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JORNALISMO COMUNITÁRIOO PERFIL VOZ DAS COMUNIDADES NO COMPLEXO DO ALEMÃO
Rosana Janaina Colodel1
Resumo
Este artigo aborda o tema jornalismo comunitário via digital e o uso das mídias como fonte de informação jornalística pelo perfil @vozdascomunidades, uma fonte de notícias online para os moradores do Complexo do Alemão no Rio de Janeiro. O artigo, que foi desenvolvido a partir do levantamento histórico, tem como objetivo de pesquisa mostrar as observações e análises obtidas através de um estudo de caso. O estudo de caso buscou não confirmar ou afirmar nenhuma questão, mas mostrar a trajetória do jornal na vertente da web e seu papel no cumprimento do jornalismo para comunidades. Para a abordagem do estudo de caso, foram feitas pesquisas de maneira descritiva, bibliográfica e documental, além de quantitativa e qualitativa.
Palavras-chave: Jornalismo Comunitário. Voz das Comunidades. Complexo do Alemão. Rio de Janeiro.
Introdução
Este artigo tem como proposta abordar o tema jornalismo comunitário,
delimitando o webjornalismo do Voz das Comunidades, seu portal online e suas
redes sociais especificando especialmente o Twitter (a rede social foi escolhida
como foco, pois foi a partir dela que o jornalismo do Voz das Comunidades se
consolidou) e seu uso como fonte de informação jornalística (comunitária). O
objetivo da pesquisa é descrever o tema central através das observações e análises
obtidas. O estudo buscou não confirmar ou afirmar nenhuma questão, mas mostrar
como um jornalismo que não está na mesma linha das grandes mídias pode se
adaptar às tecnologias e se fortificar como meio de comunicação.
Justifica-se a escolha do tema de
vido à pouca voz que a população do bairro recebe da mídia sustentada por
grandes corporações. Analisando a grande mídia, como rádio e TV, é fácil perceber
a “tímida” relação com o cotidiano de onde vivem e também ao governo que sempre
1 Bacharel em Comunicação Social – Jornalismo pelo Grupo Educacional Opet. E-mail: [email protected]
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posterga seus deveres. Buscou-se mostrar o exemplo de como é possível o
jornalismo comunitário dar espaço à sua comunidade.
O presente artigo foi desenvolvido a partir das seguintes linhas de ação: o uso
do conhecimento científico na busca por fatos e fenômenos verificáveis. E para
abordar o problema, foi realizada uma pesquisa descritiva onde um questionário foi
enviado ao fundador do jornal referente às questões deste, para analisar e registrar
os fatos; uma pesquisa bibliográfica em livros e artigos que discutem jornalismo
digital e comunitário; uma pesquisa no próprio site do jornal e suas redes sociais; um
levantamento histórico em outros sites de notícias. Dados quantitativos e qualitativos
foram explorados nestas pesquisas, e também foi usada a plataforma de busca
avançada do Twitter para embasar a pesquisa com imagens.
Para começar o tema, fez-se um breve estudo e descreveram-se as
definições do que é jornalismo digital, rede social, jornalismo comunitário e a rede de
microblog Twitter.
O jornalismo digital, conforme descreve Pena (2015), é o jornalismo que pode
ser definido como um espaço virtual de produção de conteúdo jornalístico em que se
dispõem de multimídias e interação bilateral. Já as redes sociais se destacam por
ser um ambiente em que pessoas interagem em volta de interesses em comum.
Powell (2010) se refere à rede como uma comunidade de pessoas conectadas e que
se conectam entre si. É um ambiente aberto em que a relação se dá de forma
horizontal. O Twitter foi lançado em março de 2006 com a estrutura de um
microblog. A plataforma permite ao usuário divulgar sua opinião e trocar mensagens
com seus seguidores em até 140 caracteres de forma dinâmica e instantânea.
Devido ser acessada através de aplicativos, muitos usuários enxergam na
mobilidade da rede social uma forma de produção de notícias, postando
acontecimentos, fotos e vídeos em tempo real, até mesmo antes de grandes
veículos. O Twitter pode ser uma ferramenta para pautar a mídia, porém é preciso
checar a veracidade do fato. O blog dá a possibilidade de monitoração de dados.
Dentro da rede é possível filtrar informações ao especificar um assunto e a
localidade de interesse. E por último, o jornalismo comunitário, que é uma vertente
da profissão jornalística em que foca a produção de conteúdo dentro de um
determinado espaço e para uma determinada população com o intuito de dar voz à
comunidade e sem fins lucrativos.
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Para Sequeira e Bicudo (2007), é do local que se originam as pautas, o ser
pequeno permite aproximar-se daquele público restrito. Para contribuir com o
conceito de jornalismo comunitário, este artigo complementa com a opinião de dois
autores: Felipe Pena e José Marques de Melo.
Para Pena (2015), o jornalismo para comunidades tem que trabalhar em prol
da cidadania e precisa ser um recurso para mobilização social. O jornalista de um
veículo para comunidades, mesmo que já pertença a esta, precisa enxergar da
mesma forma que todos que moram ali.
Já para Melo (2006), um veículo comunitário só funciona se for autêntico, ou
seja, produzido pela e para a comunidade.
O jornalismo comunitário abre espaço para temas costumeiramente não
tratados por grandes veículos. Uma de suas principais características é dar voz a
quem não tem.
A linguagem simples e didática que requer o jornalismo comunitário pode vir a
ser confundida com o jornalismo popular. E para distinguir que apesar da linguagem
escrita ser igual, o jornalismo popular segue outro caminho. Amaral (2006) conceitua
como uma cobertura mais abrangente de várias editorias, com vocabulário informal.
Já no jornalismo comunitário só é produzido conteúdo que se ajuste à
comunidade. Também tem que seguir suas próprias características, o que o
diferencia da grande imprensa, para não ser mais um no mercado.
1 O Complexo do Alemão
No artigo Entre a “Guerra” e a “Paz”: os modelos de policiamento e o discurso
midiático sobre a segurança pública no Rio de Janeiro, de Pablo Moura Nunes de
Oliveira, pode-se encontrar uma breve história do Complexo do Alemão.
O conjunto de 15 favelas está situado na Zona Norte da cidade do Rio de
Janeiro e tem como núcleo principal o Morro do Alemão, onde se encontra a Serra
da Misericórdia, uma formação terrestre da região. Em 1946, com a abertura da
Avenida Brasil, Leonardo Kaczmarkiewicz, dono de terras na região, em 1951,
dividiu estas em pequenos lotes, e com a industrialização foram vendidos aos
poucos. Nessa época o local já era um grande polo industrial. O aumento da
população se deu no governo de Leonel Brizola. O nome Morro do Alemão se dá em
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homenagem ao antigo dono das terras, Leonardo, que ganhou esse apelido quando
chegou no local em 1920, porém, Leonardo era polonês.
O site www.riomaissocial.org divulgou, com base no Instituto Municipal de
Urbanismo do Rio de Janeiro e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), a população do Complexo segundo o Censo de 2010. A população passa
dos 60 mil moradores e mais de 18 mil domicílios. As comunidades com mais
moradores são Nova Brasília, com mais de 18 mil moradores e o Morro do Alemão,
com mais de 14 mil.
No XVII Encontro Nacional da Associação Nacional de Pós-Graduação e
Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional (Enampur), a arquiteta urbanista
Flávia Garofalo Cavalcanti fala sobre os diferentes padrões do local. Em uma
pesquisa de campo com mais três pesquisadores, ela conta:
“percebemos que uma porta pode levar para dentro de uma única casa, mas também há várias casas, corredores e pequenos pátios com várias portas”. E devido à proximidade das construções, é possível ver uma forte socialização entre vizinhos: “Em Nova Brasília, foi comum encontrar vizinhos de porta conversando na frente de suas casas, às vezes almoçando juntos sentados no degrau de entrada”. (2017)
A comunidade convive com vários problemas. Obras do Programa de
Aceleração do Crescimento (PAC) do governo em 2008 trouxeram alguns benefícios
para a comunidade, mas segundo os próprios moradores, as obras apenas
“mascaram” os problemas, o “miolo” da comunidade não recebe nenhuma melhoria.
2 O Morador e Interlocutor Rene Silva
“A comunidade sem voz e a necessidade de se fazer ouvir”, foi assim que a
partir do trabalho de um jovem morador da comunidade do Morro do Adeus nasceu
o jornalismo comunitário do Voz das Comunidades. O jovem morador é Rene Silva,
de 23 anos.
3 A Criação do Voz das Comunidades
Tudo começou com o jornal impresso. Rene Silva dos Santos criou o Voz das
Comunidades aos 11 anos, em 2005, quando nem se mencionava falar em mídias
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digitais. Ele, aluno da Escola Municipal Alcides de Gasperi, situada no bairro de
Higienópolis, criou o jornal, na época, para o Morro do Adeus, uma das 15
comunidades do conjunto de favelas do Alemão.
A ideia surgiu após ele participar durante um período três meses de um jornal
já existente em sua escola, criado por outros alunos, para mostrar a rotina escolar e
que também propunha melhorias na educação.
Rene, ainda na quinta série, insistiu para participar, pois o jornal era feito por
alunos mais velhos. Quando entrou para o Jornal Vip, os problemas sociais de sua
comunidade começaram também a ser observados. O Jornal Voz das Comunidades
nasceu com o apoio da diretora e professoras da escola.
“Eram muitos lixos pelas escadas, ruas cheias de buracos e falta de saneamento básico em muitos lugares”, conta Rene para o site do jornal de sua criação. (2016)
Em entrevista para este trabalho, ele conta que as primeiras edições foram
impressas na escola: “Eram tiradas cópias de uma folha A4 dobrada e
distribuídas pelas ruas. No início não tinha apoio de ninguém, nem sequer equipe direito eu tinha. O financiamento era feito através de comerciantes locais, como sobrevive até hoje para rodar os 10 mil exemplares do Voz”.
Para o site Academia Sebrae, Rene contou como foi para manter a
publicação no começo: “Os professores e diretores fizeram até vaquinha, e eu
corri atrás de investimentos através de anúncios de comerciantes locais. Porém, eu só tinha 11 anos, então eles não acreditavam que eu era o autor do jornal e por isso não investiam. Assim, busquei outras maneiras, como comprar e revender doces na rua”.
Depois, Rene criou algumas estratégias para ganhar credibilidade.
“Coloquei minha foto no jornal para mostrar aos comerciantes que eu era de fato o dono. Outra estratégia foi cobrar apenas após o anúncio ter saído, com prazo de um mês. Com maior confiança, cresceu o financiamento”.
Hoje, Rene Silva é editor-chefe e conta com uma equipe de seis jornalistas e
três fotógrafos.
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Com a chegada das mídias digitais, o crescimento do jornal vem sendo
notório com suas notícias difundidas em várias redes. O jornal cumpre com a missão
do jornalismo comunitário de dar voz à sua comunidade.
Com apoio de parceiros e articuladores, o jornal atua em 10 favelas:
Complexo do Alemão, Complexo da Penha, Complexo da Maré, Morro do Borel,
Pavão-Pavãozinho, Cantagalo, Morro da Formiga, Favela do Fumacê, Vila Kennedy
e Cidade de Deus. Até meados de 2009 era somente o Morro do Adeus.
4 Análise das Redes Sociais
Ainda em entrevista, Rene conta sobre a produção de conteúdo:
“Hoje em dia a gente acaba criando conteúdo diferente para cada rede, tendo o mesmo foco, mas com linguagem diferenciada para cada plataforma. Além do time de jornalistas, fotógrafos e produtores de eventos, temos um time que cuida especificamente das redes sociais, produzindo conteúdo diariamente, além do jornalismo cobrindo os principais acontecimentos das favelas do Rio”
Além do jornal online, o Voz das Comunidades também está integrado nas
redes. No site do jornal, o leitor encontra os links para a página do Facebook e para
o perfil do Twitter. Há também o canal no YouTube, além de ser possível fazer
contato também pelo aplicativo WhatsApp.
4.1 O Portal
O portal de notícias www.vozdascomunidades.com.br apresenta seis abas em
que se distribuem os conteúdos e contatos. Na aba Início aparecem os conteúdos
gerais, entre eles os destaques do dia e links para o Facebook e Twitter; na aba Voz
das Comunidades o leitor encontra a história do jornal e a ficha técnica com o nome
e função de todos os responsáveis pelo periódico; na aba Notícias o leitor encontra
link para todas as comunidades que o jornal cobre; na aba Colunas o leitor encontra
artigos de opinião, programação de cinema na comunidade, artigo escrito por um
convidado, programação de cursos, histórias de moradores empreendedores e
esportes; há ainda a aba Seja Voluntário do Voz, onde são selecionados
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interessados para a área de jornalismo e produção; e a aba vídeos onde o leitor é
direcionado para o canal no YouTube.
4.2 Facebook
A página do jornal no Facebook é seguida por mais de 109 mil pessoas e
seguida por mais de 110 mil. É atualizada diariamente com vídeos, link de
reportagens, fotos e anúncios pertinentes à comunidade e campanhas de ajuda ao
próximo. Há também uma agenda de eventos. Cerca de 14 mil pessoas comentam
na rede social sobre a página.
4.3 YouTube
O canal no YouTube é seguido por mais de 700 pessoas. Foi criado em 15 de
janeiro de 2009 e conta com mais de 530 mil visualizações. Ao todo, são 165 vídeos
postados do dia a dia das comunidades ao longo de 8 anos.
4.4 Instagram
Embora não seja encontrado nenhum link no site, o jornal também possui
Instagram (rede social de fotos). O perfil conta com mais de mil publicações, segue
mais de 200 pessoas e é seguido por mais de 10 mil. No Instagram, o leitor pode ver
fotos da comunidade, dos moradores, de eventos e de programas sociais.
4.5 Twitter
O Twitter foi a primeira rede social criada para o jornal. Apesar de nessa
época o jornal contar com um blog, Rene menciona que o Twitter era melhor para a
comunicação, por poder falar com pessoas do mundo inteiro, sem barreiras e mais
acessível.
Atualmente, o perfil do Twitter é seguido por mais de 370 mil pessoas. Já
conta com mais de 40 mil tweets, desde maio de 2009, divulgando fatos da
comunidade. É a rede do jornal onde há mais troca de informação com o leitor. Além
de também divulgar a rotina do Complexo, o perfil também tem a missão de narrar
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os quase que diários tiroteios entre traficantes. Foi do Twitter, que no final de
novembro de 2010, a equipe do jornal, liderada por Rene, narrou em tempo real na
rede social a invasão do Complexo do Alemão por policiais em uma ação contra
traficantes. O jornal comunitário ficou conhecido nacional e internacionalmente e se
consolidou como jornalismo comunitário.
5 Produção de Conteúdo
Ainda em entrevista, Rene conta sobre a produção de conteúdo:
“Hoje em dia a gente acaba criando conteúdo diferente para cada rede, tendo o mesmo foco, mas com linguagem diferenciada para cada plataforma. Além do time de jornalistas, fotógrafos, e produtores de eventos, temos um time que cuida especificamente das redes sociais, produzindo conteúdo diariamente, além do jornalismo cobrindo os principais acontecimentos das favelas do Rio”.
Para Paiva (2003), o jornalista de um veículo comunitário tem a função de
provocar a participação dos moradores. Para isso, o Voz dispõe de articuladores
locais para a busca de pautas, mas os moradores também fazem sua parte na
sugestão de conteúdo via redes. São recebidas pelo WhatsApp diariamente mais de
300 mensagens. Shirky (2012, p. 51) define como: “O que antes era o papel de
jornalistas de grandes empresas de comunicação, agora é ‘todo mundo é veículo de
comunicação’”.
E a partir de análises e observações nas redes, os públicos de cada uma
foram descritos como: no Facebook, há interação de moradores das comunidades
do Rio de Janeiro; já no Twitter, há interação de pessoas de várias partes do Brasil,
além dos profissionais de comunicação brasileiros e estrangeiros.
6 A Invasão
A ação de policiais contra traficantes ocorreu em 28 de novembro de 2010 e a
partir de um breve levantamento histórico através de pesquisas em sites de notícias
daquele ano, este artigo buscou relembrar aqueles acontecimentos.
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“A polícia hasteou no início da tarde de domingo uma bandeira do Brasil no
alto do teleférico do Alemão, como símbolo da ocupação do conjunto de favelas. Por
volta das 9h30 deste domingo, o comandante-geral da Polícia Militar, coronel Mário
Sérgio Duarte, informou que todo o Complexo do Alemão já estava tomado pelas
polícias militar, civil e federal, além de homens das Forças Armadas. Cerca de 2.600
agentes participaram da invasão à comunidade, que começou às 8h. Os criminosos
não ofereceram resistência (O Globo, 2010)”.
“A operação de invasão do Complexo do Alemão, onde estariam centenas de
traficantes, começou por volta das 8h da manhã deste domingo” (BBC Brasil, 2010).
“A ocupação do Morro do Alemão começou às 7h50 deste domingo 28.
Televisão e rádio com transmissão ao vivo nos dão conta que a maioria da
população carioca apoia a ação e que a esmagadora maioria dos moradores do
Alemão não tem nada a ver com os traficantes. O comandante da PM aparece na
tela e o repórter informa que ele orienta seus homens − são mais de 2 mil entre
militares, civis e das Forças Armadas − a ‘revistar casa a casa’ para encontrar os
marginais. Calcula-se em 30 mil o número de residências a passar por este
procedimento” (Carta Capital, 2010).
A ação dos policiais e do exército contra os traficantes da favela também
repercutiu internacionalmente. Os jornais The New York Times (americano), BBC
(britânico), Le Monde e Libération (franceses) e o Clarin (argentino), noticiaram a
“guerra” que se sucedeu no Rio de Janeiro.
7 O Voz das Comunidades como Correspondente da “Guerra” e o Crescimento do Jornal
O perfil no Twitter do jornal começou a se destacar a partir desse
acontecimento. No dia 27 de novembro, um dia antes da invasão da polícia
acontecer, três moradores – entre eles Rene Silva – começaram a fazer uma
cobertura em tempo real do cerco da polícia ao Complexo e seus sucessivos
acontecimentos (Figura 1 e 2). O perfil que tinha 180 seguidores se multiplicou em
mais de 20 mil em poucas horas e a #vozdacomunidade entrou para a lista de
expressões mais comentadas na rede.
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Figura 1 − Posts no Twitter escritos por Rene
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Fonte: Jornal Voz das Comunidades – Twitter (27/11/2010).
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Figura 2 − Posts no Twitter escritos por Rene
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Fonte: Jornal Voz das Comunidades – Twitter (28/11/2010).
Na entrevista para este trabalho, Rene contou como telespectadores e a
grande mídia descobriram o perfil no Twitter:
“Tudo aconteceu porque eu estava usando minha conta pessoal no Twitter no momento em que acontecia a ocupação do Alemão. Muitos amigos começaram a me mencionar perguntando se eu estava bem, se estava seguro, etc. Daí eu comecei a responder, dizendo que estava dentro de casa acompanhando o que estava acontecendo também pela televisão, mas de vez em quando ouvia barulhos de helicópteros. Quando estou respondendo meus amigos, de repente apareceram centenas de menções e eu não sabia o que estava acontecendo. Tentei responder cada um, mas não dava, cada vez que atualizava só aumentava o número de menções. Para descobrir o que estava acontecendo fui vendo meus tweets anteriores. Aí percebi que meus amigos, que antes estavam perguntando se eu estava seguro em casa, tinham mandado mensagens para vários artistas e formadores de opinião dizendo que eu estava ali dentro da comunidade, que as pessoas estavam vendo aqueles conflitos pela TV. Atualizei meu Twitter e vi que os 300 seguidores que eu tinha antes tinham se multiplicado em mais de 10 mil pessoas em
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poucas horas. Muita gente começou a ficar preocupada com minha segurança e pediram para eu sair da minha conta pessoal e entrar na conta do jornal, que tinha uns 180 seguidores, para que eu pudesse falar como um veículo de comunicação local, e não um morador relatando os acontecimentos. Foi então que eu comecei a ter mais credibilidade da grande mídia também, pois me comportei como um jornal comunitário informando o que estava acontecendo dentro da comunidade, tendo informações privilegiadas, que meus amigos da escola me passavam na época pelo MSN também”.
Atuando dessa forma, o Voz das Comunidades foi pauta para a grande mídia
também. Em seu blog pessoal Rene descreve uma passagem:
“Pois bem, comecei a usar e várias pessoas começaram a seguir, várias pessoas falando daquilo que a gente publicava, foi uma coisa muito rápida e novamente eu fiquei chocado com o número de seguidores que foi chegando no decorrer dos minutos. Mas continuei publicando o que acontecia, cada vez de forma mais intensa porque o tiroteio começou a rolar, e eu falava toda a verdade do que estava rolando, né. Daqui a pouco eu ligo a TV e vejo na Globonews falando do Twitter @vozdacomunidade e me assustei: ‘Gente, como assim? Acabei de falar aqui no Twitter e já está na TV? Muito rápida essa parada’, fiquei preocupado devido à segurança, mas correu tudo bem”. (2011)
A rede social deu poder de visibilidade ao jornal e à comunidade do Complexo
do Alemão. Para o jornalismo do Voz das Comunidades, as redes se tornaram uma
ferramenta para a liberdade de expressão, são canais efetivos onde o cidadão
participa na busca pela democracia. A web pode não fazer uma revolução, mas é
fundamental para articular revoluções.
“Seria ingênuo acreditar que a mediação pelo ciberespaço seja a solução do problema de exclusão vivido pelos moradores de favelas, mas sem dúvida trata-se de uma nova estratégia, ao lado de tantas outras, empregadas na tentativa de superação” (CRUZ, 2005. p. 12).
Peruzzo (1998) evidencia a importância das ferramentas de comunicação e
ressalta o quesito da população se tornar o produtor da própria mensagem. E
salienta que só assim a sociedade tem convívio com o outro lado da história.
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Conclusões
Banda larga, Wi-Fi, mobilidade, conectividade, interatividade. A disseminação
destes alicerces do mundo digital popularizou a produção de conteúdo jornalístico na
internet e deu poder ao cidadão para produzir e distribuir notícias nas mídias digitais.
As redes sociais, que são uma categoria das mídias digitais, criaram um ambiente
de pessoas com interesse em comum e que interagem em busca de troca de
informações. As redes sociais – principalmente o Facebook e o Twitter – permitiram
o crescimento do jornalismo.
Além dos alicerces digitais que contribuem para o crescimento do jornalismo,
há também a questão da burocracia. Não há necessidade de concessões ou
autorizações como acontece com televisão ou rádio. É possível registrar um domínio
e disponibilizar um site por valores em média de até R$ 15,00 por ano, um notebook
e um telefone celular com câmera e fazer o cadastro nas redes sociais.
Para um veículo de comunicação feito por todos e para todos, como é o
comunitário, todas estas características contribuem para uma forma mais igualitária
de informar. As redes sociais trazem grandes vantagens para o jornalismo seja em
qualquer esfera, mas no jornalismo comunitário se destaca por atingir exatamente o
objetivo: dar voz a quem não tem. Pode-se destacar também a comunicação rápida
e ágil entre fonte e leitor, busca de pautas para se transformar em notícias e auxílio
na busca por fontes autorizadas.
O webjornalismo para as comunidades possibilita uma comunicação ativa, a
população é tratada com notabilidade. A utilização das redes sociais mostra como a
população não aceita mais agir de forma hierárquica.
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Referências
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XVII ENANPUR. Encontro Nacional da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional. Sessões Temáticas. São Paulo, 22 a 26 de maio de 2017.
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Apêndice
Questionário respondido por Rene Silva para este artigo
1) Fale um pouco mais sobre você: nome, idade, profissão, onde mora...
Rene Silva, 23 anos, formação na faculdade não tenho ainda, pretendo começar
publicidade no próximo ano... Sou morador do Morro do Adeus, uma das 13 favelas
que formam o Complexo do Alemão, na Zona Norte do Rio de Janeiro.
2) O Voz é um jornal comunitário para as comunidades que compõem o Complexo do Alemão, certo? Você pode me contar um pouco mais sobre como é o processo de comunicação dos moradores com o Voz das Comunidades. A população sugere pautas, envia pautas?
O Voz das Comunidades é o jornal que surgiu na Morro do Adeus, se expandiu para
todo o Complexo do Alemão e hoje atinge mais de 10 favelas da cidade do Rio,
abrangendo as zonas norte, sul e oeste. Todas as pautas são sugeridas pelos
próprios moradores das comunidades. Em algumas, temos até articuladores locais
representando o jornal pra ficar na missão de captar sugestões de pautas pra nossa
equipe cobrir. Temos muitos meios de comunicação com a comunidade, o principal
é no dia a dia, na rua, quando estamos fazendo alguma matéria, sempre aparecem
outros moradores sugerindo pautas. Mas também acontece de muita gente enviar
fotos e relatos pelas redes sociais, a principal é o WhatsApp. Por lá, recebemos
mais de 300 mensagens diariamente.
3) O Voz das Comunidades nasceu como? De qual necessidade? Como foi o processo de criação? Primeiro foi um jornal impresso, quando surgiu nas redes sociais? Quem te ajudava, tanto na produção de conteúdo quanto financeiramente?
Tudo começou na Escola Municipal Alcides de Gasperi, quando ainda estudava a 5ª
série do ensino fundamental e resolvi participar de um jornal escolar criado pelo
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grêmio estudantil. Cerca de três meses depois, com apoio da diretora e de
professores da escola, criei o jornal, ainda com 11 anos de idade, para ajudar a
resolver os problemas sociais das comunidades. Enfrentei muitas dificuldades no
início, pois as pessoas não acreditavam no meu trabalho, por ser uma criança ainda.
Começou sim com jornal impresso. As primeiras edições foram impressas na escola
e depois tirava cópias de uma folha de A4 dobrada e distribuía pelas ruas. Surgirmos
nas redes sociais por volta de 2009, quando criamos uma conta no Twitter por jornal.
No início, não tinha apoio de ninguém, nem sequer equipe direito eu tinha. O
financiamento era feito através de comerciantes locais, como sobrevive até hoje
para rodar os 10 mil exemplares do Voz.
4) O Twitter foi a primeira rede social criada para o jornal?
Sim, quando a gente criou a conta do Twitter pro Voz das Comunidades já existia
um blog, mas não era tão atualizado, a gente gostava mais do Twitter, por poder
falar com pessoas do mundo inteiro, meio que sem barreiras e com mais
acessibilidade.
5) Quando aconteceu a invasão em 2010, o Twitter já era usado para produção de conteúdo?
Sim, mas não era tão ativo. A gente usava de vem em quando.
6) Como foi que descobriram o Twitter do Voz em novembro de 2010? Você pode contar como foi sua experiência narrando a invasão dos policiais na comunidade naquela data? Como foi a interação das pessoas no Twitter quando descobriram que você estava narrando uma ação policial? O número de seguidores subiu bastante?
Juntei todas perguntas parecidas pra esta resposta, ok? Tudo aconteceu porque eu
estava usando minha conta pessoal no Twitter no momento em que acontecia a
ocupação do Alemão. Muitos amigos começaram a me mencionar perguntando se
eu estava bem, se estava seguro, etc. Daí eu comecei a responder, dizendo que
estava dentro de casa e acompanhando o que estava acontecendo também pela
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televisão, mas de vez em quando ouvia barulhos de helicópteros. Quando estou
respondendo meus amigos, de repente apareceram centenas de menções e eu não
sabia o que estava acontecendo. Tentei responder cada um, mas não dava, cada
vez que atualizava só aumentava o número de menções. Para descobrir o que
estava acontecendo fui vendo meus tweets anteriores... Aí percebi que meus
amigos, que antes estavam perguntando se eu estava seguro em casa, tinham
mandando mensagens para vários artistas e formadores de opinião dizendo que eu
estava ali dentro da comunidade que as pessoas estavam vendo aqueles conflitos
pela TV. Atualizei meu Twitter e vi que os 300 seguidores que eu tinha antes tinham
se multiplicados em mais de 10 mil pessoas em poucas horas. Muita gente começou
a ficar preocupada com minha segurança e pediram pra eu sair da minha conta
pessoal e entrar na conta do jornal, que tinha uns 180 seguidores, pra que eu
pudesse falar como um veículo de comunicação local, e não um morador relatando
os acontecimentos. Foi ai que eu comecei a ter mais credibilidade da grande mídia
também, pois me comportei como um jornal comunitário informando o que estava
acontecendo dentro da comunidade, tendo informações privilegiadas, que meus
amigos da escola me passavam na época pelo MSN também.
7) E o que mudou, tanto para você quanto para a comunidade depois do ocorrido? A mídia deu mais atenção à comunidade? Se deu, ainda continua?
No início sim, a comunidade ficou pelo menos dois anos sem ouvir tiros, era um
momento de paz e que ninguém acreditava que aquilo estava acontecendo. As
praças começaram a ficar cheias até de manhã, com jovens conversando o tempo
inteiro. Eu mesmo era um que não saía da rua, hoje em dia a gente evita sair à rua.
A vida da comunidade mudou e melhorou com alguns investimentos, mas muitos
problemas voltaram a acontecer e impossibilitaram que os investidores dessem
continuidade nos avanços com projetos sociais. Uma pena. A comunidade perdeu
muito com a volta da violência. O teleférico parou de funcionar, as pessoas têm mais
medo de ir ao cinema (temos um na comunidade da Nova Brasília), o comércio
perdeu força porque as pessoas já querem chegar e ir direto pra casa, enfim,
perdemos muito com tudo isso.
O jornal ganhou bastante de início, pois crescemos e expandimos para outros
territórios. Apesar de o motivo principal do jornal ser dar voz às comunidades, a
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gente priorizou desde o início mostrar os problemas sociais que a grande mídia não
mostrava, mostrar os talentos, projetos e ações sociais que ninguém falava. Mas a
pauta da violência também foi tomando a frente e a gente acaba cobrindo muito
essa infeliz guerra, pra tentar de alguma forma salvar a vida dos moradores, ao
relatar pra evitarem passar por tal beco, rua ou avenida que esteja em confronto.
Minha vida e dos meus colegas do jornal mudou muito desde que isso tudo
aconteceu. Somos convidados para muitos eventos e viagens para contar nossa
experiência como jovens comunicadores e até recebemos prêmios de
reconhecimento pelo trabalho desenvolvido.
8) As redes sociais do Voz das Comunidades mudaram o foco de produção de conteúdo, ou continuam na mesma linha desde que foram criadas? A produção de conteúdo para Twitter e Facebook é diferente? O público de cada rede social é diferente?
Hoje em dia a gente acaba criando conteúdo diferente para cada rede, tendo o
mesmo foco, mas com linguagem diferenciada para cada plataforma. Além do time
de jornalistas, fotógrafos e produtores de eventos, temos um grupo que cuida
especificamente das redes sociais, produzindo conteúdo diariamente, além do
jornalismo cobrindo os principais acontecimentos das favelas do Rio.
Cada rede social tem seu público sim. São TOTALMENTE DIFERENTES!!! No
Facebook parece ser muito mais pessoas de comunidades do Rio, já no Twitter, os
seguidores são de várias partes do Brasil, além de muitos jornalistas brasileiros e
estrangeiros.
9) O Voz cobre todas as comunidades do Complexo ou só o Morro do Adeus?
Hoje, com apoio de nossos parceiros e articuladores locais, estamos atuando
diretamente em 10 favelas do Rio: Complexo do Alemão, Complexo da Penha,
Complexo da Maré, Morro do Borel, Pavão-Pavãozinho, Cantagalo, Morro da
Formiga, Favela do Fumacê, Vila Kennedy e Cidade de Deus. A gente cobria até o
Morro do Adeus somente até meados de 2009, depois passamos a cobrir as outras
regiões do Complexo do Alemão também.