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Evolucionismo e fixismo A perspectiva evolutiva que foi sendo descrita desde os seres procariontes até aos organismos multicelulares mantém-se como ideia central na explicação da diversidade da vida e marca a forma como os biólogos observam e explicam o mundo natural. Fig. – Admite-se que a enorme diversidade de cães terá surgido a partir do lobo. Mas nem sempre esta visão prevaleceu como ideia dominante na comunidade científica. Na verdade, quando observamos as várias gerações de indivíduos

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Evolucionismo e fixismo

A perspectiva evolutiva que foi sendo descrita desde os seres procariontes até aos organismos multicelulares mantém-se como ideia central na explicação da diversidade da vida e marca a forma como os biólogos observam e explicam o mundo natural.

Fig. – Admite-se que a enorme diversidade de cães terá surgido a partir do lobo.

Mas nem sempre esta visão prevaleceu como ideia dominante na comunidade científica. Na verdade, quando observamos as várias gerações de indivíduos e dado que o tempo médio da vida humana é insignificante quando comparado com o tempo geológico, parece-nos evidente que as várias gerações de cães sempre originaram cães e que do acasalamento entre lobos sempre surgiram lobos.

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Durante séculos, admitiu-se que as espécies surgiram tal como hoje as conhecemos e se mantiveram imutáveis ao longo do tempo. Esta visão das espécies, conhecida por fixismo, prevaleceu e, em alguns casos, ainda prevalece fortemente apoiada por princípios religiosos.A interpretação “à letra” do Livro do Génesis, onde se descreve a criação no início dos tempos, influenciou de forma determinante o pensamento científico até aos séculos XVIII e XIX. Por esta razão, o fixismo é, muitas vezes, confundido com o criacionismo. Na realidade, uma visão estática das espécies não implica necessariamente que se admita que elas tenham surgido de um acto único de criação divina, do mesmo modo que uma visão evolucionista não pressupõe a negação da existência de uma entidade superior que esteja presente nas leis que regem a Natureza.Apesar da força das ideias fixistas, no século XIX vai transitar-se num ambiente de grande controvérsia para uma visão evolucionista, isto é, vai admitir-se que as espécies se alteram de forma lenta e progressiva ao longo do tempo, originando outras espécies.A ideia de que as espécies teriam evoluído a partir de outras espécies preexistentes começou a surgir no contexto científico do século XIX. Um dos contributos mais importantes para as ideias evolucionistas veio da Geologia. Os geólogos, por um lado, estabeleceram uma idade para a Terra muito superior à admitida até então e, por outro lado, começaram a descrever formas fósseis muito diferentes das espécies actuais.

Fig. – Esqueleto fossilizado de um ictiossauro, réptil marinho que viveu há cerca de 200 milhões de anos.

O aparecimento de fósseis de indivíduos muito diferentes dos da actualidade abalou de forma clara as ideias fixistas, criando um ambiente intelectual propício ao aparecimento de ideias evolucionistas.Os evolucionistas admitem a existência de mudanças progressivas nos seres vivos a partir de ancestrais comuns, e são essas mudanças que, ao longo do tempo geológico, vão dar origem às diferentes espécies. Um passo fundamental para o sucesso das ideias evolucionistas só ocorreu quando surgiram teorias explicativas da evolução e se organizaram argumentos para as apoiar.

Mecanismos da evoluçãoA primeira teoria explicativa fundamentada acerca dos mecanismos da evolução dos seres vivos surgiu em 1809, com Jean-Baptiste Pierre Antoine de Monet, cavaleiro de Lamarck (1744-1829), e ficou conhecida por lamarckismo. Apesar disso, prevaleceram ideias fixistas. Estas só foram definitivamente questionadas a partir de 1859, quando Charles Darwin (1809-1882) publicou o livro On the Origin of Species by Means of Natural

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Selection. Trata-se de uma obra que ainda hoje é uma referência importante quando tentamos compreender a forma como os cientistas criam explicações acerca do mundo natural.

LamarckismoLamarck, um intelectual pouco valorizado no seu tempo, foi professor no Museu de História Natural, em Paris, e não só defendeu ideias evolucionistas como apresentou uma explicação coerente acerca da origem das espécies. As ideias de Lamarck, para explicar a existência da evolução, podem resumir-se em dois princípios fundamentais:– lei do uso e do desuso;– lei da herança dos caracteres adquiridos.

“O ambiente afecta a organização dos animais, o que significa que, quando o ambiente se torna muito diferente, produz no decurso do tempo as correspondentes modificações na forma e na organização dos animais. Em primeiro lugar, inúmeros factos conhecidos provam que o emprego continuado de um órgão concorre para o seu desenvolvimento, fortifica-o, e fá-lo aumentar de tamanho, enquanto a falta de uso, tornada habitual, prejudica o seu desenvolvimento, deteriora-o gradualmente e acaba por fazê-lo desaparecer…Tudo o que a Natureza fez os indivíduos adquirirem ou perderem pela influência das circunstâncias a que estão expostos há muito tempo é conservado nos novos indivíduos que provêm por reprodução desses indivíduos.”Lamarck, 1809

Os seres vivos apresentam modificações que dependem do ambiente em que esses seres se desenvolvem. O ambiente condiciona a evolução, levando ao aparecimento de características que permitem aos indivíduos adaptar-se às condições em que vivem.

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Fig. – O nandu é um animal da América do Sul, ao passo que a avestruz é de África.Dois continentes, morfologia idêntica.

O nandu e a avestruz são animais muito semelhantes entre si, embora habitem em zonas do Globo muito distantes, porém com clima e tipo de vegetação muito próximos. O longo pescoço, as pernas compridas e musculadas e a incapacidade de voar são algumas das características que apresentam em comum. Em diferentes continentes, as espécies apresentam características semelhantes, quando enfrentam ambientes semelhantes.A adaptação, segundo Lamarck, representa, pois, a faculdade que os seres vivos possuiriam de desenvolver características estruturais ou funcionais que lhes permitissem sobreviver e reproduzir-se num determinado ambiente. As modificações que levam à adaptação são explicadas pela lei do uso e do desuso. De acordo com esta lei, a necessidade de um órgão em determinado ambiente cria esse órgão e a função modifica-o, isto é, a função faz o órgão. Se um órgão é muito utilizado, desenvolve-se, tornando-se mais forte, vigoroso ou de maior tamanho; se, pelo contrário, esse órgão não se usa, degenera e atrofia.

Fig. – Vestígios de membros em Phython sebae.

Segundo Lamarck, as serpentes, por exemplo, perderam os membros porque eles representavam uma dificuldade na movimentação através da vegetação densa. Como não eram utilizados, foram-se atrofiando até ao desaparecimento total.

Segundo a lei da herança dos caracteres adquiridos, as modificações que se produzem nos indivíduos ao longo da sua vida, como consequência do uso ou do desuso dos órgãos, são hereditárias, originando mudanças morfológicas no conjunto da população.De acordo com a herança dos caracteres adquiridos, os organismos, pela necessidade de se adaptarem ao ambiente, adquirem modificações durante a sua vida que passam aos descendentes. A adaptação é progressiva e um organismo pode desenvolver qualquer adaptação, desde que seja necessária, caminhando assim as espécies para a perfeição em interacção com os factores ambientais.O modelo explicativo de Lamarck foi muito contestado, porque fornece uma explicação sobre a evolução que tem um carácter animista, isto é, existe uma intenção e uma finalidade na evolução, de tal forma que as alterações surgem como resultado de as espécies procurarem o “melhor”. Por outro lado, a herança dos caracteres adquiridos não se verifica experimentalmente. Hoje admitimos, por exemplo, que nos organismos com reprodução sexuada apenas as alterações do DNA transportadas nos gâmetas são transmitidas aos descendentes.A fragilidade dos argumentos utilizados por Lamarck e a força do fixismo mantiveram as ideias evolucionistas afastadas durante vários anos.

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DarwinismoEm Dezembro de 1931 iniciou-se um novo e brilhante capítulo na história da Biologia. Um jovem naturalista inglês, de 22 anos, Charles Robert Darwin (1809-1882), partia a bordo de um navio da armada britânica, o HMS Beagle.

Fig. – A viagem do Beagle.

É nesta viagem que Darwin vai recolher uma boa parte dos dados que mais tarde utilizou na fundamentação da sua teoria.Este jovem pertencia a uma família abastada que cresceu com as transformações sociais e culturais do século XIX, onde a visão evolucionista começava a ter seguidores, de entre os quais se pode destacar o seu próprio avô paterno, Erasmus Darwin (1731-1802).Entre os muitos dados e acontecimentos que influenciaram Darwin, podem destacar-se alguns dos mais importantes.

Dados da Geologia – Na opinião de alguns autores, a personalidade que mais influenciou Darwin foi Charles Lyell (1797-1875). Este geólogo estabeleceu princípios que muito influenciaram Darwin.

• As leis naturais são constantes no espaço e no tempo.• Deve explicar-se o passado a partir dos dados do presente.• Na longa história da Terra ocorreram mudanças geológicas lentas e graduais.

Durante a viagem no Beagle, Darwin observou ainda numerosos fósseis e descobriu nos Andes, a milhares de metros de altitude, conchas de animais marinhos incluídas em rochas. É provável que tenha admitido que se a Terra tem milhões de anos e está em mudanças constantes e graduais, então, de um modo semelhante, a vida sobre a Terra poderia ter seguido o mesmo percurso, isto é, teria experimentado ao longo dos anos mudanças contínuas e graduais, inicialmente imperceptíveis, mas que com o tempo acabariam por ter significado.

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Dados da Biogeografia – A grande diversidade de seres vivos e o aspecto exótico que, por vezes, assumem algumas espécies, bem como a constatação de que a fauna e a flora diferem de continente para continente e das montanhas para os desertos, constituem elementos relevantes na formulação da teoria de Darwin.Durante a viagem, Darwin ficou sobretudo impressionado quando, em meados de Setembro de 1835, chegou às ilhas Galápagos. Trata-se de um arquipélago vulcânico situado aproximadamente a 1000 km da costa do Equador e que apresenta uma fauna e uma flora peculiares. Darwin ficou essencialmente impressionado com as tartarugas e com um grupo de aves chamadas tentilhões.

Fig. – Tartarugas gigantes das ilhas Galápagos, Geochelone.

Fig. – Tentilhões de Darwin. O bico está relacionado com a alimentação.

Existem sete variedades diferentes de tartarugas gigantes nas ilhas Galápagos, ocupando cada variedade a sua ilha. Contudo, apesar da diferenciação, estes animais são extraordinariamente semelhantes entre si, fazendo supor que tenham tido uma origem comum.Os tentilhões de Darwin são pequenas aves que apresentam também uma grande diversidade à volta de um padrão comum. As 14 espécies de tentilhões, apesar de muito semelhantes, podem distinguir-se, sobretudo, pelo tamanho, cor e forma do bico, o que estará associado ao tipo de alimentação que cada uma possui. Apesar da assinalável diversidade entre os tentilhões, eles são suficientemente parecidos entre si, admitindo-se, por isso, que terão tido um ancestral comum.Depois de analisar todos os dados, Darwin concluiu que as ilhas foram provavelmente povoadas a partir do continente americano e as características particulares de cada ilha condicionaram a evolução de cada espécie, daí a sua diferenciação.

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Selecção artificial, selecção natural e variabilidadeNa procura de uma explicação para a evolução das espécies, Darwin pôde contar com a experiência que ele próprio possuía como criador de pombos, intervindo directamente em processos de selecção artificial.

Fig. – Galinha obtida deliberadamente por selecção artificial para se assemelhar ao Poupas do programa de TV Rua Sésamo.

Fig. – Couves-de-bruxelas, repolho, brócolos, couve-flor... todos estes vegetais foram obtidos por selecção artificial a partir de Brassica oleracea.

À primeira vista, as galinhas parecem todas iguais, mas, de facto, apresentam pequenas variações naturais. Patas mais longas, cabeças mais arredondadas, penas mais encaracoladas. Se um tratador tiver um especial apreço por algumas destas variações e puder controlar os cruzamentos entre estas aves, pode seleccionar as características que mais deseja. Ao fim de alguns cruzamentos, pode obter indivíduos com as características que seleccionou.Ao longo das gerações e recorrendo a cruzamentos selectivos previamente planeados, é possível obter indivíduos com as características desejadas. As plantas e os animais assim obtidos, ao fim de algumas gerações, são substancialmente diferentes dos seus ancestrais selvagens.Se se pode obter tanta diversidade por selecção artificial, de um modo análogo é possível que ocorra na Natureza uma selecção consumada pelos factores ambientais, designada por selecção natural. De facto, o conceito que verdadeiramente caracteriza a teoria da evolução de Darwin é o conceito de selecção natural.

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Fig. Independentemente do meio, existem nas populações de flamingos variações naturais, por exemplo, no tamanho dos membros, variações essas que os indivíduos transmitem aos seus descendentes através dos gâmetas. Numa situação em que nas zonas baixas escasseia o alimento, os flamingos com membros mais desenvolvidos podem deslocar-se para zonas mais profundas para se alimentarem.

Diz-se que estes animais estão mais bem adaptados, isto é, são indivíduos mais aptos na situação considerada e, por tal facto, sobrevivem melhor, deixando mais descendentes.Em consequência, aumenta na população o número de flamingos com membros mais longos, ao mesmo tempo que os flamingos de membros mais curtos vão desaparecendo. Numa situação de escassez de alimento em zonas baixas, onde é necessário recorrer a águas mais profundas, a selecção natural favoreceu os indivíduos com membros mais longos. Os flamingos de membros mais curtos podem acabar por desaparecer.A teoria de Darwin, que gerou na época grande controvérsia, pode sistematizar-se em alguns pontos fundamentais.• Os seres vivos, mesmo os da mesma espécie, apresentam variações entre si.• Em cada geração, uma boa parte dos indivíduos é naturalmente eliminada, porque se estabelece entre eles uma “luta pela sobrevivência”, devido à competição pelo alimento, pelo refúgio, pelo espaço e à capacidade de fuga aos predadores, etc.• Sobrevivem os indivíduos que estiverem mais bem adaptados, isto é, os que possuírem as características que lhes conferem qualquer vantagem em relação aos restantes, que ao longo do tempo serão eliminados progressivamente. Existe, pois, uma selecção natural, processo que ocorre na Natureza e pelo qual só os indivíduos mais bem dotados relativamente a determinadas condições do ambiente sobrevivem – “sobrevivência do mais apto”.

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• Os indivíduos mais bem adaptados vivem durante mais tempo e reproduzem-se mais, transmitindo as suas características à descendência, enquanto os menos adaptados deixam menos descendência. Há, pois, uma reprodução diferencial.• A acumulação das pequenas variações determina, a longo prazo, a transformação e o aparecimento de novas espécies.Pode, pois, considerar-se que o tempo e a reprodução diferencial das formas favorecidas em relação às menos aptas produzem mudanças nas espécies existentes, conduzindo à formação de novas espécies.

Confronto entre lamarckismo e darwinismoO lamarckismo e o darwinismo constituem duas explicações para a diversificação das espécies por processos evolutivos.

Fig. Tendo o lamarckismo como princípios fundamentais a lei do uso e do desuso e a herança dos caracteres adquiridos, a morfologia actual do pescoço das girafas poderia explicar-se do seguinte modo:– A girafa, alimentando-se dos rebentos mais baixos das árvores, quando estes escasseiam, teria de recorrer a rebentos colocados em zonas mais altas. Cria-se, assim, a necessidade de aumentar o tamanho do pescoço. O esticar permanente do pescoço para chegar ao alimento faz aumentar o seu tamanho. Em cada geração poderão ter surgido indivíduos que tinham o pescoço mais longo e que foram transmitindo aos seus descendentes essa característica, chegando à forma actual. O ambiente cria necessidades que levam ao aparecimento de estruturas morfológicas indispensáveis a uma melhor adaptação. Esta é uma resposta do ser vivo à acção do meio.No darwinismo, o princípio da selecção natural permite explicar também a morfologia do pescoço da girafa:– Independentemente do meio, existiam nas populações de girafas variações naturais e hereditárias. Assim, teria havido variações hereditárias no tamanho do pescoço. Como, num ambiente em que escasseia o alimento, as girafas que possuíam estes órgãos mais desenvolvidos tinham acesso mais fácil ao alimento, estariam mais bem adaptadas, isto é, sobreviviam melhor e reproduziam-se mais. Deste modo, aumentariam o

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seu número na população relativamente ao número de girafas com o pescoço curto. A selecção natural favoreceu as girafas bem adaptadas a um ambiente onde o alimento estava em zonas mais altas.Apesar das lacunas deixadas pelas explicações de Lamarck e de Darwin, a ideia de evolução estabeleceu-se na comunidade científica. Observações e estudos feitos desde o século XIX até hoje podem ser utilizados como argumentos a favor do evolucionismo. Pode mesmo afirmar-se que a ideia de uma evolução biológica constitui, hoje, uma forma natural de a maioria dos biólogos olharem o mundo vivo.

Argumentos do evolucionismoSão várias as áreas de conhecimento a partir das quais se podem retirar dados que apoiam o evolucionismo. Apesar de, nos últimos anos, a biologia molecular ter fornecido uma explosão de dados de natureza bioquímica e informacional, não deixa de ser interessante analisar dados mais clássicos, como os provenientes da Anatomia Comparada e da Paleontologia.

Argumentos de anatomia comparadaA grande diversidade do mundo vivo despertou, desde cedo, nos cientistas a necessidade de organizarem sistemas de classificação. Alguns dos mais primitivos baseiam-se no grau de semelhança dos caracteres morfológicos, ou seja, na anatomia comparada.Podem encontrar-se muitas semelhanças na anatomia de indivíduos que à primeira vista nos parecem diferentes.

Estruturas homólogas – Os esqueletos dos membros anteriores dos indivíduos representados, apesar de desempenharem funções diferentes, apresentam um plano estrutural semelhante, que inclui ossos semelhantes e na mesma posição relativa. Verificam-se, no entanto, diferenças em relação ao grau de desenvolvimento e ao número de ossos, nomeadamente das falanges dos dedos. Estas estruturas são chamadas estruturas homólogas, ou seja, são estruturas com origem embriológica semelhante, constituídas por ossos idênticos, com um plano de organização semelhante, embora apresentem um aspecto diferente e desempenhem, neste caso, funções também diferentes. Homologia (semelhança de origem) é o termo usado para relacionar estruturas que, devido a uma origem embrionária idêntica, possuem idêntica organização estrutural e idêntica posição relativa, podendo desempenhar funções diferentes.As estruturas homólogas são interpretadas como resultado da selecção natural sobre indivíduos em diferentes meios que enfrentam diferentes pressões selectivas.Os indivíduos apresentam variações. Pode acontecer que alguns indivíduos de um dado grupo, com características que lhe são próprias, migrem para um novo ambiente que ofereça outras oportunidades ecológicas. No novo meio são seleccionados os organismos que apresentam características que os tornam mais aptos nesse meio. Esta situação é designada por evolução divergente, isto é, a partir de um mesmo ancestral, devido a diferenças existentes entre os indivíduos, ocorre uma divergência nos organismos que colonizam diferentes habitats e que ficam sujeitos a pressões selectivas também diferentes. É o caso dos membros anteriores dos Vertebrados. Também os tentilhões das ilhas Galápagos terão tido a sua origem numa forma ancestral proveniente do continente americano. Como os tentilhões ocuparam diferentes ilhas com diferentes condições ecológicas, experimentaram evolução divergente, sobrevivendo em cada ilha aqueles que apresentavam as características que os tornavam mais aptos.

Estruturas análogas – Na Natureza é frequente encontrarem-se semelhanças entre organismos com origens muito diferentes.

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Fig. 27 – Estruturas análogas.

A asa de uma ave e a asa de um insecto são estruturas que têm origem embriológica diferente e, embora sejam anatomicamente diferentes, apresentam uma função idêntica, neste caso o voo. Estas estruturas designam-se por estruturas análogas.As estruturas análogas aparecem, no mesmo meio, porque a selecção natural favorece os indivíduos cujas características os tornam mais aptos, independentemente do grupo a que pertencem. Este tipo de evolução é designada por evolução convergente. Por exemplo, poderão ficar mais aptos os indivíduos que possuem órgãos que lhes permitem voar, independentemente da estrutura e da origem desses órgãos.Indivíduos com diferentes origens tiveram de enfrentar ambientes semelhantes, o que implicou uma evolução convergente. A selecção natural favorece os indivíduos que apresentam estruturas que, apesar de anatomicamente diferentes, desempenham funções semelhantes em ambientes semelhantes.

Estruturas vestigiais – Outro tipo de evidências anatómicas que apoiam o evolucionismo são as estruturas vestigiais. Estas dizem respeito a estruturas atrofiadas, com função não evidente e desprovidas de significado fisiológico em determinados grupos. Noutros grupos, porém, existem estruturas equivalentes que são desenvolvidas e funcionais.

Fig. – Estruturas vestigiais.

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No esqueleto da baleia ou, como já vimos, no esqueleto da pitão observam-se estruturas vestigiais, isto é, peças do esqueleto que, na actualidade, não têm qualquer função. Estas estruturas só fazem sentido, numa teoria evolucionista, como órgãos que foram úteis e desenvolvidos em ancestrais no passado.As estruturas vestigiais evidenciam que, contrariamente ao que defendem os fixistas, os indivíduos de uma dada espécie não se mantiveram imutáveis, mas foram-se alterando ao longo do tempo, sendo seleccionados de acordo com as condições ambientais.

Argumentos paleontológicosO registo fóssil é um dos dados que melhor apoiam o evolucionismo. Através da Paleontologia (estudo dos fósseis), conclui-se que o nosso planeta foi, no passado, habitado por seres diferentes dos actuais. Existem fósseis que possuem características que correspondem, na actualidade, a dois grupos diferentes de organismos, sendo denominadas formas intermédias ou formas sintéticas.

Fig. – Imagem de um fóssil de Archaeoptérix e respectiva reconstituição.

Archaeoptérix é um fóssil de organismos que terão vivido há cerca de 150 M.a. e que possuíam asas e penas, que são características das aves, dentes e uma longa cauda com vértebras, que são características dos répteis.As formas sintéticas são, por vezes, também chamadas formas de transição, porque algumas delas terão sido a transição de um grupo para outros grupos de organismos. Estas formas constituem um importante argumento a favor do evolucionismo. Elas permitem documentar que os organismos que hoje se conhecem não são totalmente independentes uns dos outros quanto à origem.

Argumentos citológicosApesar das diferenças consideráveis que se podem observar entre os seres vivos, os dados microscópicos revelam que todos eles são constituídos por unidades estruturais, as células. Não só todas as células eucarióticas obedecem a um plano estrutural comum, como os processos metabólicos que nelas se desenvolvem são igualmente semelhantes. A universalidade estrutural e funcional do mundo vivo constitui um forte argumento a favor de uma origem comum.

Argumentos bioquímicos

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Durante muitos anos, a Paleontologia, a Anatomia Comparada e a Embriologia foram as principais fontes de dados que permitiram estabelecer relações de parentesco entre os seres vivos, constituindo, assim, argumentos a favor do evolucionismo.Nos últimos anos, os estudos de natureza bioquímica vieram dar um impulso notável à argumentação evolucionista, não só sob o ponto de vista quantitativo, mas, sobretudo, sob o ponto de vista qualitativo.De modo global e sob o ponto de vista bioquímico, pode recordar-se, por exemplo, que todos os organismos são basicamente constituídos pelo mesmo tipo de biomoléculas (proteínas, lípidos, glícidos, ácidos nucleicos) e que o DNA e o RNA são centrais no mecanismo global de produção de proteínas onde intervém um código genético, que é universal. O facto de haver semelhanças, quer no que respeita às biomoléculas quer no que respeita aos mecanismos vitais das células, pode ser relacionado com uma provável origem comum.Nos últimos vinte anos, o estudo comparativo das proteínas e dos ácidos nucleicos tem fornecido dados fundamentais para o estabelecimento de relações de parentesco entre os seres vivos. A proteínas diferentes correspondem, nos indivíduos, características também diferentes. É assim de prever que, quando mais próximas evolutivamente se encontrarem as espécies, mais semelhanças apresentem ao nível das proteínas.INVESTIGARA análise de proteínas é, hoje, um campo de investigação relevante no estabelecimento de filogenias. Com estudos deste género pode pôr-se, por exemplo, a hipótese de que a partir de uma molécula de DNA ancestral comum, por diferentes mutações, surgiram diferentes genes e, consequentemente, a sequência dos aminoácidos é diferente, originando diferentes moléculas de citocromo c.A evolução molecular é hoje um activo campo de investigação. As diferenças entre as estruturas anatómicas resultam da interacção complexa de genes com o ambiente ao longo de prolongados períodos de desenvolvimento. Faz, pois, sentido procurar traçar a história evolutiva da vida analisando e comparando biomoléculas.A evolução reflecte as alterações hereditárias que ocorrem nas espécies ao longo do tempo.Convém realçar que se analisaram apenas alguns argumentos e que, por outro lado, esta análise foi efectuada de forma compartimentada. Na realidade, na reconstituição do processo evolutivo há necessidade de recorrer, ao mesmo tempo, ao maior número possível de dados obtidos nas diferentes áreas do conhecimento. Para além da Paleontologia, da Anatomia Comparada e da Citologia, também a Embriologia e, sobretudo, a Bioquímica fornecem, actualmente, argumentos essenciais que apoiam o evolucionismo.

Neodarwinismo – teoria sintética da evoluçãoNo século XX, embora a ideia de evolução biológica fosse uma ideia já aceite pela comunidade científica, a explicação para essa evolução através da selecção natural apresentava ainda alguns pontos frágeis. Darwin, apesar de ter tido na sua secretária uma carta enviada por Mendel, onde este apresentava as primeiras ideias sobre hereditariedade, não a valorizou. Deste modo, nunca esclareceu nem quais eram os mecanismos responsáveis pelas variações verificadas nas espécies, nem o modo como essas variações se transmitem de geração em geração.No decurso do século XX, com o desenvolvimento dos conhecimentos sobre genética, foi possível encarar as ideias centrais da teoria de Darwin numa outra perspectiva. Por exemplo, o estabelecimento do conceito de mutação levou os geneticistas a considerarem as mutações como a base das mudanças evolutivas.Entre 1930 e 1940 foi-se construindo uma visão unificadora entre o darwinismo e os dados da genética, cujo resultado foi o aparecimento, em 1942, de uma teoria denominada teoria sintética da evolução, também chamada neodarwinismo, que engloba duas ideias fundamentais: variabilidade genética e selecção natural.

Variabilidade – base do processo evolutivoA diversidade do mundo vivo é a base sobre a qual actua a selecção natural.

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Fig. – De onde provém a variabilidade entre os indivíduos da mesma espécie? Como se transmite?Cobras da espécieCOMUNICAREsta diversidade tem como fonte primária a ocorrência de mutações e como fonte mais próxima a recombinação genética.

Mutações – As alterações hereditárias no genoma dos indivíduos podem levar ao aparecimento de características novas e favoráveis, na medida em que permitem aos seus portadores, por exemplo, viver mais tempo ou reproduzir-se mais. As mutações são, assim, fonte primária de variabilidade genética, introduzindo, em regra, novos genes ou alterações nos genes existentes e, portanto, novas características nos indivíduos.

Recombinação genética – Apesar de as mutações serem a fonte primária de variabilidade genética, a fonte mais próxima de diversidade nas populações é a recombinação genética que se obtém através da reprodução sexuada. Como já sabe, esta recombinação genética ocorre na meiose.

A fecundação é um processo que também aumenta a variabilidade genética dos indivíduos (novas combinações).As mutações introduzem novidade genética, mas é principalmente a recombinação genética que cria a variabilidade, favorecendo o aparecimento de uma multiplicidade de diferentes combinações de genes.

Selecção natural e fundo genéticoTal como Darwin havia previsto, cada indivíduo não evolui isoladamente. A unidade evolutiva é a população, isto é, um conjunto de indivíduos da mesma espécie que vive num determinado local e ao mesmo tempo.Numa população, quanto maior for a diversidade, maior será a probabilidade de ela se adaptar a mudanças que ocorram no meio, pois, entre toda essa diversidade, podem aparecer indivíduos portadores de conjuntos génicos que sejam favorecidos pela selecção natural. As populações muito homogéneas e bem adaptadas podem ser eliminadas se, no seu habitat, ocorrerem, por exemplo, mudanças climáticas.Quando as características do meio se alteram, o conjunto génico mais favorável pode deixar de o ser no novo ambiente.A selecção natural não actua sobre genes ou características genéticas de forma isolada, mas sim sobre a globalidade dos indivíduos de uma população com toda a sua carga genética. Como as variações genéticas estão na base das mudanças evolutivas, é fundamental quantificar estas variações dentro das populações.Define-se fundo genético como o conjunto de todos os genes presentes numa população num dado momento.Apesar de a selecção natural actuar sobre o fenótipo dos indivíduos de uma população, uma vez que este resulta da expressão do genótipo, os biólogos hoje definem evolução como uma mudança no fundo genético

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das populações. Em cada fundo genético a frequência dos genes pode variar, havendo genes mais frequentes do que outros.

Fig. – Evolução de uma população de borboletas e do respectivo fundo genético.

Num determinado fundo genético de uma população de borboletas, fixemos, por exemplo, o conjunto de genes responsáveis pela cor das asas. Uma alteração ambiental pode provocar uma selecção natural que favorece as borboletas mais escuras. Estas vivem mais tempo, reproduzem-se mais, aumentando, assim, no fundo genético desta população, o número de genes responsáveis por esta cor.Quando as características do meio se alteram, o conjunto génico mais favorável, isto é, aquele que permite que o indivíduo sobreviva mais tempo e deixe mais descendência, pode deixar de o ser no novo ambiente.O conjunto génico que torna os indivíduos menos adaptados encurta a sua sobrevivência, diminuindo, portanto, a descendência. Em termos globais, há genes que se tornam mais frequentes, enquanto outros vão sendo progressivamente eliminados. Por esta razão, as populações vão ficando cada vez mais bem adaptadas ao meio.Os genes dos indivíduos que mais se reproduzem surgem na população com maior frequência.Ao longo do tempo, determinados genes e, portanto, determinadas características acabam por se implantar nas populações em detrimento de outros, que vão sendo eliminados, dando-se assim a evolução.

Silva, Amparo Dias e tal, Terra, Universo de Vida 11.º ano, Biologia e Geologia, Porto Editora, 2008