002. Marcel Mauss - Uma Categoria Do Espírito Humano a Noção de Pessoa a de Eu
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8/17/2019 002. Marcel Mauss - Uma Categoria Do Espírito Humano a Noção de Pessoa a de Eu
1/15
1
0 sujeito: ' a pessoa
A indulgência de meus ouvinres e de meus leirores
deverâ
ser gra nde,
pois
0
assunto é realmente imenso e nao poderei, nesres cinqüenra e cin
co minutas, senao vos clar uma idéia
da
maneira
de
estudâ-lo. Trata-se
de nada menas que de vos explicar COrno uma das categorias do espirito
humano -
uma
dessas idéias
que
acredit
amos
inatas - lentamenre surgiu
e cresceu ao longo dos séculos e através de numerosas vicissitudes, de ra i
modo que ela ainda é, mesmo hoje, fl uruanre, delicada, preciosa. e pas
sivel de maior elahoraçào_É a idéia de pessoa , a idéia do Eu _
Todo
s
a
cons
ider
am
natural, h
em
definida
no
fu
ndo da Sua
pr
opria consciên
cia, perfei t
amenteeq
uip
;da
no fundo da moral que
de
la se deduz_
Tra
ta-se de subStituir essa visao ingênua de sua hisroria e de seu arual valor
por uma visào mais precisa .
rna palavra obre 0 princfpio desse tipo de pesquisa
Corn isso, vereis uma arnostra - talvez inferior ao gue esperais _ dos tra
balhos da escola francesa de sociologia. Dedicamo-nos de maneira mui
Oespecial
à
historia soc
ial
das carego
ri
as do espirito humano. Tenrarnos
ex
p]i
ca-las uma a uma, partindo sî mplesmente, e
prov
iso riamenre, da
lis
ra
das categorias
2
aristoté
li
cas.
De
screve mos aI
gu
mas
de
suas form as
em aigu mas civilizaçoes e,
por
essa comparaçào, busca mo s encontr ar
sua natureza fluida, e as razôes de esra ser assim. Foi de ssa maneira que,
ao desenvolver a noçào de mana, Hub err e eu acredita mos encomrar nao
apenas 0
fundamenro arcai co da magia, mas também a
forma
muiw ge-
1
Duas teses da École des Hautes Études
ja
abo rdararn probJernas dess
l
ordem: Charles Le
Coeur '932 e V Labock '9]2.
2
Hubert e Mauss 9°9.
-
8/17/2019 002. Marcel Mauss - Uma Categoria Do Espírito Humano a Noção de Pessoa a de Eu
2/15
raI e provavelmente
muita
primitiva da noçao de causa; foi assim que
Hubert descreveu algumas caracteristicas da noçao de tempo; que n05-
so saudoso colega, amigo e discîpulo Cza
rno
wski começou a elaborar -
e infelizmeme nao terminou - sua teoria do retalhamento da exten
sao , isto é, de alguns aspectas da noçào de espaço; foi assim
que
meu
tio e mest re Durkheim esrudou a noçao de todo apos ter estudado comi
go a noçâo de gênero.
Ha
muitas anoSvenho preparando estudos sobre
a noçào de substância, do quai publiquei apenas
um
trecho bastante abs
conso e inutil de 1
er em
sua forma atual. Mencionarei também as multi
plas vezes em que Lucien Lévy-Bruhl abordou essas
questoes
no con
junta de suas obras relativas à mentalidade primitiva - em partlcular no
que se refere ao nossO terna,
0
que ele charnou a
H ~ l m a p r i ~ i t i
v a . Mas
ele esta interessado, nao no esrudo de cada categona em partlcular, ou da
que vamos esrudar, mas sobrerudo em destacar, a proposito de todas, in
clusive a do eu , 0 que hà de pré-16gico na mentalidade das popula
çôes que pertencem
à
antropologia e
à
etnologia, e nao
à
historia.
N osso procedimento sera mais metôdico e nos restringimos ao es
rudo de apellas uma dessas categorias, a
do Eu .
Isso ja s
era
bastante.
Nesse curto espaço
de excessiva, vos levarei a percorrer
0 mundo
e as épocas, ind o
da
Aus
tralia a nossas sociedades européias, e de histo rias
muita
antigas
à
de
nossOS
dias. Pesquisas mais amplas poderiam ser empreendidas, cacia
uma poderia ser
muita
mais aprofundada, mas
pretendo
apenas vos
mostrar camo se poderia organizâ-Ias Pois minha intençao é vos ofere
cer, bruscamente, um catâlogo
i
as formas que a noçao
adq
uiriu em di
versos pontos, e mostrar de que maneira ela acabou
por
ganhar corpo,
matéria, forma, arestas, e isto até n
osSOS
tempos, quando ela finalmente
tarnou
-se clara, niti da, em nossas cÎvilizaçôes (nas ocidentais, muita re
centemente) e nâo ainda em todas. Farei apenas um esboço, darei uma
primeira forma
à
argila. Ainda
estau lon
ge de ter exp
lorado 0
bloco in-
teiro, de ter conc1uîdo a esculrura. .
Assim nao vos falarei da questao lingüistica, que
devena
ser trata
da
num
e s t ~ d o
completa. De
modo nenhum af
irmo
que
t
enha
havido
uma tribo, uma lîngua, em que a palavra l'eu - mim
[je -
moi
]
(vejam
que a declin amos ainda corn ciuas palavras) .nâo existisse: I:ao e ~ p r e s -
sasse algo
de
nitidamente representado. ulto
pela contrano,
alem do
pronome que elas possuem, muitas
Hn
guas se destacam pelo usa
abundantes sufixos de posiçâo, os quais se referem em
grande
parte as
37 Noçào de pessoa
relaçôes que existem no tempo e no espaço entre 0 sujeito que fala e 0
objeto de que ele fala. Aqui,
0 Eu
é onipresente, no
entamo
nao se ex
prime
por
mim nem por eu . Mas sou um mediocre conhecedor nes
se vasto terreno das
Hnguas_
Minha pesquisa sera inteirarnente uma pes
quisa de direito e de moral.
Camo
de lingiiistica, tampouco vos falarei de psicologia. Deixarei
de la
do tudo
0
que diz respeito ao
Eu
)
à
personalidade consciente
como tal. Direi apenas: é evideme, sobretudo para nos,
qu
e nunca hou
ve ser humano que nao tenha tido
0
senso, nao apenas de seu corpo, mas
também de sua individualidade espiritual e corporal ao mesmo tempo. A
psicolog ia clesse sentido fez imensos progressos no ultimo século, de uns
cern anos para .Todos os neurologistas franceses, ingleses, alemâes,
entre os quais meu mestre Ribot, nosso caro colega Head e outros, acu
mularam sobre esse ponto numerosos conhecimemos: sobre a maneira
como se forma, funciona, decai, desvia-se e decompôe-se esse
se
mido, e
sobre 0 papel consideravel que ele desempenha.
Meu ass
umo
é hem diferente, e é independente.
É
um assunto de
hi storia social. De que maneira, 301ongo dos
s é ~ ~ l o s
através de nu-
merasas sociedades, se elaborou lentamente nào 0 senso
do eu
mas
a noçao,
0
conceito que os homens das diversas épocas criaram a seu
respeito? 0
que quero mostrar é a série das formas
que
esse conceito
assumiu na vida dos homens, das socie
clad
es, corn base em seus direi
tas, suas religiôes, seus costumes, suas estruturas sociais e suas menta
lidade
s
Uma coisa pode vos indicar a tendência de minha dem onstraçao; é
que vos
mo
strarei 0
quanta
é receme a palavra filosofica Eu , como
sâo recentes a categoria do Eu , 0 cuIta do Eu (sua aberraçâo) e 0
respeito ao Eu - em particular, ao dos
outras
(sua norma).
Classifiquemos, pois. Sem nenhuma pretensâo de reconsrituir uma
hi
st6 ria geral,
cla
pré-historia aos nossos dias, estude
mo
s prirneiro al
gumas dessas formas da noçao de
Eu ,
para depois entrarmos na his
toria corn os gregos e constatarrnos, a partir clat , alguns encadearnentos
certos. Antes, sem outra preocupaçâo exceta a 16gica, faremos um pas
seio por essa espécie de museu de fatas (nao gosto da palavra survivais,
sobrevivêncÎas, para
in
stiruiçoes que ainda vivem e proliferarn) que a
etnografia nos apresenta .
37'
-
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3/15
II .
0
personagem
e
0
lugar da
pessoa
Os Pueblos
Comecemos pela fato do quai partiram todas essas pesquisas. Vou
toma-la dos indios Pueblos, dos Zui'ii, mais precisame nte os do Puebla
de Zuiii , admiravelmenre esrudados par Frank Hainilton Cushing (p le
namente inici: Jo aas Pu eblos) e
por
Mathilda Cox Stevenson e seu ma
rido clurante
mu
itos anos. A ob ra de1es foi criticada. Mas julgo-a segu
ra e, em roda caso, ûnica. Nada de muito primitivo , é verdade. As
Cidades de
Cibola foram
convert
idas
outrora
aD
cristianismo, el
as
conservaram seus reg istr
as batismais;
mas ao mesmo tê
mp
-o
seus antigos direitos e religiàes - quase
em
('estado nativo , se pode
mas
dizer: aproximadamente os
de
seus predecessores, os cliff dwelfers
[moradores dos rochedos1 os habitantes da
mesa
até a México. Eles
eram e continuaram senclo muita comparave is em civilizaçào material e
em
constituiçào social aos mexicanos e aos mais civilizad
os
do s indios
das duas Américas. :\Iéxico, esse Pueblo , escreve admiravelmente
0
grande
e tao injustamente tratado L. H. Morgan,
fundador
de nossas
ciências.
'
o documento que segue é
de
Frank Hamilton Cushing, autor mui-
ta criticado, mesmo por seus colegas do Bureau
of
American Ethno
logy.
Ma
s, conhecendo sua obra publicada e muito do que foi publicado
sobre os Zu i e os Pu eb los em geral, e também pela que julgo saber de
um grande nûmero de sociedades americanas, insista
em
considera- lo
como um dos melho res descritares de sociedades de todos os tempos.
1 . Sobre l S datas respecti as das diferemes civilizaçôes que ocuparam essa area dos hasket
people, dos cliff dwellers, PO\ os que habitavam as ruinas da mesa, e enfim dos pu. eh/os (qua
drados e circularcs), encontrar-se-a uma boa ex posiçâo das hipôteses provaveis recentes cm
F
H.
H. RobertS 1932: 23-ss. Id. 19,0: 9·
372 Noçào
de
pessoa
Deixo de lado, se permitis, tuda
0
que diz respeito à oriemaçào e
à
divisâo do s personagens do ritual, embora isso tenha uma gra nde im
portância, como
jâ assinalamos alhures; mas destaco estes dois pontas:
Existência de um
numero
determinado de prenomes por clà; definiçào
do pape exato que cada um
desempenha na
figuraçào do clà, e
expre
sso por
esse
nome.
Em cada da. encontra-se um conjunto de nomes
gue
sao chamados
nomes de in
fância. Esses nomes
sa.o
mais
t{rulos gue cognomes,
Sao selecionados segundo
modos sodolôgicos e
di'Vinalônos,
e
conJen'dos na
infância na qualidade
de
"nomes de
'Verdade" ou
titulos
das crianças
que os
receoem.
Mas
este
corpo de
nomes
relacionado
a qualquer um
dos
tOl
ens
- por exemplo, a um
dos
totens
animais - nao
sera
0 nome do propn'o totem, e sim 0 nome
do
tot
em
em suas
'Van'as
condiçoes ou de SUtll
partes,
ou de
suas funçôes,
ou de seus
atriOulOs,
reais
ou
misticos.
Estas partes
ou
fimçôe
s,
ou
atrioutos
das
partes
ou un
çôes,
sao
tamoém
subdi'Vididas em seis, de
modo que 0 nome
reJerente
a
um
memoro
qualquer do totem - por exemplo, 0
oraço direiro ou
a perna
do animal- corres-
e sena 0
9 . u e
nào
é,
e ~ . . . I P p - r i q , _
parte
grupo
setenm'onal);
entao 0 nome reJerente
a outro
memoro -
diga
mos,
a perna
ou oraço esquerdo
e seus poderes
etc
. - pertenceria
ao oeste
e seria
o segundo
em honra;
e
outro memoro
-
0
pé direito por exemplo -
ao
sul e
seria
o
terceiro em Iwnra;
e
outro
memoro ainda - 0 pé
esquerdo
- ao
les te
e 0
quarto
em honra; a outro
-
digamos a
caheça
-
às
regiôes s
uperiores
e
sen'a 0
quinto
em
honra; e outra - digamos a cauda - à
regiao
inJen'or e seria 0 sexLO
em
honra;
efUjuanto
0
coraçào ou
umoigo e
centro do ser seria
0 primeiro
assim como
ûüi
mo em honra
.
Os estudos do
Major Powell
entre os Maslcolci
e
outras
t,
ibo
s
deixaram muùo
claro
que os termos
de
parentesco, assim chamados,
entre
ou
tras
m'bos
indigenas
(e a
regra
lào se aplicarâ menos,
e
tal'Ve{ mesmo
mais
es
trùam.ente,
aos
Zuiii),
sao anUs
dispositivos para determinar a p
osiçà
o
ou
au
lon'dade
relaliva
como
significadas pela
relaçao
de
'idade, mais
velho
ou
mais
nova,
da
pessoa tratada ou refen'da pela Lerma de parentesco, De modo 'lue é
imposs/vel
para um
ZuiiiJalando
corn
OUlro
di{er
simplesmente
irmào;
é
precisa
sempre di{er irmao mais 'Velho
ou
mais
novo,
por meio de
que
0 [a/ante afirma,
ele
me
smo, sua idade ou posiçào relau'va,
É tamhém haoitualque
0
memoro
de
um dà chame 0
outro
pelos
nomes
de parentescopara irmào mais
velh
o
ou
irmào
mais
novo, lia ou soorinho elC,; mas
segundo
0 dà daqu
e
le 'lue
é
chamado ocupe
uma posiçào
supen'o
r
ou
infen'or ao
do
'lue 0 chama pelo termo vocati o, a
palavra-s/moolo
para
m
ais
'Velho
ou
mais
novo tem de
ser usada,
373
-
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4/15
Com
um laI slstema
de
ordenamelllo, que
se
pode constatar ser cudo ùso; m
um dispositivo tào simples pa ra simbolirar esse ordellameflto (nà o Gpenas se
gundo 0 l1ume
ro
de regioes e suas subdil/isoes em sua Sllcessào relat/ hl e a
sucessào de seus elemefllos e estaçoes, mas também nas cores alfibut'das a elas
elc ,. e finalmente, com cal ordenamenta dos nomes correspondemel1lellle
classificadose dos termos de paremesco, indicativos de posiçào
mals
do que
de
conexào consangiimea: cam cudo usa,
um
erra
na
ordem de
uma
cerim
on
ia,
uma proclssào ou um conselho,
é
simplesmente impossivel, e as pessoas 9ue
empregam tais disposiri'/os podem ser ditas ter escrùo e estar escrevendo seus
Slatus e suas eis em rodas
os
seus relaclol/amentas e expressoes dùirias.
Assim, por um lado, 0 clà é concebido como constituido por
um
cerl
além, mas também a renascimenta dos individuos (homens ûnicos
h e r ~ e i r o dos portadores de seus prenomes (a reencarnaçào da:mulhe
res e uma questao hem diferente), co mpreendereis que vernos ja entre os
Pueb los,
em
suma, uma noçào da pessoa, do indivîcluo confundido co
rn
seu cla: ma: des tacado dele no cerimonial, pela mascara, por seu tltu-
1 , sua poslçao, seu papel, sua propriedade, sua sobrevivência e seu rea
a ~ e c i m e n t o
na num
s e
us
descendentes dotados das mesmas po
slçoes, prenomes, nrulos, dlreuos e funçôes. .
oroeste
americano
numero de pessoas, na verclade personagens; e, por outr
o,
0 pap
el
de to - outra grupo de tribos da América seria digno, neste es tudo, se eu
dos esses personagens é realme n
te
figurar, cada um por sua parte, a
tO [}
vesse tempo, de uma amilise aprofund ada dos mesmos fatos.
É
0 das
talidad e prefigurada do clà. tribos. do n o r ~ e s t e am ericano, cujas instituiçôes vosso Royal Anthro-
Isto
em
relaçao às pessoas e ao cla
.
As
CCfratern id
ades" sào ainda pologlcallnstltute e a Br itish Association tiveram a honra de suscitar a
mais complicadas. Ent
re
os Pueblos de Zuiii, e ev id entemente entre os anâlise iniciada por Dawson, a grande ge610go, tao bem
outros, os de
Sa
i, de Tusayan, entre os Hopi, de Walpi e Mishongnov_
,
-
__
;,prossegulda, quando nao terminada, pelos excelentes trabalhos de
os nom
es
correspo
nd
em nào simplesmente à organizaçào do cIa, a seu oas es eusauiilia
re
s lnaios Hunt e Tate, pelos de , . . : d ~ e ~ S ~ w ~ a ~ n . . , t - o
desfile, a suas pompas, privadas e pûblicas, ma s sobretudo às posiçôes de Barbeau etc.
nas confrarias, naq
ui
lo que a antiga nomenc1atura de Powell e do Bu-
La
ambém
se
coloca, em termos diferentes mas corn natur
eza
e
reau of American Ethnology chamava as Fratemùies , as
c
Secret Socie- funçao idênricas, 0 me smo problema, 0 do nome, da posiçào social da
lies , e que poderîamos corn
mu
ita exatidào comparar aos Colégios da "natividade" jurîdica e religiosa de cada homem livre e, corn mais
religiao romana. Segredo das preparaçôes e de numerosos ritos so lenes dos nobres e principes.
rese rvados
à
Socied ade dos Homens (Kaka ou Koko , Koyemshi etc.), Tomarei como ponto de partida a mais conhec ida dessas importan-
mas [ambém demonstraçôes publicas - quase teatrais - sobretudo em tes socledades, os Kwakiutl, e me limitarei a algumas indicaçôes.
Zuii.i, sobretudo entre os Hopi : as danças de mascaras - em partic
ul
ar as Vma ressalva: como
em
relaçao aos Pueblos, tampouco se deve
dos Katcina, v isita dos espiritos representa dos pelos que possuem seus pensar em qualquer coisa de primitivo em relaçao aos indios do noroes-
direitos nesse mundo, os portaclores de seus tÎtulos. Tudo isso, que virou te americano. Ern primeiro lugar, uma parte desses indios, ju stamente os
agora espetâculo para ruristas, estava ainda
em
plena v
id
a ha menos
de do
n?rte, Tlingit e Haïda, falam lînguas que, segundo
Sa
pir, sao linguas
cinqüenta anos, e ainda co ntinua vivo. [QnalS e aparentadas às linguas derivadas do tronco que se convencio-
A srta.
B.
Freire Marecco (agora sra . Aitken) e 0 sr. E. Clews Par- nou charnar prota-sino-tibeto-birmanês. E, se posso vos conta r uma de
sons cominuam trazendo-nos informaçoes e corroborando nossos co- minha:. e . s s ô e s de etn6grafo, se nao de ga
bi
nete, pelo menas "de
nhecimentos. u s e ~
e u ~ t o fo
rte a lernhrança que guardo de um a apresentaçào dos
Por outro lado, se considerarmos que essas vidas dos individuos, K w ~ ~ u t l dev lda ao respeitaclo Putnam, um dos funclaclores da seçao et-
forças motoras dos
c1 às
e das sociedades sobrepostas aos cHi
s,
asseguram nolog ea do Ameriean Museum
of
Natural Hi story : um gra nde barco de
nao apenas a vid a das coisas e dos deuses, m
as
a upropriedade" d
as
co
i-
ce
rimônia,
corn
manequins em tamanho natural, corn todos os
se
us pe-
sas; e que nao apenas asseguram a vida dos homens, nes te mundo e no trechos de religiao e de direit
o,
represemava os Hamatsé, principes ca-
374 NOfàodep,moa
375
-
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5/15
nibais que chegavam do mar para um rirual - certamente
de
casamento.
Corn suas roupas muito ncas, suas coroas de casca de
cedro
vermelho,
seus acompanha
nt
es menos ricamente vestidos mas
glor
iosos, eles
me
deram precisamente a impressâo do que pode ter
sido
,
por
exemp lo, uma
China setentrional muito}muito antiga. Penso que esse barco, que essa
representaçâo um tanto romanceada desapareceu; ela nâo esta mais na
moda em nossos museus de etnografia. Mas 0 que importa
é
que esta
produziu um efeito sobre mim. Mes
mo
as [aces indigenas lembraram
me vivameme as faces dos "paleo-asiaticos" (assim chamados porque
nâo se sabe
onde
classificar suas Hnguas). E, a partir desse
ponto
de ci
vilizaçâo e de povoamento, devemos ainda contar longas e muitiplas
evoIuçôes, revoIuçôes, novas formaçôes , que 0 nosso
caro
colega Franz
Boas se esforça
por
reconstituir, talvez um pouco apressadamente.
o
fato é
que
todos esses indio
s
os Kwakiutl em particular, instala
ram
2
ent re eles
um
sistema social e religioso no quaI, nu ma imensa tra
ca de direitos,
de
pr
estaçôes, de bens, de danças,
de
cerimônia
s
de pri
v
il
égios, de posiçôes, as pessoas e os grupos soc
iai
s sâo simultaneamente
satisfeitos. Vê-se muito nicidamente
ca
mo, a partir das classes e do s clàs
o
r
enam-se as
rr
pe 'ssoas humana
s ,
e
coino,
a partir destas, ordenam-se
os gestos dos atores num drama. Aqui, todos os atores sâo
t e o r i c m e n t ~
todos
os ho mens livr es. Mas, desta vez, 0 drama é mais do que estético. E
religioso, e ao mesmo tempo côsmico, mito1
6g
ico, social e pessoa .
Primeiro,
coma
entre os Zufii, todo individuo em cada
cIa:
tem um
nom e - ou até dois nomes - para cada estaçào, profana (verao)
WiX-
sa)
e sagrado (inverno)
(LaXsa) .
Esses nomes sao repartidos
en t
re as (a
mîlias separadas, as "sociedades secretas" e os
cHis
gue colaboram nos
ritos, nos momentos em que os chefes e as familias se enfremam nos
inûmeros e interminaveis
potlatch,
dos quais busquei alhures
dar
uma
idéia. Cada d a tem duas séries comple[as de nomes pr6prios, ou melhor,
de prenomes, uma corrente, a
outra
secreta, mas esta nao é uma série
simples. Po is 0 prenome do individuo, no caso 0 nobre, muda corn sua
2. C f. Davy 1922; Mauss
[
923-2.-11 192 5(cf. Terceira pane, supra), onde n50 pude insistir
estava fora do meu assuma - sobre 0 falo da pessoa" e de seus dir eito
s
dcveres e poderes
religiosos, sob re a sucessào dos nomes elc. Nem Davy nem eu insistimos sobre 0 fata de que
o porlatell comporta, além das trocas de homen
s
mulheres, heranças, contratos, bens, prcsla
çoes riruais, em primeiro lugar, e em panicular, danças, iniciaçoes, e ainda: êxtases e passcs
socs pelas espfritos elernos e reencarnados. Tudo, mesmo a guerra, as lutas, é liro apenas en-
tre
porraJores u ~ e s titulos hu eJùin'os, que encamam euas aimas.
376
"oçào de pessoa
e funçoes que ele
c ~ m p r
em deco
rr
ência dessa idade.
3
É
0 que
dl z um do clà das Aguias isto é,
é
verdade, de uma espécie de
grupo pnnlegJado de
c1às pr
iv
il
eg iados:
o
hâbiro de llào mudar os nomes começou ha muito tempo / / Oemaxt
Mali 0 ancestal
do
flumaym G ig flgarn
do
/ Q10moyâEye, fit os tronos
das Aguias; e
esses
passaram para
os
nurnayms. E
0
dono do
Mme Wilt-
seEgstala dit /
«agora, rlOSSOS
cI/efes receberam tudo, e eu vou direto
para
baixo {segundo Q posiçào na lzierarquia)". / Assim eie
dit
quando ele doa
sua.s propriedades: pois eu
VOu
apellas nom
ea
r
os
nomes / /
de urn
dos chefes
prin.cipais dos numayms das / tribos Kwakiutl. Eles nunca mudam seus
nom
es
desde a começo, / quando os primeiros hurnanos exirtiam no mundo;
pois
os
nomes nào padern sair / da
la m
/lia dos che/esprincipais
dos
numayms,
ape1la.s
para
a
mals
J'elho
da proIe do chefe.
o que esta em jogo em mdo isso
é
portanto mais do que 0 prestigio e a
autoridade do chefe e do clà , é a existência
me
sma destes e dos antepas
sa
dos que se reencarnam nos
deœmore
s de tal direito, que revivem no
corpo dos que carregam seus nomes, cujo perpe tuidade é garantida pelo
rituaI em todas as suas fases. A perpetuidade das coisas e das aImas 56
é
garantida pela perpetuidade dos nomes dos individuos, das pesso
as.
Es
[as
agem apenas como representantes e, inver
sa
mente, sao responsaveis
por todo 0 seu
cla
suas familias, suas tribos. Por exempl
o
uma posiçao,
um poder, uma funçao religiosa e estética, dança e possessao,parapher_
na ia
e cobres em forma de escudos - verdadeiras "moedas" de
cobre-
moedas
in
signes dos potlatch presentes e futuros, tudo isso se conquis
a
pela guerra: basta matar seu possuidor - ou apoderar-se
de
um dos apa
ratos do ritual , vestes} mascaras - para herdar seus nomes, seus bens,
se
us cargos, seus antepassados , sua pessoa - no se
mido
pleno da pala
Assim adquirem-se posiçôes, ben
s
direiros pessoais, coisas e
ao
mesmo tempo 0 espirito individual deIas.
Toda essa imensa mascarada, todo esse drama e esse balé compli
cado de êx[ases, dizem respeito ta mo ao pas
sa
do
quanto
ao futuro, sao
uma
pr
ova do oficiante e uma prova da pre
se
nça nele
do naualaku
(ibid.:
39
6
), elemento de força impessoa
l
ou do antepassado, ou
do
deus pessoaI, em todo casa do
poder
sobre-humano, espirituaI defini-
3. Boas /92/: 431.
4.
A melhor exposiçào geral de
Boa
s encontra-se em: 1895b: 39
6
-
ss
.
377
.
.
-
8/17/2019 002. Marcel Mauss - Uma Categoria Do Espírito Humano a Noção de Pessoa a de Eu
6/15
tivo. 0
potlatch
vitorioso,
0
cobre conquistado, correspondem
à
dança
irnpecavel (cf. ibid., p. j6j) e à possessào bem-sucedida
ver
ibid. , p.
6j8, jOj,
46j
etc.).
Nao
dispomos de tempo para desenvolver todos esses assuntos. De
um ponto de vista quase aned6tico, assinalo-vos uma insrituiçao, um ob
jeto comum
de
s
de
os Nootka até os Tlingit do norte do Alaska: é 0 uso
da
s notaveis mascaras corn portinholas, duplas e mesmo triplas, que
se
abrem para r
ev
elar os dois
ou
trés seres (totens superpostos)
que
0 por
tador da mascara personifica .
5
' Podereis ver l g u m s ~ muito belas, no
British Museum. E tambérn os famosos
totem poles,
os cachimbos em pe
dr
a-sabào etc.) t
odos
esses objetos que vira ram ago ra mercadoria para
turistas trazidos
de
trem
ou
de navio, podem ser assim
ana li
sa
do
s. Um
cachirnbo que julgo haida, e ao quaI nào dei antes muita atençao, repre
senta precisamente um jovem iniciado corn seu chapéu pontudo, apre
senta
do par
seu pai-espirito corn chapéu, portando a orca - e abaixo do
iniciado, ao quaI estào subordinados em ordem descendente: uma
certamente sua mae, e a corvo, certamente seu avô (materno).
o caso i
mporta
ntissim o d_s mudanças de nome ao l
ongo
da vida -
sobretudo
nobr
e - nao ira nos ocupar; seria preciso ëx-
por toda
uma
sé
rie de fatos
cur
iosos de substituiçâo: 0 filho - menor -
é
representado
temporariame
nt
e
par
seu pai, que recolhe provisor iamente
0
espirito do
avô falecido; e teriamos que fazer aqui toda uma demonstraçâo da pre
sença, entre os Kwakiutl, da dupla descendéncia uterina e masculina, e
do sistema das geraç6es alternadas e defasada
s.
De resto,
é
muito significativo que, entre os Kwakiutl (e seus pa
rentes mais
pr6ximos,
Heitsuk, Be
ll
acoola etc .), cada
mome
n
to da vi
da
seja nomeado, personificado,
por
um novo nome, um novo titulo, da
criança,
do
adolescente,
do
adulto (masculino e feminino); a adulw
também possui um nome
coma
guerreiro (na
ru
ralmente, nao as mulhe
res),
coma
principe e princesa, coma chefe e chefa, um nome para a
fes-
ta que eles oferecem (hornens e mulheres) e para 0 cerimonial particular
que lhes pertence, para sua idade
de
retira, seu nome
da
soc i
eda
de das
focas (dos retirados: sem éxtases nem possessoes,
se
m responsabilidades
nem beneficios, exceto os das lembranças do passado);
enfim,
sâo no
meados:
sua
soc
ie ade secreta na quaI sào
pr
otagonistas (urso - fre-
5. A
uhima portinhola abre-se, se n50 para a face inteira, ao menos pa ra a boca, e
na
maio
ria das vezes para os olhos e a hoca
cf.
id. ibid.: 628, fig. 195).
378 Noçào de pessoa
qüente entre as mulheres, que sào represemadas
par
seus ho mens o u
seus
filhos-.lobo,
Hamatsé (canibais) erc.). Sào ainda nomeados: a casa
do chefe (corn seu telhado, vigas. portas, aberturas, decoraçàes, serpen
te corn dupla cabeça e face), a canoa cerimonia
l.
os càes.
É
precisa acres
cemar às listas expostas Ethnology of the Kwakiml 6que os pratos,
os o ~ ~ cabres,
~ ~ o
e brasonado, animad
o,
faz parte da
persona
do
propnetano
e
dafomlüa,
das
res
de seu clà.
Escolhemos os Kwakiutl , e
em
ger
al
os îndios do noroesre, porque
eles represemam os pomos maximos, os excessos que permitem perce
ber
m ~ l h o r
os fatas do que
la
onde. nào menas essenciais, estes
se
mos
tram amda pequeno: e nào evoluîdos. Mas convém saber que uma
gran
~ a ~ t dos amencanos da Pradaria , os Sioux em particular, tém
mstltulçoes semelhames. Assim os \Vinnebago, estudados
por
nosso co
lega Radin. têm justamente essas sé ri es de prenomes determinados por
clâs famûias , que os repartem segundo uma certa orrl.
em
,
ma
s sempre
p r e c l s m e ~ t e
segundo uma reparriçào lôgica de atributos ou de forças e
n.aturezas , baseada no miro de origem do clà. e que fundam ema a capa
cldade desse ou daquele de assumir seu personagem.
- . Eis aqui um exemplo dessa
or
igem dos nomes de individuos que
RadIn oferece em detalhe em sua aurobiografia exemplar,
Cras
hing
Thunder
[ 9
27
]:
Em
nosso clà sempre 'lue uma cn'ança ia ser nomeada, era
meupai
lue
0 fatia.
Eie agora transmitiu
esse
direito a
meu
irmào.
o
criador
Earthmaker)
, no prindpio, enviou quatro homens do mundo de
cima quando eies chegaram a esta terra, tudo a 'lue acomecla cam eies era
utili{ado.parafa ter nomes pessoais. Foi isso 'lue laSSO
pai
nos
COlltOIl.
Do
[a a
de
eles l"trem
de
cima origil/ou-se 0 nome Vern-de-cima; e coma t'ieram como
espiritos temos
0
lame Homem-espirito. QUQI/do yieram, caiu uma gama, dar'
os nomes Andando-no-nevoeiro, Vem-no-ne yoe iro, Chuya-miûda.
Ditem
'lue
quando eles yieram para Lago-de-dentro ( l.f7ithin-
Iake)
eles descansaram
junlo
a
um arbuslO
e
dar' 0
nome Dobra-o-arbuslo; e como eles descansaram
jUlltO a um caryaiho, hâ 0 nome Aryore-carva/ho. Como nossos pâssaros vie -
6 .
B.oas
1921:.
79
-80
1. 7.
Ver Radin (/916.
v:
246) , para os nom
es do
c1à
do I3Malo,
e as
pagmas segulmes. para os oUlros clàs; ver sobrerudo a r
epaniçào
dos quarro a seis pr imei
ros prenomes para os homens e
0
mesmo para as mulheres . Ver
outras
listas (p. 22.1) que
datam de DOrSf\· .
379
.
.,
-
8/17/2019 002. Marcel Mauss - Uma Categoria Do Espírito Humano a Noção de Pessoa a de Eu
7/15
ram
com
ospdssaros-troviio cemos um nome Pdssaro-trovào, e como esses sào
os animais que causam trovaes, temos 0 nome Ele-q
ue
-trovoa. Temos tamhém
Anda-com-passadas-poderosas, Treme-a-terra-com-sua-força, Vem-
com
venlo-e-granizo Raios-para-todos-os-Iados S6-um-raio Relâmpago, Anda
nas-nuvens, Ele-com-longas-asas, Alinge-a-arvore.
Os pâssaros-troviio vieram com cerriveis trovoadas. Tudo sohre a terra, ani
mais, plantas, cudo
é
coherto pela dgua
da
chul a. Trovoadas terriveis
ressoam por wda a parte. De cudo isso um nome foi derivado, e este
é
0 meu
nome: Choque
-d
o-troviio [Crash.ng Thunder} .8
Cada um dos nomes de pâssaro-trovao em que se dividem os diferentes
momentos do totem trovao, é a nome de um dos antepassados perpetua
mente
reencamados.
(Ternas inclusive
9
a historia de du
as
reencarnaçôes.)
Os homens
qu
e os reencarnarn sao intermediârios entre 0 animal totê
mica e a espirito guardiao, de um lado, e as coisas brasonadas e os ri tos
do
da
ou grandes medicamentos ,de outro. E todos esses nomes e he
ranças de personalidades sao deter minados par revelaçôes, cujos limites
o beneficiario conhece antecipadamente, indicados
par
sua avo ou pelas
anci6es:--En contramos-um-pouco-por-toda-a-América
;-
se-nao-es mesmo
fatos,
pe
lo menos
0
mesmo gênero de fatos. Poderiamos prosse guir essa
demons traçao no mundo iroquês, algonquino etc.
Australia
Convém volt
ar por
um instante a fatas mais sumarios, mais primitivos.
Duas
ou três Îndicaçôes dize m respeito à Austrâ
li
a.
Também aqui 0 d a de modo nenh um é representado coma um ser
inteiramente impessoal, coletivo,
0
totem, representado pela espécie ani
mal e nao pelas individuos - homens, de urn lado, animais, de outro.
O
Sob seu
as
pecta homem, ele é a frlito das reencarnaçôes dos espiritos
dispersas e que renascem perpetuamente no d a (isso
é
verdade para os
8. Ver
0
mesmo fato, diferentemente disposto, em Radin
19 16: 194. 9.
P. Rad in,
Crashing
Thunder
(1927: 41). 1
.
Formas de totemismo desse gênero encontram-se
na A.O.F.
[Âfrica
Ocidenlal Francesa1 e na Nigéria,
0
numero
de
peixes-boi e de crocodilos de um determina
do
braço morto de rio correspondendo ao numero de viventes. Noutros lugares, provavel
mente, os individuos animais sào nomeados como os individuos humanos.
380 Noçào de pessoa
•
Aru nta, os Loritja, os Kakadu
eIc
.).
Me
smo entre os Arunta e os Lorit
ja, esses espiritos reencarnam-se corn grande precisào na te rceira gera
çào (avô-new) e
na
quinta, na quai antepassado e trineto sao homôni
mos. Também aqui se trata de urn truto da descendênc ia uterina cruzada
corn a masculina. -
E.
par exernplo, pode- se estudar na repart içào dos
nomes por individuos, par clà e classe matrimonial exata (oito classes
arunta), a relaçao desses nomes corn os ancesrrais eternos) corn os
r l -
pa
sob a forma deles no momento
da
concepçao, os fetos e crianças que
eles engendram a partir des
se
dia, e encre os nomes desses
r l p
e os
nomes
de
adultos (que
sao,
em particular, os das funçôes cumpridas nas
cerimônias de clà e trillais). A arte de todas essas repartiç6es é nao ape
nas culminar
na
religiào, mas também definir a posiçào do individuo
em
seus direitos, seu lugar rama na tribo camo nos ritos.
Finalmente,
se,
par razôes que veremos
em
seguida, falei sobretu
do de sociedades corn ma.scaras permanentes (Zuni, Kwakiutl), convém
nao esquecer que
as
mascaradas tempora
ria
s sao, na Austral ia e nOutros
lugares. simplesmeme cerimônias de ma scar
as
nao permanentes. Nelas
o homem fabrica-se uma perso nalidade sobreposta, verdadeira no casa
do-rirual,-fingida-no caso do jogo.
Ma s,
entre uma pintura faci
al
ou cor
poral e uma vestimema e uma
ma
scara,
ha
someme uma diferença de
grau, nenhuma diferença de funçào. Tudo
re
sultou, aqui e acola, numa
represemaçào extatica do antepassado.
Alias, a presença ou a auséncia da mascara sao antes traças da arbi
trariedade social, hist6rica, cultural, co ma
foi
dito, do que traças funda
mentais. Assim,
os
Kiwai, os Papua da ilha de Kiwai , possuem admira
veis mascaras, que ri\'alizam até mesmo corn
as
dos Tlingit, da Amér
ica
do Norte - enquanro seus vizinhos pouco afastados, os Mari
nd
-Anim,
nào têm senao
uma unica
ma scara imeirameme simples, ma s realizam
festas de confrarias e de c1as corn as pessoas enfeiradas da cabeça aos pés,
tornadas irreconhecÎyeis corn rantos enfeites.
Concluamos esta primeira parte de nossa demonstraçao. Observa
se evid e
nr
emente que
um
imenso conjunto de sociedades chegou
à
no
çâo de personagem, de papel cumprido pelo
in
dividuo
em
dramas
sa
-
11. Sobre essas très séries de nomes, Hr os quadros genealôgicos A runta) em Slrehlow
19
1
5, Caderno de ilustraçôes. parte V. Podem se r acompanhados corn inleresse os casos dos
Jerramba (formiga de mel ) e dos
Mal
banka (portadores
do
nome do ncrôi civîlizaclor e fun
dador
do
clà do gato
seIYagem)
que reaparecem varias vezes em genealogias muito scguras.
..
-
8/17/2019 002. Marcel Mauss - Uma Categoria Do Espírito Humano a Noção de Pessoa a de Eu
8/15
grados, assim como ele desempenha
um
papel na vida familiaL A fun
cào criou a formula e isso desde socîedades muito primirivas até as nos-
sas. - Instituiçôes coma as dos retirados , das focas kwakiutl, ou um
costume coma
0
dos Arunta, que relegam à condiçâo das pessoas incon
seqüentes aquele que nao consegue mais dançar,
que perdeu
seu
Kaba-
ra , sao inteiramente tipicas.
Um outro
ponto de vista, que apenas mencionarei, é
0
da noçao de
reencarnaçào de um numero determinado de espiritos nomeados, nos
corpos de um numero dererminado
de
indivîduos. -
No
entanto,
B
e C.
G Seligmann publicaram corn razao os documentas de Deacon, que ob
servou 0 fato na Melanésia. Rattray jâ 0 havia observado a proposiro do
nlOro shantin.
12
E vos anuncio que Maupoil descobriu nisso um dos ele
mentos mais importantes do culto do Fa (Daomé e Nigéria). - Mas dei
xo
tu
do
isso de lado.
Pa
ssemos da noçào de personagem à noçào de pessoa e de Eu .
I l l A persona Iatina
Todos sabeis
0
quanto é normal , classica, a noçào de persona larina: mas
cara, mascara tragica, mascara rirual e mascara de ancestral. Ela aparece
no inicio da civilizaçào latina .
Quero vos mosrrar de que maneira ela se tornou eferivamente a
nossa. 0 espaça, os tempos, as diferenças gue separam es sa origem des
se fim sao consideraveis Evoluço
es
e revoluçàes dispàem-se, hisrorica
mente desta vez, segundo datas precisas, e par causas visiveis que ire
mas descrever. Essa categoria do espirito vacilou em alguns pontos,
noutros lançou profundas raizes.
- - - - - ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ I _ C - e s m _ c h r r e grandes e amigas sociedades que foram as primei-
ras a
tomar
cansciência dela, duas a inventaram para,
por
assim dizer,
dissolvê-Ia quase definitivamente, ja a partir dos ûltimos séculos gue
precederam nassa era. 0 exemplo delas é in strutivo: é 0 da fndia bramâ
nica e budica, e a da China antiga.
12 Ver
0
artigo de Herskovits 19
3T 287-96.
Um bom exemplo de r e a p a r e c i m ~ n t o de
~ o m ~ s
em paises bantu
foi
assinalado por E.
\V
Smith e A. Dale, 19
20;
C. G. e B Sebgmann Jamais
perderam essa questao de vista.
38 Noçào
de
pessoa
A
[ndia
A India pareee-me ter sido a mais antiga das civilizaçôes que teve a no
çao do individuo, de sua consciéncia, digo eu, do
Eu ;
a ahamkara, a
fabricaçao do eu , é
0
nome da consciência individual, aham = eu (é a
mesma palavra indo-européia que ego . A palavra
ahamkara
é evidente
mente uma palavra técnica, criada por alguma escola de sâbios videntes,
superiores a todas as ilusôes psicologicas. 0
samklzya,
a escola que jus
tamente deve ter precedido 0 budismo, afirma 0 carater compostO das
coisas e dos espiritos
(samklzya
quer dizer pr ecisamente composiçao),
considera que
0
Eu é algo ilusorio; quant a ao budisma, numa primei
ra parte de sua historia ) ele decretava ser esse apenas um composta, di
visîvel, separavel de skandha, e buscava seu aniquilamento no mange.
1
-
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As grandes escolas do bramanismo dos Upani.xades - seguramen
te anteriores ao
samkh)'a
assim como às duas formas ortod oxas do
Ve
dama que 0 seguem - partem rodas da liçâo dos '\'identes , até 0 dialo
go de Vixnu mostrando a verdade a A r j u n a ~ na
Bhagava d Gita: tat tvam
asi ,
0
que equivale quase a dizer verbalmente em inglês: that thou art
_ ru
és
isso 0 universo). Alias,
0
ritual védico posterior e seus comenta
rios
ja
estavam impregnaclos dessa merafisica.
AChina
Da
China, sei apenas 0 que meu coleg a e amigo Marcel Granet consen
tiu em ensinar-rne. Em nenhum lugar, ainda
h o j e
0 individuo, seu ser
social em particular, é mais levado em coma; em parte alguma ele se
classifica mais fortement . 0 que nos revelam os
adm
iraveis trabalhos
de Granet é a força e a grandeza, na China a n t i g a ~ de instituiçôes com
paraveis às do noroeste americano. A ordem dos nascimentos,. a
h i e r ~ r -
quia e
0
jogo das classes sociais fixam os nomes, a for ma de vlda do 111
-
dividuo, sua face , como ainda se diz .
n6s). Sua individualidade é seu
ming,
seu nome. A
China
conservOu as
noçoes arcaicas. Mas, ao mesmo tempo, retirou da individualidade todû
carater de ser perpétuo e indecomponivel.
0 nome,
0
ming, é um coleti
vo, é uma coisa vinda de alhures:
0
antepassado correspond ente
0
usou,
assim como volta ra a usa -Io
0
descend en te do portador. E
quando se fi-
losofou sobre
0
individuo, quando em certas metafîsicas se tentou expri
mir a que ele é, foi dito que
é
um composta de
shen
e de
kwei
(ainda dois
coletivos) nesta vida . Taolsmo e bud ismo tarnhém rocaram nesse pontO,
e a noçao de pessoa nao se desenvolveu mais.
Outras naçoes conheceram ou adotaram idéias semelhantes. Sao
raras as que fizeram da pessoa humana uma entidade completa, ind e
pendente de qua lquer
outra
, exceto
de
Deus. A mais important e
é
a ro
mana. A nosso ver,
foi
em Roma que essa liltima noçao se forrnou.
384
Noçào de pessoa
IV. A persona
contrario dos
hi
ndus e dos chineses, os rom anos - os lat
in
os, melhor
dlzendo - p a ~ e c e m ser aqueles que estabeleceram parcialmente a noçao
de e : s ~ a , CUJO nome permaneceu exatamente 0 da palavra latina. Bem
no InlCIO, samos transportados aos mesmos sisternas de fatos que os an
teriores, mas ja corn uma forma nova: a pessoa é mais do que um ele
meoto de organizaçào, mais do que um nome ou
0
direito a um persona
gem e a uma mascara ritual, ela é um fato fundarnental do direito. Ern
direito, os juristas dizem:
ha
somente aspersonae, as res e as actiones: esse
prindpio ainda governa as
~ i v i s ô e ~
de nossos c6digos . Mas t r a t a
romano.
Corn alguma ousadia, eis camo posso conceber essa historia.
1
Tuda
indica que 0 sentido origina l da palavra fosse exc1usivamente masca
ra . N aturalmente, a exp licaçao dos etimologistas latinos - persona
vio
do de
per/sonare,
a mascara pela
(per)
quaI ressoa a voz (do ator) - foi
mventada logo em seguida. (Embora se distinga entre persona e persona
muta, 0
personagem rnud o do drama e da pantomima .) Na verdade a
palavra nao parece ser exatamente de origern latina mas sim e t r u s ~ a
camo outros nomes em
na
(Porsenna, Caecina etc.). Meillet e Ernout
(Dictionnaire t y m ~ l o g i q u e compara
n
-na
à
palavra mal transrnitida far-
su,
e Benvemste dlsse-me que ela pode vir de um empréstimo tomado
pelos etruscos do grego rrp crwTIov
(perso) .
0 faro é que, materialmente,
1. 0. sociôlogo e 0 historiaclor do DireilO sempre deparam corn 0 obstaculo de nào termos
p r ~ t l c a m e m e (omes autêmîcas do mais amigo direito: s6 alguns fragmentos
da
época dos
Reis
~ u m a )
e a l g u n ~ t ~ e c h o s da
Lei das
Ote
Tâ/mas,
c a seguir faros registr ados muiro
p ~ s [ C n o r m e m e . Do dlrelta romano completa, s6 comcçamos a formar uma idéia
cena
atra
ves
de texlOs de dircito, devidameme re s
ti
ru
fdos
ou recuperados, nos séculos
1II
e
Il
antes
de
n o s s ~ era, e mesmo mais tarde. No entamo. precisamos imaginar um passado do Direito e
da Clda.de. Sobre esta e
su
a primeira histôrü . podem ser consultados os livras de Pigan
io
l e
CarcopIno.
-
8/17/2019 002. Marcel Mauss - Uma Categoria Do Espírito Humano a Noção de Pessoa a de Eu
10/15
mesmo a instituiçào das mascaras, e em particular das mascaras de an
cestrais, parece ter tido por nûcleo principal a Etrûria.
Os
etruscos i-
nham
uma civilizaçào de mascaras. Nào ha comparaçao entre a guanri
clade
de mascaras de madeira, de terracota -
as
de ce ra desapareceram -.
a guantidade de efîgies de ancestrais adormecidos e sentados gue
se en
contraram nas escavaçôes do vasto reino tirre
no,
e as encontradas em
Roma, no Lacio ou na Magna Grécia - alias, em minha
op
iniào)em sua
maior parte
de
ratura etrusca,
Mas, se nao foram os latÎnos
que
invemaram a palavra e as institui
çà
es, ao menas foram eles que Ihe deram 0 semido primitivo que veio a
ser
0
nosso. Eis agui
0
processo.
Em primeiro Jugar, encontramos neles rraços definidos de
in
srirui
çôes
do gênero da
s cerimô
ni
as
de
clàs, mascara
s,
pi
nt
uras, em que os
atores
se
enfeitam conforme os nomes que trazem. Ao menos um dos
grandes riruais da Roma mais antiga corresponde exatamenre ao tipo co
mum cujas formas descrevemos . É 0 dos
Hirpi Sorani,
dos lobos do
[monte] Soracte (Hirpi
=
loba em lingua samnira). lrpini apelfatinomù/e
l u p l ~
quem irpum
dieU/Il
Samnites; eum enim dueem seeuti agros
oeeUpa /è-
re,
ensina Festo,
93,
2).2
As pessoas das familias
que
portavam esse tÎtulo caminhavam so
bre carvôes ardentes no sa muario da deusa Feronia, e gozavam de privi
légias e
de
isençào
de
impostos.
Si
r
J
mes Frazer supôs ser
0
resta de
um
anrigo cIa, transforma do em confra
ri
a, que usava nomes, peles e masca
ras. E mais:
pa
rece que estamos aqu i em presença
do
miro mesmo
de
Roma.
Aeea Larentia,
a velha, a mae dos Lares, festejada nas Larenrais
(dezembro), nao é outra senao 0 indigitamen.tum, 0 nome secreta da
Loba romana, mae de Rômulo e de Remo (Ovidio,
Fastes,
l
5)
-SS), 3Um
clà, danças, mascaras, um nome, nomes, um rirua
1.
0 fa te
,
admira, e s t ~
um pouco dividido em dois elementos: uma confra
ri
a que sobrevive,
um
mita que relata 0 que precedeu a pr6pria Roma.
Mas
os dois formam
um
rodo complete. 0 estudo de
outros
colégios romanos permi
ti
ria
OUI
ra
s
hip6teses.
No
fundo, samnitas, etruscos, latinos ainda viviam na atmos-
2. Alusào clara a uma
fo
rma de 100 em- lobo do deils do Irigo RoggenwolfJ (germ.). A pala.
vra hirpex or ie;inou herse (cf. Lupatum), Ver Meillel e
Em
oul 1931.
3.
Ver os comemarios de
Frazer,
ad. loc.,
cf. id. ibid., verso
4SJ,
Acca lamemando·se sobre os r
eslOS
monais de Remo
mOrio par Rômulo - Fundaçào das lemuria (resla sinisna dos lêmu res, das aimas dos mor·
tos sangrentos) - jogo de palavras entre
Remuria/
Lemuria.
386
Ofao de pessoa
(edra q.ue
a ~ a b a m ~ s ~ e i x a r
personae,
mâscaras e nomes, direitos indi
VI
ualS
a rItos, pnv Ileglos.
D
- d
d d d
al
a no?ao e pessoa hà somente um passo. Ele ta lvez n
ào
foi
a a e
il,ma
so vez. Penso que lendas coma a do cônsuI Bruto e seus fi
lhos, do direito do
paLer
de matar seus filhos, seus
sui,
u z e ~
a aqulslçao da
persona
pelos fi lhos ainda em vida
do
.
p
1
d
1 b
. . pal. enso qu
eare_
vo
ta
a
pee ,
0
pleno dlrelto
de
cidadania que adqu
ir
iram d . d
filhos das familias senatoriais _ rodos os memb
1b
d- epolS os
d
T'
d ros p e eus
as gentes
fOl
eClslva. l a os os homens
li
vres de Roma foram cidada )
dos
t .
os romanos to-
v ~ r m apersona CIvil ; alguns tornaram-sepersonae re
li
giosas '
al
u-
m ~ s
. m a ~ c a r a s ,
nomes e rituais permaneceram ligados
a
algumas
: m i ~ a s
pnv l egladas dos colégios religiosos.
Um
Outro costu,me chegou aos mes mos fins,
0
dos nomes, reno-
mes e cognomes. 0 cldadào romano tem di reiro ao nOmen ao p
e
ao '
praenomen
cognomen,
que sua
gens
lhe atribui. Prenome que traduz
0
P
lo
a orde d . d ' P r exem-
, m e naSCl
me
nto a antepassado que 0 usou P . S
d N . n mus, ecun-
u_s. 0n:
e
(nomen - numen) sagrado da gens. Cognomen sobrenome
_ _ T,nao a p e h d o ~
par
exemplo Naso, Cicero etc.
4
Um s e n a t u s - ~ o de-
erm lnou (evlC1entememe aeve ter fiavldo abusos) que =
-;i
=
o
h
-:
a
..
v
ia=o::.d;éi-'re ic-
_
- - - -
- --
ta de tomar, de usar
0
prenome de Outra
gens
que nao a sua
0 co
rem
um h'
.
.
'gnomen
a Outra lstona, acabou-se
por conf
undir eognomen 0 sobreno-
me
que se pode usar, corn a
imago,
a mâscara de cera moldada sobre a
face, 0 np6awnov do ances[ral mono e conservado no vestibulo da casa
: DeverÎamos desem'olver mais essa questào das relaçôes em Roma entre
I m a g ~ e entre esta e,0
n o ~ ~ : n o m ~ n , p r a t . n o m e
e, sobrerudo: cognomen. Nao
e : ~ : r ~ o t : : e
=
~ a r a
IS5O.
A
e s s ~ a
e
condmo,
stalUS,
munus. Condùio
é a posiçào hierarquica (po P
uapersona Epammondat. 0 segund . r ex. secun-
da vida civil M , 0 pecsonagem depols de Epaminondas), Slalus é 0 estado
nado pel . u n ~ sao ~ r g o s e as. honrarias na vida civil e milita r; tudo isso é determi_
leia
-se
n ~ s n ; : ~ s :
; r ; ~ : : ; : d : ~ ~ : ~ n , a ~ ~
pela
pO,si
.çào
f a ~ i l i a r
a
classe,
0
nascimento.
fala da
origem do nome de Augus,o (',"', \ e c ~ m e { n t a n o de SIr
J.
G. Frazer, a passagem gue
.
v.
47v' c 1 v 589)
po
0
..
q
uis
IOmar
0 ,'orne l
R 1 '
. ,.
,
r que tavlO Augusto n50
e omu 0.
nem
e Qu" Q . ,
preferindo um g . ' , IfIno UI
tenu
flO nume , Romulus anU
fuit
Encomramos
af
t : ~ : e : u m l s : e 0 cara.ler sagrado de :odos os Outras (cf. Frazer,
ad.
v. 0 ) ~
Iho
d '" teona romana do nome. Asslm também em Virgilio:
Mar
celo 0 fi
e Auguslo, Ja e nomeado no limbo onde seu "Pai" Enéias
A • -
ver-se igual menre a consideraçào do ù ~ / u . r gue
é
mencionad 0 ve. - Aqul d e H ~ n a Inscre
se qu e para ele " 1 0 nesses versos. EmoU me dis-
'. ) a propna pa avra lem uma origem etrusca. Do meSmo mod _
gramallcal de "pessoa"u 0, a noçao
deveria ser cOtlsiderada. q e empregamos alnda, persona (grego np6awrrov, gramaticos),
.
..
..
,
,
.,.
'
f'
-
8/17/2019 002. Marcel Mauss - Uma Categoria Do Espírito Humano a Noção de Pessoa a de Eu
11/15
l
,.
de famîlia. 0 usa dessas mascaras e esta tuas deve ter sida reservado por
muito tempo às familias
p a t r î ~ i a s
e de faro - ainda mais que de direito
pareee nunca ter se estendido muita na plebe. Sào antes
usurpador
es, es
trangeiros que adotam
cognomina
que nào Ihes pertenciam. Alias,
as
pa
lavras cognomen e imago estào, por assim dizer, indissoluvelmenre liga
das em fôrmulas quase correntes. Agui
esta
um dos fatos - em minha
opiniào, tîpico - de que parti para wdas essas pesquisas,
e
que encontrei
sem procurar. Trata-se de urn indivîduo suspeito, Stalenus, cOntra 0
quaI
Cicero
advoga em favor de Cluentius. Eis a cena. Tum appe/at hi
lari vu/tu hominem Bu/bus, ut placidissime potest. Quid
lU
Înquù, Pae
te? Hoc
enim sibi Staienus
cognomen
ex
imaginibus Aeliorum delegerat ne
sese Ligurem ecisset, nationis magis quam generis Utl cognomine videretur.;
[Entao, Bilbo chama
0
homem de rosto risonho, do
modo
mais brando
possÎvel. E agora tu, Peto*?", diz. Corn efeito, Estaleno** escolhera
para si este sobrenome, tendo como referência as esta tuas da familia
Élia, temendo, se se apresentasse coma Ligure, que parecesse usar antes
o nome de sua naçao do que 0 de sua famllia.] Pa erus é um cognomen dos
Aelii, ao quaI Staienus, um ligure , nao tinha
nenhum
direito, e que ele
u
rrrpava-p-ara-esc-
ondersua
-nacionalidade e indicar
uma
outra
descen
dência que nao a sua. Usurpaçao de pessoa, ficçao de pessoa, de tlrulo)
de filiaçâo.
Um
dos mais belos e autênticos documentas, assinado no bronze
pelo imperador Claudio (assim como nos
chegaram
as â ~ u a s de
~ 1 1
ciTa de
Augusto),
a Tcibua de
Lyon
(anno
..j.8 ,
camendo
0
dlscursa
Im
perial sobre 0 senatus-consulto de jure hOl1orum Gallis dando, concede
aos jovens senadores gauleses, recentemente admitidos à curia,
0
direi
ta
às
imagens e aos cognomina de seus antepassados .
Agora
eles nada
mais tedo a lamentar.
Como
Persicus, meu caro amigo [que fora obri
gado
a
escolher
esse
cognome estrangeiro
.. na falta desse
s e n â t u ~
consulto], e que agora pode inter imagines majorum SUOTum Allobroglcl
nomen legere ('escolher
seu
nome
Allobrogicus
entre
as imagens de
seus ancestrais').
Até
0
fim,
0
Senado romano concebeu-se
camo
composto par um
numero determinado de patres que representavam as pessoas, as ima
gens de seus antepassados.
5.
Pro
C/Ilenlio, 72. * Pe to é nome proprio masculino e, também, adjetivo que significa zaro
Iho. ** Élio Estaleno Pero, juiz do processo de Opiâncîo tratado no
Pro
Cluêncio_ [S
_
]
388
Noçào de pessoa
. A propried ade dos -'I lIu/a
cra
e das imagines (Lucrécio, 4,
29
6
) é 0
atnbuto
dapersollna (c
f.
Plln
io
. 35,43, e
no
Digeste, I9 . J.
'7,
final).
Paralelarnenr e. a
pal
ana persona, personagem artificial, mascara e
papel de comédia e de tragedia. representando
0
embus e, a hipocris ia
o . e s ~ r a n h o
ao :'Eu - P6rossegu ia seu
c ~ m i n h o :
Mas a cararer pessoal do
dlreno estava tundado, e pa;,:ona tambem havla se tarnado sinônimo da
verdadeira narureza do in
di
\-iduo.7
Par Outra lado, a direiro à persona é fundado. Somente
0
escravo
esta exclufdo dele.
Servus
fion
habet personam.
Ele nao tem personalida
de, nào possui seu corpo, nào rem antepassados,
nome
coonomen bens
. Il 0 ,
propnos. 0 ve
1
direito ge rmânico ainda a distingue do homem livre
Leibeigen, proprierario de seu corpo. Mas, no momento em que os d i r e i ~
tos dos saxoes e dos suevos sào redigidos, se os servos oao possufam seu
corpo, ja possuiam uma al ma . que
0
cristianismo lhes deu.
Mas antes chegar ao cristianismo, convém falar de um outro
e ~ r i q u e c i m e n t o do quai parriciparam nao apenas
os
latinos, mas tam
bem seus colaboradores gr egos. seus mestres e intérpretes . Entre fi l6-
sofos g r e g ~ s nobres e legi sla dores r o m a n o s
é
tQdo_
um
_Outra edifîci0 -
_____
_
que se consrruiu.
6:
O u t r ~ s exemplos de usurpaçao de pr
auw
mina, Sue onio, N ero., 1. 7. Assim Cicero, Ad At -
lu
:um, dlz flaluram et pUsol/am meam, e ft rso flam seeluis nOutra parte_
-
8/17/2019 002. Marcel Mauss - Uma Categoria Do Espírito Humano a Noção de Pessoa a de Eu
12/15
v. A pesso
a:
fato moral
Explico: penso que esse trabalho, esse progresso, fo i fei to sobretudo
corn a ajuda dos est6 icos, cuja moral voluntarista, pessoal, pad ia enr i
quecer a noçâo romana de pessoa, e mesmQ se enriquecer ao mesmo
tempo que e nriquecia 0 direito.
Cre
io, mas infelizmente possa apenas
começar a pr ova r, que nao hâ como exagerar a influência das escolas de
Arenas e de Rodes sobre
0
desenvolvimento do pe nsamento moral la i-
no - e inversamente a influência dos fatos romanos e das necessidades
da educaçào dos jovens romanos sobre os pensa dores gregos. Po l
lb
io e
Cicero â
0
testemunham, assim como Sêneca, Marco Aurélia, Epicteto
e-outros,nrais-t a
rde
- - -
A
pa
lavra
rr
poowlIOV tinha claramente 0 mesmo sentido que perso -
na mascara; mas e is que ela pode rambém significar
0
personagem que
cada um
é
e quer ser, seu carater (as duas pal
avra
s estao ligadas corn fre
qüência), a ve rdadeira face . Ela rap idamente adquire, a pa rtir do século
antes de nossa era,
0
sentido de
persona. Ao
traduzir exat
amenteperso-
na pessoa, direito, ela co nserva ainda um sentido de imagem superpos
ta; por exemplo, a
fi
gura da proa do barco (entre os celtas etc.). Mas sig
nifica também personalidade humana ou mesmo divina.
Tudo
depende
do contexto. Estende-se a palavra p
awrrov
ao individuo em sua natu
reza nua, ar rancada toda mascara, conservando- se, em contraposiçao,
0
semido do artificio:
0
sentido
do
que é a intimidade dessa pessoa e
0
sen
tido do que é personagem.
Tudo soar
â de outro modo entre os clâssicos latinos e g regos da
mora
l (século
II
a.C. a século
IV d.C
.):
rrpoawT OV
sera
tao-som
ente
per-
son e
0
que é fundamenta l acrescenta-se cada vez mais um sentido
moral ao senti
do
juridico, um sen tido de ser con scien te, inde pendente,
1.
Sobre a moral esroica, tanto quanta estou informado,
0
me lhar livra é ainda Bonhafer
18
94.
39
N
oçào
de
pessoa
aurônomo, livre, responsâvel. A consciência moral introduz a con scièn
cia na concepçào juridica do direitO .Às funçàes, honrarias. cargos e di
reitos, acrescenta-se a pessoa moral consciente. Sou aqui
raI
vez mais ou
sado,
porém
mais
clara
que BrunschYicg que, em sua
gran
de
obra Le
Progrès de f conscience [ 927], abordou com freqü ências esses assumos
(em particular,
l
p. 69-ss). Para mim; as palavras
qu
e design am primei
ro a consciência, depois a consciência ps icol6gica, a O'u\'Ei8'latç _ TO
auvEIOÔÇ, sào verdadeiramenre est6icas: elas pare-
cern técnicas e rraduzem nitidamente COJ1ScllLS conscielllia do direito ro
mano. Pode-se mesmo perceber, entre a antiga
es
toicismo e
0
da épaca
greco-latin a,
0
progresso, a mudan ça, definirivamente realizada na épo
ca de Epicteto e de Marco Aurélio. De um senrido primiti\·o de cûmpli
ce, que viu corn - auvoloE - de testemunha, passa u-se ao sentido da
consciência do bem e do mal . De usa carrente em a palavra ad
quire por fim esse sen tido entre os gregos. em Diodoru de Sicîli a, em
Luciano, em Dionisio de Halicarnasso
1
e a consciência de si tornou-se
0
apanâgio
da pessoa moral. Epicteto guarda ainda
0
senrido das duas
imagens sobre as qua is trabalhou essa ci\·ilizaçào, quando escreve 0
qL e
_ _ _ _ _
__
._
Marco Aurélio cita: esculpe tua mascara . impôe teu
Hpe
rso
nagem
,
teu tipo e teu carâter , quando Ihe propunha
0
que ve io a se r nosso
exame de consciênci
a.
Renan percebeu a imponância desse momento da
vida do Espirito.
Mas a noçào de pessoa carecia ainda de base metafisica segura. É ao
cristianismo que ela deve esse fundamenro.
39
1
.,
-
8/17/2019 002. Marcel Mauss - Uma Categoria Do Espírito Humano a Noção de Pessoa a de Eu
13/15
VI pessoa crista
Foram
os
cristâos que fizeram
da
pessoa moral
uma ent
i
dade
metafîsica,
de pois de terem sentido sua força religiosa_N ossa pr6pria noçào de pes
soa
humana
é ainda fundamentalmente a noçào crista. Aq ui, nao farei
senào seguir 0 excelente livro de Schlossmann (1906).' Este percebeu
muita
hem
- depois de outros, mas
melhor
que outras - a passagem
da
noçào de
persona,
homem
investido
de um eSlado, à noçào de homem sim
plesmente,
de
pessoa humana.
A noçao de pessoa moral ) alias, h
av
ia se tornado de tal modo
clara que,
jâ nos
primeiros dias
de
nossa era, e antes
em Roma,
em rodo
-Imp
ér
io;-ehrse-impunhadnrda-s-:rs-
p
a
licl
a-
d-esfittfclas que cl1afua- -
mûs
ai
nda por esse nome depessoas
morais:
corporaçôes, fundaçôes re
ligiosas etc., que passaram a ser pesso as . A palavr a Ttp6awJt?v de:
signa até nos Processos e Constituiçôes mais recentes.
Uma un,lversztas
uma pessoa de pessoas - mas, como
uma
cidade, como
Roma,
e uma C
sa,
uma entidade.
Magistratus
gerù
personam
~ i Y ù a t i s diz
c l a r a ~ e n t e
Cî
cero (De Off., 1, 34). E von Carolsfeld examma e comenta mUlto bem a
Epistola aos Gâlatas, 3, 28: Jâ nao sois, um [rente ao outro, nem
j ~ d e u
nem grego,
nem
escravo, nem livre, nem
hom
em, n
em
mulher, pOIS to
do s sois um, Elç
,em
Jesus Cristo.
Estava colocada a questào da unidade da pessoa, da unidade da
Igreja, em relaçào à unidade de Deus, elç . Ela foiresolv ida apos nume
rosos debates. É toda a historia da 19reja que se
na
preclso reconstltlllr
aqui (ver Suidas - s. Y e as passagens do famoso Discurso
da
Epifania de
Sao
Gregorio
de Nazianza, 39, 630, A). Sao as querelas Trinitâria , Mo
no jsita, que
cont
inu arâo a agitar os espi rÎcos por muito tempo, e que a
1
H
en
ri Lévy-Bruhl indicou-me
ha
bastante temp o esse livro
e,
desse modo, facili tou toda
cssa dcmonstraçào . Ver também a primeira parte do prim eiro volume de M.L.1. von Carols
[eld. Ces
clll c/ue der
Jurislischen Per
son
.
392
Noçào de
pessoa
Igreja resolveu refugiando-se no
mi
stério divino, mas rambém corn um a
firme za e uma clareza deci sivas:
Unltas
Ùl
tres personas, ulla persona in
duas llalUras - diz definitivamente 0 ConcÎlio de Nicéia . Unidade da s
três pessoas - da Trindade - e unidade das dua s naturezas do Cristo.
É
a partir da noçào de
UlIO
que a noçào de
pessoa
é criada _ acredico ni sto
hâ muito tempo - a propôsito das pessoas divinas , mas simultaneamen
te a propôsito da pessoa humana, subsrância e
modo
: corpo e alma,
consciência e arc.
2
Nào comentarei mais nem prolongarei esse estudo teolôgico. Cas
sio
dor
o resume corn precisào :
persona
- sUhSlGmia
rationalis indivl dua
(Ps VII). A pessoa é uma substância racional indivisîvel,
individuaP
Falrava fazer dessa subsrância raciona l individual 0 que ela é ago
ra, uma consciência e uma categoria.
Isso
foi
a obra
de um
longo trabalho dos filoso fo s, que tenho so
m
eme
alguns minuros para descrever.
4
2. Ver as notas de Schloss
mann
, op.cit.: 6s Ctc.
3.
Ver
0
CQncurs/ l S de nu sticu s. 4. Sobre essa
histôria, essa revoluçào da noçào
de
unidade, have
ri
a ainda muito a dizer. Ver em particular
02 volume de Progrès de la ConscÎence de Brunschvicg [19
2
7J.
393
_
----- OJ
-
8/17/2019 002. Marcel Mauss - Uma Categoria Do Espírito Humano a Noção de Pessoa a de Eu
14/15
VII. A pessoa, ser psico16gico
Ao resumir um certo numero de investigaçoes pessoais e inumeras
opi-
niàes das quais se pode fazer a historia, escusar
-m
e-ao se lanço aqui
mais idé
ia
s do que provas .
A noçào de pessoa haveria de sofrer ainda um a outra transforma
çào para
tarnar-se 0
que ela se tarllOu hâ menas de urn século e meio,
a
categoria do Eu.
Longe de ser a idéia primordial, inata, claramente ins
cr
ita
desde Adào
no mais fu ndo de nasso ser,
ei
s
qu
e ela continua , até
quase
0
nosso tempo, lentamente a edificar-se, a c ar ificar-se, a especifi
ca r-se a identificar-se co
rn
0 conhecimento de si, c orn a consciência
psi
co
I
6gka
- -
. .
..
__
T
odo
0 longo trabalho da 19reja, das 19re jas, dos te610gos, dos fi
lôs
of
os escolâsticos, dos
fil
6so fos do Renascimento - sacudidos pela
Refo
rm
a _, produziu mesmo um
cer
to atraso, e obstaculos para criar a
idéia
que
ago ra julgamos clara. A mentalidade de
nossOs
antepassados
até a século XVlI, e mesmo até 0 fina l do século XVIII, é atormentad a pela
questào de saber se a alma individual é uma suhstância
ou
se é sustenta
da po r um a subsrância - se é a narur eza do homem ou se é apenas uma
das duas naturezas do homem; se é una e indivisive\ ou divisivel e sepa
ravel; se é livre, fonte absoluta de açôes, ou se é determinada 'e esta en
cadeada pa r
outros
destinos, po r uma predestinaçao. P
ergu
nta-se co
rn
ansiedade de
on
de ela vern,
quem
a criou e
quem
a
dirige
.
E,
no de
ba
re
de seitas, grupos e g randes instituiçoes da Ig reja e das escolas filosOfi
cas, das universidades em part icular, nao se vai muitO além do resultado
estabelecido desde 0 século tV de nossa era . -
0
concilio de Tr enta pôe
fim, felizmenre, a polêmicas inûreis sobre a criaçào pessoal de cada alma.
D e resta, quando se fala d as funçôes precisas da a lma, é ao pensa
mento ao pensame nto discursivo, cla ro, dedutivo,
qu
e
°
Ren ascimenta
.
e Descartes se dirigem para co mpreender sua natu reza . E es ta que con -
rém
°
evo lucionâ ri o
Cogito
e
rgo
sumj é
Ela
que con stitui a oposiçao es-
94 Noçào de pessoa
pinosista da "extensao e
do
pensamemo . Apenas uma pa rte da cons
ciênc ia é considerad
a.
Me smo Espinosa
l
con servou ainda sobre a imortal idade da alma a
idéia a
ntig
a pu ra. Sabemos gue ele nao crê na subsisrência apos a morte
de uma outra parte da alma sena a a gue é ani i'na da pela amor intelec
tua i de Deus .
No
fundo, ele repete M
ai
mônid es, gue repetia Aristote
les
De an.,
408,
6
c
f.
430
a,
Gen
an.
Il,
3,
7)6
b
.
Some
nte a
al
ma poéti
ca pode ser eterna, poi s as duas out ras aimas, a vegetati\'a e a sens itiva,
estao necessariarnen te ligadas ao ca rpo, e a energia do corpo nao pene
tra
no
voüç . - E, ao mesmo tempo, par uma oposiçào narural que
Brunschv icgl evidenciou
bem
, é Espinosa, melhor
gue
Descartes, e m
e
lhor
qu
e 0 prop rio Leibni z, porque co locou antes de tudo 0 problema
érico, gue rem a visao mais correra da s re laçoes da consciênc ia indivi
dual corn as coisas de De us.
Nao foi entre os cartesianas, mas
eITI
OutrOs meios, que
0
problema
da pessoa que é apenas consciência enconrrou sua soluçao. Nao se pode
ria exagerar a importância
do
s movimentos sectarios, duranre os século s
XVlt
e sobre a formaçâo dt?j,ensamento polftico e filoséfico. Ne-
qu
e se as
que
stèes da liberdade ind ividual, da consciê
n-
cia individual, do direito de comunicar-se diretamente corn Deus de ser
um sacerdote para si mesmo, de ter um D eus inrerio r. As noçoes dos
Ir
maos Morâvios, d
os
puriranos, dos wesleyanos, d
os
pietistas, for mam a
base sobre a quaI se estabelece a naçao: pessoa =
0
Eu;
0
Eu
=
a cons
ciência -
gu
e é sua categoria primordial.
Tudo
isso é relativamen te recente. Foi preciso
que
Hum e revolu
cionasse tudo (depois de Berkele
y,
qu e havia começado) para dizer que,
na alma, hav ia apenas
eSlados de cOflsciéncia
percepçôes ; mas ele aca
bava po r hes
ir
ar diante da noçao de "Eu ") coma categoria fund amental
da consciência. Os escoceses aclimataram melhor suas idé ias.
É
so mente corn Kant que ela
adqu
ire forma
pr
ecisa. Kant era pie
tista, swedenhorguiano, alun o de Tete ns, que foi fi losofo mediocre mas
psic6 logo e te6logo experientej 0
Eu
indivisivel, ele 0 descobria a seu
1. Élica, Va pan
e,
proposiçâo XL. Corolario, pro
po
s
içà
o XXIII e
csc
olio.
cm
relaçao
corn:
pro
XXX IX e esc61 i
o,
proXXXVII e csc6lio, pro XX IX, pro XXI. A noçào de amor inrelecrual
vem
de
Leâo,
°
Hebreu,
fl
orentino e plalônico.
2.
Op.CiL, 1: 182 -SS. 3. Blo
nd
el Jem b
ra
-rne 0 interes
se das
no
t
as
de Hume , n
as
quais este coloca a questào da relaçào consciéncia-eu . En.saio so-
hre
0 n t e n d i m e n O
humano: idemidade pessoal
1912).
39,
-
8/17/2019 002. Marcel Mauss - Uma Categoria Do Espírito Humano a Noção de Pessoa a de Eu
15/15
redo r. l\.ant colocou , mas sem solucionâ
-I a.
a 'Iuestâo de saber se
0
"Eu",
das leI/
é uma categoria.
Entlm. 'Iuem respondeu que todo fata de co nsciência é um fata do
"Eu ", 'Iuem fundou toda
ci
ência e tada açào sobre
0 Eu ,
foi Fichte.
Kant ja ha\'ia feito da con
sc
iência individual: do carâtel' sagrado da p
es
soa humana. a condiçao
da
Ra zào pcatica.
Foi F i c h
que fez dela, tam
bém, a categoria do "Eu", co nd içào da consciència e da ciência, da Ra
zào Pur
a.
Descie entào, a re vo lu çào das mentalidades se completou, temos
cada um nos
50 Eu ,
eco das Declaraçoes dos Dire itos que haviam pre
cedido Kant e Fichte.
VII. Conclusao
De uma simples mascarada
à
ma sca ra; de um pe rsonagem a uma pessoa,
a um nome, a um individuo; deste a um ser corn valor metafisico e moral;
de uma consciência moral a um se r sagrado; deste a uma forma funda
mental do pensamento e da açào;
foi
assim que
0
percurso se realizou.
Quem
sa
be quais se rao ai nda os progressos do Emendimento sobre
esse ponto? Que Iuzes projetarao sobre esses recentes problemas a psi
cologia e a sociologia, ja avançadas, mas que devem se des en vol ver ain
da mais?
Quem pode mesmo dizer que essa "categoria", que todos aqui
i C B ë < I
. i U m ) S
estabelecida, sera-se mpre reconhe-ctdXëO"motà
l?
Eia
56
-se
4. Fichte S O- . Um breve e excelentc re sumo desse
rexl
pode
se
r lido em Xavier Léon
19
21.: 101-09.
for mou para nos, entre n6 s. Mesmo sua força moral - 0 caraœr sagrado
da pessoa humana - é questionad a nao apenas por todo um Oriente que
jamais chegou às nossas ciências,
ma
s até mesmo em paises onde esse
principio foi encontrado. Temos grandes bens a defender, conosco pod e
desaparecer a Idéia. Nao moralizemos.
Ma s tampouco especulemos em demasia. Digamos que a antropo
logia social, a sociologia, a historia nos ensinam a ver como
0
pensa
mento huma no "caminha" (Meyerson); lentamente, através dos tempos
das sociedades, de seus contatos, de suas mudanças,
por
caminhos apa
rentemente os ma is arriscados, ele consegue articular-se . E trabalhemos
para mostrar coma é preciso tomar consciência de nos mesmos, para
aperfeiçoa-Ia, para articula-la ainda mais.
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