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<a:í"4Êi»ií5EJí;-íH

• SERMAMGRATULATORIOPELA felicíssima , E DESEJADA SAÚDE

,

que por beneficio

SENHORADAS NECESSIDADES

ALCANÇOU ELREY

D. TO A Ò V.NO S SO SENHOR

§iUE OFFERECEAO EXCELLENTISSIMO SENHOR

GOMES FREIRE DE ANDRADE,Sargento mòr de Batalha , do Concelho de S. Mageílade , e feu

Governador , e Capitão General das Minas do Ouro,e Rio de Janeiro,

77 a J^ C* 1 T d Tl

NA IGREJA MATRIZ DA VILLA DO CARMOdas meimas Minas, Expoíloo Santiííimo Sacramento, na mageftofa

função3que fez o Senado daquella Villa pela eftimada occa-

I íiaó de taõ plauíivel motivo,

JOSEPH DE ANDRADE E MORAES,Clérigo Presbytere , Formado em Cânones.

J

LISBOA:Na Offic. c^os Herdeiros de ANTÓNIO PEDROZO GALRAM

,

"'

•\ M. Dí ú XJLiV.^

Com todas as Jicenfas necejfárias»

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díê <

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V

Ãr-veij;.'' . v» .tí-*íj

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,11^

EXCELLENTISSIMO SENHOR.

Hum preceito politico de K E:>çcdkn''

cia , em que infimiavú ao nobre Senado

defia Villa as graças ,que devíamos dar a Deosfelafrodi"^

gtofa , efelicijjtma melhoria delRey mffo Senhor ; deve ef-

tamefma Filia a ventwofa occa/iao de defemfenharo re-

nome de Leal^qt^ lhe adquirirão afieiJubmtjJao y e cega

obediência,que teve aofeu Principe Sermijjimo

,qmndo

nas maispvoap es das Minas ^ com indícios ^ on certezas de

§ rebeh

m wm

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II

rejtlhao , parece , qm fe recêavi menos fegurà a 'Domina-çaa da Lu/a Mtgeílade. Maquelle mefmo tempo , em queejte Povo confagravz lealdades ao Soberano, também tribu-tava ohfeqtíios ao Uujirijfimo , e Excellentjmo Senhor D,Fedro de Almlda, Condi de Alfumar, e terceiro Prede-cepr de K Excellencia no Governo , e Generalato dejlaCapitania. Porem toda eji^z antiga lealdade do Carmo foyfo hum defenho da fineza, com que agora havia demodrarao Mmdo o muito

, qm eftima a confervaçaõ dofeti Rey , enatural Senhor, para lhe renderfempre vaffallagens do maislealaffeôh, Ajjim o tefllmanha a prefente gratulatoria ac-ção

,em que o Carmo , naofí como as mais Filias dejia Pro-

*vincia,cantou

, (e melhor que todas ) devidas gratificaçõesaDeos pela defejotda ,e?mito eftimavel melhoria do noffoMonarca Augufto ; mas como único, efingular o Carmo mscMtosda Mageíiadeipoisnaojabemos, que houveffe feme-Ibante demonjtraçao em outra alguma Terra defte Continen-te) mefez recitar nefte difcurfo os motivos do feu contenta*mento, e applaufo em taofaufio , efelizfucceffo. Nao ha pe-rtodonefie Papel, que naofeja huma voz do amor , hum emda felicidade

,que o Carmo hnfagra em todo o tempo ao nof

foSereniffimj CMonarca. Efendo , como[ao, inseparáveisos tributos do humilde refpeito , com que ejia Filia reconhecea tMage/lade do feu Principe Soberano ,e os do obfequioymm queyemra aos Illufirilfimos^e Excellentiffimos Senho-res Generais de(ie dourado Empório do Brafã ; nao podiadeixar^ de refultar em honra , e abono de F. Excellencia omefmo difcurfo , quefoy copia dos leaes corações Portugue-zes na deprecada

, e confegnldafaude do noffo AmrufliffmoRey, Entre os Generaes dt anti^^a Milícia do Império Ro-mano, eos Soberanos do mefmo Impirio, havia huma tal co-Mmicaçao da Magefl:ade Cefarea

,que fe dava o nome Au^

gudõ de Emperadorao General,que mandava o Exercito

em chefe, Dajai veyo, qm {fegundo affirrmí Plauto , Geh

lio.

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-iSiéM^^íM.:^-:^

lio , Ckèrõye õutr^os Authorès) osGettêraês das Províncias

fogeitas ao Rommo Cefarje chamarão Pretores , cujo ti-

tulo honrofo na lingua Latina parece huma pequena corrup-

ção^ ou diminuição donomeEmperadoTCSypoisos mefmos

Generaesj ou Pretores^ ufavao de infignias^ e timbres Re-

gios ^ comoefcreve Livio no qumto Livro das fuás olras.

Com 0e Real cara^er feennobrece V. Excellencia , a quem

pelo lUufiriJJimo dafua Pefoa ^pelo efclarecido do feu San-

gue, pelo antigo da fua Profapia ,pelo ftngulat das f^as

virtudes , nao fe devia menor efmatte de grandeza, E fup-

pojiojque em V^ Excellencia encobre huma rara j e Catholi-

ca modejtia todos edes decoros exteriores :,naofe pode negar

y

que o animo j no qual confilie a virtude.^ o tem V, ExceUtn-

cia revejiido todo de huma i?aerior , e innata CMageílade ;

pois lhe deu a natureza hum cotação verdadeiramente de

Principe. Nem de outrafonte do amor,quenao fojfe tao

Heróica , como Regia,podiao nafcer osfentidosaffe^os y as

extremofas magoas^com que f^, Excellencia recebeo a infaujla

noticia damoleliia delRey nojjo Senhor, cujo avifo nos deu /^.

Excellencia a lerjem menos cabo do féu refpeitado^e conheci-

do valor j em cifras de amor pelos olhos^quando efies como ef-

'pelhos do coração^ reprefentavao opprimidos com lagrimas a

dor^q o anguftiava no peito. Também dagmerofidade^efidaU

guia defteprocederão as devotas ajjijiemtas^ e incejjantes ora-

ções de V. Excellencia naspreces publicas da Novtna^ queje

fez na Igreja do Ouro Preto^cuja primeira Mif[a catou com

Rito Pontifical o Excellentiffimo , e RtverendíJJimo Smhor

D. Fr. João da Cruz , Digmffimo Bifpo deita Diocefe^pois

eíleinfignCj e virtuofo Preladofe achava por aquelle tempo

na mejma Villa , donde expedioordms^para que em todas as

Igrejas dofeu Bifpado fe fzejfem as mefmas rogativas a

Veos^por tao ingente^ e urgente neceffldaJe , como o bem pu-

hlko dafaude^ t vida do no^o Soljerano, Confeguw o Augufto

Monarca huma y e outra felicidade y cuja plaufivel noticia.,''"""' '

mcfêcm

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isaiwí

mèrêcéoa K Excellencla em ahifarás repetidas lagrimas depéilõypois quandofai exceffivas ascaufas^ coliumao pro-^duzir efeitos contranos. Em todos mojírou í-\ ExceUencla^que o anima bum efpirito Regto: pois na compaixão da en»jermidade padcceo y em ahv.o da queixa melhorou com ELRey ^nojp) Senhor. E como a exemplo de quem ogovernaprocedeoPovo;julguey eu

j que todos os va(Jallos Portu-guezesfentiao nobremente os mefmosaffeãos , efahi a publi-

co com efte dt^ame nos tofcosperiodos dejte mal limado Dif-curfo : o qual , como nafcidode huma Alma tao ge?ierofaj

de hum coração tao amante da mjja Sereniffima Magejta"de , como o de V. Excellmcia ; torna outra vez ao feu elevan-

do principio,por bufcar na magnífica protecção de tao prer-

clariljimo Herée os afylos do melhor Mecenas, Efta heujuf-tíjjima , ejuãíficâda razão , com que me arrojo a por aospês de y. Exceilencia efte pequeno Papel ^ nao pela forma ^pois o breve tempo de cinco dias ^ que para elíe tive j naÕba/^tava nem ainda para cutdar em tao alta empreza^ quantpmaispara defempenhalla

; mas pela mattria^ porfer própriada heroicidade dos afdlos de V. Exceilencia

,para que a

defenda o refpeito de quem , como V, Excelkmia , temnelzla tanta parte. A Illuftriffima Peffoa de F. Exceilenciaguarde Deos para os augmentos. , ejeíicidades ,

que merece, e

todos defejamos. Filia do Carmo, 26 de Novembro de

De VoíTa Exceilencia

Mais reverente , e aíFeauofo criado

Jofeph de Andrade e CMoraes.

Revê-

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* Reverendijjifno Lkteratijmo ^úc ter^ & ampíius

ingeniojíijímo Doãori Jofepho de Andrada e

Moraes , pro íiíremfmi JOANNi S V.

Lufitania Regis valetudine 5 in Gratiarum

aBione Supremo Numini difenij/ime conda-

fiantiy

EPIGRAMMA.

REgis in obfequium cum te clainare videmusAd Superos, Jofeph

,pro què falute rogas

;

Áurea lingua tibi : facrataque verba locutus,

Orphea divicis , Ifmaryamque lyram.Dumque Polo meritas tendis perfolvere grates^

Cerniturinplurescrefcere fama gradus.

Ingenium lucet, lucet facúndia voeis,Credimus aftriferis te properaíTe pJagis.

ScHicet orantem cíim te facra Pulpita cernunt ^ISe vifufa parem faecula noitra ntgant.

fangtbat Antonm Teixeira dt Carvalho.

EWMM

^m

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jy. aM«i^i»BW»««w:.p

•í1

EIVEM <tÃVCTO%l

EPIGRAMMA.

D '"•""r'SFI ^f*^j^'*"*S^

Um Rex segrotat , nos asgrotamur & omnes:^^

i Nos profternit amor , Rexque dolore cadit.

Nunc Deus illi , tu nobis medicamina praeftas:

Tu Sermone tuo, fed manibufque Deus.

Cmtbat Dominicus Lopes Anp^^f

Surganff

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imMi

Pag, %

SuYgant 5 & opHulentur vobis , & in neceffi^

tate vos -pYÓtegant ::: Ego occidam^& ego

vivere faciam : percutiam y &€gofanabo. Deucer. 32.38^& 390

^

OUÇO teria de grande no ex-

ccífivo apreço dos noílos aíFe-

dtos o admirável, e prodigio-

fo beneficio , de que cantamoshoje as devidas graças a Deos:

( Amorofo Senhor Sacramenta-do 5 a quem neíTe Eucariílico

.'1 hrono adora a noíTa fé por Deos verdadeiro,confeíTa a noíTa humildade por único Senhor^e Author da defejada mercê

, porque vos ren-

demos, e tributamos inceíTantes louvores : T^.ExHym,Deum lâudâmtis , Te Dominum cenfitemur.) Pouco ss,y^mb,

teria de grande no exceffivo apreço dos noíTos ^ -^^í-

aítectos o admirável, eprodigiofo beneficio^ de ^ •

que cantamos hoje as devidas graças; a Deos ,

le riaõ publicaíFemos também ao Mundo a cfti- .

mavel caufa da noíTa gratulaçaõ. Quem mani-a fefta

MM mmmmmf^

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;a - SERMAM €

feita o eíFeito , naó pode encobrir a caufa, por-

que eftas fe daõ a conhecer por aquelles Efuppofto, que he tao publica a demonftraçaõdo noflb rendido agradecimento, que em todoo Portugal, e nas mais partes do Orbe, aondefe eftende a Dominação Lufitana, em fuaves

,

métricas harmonias 5 em íacrofantos, incruentosfacriíicios, fe tem repetido agradáveis viòlimasde louvor a Deos; jufto he

, que fe publiquetambém o motivo da foberana ventura

^ que lo-gramosj e applaudimôs : bem como fazia Anna,a mãy de Samuel , a qual ao mefmo tempo, emque fe alegrava cantando graças a Deos : Ex-

1 R^^ X^^^^"^^^ cormeum in Dommo ^ dizia comjúbilos do

j' ^* ' efpirito a caufa da fua felicidade.Era eíta o acharem-fe ji convalecidos, che-

yos de forças, e vigor, os que de antes padece-rão

, como enfermos : Infirmt acc'm6íifunt rohore:e tal he a noITa feftejada ventura, queconfiftcna feliciíTima melhoria, que experimenta o nof-fo Soberano Monarca do infulto de Parlezia

,que o accometeo, e proftrou : melhoria defe-jada com lagrimas, com fufpiros, com lamen-tos: melhoria pedida com preces, com jejuns,com penitencias publicas : melhoria alcançadacom favores da Mifericordia Divina, com mi-lagres do Ceo , com prodígios de Noífa Senho-ra das Neceffidades ; a quem S. Mageftade Se*reniíTima fe encomendou com terna devoção ,

e viva fé na fua afflicçaõ : melhoria (em fim

)

applaudida com júbilos, com alegrias, com cân-ticos de acçaó de graças ! Ah Portugal. E fe

'^ aíau-

Ihidem

V, 4.

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.,liMJ><l^s!iM^líi:te,_v,^,:

• GRATULATORIO. ^rf faude de hum Rey taô Pacifico., íao Sábio,

tao Prudente, tao Pio , taõ Catholico , íaõ

Jufto , e cm todas as perfeiçoens de Monarcataô bom , como o que te domina, he o mayorbem, que podes gozar; a quem havias de dever€fta fumma felicidade,fena5 a Deos, quehe cora

particular providencia o Author do teuReyno ,

€ dos teus Reys , nosquaes fundou o Impériomais fiel para fi a Divina Mageftade ; Volo ín^^-J^^^

te ^ & infemine tuo Impertum mihi Jtabilire'i Mas^^T'/, \vejamos já, o que diz o noflTo Texto para ^^õ /J>J^^^^língular cafo. ^^^^

No cap. 52. do Deuteronomío arguia Deosao Povo de lírael pela adoração

,que davaõ

aos ídolos; pois fendo a veneração, queaquel-

la Naçaõ apoftata da fé, e Religião verdadei-ra dava às fuás mentidas deidades, a mayor:,naõ achavaÕ o menor patrocinio no feu culto,

aaõ lhes acudiaÕ nas neceífidades , naõ os li-

•vravaõ da morte , naõ os aliviavaõ nas doen-ças. Pois Ifrael { disia Deos àquelle ingratoíovo) onde eftaõ aquelles Deofes falfos , aquel-les refpeitados fimulacros da tua idolatris, emque tanto confiavas até agora: Uhifunt Dii eorum, Bmer-m quibus hahehant fiánciam f Se temes o eftrago 32. 37.da morte, invoca as tuas idolatradas imagenspara que fe levantem, e te foccorraõ .• Surgant^

& opttukntur njobis. Se tens neceííidade de fau-de, clama pelos teus adorados Ídolos

,que te

protejao : Et in mcejjltatt vos protegãnt. Msís ah/que eílás taõ cego , como enganado ^ ò Povoinfiel. Abre , abre os olhos da razaõ , ò Pô-- - . ...... á 2 '

^ vo

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4 SERMJM ^

vo ingrato , e conhecerás ( continua o AI-tiífimo

) que Eu fó fou o Deos,

que te pó-de dar remédio nas tuas afflicçoens ; Videte

^

'^'^''^^qiiod egofimfolus. Eu fou o que dou a morte,

e a vida : Ego occidam, d^' ego vivere faciam. Eu

fou o que caftigo, e o que faro as feridas : Per-cuúam^ & ego fanabo. Dou o caftigo com as do-enças, ou para flagello dos peccados , ou pa-ra exame do fofrimento.- Percutiam infirmitate^

Hwr.hk commenta Hugo Cardeal ; e dou a faudeparaaugmentar, e fazer mais ditofa a vida; Et ego

fanaho. Oh! e que bem reconhecemos nós efta

virtude do voíTo poder Divino ( Deos , e Se-nhor meu) na delejada faude do nolFo Serenií-

íimo Rey, fem incorrermos a culpa de idola-

tras, como os Ifraelitas; pois antes temos me-recimento no que elles tiverao demérito.

Enfermou Sua Mageftade : e como aqueixa ameaçava ao inclyto Rey com o ultimoperigo da vida , temerão todos os vaíTalIos Por-tuguezes a morte, naõ fó do Rey , mas de to-

do o Reyno; pois he eftrago commum da Mo-narquia o cataftrofe do Soberano .- como aenfermidade do noíTo Monarca era perigofa ,

fentíraô todos os Lufitanos o golpe , e pade^ciaô no coração a Regia doença

;pois ofFen-

dida a cabeça cm hum corpo, todos os mem-bros delle padecem. Principiou particular, ouem hum fó o accidente paralytico , mas fez-fe

logo publica a afflicçaõ;porque como eíle hum

he o Lufo Príncipe , a quem refpeita aílbm-

brado todo o Orbg dot único , e íingular; pre-

cifamente

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:MíM^:íMl1ij:21c^

GRATULATO RIO. 5cifamente havia de fer de todos os feus aman-tes vaíTallos a moleftia. Por iíTo, como feeftes

foflem os doentes , começarão a patrocinarfe

para o beneficio da faude, das Sagradas Imagensmais infignes, e milagrofas da Corte, Levan-:

tarao-nas em andores , leváraõ-nas em prociG

foens , chegarão com muitas até á camera dei-

Rey , onde deixarão as mais devotas , e cele-

bradas, para lhe miniftrarera o foccorro^para

lhe preftarem o alivio: Surgant , & opituhntur

*vobis. Crivei íe faz á piedade Catholico-Lu-

íitana ^que todos aquelles venerados fimula^

eros, ou os Santos 5 a quem elles reprefentao,

influirão benefícios para a efperança do nolTo

remédio: como porém o cafo era o da mayorneceflidade, fó á Senhora das Neçeffidades fe

entregou o noflb Soberano para confeguir, co-

mo confeguio, na protecção de Maria Santiííima

a melhoria, que experimentou taõ repentina ,

como milagrofa : Et tn neceffitate vos prêtegant.

Pois pelo patrocínio admirável da fempre Vir-

gem , excitado da fervorofa devoção , e vivafé da piedade Regia, o mefmo Monarca, queeftava próximo á morte, recuperou a vida, queDeos lhe ha de dar larga : Ego occidam^ & ego

vivere faciam \ o mefmo Soberano, que eftava

moleftado de perigofa enfermidade , fe refti-

tuío a huma faude,que com o favor Divino

ha de fer a mais perfeita , e vigorofa : Percu-

tiam infirmitate , & ego fãnabo.

Mas fendo efte o cafo da noífa prefente

felicidade, fiarece, que tem duas duvidas gran-

des^

mmm

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í^mi

'íí''!' *

6 SER]MAMdes, ou duas incoherencias com o noíTo Tes>to. A prhmhã

y qus fendo EIRey o faoj

e oreílimidoiá faude , diga o Texto, que o

Povo todo he o foccorrido, e aliviado : Opir^

Itulentur vohis. A íegundsi , que íendo a neceíli*.

dade da melhoria do noílb Soberano huma íb,para a qual íe implorava a protecção da MaydeDeos: Inneceffitate vos pr0tegant\ fsíz MarisLSantiffima o prodígio , como Senhora das Nei-ceííidades. Pois como fe multiplicaõ as neccífi»dades para o patrocinio de Maria , e he foc*corrido o Povo todo, quando Sua Mageíladèmelhora da infaufta queixa, que o opprimio?Por iíTo mefmo. De forte

,que nós temos ne^

ceílidade de tao amável Rey, como o que nosgoverna: que tenhamos eftaneceíTidade da comfervaçaõ do noíTo Soberano, he infallivel: mas

^porque.? A razão he clara, fe a confideramos

i ifofieriorij e vem a íer, porque Deos lhe deu:|;

milagroía íaude, e Deos naõ faz milagres íèm'^ neceflidade. O que íuppofto , como os vaílallos

fomos muitos, multiplicaraõ-fe em todos nósas neceílidades da melhoria de taõ bom Rey t

a efta neceíGdade publica de Portugal acodio aMay de Deos como Senhora

,que dá remedia

a todos. E como nefte cafo fatal as neceffida^des eraõ tantas, como os vaíTalIos, que necef-fitamos de taõ grande Rey, e todos fomos fa-í

vorecidos na prodigiofa mercê da fua faude jpor iíTo he alivio de todos nós a melhoria yque ElRey alcançou pela piedofa protecção deMaria Saíitiífima, da Senhora das Neceíridides:*

Surgam^

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mÊÊÊÊÊÊÊÊ

• GRATULATORIO. fSurgãnt , & opítukntur vohis ^ & tnmceffliau 'vm

prStegant. Ainda me expiicarey melhor , fe po-der.

Reproduziraõ-fe na doença, € na melhoftía do noíTo Monarca as neceffidades. Fez hurma reproducçaõ oamor, e a piedade otitra. Oamor he doença mortal, que confome a vida;he ferida, que doe, e naõ fe fentej padece-fepor vontade, fofre^fe por gofto efte cruel

martyrio;por iíTo he tolerável o feu nimio

tormento: mas por mais que fe tolere , naádeixa o amor de fer ferida incurável , comolhe chamou o Poeta : J^ulnm ala venis. Naíce^^^^^^'efta chaga no coração , qtie he o centro das fi-

nezas : e como o amor innato,

qóie os vaíFal^

los Portuguezes temos ao noíTo natural Prínci-pe, nos feria a alma com a agudeza da fua quei-xa; fez^ a neceífidade, e a preciíaõ defte affcéto^que a doença delRey foíle de todos os feus vai-,

faílos. Vio a piedade da May de Deos ellane-eeffidade commua, e moveo-fe piedofa a dar-lhe remédio , como Senhora das NeceíTidades:ín necejjitate vos protegant

; e aíRm como fe repro-*duzio a enfermidade do Rey no coração dosPortuguezes, aííim fe reproduzio também amelhoria do noíFo Soberano no corpo myfticodos feus vaííallos. Por iílb a íua faude he nof-fo alivio, quando por mevo da ^protecção daSenhora das Neceílidades confeguio ElRey la-rar da queixa

, que o magoava a elle , e nellea todos nós: Pírcutiam ínfirmitate

, & rgo fana-do t & in neceKJíme ^vos proteganí. Eííq fera o ar-

gumento

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m.y

8 SERMAM ^

gumento da prefente gratulatoría acção^ para

que conheça o Mundo a grandeza do motivo,

porque os Portuguezes leaes fempre , e fem-pre amantes do feu Soberano , damos hoje , edevemos em todo o tempo dar a Deos incef-

fantes graças, eperennes louvom i-Xe DeumJaudamus, í

LOuvamos hoje a Deos, e cantamos ao Alftiílimo jubilantes gratulatorios hymnos ^

ò fempre Heroycos Portuguezes , pelo íingu-

lar beneficio,que nos fez de farar ao noíTo

Soberano Monarca da perigofa enfermidade ,

que padeceo. Beneficio , e favor tao grande he-efte da Divina Mifericordia, que eomprehen-de nao fó ao Rey de Portugal , mas aos vaf-

fallos Portuguezes. Convalecerao os valTallos,

quando fárou o feu Rey na Lufitania ; foy amelhoria geral do Reyno

,porque tinha fido

no Reyno univerfal , e tranfcendente por to*

dos a enfermidade do Rey, A faude dos Reyshe hum bem publico dos feus Eftados

,pois

quando os Reys faõ juílos , e re£tos , depenr

de, e neceflita delles a utilidade da Republi*ca.* e como efte útil ceifa na fua falta , e nafua doença, por iíTo a enfermidade doReyhemal commum dos vaíTalIos. Donde vem ,

quedo mefmo modo que entre o Rey , e os vaílal-

los5 que fe amao , como moftra a experiência

entre os Lufitanos , fe papticipaõ os males por

virtude do affedto , também fe haõde commu-nicar os bens por força da correfpondencia .•

pois

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GRATULATORIO. 9pois de ootrt forte o ao teria o amor igualda-

de em ambas as fortunas, profpera , e adVería,

o que feria contra os timbres da conftancia Lu-fitana, 4e que nos daõ taõ heroycos exemplosas noífas Chronicas.

E fé os vaífallos Portuguezes recobrámos

todos a faudè ,quando a alcançou na fua in*

fauftâ doença o noíTo Soberano Augufto;por-

que naõ havemos todos de dar muitas , e

mais que muitas graças ao Altiílimo ^reconhe-

cendo-nos , e confeftando-nos favorecidos noremédio , e aliviados na afílicçaõ, em que El*

Rey fe vio , e de que Deos o livrou , € nelle

a nós todos, pela gloriofa , e fempre efficaílf-

fima intercelTaõ da Senhora das Neceffidades

:

Jn neceffitate vos pritegant , percutiam infirmltaU^

& ego fanabo} Oh naçaõ Portugueza ,que neí^

te fino fentimento , nefta amorofa compaixãoda queixa do teu Rey Sereniílímo , es comelevada razaõ admirável, e admirada de todas

as Eftrangeiras por amante do teu Monarca 1

Sim, amante, «xtremoía, e exceífiva com def-

culpada inveja de todo o Mundo;pois eftes

affeélos de compadecido , eftas finezas de ma-goado mi enfermidade Regia, que lamentavas

como própria de cada particular teu , fópodiao

nafcer, ò Portugal, do amor, que devidamen-te tens ao teu Soberano.

Tem o amor tanta virtude para commiini-

car os males entre os que fe amao, que até o

amor jufto, ou a caridade faz efta reproducçaõ

de moleftias nos amantes. De maneira ,que

-- .,p b quan-

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^é •

m

Matth,

2,2. 35^

IO SER MAMquando o amor reyna igualaient^ , enfre- inuí-rtos, e adoece algum delles , nao he efte fá odoente; faô todos os que o amaõ, os enfermos:padecem tpdos no afFe£to , que tem ao quei-xofo

y ainda que fó o moleftado toléce o eíFei-

%,CormK^^ ^^ % queixa. Por iíFo perguntaya Ç/ Pau-iK 29. ^^- ^ísj^fir^rnatnr , é- ego mn wfírmõr? QiiQm- de vós, ò Corinthios (dizia Paulo:) quem de

vós adoece, fem que eu efteja doente também ?

Como fe diíTera.^ A todos vos amo como a mimmefmo; a todos vos quem com inviolável ob-fervancia do fegundo preceito da ley do amor:Secundum autem fimik eft huic : Dtliges proximumtuim

, fuut te ipjum. E como o amor he humacommunioiçao dos males , e dos bens , na6poíTo eu paíFar bem

,quando vós eftais mal^;

antes eu padeço como enfermo , ao mefmotempo, que qualquer de vós fente oeftragodealguma enfermidade : ^is infrmatur

^ é- tgamn infirmar} Rara fineza ! Atè aqui he

, quepôde chegar o mayor extremo de huma arderí^te caridade ! Cuidava eu até agora

, que paraadoecer naturalmente , baftava a natureza ef-tragada com as miferaveis confequencias daprimeira culpa; mas já vejo

,que também ha

arte para eftar doente fem malificio. Foy oamor o novo , e fabio author defta fciencia

,como antagonifta do afFamado Hyppocrates :

pois fe efte inventou o methodo para fe cura-rem as enfermidades, aquelle enfina os aforif-mos para adoecer fem moleftia própria. AMedicina cfcreyeo remédios para extinguir as

ià quei-

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• GRATULATORIO. vii

qoeix^ ;'1ê<atíior ftz as receitas para íe ceiti-

niunicatehiíOS males. -

A' coiíimunícaçaõ , <>« ccntagiò dos ma-les, chamao os Médicos Epidemia, a qualj fe-

gundo a derivação do Grego : Epi , e demfs ^^"'^^-'^e-

quer dizer doença popular, Efta dizem,

queí^^^^^^^^^-S-

procede da corrupção dos ares : mas o certo, IT^v/^^j

he, que onde reina o vento do amor , o ar

dos fufpiros , com que refpiraõ os finos aíFec-

tos , fempre ha epidemia , fempre iie epide-

illfòâ , ou geral a enfermidade entre os aman-tes

5 quando enferma o amado. E qUe beminftruidos eftavao deftes eífeitos os aíFcéfcòs

caritativos de Saõ Paulo ? Adoecia o Apof-Holo, quando enfermava algum dos aquémamava : Infirmatur , & ego infírmúr : e para

que fe viffe , que no ardente coração de Pau-lo reproduzia o amor a mefma enfermidade,que padeciao os íeus difcipulos ; fe a molef-

tia deftes eraõ dores , dores maltratavao aoMeftre : fe erao afflicçoens , afjflicçoens an-

guftiavao ao Apoftolo : Ghús infirmatur, ( Leo A' Lapide na expofiçaõ defte Texto:) ^/^^/^^^^infirmatur ^ dokt ^ affiigitur ^ & ego non tnfirmor ^hk.

non doko, non ãffltgpr ? Sc os extremos Lufita-

nos nefta occafiaõ da fatal moleftia do noíío

Monarca naõ folfem iguaes aos do Apoftolo,bem podiamos dizer, que era íingulár efta fi-

neza de Paulo;pois para moftror o heroyco

da fua caridade 5 deixava de íentir as íiias ;

doenças5para padecer as alheas. Nos fuas^^

por mais que o proílraílem, por-^maé^^que^êb 2 morti-

wmmm

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i!

ãi

WUr

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HngJn

12 r SERMAM -

mortificaram,por mais que o opprifnííTem í

Corímh^i^^^^'^^^'^^^ ^^"^^^^^ confolaçaõ, achava ali-' 'vio-Gíofiabor m infirmitatibus méis : nas alheas,

por mais que fó as queriaô fopportar os feusamados, elle era o que fentia os incommodosdo doente as dores do queixofo, as afflicçoensdo enfermo ; Infirmor , doko , afjlígor. Reputan-do ( commenta o Cardeal Hugo } tilam infir-

vínth.iumhãtem effe meam\, qula tmtum doko , ac fí ejfet

^S' ima.

E fe ifto fazia para com todos o amorde Paulo, Paulo, aquelle Apoftolo , cujo co-ração dilatado nos incomprehenfiveis , flaman*

Uemnbi^^^ ^fl?^?^? ^a caridade , recolhia a todos em

Cn^a,^ fij como diz o meímo Hugo: Carlatum hakbatyqula omms capiebat ; aquelle Apoftolo , a quem£?eos efcolheo , como vafo de eleição, paraleVar o feu Santiílimo Nome ao Gentilifmo :

Kaj ekcíwnls e(i níthi ijie , ut forteJ: nomen mtumcoram gentibus ; porque jiaõ haviao de fazer omefmo para com o leu inclyto Soberano , osPortuguezes ? Os Portuguezes

,que fempre

aniantes , e fieis dèraô pelo feu Rey o cora*çaõ, e a vida; os Portuguezes, que foraõ eíreolhidos por Deos , como Apoftolos, ou co-mo Paulos

, para que levaíTem o lume da Fé^•^>- Çatholica áqyellas gentes, que viviaô fora do^v grémio da Igreja : Ut deferatur nomm mmm ad

jy/^^^^ Sendo porém tanta a congruen-

^<í-""^'^^^ ^^ motivos

, que ha entre as finezas dePaulo

, e as dos Portuguezes na compaixão4as enfçrniidades alheas ; parçc^me >

que no

15-

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• GR ATULATORI o, 13jufto/"e devido fentimento da moteftiadofeuSoberano Príncipe, excedem os Pqrtugueges a

Paulo, A razão he ,porque o Apoftolo era

Paftor, e Príncipe daquelle Povo,por quem

padecia ; os Luíitanos faõ vaíTallos , e fubdi-

tos do Rey, por queni fe magoaõ: e parece,

que os fubditos naõ tem tanta obrigação defentir o mai do Príncipe , como tem efte defecondoer das moleftias dos vaíTallos,

David 5 aquelle grande Rey , que aos

Reys todos deixou exemplo de governar conapjrudcncia

5 juftiça , e temor de Dcos , vio,

que hum a peite lhe hia devaftando o Reyno ;

c fentio de forte o eftrago ,que antes queria

ier^ elle o punido,que ver caftigado o feu Por

?vò y defonerando a efte de toda a culpa , eattribuindo-fe a fi todo o motivo de tanta ca-

lamidade: Ego fum (dizia compungido aquelle ^* ^^<^*

Monarca; ) Ego fum^ qui peccavi y ego imqm egi:^^**^*

i/ii qui oves ftmt yquid fecerunt ? Fertatur y àhfe^

€ro.y manus tua contra me. Ao meírno David fuc-

çea^ra^ muitos , e grandes trabalhos : rebel-

íoufò contra elle o próprio fangue em feu filho

Abfaia^; períeguirap-no ;os inimigos ; teve moeleftias, e cuidados graves na confecuçao da Co-roa , e em outras emprézas. E fuppofto que oamavaõ muito os faírallos , nunca eftes fen-tiraõ, ou ao nicno naõ nos coofta , que fen-íiíiem eomo íus as afílicções de David, quan-do elle defejava padecer pelos vaíTallos omortal golpe: Fertatur y obfecro y manus tua con-

tra me. Mas de que nafceria efta dcíigualdade

de

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r

t:

w

14 XjlhíSERMÃM '

de afFe£tòrfl^ífê entre os vaíTallosye o Rey ha-via âmofii-eisfiproço ? De aenhuma outra cau-fa 5 íenao da diíFerença de eftados. Huns eraõvaíTallos, e Rey? o outro : os Reys, que faobong 5 íentem cémow.próprios os incommcdosdo Reyno ; o ReyFíó ,'por mais que ame aofeu Soberano y nunca chega a reputar ( forada Lufitania) por fua a moieftia do Rey. Poriffb, ainda que David defejava padecer por to^

dos os feus VâíTalíoSi, ^ como cada hum dei-

les ; os valTàllos náÔ confta que quizelFem pat-

decer como David y ainda que lhe tinhao mui-to affeáto, ':.i...v:/i^ ;,., >!_,., X ..ik-. ^:U- ^^:j^

í A razão nàturaíí défta >gpaíndie differeiiça

he a defiguaidade moral , em que eftá o amorno Rey, e nos feus vaíTallos : ncfícs , quandomuito , reííde o aífedlo de filhos; naquellefempre deve exiftir o amor de pay , e o amordq^pay prevalece ao do filho. Já houve, quemexcitou efta queftaS v^ è refolveo-a a favor daamor paternal , com o fundamento de que oamor no pay defce , e no filho lÓbe , e emquanto o amor fóbe, ainda tem que creícer ,

e pode fer mayor; mas depois que o amor co^m^eçaa defcer, he porque nem achajá degráospor onde fubá , nem já encontra gràos , emque fe augmente. Em fim ^ò amor he pezo

,

euja natural inclinação bufca o feu centro pa-ra baixo , defcendo; e naõ pode íobir, fe*m

violência da fua própria natureza : por iílb

como menor o affeílo do filho, pode, e temque íubir delie para o pay j e como mayor o

amor

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• GRATULATORIO. 15imm do pay começa a defcer delle para o fi-

lho. O lugar de filhos tem os PortugufZes nocoração de feu Príncipe ,

porque os Reys daLufiCania fempre amarão como pays aos feus

vaíIalJos : e tendo eftes fó a obrigação doaíFeíto de filhos , fentirem copo própria a

enfermidade do feu Soberano ^ lárifBitaçaÕ doque padecia Paulo pelos feus Corinthios en-

fermos, eftando o Apoftolp em lugar de ps}^como Piijncipe que era : Conjiitues eos Prmci-PfA^^

fes'^ bem fe deixa ver^, que o amor Português ^7»

excede ao de Paulo na compaixão das doen-ças alheas

, pois as faz próprias .- Paíitur ,

fuás y & fimul altomm infirmitãUs tolerai ^ di^ com^-^ ^ ^'^

Theophykto o A/L^apide. Mas,^oú f^igual^^ou feja exceflív^a ért lios efta magoa |,íO eettohe, que eílas finezas fó fe encontttaÕ ou nafidalguia do coração daquelle Principe da Igre-ja para com os feus fubditos , ou na heroyci*dade do amor dos vaílallos dè Portugal pargçòmoleuB.ey, mtóit^v ,

No Reyno de Ifrael, no da Syria, e entoutrosJmperios 5 adoecerão rnuitos Reys , eentre elles Ochofias, Benadad^ e Afa. E queíuccedeo na$ enfermidades deites Monarcas f

Succedeo5 que Afa ^ ainda q\iç Rqy , elle era

fó o doente : (LAigrotavit etiam Afa-^ queBena-dad 5 ainda que Principe , elle era fó o quei- ^* ^^^'^-

xofo ; Benadãd Rex Syrta ^egrotabãt; e que^/'^^'*^^

Ochofias, ainda que Soberano, elle era íó o"*'*^^^"*^*

enfermo ; Ceciditque Ochojias : : : é- /eo^rotavit. '^p-^^ ^

De nenhuns dos vaíTallos daquelles Príncipes z;'^.*

nos

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t6 fERMAM

li

nos refere o Texto Sagrado, quê enfermai-^

fem, quando os feus Reys adoecerão , nem que

por elles , e pelo reftabeieeimento das fuás

queixas fi^eíTem o minímo extremo. Eraõ as

doenças perigofas, e todos aquelles Monarcasdefejavaô melliorar delias: mas como fe osvaflallos miõ lhe tivcíTem amor , ou naõ lhomercceíTem os Reys , nao lhe folicitavaõ aquel^les o alivio, fó eftes diligenciarão para fi pró-prios a cura. -: ; ^ nu-)

Ochoíias poz toda ^â fti^ èrperançà :ièm,

Beekebub Dèos de Accaron, e a efte Idólo heque mandou coníultar o fim da fua enfermida^de, a qual fó parou na morte ; lie , confuUte

Beelztbàb Deum Accaron^ utrum vfveré queam de

infirfHítníe mes hac. Benadad bufcõu , e cotife^

guio em Deos o alivio da fua queixa , por me-yo do Profeta EUíeo; mas pafá ido foy necef-

fario, quê mandaíTe a Hafaêl faizer eíla dili*

Jhid.cap. g^^^i^i Et ait Resc ad Hafael : vade y & confuk

%.Vj\ Dominum per eum. Afa finalmente confiou fó dafciencia Apollinea o remédio para a fua me-lhoria, mas fruftradamente, porque morreo da-

2. P^r^/. quella doença : In Medícorum arte canfifus eji.

^S*^'^'^^Dormhitpie cum patriíjus fuis. Aflim eraô trata-^3' dos aquelles Reys enfermos: faltava aos feus vaf-

fallos o amor, e a compaixão, por iflb naÕ fa-

ziao pela faude daquelles Monarcas diligencia

alguma, fó quando os obrigava o preceito Ré-gio. E que fuccedeo em Portugal em neceíií-

dade fcmelhante .?* Euodirey, ou diga-o Por-

tugal todo.

Adoe.

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• GRATULATO RIO. vfAdoeceo a Mageftade do noíTo Serenif-

fimo Rey D. Joaâ V. que Deos guarde , e prof-

père; era a fua enfermidade mortal : e comonefte cafo fó Deos pode dar , e dà a melhoria,

por mais que os Médicos fe defveicm para a

confecuçaõ da faude , fegundo dizia o RealProfeta .• Mediei fufcitãbunt^ & cmfitehunttfr Ubi^

em quanto no Paço efgottava a Medicina os -^7-i

remédios humanos , nas Igrejas , nas ruas, enas cafasdòs particulares íéimplorávaõdeDeoS'òs Divinos remédios. Entre confufos alarido^

de enternecidas lagrimas^ era cada cafa humOratório, em que fe pedia a Deos a faude doRey: era cada ruahuma Thebaida povoada depenitentes : naõ fe via , nem fe ouvia outracoufa, mais que clamores, rogativas ,e mor-tificaçoens para alcançar por meyo dèftas pe-

nitencias publicas a melhoria do $aberano :

dentro de de^afeis dias fe contarão fó em Lis-

boa fetèntaefete Prociífoens com as Imagensmais milagrofas, e devotas, que venera a Cor-te : muitas Communidades de Religiofos, hunsdefcalços , outros tomando difciplinas publi-

cas, fahiraÕ dos feus Conventos para confegui-

rem taõ défejada felicidade , como era o ali-

vio delRey: finalmente eraõ as Igrejas cafas

de oração , onde em continuas humildes pre-

ces fe rogava a Deos pela faude do Monarca.Todos, e cada hum dos Portuguezes

,por me-

yo das Sagradas Imagens, a que tinhaõ devo-ção, imploravaõ o remédio daquella queixa

,

o auxilio naquella neceffidade: Snrgant ^ & opl"

c ttikntur

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II'

I

gor^Hom

Jo. in

EíírPMg^

i8 SERMjMtulentur vobis, & in neceffítate vos prétéganf.

^AíSin o i:ecenheceo a própria Mageftadô

enferma, e o admirarão as Eftrangeiras Nações.

Notável fineza! E que mais faria cada vaíTal-

lo de Portugal , fe elle foíFe o doente ? Pare-€e-me, que nem, tanto. Mas aíTim havia de fer,para que fe conheçeíFe

, qm na Lufitania í^n-^tem os vaílallos as moleáias do feu Principe,mais que as próprias, eque bufcaõ o remédiopara a doen§a do Rey ,, como fe foíTem os en-termos os mefmos vaíTalIos. A que Portuguczfe proporia a, enfermidade delRey: InfirmatuTyque nao refpondeíTe

, que elle também eftavaenfermo: Et egainfirmor? Nefta matéria

, porfer de amantes afFeaos, naô ha teftimunhas ,como as acçoens; porque fó nas ol^ras , comodiz Sao Gregório Papa, fe prova ^ e examina"o amor : Prebatia erga diktíioms exhibitia eíi ope^'ris. Tanta devoção , tanto defvelo ,\ tanto cui-dado, tanta mágoa dos Portuguezes na occa*íiaõ do fcntimento commum

, que referimos ,que foraõ, fenao abonadas teftimunhas do amorprovado, e approvado nas obras , e deraonf-traçoens da mayor fineza, com que fentimos aenfermidade do noíTo Augufto Monarca f Po-rém fe naõ vai tao relevante prova , como íemanifeftou nos effeitos da noífa dor , recorra-mos á caufa delia para demonftrarmos maisfubido de ponto o amor Lufitano na própriaqueixa, que padeceo ElRey, e nos progreífos^da fua infaufta enfermidade.

A enfermidade foy hum eílupor , o qual

fegUHi-

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• GRJTULJ70RI0. %legundo as noticias mai^ véridicas y^ que tios

chegarão da Gorte,offendeo a Sua Mágeftad^

a parte efiquerda da cabeça , e todo o corpo da

mefma parte. Myfteriofo acafo para o que va-

mos dizendo! ElRey cam os feus vaíTalIos faís

hum corpo myílico , do qual fao os vaílallds

as partes inferiores 5 e a cabeça ElRey : e co-

mo na ofFenfa defta parte ,principal entre as

corpóreas , fe oíFendem todas as outras, con-

forme o proloquio Medico : Cam caput doktjC^-

-tua memhra Ment; permittio a Providencia, qlie

no iníulto daquelle accidente paraíytico pad€-

ceíTe a cabeça , e o corpo do Soberano, para

que fe viile, que no corpo, que faõ os vaííal-

Jos, havia q mefnío fentimento, que na cabe-

iça^ qub he o Príncipe* Parece, quequiz a Pro-

videncia., que tudo provê, moftrar nefte cafo

ao Mundo o mayor exemplo do amor em Por-

tugal; e para efte fimdifpoz a queixa delRey

de maneira, que nao padeceíTe , ou fó o cor-

po , ou a cabeça fó; mas a cabeça , e o corpo

juntamente. Como quem diz; Se padecer íóo

corpo, fentiráô fó os vaíTallos, quenomefmocorpo fe reprefcntaô; fc fe doer fó a cabeça ,

magoarfe-ha fó o Rey , que na mefma cabeça

fe figniíica. Nefta divizaõ , c fmgularidade do

-fentimento queixarfe-ha o amor, que faz com-

muns os males: pois para que iftô naõ fucce-

da, na precifao delRey áftar doente,pad^eça

na cabeça, e no corpo, para que nefte lintao os

vaíTallos, e naquelle o Príncipe a rneím a en-

fermidade : porque ainda qu.e pareça crueldá^

Q z de

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w

-.1 '

Vi»;

33.

ao SERMAMde raayor extenderfe a queixa pela extetifaõdas partes ofFendidas, para que riaô logre aty-rannia o feu intento , lá eftaõ os vaíTallos Por-tuguezes

, que fentindo no corpo , ou pelo cor-

Ç^»T^^" ^^5' elluporado, ferviraõ de alivio

á Mageftade enferma. Affim aconteceo , e pa-ra admirarmos o como, vamos examinando osprogreíTos da Regia queixa.

Paliados alguns dias da enfermidade donoHo boberano

, e nelles a mayor força doinlulto extinda

, ficou a cabeça delRey livredaquelle accidente , e a parte efquerda do cor-po atteaa com o mefmo eftupor. E para que?Para moílrarem os Portuguezes

, que por li-vrarem ao feu Auguflro Monarca ( fe eftiveíTeJia fua maó a execução delta fineza ) do fatalpengo que o ameaçou, padeceriaô , e pade-ciao elles por afi^^eao no corpo delRey oííen-dido, e ficaria

, como ficou com efl^eito , opríncipe

, como cabeça do Reyno , aliviado.òim, porque trocando a occafiaõ os lugaresdo fentimento

, fe ElRey era o anguftiado Ab-laJao ludtando commortaes anguftlas, o amorl^ortuguez foy o magoado David

, que defeja-

gva padecer pelo feu amado Principe : §l«,s mi-bt trtbuaty ut fgomorkrpro íeí Para credito dei-te amorofo exceíFo de Portugal , naõ foy me-nor providencia a de padecer ametade do cor-po de Sua Mageftadfi , ou para que fe conhe-ceHe

, que fazendo eiltr, hum coroo com os feusvaffallos, fe repartia igualmente por todos aenfermidade Regia ^ ou «ue defejando nós a

faude

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GRATULATORIO. 21faude do noíTo Principe Soberano , tomaria-

mos, fe pudeíTemos, fobre nós a fua moleftia,

fendo fuâ aquella anietade do corpo, queefta-

va livre , e noíFa aoutra ametade,que fe acha- •

va paralytica. Ifto que parece fó foborno doamor, e fineza da vontade , tem a feu favor

hum grande fundamento na Medicina.

Foy aguda obfervaçaõ do Sábio MedicoSennerto, que a caufa do eílupor , ou o prin-

cipio da pariefia, naõ eftá na parte paralytica,

nos membros eftuporados; mas em outra par-

te muito diftinta ; e que por falta deite co-

nhecimento erraõ muitos Profeílbres a cura de-

ite achaque, applicando os remédios ás partes

•aíFeólas, ignorando a origem natural da quei-

\ ^a, onde deviaõ applicallos : Sttílte (diz Sen-rnerto:) SUíhe facltmt , r*7i ad refoluta mtmbra ope-^ ^^!^í!^'

rampommt^ origine naturah tgnorata. Daqui vem, ^^/^^.

que Galeno curou a parlefia de huma maõ a-certo doente com a mefma receita , de que naparte ofFendida fe ufava fem utilidade

, porconfelho de outro Medico

;pois tendo efte

applicado o remédio ineííicazmente á maô re-

foluta; Galeno lho removeo da mefma maõ \ q,u i|

e lho pez na fetima vértebra do efpinhaço, ijTúcis !

onde eftava a cauía do mal , e confeguio comaffrã.c.ffelicidade a cura,^De maneira

,que íe em hu-

ma parte eftá a caul^^^^Orem outra o íiffeao doeftupor, padeciaÕ os Portuguezes poraírefto, ^

para que o íeu Soberano ficaíle livre da cauía,\

ainda que efte remédio lhes houveíTe de cuftar\

a vidaj porque o amorosoíFei-ecia voluntária- )

mente !

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111

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i8.

22mente á morte

,que queriao padecer pelo fé}n

amável, e defejado Príncipe: ^is miki trikuatf^

ut ego moriar fre te} - '\

Oh prodígio, do amor, com o qual nappodem competir outras quaefquer finezas; p€«:

mais que íe graduem de exeeflbs ! E como m^parece, que fe vío em Portugal , e em toda^

as fuás Conquiftas no extremo dos Portugue-ZQS aquelle maravílhofo portento

,que admi-

rou a todos em Cafarnaú ! Nefta Cidade aprer

fentàraõ a Ghriílo hum enfermo de eilapor,çparlefia perfeita

,pois lhe tomava a queixa tor-

do o corpo : eílava o enfermo de tal forte to*

Ihido defde os pès até a cabeça,que nem para

procurar o remédio á fua íaudc podia mover-fe, e por iífo o levarão ao Divino Medico naprópria cama, em que jazia fem movimento ,

nem fentimento o doente: era em fim o doen-te, paralytico, que he o que fuccede a todoscom o eftupor confervado nas partes offendi»

das deite mal, como fegue a Medicina : tor-^

tantes (diz o Texto Euangelíco de SaÔ Lucas.-)

Portantes in leõío hominem,

qui erat paraijMcus.

Bufcava o Paralytico a fua faude , e para iílo

fe chegou em Clirifto á fonte da vida, Appltpcou fe o Divino Medico com íoberana virtudeá cura da parlefia , e farando repentinamenteao enfermo; adverte a Texto Sagrado

,que o

eftupor,que atè entao; eftava fó no doente

depois da cura, que lhe fez Chriílo , tomara

Ibid.v. a todos os que procuravaô, e fe achavaô pre-

»j'.o^x6fent€S aquelle grande milagre: A,hiU indomum^

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• GRATULATORIO. 23/^am , magnificam Beuni, Et Ilupor apfrehendit;

mnès. Notável fobre prodigiofo portento / Epor certo, qUé ao pé da letra naõ fey

, que

poffa haver cafo t^Õ femeJhante ao noíTo , co-

mo efte ,que referimos do Sagrado Euange-

Iho,

Infultou o accidente paralytico a ElRey,

e fuppofto que fò para elle fe bufcava o mila-

grofo remédio , era tal o aíFedto, e o defejo,

com que os feus vâfTallos pediaõ a Deosafau-

de para o Soberano , como fe todos eftiveíTem

doentes da meíma queixa , e tiveíTe palTadò

para todos o meímo ellupor , de que Sua Ma-geftade adoecia : Et fiupr apprehendtt omnes^

Mas ainda tem mayor energia, do que parece,

para o noíTo ponto o Texto Euangelico. Demaneira, que entre aquelles, que prefenciáraó

a milagrofa cura do paralytico , eftavaõ naó

fó as muitas peífoas, que bufcavaõ em Ghrií-

to fobrenatural remédio para as fuás enfermi-

dades; mas os que levavaõ ao mefmo paraly-

tico no leito humilde , e pobre, para lhe dili-

genciarem a prodigiofa faude : Portantes in le^

00 hominem. Éftes portadores do enfermo eílu-

porado, que mais que racional vivente, pare*

cia animado cadáver , amavaõ muito , e comgrande aíFedto ao mefmo doente; e por iífo íe

compadeciaõ delle para lhe procurarem o re-

médio: Cum adhuc infirmaretw ^ hahebat amicos^.

diz Sylveira. Efte amor foy a caufa do arroja-

do excelTo, que fizeraõ de fobir ao telhado da

cafaj em que Ghrifto fe achava , e icniper otedo

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í

14 SERMAMteâio do mefmo edifício

,por onde introduzíí

raõ o enfermo, para demonftrarem a grandezada fua caridade, como nota o Cardeal HuRo:

^^i'^''''Teãnm ( diz ^M^ ) eji charitas , tjuia eji eminen-tior pars fpiritualís adificiL Foy tanta a caridade^tanto foy o amor , e a compaixão daquellesquatro homens para com o paralytico

, queobrigando-os os feus nobres affedos a procu-^rarem-lhe a cura da enfermidade

, que o op-primía; diz, (ou parece, que o diz) o Tex^to, que os occupou o mefmo eftupor, quepa-jdecia o enfermo: Stupor apprehendit omnes. i

- Ah Portugal/ E não foy efte na occafiaS,'que referimos, .0 exceíTo do teu amor? Quemo pode duvidar? Foy, fim; porque tu exceíÈ-vãmente amante , exceílívamente cuidadofo ^em bufcar em Deos o remédio para afaudedateu Rey Augufto, a quem trazes nas palmas

^como levavaõ nas mãos ao paralytico de Ca«farnaií os feus amigos ; chegafte a fazer tua^a parlefia do teu Monarca , chegafte a fentircomo teu o eftupor de teu Soberano; aífim comotomou , e poíluío a todos o mefmo affeólo noportentofo fucceflb de outro paralytico : Stupotapprehendit omnes. Eu bem fey

, que efte eftu-por, de que falia o Euangelho, naõ heomef-mo^que aquelle mal , a que os Médicos cha-mao principio de parJefia ; e que quer dizer fo-mente, fegundo a Expofiçao commua dos Pa-dres, o pafmo, a admiração, e oalFombro comque ficou a Turba pela novidade do prodígio,como profegue o mefmo Texto : Supor appre-

hendit

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GRATULATORIO. ifhmdit omms y & magnificabãnt Detim. Et repkti

(unt tmdre dkentes: Qma vidimtís mirábilia heáiei

e O de Saõ Mattheus : Ridentes auíem turba ti-^

muerunt , & glorificaverunt Deum ,qni dedtt pote-

*

fíatem talem homimbus. E no mefmo convém ode S. Marcos

, que diz: Itn ut mTartntur omnes^2i4íirc.^,

& honorificarent Deumy dicmtes: ^tiãnunfiuãm (Í€i%,

Vídimus*

E fuppofto , que podiamos defender ocontrario, por duas razoensj a primeira, por-que o Euangelifta Saô Lucas , de quem he oprimeiro , e capital Texto , era ProfeíTor deMedicina , e como Medico douto fabia ener-

gicamente os termos da fua faculdade Apolli»nea para fe explicar , como fe explicou

,por

elles; e a fegunda , porque o pafmo , de quefe entende o meímo Texto

,pode cham„arfc

eftupor da alma^ € das fuás potencias, que fe-

nhorea , e deixa fem acçaõ , aílim como o ef-

tupor fe pode dizer pafmo do corpo , e dasfuás partes, que occupa , e deixa fem movi-mento : com tudo, quero, que aquelle termoMedico, proferido por hum ProfeíTor taõ Sá-bio, como Saô Lucas, naõ queira dizer maisque admiração i e aíFombro da novidade do por-tento, e maravilha, que fe prefenciou : Repk-ti funt timore , dicentes : Ginja vidimtis mirabilia

hodie. Porém ainda fendo affim, entendendo-íeo Texto fó nefte fentido, porque naõ fe ha deverificar nos Portuguezes, todos magoados coma queixado féu Soberano, aquelle prodígio deCafarnaú j ao menos para que admire o Mun-

d "do

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V.

\i4

i'í|

.1

i6 SERMAMda o milagre , o portento , com que o amorLiiStano quiz fazer próprio dos vaírallos o ef-tupar do Rey paralytico

,para fentirem todos

aquelle mal , coma feu , e bufcarem , como pa-ra íí , o remédio á neceffidade extrema do feuSoberano: Stupor apprehendit omnes^ & inmcejfíta-te vos protegant?

Ou fe naõ , digao-me : que forao aquellaslagrimas, aquelles alaridos, aquelles clamores,e as mais demonftraçoens publicas de Portugalnefte cafo, fenao hum clariílímo final do amor,com que os Portuguczes defejavaõ, cpediaõamiraculofa faude para o feu Ínclito Monarca ?

Sey eu , que quando Chrifto Senhor NoíFo pe-dia a feu Eterna Padre o milagre da refurrei-çaõ de Lazaro , deu grandes brados , tevefortes ti^rbaçoens , e finalmente defafogou em

"^jmix P^^^^^ ^ exceíTos do feu fentimento: Infremuit

ÍL^ if/í^^^^^^^^> ^ ^«ri^^iz/í fe ipfnm ::: & lacrymatus eji

'yefm\ e deftes amorofos effeitos fizeraõ os cir-cundantes hum argumento infallivel, para pro-

Ihid,v. varem o quanto o Senhor amava a Lazaro : Ecce

36, quomado amabat eumi E fe no Divino Rey Chriftoforao as lagrimas, as turbaçoens, e os clamo-res finaes do amor , com que amava áquellefeu

/^i^.v.5. vaflallo enfermo; F^cce quem amas ^ infrmatur;

porque naô haõ de fer demonftrativos defteamorofo affeâo, para com o feu Monarca do-ente, os mefmos eíFeitos nos vaflTallos Portu-guezes

, nos quaes o mefmo Chrifto inftituíopara Cx o Rey, e o Reyno: In te Imperium mi-hif Alvi^aras pais, ò Portugal

,que a enfer-

midade

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• GRÃ7ULAT0RI0. ±jmidade do teu Sereniífimo Rey , naô era para

o ultimo tranfito da vida , era fÒ para gloria

de Deos, que lhe havia de dar, como deu, mila- ^

grofa faude : Infirmitas haç non ejl ad mort^wJ^ '^*^t

Sed pro gloria Deu E fe além defta fe manifeiP-

tou outra gloria na doença do noflo Soberano,foy fó a do amor Portugucz , taõ único, eíaôcxceílivo

,que tomou a peito a queixa do feu

Principc, querendo pâdecclla , a troco de queElRey a naõ padeceíTe : Stupor apfrehendit

omnes.

Efta foy a nofla compaixão , ou o noíTo

padecimento, igual, e limultaneo com o de SuaMageftade na fua fatal queixa. E fe no Reynode Portugal he a enfermidade do Rey comniuaaos vaífallos ; como naõ ha de fer a melhoriado Soberano tranfcendente a todo o Reyno ,

para que demos graças a Deos, pois nos refti-

tiíe a todos a faude, quando a concedeo mila-

grolamente ao nolfo Monarca? O certo he, queaflim como foy noíFa a moleftia do Soberano,para a padecermos; também ha de fer noílo oalivio para o gratificarmos a Deos, reconhe-cendo por noílo o Divino foccorro

,que El-

Rey experimentou na neceflidade , em que fe

vio ; In necejfttate vos prótegant, Naõ poflo ne-

gar, que em quanto ao nolTo Monarca foy hu-mafó, e ílngular a faude recuperada: mas co-

mo a fua faude he hum bem, e felicidade pu-blica , também á lograo os vsíTallos. Por iíFo

fendo huma a neceíridade da melhoria, de quetrata o noUo Tex^to V In necej/ítae e^ofamho y

dl faõ

IHill

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i8 SERMAM t

fao muitos os foccorridos ao Rey, que faroii^

Percíitfam infirmltfite,é' in necefjitau vos pote-

gant. Grande cafo temos em hum Texto , ougrande Texto temos para o noíTo cafo.

Cantava David em huma occaíiao , comoefta, graças a Deos pela faude, que o Altiíli-

mo deu a hum Rey ( pois iíto he hum bemtamanho

, que fempre fe deve gratificar aoSupremo Author de todos os bens,) e dizia oProfeta deíla mineira: Confitebor tlbl innationi'

J^l^J^ bm^ Domine: & nominl tuo pfalmum dicam^ magni^

itcans falutes Regts ejus. Senhor { dizia David a

Deos) Senhor, eu vos confeíTo , eu vos douj)/-2,.C^y..inceírantes graças: Confitebor j idem vakt

yquod

haTz^f, grafias ago^ diz Sao Joaô Chryíoftomo: eu vosiii /yíanklouvo , e VOS louvarey fempre em todas as na-tom,2, çoens do Mundo, repetindo dignos Cânticos ,

devotos Pfalmos ao voílo Santiffimo Nome, e

engrandecendo as faudes do voíTo Rey : Mag-nificam falutes Regis ^if/í. Neíla ultima claufula

fe oíFerece huma duvida muito grande. 4ÍW///ej

Regis , as faudes do Rey, diz o Texto. Masfe o Rey hehum fó; Regis ^ como faÕ as fau-

des muitas: Salutesí Seja embora a faude doSoberano favor elpecial da maô Divina ,

por-

que a felicidade da faude de hum Rey hehumbem taõ univerfal

,que fó Deos com particu-

lar providencia o dá , como confeíTava o mefmo^/H3' David : ^ui das falutem Regibus ; e o dá com

milagre , como fez ao noflb Augufto Monarca,a Benadad Rey da Syria, e Ezcquias Rey de

IfraeL Porem fe para eítcs > e outros muitosReys

10,

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GRâTULATO RIO. §9Reys bailava huma jíb íaude: ^/«ií^i^iíígitoí^

mra que fao neceíTarias muitas faudes a humRey fó: SalutesRegisi Eu o direy.

Efte Rey , de que falia o Profeta no

JPfalmo 17, conforme a torrente dos Expofito-

res, era o Meílias, Rey de todos os Reys!^^^^^Rex Regumy e taõ benigno , taõ amante , tadi6.

compadecido dos feus vaffallos, que faõosho-

jnens , que tinha em íi todas as enfermida-T/ií/jj^.

des do género humano : Fere langtiores nojiios

ipfe tulit: nao tinha o Mundo queixa, ou dor r,y^:^-^^

que o Divino Rey nao toleraíle por nós : £íColores nofírõs tpfe portavit. Communicavaô-feientre o Rey, e os vaíTallos, os bens, e os ma-les; e por iffo fendo fuás as noffas doenças ,

também haviaõ de fer noíTas as fuás fsudes :

havia de fer a faude do Rey commua aos vaf-

fallos ,para fe avaliar , e engrandecer como

muitas , ainda que em íi foíle a faude humafó: CMagniJicans fahítes Regts ejus. Parece que ocafocom bem pouca applicaçaõ he o mefmo,quepnoífo. De maneira, que na infauflamoleftia donoíFo Monarca foy taõ reciproco o íentimen-

to ,que nao fó nos magoava a nós o mal

,que

ElRey padecia ; mas devemos ao nollb Sobe-

rano, que entre as tribulaçoens da fua enfer-

midade fe lembraíTe também das noflas quei-

xas; juíla correfpondencia, pois fentiamos as

fuás , que lamentaffe as noflas : Valores tiojiros

ipfe portaviL E fe o amor entre o Principe , e

os vaíTallos fez as enfermidades commuas, por-

que naõ ha de fazer o agradecimento univer-

lai

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30 SERMAM

16.

Jh$d,V9

«9-

Ibid.CJ,

3-

fai o prodígio da fua faude , tanto para o Rey,como para o Reyno : Nomine tuo pfalmum diçam^magnlficans falutes Regis ejus ? Nem podia deixarde fer aílim. Pois também ha de haver razãopara ifto? Também: e qual fera ? Eu a digo.He porque a faude delRey foy prodígio , emereè de Noíla Senhora das Neceífidades naneceffidade , e afflicçaõ mayor, em que com aRegia queixa fe vio o Rey , e o Reyno : enefta neceffidade commua rinha a May de Deosobrigação de acodirá Mageftade afflida, eaofeu POYO magoado.

Tu fcis neceffitatem meam. Senhor ( diziaEfther a Deos: ) Senhor , vós fabeis a minhaneceffidade, que he extrema

,pois eftou con*

démnada com todo o meu Povo á morte : li-

vraynos a todos deftc imminente perigo , ap-plicay os ouvidos da voíTa piedade aos noflos

clamores, acudinos nefta anguftia , em que nosachamos

, pois temos pofta na voíTa clemen*cia toda a efperança do noíFo remédio , e co-nhecemos, que vós fois o todo poderofo paranos foccorrer : Deus fortis fuper omnes , exaudi

^oces eorum,qui nullam aliam fpem habent , & lU

bera nos de manu iniquorum , & erue me í timonmeo, E feita cfta breve oração , entrou amef*ma Rainha na prefença de AíTuero , o qual li*

beraliffimamente lhe deu a vida , nao fó paraa mefma Efther, mas para todos os Hebreos.»Dona mihi animam meam pro qua rogo , c^ popu--

lum meum,pro quo obfecro. Notável , e prodi-

gíofa mudança! Ainda agora tanto fufto, ejàtanto

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GRATULATORIO. -jt

tanto alvoroço ? Atè aqui publicado o decre^

to da morte, e agora firmado o indulto da vi-

da ? Hontem afiando-fe a efpada para a execii-

çao da ultima pena , e hoje embotados os fios

fem defcarregar o golpe ? Em hum inílante a

Mageftade em Efther ameaçada , e próxima a

morrer, e com ella o feu Povo; e em outroinftante o Povo , e a Rainha aliviados da ca-

pital fentença ? E porque f Porque Eílher lhe

acodio , e fó ella lhe podia acodir na neceíE-

dade , em que fe achou ; Tu fcis mcej/itatem weam.Expliquemo-nos mais, para que fique mais cla-

ra efta figura para o noflx) cafo.

Era Eíther huma figura própria , bumaviva Imagem de Maria Santillima ; ifto fabemtodos os que tem liçaõ da Elcritura Sagrada ,

e dos feus Interpretes : mas Efther em necefli-

à^à^u Tu fcis mcejjitaum meam\ em que invoca-

ção fera Imagem da Senhora ? He fem duvida,íque no titulo, das NeceíTidades, pois efte he oque declara o li^xto \ Neçe(fitatem\meam. Kt-tendey agora,,, para admirares OffucceíTo.A^May de Deos, na Imagem da Senhora das Né-ceflidades, fe encomendou o npffp Serenifliino

Rey com fervorofa oraça,õ no di'a 29 de. Ju-pho ; e tendo toda a parte efquerda do corpotomada com q eftupor , logo moveo o braçooíFendido. Repetio no dia 30 a mefma fuppli-

ca a Maria Santiflima , dizendo com grandedevoção, e ternura eílas palavras: Em voffo

SãntiJJimo Nome mz animo a mover a perna offen-

àida. Oh viva fé , e digna de hum Monarcgtaõ

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grí SERMAMtao Catholíco , e pio , como o noflb ! Masque bem lhe correípondeo a piedade de Deos.?Pois Jogo (que Celeíte prodigio ! ; como fe fo-ra o paralytico tolhido da porta do Templode Jerufalem , que em nome de Jeíu Chriftofarou 5 e cobrou o exercício dos membros reío-

"^ •?'^* lutos : In nomine Jefu Chrijii Nazareni, fu7'ge ,&

amhula: como fe fora o outro doente, que ti-

nha huma mao feca, e a moveo ao império das

^^^^^^palavras, com que o Redemptor lhe deu fau-

12. j**.' ^^ áquella parte reficada : Extende manumtuam.-Et ext.ndit^ & reUttuta eíl fanitati ; no primei-ro dia do prodigio eftendeo Sua Mageftade obraço: ExttndH ^ e no fegundo íe levantou dacama , e fe veftio inteiramente fem incommo^

^^.^^7. do : Protimts- confoUdata ftmt bafes- ejus , & j^lan^

ta, •

. \ . .1 .' .'

. ^

Oh ! que júbilos /'que contentamentos í

rque alvoroços naõ haveria no Paço , e em to*do o ReynoGom a certeza de íla felicidade !

Que louvores, e graças fónàÕ klariaõ, e fe de-Viaõ dar a Deos F Se na humildade do pobredo Templo Jerofolymitano couberaõ tantosagradecimentos, e feftas, por fe ver reftituido

á integridade, e^ exercido dos membros cor-/^ií/.z'.8.poraes, como diz o Texto r £í exiliens ftetit^'^

& ambitUbat : é'intravitcíím'illi^ in Templum ,

ambnlans, & exiliem

, & laudâns T>Him;que fa-

ria na Soberania de hum Monarca taõ neceí-fario aos feus valfallos , e em hum Reyno taõamante do feu Rey f O certo he , que no ap-

plaufo defta ventura, cada porta feria a Efpe-

ciofa

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.i^í^^fe«:^È£'^&.. --^-..

GRATULATO RIO. 33cíofa do Templo , cada rua hum átrio dellè

p^ra as demonftraçoens do gofto : Exiliens jie-

tit j & ambuíabaty cada cafa hum Oratório pa-

ra louvar a Deos por taõ grande prodígio :

ExilienSy & lauáans Denm, E como efle niara-

vílhofo portento foy obra da Senhora dasNe«ceífidades

,que no fymbolo de Efther : Seis

mceffitatem mzam^ impetrou a vida para a Magef-tade afflióta, e para o Povo defconfolado; ufandoa May de Deos da firia mifericordia , fez, quea vida, e a íaudc delRey foííe , naõ íó paraelle, mas para nós todos

;para que fe verifi-

caíTe , que pela interceffaõ, com queamefmaSenhora nos foccorre nas noíFas neceílidades, a

faude do noíTo Soberano havia de fer nao hu-

ma fó , porém muitas faudes; e tantas, quan-

tas eraõ neceíTârias para alivio das queixas ,

que fè multiplicarão no noílo íentimento , e

compaixão: In necejjitate vos protegant ^ magnifi^

tans fãlutes Regis.

Mas aflim como faõ muitas , e multipli-

cadas as faudes , que alcançamos os valFaí-

los de Portugal com a melhoria do noílb

Sereniílimo Rey : Salutes Regís-^ íe fera tambémmuita a faude , e dilatada a vida

,que ha de

gozar o Lufitano Monarca depois de confeguir

agora milagrofamente huma , e outra ? Neílamatéria fó Deos fabe o que ha de fer , e nós

temos prohibiçaõ para inveíligar efte fegredo :

Non eji vejimm nojje têmpora^ vel mommta^ qa^^^^^^^n

Pater pofait in fíiã potfjiate. Eu porém, femfal-^'

tar com a veQçraçâõ ^ que devo a eíta adver-

e tencia

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«

34^ SERMAMtencia de Chrifto, hey de dizer o meu voto>e queira Deos

,que feja profecia. Digo

,pois ,

que a fauie do noíTo Soberano Monarca ha defer muita , e vigorofa

; que a fua vida ha defer feliz, e longeva. E ifto por duas razoens:a primeira, porque he vida, e fâude de mila-gre ; a fegunda

^porque he milagre da Senho^

ra das Neceííidades. A ElRey Ezequias con-cedeo o Altiffimo miraculofa íaude, e com el-

la lhe prolongou a vida quinze annos, derro-

A Re^gando-lhe o decreto , com que lhe mandou in-

^^^^^úmav a morte pelo Profeta Ifaiâs : Ecce famvite : :: Et addam dtebus tuis quiniecim annos. Osbenefícios de Deos naô faõ como os dos ho-mens: os dos homens, ou faõ de pequena con-jBderaçao, au chegaõ tarde, para diminuíremna eftimaçaÕ da poíle, o que cuíláraõ á paci-ência na efperança : os de Deos vem logo ,

como experimentou Ezequias na revogação da

1^/^- ^.^^.fentença da íua morte : Antequam egredereíuf

Ifaias mediam partem atrii, faàus eft [ermo Do-

mini^ dicens : Revêrtere ^ ét dic Ezech'ta\\\ Eece

Jaçrjb.^Janavi te y e fao de muito vulto; Dat omnibu&

y. affltienter. Em fim os favores de Deos , e osdos homens fobre fe diiFerençarem na quanti-

dade, também fe diftinguem na qualidnde , eno modo; porque os de Deos faõ ditos, e fei-

F/. 14^.5- tos.- IpÇe dtxit, & faâa funt-j e os dos horaens

Mdíé, naõ fe fazem, por mais que fe digaõ: Dicuntr

2-^.5. & non faciunt. Logrou, pois, Ezequias aquella

mercê da faude , e da vida , como feita por

Deos, abundante, e prefentanea: e fe a vida^

e faude

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» GRATULATORIO. 35e faude do noíTo Rey também foy dada por

-Deos^ mediando a piedofa interceflaõ de Ma-ria Santiffima ,

porque naõ ha de fer a faude

feliz, a vida dilatada? Mas ifto ainda fe per-

fuade melhor á vifta da caufa de tanto porten-

to.

Alguns Padres tem para fi,que a melho-

ria delRey Ezequias naõ foy íb liberalidade

deDeos, mas também merecimento daquelle

Rey enfermo ; porque depois defte fazer hu-

' ma devota oração , acompanhada com lagrimas

copiofas: Memento^ qmefo^qiiomodoamhulaverim cõ-^-^^g''^^

ram te ::: flevit itaqtie Ezechiasfleãu magno^ lie que 3-

^Deos lhe concedeo a faude: Ecçefanavi te. Po-

rém qual feria o merecimento de Ezequias ?

A Efcritura o declara em outra pafte , onde

diz, que efte Rey pio reedificou o Templo^^^^^^^

de Jerufalem : Aperuit valvas domus Domini ^ ^29.3. ^

inftauravit easy c depois de reílauradas as rui-

nas da cafa de Deos, e de a fantificar, nâõ fó

offereceo muitas viílimas ao Altiflimo ; maspromoveo o Divino culto em taõ grande ma-

neira,que provêo vo Templo de Miniftros de

diverfas Jerarquias, e lhe deftinou grande nu*,

mero de Cantores, para que huns , e outros

fervilFem, e louvaíTem continuamente a Deos:

Ezuhias atitem conJUtuit turmas Sacerdotaks , & ihià,ç.%i

Levitkas per dtvífioms fuás , miumquemque m offi-z,

cio próprio, tam Sacerdoiumvidelicet, quam Levita-

rum ad hohcaujia , & pacifica , nt minijlrarenty &confiterentíir , cãncrentque in portis caftrorum Do-

mini. Por certo,que fe o Texto naõ fallafle

e 2 de

mm

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36 SER MAMde Ezequias', hzvh eu de entender

, que erafó hum pequeno bofquejo da piedade, que ex-ercita o nolTo SereniíTimo Rey D. Joaõ V. noculto Divino

, pois nifto excede a ElRey Êze-quias com muitas ventagens. Exéquias empre-gou o feu zelo fó em hum Templo

, que re-edificou; Sua Mageftade em muitos

, que re-parou , e fez de novo , ordenando em todosnovas cantorias , e miniíterios para louvar aDeos. Diga-o a grandeza de Mafra, o magef-tofo da Baíilica Patriarcal, que he hoje o Va-ticano de Lisboa , e todas as mais Igrejas daCorte, do Reyno, e das Conquiftas.

E fe o npíTo Auguíto Soberano excede aEzequias nos cultos da Religião, quando o igua-la no beneficio do milagre , com que confe-guio^a faude; porque o nao competirá na du*ração do favor para ter huma larga vida , emais dihtada

, que a daquelle Rey de Ifrael?E quanto a mim nenhuma duvida temella con-jectura

, principalmente fe advertimos o final

do milagre de Ezequias, que parece, que naofe cumprio naquelle Rey, para fe verificar noHoiro. O final da prodigioía faude de Ezequias

^^ ^ foy retroceder a fonibra dez linhas no reiogio

aa/'^'de Achaz

: Reduxit umkram per limas,

qurbtis

jam defcsnderat in horologh Achaz , retrorfum de-dacem gradibus. Eftiva o Sol no meyo dia , ouno Zenith

, quando Ifaias fez o milagre de queno reiogio do Sol rerrocedeíFe a lombrii dezgráos ; e efta retroceílao da fombra era tornar odia ao feu principia

^ que tem na manhaa: Red-

eundí^

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/.

• GRJTUÍJ70RÍ0. 37iunâo pariter ad mane , diz o A' Lapide, Masque quer ifto dizer ? O myfterio , fe o naõ he, ^ ^^^'Z"^;

parece efte. A fombra he fymboJo da vida hu-"'g g^^*

mana: Fugit vehí umhra , diz Job ; e David :^,

Dks mei ficut umbra dedinaverunt. Medida a vida^,,^ ^^''^

de Ezequias pela fombra do relógio de Achaz^^'^^''

ao meyo dia, moftrava, que aquelle Rey,quan-

do eíleve á morte , tinha mçya idade ; e tor-

nando-fe a conftituir a fombra no principio dorelógio do Sol, promettia ao mefmo Rey tor-

nar ao principio dos feus dias , e que viviria

outro tanto , quanto tinha vivido até aquelle

tempo. E cumprio-fe em Ezequias aquelle enig-

ma? Naõ, porque quando adoeceo tinha vin-

te e nove annos, e com quinze, queDeoslhedeu de vida, fao quarenta e quatro , de cuja

idade morreo; e fe Deoslhedobraffe os annos,havia de morrer de cincoenta e oito. Mas efta

ventura, que naõ fuccedeo a Ezequias , expe-rimentará o nofíb Rey , tornando depois deita

feliciflima melhoria ao principio da lua vida,

para viver tanto, como tem vivido até agora,

e muito mais ; pois onde fe duplica o mereci-mento, he jufto, que fe multiplique o premio:Redmndo pariter admane,

lílo, que profetiza fó a razaõ de milagre^o confirma a circunftancia de fer milagre daSenhora das Neceííidades , e o tempo , em quea May de, Deos obrou taõ eftupendo prodígio. ^ , ,.

O tempo do milagre foy Junho , do qual diz ':^!f^^rPólo com muitps Authores

,que he o mez dos ^^^i^^.

*

MoçoSp e dedicado a elies, como cantou Oyidio: 2.1 63./, i

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r

Ovldã.6,

Faftor.

38 SER MAMSicfiatuity menfesqm nota fetrevit eadem,

Junius eji Juvenum,

Lucy,

E confeguir SaaMageítade milagrofa faudeemJunho , pr^^P^io mez da inocidade , que outra

coufa foy mais,

que hum clariíTimo final deque com a melhoria feliz rejuveneceria naida-

pyiioz.^de, para ter prolongada vida : Renovabitur ut

aquila juventiis tua} O dia próprio, e fingular-

mente devido a efte portento, que celebramos,

foy a 30 do mefmo mez de Junho. Feliciííimo

dia por certo para prognoílico de fer durável'"Alv.apud^ noíTa felicidade? No dia referido, adverte o

iln.P^dre Alva, Minorita, entrou Chrifto na Cida-

*.i/i9. ^^ ^^ Nain, e refufcitou o fiiho da viuva. EmNain deu Chrifto aquelle filho refufcitado á

i^mefma mãy, que o gerara ; Dniit ilium matri

fua \ e em Lisboa no mefmo dia,podemos

dizer, que deu Deos a fua SanciíBma Mayporfilho de adopção ao noíTo Augufto Monarca.Tinha efte, por fer João, próprio cabimento nas

piedofas entranhas da Senhora , entre as per-

íurbaçoens, e anguftias da Regia enfermidade,

aílim como o teve o Euangelifta mimofo entre

as agonias do Calvário: DixH Matri fti^: Ecce

filius tuus, Moftrou a experiência do fucceíTo ,

que a Senhora tomou debaixo da fua efiicaz

protecção ao noíTo Sereniflimo Rey D, João V.

aíRm como recebeo em lugar de filho ao Apo-ftolo S. João. E tendo ElRey a Senhora das

NeceíFid-ides por May piedofa , como naÕ ha

de ter larga vida , e vigorofa faude f

A

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T

# GRATULATORIO 39A íieceffidade veneravao os Gentios co-

mo deidade fabiilofa^ e como a tal lhe confa-

gráraõhum Templo em Corintho;por enten-

derem 5que nella eftava o mais prompto pa-

trocinio das enfermidades, e miferias da vida^

humana, como diffe Séneca; ^^^^ffi^^^^ ^^^^^^^J^^^^^human^e imbealíitatis fatrocimum. Por iíTo os íco-

nologicos pintarão o feu ídolo com hum iiiar-^^^^-^^J*

tello de ferro na maõ direita , na efquerda'^^''^^^^''

huns cravos do mefmo metal , e hum fufo de^

diamante. No diamante do fufo fymbolifavaÕ

a fortaleza, no ferro dos cravos a duração , e

no martello o poder, que tinha aquelle mentidoNumen, para que os patrocinados da fua pro-

tecção viveíTem feguros^epermanecellem fortes,

fem temor dos contrários, que diminuem a vi-

da, eafaude. Foy íicçao Poética o invento de-

fte íímulacro , e fabula a fua virtude, e patro-

cínio; mas fe houveflemos de chriftianizar ef-

ta mythogia, ÍÒ fe podia verificar tanto poderna Senhora das NeceíTidades : porque eílando

todas as fortunas, de que nós necefíitamos, nas

fuás mãos; até a efperança da noíTa vida eftá

nella ; In me omnis fpes vif^, E fendo aílim como ^írcA24,

he ,porque naõ ha de alcançar larga vida , e

proípera faude o nofío Soberano debaixo doamparo da Senhora das Neccflidades, fe ella

he o verdadeiro Numen, que tudo pode : A^^-

ceffhas magnnm humana imbecilUtatts pãtrocmium?

Vejamos fe nos confirma eftanoíla profética,

e bem fundada efperança, o SaiitiíTimo Sacra-

mento, que nos aífiíle.

Com-

mm

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•íp

40 SER MAM f

Commungoii ElRey , como bom Catho-

lico , logo no principio da fua enfermidade ,

I

com tanta devoção , e humildade ,que edih-

[ ^ cou toda a Corte aqueíle adio; e principiou a

r melhorar em dia de Corpo de D os. Eu meadmirara, fe naÔ foíle aífim

;pois hum Rey

,

y que tinha naquelle dia dedicado tantos triun-

\fbs de magellade , e religião ao Santiffimo Sa-

I cramento^ naô podia deixar de triunfar no mef-

Imo dia da morte , como fiiccedeo ao mefmo

IChrifto Sacramentado ,

quando inftítuio efleDi-:

Ofi.i^. yjj^Q Myíterio : Ero mors ttia^ b mors, Félix prog-

f

^*' noftico foy para total extinção da queixa o

K alivio delia no dia do Sacraíriento , e por vir-

í tude do Pao Sacramentado. Inflava a queixai com ameaços de morte; contra efta fe armou

a vida, que eílá no Paôdo Sacramento Augur-"^joan.e. ilo : Ego fum panis vito': E como Sua Mageíla-^

[

SJ- de recebeo efte Paõ confagrado, fegura tinha

í a melhoria da queixa;porque a vida do Pao ^

; Euchariftico he incompativel com amorte,ain-'\ da que a prognofticalTe aquella doença : St quis

\Ih.v.^o,

^^ ^^y^ manducaverit , non tnoriatur, Pareceo ao

I

principio incurável a enfermidade , mas logo

:fe defvaneceo, ou devia defvanecerfe o fymp-

toma fatal deíle prognoílico ,quando no dia

, de Corpífs principiou a virtude do Sacramento

a influir para a melhoria do feu devotiflimo

Monarca.

;O Santiífimo Sacramento he hum fárma-

co tao falutifero para todas as enfermidades ,

he hum remédio taõ eíficaz para a vida^efau-de

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GRATULATORW. 41,

ãc dos homens, que a mefma carne confagradajque nelle nos dá Chriíto , he a medicina maisprompta para reftituir a faude , e recuperarem

a vida os enfermos , como diz Theófílo Ale-

xandrino : Ipjius emm facra care eft fmgativa.^^•Th^yh^m

'vitam tribmns : e daqui veyo a dizer S.Vicente'^^*^'

Ferrer, que a mefma Euchariftia he íuave pi-

hila para a noffa faude : Caro Cbrifti ^ft fMa ^^^^^-^^noflra falutis. Sendo, porém, o Sacramento do f^fftlp^r^

Altar hum remédio prefentaneo de todos oss^rm. i,

males; tem fmgular virtude para as parlefias^^^^^^^^p.

€ outras doenças de membros tolhidos, e fal-^^^*

tos de acçoens vitaes : que por iíTo onolTo Re-demptor para aquella Cea, de que faz mençãono Euangelho de Saõ Lucas, e que era figura

da Cea Sacramental, mandava convidar aos co-

xos, e mancos, que naõ fe podiao boiir: Et * ^

ílaudos tntroduc huc. Se, pois, eftá no SacramentoSantiffimoa medicinado mal, que S.Mageftadeexperimentava : Caro Chrijlieji pílula nojira fakitis;

fe com efte Divino fármaco ha de reftituirfe

á vida, e efcapar da morte : Ip/ius mim facra

caro eft purgativa , ^ vitam trtbuens ; vede fe

fera efta vida longeva, ou prolongada, fe he

eterna , e immortal a vida,que dá o Sacra-

mento: Qjii mandmat hnnc panem, vivet inater-jg^.^^^

num? Affim ha de fer , e aflim queira Deos, ^9.

que feja,para que dure fempre «m nós efte

jubilo , com que agora louvamos ao Altiííimo

pela grande mercê ,que nos fez a todos em

acudir a Sua Mageftade na afflicçaô, e necef-

íidâde extrema, çm que fe vio cora a queixa,

. f que

Lhc,

21,

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!

1^ 1 '

4^ SERMAMqucpúi^^orSurgmtj & apltulentur JVoVts ^ S^

in neceJJItate ^as protegant. Percutiam infirmitate,

ér eg9 fanãbo,

Efte he, meus Portuguezes, o' nobre mo-tivo, a eftima>^e! caufa delia acç^õ gratulato-

ria. Ceííou a prefer^te neceílidade^ que nos op«

primia, porque Sua Mageftatie melhorou da

fiia queixa por interccíTaô da Senhora das Ne-ce^ílidades : In neceíjitate vos pritegmt. Queira

Deos, que nao torne a magoarnos: femelhaatc

tribulação , e que, com a paíTa^a ^ itíTeíTeni fim

todas as enfermidades delReyvóMas íequereisy

que aílim lucceda , como o defejais , eftà na

Boíla ma6 o remédio E qual he f He jconti-

nuarmos a louvara Deos por. eíle máximo be-

neficio5 9^^ nos fe;s a todos ;: pois aaÕ áfevc

ceilar o agradecimento, quando 'ha de ter fim

a neceffidade, de que fe gratifica o remédio, Naõvedes a ÈL^tíis>y que por íxieyo de oraçoens;, éí

facrificios, metido entre o.efti'âgo íí <}ue faz a

morte no Povo IfraelitiqQi refífté^ |í ijâileDôos^e põem fim á neceílidade ,. em qxie fe aehaõ :

Sap'\^» Properans mim homo fme:- querela Jeprecari pro po-

pulh^ proferem fiívittitis fu^e fcHtilm.-i orâtàmem^ófper incenfum depreçattmém ékgms.iirejtHit^ra. yó^finem impafmt mcefitatH :Pois Te quereis

jquieia

neceífidade, -que hoje applaudiz reíiiédiada ^tenha fim ,, e nao torne : finem impofuit neceffi^

tatiy fçja a voíTa vida de oraçaô^ eipureza fíat

ra louvor de Deos, e de fua Santiflima Mây Vque logo eftarà confeguido o fim dos noíToSdefejos. E para que allim feja ,, ò Puriflima >

^ • Imma*

zi

wmmm

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GRATULATORIO. 43ímmaculadaj e fempre Virgem MARIA^nós nosrefugiamos ao voíTo poder , nós nos fubmete-mos ao voíTo amparo , como neceílitados detanto patrocinio : naô defprezeis as noíTas hu-milde^ fupplicas , naõ nos defampareis nas ne-ceffidades

,que padecemos ; Sub tuum prafidium

confugimnsy Sanãa Vei Gemtrix , mfiras depreca- ^^^^^ ^^

tiones m defptcias in neceffiíaíihm. Livraynos de^-^^*todas as neceffidades efpirituaes , de todos os^^'^^ '

perigos da alma, para que melhorada efta dasenfermidades da culpa , reftituida a faude dagraça ^í^ja a noffa vida taõ pura

, que eftasgraças , que agora cantamos a Deos nefta Igre*ja da terra , lhas repitamos por toda a eterni-dade no Templo da gloria; Ut reddita /íbi fani- Ecd.tate^ gratiartm tibi in Eçckfia tua referantaãio-Orat.nes. Amtn. Mif.pn»

inprmis^

F I M.

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ilí^r-riiTlM—MlÉBIiaaittJiMi

.1 1

O-^m^i

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