como eri-
tema puntiforme, lenticular, em placa (tamanho
do punho), placar (tamanho da mão) ou, ainda,
em lençol (grandes áreas da superfície corporal).
Púrpura (Fig. 12.6). Coloração avermelhada da
pele decorrente de extravasamento de hemácias
na derme. Na evolução adquire sucessivamente cor
arroxeada e verde-amarelada, pela alteração da
hemoglobina. A púrpura não volta à coloração normal
quando submetida à digitopressão ou vitropressão.
Não há diferença morfológica entre púrpura e
eritema, ambos são iguais, a diferença é observada
apenas na vitropressão.
Significado clínico: ocorre ou por ruptura trau-
mática de pequenos vasos ou por coagulopatias.
• Petéquia: púrpura de até l cm de diâmetro.
• Equimose: púrpura maior que l cm de diâmetro.
• Víbice: púrpura linear.
Te/atigiectasia(Fig. 12.7). Evidenciação dos va-
sos cutâneos através da pele, decorrente do seu
adelgaçamento. Os vasos revelam-se sinuosos.
Significado clínico: atrofia cutânea. Ocorre fre-
quentemente em casos de hiperadrenocorticismo
e cicatrização atrófica.
Manchas Pigmentares ou Discrômicas
Hipopigmentação ou hipocromia(¥\g. 12.8). Di-
minuição do pigmento melânico.
Acromia (Fig. 12.8). Ausência do pigmento
melânico, também denominada leucodermia.
Figura 12.7 - Cão, Yorkshire, Q de 8 anos de idade, com
telangiectasia decorrente de hiperadrenocorticismo.
Figura 12.8 - Cão, Rottweiller, CJ de 2 anos de idade, com
lesões de hipocromia e acromia. Caso de vitiligo.
Figura 12.6 - Cão, SRD, 5 anos de idade, com púrpuras.
Caso de intoxicação por dicumarínico.
Significado clínico de ambas: perda do pigmento
por lesão dos melanócitos (exemplo: após criote-
rapia), ou imunidade contra os melanócitos, como
nas dermatopatias auto-imunes e vitiligo.
Hiperpigmentação ou hipercromia (Figs. 12.9 e
12.10). Aumento de pigmento de qualquer natu-
reza na pele (hemossiderina, pigmentos biliares,
caroteno e tatuagem). Quando decorrente do au-
mento de melanina, o termo mais apropriado é
melanodermia, que pode se apresentar com diferen-
tes tonalidades de castanho como claro, escuro, azul-
acastanhado e preto.
Significado clínico do aumento da melanina: der-
matopatia crónica.
Há ainda a mancha senil decorrente da maior de-
posição de melanina em indivíduos de idade avança-
da. Geralmente ocorre na região abdominal ventral
nos animais e na região dorsal das mãos nos humanos.
Semiologia da Pele 661
Figura 12.9 - Cão, SRD, Q de 3 anos de idade, com lesão
alopécica e hiperpigmentada em caso crónico de derma-
tofitose
Figura 12.11 - Cão, SRD, <3 com 5 meses de idade, com
pápulas múltiplas, com foliculite.
Figura 12.12 - Cão, SRD, C? de 11 meses de idade, com
lesões papulares e eritematosas coalescendo e formando
placas. Caso de pênfigo foliáceo.
Figura 12.10 - Cão, SRD, Õ de 7 anos de idade, com lesão
alopécica e hiperpigmentada em caso de DAPP.
Formações Sólidas
Significado clínico: as formações sólidas re-sultam de processo inflamatório, infeccioso ou ne-oplásico, atingindo, isolada ou conjuntamente, a epiderme, derme e hipoderme. Podem ser clas-sificados em:
Pápula (Fig. 12.11). Lesão sólida circunscrita, elevada, que pode medir até l cm de diâmetro.
Placa (Fig. 12.12). Área elevada da pele com mais de 2cm de diâmetro, geralmente pelo coa-lescimento de pápulas.
./V&/»/0 (Fig. 12.13). Lesão sólida circunscrita, saliente ou não, de l a 3cm de diâmetro.
Tubérculo. Designação em desuso. Significa pápula ou nódulo que evolui deixando cicatriz.
Figura 12.13 - Felino, Siamês, Q de 2 anos de idade, com
duas lesões nodulares decorrentes de esporotricose.
662 Semiologia Veterinária: A Arte do Diagnóstico
Tumor0unodosidade(¥ig$. 12.14e 12.15). Le-são sólida circunscrita, saliente ou não, de mais de 3cm de diâmetro. O termo tumor deve ser uti-
lizado preferencialmente para neoplasia. Goma (Fig. 12.16). Nódulo ou nodosidade que
sofre depressão ou ulceração na região central e elimina material necrótico. Figura 12.14 - Cão, Pastor Alemão, C? de 7 anos de idade,
com lesão tulmoral. Caso de dermatofibroma.
Figura 12.15 - Felino, SRD, Cf de 4 anos de idade, com
lesão nodular e outra lesão tumoral. Caso de criptococose.
Significado clínico da goma: o mesmo das forma-
ções sólidas e ainda pode haver agente ctiológico en-
volvido no desenvolvimento desse tipo de lesão, como
nas micobacterioses atípicas e micoses profundas.
Vegetação (Fig. 12.17). Lesão sólida, exofítica
(cresce se distanciando da superfície da pele), aver-
melhada e brilhante, pode ocorrer pelo aumento
da camada espinhosa.
Verrucosidade (Fig. 12.18). Lesão sólida, exofítica, acinzentada, áspera,
dura e inelástica, ocor-
Figura 12.17 - Felino, SRD, Q com 5 anos de
idade com lesão vegetante. Caso de
pododermatite plasmocítica felina.
Figura 12.16 - Cão, SRD, Ç de 13 anos de idade, com
lesão em goma. Caso de carcinoma espinocelular. Figura 12.18 - Cão, SRD, C? de 8 meses de idade, com
lesões verrucosas. Caso de papulomatose oral.
Semiologia da Pele 663
ré pelo aumento da camada córnea. Lesão clássica
da papilomatose e sarcóide equino.
Coleções Líquidas
Dentre as coleções líquidas, incluem-se as lesões
com conteúdo seroso, sanguinolento ou purulento.
Vesícula (Fig. 12.19). Elevação circunscrita de
até Icm de diâmetro, contendo líquido claro. Esse
conteúdo inicialmente claro (seroso) pode se tornar
turvo (purulento) ou avermelhado (hemorrágico).
Bolha (F\g. 12.20). Elevação circunscrita mai-
or que Icm de diâmetro, contendo líquido claro.
Púsfu/a(¥ig. 12.21). Elevação circunscrita de
até Icm de diâmetro, contendo pus.
Significado clinico das vesículas e bolhas: ao se de-
parar com esses três tipos lesionais, o clínico deve
incluir no seu plano de diagnóstico as lesões cáus-
ticas, farmacodermias e doenças auto-imunes. Ain-
da no caso das pústulas, além desses três diagnós-
ticos, as piodermites devem ser consideradas.
Figura 12.21 - Cão, Yorkshire, Q com 6 meses de idade,
com pústulas. Caso de impetigo.
Cisto. Formação elevada ou não, constituída
por cavidade fechada envolta por um epitélio e
contendo líquido ou substância semi-sólida.
Abscesso. Formação circunscrita de tamanho
variável, encapsulado, proeminente ou não, con-
tendo líquido purulento na pele ou tecidos subja-
centes. Há calor, dor e flutuação.
Significado clínico: infecção por perfuração ou
via hematógena.
Fltgmão (Fig. 12.22). Aumento de volume de con-
sistência flutuante, não ecapsulado, de tamanho variável,
proeminente ou não, contendo líquido purulento na
pele ou tecidos subjacentes. Há calor e dor.
Significado clínico: infecção por perfuração ou
via hematógena.
Hematoma (Fig. 12.23). Formação circunscrita
de tamanho variável, proeminente ou não, decor-
rente de derramamento sanguíneo na pele ou te-
cidos subjacentes.
Figura 12.20 - Mesmo cão da Figura 12.19 em maior apro-
ximação. Figura 12.22- Felino, Cf de 5 meses de idade, comflegmão,
apresentando pontos de supuração.
Figura 12.19 - Cão, Doberman, Q de 2 anos de idade,
com vesículas e bolhas. Caso de queimadura.
664 Semiologia Veterinária: A Arte do Diagnóstico
Figura 12.23 - Cão, SRD, Cf de 3 anos de idade, com
oto-hematoma. Figura 12.24 - Cão, SRD, C? de 3 anos de idade, com hi-
perqueratose de pavilhão auricular. Caso de escabiose.
Significado clínico: traumatismo. O hematoma
mais frequentemente observado nos carnívoros do-
mésticos é o oto-hematoma, decorrente de trau-
ma por prurido ótico.
Alterações de Espessura
Hiperqueratose ou queratose (Fig. 12.24). Espes-
samento de pele decorrente do aumento da ca-
mada córnea. A pele torna-se áspera, inelástica,
dura c de coloração acinzentada. Denominada
leucoplasia, quando ocorre em mucosas.
Liquemficaçãooulignificação(^\g. 12.25). Espessa-
mento da pele decorrente do aumento da camada mal-
pighiana com acentuação dos sulcos cutâneos, dando
à pele aspecto quadriculado ou em favos de mel.
Significado clínico da queratose e lignificação: pro-
cesso inflamatório crónico ou região de traumas
repetidos (calo ou calosidade).
Edema (Fig. 12.26). Aumento da espessura,
depressível (sinal de Godet), sem alterações de
coloração, decorrente do extravasamento de plas-
ma na derme e/ou hipoderme.
Significado clínico: qualquer processo que leve
a alterações do princípio da hipótese de Starling,
como inflamação aguda, irrigação linfática defi-
ciente, hipoproteinemia ou cardiopatias.
Esclerose. Aumento da consistência da pele, que
se torna lardácea ou coriácea, não é depressível e
o pregueamento é difícil ou impossível; pode se
apresentar hipo ou hipercrômica, decorrente de
fibrose do colágeno.
Cicatriz (Fig. 12.27). Lesão de aspecto variá-
vel, saliente ou deprimida, móvel, retrátil ou ade-
rente. Não apresenta estruturas foliculares, nem
Figura 12.25 - Cão, Dachshund, Q de 6 anos de idade,
com alopecia e hiperqueratose. Caso de disqueratinização
com infecção secundária por Malassezia pachydermatis.
Figura 12.26 - Cão, SRD, C? de 8 meses de idade, com
alpecia e edema. Caso de demodicidose.
Semiologia da Pele 665
Figura 12.27 - Equino, Cf de 12 anos de idade, com cica-
triz em pós-operatório de crioterapia.
sulcos cutâneos, decorrente de reparação de pro-
cesso destrutivo da pele. Associa atrofia, fibrose e
discromia.
Perdas Teciduais e Reparações São lesões decorrentes de eliminação ou des-
truição patológicas do tecido cutâneo.
Escama (Fig. 12.28). Placas de células da ca-
mada córnea que se desprendem da superfície cu-
tânea, por alteração da queratinização. Podem ser
classificadas em farinácea, furfurácea ou micácca.
Significado clínico: queratinização precoce ou
aumento da epidermopoiese, decorrentes de fa-
tores genéticos, processos inflamatórios ou me-
tabólicos. Erosão ou exulceração (Fig. 12.29). Perda superfi-
cial da epiderme ou de camadas da epiderme.
Figura 12.29 - Cão, C? de 2 anos de idade, com exulceração.
Caso de LED.
Escoriação (Fig. 12.30). Erosão linear e geral-
mente decorrente de lesão auto-traumática pruri-
ginosa. Ulceração (Figs. 12.31 e 12.32). Perda circuns-
crita da epiderme e derme, podendo atingir a hi-
poderme e tecidos subjacentes.
Úlcera. Sinónimo de ulceração crónica. Deno-
mina-se de úlcera tenebrante, aquelas muito profun-
das.
Colarinho epidérmico (¥\g. 12.33). Fragmento de
epiderme circular que resta aderido à pele após a
ruptura de vesículas, bolhas ou pústulas. Significado clínico das exulcerações e ulcerações: perda
traumática de tecido; quando cónicas, as neopla-
sias e a presença de agentes etiológicos bacteria-
nos e fúngicos devem ser considerados.
Figura 12.28 - Cão, Q de 7 anos de idade, com descama-
ção. Caso de disqueratinização ("seborréia seca"). Figura 12.30 - Cão, Cf de 1 ano de idade, com escoriação.
Caso de escabiose.
666 Semiologia Veterinária: A Arte do Diagnóstico
Figura 12.31 - Cão, Pastor Alemão, Cf de 5 anos de idade,
com úlcera. Caso de reação à injeção de enrofloxacina.
Afta. Pequena ulceração em mucosa. Fissura ou ragádia. Perda linear da epiderme,
ao redor de orifícios naturais ou em área de prega ou dobras.
Crosta (Fig. 12.34). Concreção amarelo-clara (crosta melicérica), esverdeada ou vermelha escura (crosta hemorrágica), que se forma em área de perda tecidual, decorrente do dessecamento de sero-sidade, pus ou sangue, além de restos epiteliais.
Escara (Fig. 12.35). Área de cor lívida ou pre-ta, limitada por necrose tecidual. O termo tam-bém é empregado para designar a eliminação do esfacelo (porção central e necrosada da escara).
Significado clínico: morte tecidual por reação a injeção, crioterapia ou decúbito prolongado.
Fístulas (Fig. 12.36). Canal com pertuito na pele que drena foco de supuração ou necrose e elimina material purulento ou sanguinolento.
Figura 12.32 - Felino, SRD, Q de 3 anos de idade, com
úlcera. Caso de úlcera eosinofílica.
Figura 12.34-Cão, SRD, Q de 14 anos de idade, com crostas
hemorrágicas. Caso de metástase cutânea de adeno-
carcinoma mamário.
Figura 12.33 - Cão, Yorkshire, Cf de 6 anos de idade, com
colarinho epidérmico. Caso de foliculite superficial. Figura 12.35 - Bovino, Q de 6 anos de idade, com escaras
e úlcera em pós-operatório de crioterapia.
Semiologia da Pele 667
Figura 12.36 - Cão, Pastor Alemão, Cf de 7 anos de idade,
com fístulas perianais. Figura 12.37 - Felino, Q de 9 anos de idade, com chifre
cutâneo. Caso de carcinoma espinocelular.
Significado clínico: presença de foco infeccio-so ou corpo estranho em tecidos subjacentes.
Lesões Associadas
As lesões elementares anteriormente des-critas podem ocorrer isoladamente ou associa-das umas às outras. Existe, assim, uma série de termos descritivos que podem ser utilizados, como lesões papulocrostosas, eritêmato-papulosas, vesiculobolhosas, ulcerocrostosas entre outras.
Lesões Particulares
Existem algumas lesões que acabam por não pertencer a nenhum dos cinco grupos lesionais e
são tidas como lesões especiais ou sinais especí-
ficos.
Celulite. Inflamação da derme e/ou do tecido
subcutâneo.
Comedo. Acúmulo de corneócitos no infundí-
bulo folicular (cravo branco) ou de queratina e sebum
em um folículo piloso dilatado (cravo preto).
Corno (Fig. 12.37). Excrescência cutânea cir-cunscrita e elevada, formada por queratina. É o
grau máximo de uma hiperqueratose.
Milium (mtlio). Pequeno cisto de queratina
branco-amarelado, na superfície da pele. i
Sinais Específicos da Dermatologia
Sinal de Nikolsky. Pressão friccionai sobre a pele,
determinando a separação da epiderme. Caracte-
rístico dos pênfigos e dermatoses por acantólise.
Sinal de Godet ou cacifo. Pressão sobre a pele obtendo-se depressão. Na presença de edema, a depressão permanece, mesmo quando não se exerce mais a pressão.
Sinal de Auspitz. Surgimento de pontos ou ponteado hemorrágico quando se raspam as esca-mas, numa área recoberta por escamas.
Sinal de Larsson. Fricção dos pêlos contra o sentido de crescimento, evidenciando acúmulos paralelos de escamas, característico dos quadros de disqueratinização.
Inspeçao Indireta
Na dermatologia veterinária, os exames sub-sidiários são quase na sua totalidade métodos de inspeção indireta. Alguns são obtidos imediatamen-te, outros necessitam de algum tempo para a obten-ção de resultados. De uma maneira geral, são con-siderados exames complementares ao exame físi-co, indispensáveis no diagnóstico definitivo das dermatopatias.
D/ascop/a ou Vitropressão
Feita com lâmina de vidro ou lupa onde se exerce uma pressão sobre a lesão que se quer in-vestigar, para provocar isquemia da mesma. Indi-cada para diferenciar eritema de púrpura. Onde o eritema cede a diascopia, ou seja, adquire a mes-ma coloração da pele subjacente, no caso da púr-pura a pele continua com coloração vermelha, não cedendo a diascopia.
668 Semiologia Veterinária: A Arte do Diagnóstico
Luz de Wood
A lâmpada de Wood tem um arco de mercú-
rio que emite radiações ultravioleta. O vidro as-
sociado a esta lupa diferenciada é de silicato de
bário, com 9% de óxido de níquel, que deixa passar
unicamente radiações de 340 a 450nm, similares
às emitidas nas lâmpadas fluorescentes tipo luz
negra. O exame deve ser realizado em sala escura
para a verificação de fluorescência e a lâmpada deve
ser ligada c aquecida durante 5 minutos antes do
exame propriamente dito. É empregada na diagnose
das dermatofitoses.
Nos casos de dermatofitose provocada pelo
Microsporum canis, a luz de Wood pode provocar a
fluorescência verde brilhante (Fig. 12.38) dos pê-
los acometidos por essa espécie fúngica, provoca-
da por alguns pigmentos existentes nas hifas. Po-
rém essa fluorescência somente ocorre em aproxi-
madamente 60% dos animais examinados. Há ainda
a possibilidade de fluorescências falsas (falso po-
sitivo) em produtos tópicos derivados de petróleo
(fluorescência azulada), infecções por Pseudomo-
nas spp. (alaranjado) e escamas e crostas, que podem
determinar fluorescência amarelada, não se tratando
de casos de microsporíase.
Deve-se destacar que a dermatofitose cons-
titui uma micose superficial causada pelos
dermatófitos nas diferentes espécies animais.
As principais espécies fúngicas dos animais do-
mésticos são o Microsporum canis, Microsporum
gypseum, Trichophyton mentagrophytes, Trichophyton
equinum e Trichophyton verrucosum. Apenas o
Microsporum canis apresenta a fluorescência à luz
de Wood.
A luz de Wood é de grande valia na clínica der-
matológica de pequenos animais pois, nos carnívoros
domésticos, o principal dcrmatófito é o M.canis. Essa
técnica diagnostica representa um importante exa-
me de triagem nas dermatofitoses de cães e gatos.
Teste da Fita Adesiva
Esse teste, também de grande valia na clínica
veterinária, deve ser realizado com fita adesiva e
tem como indicação a busca de ectoparasitas e seus
ovos. A fita deve ser colada e descolada várias vezes
e em várias regiões do corpo do animal, posterior-
mente a fita é posta sobre a lâmina. O material deve
ser levado ao microscópio óptico para ser analisado
e constatada ou não a presença de parasitas. Esse
teste tem importância nos casos de cheiletielose.
Pode ser utilizado como técnica de coleta de mate-rial para exame citológico que será abordado a seguir.
fxame D/refo t/o Pe/ame
Um exame muito executado, porém contro-
verso na clínica médica dermatológica, é o exame
direto do pelame.
Material necessário:
• Lâmina de vidro.
• Lamínula.
• Potassa a 10%.
• Microscópio óptico.
E indicado para a observação de esporos
fúngicos, mormente de dermatófitos, "parasitando"
os pêlos do animal examinado. Os pêlos devem
ser removidos da periferia das lesões alopécicas,
pois se sabe que o substrato do dermatófito é a
queratina. Sendo assim, as lesões alopécicas apre-
sentam crescimento centrífugo e os pêlos da pe-
riferia são os mais acometidos pela micose. Outra
possibilidade é submeter o animal à luz de Wood
e coletar os pêlos que se revelaram fluorescentes,
pois esses são os pêlos infectados. Este material
coletado é acrescido de KOH a 10% em lâmina de
vidro, aquecido em chama por 15 a 20 segundos e,
posteriormente, analisado em microscópio óptico.
Este exame é controverso, pois o clínico deve ter
conhecimento de que o diagnóstico de dermato-
fitose é dado apenas quando os esporos se dispõem
nos clássicos parasitismos ectotrix e endotrix. Quando
nesse exame são evidenciados esporos de fungos
dispersos pela lâmina, o diagnóstico de dermato-
fitose não deve ser dado, pois os esporos obser-
Figura 12.38 - Felino, Q de 7 meses de idade, com fluo-
rescência à luz de Wood. Caso de dermatofitose pelo
M. canis.
Semiologia da Pele 669
vados podem ser esporos de fungos pertencentes
à microbiota fúngica normal dos animais domés-
ticos. O veterinário deve ter muito treino para a
realização desse exame. Deve-se desatacar que
não é possível a identificação da espécie de
dermatófito por esse exame, nem tampouco a iden-
tificação de macroconídeos (estrutura de repro-
dução sexuada), que somente podem ser obser-
vados em crescimento nos meios de cultura en-
riquecidos.
Tricograma
Tricograma é um exame que avalia o ciclo
biológico do pêlo em um determinado momento,
assim como suas alterações fisiológicas e anatómi-
cas. É o exame detalhado do bulbo, da haste e da
extremidade dos pêlos. Tem particular importân-
cia na determinação da alopecia auto-induzida,
doença do mutante de cor, displasia folicular, tricorrexis nodosa, pili torti, defluxo anagênico e
defluxo telogênico nas dermatopatias endócrinas,
além de defeitos de pigmentação (Tabela 12.5).
O material (pêlos) deve ser obtido prendendo-se
uma pinça hemostática em aproximadamente 50
pêlos, que devem ser removidos todos de uma vez
e no sentido de seu crescimento. Posteriormente,
os pêlos devem ser postos em uma lâmina de vi-
dro, todos no mesmo sentido e direção, para que
o clínico possa avaliar todos os bulbos, as hastes e
as extremidades de uma vez. Finalmente devem
ser analisados ao microscópio óptico. Esse proce-dimento proporciona a avaliação: do estágio do ciclo
do pêlo (anágeno ou telógeno); condição da ex-
tremidade do pêlo (quebrada ou íntegra); estado
da haste, que pode conter várias alterações de
pigmentação, esporos de fungos e escamas aderi-
dos, além de defeitos cuticulares como na displa-
sia folicular.
Uma das principais e mais simples indicações
do tricograma é a determinação se uma certa re-
gião de rarefação pilosa é decorrente de queda de
pêlos ou de prurido provocado pelo animal, quan-
do a anamnese não elucidou complctamente este
fato. Na análise das extremidades dos pêlos, se es-
tiverem quebrados, fica estabelecido que o qua-
dro é pruriginoso e provavelmente os pêlos foram
removidos por lambedura ou mordedura. Quando as extremidades se encontrarem íntegras, conclui-
se que o quadro não é pruriginoso e está havendo
uma queda exagerada de pêlos naquela região.
Parasitológico de Raspado Cutâneo
Uma das técnicas mais executadas na derma-tologia veterinária, com grande importância no auxílio do diagnóstico, para a identificação de para-sitas dos géneros Demodex, Sarcoptes, Psoroptes, Notoedris e Cheyletiella.
Material necessário:
• Lâmina de bisturi.
• Lâmina de vidro.
• Lamínula.
• Potassa a 10% ou óleo mineral.
• Microscópio óptico.
Indicação l - Sarna Demodécica
Há, na família Demodicidae, várias espécies
de Demodex: Demodex canis, Demodex cati, Demodex
gatoi, Demodex ovis, Demodex equi, Demodex capri, entre
outros. Independentemente da espécie animal
examinada e, conseqiientemente, da espécie de
Demodex procurada, o parasitológico de raspado
cutâneo nos casos de demodicidose deve ser rea-
lizado em lesão representativa do quadro, prefe-
rencialmente em pele íntegra, buscando-se evitar
Tabela 12.5 - Achados do tricograma e dermatoses associadas.
Normal proporção de telógeno e anágeno,
com extremidades fraturadas
Alterações da haste
Todos os pêlos em telógeno
Todos os pêlos em anágeno
Dermatite pruriginosa e
Dermatite psicogênica
Dermatofitose - parasitismo - ectotrix
Pili torti, tricorrexis nodosa Displasia
folicular Doença do mutante de cor
Defluxo telogênico Alopecia
paraneoplásica
Hiperadrenocorticismo
Defluxo anagênico
670 Semiologia Veterinária: A Arte do Diagnóstico
as lesões ulceradas. Com a lâmina de bisturi per-
pendicularmente colocada em contato com a pele
pregueada (entre os dedos do veterinário) o clíni-
co deve fazer movimentos de fricção até obter
material composto por debris celulares e sangue;
conseqúentemente, haverá o sangramento da re-
gião (fato que deve ser comunicado ao proprietá-
rio com antecedência). Após o início do sangra-
mento, a região deve sofrer uma grande pressão
(beliscamento), na tentativa de expulsar os áca-
ros que usualmente ocupam os folículos pilosos e,
em seguida, continuar a coleta. Posteriormente o
material coletado deve ser posto sobre a lâmina,
diluído com KOH a 10% e coberto por lamínula.
Com auxílio dos dedos, lâmina e lamínula devem
ser pressionadas em movimentos de vaivém até
que se obtenha um material translúcido. Esse
material deve ser levado ao microscópio óptico para
ser analisado e constatada ou não a presença de
ácaros desse género. Também podem ser observa-
dos ovos e formas imaturas do parasita.
Interpretação do parasito lógico de raspado cutâneo
nademodícidose. Alguns autores chegam a determi-
nar a quantidade de ácaros que devem ser encon-
trados para que se determine o diagnóstico de
demodicidose pois, habitualmente, o ácaro faz parte
da microfauna cutânea. Na opinião do autor, a
evidenciação de apenas um ácaro ou mais do gé-
nero Demodex em lesões sugestivas da doença con-
firma o diagnóstico.
Alguns raspados (no mínimo cinco) devem ser
executados para se considerar que o animal não
apresenta a doença. Cuidados especiais devem ser
tomados quando as lesões se localizam em regiões
anatómicas delicadas, como na região periorbital
nos casos de blefarite demodécica.
É um exame altamente sensível, quando são
evidenciados ácaros do género Demodex. Trata-se
seguramente de um caso de demodicidose e, quando
não são evidenciados ácaros, não há a possibilida-
de do diagnóstico. Duas exceções podem ser con-
sideradas: os cães da raça shar-pei e casos de
pododemodicidose crónicos e com infecção bac-
tcriana secundária. Nesses dois casos, quando o
parasitológico de raspado não evidencia a presen-
ça dos ácaros, o diagnóstico de sarna demodécica
deve ser estabelecido por meio de biopsia seguida
de exame histopatológico da pele.
Indicação II - Sarna Sarcóptica
Há, na família Sarcoptidae, algumas varieda-
des de Sarcoptes scabieí que acometem as espécies
canina, suína, bovina e caprina; acometem tam-
bém, menos frequentemente, cqiiinos e ovinos.
Independentemente da espécie animal examina-
da, o parasitológico de raspado cutâneo nos casos
de sarna sarcóptica deve ser realizado em lesão
representativa do quadro, preferencialmente em
pele íntegra, buscando-se evitar as lesões ulcera-
das. Com a lâmina de bisturi perpendicularmente
colocada em contato com a pele pregueada (entre os
dedos do veterinário), o clínico deve fazer
movimentos de fricção até obter material com-
posto por debris celulares e sangue. Conseqúen-
temente, haverá sangramento da região (fato que
deve ser comunicado ao proprietário com antece-
dência), devido ao comportamento do ácaro de
"cavar" galerias na epiderme. Esse exame deve
ser realizado o mais profundamente possível. Pos-
teriormente o material coletado deve ser posto
sobre a lâmina, diluído com KOH a 10% e cober-
to por lamínula. Com auxílio dos dedos, lâmina e
lamínula devem ser pressionadas em movimen-
tos de vaivém até que se obtenha um material
translúcido. Esse material deve ser levado ao mi-
croscópio óptico para ser analisado e constatada
ou não a presença de ácaros desse género. Tam-
bém podem ser observados ovos.
As lesões de escabiose frequentemente se
localizam na borda de pavilhões auriculares, mor-
mente na espécie canina. Sendo assim, o clínico
deve ter cuidado ao raspar esta região com lâmina
de bisturi e o cão deve estar devidamente contido
para que se evitem acidentes.
Diferentemente do que ocorre na demodi-
cidose, na escabiose (sarna sarcóptica), mesmo
realizando-se vários raspados cutâneos, o ácaro pode
não ser evidenciado, mas esse fato não afasta o
diagnóstico de sarna sarcóptica. Conseqúentemen-
te, quando o veterinário suspeita dessa dermato-
patia, mesmo sem a confirmação da presença dos
ácaros, o animal deve ser tratado.
Indicação III - Sarna Notoédrica dos Felinos
Também conhecida como escabiose dos
felinos, é causada pelo Notoedrís cati, ácaro per-
tencente à família Sarcoptidae. O parasitológico
de raspado cutâneo deve ser realizado cm lesões
representativas do quadro (que, neste caso, são
praticamente restritas à região cefálica), prefe-
rencialmente em pele íntegra, buscando-se evi-
tar as lesões ulceradas. Com a lâmina de bisturi
perpendicularmente colocada em contato com a
pele pregueada (entre os dedos do veterinário),
Semiologia da Pele 671
o clínico deve fa/er movimentos de fricção até
obter material composto por debris celulares e
sangue. Conseqiientemente haverá o sangramento
da região (fato que deve ser comunicado ao pro-
prietário com antecedência), devido ao compor-
tamento do ácaro de "cavar" galerias na epider-
me. Este exame deve ser realizado o mais pro-
fundamente possível. Posteriormente, o material
coletado deve ser posto sobre a lâmina, diluído
com KOH a 10% e coberto por lamínula. Com
auxílio dos dedos, lâmina e lamínula devem ser
pressionadas em movimentos de vaivém até que
se obtenha um material translúcido. Esse mate-
rial deve ser levado ao microscópio óptico para
ser analisado e constatada ou não a presença de
ácaros desse género. Também podem ser obser-
vados ovos.
Cuidados especiais devem ser tomados quan-
do as lesões se localizam em regiões anatómicas
delicadas, como na região periorbital e as bordas
de pavilhões auriculares, uma vez que o quadro
envolve quase exclusivamente a cabeça.
É um exame altamente sensível. Quando são
evidenciados ácaros do género Notoedris, trata-se
seguramente de um caso de sarna notoédrica e,
quando não são evidenciados ácaros, não há a pos-
sibilidade do diagnóstico, mesmo se tratando de uma
escabiose. Neste caso, o diagnóstico será fechado
apenas quando forem evidenciados os ácaros.
Indicação IV - Sarna Psoróptica
A sarna psoróptica acomete as espécies bovi-
na e ovina; acomete também, menos frequen-
temente, equinos e caprinos. Independentemente
da espécie animal examinada, o parasitológico de
raspado cutâneo, nos casos de sarna psoróptica,
deve ser realizado em lesão representativa do
quadro, preferencialmente em pele íntegra, bus-
cando-se evitar as lesões ulceradas. Com a lâmina
de bisturi perpendicularmente colocada em con-
tato com a pele pregueada (entre os dedos do
veterinário), o clínico deve fazer movimentos de
fricção até obter material composto por debris
celulares e sangue. Pela facilidade de evidencia-
ção dos ácaros deste género, o raspado não precisa
ser tão profundo. Posteriormente o material cole-
tado deve ser posto sobre a lâmina, diluído com
KOH a 10% e coberto por lamínula. Com auxílio
dos dedos, lâmina e lamínula devem ser pressio-
nadas em movimentos de vaivém até que se obte-
nha um material translúcido. Esse material deve
ser levado ao microscópio óptico para ser analisa-
do e constatada ou não a presença de ácaros desse
género. Também podem ser observados ovos.
É um exame altamente sensível, uma vez que
os ácaros de psoroptes são grandes e facilmente
evidenciados.
Indicação V - Cheiletielose
A cheiletielose é uma dermatite parasitária
que acomete com frequência felinos, podendo aco-
meter caninos, causada por ácaros da família
Cheyletidae. A espécie mais observada é a Cheyktiella
blakei, porém podem ser evidenciadas as espécies
Cheyktiellayasguri e Cheyletiellaparasitivorax. Esses
ácaros se alimentam de debris celulares e vivem
na superfície da pele. O parasitológico de raspado
cutâneo deve ser realizado em lesões descamativas,
pois frequentemente as escamas, além de estarem
associadas ao quadro, podem ser confundidas com
o parasita, preferencialmente em pele íntegra. Com
a lâmina de bisturi perpendicularmente colocada
em contato com a pele pregueada (entre os dedos
do veterinário), o clínico deve fazer movimentos
leves de fricção até obter material composto por
escamas e debris celulares. O raspado deve ser muito
superficial. Posteriormente o material coletado deve
ser posto sobre a lâmina, diluído com KOH a 10%
e coberto por lamínula e levado ao microscópio óp-
tico para ser analisado e constatada ou não a pre-
sença de ácaros desse género. Também podem
ser observados ovos que invariavelmente estarão
aderidos aos pêlos. Muitas vezes é mais fácil a
evidenciação dos ovos que o parasita propriamente
dito.
Exame Micológico
Muito utilizado na rotina, o exame micoló-
gico encontra várias aplicações na clínica derma-
tológica. Tem fundamental importância na deter-
minação do diagnóstico e terapia de diferentes
quadros provocados por fungos, como a dermato-
fitose, malasseziase, esporotricose e criptococose.
Material necessário:
• Lâmina de vidro.
• Swab.
• Carpetes esterelizados.
• Material de biopsia.
» Cureta.
• Meios de cultura.
• Estufa (necessário ao laboratório).
• Microscópio óptico (necessário ao laboratório).
672 Semiologia Veterinária: A Arte do Diagnóstico
Indicação l - Dermatofitose
A dermatofitose constitui uma micose super-
ficial causada por fungos filamentosos (bolores)
nas diferentes espécies animais. As principais es-
pécies fúngicas dos animais domésticos são o
Microsporum canis, Microsporum gypseum, Trichophyton
mentagrophytes, Trichophyton equinum e Trichophyton
verrucosum.
A dermatofitose classicamente é representa-
da por lesões alopécicas e descamativas de con-
tornos circulares. Quando o clínico suspeita dessa
dermatopatia, o diagnóstico final é dado pelo cul-
tivo e identificação do fungo. O material enviado
ao laboratório deve ser representado por pêlos e
escamas coletados da periferia da lesão alopécica.
Deve ser enviado entre lâminas, em tubo estéril
ou ainda dentro de coletores universais estéreis.
O material deve ser semeado cm placas de Petri
contendo meio de cultura Sabouraud e Sabouraud
acrescido de cicloeximida (impediente de cresci-
mento de fungos saprófitas) a 25"C. Os derma-
tófitos podem crescer em 10 a 21 dias. A identi-
ficação da espécie do dermatófito envolve as ca-
racterísticas morfológicas macroscópicas da cultura
e seu reverso, além das características microscó-
picas de macroconídeos e microconides.
Outro meio de cultura frequentemente citado
na literatura c o DTM - Dermatophyte TestMédium,
que é o meio Sabouraud acrescido de vermelho fenol.
Em poucos dias (3 a 10), o meio que é levemente
amarelado torna-se vermelho, devido à produção de
substâncias alcalinas produzidas pelos dermatófítos,
confirmando o diagnóstico, sem porém confirmar a
espécie em questão. O problema desse teste, além
da impossibilidade de identificação específica, é o
fato de que fungos saprófitas como Aspergil/us spp.,
Mucorspp. e bactérias podem provocar a mudança
de coloração do meio, fazendo com que esse teste
não seja plenamente confiável para a determinação
de um diagnóstico positivo. O método de coleta e
a temperatura são as mesmas já citadas no cultivo
convencional.
Os felinos são a única espécie doméstica que
pode "portar" o Microsporum canis sem apresentar
lesões de pele. Gomo a dermatofitose é uma im-
portante zoonose, não raro são observados proprie-
tários de felinos com lesões sem que seus animais
se apresentem doentes. Nesse caso e quando se
quer identificar gatos "portadores assintomáticos",
para controle da dermatofitose em gatis, a coleta
de material para cultivo deve ser obtida pelo mé-
todo do carpete, que consiste em "pentear" os felinos
com fragmentos de carpetes estéreis que, poste-
riormente, são levados ao meio de cultura. O tem-
po de crescimento dos fungos e a temperatura c
identificação são as mesmas já citadas no cultivo
convencional.
Preparação do carpete. Carpetes de 2mm de
espessura, do tipo forração (agulhado) devem ser
cortados em quadrados de 5x5cm. Devem ser lava-
dos em água corrente por 24 horas, posteriormente
deixados imersos em água destilada por 48 horas, secos
em estufa, embrulhados um a um em papel alumí-
nio e autoclavados.
Independentemente da técnica escolhida para
confirmação da dermatofitose, os animais que já
estiverem submetidos à terapia tópica ou sistémi-
ca devem ser afastados do tratamento por, no míni-
mo, sete dias, para que o material seja coletado.
Indicação II - Dermatite por Malassezia
A dermatite por Malasseziapachydermatis é uma
dermatopatia relevante principalmente em cães.
Os animais acometidos apresentam lesões
descamativas, critematosas ou hiperpigmentadas.
Podem também apresentar essa dermatite em locais
untuosos, como interdígito e pregas cutâneas. O
material enviado ao laboratório deve ser represen-
tado por escamas coletadas da lesão, que devem
ser enviadas entre lâminas, em tubo estéril ou ainda
dentro de coletores universais estéreis, ou ainda
coletadas por swab no caso de lesões untuosas. O
material deve ser semeado em placas de Petri con-
tendo meio de cultura Sabouraud e Sabouraud acres-
cido de cicloeximida (impediente de crescimento
de fungos saprófitas) a 37"C. A Malassezia pachyder-
matis, também denominada Ac Malassezia canis, cresce
em 5 a 7 dias. É uma levedura que se assemelha a
"pegadas" ou "tina d'água", graças ao seu caracte-
rístico brotamento, de fácil identificação e conse-
quente confirmação do diagnóstico. Os animais que
já estiverem submetidos à terapia tópica ou sistémi-
ca devem ser afastados do tratamento por no mí-
nimo sete dias, para que o material seja coletado.
Indicação III - Esporotricose
A esporotricose é uma micose subcutânea que
pode acometer diferentes espécies animais, como
cães, gatos e equinos. É uma importante zoonose
clinicamente representada por lesões nodulares ou
em goma com ou sem secreção. O material envi-
Semiologia da Pele 673
ado ao laboratório deve ser representado por se-
creção coletada por swab ou por fragmento de te-
cido acometido coletado por biopsia. Ambos de-
vem ser enviados imediatamente em tubo estéril
ou ainda dentro de tubos contendo meio líquido
de BHI. O material deve ser semeado em placas
de Petri contendo meio de cultura Sabouraud e
Sabouraud acrescido de ciclocximida (impediente
de crescimento de fungos saprófitas) a 25 e 37°C.
Q Esporothrix schenckii é um fungo dimórfico, cres-
cendo como bolor a 25"C e como levedura a 37°C.
Como levedura tem um formato característico de
charuto ou cigarrete, que permite a confirmação
do diagnóstico.
Indicação IV - Criptococose
A criptococose é uma micose sistémica que
pode acometer os carnívoros domésticos. Clinica-
mente representada por lesões nodulares ou em
goma com ou sem secreção, além de acometimento
pulmonar ou de tecidos neurológicos. O material
enviado ao laboratório deve ser representado por
secreção coletada por swab ou por fragmento de
tecido acometido coletado por biopsia. Ambos
devem ser enviados imediatamente cm tubo es-
téril ou ainda dentro de tubos contendo meio lí-
quido de BHI. O material deve ser semeado em
placas de Petri contendo meio de cultura Sabouraud
a 37°C. O Cryptococcus neoformans é uma levedura
envolta por uma cápsula de mucopolissacárides.
Essa cápsula não se cora, oferecendo a morfologia
característica de "células fantasma" na identifica-
ção microscópica deste fungo.
RAST e ELISA
São duas metodologias de detecção quanti-
tativa de IgE, em soro de animais, para diagnós-
tico diferencial de dermatopatias alérgicas. Esses
testes são indicados para confirmação de diagnós-
tico de DAPP (dermatite alérgica à picada de
pulga), hipersensibilidadc alimentar (HA) e atopia.
Ambos os testes são controversos e algumas con-
siderações devem ser feitas.
DAPP. Os antígenos envolvidos nessa derma-
topatia estão presentes como antígenos comple-
tos e como haptenos, na saliva de pulgas. As dú-
vidas pairam na natureza e a obtenção dos antíge-
nos pelo laboratório, quantidade e proporção, uma
vez que já foram identificados mais de 20 antíge-
nos na saliva desses insetos. Outros aspectos im-
portantes estão ligados à patogenia da DAPP onde
há o envolvimento de imunoglobulinas IgE c IgG,
reaçõcs imunológicas do Tipo IV e reação basofílica
cutânea, onde não há o envolvimento de imuno-
globulinas. Esses aspectos inviabilizam a utiliza-
ção desse teste na opinião de vários autores e do
próprio autor, na determinação do diagnóstico
definitivo.
H.A. O mesmo raciocínio deve ser utilizado
no caso dessa dermatopatia alérgica. É sabido que
os antígenos são proteínas encontradas no alimento,
porém um alimento pode ter as estruturas protei-
cas alteradas após cocção e processamento pela
indústria de rações, conseqúentemente, alteração
dos determinantes antigênicos. Na patogenia da
H.A. há o envolvimento de IgE e IgA e as reações
imunológicas Tipo III e IV, que classicamente não
têm envolvimento de imunoglobulinas. Novamente,
pelos fatos expostos, esse exame é de pouca valia
no diagnóstico desse tipo de dermatite alérgica.
Atopia. Nesse caso os antígenos estão presen-
tes em suspensão no ar c existe apenas a reação
de hipersensibilidade Tipo I com envolvimento
de IgE; mesmo assim, os testes são quantitativos.
Alguns autores já determinaram que o animal
atópico possui uma imunoglobulina mais reativa,
não possuindo maiores quantidades de imunoglo-
bulina. Sendo assim, mesmo nos casos em que o
clínico suspeita de atopia, o diagnóstico por esses
métodos torna-se contestável.
Citologia
Esse exame pode fornecer rápidos resulta-
dos, que podem ser importantes na orientação
do diagnóstico ou, muitas vezes, podem deter-
minar o diagnóstico definitivo de diferentes en-
fermidades.
Material necessário:
• Seringa.
• Agulhas.
• Lâmina de vidro.
• Swab.
• Corantes.
• Microscópio óptico.
O método de coleta do material deve ser rea-
lizado na dependência da lesão examinada, como
demonstra a Tabela 12.6. O material coletado deve
ser distribuído na superfície da lâmina de vidro e
posteriormente corado.
A coloração mais utilizada no exame citológico
é o Diff-Quik ou panótico rápido, que proporcio-
674 Semiologia Veterinária: A Arte do Diagnóstico
na ao exame ser coletado, corado e analisado em poucos minutos. É um método que pode ser uti-lizado em diferentes dermatopatias de etiologia inflamatória, neoplásica ou infecciosa. Pode-se evidenciar tipos celulares, morfologia celular, bacté-rias, fungos, além de seu número e distribuição. Quando o objetivo da citologia é a visualização mais detalhada de uma determinada célula, pode-sc recorrer a outras colorações, como aquelas que serão citadas no exame histopatológico. A Tabela 12.7 correlaciona diferentes achados no exame citológico com possibilidades diagnosticas.
Biopsia e Exame Histopatológico
As biópsias de pele seguidas de exame histopa-tológico são os instrumentos mais poderosos de diagnóstico na dermatologia. Mas é necessário que uma união de esforços seja feita para que esse exame seja bem-sucedido. O clínico veterinário deve selecionar cuidadosamente, coletar e pre-
servar o fragmento de tecido coletado e o histopa-tologista deve processar e escolher a coloração ideal (baseado nas informações encaminhadas pelo clínico), além de interpretar as alterações teci-duais. Quando o clínico e o dermatopatologista trabalham em conjunto, esse exame pode refle-tir o diagnóstico preciso em até 90% dos casos. Por ser um método invasivo e, muitas vezes, ne-cessitar de anestesia, além de ser caro, o veteri-nário muitas vezes, assim como os proprietários dos animais, reluta em executar essa coleta. Quando o veterinário deve então optar por este procedimento?
1. Em todas as lesões que sugerem neoplasia. 2. Em úlceras persistentes. 3. Em casos de doenças nas quais o diagnóstico
somente é fechado com exame histopatológi co, como displasia folicular, doenças auto-imu- nes, dermatomiosite, adenite sebácea, vitili- go entre outras.
Tabela 12.6 - Correlação entre a técnica de coleta de material para exame citológico nos diferentes
tipos lesionais ou regiões anatómicas.
Decalque da lâmina direto sobre a lesão, vesículas, pústulas e bolhas devem ser perfuradas
Raspados superficiais Incisão Aspiração por agulhas
Swab
Pápula, pústula, vesícula, bolha, úlcera e exulceração
Hiperqueratose, exulceração e úlcera Nódulos Nódulos e tumores Fístulas, lesões bucais, pregas cutâneas
Neutrófilos degenerados
Neutrófilos não degenerados
Eosinófilos
Basófilos
Mastócitos
Linfócitos, plasmócitos e macrófagos
granulomatosos
Plasmócitos
Células acantolíticas (queratinócitos que
perderam a coesão, por acantólise)
Bactérias Leveduras
Células atípicas de uma mesma população
Considerações de diagnóstico
Infecção bacteriana
Dermatites alérgicas, pênfigo, dermatite subcorneal pustular,
dermatite de contato
Ectoparasitismo, alergias nos felinos, placa e granuloma eosi-
nofílico, foliculite eosinofílica Ectoparasitismo, DAPP, endoparasitismo Mastocitoma, alergias nos felinos, ectoparasitismo
Quadros infecciosos ou não infecciosos (corpo estranho e
paniculite estéril), na dependência de evidenciação de microor-
ganismos.
Pododermatite plasmocítica, plasmocitoma Pênfigo e dermatofitose
Intracelular - infecção extracelular - colonização Infecção
fúngica (dermatite por Malassezia, esporotricose,
criptococose)
Neoplasias
Tabela 12.7 - Achados microscópicos no exame citológico e suas relações com diferentes diagnósticos. •;t "' ..........................................— ••„•;,;; ,;. . ; • ~. , ; ,;„ •,,; . . ... .... : • < . ' : ; Achados
Semiologia da Pele 675
4. Numa dermatose que não está respondendo
à terapia aparentemente adequada.
5. Numa dermatopatia, que na experiência do clí
nico não é comum, ou aparentemente é grave.
6. Em dermatites vesicobolhosas.
7. Em condições em que a terapia é perigosa,
muito dispendiosa ou muito prolongada.
Mesmo sem o diagnóstico definitivo, o histo-patológico ajuda a guiar o clínico na direção corre-
ta do diagnóstico. Os antiinflamatórios, especial-
mente os corticóides, devem ser afastados por 2 a
3 semanas antes da coleta da biopsia. Os achados
histopatológicos nas infecções bacterianas secun-
dárias sobrepujam os achados de dermatopatias con-
comitantes; sendo assim, se o clínico suspeitar de
uma dermatopatia de base com infecção secundá-
ria, deve tratar a infecção para posteriormente
coletar o material. Material necessário:
Bisturi, pinça anatómica.
Tesoura.
Porta agulha, fio de sutura.
Punch.
Formol a 10%.
Papel filtro.
A coleta dos fragmentos de tecidos pode ser
realizada basicamente por dois métodos: com au-
xílio de bisturi, retirando-se um fragmento fusi-
forme de pele, ou compunch (saca-bocado), que é
uma lâmina circular variando de 2 a 8mm de diâ-
metro. Os punchs geralmente mais utilizados são
os de 3 e 4mm de diâmetro. A escolha da técnica está invariavelmente ligada à morfologia das le-
sões cutâneas (Tabela 12.8).
A lesão a ser biopsiada deve ser clinicamen-
te representativa do quadro. Não deve ser recente
ou antiga, em fase de regressão, ou estar alterada
por trauma infecção ou medicamentos. O clíni-
co, sempre que possível, deve coletar um fragmen-
to que contenha a transição da pele íntegra ao
tecido acometido, para que o dermatopatologista
possa avaliar melhor o quadro. Após a coleta, o
fragmento deve ser delicadamente rolado sobre
o papel filtro, para eliminar sangue e secreções,
e por fim ser conservado em formol a 10% (o
volume do formol deve ser dez vezes maior que
o volume do tecido coletado). Finalmente o
material deve ser encaminhado a um dermatopato-
logista para a elaboração do diagnóstico. A pri-
meira opção de envio de material deve ser para
um dermatopatologista veterinário, posteriormente
um patologista geral.
Clínico e patologista devem ter em mente
que a precisão do diagnóstico pode estar
ligada às colorações específicas para diferen-
tes situações. Seguem alguns exemplos de co-
loração:
PÁS (ácidoperiódico de Schiff). Para evidencia-
ção de mucopolissacárides. Útil no diagnóstico
de dermatites fúngicas e lesões relativas à lâmi-
na basal, como o lúpus eritematoso.
Grocott. Específica para evidenciação de
fungos.
Ziehl-Nilsen. Para evidenciação de bacilos ál-
cool - ácido-resistentes, como na micobacteriose
atípica.
AzuldePrússia. Para evidenciação de hemossi-
derina.
Vermelho congo. Para evidenciação de proteína
amilóide sob luz polarizada
Tabela 12.8 - Método de coleta de material de biopsia, segundo o tipo lesionai.
Tipo lesionai
Alterações de coloração
Formações sólidas
Coleções líquidas
Alterações de espessura
Perdas teciduais
Punch ou em fuso por bisturi, na transição pele íntegra/pele
acometida
Punch
Biopsia excisional por bisturi, de toda a
lesão ou parte Vegetação e verrucosidade representativa
Biopsia excisional por bisturi em fuso contendo a les ão
inteira
Punch
Punch ou em fuso por bisturi, na transição pele íntegra/
pele acometida
Pápulas
Nódulos, tumor,
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Azul de toluidina. Para evidcnciação de grânu-
los preenchidos por heparina (mastócitos).
Von Mossa. Para evidenciação de cristais de cálcio.
Tricrônico deMasson. Para evidenciação de co-lágeno.
Von Gieson. Para evidenciação de fibras colágcnas e fibras musculares.
Masson Fontana. Para evidenciação de melanó-citos.
Alcian Blue. Para evidenciação de mucopolis-
sacárides.
Para que esse exame e todos os outros se-jam realizados com êxito, o clínico sempre deve
encaminhar o material coletado, com identifi-
cação completa do animal, um breve histórico
do quadro, achados do exame físico, descrição
das lesões elementares cutâneas, a técnica de
coleta e as suspeitas de diagnóstico. Assim o ve-
terinário que irá receber e processar o material
poderá fazê-lo da maneira mais adequada e pre-
cisa possível.
Finalmente, com os dados do exame clíni-
co dermatológico completo (identificação, ana-
mnese, exame físico c exames complementa-
res), poder-se-á determinar um diagnóstico
definitivo e interpor a terapia mais adequada,
que é o objetivo final de qualquer ramo da clínica
veterinária.
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