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Esboço de uma teor ia da execução civil 1
Fredie Didier J r . Mestre (UFBA) e Doutorando (PUC/SP) em Direito. Professormestre de Processo Civil da Universidade Federal da Bahia. ProfessorCoordenador da Pós Graduação em Direito Processual Civil das Faculdades Jorge Amado/JusPodivm. Membro do
Instituto Brasileiro de Direito Processual. Advogado na Bahia e em Pernambuco.
SUMÁRIO: 1 – A função jurisdicional e as diversas modalidades de tutela dos direitos ; 2 – Direitos a uma prestação e direitos potestativos; 3 Direito fundamental à tutela executiva; 4 Execução e processo de execução: os módulos processuais executivos; 5 – Cognição e atividade executiva; 6 Mérito e coisa julgada; 7 – Espécies de execução: 7.1. Execução por sub rogação e execução por coerção indireta; 7.2. Execução de título judicial e execução de título extrajudicial; 7.3. Execução provisória e execução definitiva; 8 – Princípios: 8.1. Princípio de que não há execução sem título; 8.2. Responsabilidade ou toda execução é real; 8.3. – Contraditório; 8.4. – Princípio da proporcionalidade; 8.5. Princípio da menor onerosidade possível ao executado; 8.6. Princípio da disponibilidade da execução; 8.7. Princípio da tipicidade dos meios executivos; 8.8. – Princípio da utilidade; 8.9. – Autonomia; 8.10. – Responsabilidade do exeqüente; 8.11. – Maior coincidência possível; 8.12. – Dignidade da pessoa humana.
1. A função jurisdicional e as diversas modalidades de tutela dos direitos
A função jurisdicional é aquela pela qual os órgãos investidos de jurisdição
aplicam o direito objetivo ao caso concreto. Tratase da função pela qual se tutelam os direitos
subjetivos, resolvendose as crises jurídicas que porventura existam em derredor de tais
direitos.
A partir do tipo de proteção (tutela) que se pretenda, podem ser identificados
três tipos de tutela jurisdicional: a) de certeza, ou de conhecimento, ou declaratória: buscase
do Poder Judiciário a certificação, com a coisa julgada, de determinada relação jurídica; b) de
efetivação ou executiva: pretendese a efetivação de direitos subjetivos; c) de segurança ou
1 Tratase da reprodução da provaescrita do concurso para provimento do cargo de ProfessorAssistente (Mestre) de Processo Civil da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia (UFBA), realizada no dia 23 de abril de 2004, que recebeu a nota 10 (dez) de todos os membros da banca examinadora: Wilson Alves de Souza (UFBA), Leonardo Greco (UFRJ) e Vallisney de Souza Oliveira (UFAM). Mantevese o texto original, sem referências bibliográficas ou notas de rodapé — o pensamento dos doutrinadores é citado ao longo do texto, normalmente sem menção à obra.
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cautelar: buscase do Estadojuiz uma providência que assegure/garanta a efetivação da
prestação jurisdicional de certificação ou de execução, tendo em vista a circunstância
inexorável de que todo processo jurisdicional necessita de tempo – e o tempo pode fazer que
direitos sejam lesados ou perdidos.
Nesse rápido painel, podese vislumbrar o papel da tutela executiva: promover
a efetivação dos direitos subjetivos, garantindo com que o resultado prático, que o titular
desse direito pretende almejar, seja, efetivamente, concretizado.
2. Direitos a uma prestação e direitos potestativos
Há uma clássica divisão dos direitos, muito utilizada pelos processualistas no
estudo da tutela jurisdicional. Tratase da distinção que se faz entre direitos a uma prestação e
direitos potestativos.
Direito a uma prestação é o poder jurídico, conferido a alguém, de exigir de
outrem o cumprimento de uma prestação – conduta –, que pode ser um fazer, um nãofazer,
ou um dar coisa – prestação essa que se divide em dar dinheiro e dar coisa distinta de
dinheiro. O direito a uma prestação precisa ser concretizado no mundo físico; a sua efetivação
é a realização da prestação devida. Quando o sujeito passivo não cumpre a prestação, falase
em inadimplemento ou lesão. Como a autotutela é, em regra, proibida, o titular desse direito,
embora tenha a pretensão, não tem como, por si, agir para efetivar o seu direito. Tem, assim,
de recorrer ao Poder Judiciário, buscando essa efetivação, que, como visto, ocorrerá com a
concretização da prestação devida. São direitos a uma prestação. Por exemplo: a) direitos
absolutos (reais e personalíssimos), que têm sujeito passivo universal e cujo conteúdo é uma
prestação negativa.; b) obrigações, que podem ter por conteúdo qualquer prestação.
Direito potestativo é o poder jurídico conferido a alguém de alterar, criar ou
extinguir situações jurídicas. O sujeito passivo de tais direitos nada deve; não há conduta que
precise ser prestada para que o direito potestativo seja efetivado. O direito potestativo efetiva
se no mundo jurídico das normas, não no mundo dos fatos, como ocorre, de modo diverso,
com os direitos a uma prestação. A efetivação de tais direitos consiste na
alteração/criação/extinção de uma situação jurídica, fenômenos que só se operam
juridicamente, sem a necessidade de qualquer ato material (mundo dos fatos). Exemplifique
se. O direito de anular um negócio jurídico é um direito potestativo; esta anulação darseá
com a simples decisão judicial trânsito em julgado, não será necessária nenhuma outra
providência material, como destruir o contrato, por exemplo. Como já disse um autor, a
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efetivação, nesses casos, dáse pelo verbo, não pelo ato concreto, material.
Os direitos a uma prestação relacionamse aos prazos prescricionais que, como
prevê o art. 189 do CC. 2002, começam a correr da lesão/inadimplemento – não cumprimento
pelo sujeito passivo do seu dever.
Como nos direitos potestativos não há dever, prestação, conduta, a ser
cumprida pelo sujeito passivo – a doutrina denomina de “estado de sujeição” a situação
jurídica do sujeito passivo –, não se pode falar de lesão/inadimplemento; assim, a prescrição
não está relacionada a tais direitos. Na verdade, os direitos formativos submetemse, se
houver previsão legal, a prazos decadenciais.
Pois bem.
O que essa distinção tem a ver com tutela jurisdicional executiva?
Quando se pensa em tutela executiva, pensase na efetivação de direitos a uma
prestação; falase de um conjunto de meios para efetivar a prestação devida; falase em
execução de fazer/nãofazer/dar, exatamente os três tipos de prestação existentes. Não é por
acaso, nem coincidência, que a tutela executiva pressupõe inadimplemento – fenômeno
exclusivo dos direitos a uma prestação. Executar é forçar o cumprimento de uma prestação.
Reputamos essa relação entre direito material e processo fundamental para a compreensão do
fenômeno executivo.
A efetivação de um direito potestativo carece de execução, no sentido do termo
aqui utilizado. A sentença que reconheça um direito potestativo já o efetiva com o simples
reconhecimento e a implementação da nova situação jurídica almejada. A sentença que acolhe
uma demanda que veicule um direito potestativo é uma sentença constitutiva, que, portanto,
exatamente por isso não gera atividade executiva posterior, em razão da absoluta
desnecessidade.
3. Direito fundamental à tutela executiva
A teoria dos direitos fundamentais é considerada por muitos constitucionalistas
a principal contribuição do constitucionalismo do pós Segunda Guerra Mundial.
A processualística, desde muito cedo, apercebeuse da importância de estudar
se o processo à luz da Constituição – veja, por exemplo, o trabalho de José Frederico Marques
ainda na década de 50 do século XX.
Mais recentemente, os processualistas avançaram no estudo do tema, agora
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para encarar os institutos processuais não só a luz da Constituição, mas, sim, pela perspectiva
de um determinado tipo de norma constitucional, que são aquelas que prescrevem os direitos
fundamentais.
Falase, então, do estudo do processo à luz dos direitos fundamentais.
A Constituição Federal de 1988 deu um grande impulso a essa tendência, pois,
no rol dos direitos e garantias fundamentais, inclui uma série de dispositivos de natureza
processual, em número sem precedente na nossa história constitucional.
São tantos e tão diversos dispositivos que hoje não se pode negar a autonomia
didática da disciplina “Tutela Constitucional do Processo”.
Vários autores se têm destacado no exame do processo à luz dos direitos
fundamentais. Podemos citar aqueles cujas contribuições são as mais relevantes: NELSON
NERY JR., MARCELO GUERRA, WILLIS SANTIAGO GUERRA FILHO, LEONARDO GRECO, JOSÉ
ROGÉRIO CRUZ E TUCCI, ROGÉRIO LAURIA TUCCI, LUIZ GUILHERME MARINONI, CARLOS
ALBERTO ALVARO DEOLIVEIRA E DELOSMAR MENDONÇA JR.
Dois dos dispositivos constitucionais mencionados merecem, neste momento,
uma atenção especial: a) direito fundamental a um processo devido (due process of law); b) o direito fundamental a apreciação pelo Poder Judiciário de qualquer alegação de lesão ou
ameaça de leão a direito.
A cláusula do “devido processo legal” é considerada a normamãe, aquela que
“gera” os demais dispositivos, as demais regras constitucionais do processo. Dela derivam,
por exemplo, a garantia do contraditório, da proibição de provas ilícitas, da motivação da
sentença etc. Embora sem previsão expressa na Constituição, falase que o “devido processo
legal” é um processo efetivo, processo que realize o direito material vindicado.
O Pacto de San José da Costa Rica, ratificado pelo Brasil, prescreve o direito a
um processo com duração razoável, donde se retira o princípio constitucional da efetividade.
Como a cláusula do devido processo legal é aberta e, além disso, o legislador
constituinte deixou claro que o rol dos direitos e garantias fundamentais não é exaustivo (art.
5º, §§ 1º e 2º, CF/88), incluindo outros previstos em tratados internacionais, a doutrina mais
moderna fala, portanto, no direito fundamental à tutela executiva.
Esse posicionamento é reforçado pela moderna compreensão do chamado
“princípio da inafastabilidade”, que, conforme célebre lição de KAZUO WATANABE, deve ser
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entendido não como uma garantia formal, uma garantia de pura e simplesmente “bater às
portas do Poder Judiciário”, mas, sim, como garantia de acesso à ordem jurídica justa,
consubstanciada em uma prestação jurisdicional célere, adequada e eficaz. Também se pode
retirar o direito fundamental à tutela executiva desse princípio constitucional, do qual seria
corolário.
Firmada a existência de um direito fundamental à tutela executiva, cumpre
verificar de que modo isso repercute na atuação judicial. Em primeiro lugar, o magistrado
deve interpretar esse direito como se interpretam os direitos fundamentais, ou seja, de modo a
darlhe o máximo de eficácia. Em segundo lugar, o magistrado poderá afastar, aplicado o
princípio da proporcionalidade, qualquer regra que se coloque como obstáculo
irrazoável/desproporcional à efetivação de todo direito fundamental.
Mais à frente, na análise da tipicidade dos meios executivos, voltaremos ao
tema.
4. Execução e processo de execução: os módulos processuais executivos
A tutela jurisdicional executiva pode operarse de duas formas: a) ou no bojo
de uma relação jurídica processual especialmente formada com esse objetivo; b) ou como fase
de um processo já instaurado – fase complementar, por certo. Falase de dois “módulos
processuais executivos”.
No primeiro caso, temos o processo de execução, relação jurídica processual
com predominante função executiva; no segundo caso, a execução (atividade executiva)
realizase no mesmo processo em que a certificação judicial ocorreu, sendo desta etapa
posterior.
É incorreto, portanto, falar que só existe execução no processo de execução.
A propósito, a autonomia do processo de execução, ao menos quando fundada
em título judicial, vem sendo há muito questionada e as últimas mudanças legislativas parece
que seguem esse caminho.
Antes de explicar o ponto, cabe uma advertência: o que se questiona é
autonomia do processo de execução, não da função executiva, essa plenamente diferençada
das outras funções jurisdicionais.
Tradicionalmente, até mesmo como forma de diminuir os poderes do
magistrado, as atividades de certificação e efetivação eram reservadas a “processos
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autônomos”, relações jurídicas processuais que teriam por objetivo, somente, o cumprimento
de uma ou de outra das funções jurisdicionais. Nesse contexto, surgiu a noção de sentença
condenatória, que seria aquela sentença que, reconhecendo a existência de um direito a uma
prestação e o respectivo dever de pagar, autorizava o credor, agora munido de um título, a, se
quiser, promover a execução do obrigado. Havia a necessidade de dois processos para a
obtenção da certificação/efetivação do direito.
O tempo foi mostrando o equívoco dessa concepção.
Havia, à época, vários procedimentos que autorizavam ou que inseriam, no
bojo do processo de conhecimento, atos executivos, fato que já compromete a pureza da
distinção e da divisão que se fazia. Citamse os exemplos da proteção processual da posse e
do mandado de segurança.
A partir da generalização da tutela antecipada, arts. 273 e §3º do art. 461, CPC,
agora permitida no procedimento ordinário, o legislador deu um grande salto evolutivo,
permitindo, no procedimento padrão, no bojo de um processo de conhecimento, a prática de
atos executivos. O dogma da necessidade de um processo autônomo para a execução da
decisão judicial mostravase obsoleto e injustificável. A doutrina já pugnava, então, pela idéia
de que a divisão dos processos deveria darse pela predominância da função, não pela
exclusividade.
Mas outro passo havia de ser dado.
A mudança na tutela jurisdicional das obrigações de fazer e nãofazer, iniciada
pelo CDC (art. 84) e depois generalizada no art. 461 do CPC, opera profunda alteração no
sistema da tutela executiva. É que, agora, as sentenças que reconhecem a existência de tais
obrigações não precisam, para serem efetivadas, ser submetidas a um processo autônomo de
execução. Possuem essas sentenças aquilo que a doutrina mais antiga chamava de “força
executiva própria”; podem ser efetivadas no mesmo processo em que foram proferidas,
independentemente de instauração de um novo processo e da provocação do interessado: o
magistrado, no corpo da sentença, já determinará quais as providências devem ser tomadas
para garantir a efetivação da decisão.
Depois dessa alteração, podese dizer que a execução das sentenças, nessas
hipóteses, não ocorrerá em processo autônomo, mas, sim, como fase complementar ao
processo de conhecimento. Por causa dessa característica, a doutrina passou a designar tais
processos de “sincréticos”, “mistos” ou “multifuncionais”, pois servem a mais de um
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propósito: certificar e efetivar.
Esse mesmo regime jurídico foi estendido, recentemente, às obrigações de dar
coisa distinta de dinheiro — arts. 461A e 621 do CPC.
Atualmente, a única sentença judicial de certificação de um direito a uma
prestação que necessita de um novo processo para ser executada é aquela que condena o réu
ao pagamento de quantia.
Essa situação, no entanto, parece que não vai demorar de ser modificada. É que
tramita no Congresso Nacional projeto de lei, elaborado pelo Instituto Brasileiro de Direito
Processual, que acaba o processo de execução de sentença, ou seja, elimina a última hipótese
em que isso seria possível: a sentença condenatória ao pagamento de quantia. De acordo com
o projeto, essa sentença, à semelhança do que já ocorre com aquelas dos arts. 461 e 461A,
seria executada em uma fase do mesmo processo em que prolatada, denominada de fase do
“cumprimento da sentença”.
Podemos, portanto, estabelecer o seguinte painel dos módulos processuais
executivos:
a) execução autônoma: fundada em título extrajudicial, fundada em
sentença arbitral ou sentença penal condenatória, e fundada em título judicial que
imponha pagamento de quantia;
b) execução como fase do processo: fundada em título judicial que
imponha o cumprimento de obrigação de fazer, de nãofazer ou de dar coisa que
não é dinheiro;
Esse sistema pode ser visualizado pela leitura dos artigos 287, 461, 461A,
621, 644 e 744, todos do CPC.
5. Cognição e atividade executiva
É lição velha a de que, no cumprimento da tarefa executiva, a cognição
judicial, se existir, é mínima, “rarefeita”, em famosa adjetivação de KAZUO WATANABE.
Caberia ao magistrado tãosomente cumprir, mecanicamente, aquilo que estiver determinado
no título. Talvez seja esse um dos motivos pelos quais, em determinados países, a tarefa
executiva não é dada ao Poder Judiciário, mas, sim, a um órgão da administração como o
xerife.
Sucede que a análise não é tão simples, como se pretende.
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Há cognição, sim, na tarefa executiva – quer ocorra em processo autônomo,
quer como fase de um mesmo processo.
Inicialmente, cumpre ao magistrado verificar o preenchimento das condições
da ação e dos pressupostos processuais. Além disso, o magistrado também deverá conhecer de
questões de mérito, como o pagamento e a prescrição, por provocação do interessado ou, em
certas hipóteses, até mesmo de ofício (art. 194, CC2002).
É indiscutível, ainda, que, no bojo do processo de execução, há inúmeros
incidentes cognitivos, nos quais haverá atividade intelectual do magistrado, chamado que é a
resolver questões — e a resolução das questões pressupõe cognição. Vejamos exemplos do
incidente de nomeação de bem à penhora ou de alienação antecipada do bem penhorado,
momentos em que o magistrado deverá decidir determinadas questões (qual o bem
penhorado? justificase a alienação antecipada?), tarefa para a qual a atividade cognitiva é
indispensável.
Mas não é só.
Frustrada a execução para a entrega da coisa ou para o cumprimento de
prestação de fazer ou nãofazer, pode o exeqüente optar pela conversão da obrigação em
perdas e danos, que precisarão ser apuradas, investigadas, conhecidas.
Não se pode querer construir uma teoria da tutela executiva expurgando
conceitos, noções e institutos que pertencem, na verdade, à teoria geral do processo; não são
institutos exclusivos de determinado tipo de tutela jurisdicional.
Ousamos dizer que não há atividade judicial que prescinda da cognição. O que
se tem de fazer é adequar o grau de cognição à tarefa que se espera ver cumprida pelo Poder
Judiciário. Se se busca a certeza, a cognição tem de ser exauriente, exaustiva; se se busca
segurança, uma medida que atenue os riscos da demora do processo, a cognição não pode ser
tão exaustiva, sob pena de comprometer a própria utilidade da medida; se se pretende a
execução, a cognição judicial não deve abarcar, ao menos inicialmente, questões que disserem
respeito à formação do título, mas, necessariamente, envolverá as questões que dizem respeito
à efetivação da obrigação, ou seja, os pressupostos de admissibilidade e a sobrevivência da
obrigação executada.
Essa conclusão é fundamental para o desenvolvimento do item seguinte.
6. Mérito e coisa julgada
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Juízo de admissibilidade e juízo de mérito são noções que pertencem à teoria
geral do processo. Referemse aos atos postulatórios. Todo ato postulatório submetese a um
duplo juízo.
Em primeiro lugar, verificase se estão presentes os requisitos para que aquilo
que foi postulado possa ser examinado. Empós, e sendo positivo o resultado do primeiro
juízo, examinase a postulação com o fito de verificar se pode ou não ser acolhida. No
primeiro caso, estamos diante do juízo de admissibilidade, no segundo, do juízo de mérito.
Por força de uma tendência doutrinária de desprestigiar o processo de execução
e a tutela executiva – o que é no mínimo curioso –, de modo a tirarlhe o status de tutela
jurisdicional, parte da doutrina não identificava, na tutela executiva, esses dois juízos
mencionados. Cogitavam, até, do juízo de admissibilidade, mas não admitiam falar de mérito
no processo de execução.
Alguns doutrinadores passaram a demonstrar o equívoco desta concepção.
Partindo da premissa exposta no primeiro parágrafo — de que as noções de admissibilidade e
mérito pertencem à teoria geral do processo, mais especificamente ao estudo dos atos
postulatórios —, demonstraram esses autores a existência do mérito na execução.
Mérito é o pedido, a postulação, o objeto sobre o qual incidirá a prestação
jurisdicional. Na execução, o mérito dividese em dois aspectos: a) pedido imediato, que é a
tomada das providências executivas; b) pedido mediato, que é o resultado que se espera a
alcançar, o bem da vida que se pretende conseguir através do processo. Eis o mérito. O que
acontece é que não haverá “julgamento” na execução, pois essa tarefa não lhe cabe, não lhe é
pertinente – embora, como se viu, há inúmeras situações em que o magistrado é chamado a
decidir/julgar questões no bojo da execução.
Todas as vezes que o magistrado decidir sobre algum aspecto da postulação,
podese dizer que haverá uma decisão de mérito.
O objeto do processo (em sentido amplo) envolve a relação jurídica de direito
material contida no processo. OSKAR BÜLLOW, já em 1870, dizia que a relação jurídica
processual contém a relação jurídica material.
Assim, sempre que o magistrado, na execução, resolver/examinar algum
aspecto da relação jurídica material – que não é mais incerta, mas se encontra insatisfeita –,
estará ele proferindo uma decisão de mérito.
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Concluímos: a) há mérito no processo de execução; b) o objeto do processo de
execução é, no entanto, diferente do “mérito” cautelar e do mérito do processo de
conhecimento.
Pois bem.
O que isso tem a ver com a análise da coisa julgada no processo de execução?
A coisa julgada material é fenômeno jurídico (situação jurídica) que surge a
partir da conjugação dos seguintes elementos: a) decisão judicial; b) trânsito em julgado
(coisa julgada formal); decisão de mérito; d) cognição exauriente. A presença destes quatro
elementos faz surgir, no direito processual civil brasileiro, ao menos como regra, a coisa
julgada material.
Quer porque se entende que na execução não há cognição, quer porque não se
admite a existência de mérito nesses casos, a maior parte dos doutrinadores entende não haver
possibilidade de ocorrência de coisa julgada material no processo de execução.
Tentamos demonstrar o equívoco das premissas para, agora, criticarmos essa
conclusão.
É possível que do processo de execução surja a coisa julgada material.
Vejamos:
a) obviamente, ao asseverarmos isso, não queremos dizer que a
obtenção da coisa julgada material seja o fim, o objetivo, a razão de ser da tarefa
executiva, como é da tarefa de certificação;
b) é possível que a execução se extinga em razão de fatos que
dizem respeito à própria extinção da relação jurídica material subjacente ao
processo executivo, como ocorre em todas as hipóteses do art. 794 do CPC;
c) não conseguimos distinguir a decisão do magistrado que
homologa uma transação em um processo de conhecimento (art. 269, III, CPC), e
que está apta a fazer coisa julgada material, da decisão judicial que homologar uma
transação no bojo do processo de execução (art. 794, II, CPC). Por acaso a
topografia da decisão influenciaria a resposta ao problema? Poderia o exeqüente,
uma vez homologada a transação, executar, de novo, o crédito que possuía antes
do acordo?
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d) e se a execução se tivesse extinguido por pagamento? Poderia o
exeqüente demandar de novo? E se fosse reconhecida a prescrição?
A resposta a essas perguntas é a mesma: não. Nas situações mencionadas
houve decisão de mérito fundada em cognição exauriente, apta, portanto, a, após o trânsito em
julgado, ficar imune com a coisa julgada material.
Posicionamonos, assim, ao lado da parcela da doutrina que entende possível o
surgimento de coisa julgada material no processo de execução, de que servem de exemplo
BARBOSAMOREIRA, DONALDO ARMELIN, ALBERTO CAMIÑA MOREIRA, dentre outros.
7. Espécies de execução
7.1. Execução por subrogação e execução por coerção indireta.
A execução pode ocorrer com ou sem participação do executado.
Chamase de execução por subrogação aquela em que o Poder Judiciário
prescinde da colaboração do executado para a efetivação da prestação devida. O magistrado
toma as providências que deveriam ter sido tomadas pelo devedor, subrogandose na sua
posição. Há substituição da conduta do devedor por outra do Estadojuiz, que gere a
efetivação do direito do executado. Alguns autores usam a designação “execução direta” ou
“execução por meio de coerção direta” para designar o fenômeno.
Para LIEBMAN, por exemplo, só se pode falar de execução direta. Esse
posicionamento do mestre italiano revelava o preconceito que se tinha em relação às formas
de coerção indireta, vista, à época, com muita mávontade.
Vejamos o que se entende por execução indireta.
Por vezes, notadamente nos casos de obrigações infungíveis, mas não somente
neles, a subrogação ou se mostra impossível, em razão da infungibilidade, ou se mostra
demais onerosa/demorada, como nos casos de prestação de fazer fungível.
Nestes casos, o EstadoJuiz pode promover a execução com a “colaboração”
do executado, forçando a que ele próprio cumpra a prestação devida. Em vez de o Estadojuiz
tomar as providências que deveriam ser tomadas pelo executado, o Estado força, por meio de
coerção psicológica, a que o próprio executado cumpra a prestação. Chamase essa execução
de “execução indireta” ou “execução por coerção indireta”.
Os meios executivos de coerção indireta atuam na vontade do executado,
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servindo com uma espécie de contramotivo, “estímulo” ao cumprimento da prestação. Esta
coerção pode se dar por medo (temor), como é o caso da prisão civil e da multa coercitiva,
como também pelo incentivo, as chamadas sanções premiais, de que serve de exemplo a
isenção de custas e honorários para o réu que cumpra o mandado monitório.
A execução indireta não era muito bem vista antigamente: a) quer porque não
se poderia falar de execução forçada com participação do executado; b) quer porque à época
valia a máxima da intangibilidade da vontade humana, segundo a qual o devedor não poderia
ser obrigado/forçado a colaborar, pois estaria livre para não cumprir o seu dever.
Esse posicionamento está superado, a ponto de o Prof. MICHELLE TARUFFO,
em artigo publicado na Revista de Processo n. 59, ter dito que a tendência moderna é a de
prestígio aos meios coercitivos indiretos, mais eficazes e menos onerosos.
Cumpre, ainda, esclarecer um ponto. Não se pode restringir a execução indireta
às obrigações infungíveis. O raciocínio não pode se pautar neste tipo de divisão. A forma de
execução será aquela que for mais adequada para a efetivação do direito, seja fungível ou
infungível a obrigação, pois não há entre elas qualquer hierarquia.
Há, no entanto, uma tendência legislativa de conferir à tutela das obrigações de
fazer e nãofazer a técnica de execução indireta, pela qual seriam efetivadas por meio de
provimentos jurisdicionais que impusessem o cumprimento da prestação, sob pena de multa
ou outra medida coercitiva.
À tutela das obrigações de dar coisa distinta de dinheiro, inicialmente,
reservavase a execução por subrogação, que se dava pelo desapossamento. Após a última
reforma processual, entretanto, estendeuse a estas obrigações a possibilidade de serem
efetivadas por coerção indireta, conforme faz ver o art. 461A do CPC. O caso concreto
revelará qual a forma mais adequada de execução.
Normalmente se atribuía às obrigações de pagar quantia a técnica da execução
por subrogação, que se daria pela expropriação de bem do executado e a entrega do produto
ao exeqüente. Há, no entanto, hipóteses de execução indireta para pagamento de quantia: a) a
primeira, de lege lata, que é a execução por dívida alimentar, que se pode dar sob pena de prisão civil; b) a segunda, de lege ferenda, prevista no Projeto de Reforma da Execução, já mencionado, em que se pretende que o magistrado comine uma multa fixa para o caso de
descumprimento da sentença que impuser o pagamento de quantia. A praxe forense revela,
ainda, uma manifestação de execução indireta na execução por quantia certa: muitas vezes o
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magistrado, ao fixar o valor dos honorários advocatícios devidos no processo de execução,
estabelece um valor menor, para a hipótese de pagamento pelo executado, e um valor maior,
para o caso de ele embargar. Ora, nesses casos, incentivase o adimplemento, valendose o
magistrado de técnica de coerção indireta pelo incentivo.
Por fim, uma observação.
A distinção que se pretende fazer entre “ação executiva lato sensu” e “ação mandamental” parte da distinção entre coerção direta e indireta. Ambas as demandas teriam por característica comum a circunstância de poderem gerar uma decisão que certifique a
existência do direito e já tome providências para efetiválo, independentemente de futuro
processo de execução. São, pois, ações sincréticas. Distinguemse na medida em que a
primeira visa à efetivação por subrogação/execução direta, e a segunda por coerção
pessoa/execução indireta.
A terminologia consagrada já revela o preconceito que existia em relação à
execução indireta. “Executiva” somente poderia ser a ação que levasse à “subrogação”.
Embora já esteja consagrada, a terminologia merece reparos; o melhor seria: a) ação executiva lato sensu por coerção direta; b) ação executiva lato sensu por coerção indireta.
7.2. Execução de título judicial e execução de título extrajudicial
A execução pode ser classificada de acordo com o título executivo que a
autoriza/legitima. Falase em execução por título executivo judicial e execução por título
extrajudicial.
A distinção tem utilidade na medida em que a defesa do executado será mais
ou menos ampla, conforme se trate de execução por título extrajudicial (art. 745, CPC) ou
judicial (art. 741, CPC), respectivamente.
Conforme já foi visto, há uma tendência legislativa de acabar a execução por
título judicial em processo autônomo – continuaria apenas a execução autônoma de sentença
arbitral ou sentença penal condenatória.
Destaquemos os pontos mais importantes de cada um desses títulos executivos.
Títulos judiciais
a) Costumavase dizer que o rol dos títulos executivos judiciais seria
exaustivo: fora das hipóteses do art. 584, CPC, não se poderia falar de título executivo.
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Essa premissa mostrouse equivocada. Vários são os títulos executivos que
estão Fora do rol daquele artigo. Apenas para exemplificar, vejamos:
decisões interlocutórias que antecipam a tutela ou
resolvam parte do litígio, como aquela que gera exclusão do litisconsorte
com condenação ao pagamento das verbas de sucumbência;
decisões judiciais em ações dúplices, normalmente
declaratórias, mas que podem ser executadas pelo réu: oferta de alimentos,
desapropriação e consignação em pagamento, p. ex.;
as sentenças previstas nos arts. 588 e 811, que tornam
certa a obrigação de indenizar; são sentenças ilíquidas, como o são tantas
sentenças condenatórias, mas indiscutivelmente servem como título
executivo para a execução da obrigação de reparar o dano, embora não
sejam sentenças condenatórias;
o STJ, recentemente, admitiu a executividade de
sentença declaratória, acolhendo a tese do hoje ministro TEORI ZAVASCKI.
b) O rol do art. 584 do CPC prevê como título judicial a sentença arbitral que,
obviamente, foi produzida fora do Poder Judiciário. Visase, com isso, prestigiar a decisão
arbitral, não mais submetida à homologação do Poder Judiciário. Frisase, com isso, que o
árbitro não dispõe de competência para executar as suas decisões.
c) O inciso III do art. 584 foi recentemente alterado para se corrigir uma
desarmonia legislativa. Agora, deixase clara a possibilidade de o magistrado homologar
conciliação judicial que verse sobre questão não posta em juízo. Esta possibilidade já havia
sido alvitrada na Reforma de 94, mas a Lei de Arbitragem, desconsiderando a alteração,
revogou o dispositivo que acabara de ser aprimorado, esquecendose da inovação.
Correta e bemvinda a alteração legislativa que deveria, a nosso ver, buscar
uma forma de prestigiar o disposto no art. 57 da Lei de Juizados Especiais, que permite a
formulação de requerimento, ao juízo competente, de homologação de qualquer acordo
extrajudicial. Tratase de dispositivo cuja eficácia transcende o âmbito dos Juizados Especiais
Cíveis. O Projeto de Reforma do CPC corrige este esquecimento e propõe a inserção, no rol
do art. 584 do CPC, do mesmo enunciado normativo do art. 57 da LF 9099/95, fato que
certamente fará com que a atuação dos estudiosos e aplicadores se dirija a esta benfazeja
regra, que, utilizada corretamente no âmbito, p. ex., da Justiça do Trabalho, poderia evitar
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demandas inúteis e a utilização do artifício das “lides simuladas”. Veja, a propósito, a
doutrina de VALTON PESSOA sobre o tema.
Cumpre lembrar, ainda, que a atividade do magistrado, ao homologar
conciliação sobre questão não posta em juízo, é de jurisdição voluntária.
Título extrajudiciais
Sobre os títulos extrajudiciais, destacamos os seguintes pontos.
a) Há uma tendência inexorável e irreversível de ampliação do número de
títulos executivos extrajudiciais conferindo, ao titular de direito inadimplido, imediatamente
as vias executivas. A alteração do inciso II do art. 585 do CPC indica claramente esta opção
legislativa.
b) Os títulos executivos extrajudiciais se justificam na medida em que foram
produzidos com a participação do próprio executado. É por isso que o STJ entendeu que o
contrato de abertura de conta corrente não é título executivo, pois a sua liquidação era feita
com o extrato bancário, documento unilateralmente produzido pelo exeqüente.
Fogem à regra as certidões de dívida ativa, que aparelham a execução fiscal,
pois, embora produzidas unilateralmente, pressupõem a legitimidade da atuação do Poder
Público e o respeito ao devido processo legal administrativo.
c) Após intensa divergência, o STJ recentemente sumulou o entendimento
quanto à possibilidade de execução por título extrajudicial contra a Fazenda Pública
(enunciado 279 da súmula da jurisprudência predominante).
d) O inciso V do art. 585 prevê hipóteses de títulos executivos extrajudiciais
produzidos pelo juiz: decisão que fixou honorários de perito, por exemplo. Ao nosso ver, com
razão TEORI ZAVASCKI, para quem a inclusão destas decisões no rol do art. 585 não se
justificaria, pois não se justifica ampliar a cognição judicial em eventuais embargos à
execução. Tudo que o devedor poderá discutir em relação à dívida, ele poderia fazêlo no bojo
do processo de conhecimento que gerou o título.
e) Dispõe o §1º do art. 585 que a propositura de qualquer ação envolvendo o
título executivo extrajudicial não inibe a sua execução. Apesar da simplicidade do texto, na
prática inúmeras questões surgem a partir deste enunciado.
Estas ações autônomas de discussão da dívida certificada em título executivo
extrajudicial são chamadas pela doutrina de “defesa heterotópica” do executado, porque feita
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fora do âmbito do processo de execução — embargos de executado ou “exceção de pré
executividade”.
A propositura de tais ações — consignação em pagamento, declaratória de
inexistência da dívida, revisão contratual, etc.— traz as seguintes dúvidas: a) seria possível a
antecipação da tutela para impedir a instauração ou suspender o processo de execução já
instaurado?; b) haveria conexão entre a ação de conhecimento e a ação executiva?; c) poderia
esta ação autônoma ser recebida como embargos à execução, acaso ajuizada após o prazo de
embargos e mediante caução?; d) poderia esta ação ser convertida em embargos à execução,
mediante garantia, se fosse ajuizada anteriormente ao processo de execução?
São várias questões; nem a jurisprudência nem a doutrina chegaram a um
denominador comum. Recentemente, belíssima obra abordou o tema: “Ações prejudiciais à
execução”, ROSALINA PEREIRA, Saraiva.
Esses, pois, os principais aspectos das execuções fundadas em título judicial e
extrajudicial.
7.3. Execução provisória e execução definitiva
Dividese a execução de acordo com a estabilidade da eficácia do título
executivo judicial: se se tratar de título judicial já definitivamente julgado, haveria execução
definitiva; se se tratar de título judicial que ainda pende de exame, a execução seria
provisória.
Toda execução de título extrajudicial é definitiva.
Execução definitiva é a execução completa, que vai até a fase final (entrega do
bem da vida), sem peias ou outras exigências para o credorexeqüente. Execução provisória
ou execução incompleta é aquela que, embora, no atual regramento, possa ir até o final (inciso
II do art. 588), exige alguns condicionamentos extras para o exeqüente.
O art. 589 diz que a execução definitiva farseá nos autos principais. Nem
sempre. É possível execução definitiva da parte da sentença não apelada; como os autos
subiram com o recurso parcial, a execução haverá de ser feita por carta de sentença ou autos
complementares.
O mesmo art. 589 diz que a execução provisória darseá por carta de sentença
ou autos suplementares. Nem sempre, também. A execução de tutela antecipada, conforme
maior parte da doutrina assevera, que é provisória, dáse nos próprios autos principais. O
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mesmo ocorre com a execução da sentença cuja apelação não foi recebida, mas ainda pende
agravo de instrumento interposto contra a decisão que não admitiu a apelação.
A execução provisória foi bastante alterada pela Lei Federal 10.444/2002, e
essas alterações induvidosamente a aprimoraram.
Vejamos as principais características da execução provisória.
a) Corre por conta e risco do credor, que responderá, objetivamente, pelos
prejuízos causados ao executado, se porventura o seu título for cassado ou alterado.
b) Independe de caução. Nada impede, porém, que, no caso concreto, diante
das particularidades, possa o juiz, com base no poder geral de cautela, impor caução. O que se
quis deixar claro, com a nova redação do inciso I do art. 588 do CPC, é que não se trata de
caução exigida por lei para sua simples instauração.
c) Exigese, no entanto, a caução para as hipóteses de levantamento de
dinheiro, alienação de domínio ou outros que possam resultar grave dano (inciso III do art.
588). Esse inciso traz a principal novidade da reforma da execução provisória: a possibilidade
de irse até a fase final da execução.
Esta caução pode ser dispensada nos casos de crédito alimentar, até 60 salários
mínimos, quando o exeqüente se mostrar em estado de necessidade (§2º do art. 588, CPC).
d) O regime da execução provisória aplicase totalmente à execução da tutela
antecipada (art. 273, §3º, CPC).
e) Cumpre esclarecer a seguinte situação: iniciada uma execução definitiva,
que se suspende pelo ajuizamento dos embargos do executado, como ela volta a correr, se os
embargos forem julgados improcedentes e a apelação, eventualmente interposta contra esta
sentença, for recebida apenas no efeito devolutivo (art. 520, V, CPC)? A resposta é a seguinte:
volta correr como parou, ou seja, definitivamente. Caberia execução provisória da sentença
dos embargos. Eventual modificação de sentença não impede o prosseguimento definitivo da
execução embargada. Se o exeqüente afinal se mostrar sem razão, por força do art. 574 do
CPC deverá indenizar, em responsabilidade objetiva, os prejuízos sofridos pelo executado.
Cumpre lembrar que, na hipótese do art. 2B da Lei Federal 9494/97, alterada
pela MP 218035/2001, não cabe execução provisória contra Fazenda Pública.
8. Pr incípios
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8.1. Princípio de que não há execução sem título
Nulla executio sine titulo, tratase de adágio famoso. Não se pode instaurar a execução sem que se tenha um documento a que a lei confira a aptidão para gerar a atividade
executiva do Estado.
As considerações sobre o título executivo já foram feitas.
8.2. Responsabilidade ou toda execução é real
Segundo este princípio, somente o patrimônio do devedor, ou de terceiro
responsável, pode ser objeto da atividade executiva do Estado.
Houve época em que se permitia que a execução incidisse sobre a própria
pessoa do executado, que poderia, por exemplo, virar escravo do credor como forma de
pagamento da sua dívida. Episódio que bem demonstra o espírito desta época é o célebre
julgamento de PÓRCIA na obra “O Mercador de Veneza” de SHAKESPEARE.
A humanização do direito trouxe consigo este princípio.
A proliferação das técnicas de execução indireta, todavia, parece relativizar um
pouco o princípio.
Alguns autores (MARINONI, PONTES DE MIRANDA, MARCELO LIMA GUERRA)
chegam a defender a possibilidade de prisão civil como medida coercitiva para a efetivação de
direitos nãopatrimoniais, sob o fundamento de que a vedação constitucional seria apenas a da
prisão civil por dívida, o que, segundo entendem, se restringe às obrigações pecuniárias.
8.3. Contraditório
A doutrina italiana, que não prestigiava o processo de execução, como já se
disse, chegou a defender a idéia de que no processo de execução não haveria contraditório.
Esse posicionamento impressionou ALFREDO BUZAID, que no seu projeto
previu um contraditório apenas eventual, e por provocação do executado, no processo de
execução.
Este posicionamento, hoje em dia está superado.
a) Quer porque a redação do texto constitucional é clara ao garantir
o contraditório em qualquer processo jurisdicional;
b) a atividade executiva é, induvidosamente, jurisdicional;
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c) a garantia do contraditório nada mais é do que a repercussão, no
processo, do regime democrático, pois é a garantia de participação na
formação/produção do direito;
d) a consagração doutrinária e jurisprudencial da exceção de pré
executividade revela a existência inequívoca da possibilidade da discussão/defesa
interna ao processo de execução;
e) existem inúmeros dispositivos legais que instrumentalizam este
princípio no procedimento executivo. Vejamse, p. ex., as regras sobre a nomeação
de bens à penhora e a da punição por atos atentatórios à dignidade da justiça (art.
599, II, CPC).
8.4. Princípio da proporcionalidade
O princípio da proporcionalidade, visto por muitos como a grande ferramenta
hermenêutica para a superação, com racionalidade dogmática, dos males do positivismo, e,
por outros, como o fator principal a ser levado em consideração na averiguação do chamado
devido processo legal substancial, tem bastante aplicação no âmbito do processo de execução.
Como mecanismo de solução de conflito entre direitos fundamentais, ajuda o
magistrado a solucionar a admissibilidade ou não da quebra do sigilo bancário.
Auxilia o magistrado, ainda, na tarefa de identificação de bens impenhoráveis,
como os adornos suntuosos no bem de família (LF 8009/90).
Serve, ainda, para que o magistrado aplique a regra do art. 620 — menor
onerosidade —, logo abaixo examinada.
Recentemente, foram publicados importantes trabalhos que destacam as
repercussões, no processo de execução, do princípio da proporcionalidade: MARCELO LIMA
GUERRA, opúsculo publicado pela Editora RT, e JOÃO BATISTA LOPES, ensaio publicado na
Revista Dialética de Direito Processual.
8.5. Princípio da menor onerosidade possível ao executado
De acordo com esse princípio, se a execução puder ser efetiva por mais de uma
maneira, devese escolher aquela que seja a menos onerosa ao devedor. Este princípio está
consagrado no art. 620 do CPC. Isso não quer dizer que a execução não possa ser gravosa ao
executado – ela sempre o será, e deverá sêlo, pois é da sua essência. Se só houver um meio
efetivo e adequado para se promover a execução, e este meio for muito gravoso, ele terá de
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ser posto em prática. Notase um certo desvirtuamento na aplicação prática do dispositivo,
que tem sido aplicado como se a execução se desse da forma que melhor aproveitasse ao
executado.
A aplicação do princípio da proporcionalidade, na exegese deste dispositivo, é
absolutamente fundamental.
8.6. Princípio da disponibilidade da execução
A execução fica à disposição do credor. Não há, no processo de execução, a
simetria que existe, no particular, no processo de conhecimento. A execução é feita para
atender aos interesses do exeqüente, e esse é o norte que deve ser observado pelo magistrado,
respeitados, obviamente, os demais princípios.
Esse princípio pode ser exemplificado pelo regime da desistência na execução.
O credor pode desistir de toda execução ou de algum ato executivo
independentemente do consentimento do executado, ressalvada a hipótese de existência de
embargos de executado que versem sobre questões relacionadas à relação jurídica material
(mérito da execução), quando a concordância do executado/embargante se impõe.
8.7. Princípio da tipicidade dos meios executivos
Durante muito tempo vingou a idéia de que o magistrado só poderia proceder à
execução valendose de meios executivos tipicamente previstos na legislação.
A situação atual, no entanto, revela uma tendência de ampliação dos poderes
executivos do magistrado, criandose uma espécie de poder geral de efetivação, que permitiria
ao magistrado valerse dos meios executivos que reputar mais adequados ao caso concreto,
aplicado, sempre, o princípio da proporcionalidade.
MICHELLE TARUFFO, no estudo mencionado, já apontava que o direito
americano, diante da inefetividade dos meios executivos at law, começou a autorizar o magistrado a tomar medidas executivas adequadas ao caso concreto. Tratase, afirma o jurista
italiano, de aplicação do princípio da adequação, segundo o qual as regras processuais devem
ser adaptadas às necessidades do direito material.
No Brasil, há previsão expressa que garante a atipicidade dos meios executivos
na efetivação das obrigações de fazer, não fazer e dar coisa que não é dinheiro. Tratase do
art. 461, § 5º, que consagra o mencionado poder geral de efetivação.
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Considerando a existência de um direito fundamental à tutela executiva, e a
circunstância de que não há porque prestigiar apenas as mencionadas obrigações, MARCELO
LIMA GUERRA, em estudo recente, pugna pela extensão do §5º do art. 461 também à
efetivação das obrigações de pagar quantia. Cita, como exemplo, a possibilidade de usufruto
judicial do imóvel mesmo sem a concordância do devedor (a despeito da letra do art. 722 do
CPC) e a possibilidade de fixação de multa diária na decisão que ordenar ao executado a
indicação de bens penhoráveis, dever processual previsto no inciso IV do art. 600 do CPC.
No âmbito dos Juizados Especiais Cíveis, consagrouse prática de execução
indireta para pagamento de quantia nãotipificada: a inscrição do devedor/executado nos
cadastros de proteção ao crédito (Serasa, SPC etc.), como forma de coagir o devedor ao
pagamento da obrigação. Este entendimento, inclusive, encontrase sumulado nos Enunciados
dos Coordenadores de Juizados Especiais, compilada nos encontros que promovem
anualmente.
8.8. Princípio da utilidade
A jurisdição somente pode ser acionada se houver alguma espécie de
beneficio/proveito/utilidade que se possa alcançar pelo Poder Judiciário. Não é por outro
motivo que se impõe o interesse de agir como condição de admissibilidade da demanda.
Não poderia ser diferente com a execução, que somente deve prosseguir se
puder resultar algum beneficio para o credor/exeqüente. A execução não pode ser instrumento
de capricho do credor, que deseja apenas ver o executado passar por tal constrangimento.
É por isso que existe a regra do §2º do art. 659 do CPC, que afirma
peremptoriamente que não se fará penhora quando evidente que o produto da execução será
totalmente absorvido pelo pagamento das custas da execução.
Essa também a justificativa do art. 1º da Lei Federal 9469/97, que autoriza os
advogados dos entes federais a desistirem de execuções de valor igual ou inferior a mil reais,
pois o entendimento é de que a União gastará mais executando do que o bem que,
eventualmente, possa vir a ganhar.
8.9. Autonomia
Costumavase elencar, no rol dos princípios da execução, a autonomia para
significar que a execução deveria ocorrer em processo autônomo. Já vimos o estádio de
obsolescência em que se encontra este princípio, ao menos visto sob esta perspectiva.
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Devese compreender este princípio, pensamos, como a consagração de que a
função executiva é autônoma, com peculiaridades próprias, não se trata de uma “anomalia”,
“de um corpo estranho”, no qual o “vestuário” da teoria geral do processo não poderia ser
utilizado.
8.10. Responsabilidade do exeqüente
A execução, seja provisória ou definitiva, corre sob a responsabilidade objetiva
do exeqüente, que deverá indenizar o executado se, eventualmente, ficar demonstrada a
injustiça da execução. Para a execução provisória, vale o disposto no art. 588, I, CPC; para a
definitiva, vale a regra do art. 574, do mesmo Código.
8.11. Maior coincidência possível
Tratase de velha máxima chiovendiana, segundo a qual o processo deve dar a
quem tenha razão o exato bem da vida a que ele teria direito, se não precisasse se valer do
processo jurisdicional.
O processo de execução deve primar, na medida do possível, pela obtenção
deste resultado (tutela jurisdicional) coincidente com o direito material.
Chamase esse princípio, atualmente, de primazia da tutela específica.
As últimas reformas processuais deram muita importância a esse princípio, não
satisfatoriamente observado no antigo regramento da efetivação das obrigações de fazer, não
fazer e dar coisa, cujo descumprimento implicava, quase sempre, a conversão da obrigação
em perdas e danos.
8.12. Dignidade da pessoa humana
O princípio da proteção da dignidade da pessoa humana é considerado,
atualmente, o princípio basilar de toda ordem jurídica, que deve ser construída a partir da
observância deste vetor (conferir, por todos, o trabalho de INGO SARLET).
Obviamente, não poderia o processo de execução fugir a esta exigência.
É com base neste princípio que os tribunais têm estendido à impenhorabilidade
de bem de família ao único imóvel de um solteiro – no último informativo do STJ, os
ministros chegaram a dizer que não se poderia tornar ainda mais insuportável a vida de quem
tinha “escolhido o pior dos caminhos: a solidão”.
Também é por força deste princípio, que se têm considerado como
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irrenunciáveis as regras do beneficium competentiae, previstas nos incisos II e seguintes do art. 649 do CPC. O STJ, por exemplo, invalidou a penhora de uma televisão, oferecida pelo
executado à penhora — que foi em seguida discutida no bojo dos embargos à execução —,
sob fundamento de que era bem de família e, portanto, a sua impenhorabilidade não poderia
ser renunciada pelo executado.
Em situações como essas, invocamos, mais uma vez, a necessidade de
aplicação do princípio da proporcionalidade.
Eilas, assim, as principais características, os principais aspectos de uma teoria
da tutela executiva.