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7/21/2019 SADER Emir Quanto novos personagens entram em cena parte 1.pdf
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EDER SADER
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B IBLIO T E C A
o n v e n i o s l u p e r j _ ~ c
• .... B ib l i o t e c a
QUANDO NOVOS PERSONAGENS
ENTRARAM EM CENA
Experiencias, Falas e Lutas
dos Trabalhadores da Grande Sao Paulo
(1970-80)
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Reimpressao
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IUPERJ BIBUOTECA
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PA ZE TER RA
7/21/2019 SADER Emir Quanto novos personagens entram em cena parte 1.pdf
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e , U 7 / I
Copyright by
Eder Sader
Capa
Isabel Carballo
Revisiio
Arnaldo Rocha Arruda
Barbara E. Benevides
Marcia Coutourke Menin
Oscar Menin
Dados de Catalogacao na Publicacao (CIP) Internacional
(Camara Brasileira do Livros, SP, Brasil)
Sader, Eder.
S129q Quando novos personagens entraram em casa: experiencias, falas e lutas
dos trabalhadores da Grande Sao Paulo, 1970-80
I
Eder S. Sader. - Riode
Janeiro: Paz e Terra, 1988.
Bibliografia.
1 Trabalho e classes trabalhadoras - Brasil - Atividade politica 2. Tra-
balho e classes trabadoras - Brasil - Sao Paulo, Regiao Metropolitana 1
Titulo. II. Titulo: Experiencias, falas e lutas dos trabalhadores da Grande
Sao Paulo.
CDD-322.2098161
-305.56098161
-322.20981
88-1477
indices para catalogo sistematico:
1 Brasil: Movimentos operarios: Ciencia politica 322.20981
2. Grande Sao Paulo: Movimentos trabalhistas: Ciencia politica 322.2098161
3. Grande Sao Paulo: Operarios: Movimentos trabalhistas:
Ciencia politica 322.2098161
4. Grande Sao Paulo: Trabalhadores: Classe operaria: Sociologia 305.5609816-1
1~ edicao: 1988
Direitos adquiridos por
EDITORA PAZ E TERRA S/A
Rua do Triunfo, 177
Santa Ifigenia, Sao Paulo, SP
Tel. (011 223-6522
Rua Sao Jose, 11 ~ andar
Rio de Janeiro, RJ
Tel. (021 2214066
1995
Impresso no Brasil Printed in Brazil
I ~ 1111111111111111111111111111111111·
00198810021245
Quando novos personagens entra
331 (816.1 S125q 2.ed.
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u m d r io
Prefacio
Marilena Chaui
APRESENT AC;AO
Cap itulo I - ID£IAS E QUESTOES
o imp acto do novo
Duas imagens
De estruturas a experiencias
Do carater de classe as configuracoes sociais
A identificacao dos sujeitos
Os discursos que constituem sujeitos
Cap itulo I I -
SOBRE AS EXPERItNCIAS DA
CONDIC;AO PROLETARIA EM
sAO PAULO
Na voragem do progresso
Aordenat;ao pelo trabalho
A trajetoria dos migrantes na cidade
Projetos familiares:
0
sonho da cas a propria
o espaco publico e os pedacos da cidade
Anexos
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Cap itulo
III - MATRIZES DISCURSIVAS
o cristianismo das comunidades de base
o
marxismo de uma esquerda dispersa
A emergencia do novo sindicalismo
Ternas dos movimentos
141
146
167
178
194
P r e f d c io
Numa coletanea de conferencias, publicada com
0
titulo de
Democracia Antig a e M oderna ,
0
historiador helenista Moses
Finley observa urn Ienorneno paradoxal que percorre a ciencia
politica contemporanea, isto e, a tese segundo -a qualo sucesso
das democracias modernas tern como causa a apatia politica
dos cidadaos, que delegam a tecnicos e a politicos profissionais
as decisoes concernentes a existencia social no seu todo. Feno-
meno paradoxal pelo menos por dois motivos. Em; primeiro
lugar, porque polit6logos defensores da apatia costumam ser
criticos severos de Platao, por eles considerado anti-democrata
(e, segundo alguns, ate mesmo totalitario ), sem perceberem
que a tese politica platonica fundamental e exatamente a neces-
sidade de excluir os cidadaos da vida politic a para que esta,
dirigida pelo sabio competente, siga a trilha da racionalidade e
da justica. Em segundo lugar, porque os defensores da apatia
e das elites dirigentes costumam afirmar que 0 maior perigo
para a democracia e a intervencao politica da : massa dos des-
contentes que redunda em movimentos populares extremistas .
Ora, lembra Finley, todo historiador sabe que os extremismos
que golpearam mais dura mente a democracia nunca vieram dos
movimentos populares e sim de oligarquias poderosas, conven-
Cap itulo I V - MOVIMENTOS SOCIAlS
Clubes de maes da periferia sul
A Oposicao Metahirgica de Sao Paulo
o Movirnento de saude da perif eria leste
o Sindicato dos Metahirgicos de S.
Bernardo
t 97
199
225
261
277
9
Algumas Consideracoes Finais
311
Posfacio
Marco Aurelio Garcia
317
Bibliograf ia
Consultada
321
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cidas de que nao obteriam seus fins por meios democraticos.
Finley desconhecia 0 Brasil. Nos 0 conhecemos, pelo menos 0
bastante para toma-lo como ilustracao empirica da tese geral de
Finley.
Navegando contra a corrente das posicoes predominantes
na ciencia politica, Eder Sader nos ofer'ece a saga dos movi- .
mentos sociais populares da regiao de Sao Paulo que puseram
novos personagens na cena historica brasileira, entre 1970 e
1980, criando condicoes para 0 exercicio da democracia. Trata-
se da primeira visao de- [{onjunto dos movimentos do periodo
1970-80, que' ja recebeu varies e importantes estudos parciais,
dedicados a movimentos sociais populares especificos. Nao e
esta, porern, a maior contribuicao do autor e sim aquilo que
constitui 0 fio condutor de seu trabalho, ou seja, a determinacao
desses movimentos como criacao de urn novo sujeito social e
historico.
Por que sujeito novo?
Antes de mais nada, porque criado pelos proprios movi-
mentos sociais populares do periodo: sua pratica os pee como
sujeitos sem que teorias previas os houvessem constituido ou
- designado. Em segundo lugar, porque se trata de urn sujeito
coletivo e. descentralizado, portanto, despojado das duas marcas
que caracterizaram 0 advento da concepcao burguesa da subje-
tividade: a individualidade solipsista ou monadica como centro
de onde partem acoes livres e responsaveis e
0
sujeito como
consciencia individual soberana de onde irradiam ideias e repre-
sentacoes, postas como objetos dorninaveis pelo intelecto. 0
novo sujeito e social; sac os movimentos sociais populares em
-cujo interior individuos, ate entao dispersos e privatizados, pas-
sam a definir-se, a reconhecer-se mutuamente, a decidir e agir
em conjunto e a redefinir-se a cada efeito resultante das decisoes
e atividades realizadas. Em terceiro lugar, porque e umsujeito
que, embora coletivo, nao se apresenta como portador da uni-
versalidade definida a partir de uma organizacao determinada
que operaria como centro, vetor e telos das acoes socio politicas
e para a qual nao haveria propriamente sujeitos, mas objetos
ou engrenagens da maquina organizadora. Referido a Igreja, ao
sindicato e as esquerdas, 0 novo sujeito neles nao encontra 0
10
velhocentro, pois
ja
nao sac centros organizadores no sentido
classico e sim instituicoes em crise que experimentam a
crise sob a forma de urn descolamento com' seus publicos res-
pectivos , precisando encontrar vias para reatar relacoes com
eles.
Eder Sader examina os procedimentos dessas instituicoes
em crise. Crise da Igreja, que conduz a reformulacao de seu
discurso e de sua pratica, gracas a matriz discursiva da teolo-
gia da libertacao . Crise das esquerdas que, sob 0 impacto das
derrotas das decadas anteriores e dos impasses internacionais,
ainda nao reformularam a rnatriz discursiva marxista , embora
tragam em seu benef icio urn corp a teorico consistentemente
elaborado a respeito dos temas da exploracao e da luta sob (e
contra)
0
capitalismo . Crise do sindicalismo que, entretanto,
gracas a matrizdiscursiva do novo sindicalismo , supera a
ausencia das tradicoes populares (com que conta a matriz reli-
giosa) e da sisternaticidade teorica (com que conta a matriz
marxista), vindo a ocupar urn Iugar institucional cuja eficacia
sera decisiva para repensar e praticar os conflitosna esf era
trabalhista e, com isto, alargar a percepcao dos antagonismos
que regem a sociedade de classes. Em suma, os antigos centros
organizadores, em crise, sac desfeitos e ref eitos sob a acao si-
multanea de novos discursos e praticas que informam os movi-
mentos sociais populares, seus sujeitos.
Porem, sujeito novo ainda noutro sentido, pois as traces
anteriores revelam ser uma deterrninacao decisiva desse sujeito
historico a defesa da autonomia dos movimentos, tend en do a
romper com a tradicao socio politica da tutela e da cooptacao
e, por isso mesmo, fazendo a politica criar novos lugares para
exercitar-se. Lugares onde a politica institucional ainda nao
lancou tentaculos e que interessam a Eder Sader neste livro:
aqueles onde se efetua a experiencia do cotidiano popular.
Quando uso a nocao de sujeito coletivo , escreve Sader,
a. expressao indica uma coletividade onde se elabora uma
identidade e se organizam praticas atraves das quais seus mern-
bros pretendem defender interesses e expressar suas vontades,
constituindo-se nessas lutas , de sorte que a novidade e tripli-
ce: urn novo sujeito (coletivo), lugares polit icos novos (a expe-
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nencia do cotidiano) numa pratica nova (a criacao de direitos,
a partir da consciencia de interesses e vontades proprias).
Justamente porque busca pensar essa novidade, Eder Sader
inovara, Seu trabalho nao se volta para a analise das estruturas
(economicas, sociais, politicas), mas para as
experiencias
popu-
lares. Nao se trata de simples mudanca do ponto de vista, mas
de critica as perspectivas estruturais anteriores, que caracteri-
zararn as analises das esquerdas e das ciencias sociais onde, par
def inicao e por essencia, ~. giJ10 e encarado como urn espa-
co-ternpo ionde nada acontece . Eder nos mostra
0
que e
0
quanto ai acontece quando '~mentasoes __ue a te~iaJ:~~
ocorrer de modo quase silencioso. .. passam a ser valorizadas
. <enquanlo-~in3 is(le- resis1encia,--vinculadas a outras ilU U L con-
(,A j l~ -I junto--que----Ihes- da- a digriidade de urn 'acontecilT ellJQ_l1§_t6-
ill / ~;; _rrco'.=' ~ Nao-e -oc 6Hdiano nero suaaparencia reiterativa que
iC _ fazem a novidade, mas _.~sentido novo que lhes emprestam
, , .J
seus agentes ao experimenta;--s~-~~ -;goes· como lutas -e resisten-
·~ias. No
t z - e r d - e -
urn' operario: sac -pequenas lut~~,-~as que
i\a--
consciencia do cara representa uma puta coisa, porque e
uma vitoria,
0
cara sente que foi uma conquista dele, sabe? .
Pequenas lutas que, no dizer de urn outro, sao lutas por
migalhas e, ao mesmo tempo, uma luta interessante . Que j
sao as migalhas das pequenas vitorias das pequenas lutas? Sac I
a experiencia que os excluidos adquirem de sua presenca no
campo social e politico, de interesses e vontades, de direitos e \
praticas que van formando uma historia, pois seu conjunto lhes
da a dignidade de urn acontecimento historicc . .
Quais as consequencias da mudanca do foco da analise
praticada pelo autor? Desde logo, nao partir de definicoes pre-
vias da politica, mas deixar que elas advenham pelas formu-
lacoes dos propriossujeitos dos movimentos. Dessas formula-
coes, alguns traces merecem ser retidos, pois deles se ocupa
longamente 0 autor. Em primeiro lugar, a desconfianca dos
sujeitos com relacao as instituicoes politicas e com os sistemas
politicos de
trnediacoes.
Desconfianca nova porque, em lugar
de suscitar apatia, suscita acoes e a valorizacao das diferencas
entre os movimentos e de sua autonomia. Em segundo lugar, e
12
como consequencia, a cnacao de novos espacos politicos, uma
vez que a experiencia dos movimentos os conduz a novas re1a-
coes com
0
espaco publico - assim, os clubes de. maes passam
a perceber seu espaco como imbricado com
0
publico atraves
de relacoes experimentadas como ampliacao da fraternidade; as
comissoes de satide, a valorizar a intervencao pontual e deter-
minada na esf era do Estado; as oposicoes sindicais, a empe-
nhar-se na elaboracao do espaco fabril como campo de solid a-
riedade e de aprendizado da luta mais ampla, a luta de classes.
Pass ando a fazer politica doutra maneira e noutros lugares, os
sujeitos dos movimentos passam por uma experiencia decisiva
que nos permite captar sua priitic.LC.omQ.. yerdadeira a9.1dl§ y_iQ
e produ(;a conhseimentos- Na linguagem da Igreja, fala-se
em conscientizacao , na das esquerdas, em reflexao critica ;
na do sindicalismo, em socializacao do saber . Todavia, seja
qual for a designacao e seja qual for 0 pressuposto teorico de
quem a formula, 0 importante e que esta simplesmente a indicar
que os movimentos sociais operam como fontes populares de
informacao, aprendizado e conhecimento politicos que tend em
a ser ampliados e redefinidos pela pr6pria pratica e sua dinamica.
Disso, duas f alas f emininas, recolhidas por Eder, sac exem-
plares. A primeira delas interpreta a dificuldade para passar
das discussoes em pequenos grupos, onde as pessoas estao mu-
tuamente familiarizadas, a discussoes publicas mais amplas:
Porque a etapa da gente conversar com a gente mesmo, que
a gente conhecia, era Iacil. Agora, a etapa de voce ir pra rua e
conversar com quem voce nunca tinha visto e dizer: 'olha,
voce quer discutir isso?', foi um saIto, assim, violento pras
pessoas . A ampliacao do espaco da sociabilidade e da ayao
e
experimentada como salto violento , pois inaugura uma pra-
tica desprovida de seguranca e previsibilidade, uma relacao com
o desconhecido e com desconhecidos, entretanto, percebidos
como integrantes futures dos movimentos. A segunda fala inter-
preta a diferenca entre 0 ja-saber e 0 ainda-nao-saber: a gente ia
falar de alguma coisa, a pessoa nao sabia 0 que nos estavarnos
falando, e1es falavam outra lingua . Fala extraordinaria, pois
nao s6 marca a descoberta da dif erenca entre os iguais, mas
ainda revel a um duplo processo em curso, 0 do aprendizado
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ja realizado e 0 da transrnissao de uma linguegem comum aos
que f alavam uma outra lingua . Essas f alas e as numerosas
outras trazidas pelo autor culminam na afirrnacao do principal
.esforco dos varies movimentos: a gente procurava f icar tudo
bem juntinho . Solidariedade nascente.
Ainda como resultado da inovacao de Eder Sader, surgem
as claras dificuldades e ilus6es, ambigiiidades e contradicoes
dos movimentos sociais populares do periodo, em Sac Paulo.
Dentre elas, reteremos duas. Por um lado, a tendencia dos
movimentos a rotina ou a paralisia sob 0 peso das dif iculdades
materiais para mante-los vivos apes uma derrota ou depois de
conseguida uma vitoria, dificuldades, no entanto, que apontam
para um outro Ienomeno importante, qual seja, a preservacao
de liderancas populares na figura dos que lutam para manter
a criatividade dos movimentos e dos que conservam sua memo-
ria. Forma-se uma tradicao de lutas populares. Por outro lado,
a diferenca qualitativa profunda entre movimentos coordenados
pela Igreja e aqueles nos quais sua presenca
e
pequena ou nula.
Nestes ultimos, como no caso das comissoes de saude da zona
leste da cidade de Sac Paulo, que rumaram para a f ormacao de
conselhos populares de saude e para
0
inicio da pratica da
auto-gestae. a politizacao
e
mais clara, 0 confronto com 0
Estado mais nitido, a defesa da autonomia mais acentuada do
que naqueles em que a presenca da Igreja
e
mais forte. Dife-
renca que nos leva a indagar se
0
f ato de Igreja, esquerdas e
sindicatos serem instituicoes em crise , no periodo, conduz
ao mesmo resultado nos tres casos ou se, no que tange a pri-
meira, a saida da crise nao seria retorno a velhas praticas
centralizadoras. Pergunta necessaria, no Brasil, onde a Igreja
tem-se mantido presente no campo politico enquanto unica
Instituicno organizada de uma tal maneira que a faz ser unica
na capacjdade para contrapor-se ao outro centro organizado,
isto
e
0 Estado. Pergunta pertinente, uma vez que a tendencia
dos movimentos populares analisados era a da autonomia (em
muitos deles chegando-se a auto-gestae) que pode ser bloqueada,
se uma instancia centralizadora poderosa deles se apropriar.
Quest6es apenas a£1oradas por Eder Sader a luz de um outro
problema de igual gravidade, isto e a relacao entre os movi-
14
mentos SOCialS populares e a representacao politico-partidaria,
mas sem nisso demorar-se porquanto a periodizacao escolhida
pelo autor coloca urn terrnino a analise antes que a reformu-
lacao partidaria viesse a oearrer, nos anos seguintes.
A analise das dif iculdades enfrentadas pelos movimentos
populares do periodo e concluida de modo aparentemente me-
'lancolico - Sader fala em derrota e ilusao -, mas so aparen-
temente. De fato, tendo escolhido um caminho metodologico
novo, seria impossivel ao autor concluir voltando as velhas
teses da ciencia politica sobre limites e ineficacia dos movi-
mentos sociais e sua necessaria absorcao pelos partidos poli-
ticos, iinicos a lhes dar generalidade politica sob a conducao
de elites dirigentes.
Com efeito, Eder Sader se af asta criticamente de duas
tentac6es: a da historiografia dos mites fundadores , que Iaria
dos movimentos socia is populares da decada 70-80 a origem
tinica das lutas democraticas no Brasil e que, por conseguinte,
veria nos eventos posteriores a destruicao ou 0 esquecimento
da origem que, entao, se transforrnaria em mito, um acontecer
posto fora do tempo e este, atraves de seus agentes, surgiria
como traicao: e a da periodizacao historiograf ica of icial, onde a
democracia se converte em processo de redemocratizacao cujos
marcos, vindos do alto, seriam a distensao (Geisel), a aber-
'tura (Figueiredo) e a transicao (Tancredo-Sarney). Captan-
do a historia, f azendo-se noutro lugar e numa outra tempora-
lidade, analisando a dif erenca espacial e temporal a distancia
dessas duas historiograf ias lineares, Sader nos prepara para a
compreensao da dupla face dos movimentos sociais :populares
como
0
momento em que novos personagens entraram em
cena . Numa delas, vemos
0
inicio de uma sociabilidade fun-
dada na solidariedade de classe e pela qual as chamadas clas-
ses populares passaram a fazer parte da cena historica, nao como
atores desempenhando papeis pre-f ixados, mas como sujeitos
criando a propria cena atraves de sua propria acao e, com isso,
cr constituiram urn espaco publico alem do sistema da represen-
tacao politica permitida, ou seja,
0
espaco da participacao
civica e trabalhista. Na outra face, vemos os limites impostos
ao projeto politico que ali se desenhava e que, este sim, foi
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derrotado pel a polit ica instituida. Ora, essa derrota, escreve
Eder, nao transf orma os acontecimentos passados em meras
ilus6es: sac promessas que nao veneer am nem se cumpriram.
Seriam meras ilus6es se e somente se quisessemos julgar a
historia com as lentes do sujeito antigo -
0
sujeito sob erano do
conhecimento objetivo -, mas foi justamente esse sujeito que
o novo sujeito politico destronou ao entrar em cena, nao podendo
ser julgado por ele.
Promessas naose julgam. Precis am ser interpretadas .. Que
sentido tiverarn, para seus sujeitos e para os outros, os movi-
mentos sociais populares da decada de 1970-80? Desse sentido
encarrega-se a interpretacao de Eder Sader, testemunho da con-
Iianca num por-vir que nao se deixa medir pelo passado, ernbo-
ra se deixe ler por ele, quando a interpretacao permanece alerta
para a diferenca temporal, irredutivel a mera diferenca empf-
rica dos tempos.
M arilena Chaui
16
A p r e s e n t a c a o
Este texto
e
produto de uma pesquisa e de uma reflexao
sobre novas configuracoes sociais assumidas pelos trabalhadores
da Grande Sac Paulo no curso da decada de 70. Isso que
estou chamando de novas configuracoes dos trabalhadores nao
consiste num Ienorneno extensivo ao conjunto dessa classe, mas,
antes, a uma parcela, que constituiu movimentos sociais, com
novos padr6es de acao coletiva, que nos permitem falar da
ernergencia de novos sujeitos politicos. Considerando que essa
ernergencia abre urn novo periodo na historia das classes traba-
lhadoras em nosso pals, eu me propus a investigar circunstancias
e caracteristicas dessa nova configuracao.
Enfrentei varies problemas nessa investigacao, e, certamen-
te,
0
maior deles residiu nas dificuldades e vacilacoes referentes
a
propria formulacao do objeto. Se eu tivesse, de inicio, clara-
mente def inidos meu objeto e minha questao, tambern poderia
definir com mais rigor as hipoteses e os metodos da pesquisa .
Mas na verdade nao foi assim. Percebendo no inicio que os
novos movimentos revalorizavam 0 cotidiano das classes popula-
res, eu me pus a -estudar tanto os elementos que compuseram
o modo de vida dessa populacao quanta a dinarnica dos movi-
mentos sociais, sem saber muito bem como efetuaria 0 recorte
17
lESP UER J
B IBL I O T EC A
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necessario para a minha pesquisa. 0 campo era muito vasto,
e eu me vi dividido entre as exigencias do rigor cientifico im-
plicando uma delimitacao maior e mais precis a do objeto da
pesquisa, e os impulsos de urn interesse politico que levavam a
uma interrogacao mais abrangente. Como, alem disso, nao sabia
em que aspectos da realidade a pesquisa poderia revelar melhor
o signif icado das novidades observadas, por urn born' tempo a
pesquisa e a ref lexao se f izeram sobre aspectos os mais variados
e sem conexao evidente.
A verdade e que
0
modo como procurei entender
0
signi-
ficado do que acontecia, atraves dos movimentos sociais em
Sao Paulo, exigiu urn longo percurso intelectual, que percorri
sem saber, no inicio, exatamente do que se tratava. Fui levado
por minhas interrogacoes, que, no inicio, nem tinham seus con-
tornos bem definidos, mal podendo configurar urn objeto de
pesquisa tal como apareceu no meio da jornada.
Ate que, quase simultaneamente, se desenharam com mais
cla~e~a 0 objeto, a questao e os caminhos da pesquisa. 0 objeto
def iniu-se em torno das novas caracteristicas dos movimentos
socia is ocorridos na decada de 70. As quest6es centrais come-
earn com a interrogacao sobre as formas pelas quais movimentos
sociais abriram novos espacos politicos, reelaborando temas
da experiencia cotidiana. Como isso se deu? Quais as implica-
c;:6es, decorrsncias, problemas que dai advieram?
No capitulo I procurei esc1arecer a natureza das interroga-
c;:6es que me animaram na pesquisa e 0 significado dos conceitos
que lancei mao para ef etua-la. Procurei reconstituir os modos
pelos quais os aspectos principais do tern a emergiram teorica-
mente. Atraves das discuss6es que acompanharam a emergencia
do tema, tentei apresentar minhas escolhas te6ricas.
No capitulo II trato das experiencias da condicao proletaria
em Sac Paulo no periodo considerado. Tomei depoimentos indi-
viduais como manifestacoes de signif icados presentes nas expe-
riencias vividas e como indicadores das experiencias coletivas.
Procurei entao referencias mais gerais sobre as condicoes de
existencia dessas populacoes para tel' uma ideia da dimensao
das diversas modalidades registradas. Pesquisei aspectos que
iluminarn os modos pelos quais os trabalhadores experimentaram
18 '
suas condicoes de vida: a vida na metr6pole, a ressocializacao
dos migrantes, a luta pela casa, os espacos piiblicos. Procurei com
isso entender padr6es de comportamento presentes no cotidiano
popular de onde os movimentos sociais extrairam suas energias.
No capitulo III estudo as matrizes discursivas que procura-
ram interpretar aquelas experiencias, atr ibuindo-Ihes- novos sig-
nif icados e fazendo de condicoes da vida cotidiana tern as de
novas posturas politicas. Identif iquei tres matrizes basicas, des i-
guais em consistencia interna e incidenciaeocial: a das comu-
nidades de base, a de uma esquerda em crise e a do: chama do
novo slndicalismo . Procurei reconstituir 0 modo como se for-
maram e se transformaram no interior dos pr6prios movimentos
sociais que as incorporaram.
No capitulo IV procuro acompanhar a hist6ria de quatro
movimentos socia is na Grande Sao Paulo, que se deram em torno
de quatro tipos diversos de organizacao: a do sindicato dos
metalcrgicos de Sao Bernardo, a da oposicao metahirgica de
Sac Paulo, ados c1ubes de maes da periferia sul de Sao Paulo
e a das cornissoes de saude da perif eria leste. Procurei, nessa
reconstituicao da din arnica desses movimentos, examinar as
modalidades particulares de reelaboracao das experiencias dos
trabalhadores e a configuracao de novos padr6es de acao coletiva.
Na pesquisa, eu recorri a tecnicas e fontes as mais variadas.
Ao tratar das experiencias das condicoes de vida dos tra-
balhadores em Sac Paulo, lancei mao de depoimentos pessoais,
dados estatisticos, reportagens jornalisticas e relat6rios de pes-
quisa, alem das exposicoes e lnterpretacoes de outros pesquisa-
dores. Para captar os signif icados presentes nas iexperiencias,
com os temas e interpretacoes atribuidos, usei: depoimentos
constantes em 21 entrevistas que realizei; depoimentos colhidos
pelo Grupo de Educacao Popular da URPLAN (Instituto de
Planejamento Regional e Urbano) da PUC; depoimentos colhi-
dos pelo Centro de Estudos Migrat6rios; reportagens sobre a
vida urbana na Grande Sac Paulo, publicadas em diversos jornais
e revistas; narrativas e interpretacoes de outros autores, citados
na bibliograf ia arrolada ao f inal. Para inf ormacoes sobre a dis-
tribuicao dos trabalhadores na formacao do espaco metropolitano,
distribuicao e condicoes dos migrantes, distribuicao da popula-
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<;ao por rend a e setores de atividade, condicoes de trabalho e
moradia, recorri a quadros estatisticos do IBGE (lnstituto Bra-
sileiro de Geograf ia e Estatistica), Emplasa (Empresa Metro-
politana de Planejamento da Grande Sao Paulo - S.A.), SEADE
(Fundacao Sistema Estadual de Analise de Dados) e DIEESE
(Departamento Intersindical de Estatistica e Estudos Socio-Eco-
nornicos), elaborando eu mesmo, algumas vezes, novas tabelas
a partir dos dados obtidos.
As entrevistas que realizei foram ainda utilizadas seja para
a reconstituicao das matrizes discursivas, seja para a reconstitui-
<;ao dos movimentos sociais estudados. Alern disso, para a matriz
discursiva das comunidades de base, pesquisei as publicacoes do
SEDOC (Service de Documentacao) e uma enorme variedade de
materiais que se pode encontrar no Centro Pastoral Vergueiro.
Para os discursos da esquerda nesse .perfodo, contei basicamente
com a documentacao existente no Arquivo Edgard Leuenroth.
Deste e do CPV recolhi tambem 0 principal da documentacao
sobre
0
novo sindicalismo.
Foram-me finalmente de particular valia: entrevistas reali-
zadas com mulheres dos c1ubes de maes pela URPLAN e dispo-
niveis na Rede Mulher; a documentacao sobre 0 Movimento do
Custo de Vida disponivel no CPV; a pesquisa de Hamilton Faria
sobre a oposicao metahirgica de Sac Paulo e as entrevistas feitas
com membros da oposicao pel a equipe da URPLAN; jornais e
publicacoes do proprio arquivo da OSM e tambem encontrados
no CPV; reportagens dos jornais Em Tempo e Movimento, sobre
os metalurgicos de Sao Bernardo, a pesquisa de Lais Abramo e a
colecao de jornais do sindicato.
Ao observarmos as praticas desses movimentos, nos nos da-
mos conta de que eles efetuaram uma especie de alargamento do
espaco da politica. Rechacando a politica tradicionalmente insti-
tuida e politizando quest6es do cotidiano dos lugares de trabalho
e de moradia, eles inventaram novas formas de polit ica. Mas
a historia dos movimentos sociais nao e apenas a sua hist6ria
2
interna. Os trabalhadores sao 0 resultado nao somente de suas
pr6prias acoes, mas tambem da sua interacao com outros agentes .
A politica reinventada dos movimentos teve de se enfrentar
com a velha politica ainda dominante no sistema estatal. Como
os movimentos sociais dos trabalhadores incidem sobre 0 sistema
de poder estabelecido? Como se determinam reciprocamente os
diversos agentes politicos no cenario publico transformado? Essas
quest6es se colocaram de forma f lagrante ja na decada de 80.
Mas creio que a cornpreensao das potencialidades dos movimen-
tos sociais exige que nos voltemos para as modalidades de seus
processos de constituicao, na decada anterior. Procurei contribuir
para isso.
Foram muitos os amigos que me ajudaram neste longo tra-
balho, fazendo sugestoes importantes, facilitando 0 acesso a
documentos valiosos, me estimulando e apoiando quando neces-
sario, Seria quase impossivel relaciona-los todos aqui, embora
estejam inscritos num outro plano, invisfvel aos olhos .
Mas quero mencionar algumas pessoas e experiencias mais
diretamente implicadas neste trabalho. Sao implicadas por suas
contribuicoes, embora evidentemente nao sejam responsaveis
pelo uso que f iz delas.
Em primeiro lugar esta Azis Simao, orientador e amigo.
Foi ele que me iniciou no estudo do movimento operario
b el
muitos anos. Foi ele que acompanhou esta pesquisa com cri-
ticas e sugestoes. Foi ele que me deu
0
exemplo de uma paixao
militante pela causa dos trabalhadores unida ao rigor crf tico na
analise objetiva dos acontecimentos.
Elsa Lobo f oi a primeira pes so a que me pas em contato
com movimentos populares da periferia de Sao Paulo, depois que
eu voltei ao Brasil, em 1979, e com ela comecei a ref letir sobre
seu significado.
No percurso intelectual que me levou a forrnulacao das
questoes que estao aqui colocadas, as observacoes de Maria Celia
21
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Paoli foram decisivas, apontando novos caminhos num momento
de revis5es te6ricas.
Devo agradecer a Hamilton Faria, que me permitiu 0 acesso
ao precioso material de sua pesquisa, mesmo antes que estivesse
acabada. 0 mesmo devo dizer de Lais Abramo. E das equipes
doGEP-URPLAN, em particular a Leila Blass e Silvio Caccia
Bava, e da Rede Mulher, em particular a Moema Viezzer.
Eunice Durham contribuiu com sugest5es extremamente
importantes no momenta do exame de qualificacao.
o
amadurecimento das ideias que me ajudaram a pensar
o tema se fez em algumas experiencias co1etivas que me foram
particularmente importantes.
Em primeiro lugar nas discussoes travadas no coletivo da
revista
Desvios,
entre 1982 e 1985, onde
0
tema dos movimentos
sociais foi freqiientemente associado as questoes da autonomia,
da institucionalizac;:ao, das possibilidades de uma nova pratica
politica e dos caminhos da transicao brasileira.
Na Comissao de Movimentos Populares do Partido dos
Trabalhadores, entre 1983 e 1985, participei de elaboracoes sobre
experiencias concretas, suas historias e seus desafios politicos.
o
curso ministrado por Lucio Kowarick, sobre Classes'
sociais, Estado e urbanizacao , em 1983, constituiu um rico
momento de discussao sobre 0 tema.
A pesquisa com Maria Celia Paoli e Vera da Silva Telles,
sobre a representac;:ao dos trabalhadores nas ciencias sociais ,
em 1984, foi para mim a oportunidade de uma reflexao coletiva
sobre as intrincadas relacoes entre realidade e representacao.
Com elas mesmas e mais Flavio Aguiar e Artur Ribeiro Neto, e a
partir de um roteiro formulado por Marilena Chaui, realizamos
um seminario sobre
0
tema da subjetividade e
0
sujeito, com
notorios reflexos sobre este estudo.
Meus cursos sobre autonomia e submissao na formacao do
proletariado forneceram-me ocasiao de sistematizar ideias e de
recolher inumeras sugestoes postas pelos estudantes.
As observacoes criticas de Marco Aurelio Garcia, Irene
Cardoso, Regina Sader, Vera Silva Telles, Maria Celia Paoli,
Paulo Sergio Mucoucah e Maria Helena Augusto, alem de Azis
Simao, me foram particularmente importantes. Gracas a elas
22
pude corrigir algumas das imperfeicoes do trabalho e sinto apenas
nao as ter aqui assimilado todas. A feitura do mapa s6 foi possi-
vel gracas a orientacao e ao trabalho de Maria Elena Simielli.
Quero ainda registrar a ajuda de Monica Fernandes, Ana
Amelia Silva, Marlene Goldenstein, Marilla Koutzii, Marcia
Ferraz, Jose Antonio Carlos, Marilisa Garretta, Odete Seabra,
Enali de Biagi, Jose Cesar Gnacarini em diferentes momentos do
,trabalho. E no zelo posto no trabalho de datilograf ia por Maria
do Carmo Gomes.
Este trabalho, com poucas modificacoes, foi a tese de douto-
ramento que, sob a orientacao de Azis Simao, apresentei ao
Departamento de Sociologia da USP. Dos membros da banca,
presidida por Aparecida Ioly Gouveia e integrada por Marilena
Chaui, Francisco Weffort, Flavio Peirrucci e Orlando Miranda
tive a satisfacao de recolher preciosas observacoes, crit icas, su-
gestoes, que ja iniciaram um dialogo que, af inal, constitui 0
proprio sentido do labor academico.
Para a redacao da tese, alem do apoio recebido em casa e no
antigo Departamento de Ciencias Socia is - com respectivas
dispensas de atividades domesticas e prof issionais -, contei
ainda, em parte do tempo, com a ajuda f inanceira de uma bolsa
do CNPq.
Finalmente, aqueles que se dispuseram a narrar-me suas
experiencias, tornando possivel estapesquisa: Conceicao, Moura,
Fernando, Ricardo, Pedro, Paulo, Zico, Vera, Silvio, Carlos,
Helie, Roberto, Silvio, Cloves, Virginia, Irma, Eduardo, Fabiano,
Francisca, Vera Lucia, Resende. Espero ter sido digno de toda
a atencao que cada um me dedicou.
Desejo dedicar este trabalho a memoria de amigos que
morreram quando eu
0
redigia. Jurantir Garconi, Jorge Baptista,
Luis Roberto Salinas Fortes e Gilberto Mathias puseram suas
inteligencias a service de uma luta contra as injusticas e a
opressao nos piores anos da ditadura em nosso pais. E tambem
a de Santo Dias, militante da oposicao sindical rnetahirgica
de Sao Paulo, morto pela policia militar durante a greve de sua
categoria em novembro de 1979.
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a p i tu l o
d i i a s q u e s u i e s
o impacto do novo
Apresentando uma comunicacao ao IV Encontro Regional
de Hist6ria de Sac Paulo, realizado em 1978,
0
historiador
Kazumi Munakata afirmava que 0 acontecimento politico mais
importante do primeiro semestre deste ana nao foi a indicacao
do general Figueiredo para a Presidencia da Republica e a
conseqiiente crise do meio militar, nem
0
surgimento da candi-
datura dissidente do senador Magalhaes Pinto, nem tampouco
a articulacao da Frente Nacional de Redemocratizacao. Foi, na
realidade, a irrupcao do movimento grevista, que, iniciado em
meio
it
regiao do ABC (SP), rapidamente se alastrou pelos grandes
centros industriais e urbanos do Estado, envolvendo centenas de
milhares de trabalhadores e estendendo-se ate os dias de hoje .
No momenta em que escrevo, 9 anos depois, quando
0
general
Figueiredo
ja
exerceu seu mandato e voltou para casa, quando
a transicao politica do regime militar para urn civil ja parece
1 K. Munakata, • .0 iugar do movimento operario in
Anais do I V En-
centro Regional de Historia de Siio Paulo,
ANPUH-UNESP, Araraquara,
.1980: p. 61
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ter cumprido suas etapas decisivas com 0 governo da Alianca
Democratica , quando nada roais resta da Frente Nacional de
Redemocratizacfio , e quando a movimentacao operaria nao
apenas forcou alteracoes de fato nas esferas da politica salarial,
da liberdade sindical, do direito de greve, como fundamental-
mente provocou 0 nascimento de novos atores no cenario politico,
a af irmacao feita por Kazumi, atrevida em seu tempo, corre ate
o risco de parecer banal. Mas e preciso que nos situemos naquele
m~mento para poder avaliar a dimensao da ousadia. Basta alias
acompanhar seu empenho ao polemizar sobre 0 lugar atribuidc
ao movimento operatic nas representacoes dominantes. Na forma
mais visivel, nos meios de comunicacao de massa, as greves
eram noticiadas nas secoes de economia e referidas separada-
mente aos diferentes setores da producao em que ocorriam.
E
muito provavel que na hist6ria polit ica do pais 0 periodo
entre 1978 e 1985 (portanto entre as greves do ABC e a vit6ria
de Tancredo Neves no Colegio Eleitoral) f ique marcado como
momento decisivo na transicao para uma nova forma de sistema
.politico. Mas, por sua vez, este novo sistema politico esta condi-
.<:ionado por significativas alteracoes no conjunto da sociedade
civil. Entre as rupturas, que marcam todas as transicoes, uma
das mais impressionant~s nesta que estaroos tratando
e
certamente
a que cruza a historia do movimento operario, ou das classes
populares , ou dos setores dominados (e esta pr6pria hesitacao
na nomenclatura, presente nas interpretaceee sobre esses fatos,
ja indica uma novidade na forma como e1es apareceram que se
acornodava mal as denominacoes ja f eitas). Atores sociais e
interpretes, no pr6prio calor da hora, se aperceberam de que
havia algo de novo emergindo na hist6ria social do pais, cujo
significado, no entanto, era dificil de ser imediatamente captado.
A novidade eclodida em 1978 foi primeiramente enunciada
sob a f orma de imagens, narrativas e analises referindo-se a
grupos populares os mais diversos que irrompiam na cena publica
reivindicando seus direitos, a comecar pe10 priroeiro, pelo direito
de reivindicar direitos.
0
impacto dos movimentos sociais em
1978 levou a uma revalorizacao de praticas sociais presentes no
cotidiano popular, ofuscad as pel as modalidades dominantes de
26
sua representacao.f Foram assim redescobertos movimentos 50- ~
ciais desde sua gestacao no curso da decada de 70. Eles Ioram /
vistos, entao, pelas suas linguagens, pelos lugares de onde se )
manifestavam, pelos valores que professavam, como indicadores
da emergencia de novas identidades coletivas. Tratava-se de uma
novidade no real e nas categorias de representacao do real.
Absorver 0 impacto dessa novidade teria mesmo de demandar
'tempo. Minha pesquisa e minha ref lexao sobre esses aconteci-
mentos fazem parte de urn movimento intelectual que vem pro-
curando compreender seu significado.
Para comecar a identificar minha questao, me permito reto-
mar urn desses momentos em que os novos atores comecavam a
ocupar os espacos publicos.
Era a manha ensolarada do dia
10
de maio de 1980, e as
pessoas que haviam chegado ao centro de Sac Bernardo para a
comemoracao da data se depararam com a cidade ocupada por
8 mil policiais armados, com ordens de impedir qualquer concen-
tracao. Ja desde as primeiras horas daquele dia as vias de acesso
estavam bloqueadas por comandos policiais que vistoriavam oni-
bus, caminh6es e autom6veis que se dirigiam a cidade metalur-
gica. Pela manha, enquanto urn helic6pterosobrevoava os locais
previstos para as manifestacoes, carros de assalto e brucutus
exibiam a disposicao repressiva das forcas da ordem. E 'que
aquele Dia do Trabalhador ocorria quando uma greve dos
metalurgicos da regiao alcancava jil urn roes de duracao e levara
o chef e do Service Nacional de Inf ormacoes a prometer que
dobraria a republica de Sao Bernardo .
0
que poderia ter
permanecido urn dissidio salarial tornara-se urn enfrentamento
politico que polarizava a sociedade. Movidos pela solidariedade
a greve formaram-se comites de apoio em fabric as e bairros
da Grande Sac Paulo. Pastorais da Igreja, parlamentares da
oposicao, Ordem dos Advogados, sindicatos, artistas, estudantes,
jornalistas, professores assumiram a greve do ABC como expres-
sauda luta dernocratica em curso. A resposta viera pronta: os
2. Ver M. C. Paoli, E. Sader e V. Telles, Pensando a classe operaria:
'as trabalhadores sujeitos ao Imaginario academico in Revista Brasileira
de H is toria,
n, 6, 1984.
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sindicatos promotores da greve f oram postos sob intervencao e
12 de seus dirigentes, presos; membros da Comissao de Iustica
e Paz e pessoas da
oposicao
haviam sido seqiiestrados por agentes
dos services de seguranca.
Alguns minutos depois das 9 horas, 0 bispo D. Claudio
Humes iniciava a missa para 3 mil pessoas que lotavam a igreja
da Matriz, num clima de tensao, sem saber 0 que se passaria em
seguida quando da programada passeata proibida .. Nas ruas ao
redor, pequenos grupos f icavam dando voltas, trocando sinais,
escondendo as bandeirolas trazidas. De repente, correu
0
rumor
de que a policia militar iniciara a dispersao de manif estantes
que estavam em f rente
a
igreja. Alguns reagiram a pedradas.
Dois operarios foram levados feridos para dentro da Matriz.
Entre os parlamentares presentes,
0
senador Teotonio Vilella
procurava convencer 0 coronel Braga, chefe da operacao militar,
a liberar a praca, enquanto este insistia em s6 permitir 0 acesso
a urn megaf one se f osse para avisar 0 cancelamento da mani-
Iestacao. Ate que - eram 10h30 -
0
coronel recebeu ordens
de Brasilia para evitar enf rentamentos de alcance imprevisfvel
e permitir a concentracao. A noticia correu rapidamente, e os
pequenos grupos f oram se juntando, e s6 entao seus participantes
se deram conta de que constituiam uma multidao impressionante,
calculada em 120 mil pessoas, a maior ate entao desde a implan-
tacao do regime militar ,3 .
o
maravilhoso espanto com a dimensao visivel daqueles
pequenos grupos, agora reunidos, consolidou uma imagem evo-
cad a cada vez que os que 0 viveram falam sobre os movimentos
sociais da decada passada. Nas narrativas das pastorais da Igreja
aparecem uma pluralidade de pequenos grupos cornunitarios que
se unem numa carninhada . Nao e por acaso que a cancao de
Vandre, alias entoada naquela manha de maio logo na saida
da praca da Matriz e ate chegarem ao Estadio de Vila Euclides,
foi incorporada como peca obrigat6ria nos ritos dos tempos de
3. Cf.
Vej a
de 7/5/1980;
IstoE
de 7/5/1980;
Movimento
de 5 a 115/1980;
Em Tempo
de 1 a 14/5/1980 e observacao (naturalmente participante . )
do au tor.
28
resistencia. Nessa representacao a luta social aparece sob a
f orma de pequenos movimentos que, num dado momento, con-
vergem fazendo emergir urn sujeito coletivo com visibilidade
publica. 0 que acontecera na manha do
10
de maio de 1980
parecia condensar a hist6ria de to do 0 movimento social que
naquele dia mostrava a cara ao sol.
A imagem viva da emergencia de urn sujeito coletivo, como
urn ate de afirmacao de setores sociais ate entao excluidos do
cenario of icial, foi logo elaborada por testemunhas, que chama-
ram a atencao para novos personagens que alteravam os roteiros
preestabelecidos. A partir de abordagens e interesses diversos, 0
que as diferentes interpretacoes mostravam era 0 f a to de 0 con-
f lito fabril ter extravasadoo contexto sindical e, exprimindo uma
: 1 .
4. A cancao, no caso, tinha por titulo Pra nao dizer que nao falei de
f lores , mas f icou .conhecida como Ca~inhando . De autor ia de Geraldo
Vandre, f oi por ele apresentada no Festival da Cancao do Rio de Janeiro
em 1967 e imediatamente tornou-se um dos hinos da contestacao daqueles
anos. Seu ref rao diz:
Vem, vamos embora, que esperar nao
e
saber,
Quem sabe faz a hora, nao espera acontecer ,
E
e
acompanhado das seguintes estrof es:
Pelos campos a f ome em grandes plantacoes,
Pelas ruas marchando indecisos cordoes,
Ainda f azem da flor seu mais forte ref rao,
E acreditam nas flores vencendo
0
canhao.
Ha sold ados armados, amados ou nao,
Ouase todos perdidos, de armas na mao,
Nos quar teis Ihes ensinam uma antiga Iicao,
De morrer pela patria e viver sem razao.
Nas escolas, nas ruas, campos, construcoes,
Somos todos soldados, armados ou nao,
Caminhando e cantando e seguin do a cancao,
Somos todos iguais, braces dados ou nao,
Os amores na mente, as flores no chao,
A certeza na f rente, a hist6ria na mao,
Caminhando e cantando e seguin do a cancao,
Aprendendo e ensinando uma nova Iicao .
A rmisica f oi proibida pelo regime militar e, desde
0
comeco dos
anos 70, adotada pelos grupos comunitarios como expressao de res is-
tencia.
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disposicao coletiva de auto-afirrnacao, aberto urn novo espaco
para a expressao politica dos trabalhadores.f
Duas imagens
Quanto a mim, iniciei meu estudo interrogando-me sobre 0
significado e
0
alcance das mudancas observadas no comporta-
mento das classes populares na vida politica do pais e particular-
mente em Sao Paulo.
Patti do que me pareciam como algumas evidencias: as
votacoes recolhidas pelo MDB nas eleicoes a partir de 1974, a
extensao e as caracteristicas de movimentos populares nos bairros
de perif eria da Grande Sao Paulo, a f ormacao do chamado
Movimento do Custo de Vida ,
0
crescimento de correntes
sindicais contestadoras da estrutura ministerial tutelar, 0 apare-
cimento das comunidades de base, as greves a partir de 1978, a
formacao do Partido dos Trabalhadores seriam manifestacoes
de urn comportamento coletivo de contestacao da ordem social
vigente.
Esses acontecimentos todos produziam urn flagrante contras-
te com uma imagem bem estabelecida sobre os trabalhadores.
Para ilustra-la, tomo simplesmente algumas referencias recolhidas
5. Veja-se K. Munakata, op . cit.; J. A. Moises, Qual e a estrategia do
novo sindicalismo? in A lternativ as p op ulares d a d em ocracia, Vozes,
1982; J . Humphrey, Operarios da industria automobilistica no Brasil:
novas rendencias no movimento trabalhista
in E stud os C ebrap ,
n
23,
1979; R. Antunes (coord.), Por urn novo sindicalismo in
Cadernos
d e
Debate, n. 7, Brasiliense, 1980; P. Sandroni e E. Sader, Lutas operarias e
tatica da burguesia: 1978/80 in
Cadernos PUC, n
7, Cortez, 1981
A .
Maroni, A estrategia da r ecusa, Brasiliense, 1982; M. A. Garcia, Sao
Bernardo: a (auto) construcao de urn movimento operario
in De sv io s,
n. 1 1982.
6. Para os significados das eleicoes, ver: B. Lamounier e F. H. Cardoso
(coords.), Os par tido s e as
eleicoes
no Brasil, Paz e Terra, 1978; e B.
Lamounier (org.), Voto d e d es coniia nca, Vozes, 1980. as demais aspectos
serao tratados neste texto.
30
sem maior esf orco. A comecar com palavras deixadas pelo
superintendente geral da
F iat
no Brasil no corneco dos anos 70:
•A disciplina, a dedicacao ao trabalho, 0 entusiasmo dos trabalha-
dores brasileiros contrastam profundamente com as agitayoes e
. convulsoes que afligern atualmente todos os paises desenvolvidos da
area capitalista ... 7
Esse quadro idilico teria se dado devido it integracao dos
operarios it ordem social. Em troca da sua dedicacao ao trabalho,
os operarios estariam desfrutando as benesses do bem-estar. E
como aparece numa reportagem publicada em varies mimeros
do
[ornal do Brasil
em 1976 e citada por
J .
F. Rainho:
... mais preocupado como conforto em sua casa pr6pria, substi-
tuindo pelo televisor as pecas de carater libertario e propagandista
que ele pr6prio (sic) organizava no corneco do seculo, 0 operario
brasileiro de hoje incorporou-se
11
sociedade de consumo e ja
niio
pensa como os pioneiros italianos, em geral anarquistas que traba-
Ihavam nas Iabricas ate 1930 e se orgulhavam de seu papel na
hist6ria
.8
A ligeireza das generalizacoes nem merece comentarios. 0
que interessa
e
que essa representacao de passividade e confor-
mismo se assenta numa tradicao bem estabelecida no pensa-
mento politico brasileiro, com a montagem hist6rica de urn
paradigma que def ine os parametres atraves dos quais. foram
representados os trabalhadores.? Desde Oliveira Vianna, a hete-
rogeneidade interna, a dispersao e urn comportamento atomizado
por parte dos trabalhadores, expressando uma incapacidade de
universalizacao de seus objetivos, seriam determinados pelas
proprias caracteristicas da formacao hist6rica da sociedade bras i-
7. Citado nas Resolucoes do 1 Congresso dos Metahirgicos de
Sfio
Bernardo do Campo , 1974.
8. J. Neumanne Pinto e M. Ines Caravaggi, 0 perfil do operario bras i-
leiro de hoje in
[ ornal
do Brasil, janeiro 1976, cit. por J. F. Rainho in
Ospeoes do
G rand e A BC ,
Vozes, 1980, p. 13,0 sic
e
meu. .
9. Cf. Paoli, Sader e Telles, op . cit. e tambem M. Celia Paoli e E. Sader,
Sobre 'classes popularesno pensamento sociologico brasileiro in R.
Cardoso (org.), A aven tu ra ant ropol 6g ic a, Paz e Terra, 1986.
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leira, do seu Estado e sua industrializacao. Os resultados de
experiencias historicas foram vistos como atributos determinados
pela propria estrutura social. E ai se cristaliza uma imagem da
classe incapaz de
acao
autonoma.
As derrotas sof ridas pelo movimento operano em 1964 e
1968 tiveram urn primeiro efeito de reforcar a imagem de impo-
tencia. Por algum tempo
0
trabalho de F. Weffort sobre as greves
de Osasco e Contagem - onde dizia que 0movimento operario
nao pode ser visto apenas como dependente da historia da socie-
dade mas tambem como sujeito de sua propria historia' ? -
permaneceu tao sufocado quanta os agentes daqueles movimentos.
Af inal, a consolidacao do regime militar no inicio da decada se
fazia sobre -a pulverizacao e 0 silencio dos movimentos sociais.
Nas interpretacoes e narrativas desse momenta quase nada en-
contramos a respeito das praticas dos trabalhadores. E numa
sociedade impulsionada pelos ritmos da acumulacao de capitais,
os discursos dominantes pass am a ser os dos economistas, nos
quais os trabalhadores so aparecem como fatores da producao.
Como ultimo exemplo sobre
0
sumico dos operarios nos discursos
desse momento, lembro urn alentado volume intitulado A indus-
tria automobilistica e a 2.a Revoluciio Industrial no Brasil, escrito
pelo empresario Ramiz Gattas, que consegue falar de tudo que
envolveu essa gesta - as origens do ramo, 0 papel dos diferentes
governos, as vicissitudes da politica cambial, debates publicos
com circulos antiindustriais , a fundacao da ANFAVEA, dis-
.cussoes na FIESP, divergencias com os agricultores, sem precisar
gas tar nenhuma das suas 500 paginas para ref erir-se aos tra-
balhadores.
E no entanto mudancas decisivas ocorreram no curso da
decada, mas atraves de progressivos deslocamentos de senti do tao
sutis que demandaram tempo para mostrarem-se em sua intei-
reza. Pequenos atos, que ate entao seriam considerados insigni-
. f icantes ou reiteracao de uma impotencia, comecam a receber
novas conotacoes. Manifestacoes incapazes de incidir eficazmente
10. F. Wef for t, Part icipacao e conf lito industrial: Contagem e Osasco
- 1968
in Cadernos Cebrap,
n. 5, 1972, p.
10.
32
sobre a institucionalidade estatal - antes interpretadas como
sinal de imaturidade politica ---...:comecam a ser valorizadas como
expressao de resistencia, de autonomia e criatividade. Creio que
estas mudancas constituem urn efeito retardado e mais profundo
das derrotas dos anos 60. Elas express am uma crise dos referen-
ciais politicos e analiticos que balizavam as representacoes sociais
sobre 0 Estado e a sociedade em nosso
pais.
E no quadro dessa
crise que intelectuais (academicos ou militantes) deixam de ver
o Estado como lugar e instrumento privilegiados das rnudancas
sociais e cornecam a enfatizar uma polarizacao - as vezes ate
maniqueista - entre sociedade civil e Estado. Recorro mais uma
vez a Weffort:
A decepcao, mais ou mais generalizada, com
0
Estado abre cami-
nho, depois de 1964 e, sobretudo, depois de 1968,
a
descober ta da
sociedade civil. Mas nem por isso tera sido, em primeiro lugar, uma
descoberta intelectual. Na verdade, a descoberta de que havia algo
mais para' a polit ica alern do Estado corneca com os fatos mais
simples da vida dos perseguidos. Nos momentos mais dif iceis, eles
tinham de se valer dos que se encontravam
a
sua volta. Nao havia
partidos aos mais se pudesse recorrer, nem tribuna is nos quais
se pudesse conf iar. Na hora dif icil,
0
primeiro recurso era
a
familia,
depois aos amigos, em alguns casos tarnbern aos companheiros de
trabalho. Se havia alguma chance de def esa havia que procurar um
advogado corajoso, em geral um jovem recern-Iorrnado que havia
f eito poif tica na Faculdade. De que estamos f alando aqui senao da
sociedade civil, embora ainda no estado molecular das relacces
interpessoais? A unica instituicao que restava com f orca bastante
para acolher os perseguidos era a Igreja
Catclicat.u
E e da experiencia tensa do terror de Estado que Weffort
deriva a elaboracao da sociedade civil e a alteracao do proprio
modo de abordar as quest6es politicas:
N os queriamos ter uma sociedade civil, precisavarnos dela para
nos defender do Estado monst ruoso
a
.nossa frente. 1sso significa
que, se nao existisse, precisariamos inventa-la. Se fosse pequena,
precisar iamos engrandece-la ( . ) E evidente que, quando Ialo aqui
de 'invencac ou de 'engrandecimento, nao tome estas palavras no
11 F. Wef fort ,
Par que democraciar ,
Brasiliense, 1984, p. 93.
33
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sentido de propaganda artif iciosa. Torno-as como sinais de valores
presentes na a~ao politica, e que the conf eriam sentido exatamente
porque a a<;:ao pretendia torna-los uma realidade
t.t-
.Estavamos nesses momentos de crise nos quais se alteram
as propriasqueetoes e os f ingulos desde os quais a sociedade
se interroga. Nisso consiste a invencao de que fala Weffort,
assinalando
0
campo das experiencias vividas .de onde brotam
as especulacoes teoricas, Foi da experiencia do fechamento do
Estado que ele deixou de ser visto como
0
parametro no qual
se media a relevancia de cada manifestacao social.P Comecam
a surgir interrogacoes sabre as potencialidades de movimentos
sociais que s6 poderiam se desenvolver fora da institucionalidade
estatal, Como disse Wef fort, esse nao e urn movimento pura-
mente intelectual, As ideias aqui correspondem - is to e, tanto
manifestam quanto produzem - a emergencia de novos padroes
de praticas coletivas. Essa nova valorizacao da sociedade civil
expressava uma alteracao de posicoes e significados na sociedade,
que se mostravam tanto nas categorias de pens amen to quanto
nas orientacoes das acoes sociais.
Se formos examinar as ideias formuladas sobre as praticas
e as condicoes de existencia dos trabalhadores, perceberemos uma
signif icativa diferenca entre as representacoes elaboradas no
inicio da decada de 70 e as feitas ao findar da decada, Na
primeira metade dos anos 70 as classes trabalhadoras foram vistas
completamente subjugadas pela logica do capital e pela domina-
<;:ao de urn Estado onipotente. Divididas pela concorrencia no
mercado de trabalho e pelas estrategias ernpresariais. atomi-
zadas na qualidade de migrantes rurais que perdem suas ref e-
12. Idem, ibidem, p.
95.
13. Veja-se a tese de mestrado de Vera Silva Telles, A experiencia do
auioritarismo e prdticas instituintes,
USP, 1984.
'14. Veja-se E. Bacha, Os mitos de uma decada , Paz e Terra, 1976; M.
Conceicao Tavares,
Da substituiciio de importaciies ao cap ital ismo [ inan-
ceiro,
Zahar , 1974; P. Singer, 0 'Milagre Brasileiro: causas e conse-
quencias
in Cadernos Cebrap,
1972; F. Oliveira, A economia brasileira:
crftica Ii razao dualista
in Estudos Cebrap,
n. 2, 1972.
34
rencias culturais.na metropole, despolitizadas pela a<;:ao de urn
Estado queesvazia oureprime os mecanismos de representacao.
alienadase massificadas pelos meios de comunicacao. ? Ate mes-
mo suas estrategias de sobrevivencia apareciam funcionais a
reproducao capitalista: a autoconstrU<;:ao, rnecanismo 'pelo qual
a populacao mais pobre resolveu seu problema habitacional,
barateava os custos da reproducao da Iorca de trabalho, perrni-
tindo urn rebaixamento dos salaries reais; 18 0 aprendizado pro-
fissional, atraves do qual Iamilias de trabalhadores projetaram
uma ascensao social ou simplesmente protegeram-se num merca-
do de trabalho altamente competitivo, ao tornar-se urn processo
macico, terminou diminuindo os salaries reais dos operarios
qualificados. ? Essas observacoes, f eitas no campo das ciencias
sociais - sobre as praticas sociais dos trabalhadores, determi-
nadas ou subsumidas pela logica do capital e de seu Estado -,
correspondem aos registros deixados em depoimentos de operarios
e de militantes.
Ao f inal da decada varies textos passaram a se ref erir
a
irrupcao de movimentos operarios e populares que emergiam
com a marca da autonomia e da contestacao a ordem estabele-
cida. Era 0 novo sindicalisrno , que se pretendeu independente
do Estado e dos partidos.?? eram os novosmovimentos de
bairro , que se constituiram num processo deoauto-organizacao,
reivindicando direitos e nao trocando favores como os do pas-
sado; era
0
surgimento de uma nova sociabilidade em asso-
15. Veja-se M. Berlinck, Marginalidade social e relaciies de classe em
Siio Paulo,
Vozes, 1977; L. M. Rodrigues,
Trabalhadores, sind icatos e
industrializaciio,
Brasiliense, 1974; C. Menezes,
A mudanca,
Imago, 1976.
16. Veja-se F. H. Cardoso, 0 modelo politico brasileiro, Difel, 1977.
17. Veja-se S. Chucid, Televisiio e consciencia de classe, Vozes, 1977, e
M
Sodre,
0
monopolio da tala, Vozes, 1981
18. Veja-se F. Oliveira, op. cit,
19. Veja-se O. Romanelli,
Historia da educaciio no Brasil 1930/1973,
Vozes, 1978; V. Paiva, Estado, sociedade e educacao no Brasil in
Encontros com a Civilizaciio Brasileira, n,
22, 1980.
20. Veja-se a nota 5.
2 Veja-se V. Telles, Movirnentos populares nos anos 70: f ormas de
organizacao . e expressao , relat6rio Ii Fapesp, 1981 S. C. Bava, Movi-
mentos reivindicativos urbanos na Grande Sao Paulo: urn estudo de
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ciacoes comunitarias onde a solidariedade e a auto-ajuda se con-
trapunham aos valores da sociedade inclusiva.P eram os novos
movimentos sociais , que politizavam espacos antes silenciados
na esfera privada.P De onde ninguem esperava, pareciam emergir
novos sujeitos coletivos, que criavam seu proprio espaco e
requeriam novas categorias para sua inteligibilidade.P'
Isso tudo exige maior discussao. Mas para os objetivos deste
capitulo - on de estou procurando expor as circunstancias e as
caracteristicas da configuracao do meu tema de estudo - essa
descricao ja basta para entender por que, em meio a pesquisa,
eu me dei conta de que a forrnulacao primeira - de que eu
estava diante de uma passagem de padr6es de legitimacao da
ordem para outros, de contestacao - era incapaz de dar conta
do Ienomeno. Eu nao estava simplesmente diante de urn mo-
mento de ruptura nos padr6es de legitimacao da ordem. Inclusive
porque nem essa contestacao era tao generalizada, nem a legiti-
macae
0
havia sido. Eu estava, sim, diante da emergencia de uma
nova conf iguracao das classes populares no cenario publico. Ou
seja, nao apenas em comparacao com os padr6es do inicio da
decada, mas tambem - e sobretudo - com os de periodos
historicos anteriores,
0
fim dos anos 70 assistia
a
emergencia
de uma nova configuracao de classe. Pelos lug ares onde se
constituiam como sujeitos coletivos; pela sua linguagem, seus
temas e valores; pelas caracteristicas das acoes SOCialS em que
se moviam, anunciava-se
0
aparecimento de urn novo tipo de
caso , relat6rio
a
Fapesp, 1980; P. Singer e V. C. Brant,
Siio Paulo:
° povo em movimento,
Vozes, 1980; T. Evers, Movirnenros de bairro
em Sao Paulo:
0
caso do 'Movimento do Custo de Vida
in Alternativas
populares d a d emocracia,
Vozes, 1982.
22. Veja-se Singer e Brant,
op. cit.;
C. Boff, A inf luencia polit ica das
comunidades eclesiais de base in Religiiio e Sociedade, n. 4, 1979; C.
Perani, CEBs: alguns questionamentos in Cadernos do CEAS, n. 56,
1978; f rei Bet to, 0
que siio comunidades eclesiais de base,
Brasiliense, .
1981
23. Veja-se M. Celia Paoli, Mulheres: oIugar, a imagem,
0
movimento
in Perspectivas antropologicas da mulher,
4, 1985.
24. Veja-se M. Celia Paoli, Os trabalhadores urbanos nas falas dos
outros
in Comunicaciio,
n. 7, do Museu Nacional UFRl. 1982.
36
expressao dos trabalhadores, que poderia ser contrastado com
0
libertario, das primeiras decadas do seculo, ou com
0
populista,
apes 1945,25 A pes qui sa teria de dar conta da natureza dessa
nova configuracao.
De es tr utu ra s a exp e riencia s
Quando elaborei na sua primeira forma 0 projeto desta
pesquisa, eu manifestava uma insatisfacao com 0 que me apare-
cia como modos dominantes de caracterizacao dos processos de
reproducao social. Para uma vertente, a reproducao social parecia
assegurada pela coercao do Estado militar. Para outra, pelos
automatismos econornicos da acumulacao capitalista. Para outra
ainda, pel a alienacao ideologica produzida nas classes domina-
das. Em todos esses casos, as acoes das classes socia is aparecem
como simples atualizacoes de estruturas dadas. E dai, simples-
mente passivas ante os mecanismos de reiteracao da ordem, as
alteracoes desta tambem teriam de ser explicadas por alteracoes
daqueles mecanismos estruturais. Nesse registro, a propria ideia
da constituicao de sujeitos coletivos desempenhando algum papel
criador nos process os historicos nao fazia muito sentido.
Na caracterizacao de uma crise da sociologia classica, f eita
por Alain Touraine num livro com 0 sugestivo titulo de Le
retour d e l acteur, reconhecemos uma problernatica similar.
Segundo Touraine, a sociologia se constituiu como urn modelo
de analise da vida social no qual 0 sistema social aparece levado
por urn movimento que vai da tradicao a modernidade, da Ie
a razao, da reproducao a producao, da comunidade a sociedade.
Tal modele teria entrado em crise em decorrencia de aconteci-
mentos historicos que destruiram a crenca nessa evolucao que
25. Para uma expcsicao do tipo libertario, veja-se A. Sirnao,
Sindicato
e Estado, Dominus, 1976; B. Fausto, Trabalho urbano e con/ lito social,
Difel, 1976; F. Foot Hardman,
Nem pdtria, nem p atriio,
Brasiliense,
1983. Para
0
tipo populista, veja-se L. M. Rodrigues,
Sindicalismo
e
con-
[ l i to industrial no Brasil , Difel, 1966; F. Weffort, Sindicato e politica
tese de livr e-docencia, USP, 1975.
37
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harmonizaria ordem e progresso. Sem pretender expor toda a
Iinha de raciocinio do autor, aponto a importancia que ele coloca
na relacao entre ator - ou sujeito - e sistema:
0 aspecto mais importante da sociologia classica esta em que,
criando grandes conjuntos historicos portadores de sentido neles
mesmos, ela reduzia a analise da as;ao social
I
pesquisa da posicao
do ator no sistema. A sociologia da as;ao recusa essa explicacao
do ator pelo sistema. Ela ve, pelo contrario, em toda situacao, 0
resu ltado de relacoes ent re os atores, def inidos por suas orientacoes
cu lturais como por seus conf litos sociais .26
Pois quando observamosos traces dos movimentos SOClalS
ocorridos em Sao Paulo nos anos 70, nos nos damos conta de que
eles dif icilmente podem ser explicados pela exposicao das con-
dicoes dadas , decorrentes do sistema social: os padr6es da
acurnulacao capitalista,
0
desenvolvimento urbano (ou sua crise),
a f orma do Estado. Das condicoes do chamado milagrebrasi-
leiro , com suas f atias de superexploracao para tantos e vanta-
gens para outros, nao se consegue deduzir nem as mudancas no
comportamento sindical, nem as motivacoes presentes nas comu-
nidades de base, nem a emergencia de donas de cas a das peri-
f erias em mobilizacoes de bairro do modo como
0
fizeram,nem,
alias, qualquer uma das tendencies presentes ria acao das classes
sociais.
Na verdade e sempre possivel relacionar os processos sociais
concretos a caracteristicas estruturais , so que esse procedimento
nao adiciona uma virgula a cornpreensao do Ienomeno. Apenas
da a aparencia de seguranca teorica, ao situar urn caso particular
num esquema interpretativo consagrado. Tomemos por exemplo
os clubes .de maes, que se generalizam pela Grande Sao Paulo
no correr dos anos 70. Eles podem ser vistos e explicados como
expressao das contradicoes geradas pelo capitalismo nas condi-
C;;6es brasileiras , como resposta popular as carencias sociais
ditadas pelos padr6es de desenvolvimento vigentes, pela ausen-
cia de canais institucionais de manifestacao. Sao, assim, reduzi-
dos ao campo geral das lutas de urn setor da classe operaria
26. A. Touraine,
Le retour de l acteur,
Fayard, Paris, p. 35.
38
para a defesa das condicoes de reproducao da forca de trabalho .
o iinico problema consiste em que desaparecem, nesse processo,
as caracterf sticas singulares que mais chamam a atencao se nos
debrucamos para examinar
0
fenorneno em sua originalidade.
No caso, os padr6es cornunitarios, uma particular f ormulacao
das nocoes de justica e direito, a aversao pelo que e considerado'
politica, por exemplo, aparecem como simples traces conjun-
turais de urn processo generico sempre
0
mesmo.
A impossibilidade de apreensao da natureza dos novos
movimentos sociais atraves de uma analise centrada nas chamadas
determinacoes estruturais f icou evidente apes 0 estudo pioneiro
de Maria Herminia T. Almeida sobre 0 novo sindicalismo.i Ela
detectou que havia algo novo acontecendo no sindicalismo, par-
ticularrnente no Sindicato dos Trabalhadores nas Industrias
Metahirgicas de. Sao Bernardo. Voltou-se para a analise da estru-
tura produtiva das indiistrias e para a analise da organizacao
sindical moldada pela CLT. Verif icou que as transf orrnacoes
ocorridas na base produtiva nao f oram acompanhadas por uma
adequacao na legislacao sindical e provocavam uma crise no
sindicalismo. Nas indiistrias modernas, de onde surgem novas
tematicas, surge tambem urn novo sindicalismo. Mas entao, apes
ref erir-se brevemente aos pontos programaticos dessa nova
corrente sindical, extrai uma conclusao sobre sua orientacao
ideologies:
Em resumo, pareceria que a
ideologia
dessa nova corrente sindical
seria algo proximo ao 'sindicalismo de negocios ( . ) norte-ameri-
cano: combativo, 'apolitico , solidamente implantado na empresa,
tecnicamente preparado para enf rentar e resolver os problemas
gerais e especif icos de seus representados .28
A forca de tal orientacao viria do fato de estar at urn
projeto organizatorio e polf tico-sindical mais af inado com os inte-
resses do setor 'mcderno dos assalariados f abris .
29
27. M. Herminia Almeida, 0 sindicato no Brasil: novos problemas,
vel has estruturas
in Debate e Critica, n,
6, 1975.
28. Op .
cit.
p.
73.
29. Op.
cit.
p. 71
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4
A trajetoria do sindicalismo metalurgico de Sao Bernardo
refutaria esse prognostico de Maria Herminia Almeida. mos-
trando-se muito dif erente do pragmatismo apolitico do sindica-
lismo de negocios norte-americano. Mas
0
que nos interessa
agora
e
buscar os pontos na sua elaboracao que a levaram de
uma tao cuidadosa analise das relacces entre estrutura industrial
e legislacao sindical para uma tao def iciente caracterizacao das
orientacoes dos agentes sociais af implicados .
E creio que 0 problema central esta no modo como ela usa
a nocao de interesses . Quando ela diz que 0 projeto daquela
corrente sindicalista correspondia aos interesses do setor mo-
demo dos assalariados fabris, poupando-se de qualquer analise
especif ica sobre os valores assumidos por tais agentes, era como
se aqueles interesses decorressem naturalmente das caracteristicas
das industrias onde estavam empregados. Mas, entao, seriam
inexplicaveis as diversidades de orientacoes entre correntes sindi-
cais assentadas em setores industriais com estrutura produtiva
similar.
Tambem nos primeiros estudos sobre os movimentos sociais
urbanos predominavam as explicacoes das caracteristicas de
combatividade e autonomia com que emergiam pelos novos
padroes da acumulacao capitalist a no pais. Obrigado a intervir
diretamente na producao,
0
Estado perderia toda sua ambigiii-
dade e deixaria cair suas mascaras. Urn Estado incapaz de asse-
gurar as condicoes necessarias para a propria reproducao da
Iorca de trabalho aparecia como alvo - logo entendido como
inimigo - dos movimentos sociais com que os trabalhadores
buscariam defender esses interesses negados.
30. Mas caberia dizer que mesmo antes disso
J.
Humphrey elaborava
uma caracterizacao do sindicalismo de Sao Bernardo que pareceria con-
firmada por seu desdobramento. Ver
J .
Humphrey,
op. cit.
31 Veja-se, por exempio, F. Oliveira,
Elegia para uma reiliigiiio,
Paz
e Terra, 1977, a p. 103: A 'debacle do populismo nao e outra coisa
senao a dissolucao da arnbigilidade do Estado, determinada pelo movi-
mento de centralizacao do capital. 0 Estado e agora produtor de mais-
valia e segue-se a isto que
0
seu carater repressor e opressor nao pode mais
ser mascarado . Uma aplicacao dessa tese mais particularmente para a
4
Tal tipo de interpretacao ja se defrontou com as dificuldades
expostas .pelo proprio curso do processo politico no pais. Com
a constituicao do regime civil da Nova Republica , 0 Estado
continua desempenhando urn papel decisivo na propria acumu-
lacao capitalista, mas dificilmente se poderia dizer que ele esta
despido de toda ambigiiidade e de toda mascara. Mas, afinal,
quem fala em ambigiiidades e mascaras esta obrigado a falar
nos processos d e atribuiciio de signif icado e no mundo simbolico
que definem fatos sociais nesses termos. Mais uma vez, ao fazer
as caracteristicas politicas derivarem diretamente de fatores eco-
nomicos, 0 analista opera uma naturalizacao destes, perdendo
a dimensao daquilo que os antropologos chamaram de enorme
plasticidade do organismo hurnano : ou seja, a grande gama de
respostas possiveis diante de uma mesma solicitacao dada.P Ou
poderiamos, para ficar entre os sociologos, nos remeter aos estu-
dos de Max Weber sobre os tipos de dominacao legitima, onde
precisamente a legitimidade da dominacao (ou suas ambigiiida-
des, ou suas mascaras ... ) nao
e
dada por si mesma, mas pelo
senti do que faz para os agentes socia is implicados.P Ou, final-
mente, no campo do marxismo, poderiamos nos remeter aos estu-
dos de Gramsci sobre os mecanismos da hegemonia, pel a qual
uma classe dominante obtem 0 consentimento dos dominados.v'
o fato e que, pretendendo explicar movimentos sociais por
determinacoes estruturais, os analistas chegam a impasses in-
sohiveis.
analise dos movimentos sociais urbanos encontra-se em 1 Alvaro Moises,
Contradicoes urbanas, Estado e movimentos sociais
in Revista de
Cultura e Politica, n. 1 1979. Esse tipo de explicacao predominou nos
estudos pioneiros sobre movirnentos sociais urbanos no Brasil.
32. Mais particularmente a pesquisa etnol6gica se sobrepos as ideias
acerca de demand as e necessidades enquanto dados naturais que rece-
beriam respostas culturais. Desde, peio menos, Marcel Mauss,
0
conjunto
das instituicoes sociais configura urria totalidade que ja pertence ao
dominie da cultura.
33. M. Weber,
Economia y sociedad,
FCE, Mexico, 1944. Veja-se, nessa
linha, a articulacao operada por M. Lucia Montes em 0 poder e a
cuitura: novos temas, velhas reflexoes ,
mimeo, 1981
34. Ver A. Gramsci, Literatura e vid a nacional, Civilizacao Brasileira,
1968. I
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Urn deles apareceu para aqueles que, querendo falar da
autonomia dos movimentos sociais, apontavam-na como decor-
rente de determinacoes da estrutura politics e economics. Tais
movimentos seriam autonomos porque, buscando as condicoes
necessarias para a reproducao da Iorca de trabalho, encontravam
urn Estado que se antepunha inflexivelmente a tais interesses.
Ainda que tal explicacao pudesse dar conta da realidade empirica
observada
(0
quee duvidoso), a nocao mesilla de autonomia ai
veiculada fica bastante mutilada. Seria uma autonomia diante do
Estado (mas entao melhor teria sido dizer antagonismo ), mas
nenhuma autonomia haveria no sentido de urn papel criativo
na hist6ria.
Outro esta nessa ideia de condicoes necessarias
a
repro-
ducao da Iorca de trabalho e que necessariamente nao seriam
satisfeitas devido aos padr6es da acumulacao capitalista. Segundo
Marx, em cuja obra se inspiram os formula dores dessa explica-
<;:ao para as contradicoes urbanas, as condicoes necessarias
a
reproducao da Iorca de trabalho sac definidas historicamente,
correspondendo a urn nivel instituido socialmente (pelas lutas de
classe, pel a cultura). Assim, como sac necessidades sociais se
sao necessariamente nao satisfeitas? Onde estao instituidas en-
quanto necessidades? 0 paradoxo ja foi apontado por Edison
Nunes em sugestiva comunicacao a respeito dos estudos ,sobre
movimentos reivindicativos
urbanos.
Uma conclusao extraida da observacao desses impasses
e
que nao se po de deduzir orientacoes e comportamentos de
condicoes objetivas dadas . Tais deducoes pressup6em uma
nocao de necessidades objetivas que moveriam os atores sem
as mediacoes simb6licas que as instituem enquanto necessidades
sociais. Quem pretender cap tar a dinamica de movimentos sociais
explicando-os pelas condicoes objetivas que os envolvem e pou-
pando-se de uma analise especifica de seus imaginaries pr6prios
ira perder aquilo que os singulariza. Ira perder, por exemplo,
35. Veja-se 0 ite m Compra e venda da Iorca de trabalho in K. Marx
El capital, vol. I, cap IV, FCE, Mexico, 1946, p. 124.
36. E. Nunes, Carencias urbanas e reivindicacoes populares
n,
mimeo,
CEDEC, 1985. .
42
aquilo que diferenciou a lideranca metahirgica de Sao Bernardo
da direcao sindical dos metahirgicos de Sao Paulo, ou uma comu-
nidade de base de uma sociedade de amigos de bairro. 0 que,
em definitivo,
e
deixar escapar 0 principal.
Fui levado, por isso, ao estudo dos precessos de atribuicao
de significados, pelos quais uma ausencia e definidacomo caren-
cia e como necessidade, e pelos quais certas acoes sociais sac
definidas como correspondendo aos interesses de uma co1etivida-
de. Refiz, assim, 0 percurso das ciencias sociais erne dei conta de
que sua crise se expressa na perda de poder explicativo dos mo-
delos globais que a sustentaram, mas nao implica a irrelevancia
das contribuicoes de seus autores para 0 conhecimento da vida
social, mesmo no que ela apresenta de mais atual.?
Para a questao que neste momenta esta colocada - da
mediacao entre estruturas dad as e acoes sociais desenvolvidas -,
exponho os pontos que me servem de referencia no estudo feito.
Com relacao a elaboracao cultural das necessidades, e certo
que os diferentes movimentos sociais aqui tratados, encontrando-
se numa mesma sociedade, partilham de uma mesma def inicao
daquilo que e necessario - dos alimentos que saciam a fome,
dotipo de vestimenta que os abriga e os exp6e, do signif icado
da casa, dos meios de transporte, do lazer etc. E certo que,
constituindo-se no campo generico das chamadas classes traba-
lhadoras, tais movimentos se inscrevem num conjunto de praticas
que podem ser identif icadas como lutas pela obtencao de bens
e services que satisfacam suas necessidades de reproducao, Isso
e compartido pelos clubes de maes do Grajau, pelos movimentos
dos favelados de Itaquera, pelos membros do sindicato dos meta-
, lurgicos de Osasco. Ainda assim, 0 modo como 0 fazem (que
tipo de acoes para alcancar seus objetivos), tanto quanta a
importancia relativa atribuida aos diferentes bens, materiais e
simb6licos, que reivindicam, depende de uma constelacao de
significados que orientam suas acoes,
Depende, em primeiro lugar, do signif icado daquilo que
def ine urn determinado grupo enquanto grupo, quer dizer, sua
37. A. Touraine, op . cit.
43
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. identidade. Nao se trata de alguma suposta identidade essencial,
inerente ao grupo e preexistente as suas praticas, mas sim da
identidade derivada da posicao que assume. Tal identidade se
encontra corporif icada em instituicoes determinadas, onde se
elabora uma hist6ria comum que the da substancia, e onde se
regulam as praticas coletivas que a atualizam. Quem sac os
sujeitos em questao? Sao membros de um sindicato? Militantes
de urn partido? Participantes de uma comunidade de base?
Depende, em seguida, do modo como se articulam objetivos
praticos a valores que dao sentido a existencia do grupo em
questao. Podem lutar por benfeitorias para um bairro sem querer
imiscuir-se nos conflitos politicos por respeito a ordem vigente.
Podem lutar por tais melhorias atraves de uma mobilizacao
politica que imaginam contribuir para a transformacao da socie-
dade. Podem lutar pela defesa de melhores condicoes de trabalho
como afirmacao de uma dignidade coletiva. E
dai
por diante .
Depende finalmente - e talvez sobretudo - das expe-
riencias vividas e que f icaramplasmadas em certas representacoes
que ai emergiram e se tornaram formasde 0 grupo se identificar,
reconhecer seus objetivos, seu inimigos, 0 mundo que 0 envolve .
Estava assim em condicoes de repensar as relacoes entre
as condicoes de existencia postas para os trabalhadores e as
caracteristicas dos movimentos sociais. E recorro ao modo como
E. P. Thompson concebe a constituicao hist6rica das classes
sociais:
As classes acontecem
a
medida que os homens e mulheres
vivem
suas relacoes de producao e experimentam suas situacoes determi-
nantes, dentro do 'conjunto de relacoes sociais com uma cultura e
expectativas herdadas, e ao modelar essas experiencias em formas
culturais ,38
Ernbora as pessoas se encontrem, de saida, numa sociedade
estruturada ja de determinada maneira, a constituicao historica
das classes depende da exp eriencia das condicces dadas,
0
que
38, E. P. Thompson, ;,Lucha de clases sin clases?
in Tradicion, revuelta
y
conciencia de clase,
Anagrama, p. 38.
44
implica tratar tais condicoes no quadro das significacoes cultu-
rais que as impregnam. E e na elaboracao dessas experiencias
que se
identiiicam interesses ,
constituindo-se entao coletividades
politicas, sujeitos coletivos, movimentos sociais. (E certamente,
na medida em que tais movimentos constituem urn agente ativo
na formacao social,mesmo aquela estrutura ja dada e tambem
produzida pelas interacoes e lutas de classe.)
E aqui f inalmente retorno a questao da passagem de uma
forma a .outra de configuracao social dos trabalhadores. Como
pensar a mudanca ocorrida? Se as mudancas nao podem ser
pensadas como se fossem resultado da a<;ao imperiosa de uma
realidade independente das vonta des dos atores sociais, elas
teriam entao sua fonte nest as vontades? Com efeito, uma reva-
lorizacao dos sujeitos sociais, pensados como senhores de suas
acoes , constituiu urn movimento intelectual de oposicao ao
objetivismo preexistente.t? Mas seguir essa trajet6ria seria
manter uma falsa dicotomia entre sujeitos e estruturas. Ora, os
sujeitos estao implicados nas estruturas objetivas da realidade.
Se considerarmos que a chamada realidade objetiva nao e
exterior aos homens, mas esta impregnada dos significados das
acces sociais que a constituirarn enquanto realidade social, temos
tambern de considerar os homens nao como soberanos indeter-
minados, mas como produtos sociais .
Quando Castoriadis, cuja I nstituicao imagindr ia d a socie-
d ad e
constituiu urn guia basico neste percurso intelectual, falou
de autonomia e de indeterminacao, nao pretendia ignorar 0 peso
do mundo objetivado .. Pelo contrario, disse mesmo que a socie-
dade se encontra pres a
entre as coercoes do real e do racional, sempre inserida em uma
continuidade hist6rica e por conseqiiencia co-determinada pelo que
ja se encontrava af, trabalhando sempre com urn simbolismo ja dado
e cuja manipulacao nao
e
livre .
39. Ver R. Cardoso, Movimentos socia is urbanos: balance entice
in
Sorj e Almeida (orgs.),
Sociedade e politica no Brasil p6s~64,
Brasiliense,
1983. Tambern: Paoli, Teles, Sader,
op, cit.
e L. A, Machado. da Silva e
A, C, Ribeiro, Paradigma e movimento social: por onde and am nossas
ideias? , Anpocs, 1984.
45
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Mas 0 que sustentou
e
que, ainda assim, 0 fazer hist6rico
estabelece e se da outra coisa que nao
0
que simplesmente e,
e que ha nele
signij icaciies
que nfio sf io nem ref lexo do percebido,
nem simples prolongamento e sublimacao das tendencies da anima-
lidade, nem elaboracao estritamente racional dos dados .40
-, 0 indeterminado nao cobre, portanto, todo 0 fazer hist6rico, .
mas constitui uma dimensao deste, atraves da qual uma capaci-
dade criadora da imaginacao produz novos significados. Essa
capacidade, que Castoriadis chama de imaginario radical , se
efetiva na hist6ria sob a forma de urn imaginado (ou imagi-
nario ef etivo ). Sac os sistemas de slgnif icacoes que estao na
base dos simbolismos de cada sociedade, das suas' instituicces e
dos fins aos quaisela subordina sua funcionalidade.
. Com essas ref erencias procurei pensar as alteracoes nas
praticas coletivas de trabalhadores, como reelaboracao do ima-
ginario constituido, atraves de novas experiencias, onde se pro-
duzem alteracoes de falas e deslocamentos de significados. Por
at surgem praticas instituintes.
D o card ter d e classe as coniig uracoes socia is
As referencias empiricas dos estudos sobreos movimentos
sociais sac as mais diversas: uma categoria sindical de trabalha-
dores, uma comunidade de base ou
0
conjunto das comunidades,
favelados de uma determinada favela ou de uma vila, moradores
de urn loteamento clandestino que se organizam, mulheres de
clubes de maes, 0 rnovimento popular pens ado como urn con-
junto de movimentos etc. Logo se colocou a questao de se
elucidar a relacao entre tais agrupamentos, empiricamente dados,
e a conceituacao das classes sociais. Se os estudos concretos
desvendaram formas originais de praticas coletivas, freqiiente-
mente encobertas por uma simplificada explicacao atraves das
40. C
Castoriadis, A instituiciio imagindria da sociedade, Paz e Terra,
1982, pp. 176-7.
46
classes sociais , por outro lado os conceitos que permitiriam
fundamentar tais estudos ficaram por ser feitos.
Colocada a questao, ela foi freqiientemente respondida com
urn esforco esteril para insetir as novas realidades nos velhos
esquemas. Assim, por exemplo, M. Gloria Gohn, preocupada
com a imprecisao nos estudos existentes, atribuiu a confusao
a
nao especificacao da natureza dos movimentos socia is urbanos e,
por outro (lado), no nao reconhecimento de que to do movimento
social tern sempre urn carater de classe, que esta inscrito em sua
pr6pria 16gica
.41
E considerando que por ai deteria a chave da compreensao
desses movimentos, ela conclui:
Conf orrne a classe social temos uma forma de manifestacao das
cont radicoes sociais e elas se expressam atraves de dif erentes f orm as
de lutas que irjio caracter izar movimentos sociais distintos .42
Segundo tal concepcao, movimentos sociais sac derivados
de diferentes classes sociais previamente configuradas. Seriam
como manifestacoes de uma essencia.
Eu nao considero que se deva abandonar a conceituacao
marxista da existencia objetivamente dada das classes sociais,
. sob a condicao de que nos entendamos bem a respeito do signi-
f icado dessa objetividade. Se pensarmos a realidade objetiva
como
0
resultado das
a90essociais que se obietivaram -
que
e portanto, concomitantemente exterior aos atores sociais e f ruto
reiterado de suas praticas institucionalizadas' -, poderemos
pensar a existencia objetiva da divisao de classes na sociedade
capitalista como uma realidade virtual , uma condicao vivida
e continuamente reelaborada. Classe social desse modo desig-
na uma condicao que e comum a urn conjunto de individuos.
Mas ela e alterada pelo modo mesmo como e vivida. Francisco
41
M.
Gloria Gohn, A
[ orca
da
perij eria,
Vozes, 1985, p. 46.
42. Idem, ibidem,
p. 49.
43. Ver P. Berger e T. Luckmann, A construciio social da realidade,
Vozes, 1978.
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de Oliveira, estudando a constituicao das classes e identidades
de classe em Salvador atraves da relacao entre as esferas da
producao e da reprcducao, observa que para tal pesquisa
faz-se necessario ater-se em primeiro
lugar
a objetividade da
divisao social do trabalho ( . ) Mas a reprcducao nao
e
simples-
mente
0
eterno retorno da producao, que no caso transf ormaria os
resultados em reposicao dos pressupostos. A reproducao
e 0
movi-
mento no qual e pelo qual a objetividade se representa .44
A reproducao implica representacoes simbolicas pelas quais
os agentes se reconhecem, identif icam os demais e a si mesmos .
Esse processo incide necessariamente sobre as condicoes dadas
na esfera da producao,
A constituicao dos movimentos sociais implica uma forma
particular de elaboracao dessas condicoes (elaboracao mental
enquanto f orma de percebe-la, mas tambem elaboracao pratica
enquanto transformacao dessa existencia). Nesse sentido, movi-
mentos socia is operam cortes e combinacoes de classe, conf igu-
racoes e cruzamentos que nao estavam dados previamente.
Tomemos a celebre passagem do Dezoito Brumario, em
que Marx discute. a realidade de classe dos camponeses parce-
larios da Franca para explicar sua f orma passiva de represen-
tacao atraves de Luis Bonaparte:
Na medida em que milhoes de familias camponesas vivern em
condicoes econornicas que as separam umas das outras, e op6em
0
seu modo de vida, os seus interesses e sua cultura aos das outras
classes da sociedade, estes milhoes constituem uma cIasse. Mas na
medida em que existe entre os pequenos camponeses apenas uma
ligacao local e em que a similitude de seus interesses nao cria entre
eles comunidade alguma, liga9ao nacional alguma, nem organizacao
politica, nessa exata medida nao constituern uma cIasse. Sao, con-
seqiientemente, incapazes de f azer valer seu interesse de cIasse em
seu pr6prio nome ( . ) Nao podem representar-se, tern que ser
representados
.45
44. F. Oliveir a, 0 elo perdido, Brasiliense, 1987, p. 12.
45. K. Marx, co Os pensadores, Abril, p. 403.
48
Estao ai presentes duas nocoes de classe: numa primeira,
objetivamente dada , a classe e definida pelas condicoes de
existencia; na segunda ela depende da elaboracao subjetiva ,
da organizacao dos sujeitos implicados. Nao se trata de escolher
entre as duas nocoes, mas de articula-las enquanto dois mo-
mentos indissoltiveis. A distincao entre os dois momentos tende
a passar desapercebida ou a nao ser problematizada quando a
representacao subjetiva aparece mais proxima a producao obje-
tiva, como nos casos em que urn movimento operario aparece
como representacao da classe operaria. No caso dos novos
movimentos sociais eles se dao no solo da condicao proletaria,
mas esta e elaborada de urn modo tal que os contornos classistas
se diluem.
B verdade que na tradicao marxista aquela dualidade se
articulou de urn modo bem particular: a realidade objetiva
criando uma classe em si e a tomada de consciencia dessa
realidade criando a classe para Si .47 Tal concepcao foi nitida-
mente expressada por dois marxistas franceses no curso dos
debates politicos do pos-f id, ao assumirem a defesa das posicoes
leninistas:
Lenin distingue cuidadosamente
0
sujeito te6rico-hist6rico da revo-
lucao
(0
proletariado como cia sse, que deriva do modo de producao)
e seu sujeito politico-pratico (a vanguarda que deriva da f ormacao
social) que representa nao ja
0
proletariado 'em si', dominado
econornica, politic a e ideologicamente, mas
0
proletar iado 'para si',
consciente do lugar que ocupa rio processo de producao . 48
Mas nao e obrigatorio que a distincao entre esses dois
niveis assuma essa f orma. T. Negri, por exemplo, articula uma
composicao tecnica da classe operaria , que corresponderia a
46. Veja-se as sugestoes de F. Oliveira, 0
elo perd ido, op . cit.
pp. 116-7.
47. Esta f ormulacao ja aparece em K. Marx, Miseria da [ilosoiia. Veja-se
a p. 209 da Ed. Costes .
48.
D. Bensaid e A. Nair, A proposito del problema de organizacion:
Lenin
y
Rosa Luxembourg
in Teoria marxista del p artido polit ico II ,
Pas ado
y
Presente, 1969, p. 14.
49
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composicao organica do capital, com uma composicao politica ,
que corresponderia a sua cultura e tradicao de
Iuta.
A discussao sobre as condicoes postas pela divisao capita-
. lista de trabalho social em nosso pais tern certamente sua
.importancia para a compreensao dos movimentos sociais. Mas
na verdade as maiores interrogacoes comecam a partir
dai, 0
que desaf iou a inteligencia dos que se interessaram pelo feno-
meno foi a emergencia de uma nova configuracao dos trabalha-
dores, uma outra identidade social, nova forma de representacao
coletiva. ·Por isso, se nossa pesquisa procurou cap t ar os ele-
mentos que conformaram a condicao proletaria em Sac Paulo,
ela se deteve particularmente no estudo dos movimentos sociais
que reelaboraram essa experiencia,
A id entiiica ciio d os s uj eitos
Tanto tenho usado a nocao de sujeito para nomear os movi-
mentos sociais que ja nao posso me f urtar a uma discussao
sobre
0
significado de talconceito. Poucas nocoes sap tao ambi-
guas, carregadas de sutilezas e mal-entendidos como essa, Se
num enunciado ela pressupoe a soberania do ator,
num
outro
pressupoesua sujeicao. Em suma, da f ilosof ia
a
lingiiistica,
pass ando pela psicanalise, pisamos num terreno minado, palco
das mais aces as polemicas. Nao se trata aqui, evidentemente, de
trilhar toda a hist6ria polemic a do conceito,
0
que nos levaria
pelo menos ate Descartes.P Mas estou obrigado a elucidar as';
significacoes implicadas nos termos usados nesta exposicao.
Urn primeiro motivo para
0
use dessa nocao consiste no
fato de que os agentes dos movimentos sociais aqui tratados
49. T. Negri, Del obrero-masa al obrero-social, Anagrama, Barcelona,
1980. Na mesma linha, ver S. Bologna, A composiy80de c1asse e a
teoria do partido na origem do movimento dos conselhos de trabalhado-
res
in P rocesso d e trabalho e estrateg ias d e classe,
Zahar, 1982.
50. Pude compreender melhor algo sobre 0 tern a sobretudo gracas ao
estudo das anotacoes de urn curso de Marilena Chaui sobre A morte
da consciencia na filosofia conternporanea .
50
.expressam uma insistente preocupacao na elaboracao das iden-
tldades coletivas, como forma do exercicio de suas autonomias.
Neste memento, portanto, 0 termo aparece mais como objeto
de analise do que como -instrumento conceitual. Assim, na fa-
rnosa assernbleia do Movimento do Custo de Vida, realizada a
2.0 de junho de 1976, dom Mauro Morelli, bispo da regiao sul,
proclamava que nos devemos ser sujeitos da nossa pr6pria
hist6ria .51
E foi provavelmente a partir das f alas que emergem dos
movimentos que muitos autores assumiram 0 termo e procura-
ram elabora-lo teoricamente. Tomemos uma rapid a amostragem:
J.
A. Moises, tratando das lutas dos metahirgicos de Sac
Bernardo:
, . talvez seja 0 caso de admitir a existencia de uma estrategia
subjacente a esses movimentos que apontam, precisamente, na
direcao da constituicao de urn novo sujeito coletivo. f a luta pela
cidadania que da conteudo ao movimento sindical que, para se
af irmar, acaba entr ando na polltica .52
J. C. Petrini, ao descrever 0 desenvolvimento de uma comu-
nidade de base:
Teve inicio assim 0 lento processo de agregacao popular ( . ) que
constituiu aquelas pessoas como urn
sujeito popular,
com uma
identidade propria, progressivamente conquistada, com a conscien-
cia de ter uma historia semelhante, problemas e esperancas comuns,
os mesmos valores, e tambem urn destino comurn
.53
L. Boff, caracterizando 0 processo de constituicao das comu-
nidades eclesiais de base, diz que:
. a massa, mediante as associacoes, se transform a num povo
que comec a a recuperar a sua memoria hist6rica perdida, elabora
uma consciencia de sua situacao de marginalizacao, constr6i urn
projeto de seu futuro e inaugura praticas de mobilizacao para
mudar a realidade circundante. .
51 Cf.
Cadernos
do
CEAS,
n. 45, 1976.
52. J. A. Moises, Qual
e
a estrategia . , op . cit. p. 36, gr ifos meus.
53.
J.
C. Petrini,
CEBs: um novo suj eito popular,
Paz e Terra, 1984,
p. 89.
51
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E na pagina seguinte, nome an do
0
mesmo processo:
. se eonstr6i sob a participaciio de todos, com a presenca forte
do povo organizado,
novo sujeito historico
emergente na sociedade
e na Igreja .54
S. Caccia Bava, referindo-se a uma pluralidade de praticas
dos trabalhadores que constituiram diversos movimentos sociais:
A articulacao destes ;;vos espacos publicos, a troea de experien-
eias e a criacao de novos valores entre os trabalhadores atraves
destes processos de rnobilizacao eolocam eomopossibilidade hist6riea
a expressao independente e autonorna dos trabalhadores e sua eons-
tituicao ienquano
sujeito politico
.55
Heloisa Martins refere-se ao programa de trabalho do
CEDI (Centro Ecumenico de Documentacao e Inforrnacao):
. volta do para a reconstrucao das lutas operarias na regiao do
ABC, com 0 objetivo de eolaborar na construcao de um
novo
suieito politico hist6rico .
56
E Tilman Evers, discutindo
0
significado nos novos movi-
mentos sociais:
. 0
que pode ser de relevancia pratica para os movimentos
sociais atuais sac os primeiros e timidos passos no sentido de
tornarem-se
sujeitos de sua
prop r ia histori a
.57
Encontramos variacoes no uso do conceito: em alguns casos
ele esta referido
a
capacidade de expressao no plano da politica
e em outros nao. Variacoes na sua relacao com os fatos empi-
ricos que nomeia: desde agrupamentos bem delimitados ate
0
54. L. Boff , E a lgreia se f ez povo, Vozes, 1986, pp. 58-9. 0 primeiro
grifo e dele, 0 segundo e meu.
55. S. Caccia Bava,
Pr aticas
cotidianas e movimentos sociais, dissertacao
de mestrado, USP, 1983, p. 9, grifos meus.
56. H. Martins, Igrej a e movimento
op erd rio
no
ABC -
1954-1975, tese
de doutoramento, USP, 1987, p. 15, grif os meus.
57. T. Evers, Identidade: a face oculta dos movimentos sociais in
N ovos Estudos, Cebrap, abril 1984, p. 18, grifos meus.
52
povo enquanto categoria historica. Mas urn trace comum e
o fato de a nocao de sujeito vir associada a urn
proj eto,
a partir
de uma realidade cujos contornos nao estao plenamente dados
e em cujo devir 0 proprio analista projeta suas perspectivas e
faz suas apostas. E outro trace comum, vinculado a este, e a
conotacao.com a ideia de autonomia, como elaboracao da propria
identidade e de projetos coletivos de mudanca social a partir das
proprias experiencias .
A rigor a constituicao de urn coletivo qualquer enquanto
sujeito nao implica sua autonomia. Temos varies exemplos
de sujeitos coletivos constituidos atraves de identidades que
lhes f oram atribuidas. Podemos pensar desse modo a identidade
dos trabalhadores formada pelo getulismo. Aquele vasto movi-
mento social constituiu-se certamente num ator social com inci-
dencia no cenario politico, e, no entanto, os padr6es atraves dos
quais ele se representava expressaram sua isubordinacao a urn
projeto que the era exterior.
58
Mas, se nao ha correlacao necessaria entre autonomia e
sujeito, 0 fa to e que' a autonomia presente nos movimentos
corroeu algumas das caracteristicas que constituem a nocao de
sujeito. De urn lade a pluralidade dos movimentos, sem a neces-
saria constituicao de urn centro estruturante , conspira contra
a ideia de urn sujeito historico capaz de ordenar a diversidade
e atribuir racionalidade aos dados. De outro, a extrema mutabi-
lidade dos movimentos, no sentido de que seus componentes
e'stao constantemente se transferindo de uma forma a outra de
manifestacao, conspira contra a sedimentacao de identidades
coletivas.
A nocao de sujeito ja havia sido alvo de uma artilharia
pes ada no interior da f ilosof ia, pelas suas conotacoes raciona-
listas. F. Guattari, que prefere
0
termo agenciamento coletivo
'de enunciacao - porque refere mais diretamente a expressao
subjetiva aos processos singulares de constituicao coletiva _,
num texto escrito com T. Negri, relaciona as novas form as de
58. Ver Oliveira, Velloso e Gomes,
Estado Novo: ideologia e poder,
Zahar, 1982.
53
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producao de subjetividade com as mudancas ocorridas nos modos
de producao. Simplif icando muito: a medida que as modali-
dades da producao capitalistica invadem todos os· poros da
sociedade, provocam tambem uma inedita polit izacao no social
e, com isso, urn descentramento do politico.f
E. Laclau tambem estuda os novos movimentos sociais a
partir de uma critica a nocao classica de sujeito. Considera que
as transformacoes do capitalismo no seculo XX debilitarani
0
vinculo entre as -experiencias dos trabalhadores no local da
producao e as vividas em outras esferas, que se multiplicaram
e ganharam mais importancia. Em decorrencia, 0 agente social
nao possui mais unidade e homogeneidade, sendo dependerite
de varias posicoes de sujeito , atraves das quais ele e consti-
tuido em diversas instancias. Procurando capitar apeculiaridade
dos novos movimentos sociais, diz que sua caracteristica central
e
que urn conjunto de posicoes de sujeito (a nivel de local de
residencia, aparatos ,institucionais, varias formas de subordinacao
cu ltural, racial e sexual) tornaram-se pontos de conflito e mobili-
za<,:ao politica. A prolif eracao destas novas f orm as de luta resulta
de uma 'crescente au tonomizayao das esf eras sociais nas sociedades
contemporfineas. autonomizacao essa sobre a qual somente se pode
obter .uma nocao te6rica de todas as suas implicacoes, se part imos
da no~ao de sujeito como urn agente descentralizado, des totali-
zado .6o
o uso da nocao exige, pois, certos cuidados. Se a mantenho
e porque as ambigliidades que ela carrega impregnam tambem
nocoes sucedaneas, indicando talvez a existencia de problemas
mais fundos no pensamento constituido. As nocoes de
ator
e de
ag ente,
que ate aqui utilizei indiferenciadamente, sac portadoras
de uma tradicao sociol6gica que justamente definia
0
primado
do sistema social.: 0 ator social, como aquele que representa
urn papel, designava
0
portador de papeis def inidos no nivel
59. Ver F. Guattari e S. Rolnik,
M icropolitica - cartograf ias
do
desej o,
Vozes, 1986. E F. Guattari e T. Negri,
Les nouveaux esp aces d e
liberte,
D. Bedou, Paris, 1985.
60. E. Laclau, Os novos movimentos sociais e a pluralidade do social
in Revista Brasileira d e Ciencias Sociais,
n. 2, 1986, p. 43.
54
da estrutura social. 0 que acontece e que, a partir do momento
em que surgiram movimentos de contestacao as concepcces sis-
temicas, varies termos for am reconotados. Touraine retomou a
. nocao de ator, ja pensado como urn elemento dot ado de auto-
nomia. Nada impediria 0 mesmo com a nocao de agente. 0
fato e que no Brasil, a partir dos discursos presentes nas comu-
nidades de base, f oi a nocao de sujeito que
emergiu
com esse
novo sentido. Preferi por isso trabalha-la, usando-a no sentido
que a elabora Castoriadis, quando ela pode denotar tanto a
autonomia como a heteronomia.
Quando uso a nocao de sujeito coletivo e no sentido de
uma coletividade onde se elabora uma identidade e se organi-
zam praticas atraves dasquais seus membros pretendem defen-
der seus interesses e expressar suas vontades, constituindo-se
nessas lutas.
Se a existencia de sujeitos nao tern como correlacao ne-
cessaria
0
exercicio da autonomia, esta
e
impensavel sem aqueles.
J
a nao se trata da ideia de algum sujeito hist6rico privile-
giado - por exemplo, 0 proletariado de uma tradicao marxista
do modo como Ioi f inalmente sacralizado na H istoria e cons- <
ciencia de classe,
de Luckacs - que esteja no centro dos aeon-
tecimentos antes de qualquer acontecimento, gracas ao seu lugar
na estrutura; urn sujeito de cuja posicao se pudesse captar 0
sentido de toda sociedade e de toda hist6ria. Mas trata-se, sim,
de urna pluralidade de sujeitos, cujas identidades sao resultado .
·de suas interacoes em process os de reconhecimentos reciprocos,
e cujas composicoes sac mutaveis e intercambiaveis. As posicoes
dos diferentes sujeitos sac desiguais e hierarquizaveis: porem essa
ordenacao nao
e
anterior aos acontecimentos, mas resultado deles.
E, sobretudo, a racionalidade da situacao nao se encontra na
consciencia de urn ator privilegiado, mas e tambem resultado do
encontro das varias estrategias.
Ao f inalizar estas ref lex6es que servem de referencia para
a relacao entre sujeito e autonomia, permito-me mais uma (e
longa) citacao, Nessa questao nao posso deixar de recorrer a
Castoriadis, que op6e autonomia a alienacao a partir da de-
marche da psicanalise. A f rase de Freud que ele toma como
premissa e Onde era 0 Id, sera 0 Ego . Nao se trata de que
55
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o Consciente possa absorver e esgotar 0 Inconsciente, mas de
que ele se tome a instancia de decisao . Se, com Lacan, 0
inconsciente e 0 discurso do Outre , a autonomia e 0 processo
pelo qual meu discurso toma
0
lugar desse discurso estranho
que esta em mim e me domina. 0 discurso Meu nao pode ser
a eliminacao do discurso do Outro , que brota constantemente
nas pulsoes inconscientes de cada urn. Assim (mas simplificando
e empobrecendo a exposicao de Castoriadis) a maxima de Freud
nao e tornada como ideia reguladora com referencia a urn estado
impossivel, concluido, mas a uma situacao ativa de uma pessoa
que nao cessa de retomar suas fantasias sem deixar-se dominar
por elas. 0 que e pois,
0
sujeito enquanto lugar da autonomia?
Nao
e 0
sujeito-atividade pura, sem entrave nem inercia, esse
Iogo-f atuo dos f il6sof os subjetivistas, esta nama independente de
. qualquer suporte, liame e alimento. Esta atividade do sujeito que
'trabalha sobre si mesmo encontra como seu objeto a multidao
de conteudos
(0
discurso do Outro) com a qual ela nunca terminou
de se haver; e sem esse objeto ela simplesmente nao
e.
0 su jeito
e
tarnbern atividade, mas a atividade
e
at ividade sobre alguma
coisa, do contrario ela nao
e
nada. Ela
e
po is co-determinada por
aquilo que ela se da como objeto.
61
Ha, pois, uma inerencia reciproca de sujeito e objeto na
pr6pria constituicao do sujeito. Nessa concepcao, sujeito auto-
noma nao
e
aquele (pura criacao voluntarista) que seria livre
de todas as determinacoes externas, mas aquele que
e
capaz de
reelabora-las em funcao daquilo que define como sua vontade.
Se a nocao de sujeito esta associ ada a possibilidade de autonomia,
e pela dimensao do imaginario como capacidade de dar-se algo
alem daquilo que esta dado.
Os
d is cur sos q ue cons tituem s uj eitos
Diz Hannah Arendt que
0 ate humane primordial deve conter a resposta a pergunta que
se f az a todo recern-chegado: 'quem es?
.62
61 C. Castoriadis,
op. cit.
p. 127.
62. H. Arendt, A condiciio humana, Forense, 1981 p. 191
56
o
discurso que revela a acao revela tambem
0
seu sujeito.
Assim, do discurso dependeria a atribuicao de sentido as coisas,
a partir do primeiro significado, que permite 0 dialogo humano,
que
e
0 de estabelecimento das identidades.
A identidade se revela no discurso? Mais do que isso, se
nos voltarmos para a Psicanalise, ela se constitui nessa operacao.
Dela aprendemos que as pulsoes do inconsciente s6 podem ser
reconhecidas ao serem nomeadas e, portanto, inscritas na lin-
guagem. Mas, assim como a palavra que nomeia
0
desejo nao
e
0
pr6prio desejo, a identidade expressada no discurso do
sujeito nao e igual ao inconsciente mudo que 0 impeliu para a
fala.
Como insistem os linguistas, a linguagem nao
e
urn mero
instrumento neutro que serve para comunicar alguma coisa que
ja existisse independentemente dela. A linguagem faz parte das
instituicoes culturais com que nos encontramos ao sermos socia-
lizados. B na verdade a primeira delas e que da
0
molde pri-
mordial atraves do qual daremos forma a qualquer de nossos
impulsos. Ela e condicao tanto no sentido de que nos condi-
ciona , nos inscreve num sistema ja dado, quanta no senti do de
que constitui urn meio para alcancarmos outras realidades, ainda
nao dadas.
Num texto belissimo sobre a fenomenologia da linguagem,
Merleau-Ponty fala de uma significacao desta que
executa a mediacao entre minha intencao ainda muda e as pala-
vras, de tal sorte que minhas palavras surpreendem a mim mesmo
e me ensinam meu pensarnento
.63
Desse modo, ao exprimir algo
0
sujeito nao apenas comu-
nica algo aos outros mas tambem para si mesmo.
Se a palavra quer encarnar uma intencao significativa, que
e
apenas urn certo vazio, nao
e
somente para recriar em outrem a
mesma f alta, a mesma privacao, mas ainda para saber de que ha
falta e privacao. Como chega a isto? A intencao significativa se
da urn corpo e conhece-se a si mesma buscando urn equivalente no
63. M. Merleau-Ponty, col. Os pensadores, Abril, p. 133.
57
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sistema das significacf ies disponiveis, que representam a lingua que
falo e
0
conjunto dos escritos e da cultura de que sou herdeiro.
Para a intencao significativa, voto mudo, trata-se de realizar urn
certo arr anjo dos inst rumentos ja signif icantes ou das signif icacoes
ja falantes (instrumentos morfologicos, sintaticos, lexicos, generos
literarios, tipos de narrativa, modos de apresentacao do aconteci-
mento, etc.) suscitando no ouvinte
0
pressentimento de uma signif i-
cacao outra e nova, e, inversamente, promovendo naquele que
f ala ou escreve a ancoragem da signif icacao inedita nas signif icacoes
ja
disponfveis. 64
, Recorrendo a linguagem, enquanto estrutura dada, para
poder expressar-se. 0 sujeito se inscreve na tradicao de toda sua
cultura. Mas, nesse mesmo ato de expressar-se, operando urn
novo arranjo das signif icacoes instituidas, e1e suscita novos
significados.
Se pensarmos num sujeito coletivo, n6s nos encontramos,
em sua genese, com urn conjunto de necessidades, anseios, me-
dos, motivacoes. suscitado pela trama das relacoes sociais nas
quais ele se constitui. Assim, se tomarmos urn grupo de tra-
balhadores residentes numa determinada vila da periferia, pode-
remos identificar suas carencias, tanto de bens materiais necessa-
rios a sua reproducao quanta de acoes e simbolos atraves dos
quais eles se reconhecem naquilo que, em cada caso, e conside-
rado sua dignidade. Mas essas demandas de reproducao material
e de reconhecimento simb6lico encontram-se, antes dos discur-
sos, apenas em estado de existencia
virtual.
Existem sem forma
nem atualidade. E e claro que, quando nos referimos a essa exis-
tencia virtual antes dos discursos, trata-se apenas de uma situa-
c;:ao l6gica, ja que tais demandas jamais existem nesse estado
mudo; em cada situacao concreta se encontram materializadas
de urn modo particular.
E
atraves dos discursos que tais deman-
das sao nomeadas e objetivadas de formas especificas. E atraves
dos discursos que a carencia virtual de bens materiais se atualiza
numa carencia de casa pr6pria ou de urn barraco, de sapatos
ou de vestidos, de Ieijao com arroz ou carne-de-sol, de escola
para os filhos ou televisao.
E
atraves dos discursos que a de-
64. Idem, ibidem, pp. 134-5.
58
manda do reconhecimento da pr6pria dignidade pode ser satis-
f eita por meio do trabalho arduo ou da preservacao do fim de
semana para pescar, da liberdade individual ou da integridade
da familia, do culto religioso ou da liberdade politica.
Quando nos referimos a urn discurso estamos pensando
no usa orden ado da linguagem, numa fala ou num texto em que
urn sujeito se dirige a urn publico (ou, no limite, a uma segunda
pessoa). Os diversos discursos que lemos ou escutamos numa
sociedade num dado periodo - f alas do Lula, serm6es de dom
Paulo, discursos presidenciais - podem ser remetidos a matrizes
discursivas que comp6em, nessa sociedade e nesse tempo, urn
modo - e suas variacoes - de nomear seus problemas, obje-
tivos, valores. Embora se expressem, atraves dos discursos, os
antagonismos e mecanismos de poder que constituem as lutas
sociais, nao iremos encontrar sistemas compartimentados que
separem de modo absoluto modelos discursivos de uns e outros.
E Foucault quem discute as relacoes intrincadas entre discurso
e poder:
E
precisamente no discurso que se articulam
0
poder e
0
saber.
E
por essa razao mesma,
e
necessario conceber
0
discurso como
uma serie de segmentos descontinuos, cuja Iuncao tatica' nao e
uniforrne nem estavel. Mais precisamente: nao se deve imaginar urn
mundo do discurso dividido entre
0
discurso acolhido e
0
discurso
excluido ou entre
0
discurso dominante e
0
discurso dominado;
mas como uma multiplicidade de elementos discursivos que podem
atuar em estrategias diversas.
£
essa distribuicao que
e
preciso
restituir, com
0
que ela comporta de coisas ditas e coisas escondidas,
de enunciacoes requeridas e das proibidas; com
0
que ela supoe de
variantes e de efeitos dif erentes segundo quem f ala, sua posicao
de poder,
0
contexto institucional em que se acha colocado; com
0
que ela comporta tarnbern de deslocamentos e de re-utilizacoes de
formulas ident icas para objet ivos opostos
.65
Aquilo que e dito e
0
que e escondido, aquilo que e lou-
vado e 0 que e censurado, comp6em 0 imaginario de uma
sociedade, atraves do qual seus membros experimentam suas
condicoes de existencia. Nao quer dizer que todos os discursos
65. M. Foucault, La volante de savoir, Gallimard, Par is, 1976, p. 133.
59
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sejam iguais e nem mesmo que derivem de uma mesma matriz
discursiva. Mas, tendo de
interpelar
urn dado publico, todo dis-
curso e obrigado a lancar mao de urn sistema de referencias
compartido pelo que fala e por seus ouvintes. Constitui-se urn
novo sujeito politico quando emerge uma matriz discursiva
capaz de reordenar os enunciados, nomear aspiracoes difusas ou
articula-las de outro modo, logrando que individuos se reco-
nhecam nesses novos significados. E assim que, formados no
campo comum do imaginario de uma sociedade, emergem ma-
trizes discursivas que expressam as divisoes e os antagonismos
dessa sociedade.
Num sugestivo texto no qual expoe algumas premissas para
uma pesquisa sobre as origens do peronismo, Oscar Landi lanca
rnao
da nocao de sistemas de interpelacoes , que estruturam
as divers as Iormacoes discursivas, dando-lhes determinadas ca-
racteristicas politicas. Trata-se de urn sistema porque
0
funda-
mental
e 0
modo de cornbinacao entre as varias interpelacoes,
que design am para os agentes sociais seus lugares em cada uma
das esf eras da sociedade. E a partir dessas referencias que ele
pensa a ernergencia de uma nova hegernonia, que implica
. a realizacao exitosa de urn sistema de interpelacoes pelo qual os
individuos ou grupos sociais se reconhecarn a si mesmos como
partes de urn 'nos' que os inclui.
Este processo nao consiste na conquista da adesao de diferentes se-
to res socia is e ideologias paradigrnaticas de classe, mas em desarti-
cular as Iorrnacoes discursivas adversarias, desprender suas interpe-
lacces e articula-las
a
matriz doutrinaria pr6pria, ainda que seja
de maneira ternporar ia e conflitiva .66
Assim, em nosso caso, na emergencia dos novos atores
sociais, das novas configuracoes e identidades dos trabalhadores
no cenario publico, no que parece 0 inicio de urn outro periodo
na hist6ria social de nos so pais, nos deparamos com 0 nasci-
mento de formas discursivas que tematizam de urn modo novo
os elementos que compoern as condicoes de existencia desses
setores sociais.
66. O. Landi, Lenguajes, identidades colectivas
Y ,
actores politicos .
mimeo,
1979. pp. 10-1
6
a p i t u l o
.~
S a b r e a s
e x p e r iin c ia s
d a c on d i r i l o
p t o l e t d na
e m S i l o P a u l o
Virginia chegou em Sac Paulo em 1953, as vesperas do
surto industrial dos tempos de
J
uscelino e da formacao das
novas perif erias. Tinha 7 anos ao chegar, acompanhando os
pais, a av6 e 9 irrnaos, quando eles achararn que a roca nao
dava mais. A gente veio com a cara e a coragem. 0 pai veio
primeiro e alugou urn quarto de 4 por 4 na Vila Guilhermina
(bairro da Vila Matilde, na zona leste) onde se alojaram os 13.
A~ c~egar, f oi a maior dif iculdade pra arrumar emprego,
pnmeiro porque a gente nao tinha prof issao . Isto e as habi-
lidades que tinham no trabalho da lavoura de nada lhes serviam
na cidade. Foram todos buscar trabalho em diferentes fabricas.
o pai foi ser ajudante geral , E os irmaos, ja com 12, 13 ou
15 anos, ja partiam pra Iabrica, trabalhar pra ajudar. Entao
dai foi que a gente comecou a se integrar mais assim na cidade.
Entao eles arrumaram urn servicinho, ganhavam aquela mixaria,
que eram de menor, e meu pai tambem trabalhando, minha
mae trabalhando, trabalhava todo mundo . 0 trabalho os dis-
persa e, no dizer dela, os integra na cidade. 0 trabalho dispersa
os membros da familia em diferentes empregos, mas nao anula
o lugar da familia como micleo de referencia basico:
0
trabalho
de cad a urn e vis to como forma de ajudar a f amilia, em que
todos se ap6iam .
61
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Ela mesma comecou a trabalhar com 12 anos em cas a
de familia e tarnbern costurando v p r a fora . Essa habilidade
dornestica foi 0 ponto de partida para sua integracao no
l
trabalho
industrial. HE depois que eu peguei a idade,
mas
ou menos
com 14 anos, que
0
juiz so autorizava com 14 anos, af entao
eu passei a trabalhar em Iabrica. Comecou como aprendiz de
cerzideira e trabalhou em Iabrica textil ate casar.
Estranhou muito 0 trabalho fabril, porque eu nao tinha
aquela liberdade de poder sair, pra ir tomar cafe, pra ir no
banheiro a hora que quer. Era tudo regula do em Iabrica , Fa-
lando disso quase 30 anos depois, ainda se lembra: Tinha umas
chapinhas, a gente so podia ir no banheiro com aquelas chapi-
nhas. Entao a nossa sala tinha umas 300 companheiras ( ... )
dessas 300 so 10 ... nao, menos, acho que erarn umas 5 chap i-
nhas. Entao voce ve, quando uma tava com a chapinha no banhei-
10, a outra podia estar morrendo de necessidade, nao podia ir
enquanto ela nao chegasse ( ... ) Dai eu era muito revoltada .
o desajuste entre os habitos formados no trabalho rural e os
encontrados no industrial produz essa indignacao contra a
regulamentacao que ignorava as necessidades de cada uma. 0
sentimento de revolta encontra forma de expressao quando ela
recebe urn pouco de orientacao de outras pessoas, de f alar
pra mim que eu nao podia deixar passar is so barato . Ela se
da conta de onde apoiar-se: Conversando assim, com uma com-
panheira, com outra, elas Ialam assim, olha ai que a gente
tem direito de ganhar 0 dia quando falta por doenca. Tem lei
que favorece 0 trabalhador, que tem de ganhar tanto, 0 minimo,
menos do que isso nao podeganhar . Ela se da conta da exis-
tencia de direitos e vai a [ustica contra a empresa. Assim, se
0
desajuste inicial tinha por base a cultura rural, ja sua rebeldia
se manifesta atraves de referencias atuais da vida urbana.
Conta tambem que, por insistencia do pai e da avo, de
tradicaoxla familia, assim, ser catolico, cumpridor dos seus
deveres , foi participar numa comunidade de jovens da igreja
e partiu pra essa luta assim no bairro . A incorporacao a comu-
nidade da igreja, estimulada pelo catolicismo tradicional da
familia, ganha um outre' sentido gracas as experiencias coletivas
no bairro.
62
Assim foram se integrando na cidade. Alias, 0 quarto da
Vila Guilhermina ja havia sido abandon ado, pois
0
pai com-
prara um terreno um pouquinho mais distante, na Cidade Pa-
triarca, onde a familia foi construindo, aos domingos, a casinha
onde ela morou durante 30 anos.
J a dessas indicacoes assim resumidas temos referencias de
temas basicos da sua experiencia de vida: a migracao enquanto
projeto familiar; a redefinicao da familia na integracao urbana;
o impacto da disciplina fabril e a reacao operaria: a construcao
da casa propria atraves do trabalho domestico;
0
encontro com
as comunidades de base. Mas, antes dever como a historia de
Virginia se cruza com outras na constituicao de. movimentos
populares em Sao Paulo, observemos como elas comp6em, na
multidao de trajetorias as mais dlspares, umapresenca primeira
dos trabalhadores na constituicao do espaco metropolitano.
Na voragem do pr ogresso
o que significou, para os individuos das classes populares,
viver em Sac Paulo nesses 20 anos entre 1960 e 1980? Ou,
em outras palavras,
0
que foi, nesse periodo da vida cia metro-
pole, a experiencia da condicao proletaria?
A bem dizer nao tivemos uma experiencia da condicao
proletaria: um mesmo padrao que fosse compartido comumente
por uma coletividade homogenea. Diferencas devidas, de um
lado, aos diversos lugares ocupados na divisao do trabalho
social e, de outro, aos divers os padr6es culturais existentes
produziram experiencias diversas. POl' isso teremos de cap tar ,
ao lado dos processos sociais mais gerais que envolveram a
regiao metropolitana, as diversidades ocorridas.
Para que possamos nos introduzir nesse universe, vejamos
primeiramente dois registros localizados dessas experiencias,
o primeiro e de Francisca, que veio da roca na Paraiba,
em 1975, para morar numa f avela no Grajaii e se empregar
numa fabrica. Perguntada sobre
0
que mais a impressionara
1 Depoimento dado ao autor.
63
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ao chegar em Sao Paulo, respondeu que e a correria, 0 pequeno
espayo de descanso da gente ...
Em seguida adiciona que par outro lado,
e
aquele tal de
'emprego da dinheiro' . Critica da situacao e do sistema (rnili-
tante ativa de comunidade de base), ela diz que 0 dinheiro nao
da para nada, mas nao deixa de reconhecer que ele permite 0
aces so a recurs os que nao teria na roca.?
o
segundo e uma reportagem publicada no jornal 0 Estado
de
S.
Paulo
em
1980,
com a narrativa das profundas mudancas
ocorridas no bairro do
J
abaquara. Desde os anos 50 0
J
abaquara
nao e mais periferia, e la se encontram parcelas significativas de
trabalhadores mais qualificados, de pequenos comerciantes, em-
pregados de escritorio, bancos e comercio. Ainda assim, em
1980, 58 % dos seus moradores recebiam menos de 3 salaries
mmimos, e ele era identif icado como um bairro pobre. Vejamos
agora a reportagem citada. Ela Ialava de um progresso que
desfigurava
0
bairro. Pavimentacao de ruas, extensao das redes
de agua e esgotos, canalizacao de corregos, abertura de estacoes
de metro, um anel rodoviario e uma nova rodovia, um grande
viaduto eram expressoes desse progresso que viera desf azer um
modo de vida caracterizado pel a tranqiiilidade de ruas onde as
criancas brincavam, por uma convivencia comunitaria, pracas
arborizadas, uma rede de services variada e proxima aos mo-
radores.
. Nao precisou muito tempo para que
0
crescimento da regiao e
0
progresso, levado pelas melhorias publicas, alterassem toda a estru-
tura anterior. Em 16 anos sua populacao passou de 50 mil para
300 mil, que ha 12 anos enfrentam obras consecutivas. Primeiro
2. Depoimento dado ao autor.
3. A SEPLAN (Secretaria de Economia e Planejamento do Governo do
Estado) dividiu os distritos da Capital em 8 areas homogeneas a partir
de uma analise das seguintes variaveis: renda familiar, saneamento
basico, densidade dernografica, crescimento populacional, usa residencial
do solo urbano e mortalidade proporcional. Classificadas por ordem se-
gundo as condicoes de vida, as da area I eram as que apresentavam os
padr6es mais elevados.
0
Jabaquara estava na area VII. Cf. SEPLAN,
Subdivisdo do mun icipio de S iio Paulo em areas homogeneas 1977
64
-f oi a Rodovia dos Imigrantes, desapropriando centenas de im6veis,
eliminando 11 campos de f utebol de varzea e praticamente toda a
Vila Imprensa. Em 1968, a construcao da Linha Norte-Sui do
Metro
e
oficialmente inaugurada. Concluida, ela t rouxe conforto,
mas tambem muito transtorno . 4
Atraves do olhar nostalgico desta narrativa ficamos sabendo
que 0 barulho das maquinas de terraplanagem, britadeiras e
caminhoes com pedra e terra estavam desfazendo 0 sossego
do velho bairro. As ruas, tomadas por intenso trafego de onibus
e automoveis, ja nao comportavam as conversas despreocupadas
de vizinhos e as brincadeiras das criancas. As relacoes de vizi-
nhanca, que faziam com que as calcadas fossem extensoes das
casas, que f icavam com suas portas abertas, eram coisas do
passado. Tambem 0 unico cinema do bairro fora f echado e em
seu lugar agora passava uma avenida. E no entanto a verdade
e que tais transtornos haviam sido em grande parte ligados a
melhorias reivindieadas pelos proprios moradores. Assim, um
deles, conselheiro da Sociedade Amigos de Bairro de uma das
vilas do [abaquara, apos lembrar a vida comunitaria anterior-
mente existente, quando a gente colocava cadeiras na f rente
das casas e todos se conheciam , diz que com as obras todas,
que dotaram a localidade de toda a infra-estrutura necessaria
(0 que foi resultado das lutas da propria SAB), aquele modo
de vida desaparecera. E ele filosofava ao encarar tais mudancas
como resultado do progresso .
Teria side interessante saber como os diferentes setores
desse bairro viveram tais mudancas. Infelizmente nao temos
tais informacoes, mas a propria reportagem deixa indicacoes
sobre diferencas entre os que - nostalgias a parte - se bene-
ficiaram com as melhorias (sem falar dos recem-chegados, que
certamente nem teriam tais nostalgias) e aqueles que foram sacri-
.Jieados por tal progresso. Ou seja, nao so os que tiveram de
se mudar porque as obras publicas derrubaram suas casas, mas
4. Celia Romano, U Jabaquara, hoje urn bairro desf igurado in
0
Estado
de S. Paulo 10/2/80. Anote-se que os dados que ela apresenta sobre a
elevacao da populacao nao correspondem as estat ist icas existentes, ainda
que nao ref utern sua caracterizacao geral.
65
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tambern os que, com a valorizacao dos terrenos, foram empurra-
dos para novas periferias, de custos mais baratos.
, os depoimentos ademais se caracterizam por amalgamar na
nocao de progresso 0 ccnjunto das mudancas feitas, tanto as
queridas como as indesejadas, aparecendo estas, em geral, como
o preco pago pela obtencao das primeiras.
Temos aqui algo dessa experiencia da vida metropolitana
que poderiamos chamar de voragem do progresso . 0 termo
voragem me veio a partir de observacoes f eitas por Jorge
Wilheim a proposito de um padrao de vida urbana em Sao
Paulo, numa entrevista em que descreve uma caracteristica des-
,personalizante desta metropole, onde seus moradores nao reco-
nhecem seus lugares.
Todos sabemos que .Sao Pa1l10
e
uma cidade que cresceu, em
primeiro lugar , por correntes migratorias, principalmente na decada
de 50. As pessoas que ainda vem para ell estao deixando lugares
onde a vida
e
pior do que aqui. Onde existe menos oportunidade
do que aqui. Quando aqui chegam, a diversif icacao de .mercado,
de emprego, deoportunidades faz com que todos os migrantes se
lancem com grande veemencia na conquista . dessa terra nova e
dessas oportunidades novas.
Isso faz com que cad a cidadao se comporte de uma forma indivi-
dualista e voraz. 5 '
o .termo voraz me pareceu apropriado para assinalar urn
trace marcante da experiencia de vida na metropole paulista.
So que, pelo -,.menos para os casos que estamos examinando, a
voragem aparece primeiro como um atributo de processos exte-
riores e independentes .das vontades dos individuos. B
0
pro-
gresso que e vivido como um processo objetivo, com vida
propria, que traz melhorias para os que sabem (ou podem)
aproveitar-se dele; mas tarnbem traz perdas e sacrif icios para os
que nao conseguem pega-lo pelo lade certo .
0
progresso,
como algo inerente
a
metropole, e percebido como urn cresci-
. mento vertiginoso, que provoca transformacces ininterruptas,
5. Entrevista com
J.
Wilheim, Cada um por si e Sao Paulo para todos
in Folhetim
de 27/180.
66
J
como uma correria que deixa pouco espaco para 0 descanso
das gentes ...
Essa tal voragem foi, em primeiro lugar, a experiencia de
viver numa metropole num crescimento vertiginoso que, para
realizar-se, teve de destruir e ref azer constantemente seu am-
biente construido.
Foi na decada de 50 que Sac Paulo se tornou a cidade
que mais cresce no mundo , alcancando a taxa de crescimento
anual geometrico de 5,6%. 0 ritmo foi decrescente nas decadas
seguintes, mas nao deixou de ser bem elevado. A populacao de
1960 - que ja era resultado de urn crescimento notavel nos
passados 10 anos - aumentou mais de duas vezes e meia ate
1980.
EVOLU<;AO DA POPULA<;AO RESIDENTE
Em mil habitantes
Taxa cresco geornetrico
1960
1970
1980
1970·60
1980-70
SP municipio
3.709
5.905
8.493
4,79%
3,67%
I •
SP regiao metropolitana
4.791
8.140
12.588
5,44%
4,46%
,
Fonte: Emplasa, Sumd rio de dados basicos da Grand e Siio Paulo, 1982.
. Anote-se, nos numeros, 0 aumento relativo da regiao metro-
politana. Quer dizer que 0 crescimento populacional se estende
sobretudo por outros municipios da Grande Sac .Paulo. Nao
se cleve entender por ai que
0
municipio da capital
ja
tivesse
esgotaclo sua capacidade de' expansao demografica. Na verdade,
se tomarmos os incrementos populacionais em termos absolutos,
veremos que a maioria se localizou na capital, sobretudo em suas
periferias. (Ver Anexo 1)
Procuremos, alem dos numeros, olhar os processos socia is
que eles registraram. Observaremos entao as trajetorias percor-
ridas pela populacao metropolitana, procurando localizar-se na
cidade em mutacao.
Dos estudos f eitos acerca dos padroes habitacionais das
populacces de baixa rend a em Sac Paulo, Nabil Bonduki nos
da uma primeira abordagem:
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A trajet6ria habitacional de milhares de migra~tes . que. chegam
entre 1940 e 1970 em Sao Paulo apresenta uma signif icativa seme-
lhanca: na chegada
0
abr igo em casas. de parentes/conter rane,os ou,
para os que nao tern nenhum conhecido,
0
aluguel de urn comodo
no cortico ou no f undo de lote na perif eria; depois, para todos,
0
aluguel se generaliza como a solucao mais simples; no entanto,
o destino mais comum, depois de passar algum tempo pagando
aluguel, era a compra de urn lote desprovido de qualquer melh?-
ramento e a ccnstrucao de alguma edif icacao que pudesse servir
de abrigo.6
Procurando fugir dos alugueis,
OS
trabalhadores VaG bus-
cando (ou produzindo) novas perif erias, mais distantes, menos
equipadas e, por isso, mais acessiv~is ~os, se~s recurs?s .. ~as e1es
nao podem se f ixar em lugares
cua
distancia torne mVlav.el sua
locornocao ate as regioes onde se localizem seus ~,ventU S e~-
pregos. Se N. Bonduki data da decada de ~O 0 .p~~rao pen-
ferico de habitacao popular
e
porque ele £01 possibilitado pela
expansao das linhas de onibus que entao se deu. Mas e no curso
dos anos 50 que 0 processo se intensifica, com o. desloc~mento
progressivo de industrias dos antigos bairros fabns p~uhsta~os.
Em meados dos anos 50 inicia-se um novo surto mdustr~al,
baseado em unidades produtivas mais modernas, tendo po~ eixo
a industria automobilistica. Nesse momento, segundo P. Singer,
esgotavam-se as economias externas _ que a localizacao central
of ere cia para as indiistrias. A elevacao do preco do so~~ e as
dif iculdades crescentes com os transportes numa zona ja con-
gestionada empurravam as in~ustrias ?~ra ~ perif eria. Na ver-
dade, boa parte das Industries tra~lClOna1S permaneceu nas
antigas zonas f abris (Bras, Mooca, Ipiranga). M~s sobretu.do ~s
novas for am se estendendo pelo vale do rio Pinheiros em ~lfe<;ao
a oeste e, em seguida, para
0
sul, e ao longo das rodovias An-
chieta Dutra e Anhanguera. As Iamilias operarias f oram se-
guindo a rota das Industrias. aproveitando as vias de acesso e a
6.
Nabil Bonduki,
0
surgimento de propostas alte~,nati~as de producao
habitacional sob controle de associacoes populares , mimeo, ANPOCS,
1984, p. 6.
b
CEN
7. Cf. P. Singer,
Desenvolvimento econbmico e evoluf iio ur ana~ ,
1977.
68
montagem dos equipamentos urbanos que se fazia em funcao
delas. Assim tambem se localizavam proximos as suas f ontes de
emprego (tal proximidade aparecia como urn dos motivos da
f ixacao nessas areas, se bem que a alta rotatividade no emprego
f reqiientemente os obrigava aos maiores e mais complicados
deslocamentos). E junto com os operarios e os aspirantes ao
trabalho industrial f oram os que subsistiam com atividades vol-
tad as para a propria vizinhanca: os que abriram bares, empo-
rios, quitandas, acougues: as cabeleireiras, os sapateiros, enca-
nadores, eletr icistas, mecanicos, borracheiros, Assim, os micleos
industriais f oram se estabelecendo ao Ion go das vias de acesso
e, a medida que se afastavam do centro, foram criando suas
proprias periferias e as cidades-dormitorios da Grande Sao Paulo .
As decadas de
60
e de
70
f or am de intensa e continua
remodelacao urbana: quarteir6es derrubados, avenidas rasgadas,
erguidos viadutos, bairros refeitos. A expansao metropolitan a ,
criando grandes distancias, so se tornava possivel se estas fossem
vencidas por urn sistema de locomocao mais agil, E se tal expan-
sac se tornou possivel com 0 aumento dos veiculos motorizados
na cidade, esse aumento, por sua vez, exigiu uma enorme amplia-
<;ao das vias de transito que permitissem seu f luxo. 0 enfrenta-
mento das grandes distancias e de longos periodos nos trajetos
diaries entre a cas a e 0 trabalho incorporou-se a experiencia da
vida urbana para os trabalhadores. E estas maiores exigencies
de vias de transporte constituem um fator a mais no sentido de
uma rapida transf ormacao da paisagem urbana.
Nesse contexto, a vida da maioria das Iamilias trabalha-
doras f oi marcada por constantes rnudancas. Isso nao quer
dizer que e1es nao procurassem se f ixar e, mais que isso, f ixar
na paisagem urbana as marcas de sua presenca, (Ver Anexos
2 e 3.)
Ao observarmos os mapas e tabelas da distribuicao da
(popula<;ao pelo espaco metropolitano, encontramos um registro
{do modo como seus diferentes setores viveram 0 progresso da
tidade que mais cresce no mundo . Na rapida expansao das
p'brif erias da Grande Sao Paulo encontramos sobretudo aqueles
rhaisrecentemente chegados a metr6pole, os de rendimentos
mais baixos, os mais jovens. Da luta pelo sucesso na cidade
69
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grande, uma das f ormas atraves das quais seus resultados se
fazem mostrar mais flagrantemente
e
no lugar de moradia, assi-
nalando os que progrediram e os que perderam na voragem do
progresso.
A ordenaciio pelo trabalho
Em fins de 1972 circulou clandestinamente urn texto mi-
meografado assinado por P. Torres intitulado Uma experiencia
junto ao proletariado . P. Torres foi 0 nome de guerra usado
pot urn jovem metalurgico que trabalhara em industrias do ABC.
Oepois de uma breve passagem pelo PCB, tornara-se militante
da A<;:aoPopular, e
e
na qualidade de membro dessa orgariizacao
que procura transmitir quais eram as condicoes concretas da
luta nas Iabricas naquele momenta (mais particularmente entre
1968
e
1970).
Ao lermos hoje esse texto quase nos sentimos
transportados aquela situacao.
Antes de falar da Iabrica, ele f ala do desemprego, como
uma situacao cujo signif icado so pode ser entendido por quem
pas sou por ela. Signif ica a Ialta de recursos para a, propria
subsistencia, mas ainda e algo mais do que isso:
..0
desempregado fica total mente desvinculado de seu meio. Se
sente desmoralizado diante da f amilia (eie,
0
homem da casa, sern
condicoes de fazer nada), diante dos vizinhos (nao trabalha, meio
vagabundo) e diante enfim da sociedade (urn paria, inutil), Nas
conversas se pode sent ir isto, e alguns pref erem f icar gastando os
iiltimos cruzeiros em bares do que voltar para a casa e sofrer a
pressao
da
f
amllia .
Sente-se ai como a desmoralizacao sofrida esta ligada a uma
ferida produzida no amago de uma identidade construida do
trabalhador honesto e responsavel , que assegura
0
sustento
da f amilia e tern seu lugar na sociedade. 0 trabalhador desem-
pregado sente-se em culpa pelo desemprego. Alerndisso, naqueles
tempos, estar desempregado era tambern urn risco,como ele
adiciona em nota:
70
Nos dias de hoje estar desempregado signif ica correr per igo, pois
se somos presos a policia nos
registra:
como marginais, vagabundos.
fl A carteira registrada e sinal de boa conduta para a policia ,
Das Iernbrancas do seu primeiro tempo de desemprego
Iicara-lhe 0 sentimento de solidariedade entre os que cornpar-
tiam a mesma condicao.
. Existe uma unidade que vai desde sair juntos para buscar ern-
prego, como de repartir
0
dinheiro que se tern ou entao urn 'bico
para trabalhar.
Esta unidade fica urn pouco apagada na hora da contratacao,
Na hora do 'pegar carteira' nao se ve outra coisa a nao ser
0
chefe da secao pessoal e 0 interesse de que nossa carteira seja
escolhida. E a solidariedade do desempregado ao novo contratado
e urn 'boa sorte, e cer ta tristeza por ser protelado na venda de
sua Iorca de t rabalho.
,A solidariedade por partilhar
0
mesmo drama e minada
pela concorrencia no mercado de trabalho. E a concorrencia
aumenta .com a integracao no emprego. Mas ele exp6e antes 0
processo de selecao para 0 ingresso nas gran des fabricas.
. Nos dias de hoje as indus trias estao exigindo uma serie de papeis
que vao desde a Carteira Profissional ate
0
curriculo profissional
e familiar ( . ) E junto aos papeis esta
0 [ator idade.
Os compa-
, nheiros que ja contam com mais ide 30 anos de idade e nao sao
especializados dif icilmente encontram trabalho. As empresas apenas
buscam mao-de-obra jovem e barata que oscila entre os 19 e os 25
anos. ( . )
Para serrnos admitidos numa fabrica temos que passar por algumas
provas e algumas delas bastante diffceis. A primeira prova e 0
preenchimento de uma J icha
pedindo
0
emprego
a
empresa. Nesta
ficha, alem dos dados pessoais, existem varias perguntas que de-
finem
0
ingresso ou a dispensa das demais provas. Perguntas como:
- e s6cio do sindicato?
. J _ participa de alguma associacao polit ica ou religiosa?
{. - aceita
0
Fundo de Garantia por Tempo de Service?
81
r' _
aceita
fazer
horas extras?
, - aceita ser mudado de service?
- aceita trabalhar de noit~ caso necessario?
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o segundo teste (a prova de aptidoes, incluindo 0 psico-
teste) era 0 que, segundo seu relato, deixava os candidatos mais
apavorados , pelo seu rigor e pelo despreparo dos trabalhadores.
o terceiro era 0 exame medico.
. Oepois de terem passado em todos os exarnes, a empresa reiine
os novos empregados para explicar-lhes:
- 'por que voces f oram os escolhidos
_ 0
que significa trabalhar nesta industria - uma industria im-
portante,
f . uma terrivel propaganda ideol6gica que, as vezes, deixa creido
a alguns operarios. Isto se da principalmente nas grandes corpora-
coes como General Motors, Grupo Philips, etc. E esta propaganda
corneca pela divisao da classe. A empresa procura f azer uma sepa-
racao entre os que estao entrando para
0
ernprego, com aqueles
que continuam desempregados. Usando expressoes tais como 'voces
sao mais inteligentes, 'rnais capacitados, 'dignos de se incorpora-
rem a familia GM', etc. Os 'outros nao foram capacitados e 'isto
deve signif icar muito para voces .
Em seguida passa-se urn f ilme explicando
0
que
e
a ernpresa.
Mostra-se
0
signif icado e a importancia da fabrica no plano mundial.
E tal filme procura inculcar na cabeca do
operatic
que ele esta
'participandode tudo aquilo - 'sua' empresa esta em quase
todos os paises, etc.
S6 depois desta 'preparacao
e
que ent ramos para trabalhar, para
desenvolver taref as que qualquer urn poderia Iazer, como trans-
portar material de uma secao para outra, encaixotar pecas, varrer a
secao, trabalhar em polimento, ajudar na mecanica, etc. Services
que qualquer ser humano pode desenvolver.
Do rigor extremo na selecao a banalidade das taref as atri-
buidas aos novos recrutados, esta 'ai relatado urn mecanismo da
segmentacao do mercado de trabalho tal como seria depois
teorizada pelos economistas, embora apenas do ponto de vista
dos f atores econornicos. Do ponto de vista do
operatic
em busca
de emprego,
0
processo aparece em primeiro lugar como mani-
Iestacao impactante do poder da empresa. A selecao aparece,
de inicio, como modo de a empresa ditar suas regras, aprovando
os candidatos que aceitam sua lei. Ela e, em seguida, urn exame
de aptidoes mentais e fisicas acima do necessario para 0 cum-
primento inicial das tarefas, porque a empresa esta constituindo
72
suas reservas , prevendo uma eventual carreira interna do
recem-admitido,
E a adrnissao e tambern urn ensaio de recrutamento ideolo-
gico, em que
0
iniciado aprende
0
orgulho de pertencer aquela
familia. E se a promocao ideol6gica produz ef eitos
e
porque
efetivamente existem diferencas entre 0 emprego nessas fabricas
modernas e 0 que se tern nas menores.
Ele mesmo, quando comec a a narrar sua experiencia na
fabrica, observa:
~omecei a notar que a exploracao 'da classe operaria da regiao
nao era tanta, se f osse relacionada com outros setores de traba-
lha~ores, c~~o os que trabalhavam nas minas, com os quais eu
havia ~on~lvldo. Esta primeira impressao deixou de existir depois
das _prtmelras sernanas, pois fomos tragados pel a tecnica de pro-
ducao e pelo maldito horario noturno e diurno alternado ,8
Ha mais urn aspecto da vida f abril assinalado por P. Torres
que vale a pena ser agora anotado:
0
ostensivo sistema de re-
pressao contra qualquer f orma de organizacao e resistencia
operaria nas empresas. Da sua experiencia em 4 Iabricas, ele
d.escreve os mecanismos de colaboracao entre os sistemas repres-
SlVOS
montados pelas pr6prias empresas no seu interior e a
repressao externa, policial-rnilitar. Os sistemas internos, em sua
descricao, teceriam uma rede que comecava com chef es encarre-
gados e supervisores, cuja funcao principal era
manter
a
ordern , evitando discussoes sobre sindicato ou politica e man-
tendo vigilancia sobre operarios vistos como do sindicato ou
~eio comunistas , Essa' rede prosseguia 'com operarios que
agiam como dedos-duros, vinculados as chef ias, secoes de
pessoal ou diretamente com a polfcia; e com aqueles que ele
chamava de rneros puxa-sacos , que, para assegurar 0 emprego
e. agradar os chefes, irrforrnavam-nos sobre tudo 0 que se pas-
sava em suas secoes. Quanto a a<;iio do sistema externo no
8. P. Torres, Uma experiencia junto ao proletariado , pp. 5-6. A
palavra cr eido por convencido
e
urn espanholismo explicavel talvez
peJo fato .de eJe. ter escrito ja exilado no Chile. Esse texto, com alguns
cortes, fOI publicado na revista
Brasil S ocialista,
n. 3, 1975.
73
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interior da Iabrica, P. Torres narra que em uma das fabricas
o DOPS instalou-se numa sala da propria empresa para ef etuar
interrogatories que permitissem descobrir os autores de boletins
e panf letos que la circulavam. Em outra ele conta que agentes
do II Exercito foram chamados para bus car urn ativista sindical,
que f oi preso e torturado. Numa terceira, militantes presentes
numa assembleia sindical f oram delatados por urn dedo-duro
e todos dispensados da Iabrica.
As caracterf sticas dos sistemas repressivos vigentes nos
anos 70 no interior das empresas ja Ioram expostas por Celso
Frederico, Amneris Maroni, Hamilton Faria, Lais Abramo, entre
outros. 0 que vemos e 0 despotismo inerente a organizacao
capitalista do processo de trabalho exacerbado pelo desconhe-
cimento de qualquer interlocutor coletivo e pelo controle siste-
matico no sentido de ten tar eliminar toda discussao e eventual
contestacao, Contando com a plena colaboracao da repressao
estatal, os sistemas de controle da mao-de-obra manejados pelos
empresarios visavam pulverizar os trabalhadores, agucando os
mecanismos.de concorrencia entre e1es, de abandono de qualquer
ve1eidade de resistencia sindical e de integracao as politicas
patronais.
Transcrevo 0 depoimento de urn militante da oposicao sin-
dical, que trans mite 0 clima que eles viveram:
. V oce vivia assustado e senti a 0 medo dentro da f abrica. ~ logico,
os patroes aproveitavam esse medo ai.
0
clima dentro da fabrica
era tambem de terror porque voce nao tinha liberdade pra nada,
nem pra juntar cinco, seis pessoase pedir urn aumento. Isso ai
passou a ser considerado urn neg6cio assim contra a lei. Absurdo,
ne? Mas existia. Quando a gente fez uma greve la da hora extra,
a primeira coisa que
0
gerente falou foi isso: 'Vou mandar
0
DOPS vir
aqui',
Chamou urn grupo, urn de cada secao e falou
que queria resolver aquele problema naquele dia mesmo senao ele
ia chamar
0
DOPS para f azer uma investigacao, saber quem tava
pregando aqueles papel no banheiro, quem tava encabecando
0
movimento
.9
9. Cit.
por Hamilton Faria,
A exp eriencia op era ria nos anos de resis-
tencia.
disser tacao de mestrado,
ruc,
1986.
74
Adentrar 0 espaco da f abrica era ingressar num lugar de
ordem e disciplina def inidos de cima ,
por
autoridades
desco-
nhecidas, mas cujos olhos e braces se f aziam sempre presentes.
Aqueles que quisessem usuf ruir das vantagens prometidas por
uma carreira prof issional na industria deveriam se submeter as
suas regras.
E essas vantagens eram muito visfveis no caso das indus-
trias modernas, em geral multinacionais, de avancadas tecnolo-
gias e alta produtividade. As dif erencas salariais eram tantas
que, em 1977, enquanto
0
salario medic de urn empregado na
industria madeireira correspondia a 165 salario minimo, de
urn outro na textil correspondia a 2,28, numa de material de
transporte a 5,02 e numa Iarmaceutica a 5,72.1° Embora a dif e-
renciacao das indus trias segundo a modernizacao tecnologica nao
coincida com. sua distribuicao por ramos industriais, e signifi-
cativo que aquelas de maior dinamismo tecnologico predominem
exatamente nos ramos que apresentam padrces salariais mais
elevados.
Essas fabricas modernas constituiram
0
principal lugar de
experiencias coletivas dos trabalhadores relacionadas as condi-
coes de trabalho. Ta suas dimens6es favoreceram a concentracao
dos operarios e, apesar de todos os sistemas de controle, a
dif usao de processos de resistencia inf ormal a partir dos inevi-
taveis contatos pessoais, troca de informacoes, solidif icacces
de conf iancas coletivas. Apesar de serem capital intensivas ,
essas indus trias aumentaram signif icativamente sua parte na
mao-de-obra empregada. Os ramos mecanico, material eletrico e
transporte, que empregavam 6,7% da mao-de-obra industrial do
municipio de Sao Paulo, em 1949, passaram a empregar 29,4%
em 1974.
Mas as Iabricas modernas nao se caracterizam apenas pela
sua dimensao e sim pelos ef eitos que suas complexidades tecno-
logicas provocam em seus sistemas de administracao, dos quais
se exige urn controle minucioso sobre 0 processo de trabalho.
A determinacao mais estrita das taref as a serem executadas por
J
O. Cf. A. Calabi e C. Luque, . Observacoes sobre
0
padrjio de emprego
e rernuneracao nos estabelecimentos brasileiros ,
FIrE, sr,
1981
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cada setor (e as vezes por cad a individuo) e
0
controle de sua
execucao sao ao mesmo tempo tornados viaveis pela incorpo-
racao de tecnologias computadorizadas na administracao, e tor-
nados necessaries para se evitar perdas provenientes de des em-
penhos irregulares ou desproporcionais nos dif erentes setores
da producao. Nesse sentido a gestae da mao-de-obra constitui
ai urn aspecto decisivo no funcionamento da empresa.
John Humphrey comparou a politica de emprego e salaries
. das industrias automobilf sticas com outros grupos industriais
dos setores ditos modernos e constatou diferencas significativas.
Para 0 conjunto do setor de materiais de transporte aparecem
grandes diferencas salariais entre as pequenas empresas (em
geral de autopecas) e as grandes (em geral as montadoras),
on de se registram os maiores padr6es de remuneracao. No setor
de tnateriais eletricos os niveis salariais sao mais baixos e mais
pr6ximos da media da industria, sendo de se notar ai a presenca
de industrias de montagem de aparelhos eletronicos leves de
consume e pequenos aparelhos dornesticos em cuja Iabricacao e
grande a utilizacao do trabalho feminino. Finalmente, nas em-
presas mecanicas os niveis salariais eram mais elevados, mesmo
se tratando de Iabricas menores. Especif icamente nas indus trias
,automobilisticas, Humphrey considerou que os salaries mais altos
podiam ser vistos como instrurnentos de controle e incentivos,
para que os trabalhadores aceitem tanto
0
controle por parte
da administracao como 0 ritmo intenso de trabalho. 0 fato de
que salaries relativamente altos sao pagos a Iuncoes que nao
exigem muito treinamento resulta do trabalho realizado na
industria automobiltstica. 0 trabalho nessa industria e relativa-
mente duro, e os trabalhadores aceitam que tern de trabalhar
mais duro pelo salario acima da media que recebem . As em-
presas entao impuseram disciplinas rigid as apoiadas no medo
que seus trabalhadores tinham de perder seus empregos e, com
isso, sofrerem forte queda de salarios. Luis Inacio da Silva,
II . I. Humphrey, A Iabrica modern a in Revista de Cultura e Politico,
5/6. 1981 p.
SO.
Ver tambern do mesmo autor
Controle eapitalista e
[uta operaria na industria automobilistiea brasileira, Vozes, 1982. Eu
ja
havia term in ado a redacao quando tive acesso ao excelente livro de
Ruy Carvalho,
Teenologia e trabalho industrial,
L
&
PM, 1987.
76
quando ainda era presidente do sindicato, em entrevista.dada na
epoca, refere-se ao fato:
70% da nossa mao-de-obra
e
semiqualificada, operadores .de ma-
quina, trabalhadores que aprendem a fazer uma peca dentro de
15 dias, s6 apertando botoes. Mas depois de certo tempo na empresa
podem atingir urn salario razoavel se comparado com
0
salario
minimo. S6 que quando e mandado embora da Volkswagen
ga-
nhando Cr$ 20,00 por hora, vai entrar na Mercedes ganhando
Cr$ 10,00. A Mercedes tambern manda em bora todos os que ganham
Cr$ 20,00 pra entrar na Volkswagen ganhando Cr$ 10,00 .1
2
Estas indicacoes ja sugerem algumas peculiaridades na orga-
nizacao do trabalho vigente nas grandes empresas. Na verdade,
a existencia de mao-de-obra abundante e a possibilidade de
treinamento rapido para a execucao das taref as levaram-nas em
geral a substituir os sistemas classicos de organizacao capitalista
do trabalho por outros esquemas. Pesquisa desenvolvida em
1978 por Af onso Carlos Fleury lancou alguma luz sobre as
polit ic as empresariais nesse campo.
. Os resultados da pesquisa levararn-nos a uma conclusao surpreen-
dente, qual seja:
a) que todas as empresas consideradas utilizavam urn mesmo es-
quema para a organizacao do trabalho, independentemente da
tecnologia de producao e do grau de dinamismo ambiental;
b) que esse esquema nao era identico a qualquer dos metodos
propostos pelas dif erentes linhas te6ricas.
13
o esquema utilizado, uma especie de variante do taylo-
rismo, f oi por ele batizado de rotinizacao do trabalho . Assim
como 0 esquema da racionalizacao , 0 da rotinizacao nao
12. Entrevista dada a 0 Pasquirn e transcrita em Lula - entre vistas e
discursos,
ABCD, 1980, p. 13.
13. A. C. Fleury, Rotinizacao do trabalho: 0 caso das indiistrias meca-
nicas
in
A. C. Fleury e N. Vargas (orgs.),
Organizaciio do trabalho,
Atlas, 1983, p. 90. A amostra f oi realizada em 12 empresas de 6 ramos
industriais diferentes. 0 aprofundamento da analise focalizou 32 em-
presas do setor de maquinas-Ierramentas.
77
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perrnite a formacao de grupos de trabalho e separa as esf eras
do planejarnento e da execucao. Mas, diferentemente da raciona-
Iizacao, a rotinizacao nao estabelece a maneira otima de produzir,
nao .procede
a
selecao e ao desenvolvimento cientif ico do tra-
balhador, nao usa recompensas monetarias como fator motiva-
cional para aumentar a produtividade. Fleury conseguiu identi-
f icar 3 diretrizes basicas no modelo utilizado: a) a criacao de
uma estrutura organizacional de apoio
a
producao (departa-
mento de projetos, de engenharia industrial, de tempos e metodos
etc.) proporcional a incerteza das taref as e necessaria tendo
em vista a utilizacao de mao-de-obra ciesprovida de conhecimen-
tos sobre 0 processo de producao: b) 0 estabelecimento de
tarefas simples individualizadas que permitam a substituicao
temporaria ou permanente de qualquer operario: c) a criacao
de urn sistema hierarquico para a supervisao das tarefas, elimi-
nando a necessidade de contato entre os operarios para a coorde-
nacao do f luxo produtivo
.14
Assim, as Iabricas modernas
que se criaram em nosso solo privilegiaram muito mais os
objetivos de contencao e disciplinamento social dos trabalhado-
res, beneficiando-se de maiores taxas de exploracao e recorrendo
~ continua rotatividade da mao-de-obra, do que os de raciona-
lizacao dos processos de producao com conseqiiente aumen to da
produtividade. Seu padrao salarial mais elevado - sempre tendo
por ref erencia os padroes vigentes no setor tradicional - nao ..
se vinculou tanto a incentivos para aumento da produtividade
do operario e sua formacao na empresa como a urn mecanismo
para f azer com que ele temesse perder seu emprego e aceitasse
as normas impostas.
h muito provavel que. a importancia do tema da dignidade
profissional entre os operarios das grandes indiistrias nesse pe-
dodo esteja ligada a revolta contra essa versao nacional do
taylorismo.
De qualquer f orma, no inicio da decada de 70, com a
grande expansao industrial, havia falta de operarios qualificados
e conseqUentemente 0 interesse das firmas em segurar aqueles
4 Idem. ibidem
pp. 92-3.
78
que asseguravam sua producao. Nessa situacao, quando insatis-
feitos eOdad a a quase inviabilidade da resistencia sindical, era
comum que operarios qualif icados tomassem a iniciativa de
pedir a conta e irem buscar emprego em outra empresa.
Baseados na existencia de fortes disparidades nos padr6es
salariais, os economistas passaram a tratar 0 mercado de tra-
balho como urn sistema segmentado. Haveria urn mercado pri-
marie , constituido pelas gran des empresas, que determinariam
seus padroes de rernuneracao segundo criterios internos, com
uma forte diversificacao tendente a favorecer as ocupacoes mais
qualificadas; e urn mercado secundario , constituido pelas em-
presas tradicionais, onde 0 salario minimo funciona como padrao
de referencia, Paulo Renato Souza chega a construir urn modelo
com 3 segmentos: 0 constituido pelas empresas modernas (com
suas fortes disparidades internas),
0
constituido pelas empresas
tradicionais e finalmente
0
chama do setor informal. Grosso
modo, os trabalhadores qualif icados das grandes empresas si-
tuam-se no topo da escala, benef iciando-se de uma politica que
busca integra-los a uma carreira intern a na empresa; os traba-
Ihadores nao qualif icados das grandes empresas misturam-se
com os das empresas tradtcionais, nosentido de que podem
passar regularmente de urn setor para outro e seus niveis sala-
riais nao sap tao diferentes; finalmente uma grande quantidade
s6 encontra ocupacao em microempresas ou como autonomos,
muitas vezes sem registro, nos postos inf eriores do setor ser-
v i Y O S .
15
J a vimos a disparidade salarial segundo ramos industriais.
Mas vale anotar que essa disparidade se acentuou na passagem
entre a decada de 60 e a de 70, constituindo-se portanto numa
experiencia viva dos trabalhadores no periodo que estamos
estudando. Enquanto
0
salario minimo real cairia em mais de
25% entre 1959 e 1973, 0 salario medic real de urn operario
da industria madeireira permanecia praticamente estagnado, e
0
de material de transporte se elevava em 70%. (Ver Anexo 4.)
Mais particu1armente apes a implantacao da politica salarial
dos governos militares verif icamos uma queda dos salaries mi-
15. Cf . P. Renato Souza,
Emprego salaries
e
pobreza
Hucitec, 1980.
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nimose maior dispersao nos salaries medics dos diferentes ramos
industriais.
Se tomarmos, por outro angulo, nao os ramos industriais
mas grupos de operarios segundo suas qualificacoes, teremos urn
outro registro da diversidade da evolucao salarial. Entre 1966
e 1972
0
salario medic real de urn servente numa industria
metahirgica caira em 14
%,
0 de urn operador de carro industrial
caira em 0,7%, mas 0 de urn mecanico se elevara em 3,7%,
o de urn eletricista em 4,6% e
0
de urn analista de laborat6rio
em 7,4%. Todos os dados nos mostram nao apenas a grande
disparidade salarial segundo a qualificacao, mas ainda 0 aumen-
to das diferencas ocorrido no periodo.
Deixemos agora as fabricas e observemos outros lugares
onde se produziram outros tipos de experiencias significativas
das condicoes de trabalho em Sao Paulo nas decadas de 60 e 70 .
Em 1980 cerca de 260 mil trabalhadores estavam em-
pregados no setor da construcao civil .na Grande. S~~ Paulo.
Costuma-se estabelecer uma relacao triangular solidaria entre
migrayao-favela-trabalho na construcao civil. Essa imagem .exige
series reparos. Em primeiro lugar porque a presenca de
migran-
tes nas favelas nao e significativamente diferente da observada
no conjunto da cidade. Em conseqiiencia, as relacoes positivas
entre migracao recente e trabalho na construcao civil e entre
esta variavel e a habitacao em favelas parecem ter motivos dife-
rentes. ? De urn lado as caracteristicas do trabalho na construcao
civil produzem a incorporacao de uma quantidade expressiva de
trabalhadores sem necessidade de especializacao, mal rernu-
nerados, com vinculo empregaticio precario e sujeitos a alta
rotatividade. Ora, sac pessoas nessas condicoes de precariedade
de emprego que mais necessitam apelar para a habitacao nas
favelas. Por outro lado, tambern as caracteristicas do processo
16. Cf . E. Bacha, Os rnitos de uma decada, Paz e Terra, 1976, p. 120.
17. Veja-se as pesquisas de Arlete Rodrigues, Processo migratorio e
situaciio de trabalho da p op ulacao [avelada de Siio Paulo, dissertacao
de mestrado, USP, 1981 Myrna Viana, S. Miguel Paulista: 0 chiio dos
desterrados - urn estudo de migraciio e urbanizaciio, dissertacao ?e
mestrado, USP, -1982.
80
de trabalho nesse setor permitem a utilizacao das habilidades
desenvolvidas em varias atividades artesanais presentes em areas
rurais de onde vieram migrantes. Ou seja, ele abre mais oportu-
nidades para que uma parce1a de migrantes possa ascender na
prof issao , passando a ajudante e a of icial . Outro motivo
freqiientemente observado para a atracao que 0 setor da cons-
trucao civil exerce sobre a rnao-de-obra recem-chegada a me-
tropole
e 0
f ato de oferecer-lhe urn abrigo.
0
trabalhador
improvisa sua cama e
0
fogareiro nas obras, aproveitando-se de
suas instalacoes, economizando 0 transporte (e possibilitando
assim uma remuneracao mais baixa). Ele esta, dessa forma,
disponivel para 0 trabalho extra a qualquer momenta e serve
ainda como vigia ou zelador.
o
processo de trabalho nesse setor foi caracterizado por
Sergio Ferro segundo 0 modele da divisao manufatureira do
trabalho , conforme analisado por Marx. Com efeito, a unidade
do processo nao e assegurada pelo ritmo da maquinaria, mas
pela coordenacao de urn mestre-de-obras. As maquinas sac pou-
cas e as ferramentas, rudimentares, adaptadas a cada operacao,
sac manejadas pelos diferentes profissionais, cujas habilidades
especificas caracterizam cada etapa da producao (os carpinteiros,
os eletricistas, os pedreiros, os armadores, os encanadores). Em
cada etapa uma equipe diversa de oficiais desempenha suas
funcoes apoiada no esforco f isico de urn grande contingente de
serventes (que constituem a grande maioria dos empregados).
Como as dif erentes f ases da producao consistem em etapas
sucessivas no tempo e dada a abundancia da mao-de-obra nao
especializada existente, esses setores sao costumeiramente dis-
pensados ao f indarem suas funcoes nessa obra, somente sendo
recontratados em outra obra e tendo de assegurar sua subsis-
tencia nos intervalos. Por isso tambem sac fluid as as fronteiras
entre
0
trabalho nao especializado na construcao e as ocupacoes
do chamado setor inf ormal. Os dados sobre rotatividade no
emprego mostram que essa situacao atinge particularmente os
peoes da construcao. (Ver Anexo 5.)
.
. ,18. S. Ferro, •A forma de arquitetura e 0 desenho da mercadoria
in
I
Cadernos de Literatura e Ensaio,
n. 2, 1976.
81
7/21/2019 SADER Emir Quanto novos personagens entram em cena parte 1.pdf
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Em 1980 cerca de 11 % da populacao economicamente
ativa da Grande Sao Paulo tinha uma renda media mensal
abaixo do salario minimo legal. Esse numero da uma dimensao
aproximada das parcelas que nao obtinham do trabalho nem 0
minimo necessario para a subsistencia. Trata-se de uma mer a
aproximacao, seja porque uma parte deles pode apenas comple-
mental' a rend a familiar (e na verdade sac as Iamilias as uni-
dades de subsistencia, mais do que os individuos), seja porque,
em sentido contrario, mesmo
0
salario minirno nao assegura
a subsistencia. Aquilo que os economistas identif icam como
um setor inf ormal - urn contingente da mao-de-obra que
nao e absorvido pelas empresas organizadas e que conseqiiente-
mente nao desf ruta sequer das condicoes de emprego e salario
estabelecidas pelo setor capitalista - de algurn modo recobre
o que os sociologos de uma decada atras identif icavam como
setor marginal . Nao vem ao caso agora uma discussao sobre
a impropriedade dos termos, pois 0 que nos interessa aqui e a
identificacao empirica desses grupos e a apreensao dos signifi-
cad os de seus modos de vida.
Os dados levantados pela Emplasa em sua pesquisa sobre
Origem e Destino dos Passageiros na Grande Sao Paulo em
1977 nos permitem uma caracterizacao geral de tais grupos.
Do total de trabalhadores autonomos e assalariados, 25% de-
sempenhavam atividades classif icadas como de baixa especiali-
zacao . Algo mais que a meta de destes (e 13,5% do total)
eram assalariados, uma parte deles prestando services nao es-
pecializados como continuos, of fice-boys, faxineiros, serventes,
outra parte sendo operarios sem especializacao. E algo menos
que a meta de (sendo 115 % do total) foi classif icada como
autonoma . Mas, destes, 56% eram empregadas domesticas e
31 % desempenhavam as atividades tipicas do setor informal :
ambulantes, carregadores, engraxates, prostitutas. Nota-se que
a categoria baixa especializacao reune urn conjunto de ocupa-
coes habitualmente classif icadas como nao especializadas .?
19.
Mas nem todos os nao especializados foram incluidos nessa
categoria. Entre os semi-especializados estavam inclufdos, por exemplo,
porteiros, zeladores etc. Cf. Pesquisa de origem e destino e1aborada
82
Chama a atencao 0 numero das empregadas domesticas.
Presentes em quase todas as casas de f amilia de classe media
e alta, elas no entanto nao constituem coletivo algum, isoladas,
cada uma submetida a urn domicilio dif erente. Emprego adequa-
do para as mulheres migrantes, porque requer as habilidades
(na cozinha, limpeza, arrumacao domestics) e os padrces cul-
turais que def inem a submissao da mulher no lar.
Quanto aos assalariados sem especializacao, eles constituem
essa massa continuamente submetida ao desemprego, muitas
vezes trabalhando sem carteira assinada e recebendo menos de
urn salario minimo. A inseguranca e a instabilidade fazem parte
do seu cotidiano, de onde brotam continuamente tanto a revolt a
como a subserviencia,
Quanto aos autonomos do setor informal't. sem estarem
diretamente submetidos a urn patrao e dependendo a cada dia
do exito de suas estrategias para assegurar a sobrevivencia,
vivern mais fortemente na situacao de inseguranca e desamparo.
Uma alteracao das mais significativas, ocorridas nas con-
dicoes de trabalho no periodo considerado, foi a que afetou urn
conjunto de atividades nao manuais . Uma diversidade de
profissoes que requerem escolarizacao formal, mas, mais do
que isso, a participacao num universo cultural nitidamente
dernarcado da dos trabalhadores bracais foi atingida por mu-
dancas nas condicoes de trabalho que estimularam aproximacoes
culturais significativas entre trabalhadores manuais e intelectuais.
De urn lado tivemos urn assalariamento crescente de antigas
profissoes liberais, sobretudo engenheiros e medicos. Os consuI-
t6rios privados enquanto lugar de trabalho autonomo van
minguando, e
0
lugar pOl' excelencia dos novos contingentes de
pel a Emplasa (Empresa Metropolitana de Planejamento) em
J
977. E
veja-se, sobretudo, 0 estudo de Ana Amelia Silva,
E sp aco e [ orca d e
trabalho na Grand e Si io P aulo,
Emplasa, 1979.
20. P. Renato Souza considera que a mesma ocupacao pode ser incluida
no setor informal ou nao dependendo de sua clientela. Assim, a loca-
lizacao do bairro em que se estabelece um service seria indicador rele-
vante para tal caracterizacao, P. R. Souza,
op. cit.
83
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medicos sac grandes hospitais, clinicas ou postos de saude
geridos como empresas ou services publicos e onde eles sac
assalariados do setor privado ou funcionarios publicos .
De outro lade tivemos um processo de deterioracao econo-
mica de profissoes que ia eram predominantemente assalariadas,
mas submetidas a uma valorizacao cultural e f inanceira que as
distinguia dos trabalhadores bracais. Estao ai as prof essoras e
professores. Seu prestigio e reconhecimento social estavam
vinculados a uma aura de desinteresse pelos ganhos materiais,
assegurada pela manutencao de condicoes minimas para a repro-
ducao de seu capital simb6lico . Mas ia em
1980
a Associacao
dos Prof ess ores do Estado de Sao Paulo, reclamando contra a
queda salarial da categoria, comparava suas remuneracoes com
o preco de um litro de gasolina (0 salario de um professor
nivel
1
comprava
1250
litros de gasolina em
1970
e apenas
217,
to anos depois) .22 .
Mas e especificamente 0 setor bancario, onde ocorre um
processo de inf orrnatizacao da organizacao do trabalho, que
provoca uma efetiva proletarizacao dos seus empregados. As
novas tecnologias implicam, de uma parte, um novo tipo de
tuncionarios com outras qualificacoes+' e, de outra, a possibi-
lidade de desvalorizacao e rotatividade para 0 grande contingente
de nao qualificados.
Um indicador dessas mudancas de comportamento que
aproximaram trabalhadores nao manuais dos manuais pode ser
dado pela crescente adesao daqueles a forma de associacao
sindical. No setor de profissionais liberals 0 numero de ernpre-
gados sindicalizados aumentou em
363%
entre
1960
e
1978
21 Existem indicacoes no sentido de que para muitas professoras pri-
marias
0
salario nao tinha a importancia de hoje. No contexto da
submissao da mulher, seus salaries eram considerados suplementares aos
do chefe da familia. .
22, Cf. [ or nal da Apeoesp, 1980
23. Veja-se R, Grun, A produciio de uma empresa moderna: os bancd-
rios e a automaciio,
dissertacao de mestrado, PUC, 1985; e F. L. Zarn-
berlan e M. S. Salerno, Racionalizacao e autornatizacao: a organizacao
do trabalho nos bancos
in
A, C. Fleury e N, Vargas,
op, cit,
84
em comunicacoes e publicidade , em
399%;
em
educacao
e
cultura , em
489 %
.24
Ha f inalmente uma outra caracteristica marcante para
compreensao dos significados presentes na experiencia do tra-
balho nesse periodo: a crescente participacao da mulher nas
atividades remuneradas. A percentagem de mulheres na popu-
lacao economicamente ativa da Grande Sao Paulo passou de
25,4% em 1950 para 282% em 1970 e 32,8% em 1980 .
Houve aumento da participacao feminina em praticamente
todos os setores e ocupacoes, inclusive emramos industriais
ate entao mais resistentes ao trabalho da mulher a partir de
criterios como 0 da menor resistencia Iisica, das protecoes asse-
guradas pela CLT, da menor disponibilidade para horas extras
etc. De um lado 0 crescimento de tecnologias de producao que
requerem do trabalhador mais atencao e meticulosidade do
que esforco Iisico (por exemplo, na industria eletronica) e, de
outro, os ganhos obtidos com os salaries mais baixos pagos as
mulheres parecem ter estimulado a expansao do emprego Iemi-
nino na industria. -
De qualquer modo,
0
trabalho feminino remunerado conti-
nuou predominando nos setores que ia eram mais abertos para
ele. Em 1976, eram 25% as mulheres no total dos ocupados na
industria; no comercio eram 27,5%; na prestacao de services
ia eram 488%. Tornando-se a ia referida Pesquisa de Origem
e Destino realizada pela Emplasa em
1977,
verif icamos que a
ocupacao que, individualmente, predominava entre as mulheres
trabalhando fora era de empregadas domesticas
(18 %
do
total das mulheres na PEA na Grande Sao Paulo). Um conjunto
de ocupacoes agrupadas como assalariados semi-especializados
do setor terciario (entre as quais ressaltam dati16grafas, banca-
rias, balconistas) soma
27%,
constituindo 0 grosso do con tin-
gente feminino empregado. Professoras, enfermeiras, secretarias,
alem das operarias nao qualif icadas, parecem reunir a maioria
das categorias do trabalho feminino.
24, Cf. M. Herminia Almeida, 0 sindicalismo brasileiro entre a con-
servacao e a mudanca
in
B, Sorj e M. H. Almeida (orgs.),
Sociedade e
politica no Brasil p6s-64, p. 195.
85
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Se bem que tenha aumentado a participacao feminina nas
ocupacoes tecnicas e cientificas, continuou predominando 0
padrao do trabalho f eminino como nao qualificado, precario e
mal rernunerado.P Enquanto 4,5 % dos homens no municipio
de Sac Paulo recebiam menos de 1 salario minimo, eram 16%
das mulheres nessa situacao no ana de 1980; sendo que 71 %
das mulheres recebiam ate 3 salaries para 47% dos homens.
A partir dos 25 anos corneca a declinar a participacao da mulher
na populacao economicamente ativa , assinalando a relacao
negativa entre trabalho remunerado de urn lade e casamento e
maternidade de outro. A incorporacao do trabalho feminino
pareceu corresponder a uma busca, pelos empregadores, de
trabalhadores com os atributos vinculados a mulher a partir
do seu lugar subordinado na instituicao familiar: a submissao
e a paciencia, 0 cuidado e a docilidade (presentes inclusive na
irnagern maternaldas prof essoras e enf ermeirasj F
Mas se 0 mundo do trabalho f oi injetado de elementos do
mundo dornestico atraves das mulheres, tambern, no sentido
contrario, as relacoes entre os sexos e 0 lugar natural da
mulher foram alterados atraves dessa crescente ernancipacao
economics f eminina. E isso signif ica que aqueles atributos tidos
por naturais da mulher f oram bastante af etados.
Assim, resumindo, a experiencia no trabalho - importante
nao so porque condiciona fortemente
0
conjunto das condicoes
de vida na medida em que determina os rendimentos, mas ainda
porque constitui em geral a principal insercao do individuo na
rede social, sendo por isso
0
principal lugar de definicao de
suas identidades - foi a experiencia de uma exploracao extre-
mamente diferenciada. Dif erencas notaveis quanta a remune-
racao, condicoes de trabalho e padroes contratuais foram ex a-
cerbadas na decada. Sufocadas as possibilidades de pressoes
politico-sociais, as condicoes de trabalho foram em geral defi-
25. Veja-se Leticia Costa,
A participaciio da mulher no mercado de
trabalho, FEA, USP, 1982; Cristina Bruschini, Mulher e trabalho, Nobel,
1985; Sandra Brisola, Sexualizacao das ocupacoes
in C adernos de
Pesquisa, 1979.
26.
cr.
C. Bruschini,
op. cit,
86
nidas em f uncao das condicoes de mercado. Num mercado de
trabalho altamente competitivo,
0
padrao de comportamento
estimulado e predominante foi 0 da corrida individualista as
posicoes superiores. A busca por qualificacao , entendida como
habilitacao para as ocupacoes mais procuradas pelas empresas,
esta estampada no enorme crescimento das escolas tecnicas e
profissionais, dos curs os noturnos e mesrno em geral da escolari-
zacao das classes trabalhadoras.
0
padrao individualista de
veneer na vida esta estampado no orgulho profissional dos
Ierramenteiros, torneiros, fresadores, dos qualificados em gel' al,
que experimentaram sua importancia no processo de trabalho,
que tiveram significativas melhorias materiais ate a meta de da
decada, que tiveram f orca para barganhar com chef ias das em-
presas mais poderosas. Mas ele foi certamente superdimensiona-
do nas caracterizacoes feitas na decada de 70, porque corres-
pondia aos etos dominantes. 0 orgulho prof issional expressa
sobretudo a experiencia da importancia de seu trabalho para
o processo de producao. POl' is so mesmo f reqiientemente essa
atitude nao implicou uma submissao as normas patronais para
ascender na empresa. Frente a empresas que procuraram quase
sempre impor as normas rigidas e os salarios mais baixos, esses
operarios qualif icados apreenderam a Iorca da pressao coletiva
e mobilizaram as solidariedades Iorjadas a partir das relacoes
pessoais. A experiencia do trabalho foi assim a experiencia de
rigidas disciplinas e de ordenacoes despoticas contra as quais
os trabalhadores se moveram.
As caracteristicas dos processos de trabalho implicaram
uma signif icativa aproximacao entre uma camada de opera-
rios qualificados e um coni unto de assalariados de ocupacoes
nao manuais. E nao se tratou de alguma camada de opera-
rios qualificados pertencentes a profissoes formadas de longa
data e que ia houvesse gerado alguma cultura propria, diferen-
ciada da massa trabalhadora. Esses operarios qualificados assu-
miram seus postos atraves de carreiras relativamente rapidas,
ja que nao se requeria sof isticadas Iormacoes previas. Suas
posicoes privilegiadas em relacao aos demais dependeram mais
cte ~s~u exito na demonstracao de habilidades frente a um
crescimento industrial muito rapido, que exigiu mao-de-obra
87
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qualificada entao escassa no mercado. Por outro lado, assistimos
a uma difusao de padr6es de comportamento de trabalhadores
assalariados de parte de camadas expressivas de membros prove-
nientes das tradicionais classes medias , com relativa escolari-
zacao e traces de uma cultura em que havia repulsa pelo
trabalho assalariado,
As diferencas no mercado de trabalho se expressaram, por
Sua vez, numa diferenca entre aqueles que se reconheceram no
trabalho, que se valorizaram atraves dele, e os que viveram de
um emprego para outro, E
0
orgulho dos prof issionais e a
instabilidade dos peoes. Se os primeiros provaram a ordem em-
presarial, contra a qual procuraram mobilizar sua forca especi-
fica no pr6prio local de trabalho, numa relacao constante, os
outros transitaram permanentemente das linhas de montagem
para pequenas of ieinas de conserto, onde 0 dona e um mecanico
.que trabalha com seus empregados, do emprego de off ice-boy
para
0
de ajudante geral, de zelador para sucateiro, de empre-
gada dornestica para balconista. Aqui a dependencia assume mil
f ormas e muitas delas sac disfarcadas. A subserviencia, a re-
beldia,
0
ressentimento eo desamparo, a valorizacao da liberdade
e a insubordinacao estao ai presentes atraves das combinacoes
mais esdruxulas. Na elaboracao dessas experiencias iam se for-
mando identidades coletivas.
A traj e t6ria d os mig rantes na cid ad e
Parcela consideravel dos trabalhadores viveu
0
inicio da
experiencia da condicao proletaria em Sac Paulo na situacao
de migrante. Quer dizer que as experiencias de procurar tra-
balho, obter documentos, arrumar moradia foram realizadas
no curso de urn processo de ressocializacao, onde estao presentes
representacoes que expressam uma alteracao de padr6es culturais.
Em 1970, do total da populacao economicamente ativa
apenas 31 % nao haviam passado pela situacao da migracao:
34% eram migrantes chegados em Sac Paulo M menos de 10
anos: e 35%, migrantes chegados a mais tempo. Em 1980, as
pessoas que haviam migrado M menos de 10 anos e viviam na
88
Grande Sao Paulo somavam 3.384.000 pessoas, das quais
1871000 vinham de Estados do Sudeste e 993.000 de Estados
do Nordeste.
Qual 0 signif icado disso? De que modo esse fenome~o
incide sobre a constituicao das classes trabalhadoras?
No correr dos anos 50 e 60 formou-se uma primeira imagem
a respeito desse processo, que assinalava-o como manifestacao
da modernizacao da sociedade, em transito do tradicional rural
para
0
urbano-industrial. Enquanto personificacao desse pro-
cesso, os migrantes estariam experimentando uma forma de
progresso atraves da mobilidade social oferecida pela industria-
lizacao e pela urbanizacao.
A essa visao otimista contrapos-se uma outra, critica, que
se constituiu com a chamada teoria da marginalidade, ao f inal
dos anos 60, mas que sobreviveu a ela. Nesta imagem vemos
assinalados os mecanismos de exclusao, desenraizamento, margi-
nalizacao, que atingem os migrantes pobres nas metropoles.
Numa pesquisa feita por J. C. Petrini numa comunidade de base
na perif eria de Sao Paulo, vemos a ref erencia as condicoes da
metr6pole, que desvalorizam os conhecimentos rurais, produ-
zindo nos migrantes um sentimento de rejeicao. Enfrentando
uma cultura estranha,
0
migrante se sente perdido, isolado, sem
amparo, tendo, no entanto, de adequar-se a esse sistema .
0 processo que, do ponto de vista da sociedade, e de integracao
consiste para 0 migrante na desagregacao dos lacos de solidarie-
dade a pessoas e grupos sociais, na perda da fidelidade a valores
e ideais que resultam numa sistematica desapropriacao de sua
identidade.
28
Descrevendo 0 drama do migrante, os apresentadores de
um livro de relatos dos nordestinos em Sao Paulo dizem que ele
nao encontra outro lugar que se tome 0 seu lugar, nem outra
gente que se tome sua gente. Sai de sua terra de origem e niio
27. Dados oficiais a partir dos censos do IBGE.
28. J. C. Petrini, CEBs: urn novo sujeito popular, op. cit. p.
30.
89
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se estabelece no lugar de destine. Vive em uma situacao, mas tern
o coracao em outra. Isto
e
0 que chamamos de desenraizamento .29
Tal caracterizacao, que capta com precisao a perda de'
raizes, tem 0 defeito de f ixar esse momenta como se fosse um
atributo essencial do migrante. Mas quando retomamos com
cuidado os relatos dos migrantes podemos talvez conc1uir que
essa imagem, embora se ref ira a um Ienomeno real, padece de
certa parcialidade. Ela registra com pertinencia os traumas do
impacto da chegada a urn mundo diverso, onde se defrontam com
padroes de conduta aos quais nao estavam habituados. Falando
sobre a nova realidade, estranha e desaf iadora, os migrantes
reagem primeiro, muitas vezes, com a nostalgia daquilo que
perderam: da trama de relacoes pessoais e comunitarias onde
se reconheciam e ' eram reconhecidos. 0 quase isolamento no
qual se veem 1na chegada a urn ambiente desconhecido; a igno-
rancia das regras urbanas e 0 medo de serem enganados; a
exigencia de papeis de identidade cuja obtencao e complexa e
cujo significado parece incompreensivel; a luta por empregos
em que os criterios de admissao nao valorizam as habilidades
que tern; e, sobretudo,
0
ritmo de vida da cidade capitalista
- desde 0 controle do tempo na fabrica ate os horarios rigidos
para a conducao, a comida e
0
demais - sao temas .recorrentes
nos depoimentos dos migrantes.
Mas a parcialidade da interpretacao comeca com uma trans-
criyao acrltica da idealizacao do universo rural. Na fala dos
migrantes, a referencia a uma situacao melhor no campo serve
em geral pa~a contra star 'com as caracterlsticas adversas da expe-
riencia da nova realidade. Mas essa situacao melhor se refere
a um tempo passado. E preciso ver que 0 sentimento de rejeicao
quase invariavelmente comeca no pr6prio ponto de origem da
migracao. Por que veio para Sao Paulo? Porque la na roca
nao dava mais. Essa e a resposta repetitiva que obtemos ao
indagar das razoes dessa mudanca tao diffcil.?
29. Varies, Os
nordestinos em Siio Paulo,
Paulinas, 1982,
p.
33.
30. Cf. E. Durham, A caminho
da cidade,
Perspectiva, 1976; L. Pereira,
Trabalho e desenvolvimento no Brasil ,
Difel, 1965; M. Judith
B.
Muszyns-
ki, 0
impacto polit ico das migrociies internes,
Idesp, 1986.
90
Quando 0 trauma dodesenraizamento nao e superado e
urn sinal de que abortou
0
projeto de sua integracao a nova
realidade. Essa situacao evidentemente existe mas nao e iinica.
E, alem disso, mesmo nos casos em que os migrantes sao afetados
por mecanismos de exclusao e privacao, na rnaior parte das
vezes
0
lamento, ou a revolta, ja e f eito atraves de valores
que indicam a assimilacao de padroes do mundo urbano. 0
proprio texto referido assinala 0 f ato ao dizer que, embora 0
retorno seja 0 grande sonho, rnuitos acham vergonhoso voltar
sem ter vencido na vida , Na verda de as pr6prias queixas da
vida urbana ja sac feitas no interior de um quadro de referencias
onde predomina a busca de oportunidades para melhorar de
vida, e isto exclui
0
retorno
a
roca, a nao ser sob a forma de
urn lugar simb6lico, onde projetam
0
reconhecimento de suas
identidades. E
0
lugar onde se formaram seus habitos e valores
e onde imaginam serem reconhecidos comopessoas integrais.
Tomemos
0
depoimento de um migrante nordestino, que
veio da roca e que chamou os pais para virem tambern:
Achava melhor para eles e para mim. Aquele lugar
e
poluido,
que a roca la tambem
e
poluida,
e
igualmente Sac Paulo ( . )
E que Sao Paulo a poluicao de que se Iala
e
sobre fumaca, sobre
agitacao, sobre tanta f abrica, tanto esgoto, tanto problema ( . )
Na roca
e
poluido tarnbem, mas tern urn pouquinho de dif erenca:
e
que a poluicao da roca e que as pessoas nao sao todas bem
tratadas ( . ) As criancas nao sao bem tratadas como as que mora
na cidade. A agua que se bebe nao e bem cuidada como a agua
da cidade ( . )
0
trabalho
e
na agricultura e a pessoa se
corta,
se fura e, segundo meu conhecimento, a poluicao da roca
e
isso
ai, Eu pensei que deveria partir para outro lugar, para ficar mais
insufocado, mais a vontade .31
Ante a caracterizacao da poluicao urbana ele chama a
atencao para as privacoes da roca, que 0 incomodavam. Ao dizer
que as pessoas nao sac bem tratadas, ele se ref ere de urn lado
31 Cit. in Os
nord estinos em S iio Paulo, op. cit.
p. 18.
91
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ao maior conf orto da vida urbana e de outro a maior dureza
das condicoes do trabalho rural. Conclui essa p~rt: re1atan~?
qual era sua motivacso: Ficar mais insufocad~, mars a vontade .
Sabendo-se 0 que significa 0 ritmo compulsive da metr6pole,
poderiamos pensar que seu projeto de vida .te:i~ resultado num
fracasso. Mas nao e assim, porque, na traJetona de cad a urn,
cada passo dado vai levando-o para uma nova situacao, com
novos padroes de conduta, valores, norrnas, expectativas. No
caso deste migrante, vemos como e1e
i
incorporara valores da
sociedade urbana.
Diz que nao se dava bem na roca:
• .Uma por causa do trabalho ( . ) e outra porqu.e nao estudei,
nao aproveitei minha chance, nao tinha oportumdade. _So~ de
baixo grau sobre estudo; mas ate 0 que aprendi, na roca nao tinha
condicao de aprender. Em segundo lugar eu gosto de viver em
urn lugar bem diferente da roca, que tenha mais conforto. Eu me
esforcava em cad a desejo, me esforcava para encontrar. Por
exemplo, se abrisse matricula num colegio, eu ja me esf orcava. se
tivesse urn grupo de pessoas falando de alguma coisa que visse
que servia pra gente, eu chegava para escutar, se visse algum
trabalho de arte, eu chegava para aprender. Realmente nao aprendi
tudo mas na cidade tern tudo isso, na roca nao tern. S6 t inha
meu'
esforcc, nao
tinha uma ajuda suf iciente para aproveitar tudo
que encontrava ,32
Apesar de todos os problemas da cidade, as vantagens que
ela oferecia i
0
atraiam, por contraste com
0
que tinha na ro?~.
E para ter acesso a elas e1e busca as oportunidades de mO~lh-
dade social oferecidas pela sociedade urbana. Isso quer dizer
que os fundamentos da sociedade tradicional i es.tavam corroi-
dos I mesmo. A migracao i aparece como tentativa de melho-
rar de vida, numa denuncia da deterioracao das condicoes de
vida rural re1acionada com 0 poder de atracao da vida urbana.P
o fundamental e saber como e resolvido
0
trauma da chegada.
32. Idem, ibidem,
pp. 19-20.
33. Cf. E. Durham, op. cit.
92
Moura veio do sertao de Pernambuco porque sua familia .
comecou a ser expulsa dumas terrinhas que tinha, e veio tentar
a vida como operario metaliirgico. Diz que
0
sonho mesmo do nordestino quando chega aqui em Sao Paulo
e de entrar numa f irm a grande. E ilusao, grande ilusao, inclusive
eu tive amigos, primos ate, la da minha cidade, que vierarn e
entraram na Volkswagen e pegaram uma linha de montagem la
e nao agiientararn trabalhar dois dias ( . ) porque e urn trabalho
assim muito corrido, tr abalho corrido demais. Entao
0
car a nao ta
assim acostumado, nao tern uma visao de producao, nao agtienta
mesmo .34
Esta de novo at
0
registro do impacto negativo das con-
dicoes urbanas recem-encontradas e ainda a referencia
a
ilusao
que os animava ao chegar. Mas nao se pode fixar como um
dado algo que pode ser (e na maior parte das vezes e) um
momento numa trajet6ria.
Ao transferirem-se para a cidade grande, os migrantes que
chegam sem posses materiais (e que constituem a enorme maio-
ria) sof rem ainda com aquilo que Lucio Kowarick chamou
perda de propriedades cognitivas (no sentido de que 0 estoque
de conhecimento que tinham para'
0
trabalho rural nao lhes
serve mais dadas as caracteristicas divers as do trabalho urba-
no)35 e tendem a ocupar posicoes mais penosas e mal remune-
radas no mercado de trabalho. 0 resultado disso esta estampado
em todas as estatisticas que se f izeram cruzando migracao com
renda, escolaridade, condicoes de moradia e outros indicadores
de acesso a bens disponiveis na cidade.Pesquisa recente sobre
impacto politico das migracoes em Sac Paulo assinala que 50%
dos migrantes vindos das zonas rurais de outros Estados que
nao Sao Paulo habitavam as duas areas homogeneas mais pobres
do .municipio da capital (segundo a classif icacao feita pela
Ernplasa e ja referida antes), quando menos de
15
da popula-
yao total residia nessas duas areas.
34. Depoimento dado ao autor.
'35. L. Kowarick, As metarnorf oses do trabalho
in A espoliaciio urba-
na,
Paz e Terra, 1980.
36. M. Judith B. Muszynski,
op. cit.
93
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Mas, se bem que tal constatacao seja fundamental, e igual-
menteIndispensavel nao parar ai. 0 decisivo sera vel' como a
situacao de desajuste, de perdas culturais (que sao tarnbem
perdas de am arras) , que constituem a experiencia migrante,
recebe respostas com que cis migrantes procuram. enfrentar
0
desafio, ecomo 0 resultado dessa aventura se estampa na
imagem que passam a tel' da cidade, onde constroem os espacos
da solidariedade e os da selva, onde identif icam urn lugar para
as relacoes pessoais, 0 trabalho, a lei, os patroes, a fantasia.
Como os migrantes identificam os problemas que enfrentam
ao chegar? Pesquisa realizada pelo Centro de Estudos Migrate-
rios assinalou:
- falta de moradia;
2 - falta de emprego;
3 - choque cultural;
4 falta de profissao.?
M, Berlinck havia identificado:
- moradia;
2 obtencao da documentacao legal;
3 - emprego;
4 alimentacao. .
J
a se ve que houve diversidade na propria classificacao.
Mas 0 mais importante e acompanhar as. modalidades de que
lancam mao para procurar resolver. seus problemas, .Manoel
Berlinck ja havia anotado em sua pesquisa como os migrantes
se apoiavam na rede de contatos informais constituida, por
familia res e conterraneos para resolver os problemas que iden-
tif icavam em sua adaptacao a metropole. 'E voltamos ainda uma
vez ao estudo de Eunice Durham, onde mostra como a familia
permanece lugar central de reelaboracao de experiencias de
37, Migraci io pobreza e participaciio do migranie na periierla de Silo
Paulo 1975-1983, Centro de Estudos Migrat6rios, 1983,
38,
M
Berlinck,
Marginalidade social e relaciies de classes em Silo
Paulo, Vozes, 1975.
94
seus membros e de construcao de projetos de vida. Ao apoiar-se
~a familia 0 migrante recupera (e reinterpreta) toda uma cons-
htelacao de normas e valores comunitarios rio interior das relacoes
societarias. A mobilizacao de parentes, vizinhos e conterraneos
'nao constitui urn residuo de padroes tradicionais, que tenderiam
a sumir com
0
progresso da urbanizacao, mas saD relacoes atuali-
zadas na vida urbana e constitutivos dela.
Todas as pesquisas apontam nesse sentido. Os grupos de
migrantes ao chegarem procuram algum lugar onde ja estejam
estabelecidos familiares, conhecidos seus ou ao menos conter-
ranees, que os ajudam na informacao - e as
vezes
mesmo na
-recomendacao - para obtencao do emprego, da documentacao
legal, para
0
conhecimento dos itineraries, para identif icar as
oportunidades e os percalcos da vida urbana, 0 trabalho .dos
.menores e seu aprendizado se da no interior de urn projeto
familiar, A colaboracao se manif esta ainda n~ alojamento dos
h
. -
t -
d 39
que c egam ou no mutirao para a cons rucao , a casa.
I. Aqui cabe discutir 0 dualismo que coptrap.o~ o~ padroes
.da sociedade competitiva aos da sociedade patnmomal. Nesta
ultima, as pes soas buscam ser recorih~cidas: e a condicao p~ra
issa e uma relativa estabilidade social onde se f orn;.a a tradicao,
, que lhes permite cumprir os papeis at~ibuidos, do que resultar~
o ansiado reconhecimento pela comumdade. Na ordem competi-
tiva, 0 objetivo buscado e progredir, melhorar, veneer, A con-
dicao para isso e urn quadro social de mobilidade e progresso,
que oferece oportunidades, aproveitadas diversamente conforme
cada individuo se habilite. E ai alcanca ou nao seu alvo, expresso
em' conforto, na aquisicao de bens materiais e simbolicos.
Enquanto quadro heuristico para analises concretas, esse
esquema pode ajudar na compreensao de varies aspectos da
ordem social competitiva. Ele permite uma abordagem possivel
.a reconstituicao do que seria uma personalidade basica da so-
ciedade capitalista urbano-industrial.t Mas esse esquema mais
distorce do que ilumina quando se ignora a presenca de outras
39, Veja-se Rosa Fischer,
A f avela como. soluciio de vida,
USP, s,
d.
E, Durham;
op. cit.;
M, Berlinck,
op, cit,
AD ,
Do modo como f az L. Pereira
in op. cit.
95
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determinacoes ou, pior, quando e confundido com uma trans-
cricao real da passagem da vida rural para a urbana. Essa
ordem patrimonial ja estava corroida no campo. E 0 que emerge
na sociedade capitalista brasileira nao pode tampouco ser redu-
zido a uma simples manifestacao da ordem social competitiva .
Podemos ver como os migrantes recorrem, reelaborando,
a padr6es comunitarios para um modo de integracao a sociedade
urbana que nao e pura assimilacao, mas que contribui para
alterar essa ordem na qual se integram.
Retorno ao relato de Moura, que chegou de Pernambuco e
foi trabalhar na Mercantil Suissa, que, ele explica, era uma
especie de escolinha pra turma que chegava do Nordeste, porque
a Volkswagen naquela epoca s6 pegava alguem quando ele pas-
sava por essa f irma ( ... ) Entao se voce tivesse trabalhado urn
ano na Mercantil Suissa, ja entrava na Volkswagen como urn
prof issional . 0 seu irmao ja estava aqui e era metahirgico na
Volks e por isso the deu essa orientacao. Nove meses depois ele
entrava na Volks. Porque eu ja tinha preenchido ficha na
Volks e meu irmao, como trabalhava la e tinha um alemao,
que era vizinho nosso, e la era mais cartucho naquela epoca
mesmo .. , 0 alemao era vizinho e 0 que funcionava para obter
o emprego era cartucho. 0 cartucho no caso era 0 conhecimento
pessoal. Ai vemos como as relacoes pessoais eram instrumen-
talizadas dos dois lados. Do lado dos que buscavam emprego,
era fundamental mobilizar suas relacoes de amizade e eles 0
f aziam. Mas tambem para a empresa esse mecanismo criava
relacoes de responsabilidade e solidariedade entre seus empre-
gados.
Estamos assim a leguas da dicotomia entre 0 rural-cornuni-
tario e
0
urbano-societario. Sou levado
a
interpretacao de Ro-
berto Da Matta, que registra as duplas individuo-pessoa e
rua-casa como dois universos contradit6rios e complementares,
constitutivos do conjunto da vida social brasileira. 0 mundo
da rua e 0 da luta pela vida , e 0 da casa e 0 do reconhecimento
das pessoas. Mas as regras pretensamente impessoais do mundo
da rua sac a todo momento transgredidas pela utilizacao das
relacoes pessoais. Dai sua interpretacao do drama dos migrantes
ei
e
.
,
•
r
•
e
•
•
•
•
•
96
ser radicalmente diversa daquela manejada pela teoria da rno-
dernizacao.
0 que ocorre com a massa de pessoas que, nao tendo mediador
algum, entram no mundo diretamente, sem padrinhos, pistol5es
ou mesmo patr5es? 41
. Essa massa de indivlduos e constituida em sua maioria por
migrantes deslocados, que nao lograram constituir seus media-
~or~s, e as rela?6es onde eles entram como pessoas e nao como
individuos. Assim, 0 drama dos migrantes nao e 0 de enfrentarem
u.ma sociedade racionalizada, impessoalizada, mas, pelo contra-
no, de aparecerem como individuos num mundo altamente
pessoalizado , onde as asperezas das relacoes burocra ticas sac
contornadas pelas relacoes pessoais.
E: nessa situacao que os migrantes procuram mobilizar suas
relacoes pessoais. Sao sobretudo os familiares, mas tambem
co~te,rr.aneos e viz~nhos - entre os quais se estabelecem relacoes
pnmar:as, pessoais - que constituem a base de apoio para
obtenc;:ao do emprego, da casa, da documentacao, das inform a-
coes necessarias para a insercao na cidade desconhecida. Trata-se
aqui de uma reelaboracao desse padrao de relacoes primarias.
~e n.a sua casa e preservada a pessoalidade das relacoes, ja no
ambito do espaco publico as relacoes pessoais sac instrumentali-
zadas em funcao das necessidades postas na vida societaria.
Os estudos que se limitam, assim, a uma comparacao entre
a situacao dos migrantes recern-chegados com a situacao dos
nao migrantes, chegando
a
conclusao de que estes estao em me-
lhores condicoes, nao f azem mais do que chegar ao 6bvio.
Pesquisa f eita por G. Martone e
J .
C. Peliano com os dados
do censo de 1970 desdobrou as categorias em nao migrantes
migrantes recentes (ha menos de 10 anos na cidade) ;
migrantes antigos (ha mais de 10 anos na cidade), permitindo
que se conhecesse algo mais sobre as tendencias havidas no
41
Roberto Da Matta, Voce sabe com quem esta f alando?
Ur n
ensaio
sobre a distincao entre individuo e pessoa no Brasil
in Carnavais
malandros e herois,
Zahar, 1983, p. 187. '
97
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correr do tempo. Transcrevo abaixo uma das tabelas que cons-
truiram :
CONDI<;AO MIGRATORIA E RENDA
AREA METROPOLITANA DE SAo PAULO
1970 em percentagem
Individuos do sexo masculino
Rendimento
Nao
Migrantes
Migrantes
mensal em Cr$ Migrantes migrantes recentes
antigos
Sem rend. 10 17
15 0,7
1
100
3,0
5,4
4,3 2,0
101
200
23,0
20,0 36,9
16,4
201 ~
500
43,5
36,7
411 42,7
501 -1000 18,9 216 10,3 23,8
1001 e mais
10,6
14,6 5,8
14,4
Fonte: G. Martone e
J.
C. Peliano, Migraci io estrutura ocupacional e
renda nas areas metropolitanas.
Ao compararmos migrantes e nao migrantes, verificamos
que praticamente nao ha diferenca nas proporcoes existentes: nas
duas Iaixas de rend a mais baixas, os migrantes apresentam maior
proporcao na faixa intermediaria (entre Cr$ 201 e Cr$ 500) e
os nao migrantes prevalecem nas duas faixas superiores. Mas
quando a populacao e desdobrada entre os migrantes recentes
e os antigos nos damos conta de outros aspectos. A proporcao
dos migrantes antigos nas faixas de rend a mais elevadas e maior
nao s6 que ados migrantes recentes, mas ate que ados nao
migrantes. Assim, podemos imaginar que os migrantes chegados
a Sac Paulo em 1970 tinham diante de si a imagem de outros
chegados anteriormente e que haviam conseguido melhorar
de vida . Outras tabelas mostram que os migrantes antigos se
distribuiam entre as categorias ocupacionais com maior peso nas
posicoes superiores quando comparados com os migrantes recen-
tes (22 % nas ocupacoes bracais entre migrantes antigos homens
contra 34% entre os migrantes recentes e 19% entre os nao
migrantes; 56 % entre migrantes antigas mulheres contra 720,
1
0
entre as migrantes recentes e 44% entre as nao migrantes). E
tarnbem que entre os migrantes antigos aumentava significati-
98
vamente a proporcao dos autonomos (20,6% contra 9,7% entre
os migrantes recentes e 14,1 % entre os nao migrantesi.v
Temos ai a indicacao de uma trajet6ria percorrida. E claro
que as estatisticas nao distinguem, nas suas medias e percen-
tagens, os que ascenderam e os que decairam. Mas somos obri-
gados, diante desses registros, a pensar 0 desenraizamento de
modo mais dinamico. A partir dessa situacao decisiva, vivida
por milhoes de trabalhadores, constituem-se padroes de adapta-
«ao que sac tambem fatores de mudanca na vida social da
metr6pole. As formas culturais mobilizadas pelos migrantes para
veneer na vida e nao serem tragados na selva do asf alto
estarao presentes tanto nas novas paisagens urbanas das perife-
rias quanta nas organizacoes populares constituidas nos anos 70.
Proj e tos [amil iares:
sonho d a casa p rop ria
Em Sao Paulo, como em qualquer metr6pole capitalista, 0
lugar de moradia constitui a base onde se realiza a reproducdo
da Iorca de trabalho; onde
0
trabalhador recompoe suas energias
para retomar aquela atividade que e a decisiva para a conforrna-
«ao e os rumos da sociedade: a
produciio
de bens uteis, que e
tambem producao de valores de troca, os quais estabelecem a
forma do intercambio essencial entre os individuos. Da logica do
sistema, pois, 0 lugar de moradia e base para um tempo de
recomposicao, necessario em Iuncao da producao capitalista.
Mas a logica do sistema ainda que dominante nao e a unica
atuante na sociedade. Do ponto de vista do trabalhador, seu
trabalho foi apenas um sacrif icio necessario para a obtencao
de um salario com 0 qual pudesse viver. POl' isso, 0 tempo fora
da esfera da producao e que constitui seu tempo de vidar? Ainda
que, enquanto predominem as relacoes capitalistas, as atividades
desenvolvidas fora da producao funcionem fundamentalmente
como reproducao das condicoes para a prcducao capitalista, nao
42. Cf. G. Martone e
J .
C. Peliano, op . cit.
43. K. Marx, Trabajo asalariado y capital in Obras escogidas, t. I,
Ed. Fundamentos, Madri, 1977, pp. 74-5.
99
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e indiferente para 0 senti do do curso da historia, para 0 rumo
rias lutas de classe, para a conforrnacao da sociedade, 0 modo
como esse tempo livre, passado fora das unidades de producao,
e
vivido.
Nos intervalos de urn tempo hostil que ameaca suga-Io,
com as sobras de energias e recursos que ele salva e nos espacos
que constr6i nos intersticios do sistema,
0
trabalhador efetua
suas primeiras escolhas, exerce sua inevitavel liberdade, elabora
uma estrategia de sobrevivencia ou urn projeto de vida. Como
passa seu tempo livre? Como usa seu salario? Em vez de cons-
tatar que ele se reproduz, procuremos saber como se reproduz.
Como se reproduziram os trabalhadores nesta metropole nesse
tempo 'em que se reproduziu tao espetacularmente
0
capital?
Para cornecar nos damos conta de que esse lugar de moradia,
suporte da sua reproducao para
0
capital como da sua vida
para si mesmo, constitui urn espaco coletivo, onde habita uma
unidade dornestica, quase sempre uma familia. E, de resto, e no
seio dessa unidade domestica, quase sempre uma familia, que
se efetuam as decisoes mais importantes tanto a respeito do enga-
jamento de cad a urn no mercado de trabalho quanto sobre 0
uso a ser f eito dos rendimentos ai
obtidos.
Nao
e
possivel, mais uma vez, deixar de ref erir-se aos
estudos de Eunice Durham, que contrariaram ideias estabelecidas
acerca da perda de importancia da organizacao familiar devido
as tendencies individualizadoras e societarias da urbanizacao.
J a de suas pesquisas sobre os migrantes em Sac Paulo constatara
que suas Iarnf lias, reorganizadas no novo meio, mantinham-se
como 0 grupo basicamente responsavel pelo bem-estar e segu-
ranca economica de seus membros e 0 ponto de referencia e
o micleo de reelaboracao dos padroes de comportamento e das
44. Henri Lefebvre. A re-produciio das relaciies d e p roduciio, Escorpiao,
Porto, 1973.
45. Incluir a reproducao da vida operaria como cultura, como politica,
como sociabilidade - e nao apenas como reposicao estrita da energia
Iisica do trabalhador - signif icou trazer, entre outras coisas, a f amilia
operar ia para
0
centro da interpretacao sobre suas condicoes de repro-
ducao. (Maria Celia Paoli. A familia operaria: notas sobre sua for-
macae histor ica no Brasil .
mimeo, 1984.
100
representacces coletivas't.f Mas, mais ainda, 0 exame do modo
de vida dos trabalhadores na cidade deixou claro que a impor-
tancia da organizacao familiar nao constituia apenas urn trans-
plante de instituicao da vida rural trazida pelos migrantes.
Contraposta as tendencies individualizadoras dominantes na vida
urbana, a familia e a sede de uma experiencia coletiva. Contra-
posta ao anonimato das relacoes de troca e da burocratizacao
dominantes na vida urbana, a familia e sede de relacoes que
valorizam cad a pessoa. Embora submetida aos movimentos do-
minantes da reproducao capitalista, a familia e sede de outros
valores e principios de funcionamento que nao the sac redutiveis.
Nao se trata aqui de nenhuma idealizacao romantica da familia,
quando se sabe
0
quanta experiencias coletivas e relacoes perso-
nalizadas vividas em instituicoes hierarquizadas podem ser mais
opressivas que as vividas no anonimato da individualizacao. Mas
o. ~u.e nos inter~s~a ~qui e, ~~ prirneiro lugar, assinalar a espe-
cificidade da dinamica familiar sob 0 capitalismo; em segundo
lugar, assinalar que os trabalhadores se ap6iam nessa instituicao
para afirmar suas identidades.
E certo que a dinamica da cidade conspirou fortemente
contra a manutencao dos laces familiares.
Aumentou
0
mimero de membros das familias operarias
trabalhando fora de casa. Pesquisa do DIEESE realizada em
1974 comparava a familia padrao das classes trabalhadoras em
Sac Paulo no ana de 1958, que tinha predominantemente urn
membro ocupado, fora, com 0 padrao do ana de 1969, com dois
membros trabalhando
fora.
Segundo a Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicilios, do IBGE, em 39% das familias da
Grande Sao Paulo havia duas ou mais pessoas na populacao
economicamente ativa. Dispersados em diferentes empregos,
46. E. Durham,
op. cit.
p. 211
47. DIEESE (Departamento Intersindical de Estudos Econornicos So-
ciais e Estatf sticos) Familia assalariada: padrao e custo de vida , '1974.
48. E~sa pesquisa se refere ao con junto da populacao. Em geral as
pesquisas centradas nas populacoes de mais baixa renda assinalam taxas
Iigeiramente majores. N. Patarra e L. Bogus encontraram, em 63% das
Iamflias, duas pessoas ou mais na PEA em pesquisa em uma vila no bairro
do
J
abaquara ( Percursos migrat6rios e ocupacao do espaco urbano:
101
7/21/2019 SADER Emir Quanto novos personagens entram em cena parte 1.pdf
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em geral distantes e muitas vezes com horarios desencontrados,
h a
uma tendencia
a
diminuicao das ocasioes de convivencia fa-
miliar, dificultadas ainda se adicionarmos os movimentos dos
mernbros da familia freqiientando escolas.
o aumento de pessoas trabalhando fora e mais as distancias
e 0 custo dos transportes devem ter contribuido para 0 aumento
de refeicoes tomadas fora de casa. Temos urna indicacao nesse
sentido atraves de inforrnacces acerca dos gastos em alimentacao.
Em 197172, 92,5% dos gastos em alimentacao eram para
refeicces domesticas, enquanto
7,5 %
eram para refeicoes fora
do dornicilio. J
a
em 198182, a proporcao dos gastos com a
alimentacao no dornicilio caia para
86,8%,
com a conseqiiente
elevacao da alimentacao fora, para 13,2 %
.49
Sao reduzidos os momentos de encontro durante a semana:
no cafe da manha, tornado as pressas; no jantar (as vezes desen-
contrando-se os que chegam do trabalho e os que saem para a
escola, sem con tar as vezes em que
0
turno da noite impede
tambern esta ocasiao) e diante da televisao antes de dorrnir. Mas
na maioria das vezes a constatacao desse pouco tempo e feita
sob a forma de uma queixa e uma carencia. Na maioria das
vezes a vida em familia pensada como a referencia ideal, 0
lugar onde cada um encontra sua identidade e deixa a marca
visivel de seu papel na sociedade . Por isso mesmo
0
f im de
semana, ou 0 domingo, que e 0 verdadeiro tempo livre , e
quase semprepassado com a familia. A mulher esmera nos pratos
de domingo,
0
marido f ica sem fazer nada - e essa gratuidade
e 0 contrario do tempo obrigado de trabalho - ou faz pequenos
consertos dornesticos, tudo isso entremeado de bate-papos com
vizinhos - nos hares das redondezas entre os homens, no interior
um estudo de caso
In
Anais do II Encontro Nacional da Associacao
Brasileira de Estudos Populacionais). Eva Blay assinalou a media de duas
pessoas em vilas operarias da cidade de S. Paulo
(Eu niio tenho onde
morar Nobel, 1985). C. Macedo constatou a media de duas em 50% dos
casos
(A repr oducdo dadesigualdade,
Hucitec, 1979). Teresa Caldeira
constatou que em 48,5% dos casos havia mais de duas pessoas traba-
Ihando fora
(A politica dos outros,
BrasiJiense, 1984).
49. Cf. pesquisa de S. K. Endo e C. E. Carmo, Pesquisa de orca-
mentes Iamiliares , Fundacao Instituto de Pesquisas Economicas (FIPE).
102
das casas entre as mulheres. Quando saem -
0
casal e os f ilhos
~ 0 mais freqiiente sao as visitas a parentes ou amigos. E a
ligacao com
0
mundo , permanente, e dada pela televisao ligada,
que fornece os temas das conversacoes.P 0 padrao
e
rompido
em geral pelos adolescentes, que tend em a criar seus espacos na
rua e nao na casa : bailes, cinemas, pracas, bares.
A importancia atribuida a familia nao pode ser medida,
no entanto, pelo tempo passado em comum, ainda que isso
contribua para solidif icar ou debilitar seus lacos. Mas a familia
se mantern, para a maioria, como
0
lugar simbolico onde
0
trabalhador projeta seus valores. Transcrevo, a guisa de ilustra-
yao, trechos de um depoimento colhido por L. F. Rainho:
.0
operario tem que dedicar ao trabalho pra ele manter
0
sustento da familia ( . ) porque satisfeito 0 patrao nunca ta. Isso
e uma experiencia pr6pria que eu tenho ( . ) Nem
0
patrao que
oce num conhece, nem
0
teu chefe que vive junto diariamente
com voce, nem
0
supervisor da secao, nunca ta. Voce nunca fez
0
neg6cio direito. Sempre ta devendo. Agora, se voce fizer alem do
normal que voce pode Iazer, voce nunca vai receber nem um
muito obrigado ( . ) Agora, a familia. acho que e importante
pro operario que se dedica
a
familia . porque ele se dedicando
a
familia ele ta dando mais apoio e
0
filho que tem mais apoio ele
ta preparando
0
filho pra amanha ( . )
POI
isso, em questao de familia, a gente se preocupa e mesmo com
os filhos . eu imagino pros meus filhos tudo que tem de melhor:
ser honesto ao extremo e que eles estude e lute com a vida pra
arnanha e eles ter muito mais que eu tive. Porque 0 que eu tive
meus pais ja me deram dernais, porque eles nao tinham condicoes
de me dar
0
que me deram. Uma coisa eles tinham de sobra pra
mirn dar e isso me deram: e a moral. Eu me considero um homem
moral, Quero que eles, os filho rneu, alern . se eu conseguir isso
'4
ja me considero realizado que eles ten ham moral e sejam util
a
sociedade
.52
50. Cf. C. Macedo,
op , cit.;
T. Caldeira,
op . cit.; J .
S. Goncalves,
M ao-
de-obra e condicoes de trabalho na industria automobilistica do Brasil,
Hucitec, 1985; L. F. Rainho, Os
p eiies do Grande ABC, op . cit.
51
T .
M. Ortiz Ramos e Silvia Borelli Os office-boys e a metr6pole:
lutas, luzes e desejos
in Desvios,
n. 4, 1985. Vel' tambern C. Macedo,
op . cii.
e T. Caldeira, op
cit.
52. Citado em 1 F. Rainho, op cit. p. 139.
103
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Nao pretendo que a visao de mundo expressa nessa fala
seja algurna sintese ou media do que se encontre entre as classes
populares, Existem variacoes significativas. Mas
0
interesse desse
depoimento esta sobretudo no fato de apresentar elementos
recorrentes nas f alas de trabalhadores quando falam sobre
0
tema: a oposicao trabalho-Iarnilia:
0
valor da dedicacao
a
fa-
milia; a projecao nos f ilhos; a moral. No seu caso 0 trabalho
e a familia aparecem como os dois polos de sua experiencia. Mas
o trabalho so pode ter signif icado em funcao da familia, porque
nele mesmo jamais sera reconhecido pelo que f izer. Sua finali-
dade e a familia, a quem deve se dedicar. Atraves dela ele
constitui uma historia e seu lugar nela, entre seus pais e seus
f ilhos. Nela ele ve sentido para sua dedicacao (dif erentemente
da dedicacao que teria no trabalho), voltada para a preparacao
dos filhos. 0 objetivo da dedicacao
a
familia e assim a propria
familia,
0
que a conf irma como urn valor em si mesma. E a
preparacao dos filhos tern por referencia uma etica de honestidade
e de utilidade para a sociedade . Poderia haver uma contradicao
entre os valores morais que ele herda e projeta na familia e os
valores dominantes (e no correr desse mesmo depoimento tal
contradicao e assinalada pelo entrevistado). Nao importa, ja que
o que the interessa e a sociedade enquanto referencia ideal e
nao a sociedade empiricamente observada e que se manifesta
atraves dos patroes, chefes e supervisores. Fecha-se assim 0
circulo de uma visao de mundo que comec a e termina com a
familia. Se os sociologos de inspiracao marxista que so viram
a familia na sua funcionalidade para
0
capital pouco ligaram
para os significados e movimentos produzidos no interior dela,
nosso jovem metahirgico, devotado
a
f amilia e querendo ser
util a sociedade, pouco ligou para os significados e movimentos
dessa sociedade, seus valores de uso e de troca. Sua visao, como
disse, nao e sintese nem media. Encontramos aqueles que se
sentem reconhecidos no trabalho. Encontramos os que nao dao
essa importancia para a familia. Encontramos os que preparam
os f ilhos tendo por ref er encia principios mais pragmaticos. E
outros mais. Mas penso que na fala do metahirgico transcrita
por Rainho temos a expressao de urn paradigma, urn ideal reco-
104
nhecido coletivamente como urn valor social, ainda que nao seja
necessariamente seguido por todos.
Na pratica, a importancia do coletivo familiar ja se manifes-
ta nas decis6es que afetam a insercao de cad a urn dos seus
membros na divisao do trabalho social. As divisoes entre encar-
gos domesticos e trabalho remunerado, as opcoes sobre
0
tipo
de trabalho, as escolhas entre estudo e trabalho nao sao feitas
isoladamente, mas sim fazem parte de arranjos feitos no interior
da familia. Os rendimentos obtidos por cada urn convergem para
um fundo coletivo de onde se extrai
0
necessario para os gastos
Iamiliares.
Nessas decisoes podemos observar uma conciliacao entre
os valores dominantes segundo os quais a mulher deve cuidar
da casa e as necessidades de aumentar a renda familiar com
0
seu ingresso no mercado de trabalho. Houve aumento de emprego
feminino, mas, considerado complementar , ele nao foi em geral
assumido como uma carreira e sim como expediente provi-
sorio , contribuindo para sua propria desvalorizacao.
Pesquisa do DIEESE e do CEDEC realizada a partir de
levantamento de campo em 1981 nos fornece ricas informacoes
sobre a diversidade de arranjos familiares efetuados para asse-
gurar
0
orcamento domestico, defender-se do pauperismo e possi-
bilitar projetos de melhorias. Nesse trabalho, sobre Modo e
condicoes de vida na Grande Sao Paulo , constatamos as rela-
coes entre os arranjos familiares e os momentos do ciclo de vida
familiar. Ai estao identificados: 0 diffcil comeco dos casais
jovens, em que 0 trabalho remunerado da mulher tende a ser
abandonado com a chegada do primeiro f ilho, prevalecendo
entao
0
padrao do chefe provedor e a mulher cuidando do lar
(25% das familias foram classificadas como casais jovens com
Iilhos): 0 esforco coletivo dos casais adultos com filhos resi-
53. A existencia at de uma coletividade nao implica evidentemente
uma participacao igual de todos nas decis5es nem impede que hajam
escolhas individuais. Mas estas tern de levar em conta as decis5es que
valem para
0
coletivo . Este pode se organizar segundo uma hierarquia
mais autoritaria, em que 0 chef e tom a as decis5es, ou formas mais
•democratic as .
54. Cf. M. Celia Paoli,
op. cit.
105
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dentes, quando principalmente os Iilhos comecam a ser incor-
porados no mercado de trabalho (30% das Iamilias nesse caso);
o esforco coletivo das Iamilias com chefe feminino sem con-
juge (13,6% dos casos); situacoes mais favoraveisdos casais
mais velhos (12 % dos casos) ja sem filhos menores e benefi-
ciando-se da combinacao de varies recursos.
Por outro lado, na determinacao dos gastos, se ef etiva tanto
a presenca real da familia na vida de cada urn de seus membros
quanto a expressao de urn estilo de vida. No modo de consumo
se realizam escolhas que expressam as adaptacces de cada
familia as condicoes dadas, as estrategias elaboradas (explicita ou
implicitamente) para reagir a elas, seus sonhos e aspiracoes. 0
que nos mostram os orcamentos domesticos das Iamilias de
trabalhadores em Sac Paulo no periodo que estamos estudando?
Tomemos primeiramente uma inforrnacao valiosa, elaborada
pelo DIEESE, estabelecendo a comparacao entre a estrutura do
orcamento domestico nos an os de 1958 e 1969-70. . .
Considerando que a medida dos tres estratos de 1969-70
apresentou uma queda na, proporcao dos gastos com alimentacao
(39% contra 45% em 1968), os autores da pesquisa observam
que isso constitui urn .indicador universal de melhoria no padrao
de consumo, pois implica aumento na aquisicao de outros
bens. Mas fazem a ressalva que, desagregando-se pelos tres
estratos, a reducao s6 se realizou para os grupos de renda media
e superior. Ja os autores de Siio
Paulo 1975: crescimento e
p obreza ,
transcrevendo os dados do DIEESE, observam que,
como houve queda na renda real das farnilias assalariadas no
periodo considerado, os dados expressam uma diminuicao no
consumo per capita de
alimentos.
Mas, na verdade, as inform a-
coes que hoje dispomos sobre as tendencias salariais na decada
considerada assinalam uma diminuicao sensivel do salario mini-
mo em termos reais, ao mesmo tempo que uma forte dispersao
55. Pesquisa coordenada por L. Kowarick, Modo e condicoes de
vida na Grande Sao Paulo , DIEESE-CEDEC, 1986.
56. C. Camargo e outros,
Siio Paulo
'1975:
crescimento e pobreza,
Loyola, 1976. Livro, de resto, notavel na exposicao das condicoes de vida
dos trabalhadores em Sao Paulo nesse perfodo.
106
,. ESTRUTURA DO OR<:;AMENTO DOMESTlCO
(%)
Tipos de despesa 1958
1969-70
Estrato
Estrato
Estrato
Geral
inferior
medio 'superior
39,0
48,1 42,5
30,4
23,5 20,1 214
27,7
8,1
6,9 8,5 8,3
3,6
3,5
3,5 3,7
12 11 12
12
17
2,0
18 13
6,5 6,7 7,0
5,8
8,8 5,8 7,0 12,5
3,5
2,2 2,8 5,0
4,1
3,6
4,3
4,1
100,0
100,0
100,0
100,0
Alimentacao 45,0
Habitacao 30,0
Vestuario 10,0
Saude 4,0
Higiene pessoal 15
Limpeza domestica 3,0
Equipamento dornestico 3;0 .
Transporte 2,0
Educacao e cultura 10
Recreacao e furno 0,5
100,0
Fonte: DIEESE, Familia assalariada: padriio e custo de vida, 1974.
o
padrao salarial sobre
0
qual se pesguisou
0
orcamento de 1958
correspondia a 2,74 salaries mfnimos da epoca. Para 1969-70 0 estrato
inferior cornpreendia Iamilias com renda ate 3,1 salaries minirnos:
0
estrato medic, Iamilias com renda de 3,1 a 6,2 salaries minimos: 0
superior correspondia a mais de 6,2. A tabela acima foi elaborada a partir
da sintese de duas tabelas do estudo citado.
no leque salarial, com significativas melhorias justamente para
os trabalhadores de rendas mais elevadas.F Assim, efetivamente
para as Iamilias do estrato superior houve urn ingresso notavel
no consumo de outros bens, alem da alimentacao. Nos do
estrato inferior veremos que houve tambern significativo aumento
na aquisicao de bens duraveis, embora parcialmente com 0
sacrificio do consumo alimenticio.
J
it
0
item habitacao nao permite uma comparacao esta-
tistica, porque a familia padrao da pesquisa de 1959 residia em
~asa alugada, enquanto a maio ria das pesquisadas em 1969-70
vivia em cas a propria. A proporcao dos gastos com habitacao
em 1969-70 crescecom 0 aumento da renda familiar; A explica-
«ao pode ser encontrada no f ato de as f amilias mais pobres terern
I
57. Cf. entre outros, P. R. Souza,
op. cit.
e E. Bacha,
op. cit.
107
IES P
UE R J
B IBL IO T EC A
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recorrido preferencialmente
a
autoconstrucao na periferia,
enquanto as de me1hores rendas estavam pagando prestacoes
da compra do imovel.
Vemos que nao f oi com vestuario que passaram a gas tar
mais com 0 dinheiro sobrante. 0 item que mais aumenta e fica em
terceiro lugar nos gastos e 0 de transporte, mas ele tern significa-
dos bem diferentes para os diferentes estratos. Para os estratos
superiores (que e para quem
0
item aumenta mais), ele ja expressa
os gastos com automovel, na sua compra ou no seu use, enquanto
para os mais pobres f oi mesmo 0 aumento das tarifas de trans-
porte e do mimero de viagens necessarias para os deslocamentos
diaries.
Outro item que registrou aumento signif icativo foi
0
de
equipamentos domesticos. Em 1969-70, quando examinamos
seus subitens, verificamos que 57,7% consistiu em eletrodomes-
ticos, 33% em moveis e 9,3% em utensilios. A pesquisa de 1958
nao discriminou subitens, embora tambem seja significativo que
o item se denominava entao moveis e utensilios domesticos .
Chama a atencao 0 fato de a proporcao de gastos em equip amen-
tos domesticos ter sido maior no estrato medic e no inferior do
que no superior. E provavel que isso esteja a indicar 0 ingresso de
camadas mais pobres na aquisicao de eletrodomesticos, enquanto
as familias de trabalhadores de rendas mais elevadas ja distri-
buiam seus gastos na aquisicao de autornovel, casa propria e
tambern em itens de educacao e cultura.
Com efeito, enquanto os itens saude , higiene pessoal
e limpeza domestica decaem ligeiramente, educacao e cul-
tura e recreacao e Iurno registram aumentos.
As informacoes existentes para a decadade 70 conf irmam
e reforcam essa tendencia de urn ingresso das classes populares
- diferenciado e progressivo - na aquisicao de bens duraveis,
particularmente de equipamentos domesticos, A posse de urn
aparelho de televisao foi constatada em 78% das casas pesqui-
sadas de operarios de uma industria ceramic a da Grande Sao
Paulo em 1974, em 77% dos operarios de uma industria auto-
mobilistica em 1976-77 (sendo 43 % do total dos nao qualif i-
cados, 81 % dos semiqualificados, 93% dos qualificados), 81 %
dos moradores de uma vila da periferia em Sao Miguel. A posse
108
de uma ge1adeira foi constatada em 55 % das casas dos operarios
da ceramica, em 68% das casas dos operarios da automobilistica
(34% entre
0
snao qualificados, 70% entre os semiqualificados,
88% entre os qualif icados), em 62% das casas dos moradores
da vila de Sac Miguel. Quanto a propriedade de urn automovel,
ela f oi constatada em 7% dos operarios comuns e 15% dos
ferramenteiros de uma industria automobilistica do inicio dos
anos 60, em 10% dos operarios da industria ceramica em 1974,
em 29% dos operarios de outra automobilistica em 1976-77
(sendo 13 % entre os nao qualificados, 21
%
entre os semi-
qualificados e 66% entre os qualificados), 19% entre os mora-
dores de Sac Miguel pesquisados em 1979-80.
58
Os dados disponiveis parecem sugerir a hipotese de ter
havido aumento na aquisicao de bens duraveis em todas as f aixas
salariais, ainda que de modo diferenciado. Como as tendencias
salariais do periodo indicam grosse modo ganhos reais para
os qualif icados e perdas para os nao qualificados, podemos
inferir a possibilidade de ter havido sacrificios em certas pautas
do consumo - alimentacao, vestuario -'- para permitir a aquisi-
cao de bens mais valorizados socialmente.
o
padrao de consumo das familias operarias parece indicar
uma busca de acesso aos padroes de classe media , difundidos
pela publicidade. Essa tendencia levou autores a falarem de
manipulacao das aspiracoes' ? ease perguntarem se tais pro-
dutos nao permaneciam estranhos a cultura e padroes de vida
da classe operaria , simbolos equivocados de uma ascensao
social nao conseguida .60 Penso que as ideias de ter havido
manipulacao de aspiracao, na aquisicao de bens que se fizeram
simbolos de uma ascensao social frustrada, devem ser levadas em
conta, mas em si mesmas elas nao nos dizem quase nada acerca
da cultura e modo de vida dos trabalhadores. Caberia certa-
58. A pesquisa em operanos da industria ceramica
e
de C. Macedo,
op. cit.;
a da industria automobilistica do inicio dos anos 60
e
de
L. M. Rodrigues em
Industrializacdo e atitudes operarias,
Brasiliense,
1970. Da industria automobilistica em 1976-77 e de J. S. Goncalves,
op. cit.
Dos moradores da vila de S. Miguel
e
de T. Caldeira,
op. cit.
59. L. F. Rainho,
op . cit.
p.
270.
. 60.
J .
S. Goncalves,
op. cit.
p.
109.
109
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mente aqui a questao posta por Marilena Chaui acerca da visao
rornantica sobre a cultura popular que se esquece de indagar
se, sob 0 discurso 'alienado, submisso
a
crenca nas virtudes de
um poder paternalista, nao se esconderia algo que ouvidos roman-
ticos nao sao capazes de ouvir .61
Ou seja, os manipulados tarnbem manipulam . Atraves
da absorcao de padroes dominantes e1es expressam algo de suas
vontades e sells sonhos e e exatamente is so que e necessario
saber ouvir. Como dizer que a televisao e estranha a cultura
operaria sem com isso negar a realidade vivida e querida pelas
famflias operarias de carne e osso?
As famflias operarias procuraram assimilar (com resultados
variados) os padr6es de consumo dif undidos pe1a industria cul-
tural e que os aparentaria a classe media . Isso significou uma
absorcd o
dos padr6es dominantes. Mas signif icou tambem uma
reivind icacao de participacao no consumo dos bens produzidos
com a industrializacao. Em segundo lugar, e creio que is so e
o mais importante, na aquisicao desses bens se expressou a
imp ortancia atribuida p elas [ amilias op erd rias
a
pr6pria casa. A
casa bem equipada, com 0 maior conforto possivel, com os
sinais visiveis dos resultados dos esforcos coletivos, com os
enfeites que manifestem 0 gosto de seus moradores, constitui 0
lugar primeiro onde os trabalhadores se reconhecem entre os
seus, no seu mundo, livre das impertinencias dos chefes, da
indiferenca dos gulches, da violencia das ruas.
E creio que e nesse registro que devemos entender a impor-
tancia indiscutfvel dos projetos de casa propria nas famflias
dos trabalhadores. Porque, seja qual for a interpretacao dada ao
fato, a constatacao de todas as pesquisas feitas sobre aspiracoes,
projetos e estrategias familiares foi que a aquisicao (ou constru-
cao) da cas a propria estava em primeiro lugar.
Para comecar, a habitacao constitui urn bem de consumo
de tipo especial. Alem de ser base de consumo individual -
abrigo e lugar material para a existencia familiar - e tambem
61 M. Chaui,
Cultura e democracia,
Moderna, 1981 p. 46.
110
base de consumo coletivo: ela condiciona, por sua Iocalizacao,
o uso dos transportes, do ambiente f isico, dos services publicos
existentes.f-
A aspiracao a casa propria (como alternativa a alugada)
esteve relacionada tom raz6es instrumentais: deixar de pagar alu-
guel e tornar os dispendios com habitacao uma reserva de valor.
Mas tambem expressou urn .valor cultural profundamente arraiga-
do .e reaf irmado: a busca de estabilidade contra as incertezas
de mudancas nao queridas, a seguranca para a coesao f amiliar,
o poder de organizar seu proprio espaco. A conquista da casa
propria e, assim,
, simbolo da ccnsolidacao e da estruturacao da familia, expressao
de seu sucesso, da sua uniao, arcabouco que guard a, protege e
garante
0
resultado do trabalho e esforco da familia na luta coti-
diana pela vida
e so ela permite
que a familia possa, com seguranca, incorporar trabalho e recurs os
para remoldar permanentemente
0
espaco fisico, de modo a faze-Io
refletir e expressar
0
cotidiano familiar .63
Esse ideal, como ja vimos, foi se materiaIizando no padrao
habitacional dominante entre as decadas de 40 e 70: no
trabalho extraordinario e nos sacrif fcios redobrados das Iamilias
pobres 'para construirem casas proprias em loteamentos perife-
ricos desprovidos de toda infra-estrutura. POI' volta de
1980,
responsaveis pelo planejamento urbano de Sao Paulo constatavam
que cerca da metade da area da capital estava ocupada por
loteamen tos irregulares.
64
62.
L. C. Costa,
A produf aoe usa do espaco urbano na Grande Sdo
Paulo,
FAU-USP, 1977.
63. Nabil Bonduki, Construindo territ6rios de utopia, tese de doutorado,
USP, 1987. .
64.
0 termo
comumene
usado
e
lotearnento clandestine , embora
eles ~ao sejam p~o~ri~mente c andestinos. Siio loteamentos que, por nao
res~eltarem as exigencias legais quanto
a
distribuicao do espaco, tornam-se
rnais
baratos.Mas, justamente porque nao respeitam tais
norrnas ,
seus
111
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•
Mas 0 que interessa particularmente agora 6 observar que
a pr6pria execucao desse projeto de autoconstrucao implicou
urn ref orco dos lacos f amiliares,porque dependeu do esf orco
conjunto.
A escolha do local de moradia ja indica a expectativa da
ajuda dos parentes. Per que veio morar na area? A essa
pergunta f eita numa pesquisa realizada pela pref eitura em 1974
entre mora do res de Itaquera e Vila Matilde, 27% responderarn
que
0
motivo fora a existencia de parentes residindo pr6ximo;
24% por terreno barato para construir cas a pr6pria; 21 % por
cas a barata para comprar ou alugarP
A construcao implicou urn trabalho coletivo. Pesquisa de
Erminia Maricato sobre a autoconstrucao em Sac Bernardo
do Campo encontrou em 67% dos casos a presenca de amigos
e parentes ajudando a f amilia proprietaria, que nao contou com
nenhum profissional remunerado; em 14% os proprietaries tra-
balharam s6s
(0
micleo f amiliar); em 19% contaram com algum
prof issional remunerado alem da ajuda eventual de parentes e
amigos.
A construcao implicou grandes sacrificios seja no consu-
mo da f amilia, seja no esf orco f fsico de seus membros. Levanta-
mento f eito pela Secreta ria de Economia e Planejamento do
Governo do Estado sobre a origem dos recursos para a constru-
<;ao de moradias na perif eria de Sac Paulo
constatou
que 29%
vinha de poupanca de salario , 23,6% de horas extras e bicos,
13,4% de reducao de gastos Iamiliares . ?
compradores nao conseguem regulamentar seus Iotes e obter as benfei-
tori as urbanas,
ja
que
nao sao
reconhecidos pela
adrninistracao publica.
Ver Malta Campos
in Folha de
S.
Paulo,
10/6/81 Pesquisa sobre
0
processo de formacao dos loteamentos populares na periferia encontra-se
em Bonduki e Rolnik,
Perijeria: ocupacdo do espaco e reproducdo da
[ orca
de trabalho,
FAU-USP, 1979 .
65.
Pesquisa CURA (Comunidades Urbanas para
Recuperacao Acele-
rada) para Itaquera e Vila Matilde, Prefeitura de Sao Paulo, 1974 .
. 66.
E. Maricato,
A proletarizacao do espaco sob a grande industria: 0
caso de
S.
Bernardo do Campo, dissertacao
de mestrado, USP, 1977.
67. SEPLAN,
Construciio de moradias na perij eria de Siio Paulo,
1979. -
112
Quando ja vimos os padr6es salariais vigentes podemos
concluir que a chamada poupanca de
salario
deve ter signifi-
cado quase sempre tambem uma reducao dos gastos f amiliares.
A16m disso, os depoimentos colhidos por Raquel Rolnik e Nabil
Bonduki nos f alam do que signif icou
0
sacrif icio dos f ins de
semana e de qualquer virtual tempo de descanso, tornados tempo
para ir tocando a obra , que s6 se interrompia quando f altavam
recurs os para os materiais.
. Mas esse grande ideal de uma apropriacao privada aparece
afinal como algo acessivel no curso da vida de uma familia. A
pesquisa ja mencionada sobre Modo e condicoes de vida na
Grande Sao Paulo identif icou urn percurso na hist6ria das
f ~milias. ~nquanto uma f orte maioria dos casais jovens sem
f ilhos habitava em casas de aluguel (65%), rnaioria ainda mais
significativa (78%) dos casais cujos parceiros tinham mais de
50 anos morava em casas pr6prias. Se para os jovens casais
ainda sem filhos a casa pr6pria nao tern tanta importancia, as
rnulheres podem trabalhar fora, 0 tempo de lazer 6 mais Ire-
qiientemente pass ado nos espacos piiblicos, a partir do nasci-
mento do primeiro f ilho
0
espaco domestico vai se f irmando
como centro de gravitacao, e 0 grande objetivo passa a ser 0
da sua fixacao atraves da cas a pr6pria. Para uma parcela sig-
nif icativa, a custa de muito sacrif icio e as vezes das energias
de uma vida inteira, 0 objetivo e
alcancado.
Na esfera privada
da vida familiar parece ocorrer entao a hist6ria de urn progresso.
Essa experiencia de algo vivido como urn progresso pode
ser registrada, no correr da decada de 70, pela extensao da rede
de equipamentos basicos. Em 1968, no municipio de Sao Paulo
s6 48% das casas erarn alcancadas pelo abastecimento de agua
e 59% pela rede de esgotos. Em 1981 as percentagens se ele-
vavarn para 70 e 67%, respectivamente.s? I certo que essec
dados subestimam 0 volume dos domicilios sem tais equipa-
mentos, ja que nao consideram as f avelas, quecresceram exata-
.mente nesse periodo. Ainda assim anotam uma expansao de
68. Cf. DIEESE-CEDEC,
Modo e cond icoes de vida na Grande Siio
Paulo, op . cit.
69. Cf. Emplasa,
Sumdrlo de dados da Grande Siio Paulo.
113
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benfeitorias urbanas - ocorrida .tambem na eletricidade, rede
de saiide e escolas -:- conquistadas por setores significativosda
populacao.
Mas aqui tocamos num outro ponto importante dessas expe-
riencias das condicoes de moradia: 0 esgotamento do padrao
periferico e a consequente expansao das favelas. 0 encareci-
mento dos lotes urbanos de urn lado, dos transportes de outro,
deve ter pressionado no sentido da Iavelizacao e mesmo da inten-
sificayao do uso dos cortices. A populacao favelada cresceu
em cercade 30% ao ana na decada, e ao seu f inal era estimada
em qJlase urn milhao de pessoas so no municipio da capital.??
Mais.de tres milh6es viviam em cortices. E pela primeira vez
.anotava-se uma queda relativa na proporcao de casas proprias
em relacaoas alugadas: tin ham sido
25%
em
,1940, 38%
em
1950, 54% em 1970, 5.1% em
1980 .12
'Foiportanto claramente diferenciada a experiencia do pro-
gresso, e para rnuitos o que aconteceu foi justamente 0 inverse:
ha6 s9 a' deterioracao das condicoes de moradia como
0
estigma
deuma
marginalizacao,
da exclusao a moradia legal e consi-
derada digna e as benfeitorias .urbanas que caracterizaram 0
progresso metropolitano. A esses, pennanecendo na esfera .pri-
vada das historias Tamiliares, restava a .projecao dos mesmos
sonhos na f igura dos filhos. E por isso tambem a pressao por
escolas foi algo tao f orte nessas decadas .. Preparar os filhos
para talvez alcancarem
('
que nao alcancaram os pais.
70. Cf. Arlete Rodrigues, op. cit. Os dados do IBGE apontam 350 mil
Iavelados em 1980 no municipio de Sao Paulo. Ha um~ evidente subesti-
macae, devida ao fato de nao terem sido contabilizados os Iavelados
de favelas com menos de cinqiienta barracos. Em -1980 a· Prefeitura
contabiliiou novecentos nucleos onde viviam duzentas mil famflias,
. correspondendo a cerca de 10% da populacao do municipio. Vex Prefei-
tura aposta no Pro-Morar in
Folha de
S.
Paulo,
13/7/80.
71 Cf.
0
estudo Cortices de Sao Paulo: Irente e verso da Secretaria
Municipal de Planejarnento, de 1986, que estimava em. 3,4 milhoes os
rnoradores em cortices.
72. Dados da pesquisa de N. Bonducki,·
Construindo . , op. cit.
114
o esp aco p ublico e as p edac o s da cid a d e
Na experiencia cotidiana dos trabalhadores nesse periodo
= = presente uma desarticulacao de espacos publicos de expres-
sac popular e suapaciente refeitura por caminhos que prenun-
ciam a eclosao dos movimentos sociais. Assistimos tanto ao
fechamento de espacos publicos de manifestacao politica quanto
ao f echamento de espacos publicosde convivencia social, por
onde se coletivizavam experiencias sem incidencia direta nainsti-
tucionalidade politica. Vejarnos os dois processos.
I Quanto aos espacos de manifestacao politica observamos 0
processo que Vera Telles descreveu como desestruturacao/
reconstrucao do publico . Analisando a estrategia de poder
instituida
em
1964,
ela
nao
ve apenas
0
autoritarismo
como se
fosse pratica do Estado contra a sociedade, mas como uma
pratica social tornada experiencia cotidiana.O efeito dessa
estrategia era
apagar os .sinais de reconhecimento popular e esvaziar .o sen-
tido da a<;:ao coletiva como forma de participacao na vida social
( . ) 'despolitizar' a sociedade e desfigurar a politica como coisa
publica .73
Os espacos publicos se fecham para
0
debate politico e
0
reconhecimento da legitimidade de interesses diversos e agentes
diversos. Os conflitos existentes sac ofus cad os quando nao repri-
midos, e as acoes coletivas aparecem sob 0 signa da desordem
e do perigo. Na medida em que a politica assume a f orma de
uma racionalidade tecnocratica, isenta de paix6ese interesses,
acima de partidarismos e fruto da competencia dos que aexer-
cern? ,
0
publico se dissolve com
0
alheiamento dos individuos
na esf era privada.
Falar do fechamento do espaco publico enquanto lugar de
manifestacao pclitica nao implica idealizacao da .situacao
anterior a 1964. Tampouco antes de 1964 a esfera publica era
73. Vera Telles,
A experiencia do autoritarismo e prdticas Lnstituintes,
op. cit.
pp. 20-1
74.
Vel
M
Chauf,
Culiura e democracia, op. cit.
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_lugar de constituicao de sujeitos auto-organizados que incidissem
ativamente sobre
0
Estado. Mas na disputa politico-eleitoral se
legitimavam agentes politicos antagfmicos; na re1ativa liberdade
de acao de sindicatos e outros grupos de interesse, se legitimavam
os conflitos e as diferencas. Embora
0
povo interviesse na poll- ,
tica principalmente sob a forma de massa indiferenciada , en-
quanta base de sustentacao dos atores politicos reais, expressa-
vam-se por at interesses populares que deveriarn ter alguma
ressonancia nas esferas de poder para que 0 sistema funcionasse.
Alem disso, os conf litos que eclodiam no cotidiano podiam ser
reconhecidos como legftimos gracas a ret6rica politica dominante
e tambem
a
simples presenca de sindicatos, organizacoes popu-
lares, imprensa livre
etc.
Com a instauracao da ditadura militar, os interesses e
aspiracoes brotados na sociedade passaram a ser sufocados em
nome de uma racionalidade que pretendia falar pelos interesses
nacionais. A formacao da opiniao publica resultava em grande
medida dos projetos de impacto do governo, desde a declara-
c;:~o da soberania nacional sobre a faixa de 200 milhas da costa
marit ima e a construcao da rodovia Transamazonica, que mani-
festavam a imagem de urn Brasil Grande , fruto do patriotismo
do novo regime.
o depoimento de urn militante da oposicao metalurgica de
Sao Paulo, colhido pela equipe da URPLAN, da uma ideia dos
efeitos disso sobre os trabalhadores:
Existia urn setor que acreditava no milagre e outros que nao acre-
ditava mas num tinha form as de sair do problema e
0
sistema ele
procurava envolver
0
maximo
0
trabalhador e of ere cia uma serie
de quest5es que seria 0 PIS e outros projetos. 0 trabalhador que
em geral
e
muito patriota na sua f ormacao acreditava muito no
75. Para as transf ormacoes e contradiyoes da . esf era publica burguesa ,
veja-se J . Habermas, L espace public, Payot, Paris, 1978. Cabe dizer que
apoiei-me nessa obra para toda a reflexao a partir da nocao de . espaco
publico . Para a analise do signif icado da ?articipayao, .do pov~ .na
politica no pre-64, veja-se F. Weffort, 0
popul i smo na pol i i ica brasi lei ra
Paz e Terra, 1978; R. Maranhao, 0 Estado e a politica 'populista' no
.Brasil (1954/1964)
in
B. Fausto (org.), 0
Brasil republicano,
3 (Sociedade
e Politica), Dife 1981
116
Brasil Grande diante da propaganda feita pelo regime. Urn pais
que nao existia desordem. Urn pais de trabalhador honesto. Urn pais
onde
0
trabalhador tinha paz e
0
trabalhador esperava por essa
paz, esperava por esse progresso. Os viaduto comec a
a
aparecer
em todo canto de Sao Paulo. As estrada de rodagem apareciam
em todo Brasil, ne? A propaganda da Transamazonica e outras
rodovia em todo pais mostrando assim que 0 Brasil estava crescen-
do, que 0 Brasil antes nao tinha estrada de rodagem. Voce nao
viajava daqui de Sao Paulo ao Estado do Rio Grande do Norte ou
Maranhao numa estrada asf altada e naquele momento voce tava
tendo todas estrada asf altada. E ele esperava que esse milagre
fosse beneficiar ele, por isso
0
trabalhador esperou. Uns tinham
medo, era epoca das prisoes, dos assassinates, dos seqiiestros e 0
trabalhador realmente nao queria sair de casa, ir pra fabrica e
num voltar mais ao seu lar. Tinha muitos que saia pro service
e num voltava. Por isso foi
0
momento eu acho
0
mais diffcil
que vivemos. Foi esse af do milagre . 76
/
-
o
ativista operario sentia
0
impacto das mensagens do
regime no meio de sua classe. E no entanto a ideia de uma
dominacao plena do espaco publico pelos discursos proferidos
a partir do Estado militar deve ser muito relativizada.
J
a os
resultados eleitorais a partir de 1974 assinalam a presenca de
outros fatores. Em 1970 0 MDB havia tido 10% de votos mais
do que a Arena no municipio de Sac Paulo; em 1974 0 MDB
teve quase 4 vezes a votacao da Arena, e em 1978 mais de 7
vezes. E esse voto teve
0
carater de urn protesto marcadamente
popular. ? Esses resultados, ja em 1974, mostram como as men-
sagens oficiais deixavam fissuras, nao cobriam todo 0 quadro da
opiniao publica. (Diante da esmagadora vit6ria do MDB tanto
maior quanta mais pobres as regi6es eleitorais da Grande Sao
Paulo, poderia haver a tentacao de afirmar-se que as mensagens
ideol6gicas do regime ja haviam entrado em colapso e nao sim-
plesmente que exibiam fissuras. Mas seria uma afirmacao equi-
vocada, posto que alguns elementos basicos do discurso ofidal-
referidos a ordem e a disciplina - que induziam a despolitizacao
permaneciam hegemonicos, Somente no momenta de escolher os
novos mandantes , a maioria pref eria aqueles que olhariam
76. Cit. em H. Far ia, op.
cit.
77. Veja-se B. Lamounier (org.),
VOio de desconiianca, op. cit.
117
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mais pelos pobres .) A maio ria dos trabalhadores considerava a
politica como funcao a ser exercida por elites competentes e, entre
os quese ofereciam ao voto, optava pelos que the pareciam mais
acessive is. Por outro lado, os resultados eleitorais - ja em
1974 - mais do que apenas revelar tendencias existentes mas
silenciadas tambern produziram novos efeitos sobre as classes
populares. Se 0 ato de votar e solitario, atomizado, a divulgacao
do seu resultado revela urn coletivo. Os resultados eleitorais de
1974, ao expressarem tao fortemente a existencia de uma opiniao
publica de oposicao, abriram urn campo de referencia e legiti-
macae para comportamentos de rebeldia, resistencia, contestacao,
o fechamento dos espacos publicos de manifestacao politica
seexpressou tambem necessariamente no campo da industria
cultural. Houve uma notavel expansao da industria cultural no
periodo pos-64, registrada no extraordinario crescimento da
televisao, no crescimento da venda de revistas e jornais e, sobre-
tudo, no aparecimento e exito de series de livros de popularizacao
cientffica. Essa expansao se deu ao lado de urn mais rigido
controle sobre seus produtos. Tratou-se de apagar a presenca
de debates, contestacoes, criticas, sendo o. controle mais rigido
nos meios de maior impacto, .como a televisao e
0
radio.
Num outro nivel, a restricao dos espacos piiblicos nesses
anos se deu atraves de urn processo que Guattari chamaria
alisarnento da paisagem .79 E a destruicao fisicade lugares cul-
turalmente significativos como resultado do ritmo avassalador da
rernodelacao urbana: pracas e parques, campos de varzea, bote-
quins ou quarteiroes inteiros desaparecem dissolvendo espacos
de convivencia f ormados pelos encontros cotidianos na cidade.
Ou foram os deslocamentos tao Ireqiientes e as vezes bruscos,
impelidos por essa propria remodelacao ou por despejos ou
mesmo pela conquista de casa propria, que desfizeram (ao tornar
distantes) espacos de encontro e reconhecimento. Sem incidencia
78. Cf. Sergio Miceli, Entre no ar em Bellndia (A industria cultural
hoje)
in Cadernos I F CH UNICAM P , n.
15, 1984.
79. F. Guattari, Espaco e poder: a criacao de territories na cidade in
Es p aco e Debates, n, 16, 1985.
118
politica direta, sao espacos on de se f orma urn publico , pelo
intercambio de cornentarios, informacoes, historias,
·A propria concepcao urbanistica que presidiu a- remodela-
~ao metropolitana nesses ano s rexpr essou :a 'prepotencia eo,
desprezo com que a tecnocracia dirigente tratou a qualidade de
vida dos que nao tinham automovel e nao viviam nas zonas
nobres da cidade. 0 minhocao'< 'invadindo as casas, as grandes
vias de acesso, sem prever abrigos, bancos, lugares para os pedes-
tres. E os dois gigantescosconjuntos habitacionais da COHAB
na periferia da Grande Sao Paulo - modelos da politica
habitacional do governo -, em cada urn deles vivendo cerca de
100 mil habitantes, sac tambem modelos dessa concepcao 'de
cidades-dormitorios , receptaculos de mao-de-obra. Gabriel
Bolaf f i,
que de resto consider a tais projetos como
exitos
do ponto
de vista economico, observa que
. embora por suas dimens5es os referidos conjuntos constituem
verdadeiras cidades, nao foram tratados como tais e neles nao
ha espaco para necessidades tao elementares como postos de gaso-
lina, oficinasmecanicas, botequins e ate as padarias se nao sao
escassas, sfio mal distribuidas. Ainda pior, os conjuntos foram deli-
beradamente desenhados para serern cidades-dorrnitorios .81
.Tarnbem as grandes distancias e 0 pouco tempo disponivel,
os maio res ritmos de trabalho e
0
cansaco acrescido devem ter
contado para uma nitida diminuicao das formas de lazer publico.
A indicacao mais evidente disso esta dada pela diminuicao
absoluta do numero de cinemas na metropole. 0 fa to de a te-
levisao ter ocupado seu lugar bem expressa uma tendencia' a
privatizacao da vida urbana. .
E no entanto
ern
cada lugar novas referencias
SaG
teirno-
samente recriadas. E significativo que na obra Iiteraria de um
escritor-metalurgico que, sob a forma de contos, reconstitui
aspectos do cotidiano
operario
desses anos seu texto mais con-
80. Minhocao foi como tornou-se conhecida a via express a elevada
que COl·tOU0 centro de Sao Paulo em direcao
a
zona oeste.
81 G. Bolaf fi , as mitos sobre
0
problema da habit acao in
E sp aco e
Debates, n,
17, pp. 26-7.
119
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sagrado tenha por cenarios 0 balcao de uma padaria e 0 estribo
de um onibus. A padaria era 0 lugar onde tres amigos se encon-
travam depois de sair da fabrica, bebericavam, jogavam paliti-
nho, discutiam futebol, antes de tomar 0 onibus, cujo ponto era
em frente, para voltar para casa. Descrevendo as agruras, esper-
tezas e alegrias dessa gente, que apes 0 breve encontro entre
amigos se abarrota pulverizada nos onibus antes de encerrar-se
na privacidade de suas casas, 0 autor cria um personagem cuja
grandeza consiste em dar um sentido heroico justamente a esse
momenta de humilhante dissolvicao no anonimato. E
0
Ta
vazio , que recebera esse apelido porque era 0 que ele gritava
diante dos onibus repletos, quando ninguem mais conseguia
subir.
Todo mundo olhava pra ele e, naquele momento, todos
0
admira-
yam, todos 0 respeitavam, todos o adoravam. Quando 0 onibus
dava apenas uma maneirada, pra nao atropelar de verdade a turma
que ficava quase no meio da rua, Ta vazio saltava, voava, se
tornava urn passaro buscando a liberdade de ser passaro. Suas
maos se f echavam como f ortes tenazes em f erro quente, seus senti-
dos s6 objetivavam algo s6lido na carroceria velha do onlbus
podre. I'a vazio buscava, com desespero, sua humanidade nos
balaiistres, nos frisos soltos, nos corp os dos outros, nas portas
f echadas, ate nas biqueiras d'agua desses monst rengos.
Era a gl6ria para I'a vazio, ja longe do ponto, ouvir palmas e
vivas. Ele era gente, ele era 0 I'a vazio, 0 melhor 'ta vazio vivo
ate aquele momento. 82
Sem a forma condensada e dramatica, propria da criacao
literaria, no dia-a-dia da cidade, do Parque Dom Pedro ao
Largo 13, em sal6es de sinuca, terreiros, feiras livres, botequins,
saloes de baile, cabeleireiras, pontos de onibus, fliperamas, foram
se reconstituindci espacos de encontros, onde se trocavam infor-
82. Roberto Franco, Ta vazio
in [ ornalivro
n. 4, Coletanea de contos
do operario metalu rgico Roberto Franco , 1983. Ligado
a
oposicao meta-
,lurgica de S. Paulo, R. Franco escreveu tarnbem sobre varies aspectos
da luta nas fabricas nesse periodo. Seu conto Ta vazio foi reproduzido
varias vezes em publicacoes a ernativas de bairro e tambem no jornal
Movimento. Foi ainda traduzido e publicado na Inglaterra pela revista
Voices.
120
macoes sobre emprego, futebol, a novela da TV, assim como
sobre a escola dos filhos, a excursao a Santos, sobre as conquistas
amorosas, a meningite, 0 Esquadrao da Morte, 0 incendio do
Ioelma, a construcao do metro, 0 quebra-quebra dos trens.
Desse cruzamento de. falas e experiencias foi se reconstituindo
um novo espaco publico. E
0
que J . G. Magnani tao bem
apresentou ao falar dos pedacos da cidade: os lugares, em
cada vizinhanca, que constituem a mediacao entre a casa e 0
mundo.
0 termo na realidade designa aquele espaco intermediario ent re 0
privado (a cas a) e 0 publico, onde se desenvolve uma sociabilidade
basica, mais ampla que a fundada nos lacos familiares, porern
mais densa, signif icativa e estavel que as relacoes formais 'e indi-
vidualizadas impostas pela sociedade. 83
A paisagem alisada sofre urn reestriamento (0 termo ainda
e de Guattari) nesses pedacos por onde fluem novos signifi-
cados coletivos que expressam as interpretacoes formuladas sobre
as condicoes de vida na metropole. A retorica dominante -
que condenava a politica como manifestacao de interesses escusos
(a ser substituida pela gestae racional e patriotica) -
e
absor-
vida mas reinterpretada na semantica dos dominados, que sus-
peitam de todos os polit icos e voltam-se para os seus interesses .
E desse solo que brotaram os movimentos sociais a partir da
meta de da decada de 70.
83.
J.
G. Magnani,
F esta no pedaco,
Brasiliense, 1984. Veja-se, nesse senti-
do,
0
estudo da segrnentacao social do espaco urbano em H. Lefebvre
o direito a cidade, Documentos, 1969. '
121
'I
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ANEXO 1
GRANDE SAO PAULO
POPULA<;AO RESIDENTE, SEGUNDO OS MUNICtPIOS E
SUB-REGIOES: 1960 - 1970 - 1980
Municipios e
sub-regioes
1960
1
1970
2
1980
2
Taxa
geornetrica de
crescimento
anuaI
(%)
1970/ 1980/
1960 1970
Centro - .
Sao Paulo .
Osasco .
Noroeste .
Carapicuiba .
Barueri .
Cajamar .
Santana do Parnaiba .
Pirapora do Born Jesus
Oeste
Cotia
Itapevi .
[andira .
Sudoeste .
Taboao da Serra .
ltapecerica da Serra .
Embu .
Embu-Guacu .
[uquitiba .
Sudeste .
Santo Andre .
Sfio B. do Campo .
Sao Caetano do SuI
Maua .
122
3.824.102 6.207.688
3.709.274 5.924.615
114.828 283.073
48.533 112.135
17.690 54.873
16.671 37.808
6.438 10.355
5.244 5.390
2.490 3.709
26.638 70.992
14.409 30.924
10.182 27.569
2.047 12.499
37.103 101954
7.173 40.945
14.253 25.314
5.041 18.148
4.773 10.280
5.863 7.267
504.416
245.147
82.411
114.421
28.924
988.677
418.826
201662
150.130
101700
8.967.769
8.493.226
474.543
297.978
185.816
75.336
21941
10.081
4.804
152.436
62.952
53.441
36.043
287.466
97.655
60.476
95.800
21043
12.492
4,96
4,79
9,44
8,76
12,05
8,53
4,87
0,27
4,07
10,30
7,94
10,47
19,83
10,64
19,03
5,91
13,67
7,97
2,17
1652.781 6,98
553.072 5,50
425.602 9,36
163.082 2,75
205.740 13,40
10,27
12,97
7,14
7,80
6,46
2,62
7,94
7,37
6,84
1117
10,92
9,08
9,10
18,10
7,43
5,57
3,75
3,67
5,30
5,27
2,82
7,76
0,83
7,30
(cont.)
Municipios e
sub -reg ioes
1960
1
1970
2
Taxa
geornetrica de
crescimento
1980
2
anual 0 / 0
1970/ 1980/
1960 1970
Diadema .
Ribeirao Pires
Rio Grande da Serra
Leste .
Moji
das Cruzes .
Suzano .
Pea .
Itaquaquecetuba .
Ferraz de Vasconcelos
Guararema .
Sales6polis .
Biritiba-Mirim .
Nordeste .
Guarulhos .
Ar uj a .
Santa Isabel .
Norte .
Franco da Rocha ..
Mairiporf i .
Caieiras .
Francisco Morato
Grande Sao Paulo
12.308
17.250
3.955
181558
94.482
27.094
15.829
11456
10.167
9.130
9.130
5.712
118.818
101273
5.758
11787
50.177
25.376
12.842
9.405
2.554
78.914
29.048
8.397
312.060
138.751
55.460
32.373
29.114
25.134
9.557
9.557
9.033
263.543
236.811
9.571
17.161
82.681
36.303
19.584
15.563
11231
228.660 20,42 1123
56.532 5,35 6,89
20.093 7,82 9,12
519.037.
197.946
101056
52.783
73.064
55.055
10.653
10.653.
13377
579.227
532.726
17.484
29.017
132.031
50.801
27.541
25.152
28.537
4.891245 8.139.731 12.588.727
5,57
3,92
7,43
7,42
9,78
9,47
0,46
0,46
4,69
8,29
8,87
5,21
3,33
5,12
3,65
4,31
5,17
16,01
5,22
3,62
6,18
5,01
9,64
8,16
109
109
4,00
8,19
8,45
6,21
5,39
4,79
3,42
3,47
4,92
9,77
5,44
4,46
Fonte dos dados Hsicos: FIBGE; sinopse do Censo Dernografico do
Estado de Sao Paulo, 1970, 1980, e estimativa Emplasa.
I. Populacao recenseada.
.2. Populacao residen te.
123
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e
el
e
•
MUNIC1PIO
DE
SAO
PAULO
(con.)
EVOLU<;AO DA POPULA<;AO, SEGUNDO OS DISTRITOS,
•
SUBDISTRITOS E ZONAS:
1960 1970 1980
Taxa
e
geometric a de
•
Taxa
Distritos, subdistritos
crescimento
geornetrica de
e zonas 1960
1
1970
2
1980
2
anual
(%)
•
Distritos, subdistritos
crescimento
1970/
1980/
e zonas
1960
1
1970
2
1980
2
anual
(%)
1960 1970
e
1970/
1980/
•
1960 1970.
Socorro
............
28.463 165.437
452.041 19,24
10,58
•
Ibirapuera
.........
67.416
110.761
158.415
5,09
Centro hist6rico
' .
374.446
323.617
321885
-145
-0,06
Parelheiros
8.097 12.378 27.310
4,34
8,25........
•
Bras ...............
63.971
54.391
48.588 -161
-111
Belenzinho
.........
63.153 52.238 49.273 -188 -0,58
Sudoeste
...........
637.604 901967 1101350 3,53 2,02
e
Cambuci
...........
49.900
48.600
53.590 -0,26
0,97
Vila Prudente
197.668
359.116
496.537
6,15
3,29
.....
•
Santa
Ifigenia ......
52.300
38.980
42.551
~2,90
0,86
Saude
157.871
234.528
289.027
4,04
2,11
. .
.
. . . . .
.
.
.
.
Mooca
42.792
35.298
36.175 -191
0,23
Ipiranga
156.766
171338
179.353 0,89
0,45
............
.
..........
e
Pari
................
34.539
30.693
27.748 -117
-100
Alto da Mooca
125.299
136.985
136.433
0,90
-0,04
....
•
Barra
Funda .......
32.454
29.762
30.685
-0,86
0,31
Born
Retiro ........
26.457
25.606
25.068
-0,33 -0,20 Leste 1
. ...........
531372
851589
1098.752
4,44
2,53
e
Se .................
8.880
8.049
8.207
0,98
0,17
Tatuape
. ..........
175.653
254.281 279.757
3,77 0,96
Ermelino Matarazzo
71916
152.167
241652
7,28
4,73
•
.
Centro Expandido
818.843
934.123 1154.465
134
2,11 Vila Matilde
81225
151162
239.739
6,41
4,72
..
. . . . . . .
•
Lapa .
105.995
122.512
135.515 146
100 Penha de Fran<;a
....
108.805
137.818 142.656
2,39
0,34
JI~
Perdizes ........... 91310
100.161
127.935
0,93
2,49
Vila
Formosa
. .....
73.608 96.302
119.704
2,72 2,25
• rjl
Jardim Paulista
.....
80.173
91927
118.450
138
2,40
Cangaiba
.
..........
40.165 59.859 75.244
4,07 2,32
;0 ..
.1
Vila Mariana
.......
76.899
80.919
108.282
0,51 2,93
Indian6polis .......
.
53.303
70.721
82.658 2,87
158
Leste
2
............
124.251
499.383
1010.528
14,92 7,30
I
Santa Cecilia .......
60.501
67.899
84.956
116 2,26
Sao Miguel Paulista 65.992 235.346 320.132
13,56
6,59
el
Consolacao 51698
62.226
72.372 187
150
Itaim
Paulista
......
125.071
-\
........
.
Liberdade
.........
.
55.873
59.790
73.383
0,68
2,05
Itaquera
........... 33.570
189.143 414.888
18,87
8,15
Aclirnacao
......... .
44.230
49.058
55.384
104
122
Guaianazes
.........
24.689 74.894
150.437
1174
7,22
•
Jardim America .....
42.683
47.197
55.291
101
160
•
Pinheiros 36.201 44.080 47.129 199 0,68 Norte 1
............
94.115 186.999 288.892 7,11 4,48
..........
Cerqueira
Cesar
32.040
42.616
65.447
3,13 4,14
Pirituba
............ 40.119 86.261
117.773 7,96
3,17
...
.
•
Bela
Vista
57.825
61192
79.367 0,57
2,62
Vila [aguara
........ 34.913
52.034
71641
4,07
3,29
.........
J
aragua
9.817 20.937
51075
7,87
9,33
Vila Madalena
30.112
33.825
48.296
117 3,63
............
•
......
Perus
9.266 27.767
48.403
1160
6,72
.............
•
Oeste
..............
68.652
175.800
318.421
9,86 6,12
4,89
2,56
Butantii
68.652
175.800
318.421
9,86
6,12
Norte 2
............
737.733
1193.773
1530.538
............
Tucuruvi 223.129 369.344 463.262
4,88
2,57
e
...........
SuI
302.258
861364
1670.415
1104
6,86
Santana
............
120.284 198.340
274.101 5,13
3,29
•
..............
.
Santo Amaro 109.110 377.168
765.743 13,21 7,35
Nossa Senhora do
0 .
62.439
141109 .
173.856
8,50
2,11
.......
•
Jabaquara 89.172
195.620 266.906 8,17
3,14
Vila Maria
.........
94.118 116.300
131851
2,14 126
..........
Brasilandia
41776
99.831 9,10 5,86
........
176.269
•
124
125
•
•
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(cont.)
Distritos, subdistritos
e zonas
Taxa
geometries de
crescimento
1980
2
anual
(%)
1970/
1980/
1960
1970
110.634
2,25
113
77.120
6,03
0,41
86.034
3,14
2,10
37.411
2,49
192
8.495.246
4,79
3,67
1960
1
1970
2
Casa
Verde
..
,
.
79.226
93.931
Vila Guilherme
...
41202
74.028
Lirnao .
51387
69.980
Vila
N.
Cachoeirinha
24.172
30.910
Municipio de S. Paulo
3.709.266
5.928.615
Fonte dos dados basicos: FIBGE; Censos Demograficos do Estado de
Sao Paulo, 1970, 1980, sinopse preliminar do Censo Dernografico de
1970, e estimativa Emplasa.
1 Populacao recenseada.
2. Populacao residente.
Os numeros indicam um real esgotamento no caso dos
distritos das zonas centra is de Sac Paulo. As tendencias de
crescimento se concentraram na periferia da capital e em deter-
minados municipios da regiao metropolitana. Se tomarmos em
termos absolutos,
0
incremento populacional ocorrido em 1960 e
1970 foi de 3,3 milh6es na regiao metropolitan a, dos quais 2,2
milh6es se deram ria municipio da capital. Ressaltam os distritos
da zona sul (Santo Amaro e Socorro destacam-se), norte 2 (Tu-
curuvi), leste 2 (destacando-se Sao Miguel e Itaquera). Dentre
os demais imunicipios, tiveram maior crescimento Santo Andre
e Guarulhos. Na decada de 70
0
incremento da regiao metro-
politana foi da ordem de 4,4 milh6es, dos quais 2,6 se deram
no municipio de Sao Paulo, com os maiores volumes se concen-
trando em Santo Amaro, Socorro, Itaquera e Sao Miguel. Fora
do municipio da capital
0
crescimento era maior em Guarulhos,
Sao Bernardo e Osasco. Os nurneros percentuais, por sua vez,
mostram que as maio res tendencies de crescimento vao progress i-
vamente se deslocando do centro de Sao Paulo ,para sua peri-
feria e dai para outras areas da regiao metropolitana.
126
ANEXO 2
Vejamos como se distribuiu a populacao na regiao metro-
politana. Para isso, tomei as tabelas elaboradas pela Emplasa,
que cruzam a distribuicao da populacao economicamente ativa,
segundo faixas de renda e setor de atividade, por municipios da
Grande .S,a~ Paulo e distritos do municipio da capital. Agrupei
as murncipios segundo suas sub-regices e as distritos segundo
suas zonas, reduzindo tambem as faixas de renda. Considerando
as caracteristicas do distrito do Ibirapuera, mais similares as dos
distritos do Centro Expandido que as dos da zona sui, resolvi
agrupa-lonaquela zona e nao nesta, como esta na tabela original.
. .~os .bairros do Centro hist6rico anotamos uma proporcao
significativa de pessoas ocupadas em comercio e services, parti-
cularmente nas faixas acima de 1 salario minirno, como tambern
dos ocupados na industria com renda media mensal acima de
5 salaries minimos, Pesquisa realizada por Ana Fernandes sobre
bairros industriais do velho centro revela tendencias ai presentes
que contrastarn com as dominantes para 0 conjunto da metr6-
pole. Em 1° lugar sao bairros com importante atividade indus-
trial, de tipo tradicional, como tecelagens, graficas, fundic6es.
Em 2.° lugar sac bairros onde prevalecem habitacoes alug'adas
(61%. c?ntra 40% para
0
conjunto da cidade). Em 3.° lugar
a maiona dos seus moradores trabalha no pr6prio bairro. (Cf.
A. Fernandes, Bairros centrais industriais de Sao Paulo: uma
primeira aproximacao in Espaco e Debates, n. 17.) Mas e
tambern nos distritos do Centro hist6rico que se concentram os
maiores mimeros de moradores em cortices, particularmente nas
zonas mais deterioradas do Bom Retiro, Pari e Belenzinho. Final-
mente caberia dizer que no nucleo central vemos uma enorme
populacao flutuante dos que ai trabalham: bancarios, balconistas,
garcons e uma grande quantidade de empregados de escrit6rio
au services de limpeza. A eles se juntam vendedores ambulantes
engraxates, zeladores, jornaleiros e, ainda, os que passam diaria-
mente pelo centro na conexao de seus transportes entre a casa
e 0 trabalho.
A zona classificada como Centro Expandido apresenta
maior heterogeneidade social mas, de modo geral, ressaltam af as
127
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•
e ,'
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
••
•
•
•
•
•
•
•
•
•
f aixas de mais altas rendas. Esses bairros ainda reiinern a mais
densa concentracao de empregos. Se ai encontramos particular-
mente os novos assalariados (de classe media ) e trabalhadores
de melhores rendas (cerca de 280 'mil pessoas com rendimento
medic mensal acima de 5 salaries minimos ou 43 % do total
de sua populacao economicamente ativa), em contrapartida e
tambem ai que se espalharam nos anos 70 urn grande mimero
de Iavelas, cujos moradores, alern dos pe6es da construcao civil
que dormiam nas proprias obras e as empregadas domesticas,
estavam nas f aixas com rendimentos medics abaixo do salario
minimo. Pois anote-se que 0 conjunto da populacao ativa com
rendimento abaixo do salario minimo era dos mais expressivos
nessa zona: 44 mil pessoas, ou 10,5% da PEA dessa zona.
A zona sul da capital pode ser comparada com os munici-
pios do ABCD em termos de aglomeracao de trabalhadores na
industria. Embora predominem os de rendimento entre 1 e 3
salaries minimos (mas isso corresponde a distribuicao do con-
junto da regiao metropolitana. Os ocupados na industria com
rendimento medic mensal entre 1 e 3 salaries minimos constituem
19,4% da PEA da Grande Sac Paulo e 23% da PEA da zona
sul do municipio), sac expressivos osnumeros nas outras f aixas,
tanto os que recebiam menos de 1 salario minimo quanta os com
mais de 3. Anote-se ainda a forte presenca dos ocupados na
construcao,
Na zona leste 1 observamos outra forte concentracao de
pessoas trabalhando na industria e ocnstrucao. Mas, ao mesmo
tempo, quando tomamos as tabelas que contabilizam a distri-
buicao da populacao economicamente ativa segundo a posicao
na ocupacao, a zona leste 1 aparece como aquela de maior
percentagem de autonomos (14% do total da PEA da zona).
Mas e na zona leste 2, portanto mais para a periferia, que se
concentraram os trabalhadores de mais baixas rendas. E a zona
da capital reunindo
0
maior rnimero de moradores recebendo
menos de urn salario minimo, tanto em termos absolutos (45 mil
pessoas) quanto relativos (114% de sua PEA). Pesquisa feita em
1974 numa area-piloto entre Itaquera e Vila Matilde assinalava
que 26% dessa populacao trabalhava no centro de Sao Paulo
128
(na construcao civil, comercio, bancos e f uncionalismo), 23 %
nos bairros do Bras, Belenzinho, Mooca, Pari, V. Guilherme e
V. Maria (nas industrias), 17% da propria zona leste (na peque-
na industria, comercio, bancos e prestacao de services). (Cf .
EMURB, Area CURA, Projeto piloto de Itaquera/Vila Matil-
de , 1974, e tambem os dados do censo de 1980.)
Entre os demais municipios da regiao metropolitana, ressalta
a sub-regiao sudeste (Santo Andre, Sao Bernardo, Sac Caetano,
Maua, Diadema, Ribeirao Pires e Rio Grande da Serra), como
seria de se esperar, como a de maior concentracao de empregados
nas indus trias , em todas as f aixas salariais. Sao 175 mil pessoas
ocupadas na industria nas f aixas ate 3 salaries minimos, consti-
tuindo 30% da PEA da sub-regiao, e 178 mil nas f aixas acima
de 3 salaries minimos, constituindo 30,5%. Mas vale dizer ainda
que ha urn total de 61 mil pessoas recebendo menos de urn
salario minimo (10% da PEA da sub-regiao) do conjunto dos
setores de atividade.
De outro lade temos os municipios reunidos na sub-regiao
leste (Mogi das Cruzes, Suzano, Poa, Itaquaquecetuba, Ferraz
de Vasconcelos, Guararema, Salesopolis, Biritiba-Mirim) que
apresentam a maior taxa de populacao recebendo menos de urn
salario minimo (16,8%), destacando-se aqueles empregados no
setor services.
Mas, de urn modo geral, podemos verificar que nao sac
tao gran des as diferencas de percentagem da populacao ocupada
na industria entre as diferentes sub-regioes. Se tomarmos -os
municipios mais densamente industrializados, veremos que sua
populacao operaria nao corresponde a suas taxas de industriali-
zacao (especificamente a sua oferta de empregos industr iais).
Veja-se ainda a situacao de Osasco em comparacao com os
municipios vizinhos da sub-regiao noroeste. Nas faixas ate 3
salaries minimos esta sub-regiao apresenta maior taxa de mora-
dores empregados na industria do que Osasco.
129
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\ o M
PEA (POPULA<;AO ECONOMICAMENTE ATIVA) SEGUNDO FAlXAS DE RENDA DO RENDlMENTO M£DlO
0
MENSAL (POR SALARIOS MINIMOS) E SETOR DE A TIVIDADE POR SUB-REGIOES DA GRANDE S. PAULO
(EXCETUANDO 0 MUNICIPIO DE SAO PAULO)
(FAIXAS SALARIAIS)
AT£ 1 SM
1 A 3
SETORES DE ATIVIDADE SETORES DE ATIVIDADE
PEA Ind Constr
Com
Serv
0 Ind
Constr Com
Serv
0
CH
168465
1329
194
1257
6039 920
24191 4099
11133
18324 15337
100% 0,79
-
0,75 3,58
0,55 14,36
2,43
6,61 10,88
9,10
CE (+ Ibirapuera) 683713 2093
777
2710 34627
3998 31546 15105
22209
98293
49828
100%
0,31 0,11
0,40
5,06
0,58
4,61
2,21
3,25 14,38
6,56
Butanta (0) 140778 1342
645 1526
7393
1403
15411
8041
8113
18551
14828
100% 0,95
0,46
108
5,25
100
10,94
5,71
5,76
13,18 10,53
S c- Ibirapuera) 639810
10174 3215
7737 33768
6099 137115
38790 34884
77379 53221
100% 159
0,50
121 5,28
0,95
2143
6,06 5,45
12,09.
8,32
SE
497996 9301 983
5114 18030
3172 . 111350
12245
26014
36443 38915
100%
187
0,20 102
3,62 0,64
22,36 2,46
5,22
7,32
7,81
L1
469163 10256
1422 6416 17800
3545 94031
14256
30746 41831
47369
100% 2,19 0,30
137 3,79 0,75 20,04
3,04
6,55
8,92 10,10
L2 . 391885 12694 2361 6664 19359 3851 84338 23377 24772 37908 37021
100% 3,24 0,60 170
4,94 0,98 2152
5,96
6,32 9,67
9,45
Nt
121066 2371
447 1342 5023 1153 28369
5204
7410
10760 11215
100%
-196 0,37 111 4,15
0,95
23,43
4,30
6,12
8,89 9,26
N2 670858
11315 2259 8026 29676
6007 121513 23386
42075
65550
72{)80
100% 169
0,34
120 4,42 0,89 18,11
3,48
6,27
9,77 10,74
Obs.: IND
=
Industria, CONSTR
=
Construcao, COM
=
Cornercio, SERV
=
Services, 0
=
Outros
PEA (POPULA<;AO ECONOMICAMENTE ATIVA) SEGUNDO FAIXAS DE RENDA DO RENDIMENTO Mf.DIO
MENSAL -(POR SALARIOS MINIMOS) E SETOR DE A TIVIDADE POR SUB-REGIOES DA GRANDE S. PAULO
(EXCETUANDO 0 MUNICIPIO DE SAO PAULO)
(FAIXAS SALARIAIS)
3 A 5
5 A 10
+ DE 10
SETORES DE ATIVIDADE
SETORES DE ATIVIDADE
SETORESDE ATIVIDADE
Ind Constr Com
Serv
0
lnd
Constr
Com
Serv
0
Ind
Constr
Com
Serv
0
9088
1174 6165 6768 12319
8068
722
5254
5525
9144
5347
413
3058
3015
4819
5,39 0,70 3,66
4,02 7,31 4,79
0,43
3,12
3,28
5,43 3,17
2,24 0,21
179
2,86
18506 4131
13945 25240 46306 26821
4049
15282
23847
51391
50790
7620
18950 33359
65351
2,71 0,60 2,04 3,69
6,77
3,34
0,59
2,23
3,49
7,52 7,93
111
2,77
4,88 9,56
5154
2535 3433
4568 8489 9187
1186
2708
3268
6684
5130
817
2164 3027
5730
3,66 180
2,44
3,24 6,03 2,97
0,84
192
2,32
4,77 3,64
0,62
154
2,15
4,07
46359 12082 11027 17001 27038 29812 4149 7453 9656 16080 16355 1550 3611 6154 9114
7,24
189
172 2,66 4,22 4,66
0,65
116
151
2,51
2,56
0,24
0,56
0,96
142
46660 4677 11591
13775 27222 33924
2673
9976
11000
19658 16992
1314
6188
6217
12009
9,37 0,94 2,33
2,77
5,47
6,81
0,54
2,00
2,21
3,95
3,41
0,26
124
125
2,41
36101 5665 12886 13879 31660
23406
2459
9137
8699
18095
9219
773 4658
3729 6011
7,69 121 2,75
2,96 6,75 4,99
0,52
195
185
3,86 196
0,16
0,99
0,79
128
31735
7368
6959
8178 18222
12950
1690 3181
3402
7179
1898
253 1319
789
1332
8,10 188
177
2,09
4,65 3,30
0,43
0,81
0,87
183
0,48
0,06
0,34
0,20
0,34
10983
1726 2833 3331 6153
6946
649 1860
1721
3131
2572
224 731
624
1086
997
142 2,34 2,75 5,08
5,74
0,54
154 142
2,59
2,12
0,18
0,60
0,51
0,90
415)3
8384 17158 21775 47579
27406
4048
12910
13793
29874
13224 1605
6644
6287 12791
6,20 125
2,56 .
3,24
7,09
4,08
0,60 192
2,06
4,45
197
0,24 0,99
0,94
189
~
Obs.: IND = Industria, CONSTR = Construcao, COM = Comercio, SERV = Services, 0 = Outros
~~
7/21/2019 SADER Emir Quanto novos personagens entram em cena parte 1.pdf
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(;,I
PEA (POPULA<;..1.O ECONOMICAMENTE ATlVA) SEGUNDO FAIXAS DE RENDA DO RENDIMENTO M£DIO·
tv
MENSAL (POR SALARIOS MiNIMOS) E SETOR DE A TlVIDADE POR SUB-REGIOES DA GRANDE S. PAULO
(EXCETUANDO 0 MUNIClPIO DE SAO PAULO)
(FAIXAS SALARIAIS)
AT£ 1 SM
1 A 3
SETORES DE ATlVIDADE
SET ORES DE ATIVIDADE
PEA
Ind
Constr
Corn Serv 0
Ind Constr Corn
Serv
0
Noroeste 111695
2613
718
1514
5158
1327 27904 9583 6141
10410
11701
100% 2,34
0,64 135
4,62 119 24,98 8,58
5,50
9,32 10,47
Osaseo
192225
3009
808
2842
8266 1794
43795 8387 13286 14219
20079
100% 156
0,42
148
4,30
0,93
22,78
9,36 6,91 7,40 10,44
Oeste
56364
1539
377
662 3061
1098
14802 4011 2524
5418 5814
100%
2,73 0,67
),17 5,43
195
26,26 7,12 4,48
9,61 10,31
Sudoeste
111479 2702
1046
1542
8488
1954 21428 10934 6059 16162
10658
100% 2,42 0,94 138
7,61
175 19,22 9,81
5,43
14,50 9,56
Sudeste 581942
15388
2450
7587
29832 5894
159491 23806
31093 38751 46260
100%
2,64 0,42
130
5,13 101
27,41 4,09 5,34 6,66 7,95
Leste 192943 6851
2031
3102
11986
8703 41300 11682 7971 12497 22987
100%
3,55
105
161 .
6,21
4,51 2140
6,08 4,13
6,48 1191
Nordeste
228643
7416
1459
3483
11401 3586
60920 12224
10571 15755 21850
100% 3,24
0,64
152
4,99
157 26,69 5,35 4,62 6,89 9,55
Norte 49515 1930
399
571 3349
809 10876 3294 1863 4341
7288
100% 3,90
0,80
115
6,76 163
2196 6,65 3,76 8,77 14,72
Obs.: IND = Industria, CONSTR =Construcao, COM = Cornercio, SERV = Services, 0 =Outros
PEA (POPULA<;AO ECONOMICAMENTE ATlVA) SEGUNDO FAIXAS DE RENDA DO RENDIMENTO M£DlO
MENSAL (POR SALARIOS M1NIMOS) E SETOR DE ATIVIDADE POR SUB-REGIOES DA GRANDE S. PAULO
(EXCETUANDO 0 MUNICiPIO DE SAO PAULO)
(FAIXAS SALARIAIS)
3 A 5
5 A 10
+
DE 10
SETORES DE ATlVIDADE
SET ORES DE ATIVIDADE
SETORES DE ATIVIDADE
Ind
Constr Corn
Serv
0
Ind Constr
Corn Serv
0 Ind
Constr
Corn
Serv
0
8097 2730 1736
2419
5517
3519 637
856 1045 2876
463 136 384 431 457
7,25
2,44 155
126 4,94
3,15 0,57
0,77
0,93 2,57
0,41 0,12 0,34 0,38
0,41
17454 3011 4051 3849 10253 11726 1199 2324 2058 5755 3309 310 1174 931 2500
9,08
157
2,11
2,00
5,33 6,10 0,62 121
107
2,99 172 0,16
0,61 0,48 130
3637 1032 737
944 2626
1608 281 338
466 1009 507
116 162 344 648
6,45 183
131 167
4,66 2,85 0,50
0,60 0,83
179
0,90 0,20
0,29 0,61 115
51343
3385 1420 3011 4220
2444 849
720 1162 2159
666 182 428
563
773
4,79
3,04 127
2,70 3,78 2,19 0,76 0,64 104 194 0,60 0,16 0,38 0,50
0,69
83410 7842 10738
12022 29112
65792
3206 9176 8754 18372 28664 1222
6445 5057 10807
14,33
135 184 2,06
5,00 1130
0,55
158 150 3,16 4,92 0,21 111 0,87
186
13055
2794 2480
2976
9120 6814
1012 1811 1794 5739 2464 264
1298
958 3180
6,77
145 128
154
4,73 3,53 0,52 0,94 0,93
2,97 128
0,14
0,67 0,50 165
17946 3417
3787 4601
11137
9934 1255 2691 2672
6720
3405
374
1659
1276 2771
7,85
149
166
2,01
4,87 4,34 0,55 118 117
2,94 149
0,16
0,72 0,56 121
2772
829
622
818
3010
1447 220
388 399
1325
565
50 189
156
345
5,60 167
126
165
6,08
2,92 0,44 0,78 0,80 2,67 114 0,10
0,38
0,31 0,70
• .
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Obs.: IND = Industria, CONSTR
=
Construcao, COM = Cornercio, SERV = Services, 0 =Outros
;,I
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B
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.
Q
<
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;
'
J.
Se examinarmos agora 0 mapa da expansao da mancha
urbana da Grande Sac Paulo, poderemos completar esta imagem
da distribuicao dos trabalhadores na metr6pole com uma di-
mensae dos seus veto res de expansao no tempo.
o maior vetor de expansao e 0 que se mostra na direcao
leste. £ que, praticamente esgotadas as possibilidades de moradia
barata na Penha, Tatuape, Vila Prudente, a populacao migrante
dos anos 60 e 70 foi construindo as novas periferias do que se
tornou a zona leste
2 ,
a partir de Ermelino Matarazzo e Vila
Matilde. Com as facilidades de locomocao criadas com a abertura
da Radial Leste nos anos 60, antigos micleos urbanos que ate
.os anos 50 se comunicavam com Sao Paulo pela Estrada de
Ferro Central do Brasil incorporaram-se a aglomeracao paulis-
tana, como Sao Miguel e Itaquera. Area mais distante dos
grandes p610s industriais, e tambem, como ia vimos, onde se
concentra a populacao mais pobre .
A nordeste vemos outra linha de expansao acompanhando
a via Dutra, por onde se implantou grande quantidade de
ind ustrias pesadas, constituindo-se Guarulhos na principal zona
de residencia operaria da regiao.
, Ao norte, ap6s 0 crescimento ocorrido na decada de
60
nos bairros de Santana, Tucuruvi, Brasilandia, a urbanizacao
parecia enfrentar urn obstaculo com a serra da Cantareira.
A oeste, acompanhando a via Ierrea, Osasco ja constituia
urn importante centro industrial contiguo a capital, forman do
mancha continua com os bairros do Butanta, [aguara e Lapa.
Observa-se como, recentemente, houve uma notavel expansao
mais para oeste com 0 adensamento de Carapicuiba Conde
se construiu urn dos dois maiores conjuntos habitacionais da
CORAS, com
100
mil moradores, estando 0 outro localizado em
Itaquera).
Na direcao sui pode-se observar urn vetor que acompanha
o rio Pinheiros e a antiga linha da ferrovia Sorocabana. Se esta
perdeu sua importancia, a abertura da Avenida Marginal nos
anos
60
ampliou as vias de acesso
a
regiao. Ao longo do Pinhei-
ros, na direcao sul, e sobretudo no eixo do Jurubatuba, em
Interlagos, estabelece-se 0 principal p6lo da grande industria
no municipio de Sao Paulo. Os trabalhadores vao ocupando as
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regi6es menos valorizadas, nos barrancos entre as represas (en-
frentando uma legislacao de protecao aos mananciais que impe-
diria a ocupacao dessas areas) e, do lade oeste do Pinheiros,
f oram adensando a ocupacao na Capela do Socorro e ao longo
das estradas do M'Boi-Mirim e Itapecerica. A chegada dessa
populacao operaria transfigurou completamente 0 antigo bairro
de Santo Amaro, sendo a expressao mais visivel disso 0 Largo
13, espaco central de toda regiao. Ele se tornou nao apenas
ponto regional de conexao dos transportes mas ainda centro de
comercio e convivencia onde ressaltam os traces de uma cultura
nordestina transplantada.
No curso dos anos 70 as vilas erguidas em torno da estrada
de I tapecerica ja se encontram com a expansao das moradias
populares que avancavam a partir do Taboao, Embu e Itapece-
rica, impulsionada nessa decada pela rodovia Regis Bittencourt.
Ja a sudeste, onde, seguindo
0
curso do Tamanduatei, os
velhos trilhos da Santos-
J
undiai ligavam os municipios do ABC
a Sao Paulo, estabeleceu-se uma mancha continua, servida pela
Via Anchieta (ao longo da qual estabeleceram-se as maiores
empresas ligadas ao
boom
automobilistico). Ao lade da popu-
lacao local mais antiga, concentrada em Santo Andre, somaram-
se gran des levas de imigrantes que encontraram empregos na
regiao e ai passaram a morar. Ai podemos distinguir particular-
mente 0 assentamento em Diadema, que se caracteriza por ser
a principal cidade-dormit6rio da populacao mais pobre da regiao
(ao f inal dos anos 70 urn terce da populacao morava em favelas)
do de Sao Bernardo, onde, alem da concentracao industrial e
sem faltar as favelas, tender am a residir os trabalhadores quali-
ficados, de melhores rendas.
ANEXO 4
Se tomarmos a populacao segundo suas faixas de remune-
racao, verif icamos que a relacao e constante: quanta mais baixo
o salario, maior a rotatividade, sendo que aqueles que recebiam
menos de urn salario minima nao conseguiram empregar-se nem
por meio ana (5,76 meses) como media. Mas, se e elevada a taxa
de rotatividade para todos os setores (excecao feita a administra-
c;:ao publica) e mesmo nas faixas ate 7 salaries, e na construcao
onde os indices sac mais espantosos. Na media para todas as
faixas salariais trabalhava-se 5 meses por ano. Para os que
recebiam menos do que 0 minimo legal (e na construcao e on de
se tern observado grande incidencia de trabalhadores sem carteira
assinada), a media de meses trabalhados por ana nao chegava
a
4.
Nao surpreende, pois, que uma parcela consideravel de
pe6es da construcao flutuem entre 0 emprego nesse setor e as
mais diversas atividades do setor informal .
137
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lNDICES DO SALARIO MEDIO REAL NA INDOSTRIA
SEGUNDO RAMOS INDUSTRIAlS ESCOLHIDOS
1952 - 1973
Salario
Ind.
Vest. e
Ind.
Ind.
Ind.
Ind.
Ind. mat.
Ouimica e
rninimo
textil
calcado
madeireira
aliment.
metaldrgica
rnecanica
transporte
Farmaceutica
1952
100
100
100
100
100
100
100
100
100
1959
107
123
116
121
143
119
113
101
161
1966
78
123
110
110
132
132
130
134
180
1973
74
159
118 124 158 156 189 171 221
Fonte: P. Renato Souza, a partir de series do Anuario Estatis tico do IBGE, in Emp rego, saldrios e pobreza, Hucitec,
1980, p. 85.
ANEXO 5
lNDICE DE ROTATIVIDADE
Em meses por ana trabalhados por ernpregrado, setor de atividade e classes de salario minimo
Faixas de salario rninimo
Ate 1
1 a 3
3a7
7 a 10
10 a 15
+de 15
Total
Industria
5,76
7,68
9,48
10,20
10,32
10,32
7,80
Ind. util. publica
6,48
9,24
10,80
1104
10,80
10,80
9,96
Ind. construcao
3,72
5,04
6,48
7,68
8,04
8,52
5,04
Agric. e criacao 'animal
5,88
7,68 8,52 9,12 9,48 9,24 7,20
Services
5,52
7,20
9,00
9,72
9,84
9,96
7,44
Entidades financeiras
5,64
7,32
9,36
10,56
1104
1104
9,48
Cornercio
6,00
7,44
8,64
9,24
9,48
9,48
7,32
1140
1116
1116
10,92