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REVISITANDO O TEOREMA DE PITÁGORAS
Marli Duffles Donato Moreira
Que lei matemática tão simples a regular a estrutura duma figura geométrica!
Por isso, este teorema foi sempre considerado como
a mais brilhante aquisição da escola pitagórica.
(Bento de Jesus Caraça, 1970, p.71)
RESUMO
Este artigo apresenta uma releitura do Teorema de Pitágoras, destacando algumas
notas históricas e conexões com outros resultados matemáticos relevantes. Visitar a
história é sempre uma viagem com muitos frutos. O número de provas conhecidas do
teorema de Pitágoras pertence à casa das centenas. Destaco, neste trabalho, dez provas
do famoso teorema selecionadas por critérios estéticos e/ou culturais. Muitos nomes
notáveis da matemática podem ser conectados através do teorema do triângulo
retângulo: Pitágoras, Euclides, Diofanto, Fermat, Wiles. Pretendo destacar, neste
trabalho, as conexões matemáticas.
Palavras-chave: Teorema de Pitágoras. Provas. História.
1. INTRODUÇÃO
Há temas da cultura, das artes e das ciências que são fontes inesgotáveis de novas
ideias e perspectivas. Assim é o Teorema de Pitágoras (Figura 1): em qualquer triângulo
retângulo (triângulo que possui um ângulo reto), a área do quadrado construído sobre a
hipotenusa (o maior lado) é igual à soma das áreas dos quadrados construídos sobre os
catetos (os outros dois lados do triângulo). Esta é, provavelmente, a proposição
matemática mais conhecida em todo o mundo. Mesmo muitas pessoas que não são da
Doutora em Ensino e Divulgação das Ciências pela da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto
– Bolsista CAPES/Brasil
Mestre em Ensino de Matemática pela Universidade Federal do Rio de Janeiro
E-mail: marliddmoreira@gmail.com
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área das ciências exatas já ouviram falar sobre ele ou têm alguma memória escolar do
assunto.
Figura 1. Representação geométrica do Teorema de Pitágoras, c2 = a2 + b2; o
triângulo ABC é retângulo, de hipotenusa c e catetos, a e b.
É uma tarefa desafiante propor um novo olhar sobre este famoso teorema tendo
em vista tudo o que já foi publicado sobre ele. Minha intenção, neste artigo, é destacar
algumas conexões relevantes do Teorema de Pitágoras com outros resultados
matemáticos. Pretendo, igualmente, apresentar dez provas do referido teorema
selecionadas a partir de critérios estéticos e/ou culturais.
Há centenas de provas publicadas do Teorema de Pitágoras. Em 1907, Elisha
Scott Loomis, professor de Matemática em Cleveland (EUA), escreveu o manuscrito
The Pythagorean Proposition com uma coletânia de demonstrações do teorema. A
primeira publicação deste trabalho foi em 1927. Sua segunda edição, publicada em
1940, continha 370 demonstrações que remontam ao período entre 900 a.C. e 1940 d.C..
Esta segunda edição foi reimpressa, em 1968 e 1972, pelo National Council of Teachers
of Mathematics (NCTM), quando Loomis já havia falecido.
Neste trabalho evidencio a fertilidade da matemática e a riqueza de suas conexões.
Vamos nos deter ao teorema de Pitágoras. Uma proposição de origens tão remotas, algo
em torno de quatro milênios, ensejou o desenvolvimento de muitos outros resultados
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matemáticos importantíssimos. Um exemplo indubitável desta fertilidade é a história do
Último Teorema de Fermat que conecta renomados homens das ciências, de épocas e
lugares distintos: Pitágoras de Samos, século VI a.C., da Grécia; Diofanto de
Alexandria, c. século III, da Grécia; Pierre de Fermat, século XVII, da França; Andrew
Wiles, século XX/XXI, da Inglaterra. Falarei sobre esta história mais adiante neste
artigo.
A primeira questão que podemos levantar, quando estudamos a relação entre os
lados do triângulo retângulo, refere-se ao porquê de Pitágoras dar nome a este teorema.
Há fortes indicações históricas que nos habilitam a afirmar que esta proposição já era
conhecida por alguns povos há pelo menos 1000 anos antes de Pitágoras (Katz, 2010).
O trabalho de arqueólogos na região da Mesopotâmia, atual Iraque, trouxe a
público mais de 500 000 placas de argila, sendo que deste total, quase 400 são de
conteúdo matemático e testemunham o conhecimento desta antiga civilização (Eves,
2008). Duas delas, em particular, apresentam dados ligados ao Teorema de Pitágoras: a
YBC 7289 (Figura 2), do período de 1800 a 1600 a.C., que pertence à Yale Babylonian
Collection, da Universidade de Yale, Connecticut, Estados Unidos, e a Plimpton 322
(Figura 3), de aproximadamente 1700 a.C., da Universidade de Columbia, Nova Iorque,
Estados Unidos.
A YBC 7289 expõe um quadrado, suas diagonais e suas respectivas medidas. Os
números são representados em escrita cuneiforme e em base sexagesimal. É
surpreendente a precisão de cálculo para o comprimento da diagonal, 30√2, o que
denota conhecimento da relação pitagórica.
Figura 2. Placa babilônica YBC 7289.
Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/0/0b/Ybc7289-bw.jpg
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Na Plimpton 322, há números dispostos em quatro colunas e quinze linhas,
também em escrita cuneiforme e notação sexagesimal, o que era típico do sistema de
numeração babilônico. Este é um importante documento histórico da Antiga Babilônia
em que aparece a relação entre os lados de alguns triângulos retângulos denotando
conhecimento de uma forma de calcular ternos pitagóricos1. Não há uma generalização
da relação matemática dos triângulos retângulos, contudo muitos historiadores veem aí
uma prova de que o conhecimento do teorema é anterior a Pitágoras.
Se este era ou não o método usado pelo escriba babilônico para redigir o Plimpton 322, o
facto é que o escriba conhecia a relação pitagórica. E, apesar de esta tabela particular não
ter a indicação de uma relação geométrica, excepto para as designações das colunas,
existem problemas nas antigas placas babilônicas que tornam explícito o uso geométrico do
teorema de Pitágoras. (Katz, 2010, p.43)
Figura 3. Placa babilônica Plimpton 322.
Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/c/c2/Plimpton_322.jpg
Em vista destes indícios, é bastante razoável sustentarmos que a propriedade do
triângulo retângulo era, de fato, conhecida pelos povos antigos, anteriores à época de
Pitágoras. De fato, Pitágoras dá nome ao teorema por conta da generalização que
estabeleceu a este resultado. É a ele creditada a primeira prova formal do teorema.
1 Ternos pitagóricos são soluções inteiras (a, b, c) da equação a2 + b2 = c2. Isto é, são comprimentos
inteiros dos lados de um triângulo retângulo.
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Conta a lenda que Pitágoras teria oferecido uma hecatombe2 aos deuses em sinal de
agradecimento e alegria pela demonstração do teorema (Struik, 1997).
Enquanto as civilizações anteriores fizeram uso da propriedade dos triângulos
retângulos em alguns casos particulares e experimentais, a grande contribuição de
Pitágoras foi a de demonstrar a validade desta relação para todo e qualquer triângulo
retângulo plano. Segundo Singh (2008, p.45), “A descoberta foi um marco na história
da matemática e um dos saltos mais importantes da história da civilização”.
2. UMA SELEÇÃO ESPECIAL: DEZ PROVAS
Apresentarei, nesta secção, as dez provas do Teorema de Pitágoras que selecionei
entre as inúmeras possíveis. São provas que cobrem um período de aproximadamente
2500 anos de história. Este é um ponto a ser destacado: o poder de mobilização da
criatividade e do pensamento humanos que a matemática exibe. Pitágoras, Euclides,
Papus de Alexandria, Bhāskara, Leonardo da Vinci, John Wallis, James Abram Garfield
são alguns dos nomes (foram muitos outros) que se deixaram fascinar pelo encanto da
matemática do triângulo retângulo.
A seguir, as contribuições destes homens além de duas outras demonstrações, uma
da China Antiga e outra de caráter dinâmico.
2.1. A demonstração de Pitágoras
Pitágoras (571-496 a.C.) foi um matemático e filósofo grego. Nasceu em Samos,
ilha grega do mar Egeu, e fundou uma comunidade, a escola pitagórica, em Crotona, sul
da Itália. Acreditava que os números eram o princípio de todas as coisas. Os pitagóricos
tinham entre si um pacto de silêncio.
“Qual foi a demonstração dada por Pitágoras? Não se sabe ao certo, pois ele não
deixou trabalhos escritos. A maioria dos historiadores acredita que foi uma
demonstração do tipo “geométrico”, isto é, baseada na comparação de áreas.” (Lima,
2006, p.53)
Embora não se tenha certeza desse fato, a prova atribuída a Pitágoras é uma
demonstração simples por decomposição de figuras (Eves, 2008), como mostrada a
seguir (Figura 4).
2 Hecatombe é o sacrifício de 100 bois aos deuses.
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Figura 4. Demonstração de Pitágoras; a, b representam as medidas dos catetos e
c, a medida da hipotenusa do triângulo retângulo.
A figura à esquerda apresenta um quadrado de lado a + b decomposto em seis
partes: um quadrado de lado a, um quadrado de lado b e quatro triângulos retângulos de
catetos a e b e hipotenusa c. A figura à direita apresenta um quadrado, congruente ao
primeiro, porém decomposto de outra forma, em cinco partes: um quadrado de lado c e
quatro triângulos retângulos congruentes aos da primeira figura. Como a área da figura à
direita é igual à área da figura à esquerda, retirando-se os quatro triângulos retângulos
de ambas as figuras, o que resta tem que ser igual: a2 + b2 = c2, onde a e b representam
as medidas dos catetos e c a medida da hipotenusa de um triângulo retângulo qualquer.
Outra maneira de abordar esta prova é a de considerar o fato de que a área de uma
figura plana é igual à soma das áreas das partes que compõem a figura original (sem
superposição). Assim, podemos considerar o quadrado de lado a + b. Sua área será dada
pela expressão (a + b)2. De outra forma, podemos considerar a soma das áreas de suas
cinco partes (figura à direita): c2 (quadrado de lado c) + 4 . 1
2 . a . b (quatro triângulos
de catetos a e b). Igualamos, então, as duas expressões referentes à área do quadrado de
lado a + b e simplificamos o resultado, conforme mostrado a seguir.
(a + b)2 = c2 + 4 . 1
2 . a . b
a2 + 2.a.b + b2 = c2 + 2.a.b
Então, a2 + b2 = c2, como queríamos demonstrar.
2.2. O teorema de Pitágoras por Euclides
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Euclides, professor de matemática em Alexandria, escreveu, por volta de 300 a.C.,
a obra matemática mais antiga que se conservou no tempo: os Elementos. Composta por
treze livros, com 465 proposições, é um notável compêndio da matemática conhecida à
época. É a segunda obra mais publicada em todo o mundo, só perdendo para a Bíblia. A
matemática presente nos Elementos é tratada por Euclides de forma axiomática. As
proposições encadeiam-se em um discurso lógico dedutivo primoroso (Eves, 2008).
A seguir, apresentarei três proposições, I.47, I.48 e VI.31, que tratam do triângulo
retângulo. No Livro I, a proposição I.47 trata do teorema de Pitágoras e sua
demonstração, apesar de Euclides não nomeá-lo assim, e a proposição I.48 trata da
recíproca do Teorema de Pitágoras. No Livro VI, a proposição VI.31 trata de um
resultado surpreendente a respeito das áreas das figuras que se desenham sobre os lados
de um triângulo retângulo. A propriedade que se verifica em relação aos quadrados
desenhados sobre os catetos e a hipotenusa de um triângulo retângulo é igualmente
válida para quaisquer figuras semelhantes desenhadas sobre os lados de um triângulo
retângulo.
2.2.1. Proposição I.47
“Nos triângulos retângulos, o quadrado sobre o lado que se estende sob o ângulo
reto é igual aos quadrados sobre os lados que contêm o ângulo reto.” (Euclides, 2009,
p.132)
A demonstração de Euclides para o Teorema de Pitágoras (importa notar que
Euclides não nomeia o teorema nem usa a denominação hipotenusa e catetos para os
lados do triângulo retângulo) assenta-se em equivalência de área das figuras planas.
Inicialmente, desenhamos um triângulo retângulo qualquer e os quadrados sobre a
hipotenusa e os catetos. Em seguida, traçamos a altura relativa à hipotenusa,
estendendo-a de forma a dividir o quadrado desenhado sobre a hipotenusa em duas
partes, dois retângulos, AHJK e BHJI (Figura 5). Traçamos, então, o segmento de reta
que une o vértice C ao vértice K. O mesmo se faz em relação aos vértices C e I. Desta
forma, construímos os triângulos ACK e BCI. Reparemos que estes triângulos têm a
metade da área dos retângulos AHJK e BHJI, respectivamente. Por outro lado, o
triângulo ACK é congruente ao triângulo ADB que tem a metade da área do quadrado
ACED. O mesmo ocorre entre os triângulos BCI e BAG e o quadrado BCFG. Como diz
Euclides, “...os dobros das coisas iguais são iguais entre si” (Euclides, 2009, p.133).
Assim, o retângulo AHJK tem o dobro da área do triângulo ACK que, por sua vez, é
congruente ao triângulo ADB. O quadrado ACED tem o dobro da área do triângulo
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ADB. Logo, o quadrado ADEC tem a mesma área do retângulo AHJK. Raciocínio
análogo empregamos para o quadrado BCFG e o retângulo BHJI.
Figura 5. Demonstração de Euclides.
Como o quadrado ABIK, construído sobre a hipotenusa, é composto pelos
retângulos AHJK e BHJI que têm áreas respectivamente iguais aos quadrados ACED e
BCFG, construídos sobre os catetos, fica demonstrado que o quadrado sobre a
hipotenusa é igual à soma dos quadrados sobre os catetos.
É interessante notar que esta demonstração é uma interpretação geométrica das
relações métricas que relacionam os catetos (c e b) com suas projeções ortogonais (m e
n) sobre a hipotenusa (a): c2 = a . m e b2 = a . n (Figura 6).
Figura 6. Relações métricas no triângulo retângulo; m e n são as projeções
ortogonais dos catetos c e b, respectivamente, sobre a hipotenusa a.
2.2.2. Proposição I.48
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“Caso o quadrado sobre um dos lados de um triângulo seja igual aos quadrados
sobre os dois lados restantes do triângulo, o ângulo contido pelos dois lados restantes do
triângulo é reto.” (Euclides, 2009, p.134)
Já demonstramos o teorema de Pitágoras. Será que a sua proposição recíproca é
igualmente verdadeira? Esta pergunta faz sentido embora passe despercebida para
muitos. O fato de uma proposição ser verdadeira não garante que a sua proposição
recíproca também o será. Logo, teremos que provar a recíproca do teorema de Pitágoras,
ou seja, se (o quadrado sobre um dos lados é igual à soma dos quadrados sobre os
outros dois lados) então (o triângulo é retângulo).
Começaremos por desenhar um triângulo ABC qualquer.
A
c b
C
B a
Nossa hipótese é que a2 = b2 + c2 onde a, b e c são os lados do triângulo
qualquer que desenhamos. Desenhemos, agora, duas semirretas perpendiculares que se
interceptam no ponto D. Marquemos, em seguida, os ponto E e F em cada semirreta de
tal forma que DE = b e DF = c.
F_
c
D
b E
Pelo teorema de Pitágoras temos EF2 = b2 + c2 (por construção).
Por hipótese, a2 = b2 + c2 logo EF2 = a2 donde EF = a.
Concluímos que o triângulo ABC é congruente ao triângulo DEF (os três lados
são congruentes). Como construímos o triângulo DEF a partir de semirretas
perpendiculares, o ângulo EDF é reto. Desta forma, o ângulo BAC também é reto.
Logo, o triângulo ABC é retângulo, como queríamos demonstrar.
2.2.3. Proposição VI.31
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“Nos triângulos retângulos, a figura sobre o lado subtendendo o ângulo reto é
igual às figuras semelhantes e também semelhantemente descritas sobre os lados
contendo o ângulo reto.” (Euclides, 2009, p.264)
Esta proposição é uma generalização do teorema de Pitágoras. Se, em vez de
quadrados desenharmos quaisquer outras figuras semelhantes sobre os lados do
triângulo retângulo, a relação entre as áreas permanece válida (Figura 7).
Figura 7. Generalização do teorema de Pitágoras.
Queremos provar que, considerando-se que c, a e b são, respectivamente, a
hipotenusa e os catetos de um triângulo retângulo qualquer e que sobre estes lados
foram desenhados figuras semelhantes, a área C da figura desenhada sobre a hipotenusa
é igual à soma das áreas A e B das figuras desenhadas sobre os catetos. Lembremos que
a razão entre as áreas de figuras semelhantes é igual ao quadrado da razão de
semelhança. Logo temos,
C
A = (
𝑐
𝑎)
2 ou
C
A =
𝑐2
𝑎2 ou C
𝑐2 = A
𝑎2
e da mesma forma,
C
B = (
𝑐
𝑏)
2 ou
C
B =
𝑐2
𝑏2 ou C
𝑐2 = B
𝑏2
Logo,
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C
𝑐2 = A
𝑎2 = B
𝑏2
Como c2 = a2 + b2 pela propriedade das proporções3 temos C = A + B, como
queríamos demonstrar.
Vamos ver um exemplo desta proposição. Consideremos um triângulo retângulo
ABC, de hipotenusa a e catetos b e c. Desenhemos semicírculos sobre os lados deste
triângulo (Figura 8). Desta forma teremos:
(i) área do semicírculo (raio = 𝑎
2 ) sobre a hipotenusa a:
𝜋.(𝑎
2)
2
2 = 𝜋.
𝑎2
8
(ii) área do semicírculo (raio = 𝑏
2 ) sobre o cateto b :
𝜋.(𝑏
2)
2
2 = 𝜋.
𝑏2
8
(iii) área do semicírculo (raio = 𝑐
2 ) sobre o cateto c :
𝜋.(𝑐
2)
2
2 = 𝜋.
𝑐2
8
Figura 8. Exemplo da generalização do teorema de Pitágoras.
Somando-se as áreas dos semicírculos sobre os catetos (ii) + (iii) teremos:
𝜋.𝑏2
8 + 𝜋.
𝑐2
8 =
𝜋
8 (b2+ c2) .
3 Numa proporção, a soma dos antecedentes está para a soma dos consequentes, assim como cada
antecedente está para o seu consequente: 𝑎+𝑐
𝑏+𝑑 =
𝑎
𝑏 =
𝑐
𝑑 .
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Como o triângulo ABC é retângulo, vale o teorema de Pitágoras, b2+ c2 = a2.
Então, a soma das áreas dos semicírculos sobre os catetos é igual a 𝜋
8 (a2) que é
precisamente a área do semicírculo desenhado sobre a hipotenusa (i).
𝜋
8 (b2+ c2) =
𝜋
8 . a2
2.3. Uma antiga demonstração chinesa
O livro de matemática chinesa antiga mais importante é o K’ui-ch’ang Suan-shu
(Nove Capítulos sobre a Arte da Matemática) do período de 206 a.C. a 221 d.C., época
de um poderoso império sob a Dinastia Han. Trata-se de um compêndio da matemática
chinesa com 246 problemas, sobre temas diversos, incluindo questões envolvendo
triângulos retângulos (Eves, 2008). “Entre eles, treze utilizam a denominada regra
Gougu, uma versão para o teorema de Pitágoras, onde gou corresponde ao cateto menor
e gu o maior.” (Dassie, Pitombeira e Lima, 2009, p. 24)
Num outro texto chinês famoso, o Chóu-peï, provavelmente mais antigo que o
Nove Capítulos sobre a Arte da Matemática, há uma figura (Figura 9) que representa a
propriedade do triângulo retângulo pitagórico 3, 4, 5. Não há nenhuma demonstração
formal.
Figura 9. Ilustração do livro Chóu-peï; figura do triângulo retângulo 3, 4, 5.
Fonte:
http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/c/c3/Chinese_pythagoras.jpg
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2.4. A generalização de Papus
Papus de Alexandria, nascido no final do século III d.C., foi um grande geômetra
grego. Escreveu uma obra notável, Coleção Matemática, composta por oito livros, dos
quais se perderam o primeiro livro e parte do segundo.
No Livro IV desta coleção, Papus escreveu uma extensão do teorema de Pitágoras
(Eves, 2008, p.227): Sejam ABC um triângulo genérico e ABDE e ACFG dois
paralelogramos quaisquer descritos sobre AB e AC, externamente ao triângulo. Seja H
a intersecção de DE e FG e trace BL e CM iguais e paralelos a HA.
Então, BCML = ABDE + ACFG (Figura 10).
Figura 10. Generalização de Papus para o teorema de Pitágoras.
O teorema de Pitágoras é um caso particular do teorema de Papus. No lugar do
triângulo retângulo, Papus considera um triângulo qualquer e no lugar de três quadrados
construídos sobre os lados do triângulo, Papus desenha três paralelogramos. O teorema
de Papus baseia-se na propriedade de que paralelogramos com bases e alturas iguais têm
áreas iguais. Então, vejamos: o paralelogramo ABDE tem a mesma área do
paralelogramo ABUH que, por sua vez, tem a mesma área do paralelogramo BLSR. Da
mesma forma, o paralelogramo ACFG tem a mesma área do paralelogramo ACVH que
tem a mesma área do paralelogramo RSMC. Assim, o paralelogramo BCML é
composto de duas partes (os paralelogramos BLSR e RSMC) que têm áreas iguais,
respectivamente, aos paralelogramos ABDE e ACFG.
Logo, BCML = ABDE + ACFG, como queríamos demonstrar.
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2.5. A demonstração de Bhāskara
Bhāskara foi um notável matemático hindu do século XII. Em 1150, escreveu
Siddhānta S’iromani (diadema de um sistema astronômico). Lilāvati (bela) e Vijaganita
(extração de raízes) são as partes de seu trabalho mais importantes. A demonstração do
teorema de Pitágoras que Bhāskara apresentou é visual. Ele fez o desenho (Figura 11) e
escreveu “Veja!”.
Figura 11. Ilustração da prova de Bhāskara para o teorema de Pitágoras.
Usando a álgebra, a demonstração de Bhāskara ficaria assim: sejam a, b, e c a
hipotenusa e os catetos do triângulo retângulo. O quadrado maior (figura à direita) tem
área a2. Por outro lado, este quadrado é formado por 5 partes: 4 triângulos retângulos
congruentes e um quadrado menor de lado b-c. Igualando-se as duas expressões para a
área da figura temos a2 = 4 . 𝑏.𝑐
2 + (b-c)2 = b2 + c2 .
2.6. Outra demonstração de Bhāskara
Bhāskara apresentou uma outra demonstração do teorema de Pitágoras fazendo
uso da semelhança de triângulos. No triângulo retângulo ABC (Figura 12), h é a altura
relativa à hipotenusa a e b, c são os catetos.
Figura 12. Prova de Bhāskara para o teorema de Pitágoras.
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Os triângulos ABC, DBA e DCA são semelhantes (seus ângulos têm a mesma
medida). Logo, seus lados são proporcionais 𝑎
𝑐=
𝑐
𝑚 ,
𝑎
𝑏=
𝑏
𝑛 .
Assim temos c2 = a . m bem como b2 = a . n
Somando-se membro a membro chegamos à expressão
c2 + b2 = a . m + a . n = a (m + n).
Logo, c2 + b2 = a2, como queríamos demonstrar.
2.7. A demonstração de Leonardo da Vinci
Leonardo, artista renascentista de Vinci, Itália, é mais conhecido por sua pintura a
óleo Mona Lisa (Figura 13), também chamada La Gioconda, exposta atualmente no
Museu do Louvre, em Paris. Leonardo da Vinci também emprestou seu talento para a
matemática.
Figura 13. Mona Lisa. (1503-1507)
Fonte:
http://upload.wikimedia.org/wikipedia/c
ommons/e/ec/Mona_Lisa%2C_by_Leon
ardo_da_Vinci%2C_from_C2RMF_reto
uched.jpg
A prova de Leonardo da Vinci para o teorema de Pitágoras baseia-se na
congruência por subtração de figuras planas (Figura 14).
Os quadriláteros DEFG, DABG, CAJI e IHBC são congruentes. Por subtração de
áreas concluímos que a área do quadrado ABHJ é igual à soma das áreas dos quadrados
ADEC e CFGB. Note que a figura construída por da Vinci é constituída de seis partes,
três triângulos retângulos congruentes (CAB, CEF, IHJ) e três quadrados distintos
(ABHJ, ACED, CFGB) cujos lados são iguais, respectivamente, aos lados do triângulo
retângulo CAB. Se de áreas iguais retirarmos áreas iguais, as figuras restantes terão,
igualmente, áreas iguais.
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Figura 14. Prova de Leonardo da Vinci para o teorema de Pitágoras.
2.8. A demonstração de Wallis
John Wallis foi um matemático inglês considerado um dos “mais capazes e
originais de seu tempo (...) contribuindo muito nesse campo para abrir caminho para seu
grande contemporâneo Isaac Newton.” (Eves, 2008, p.431)
Wallis redescobriu, no século XVII, a demonstração do teorema de Pitágoras por
semelhança de triângulos apresentada por Bhāskara cinco séculos antes (ver secção 2.6.
p.14).
2.9. A demonstração do Presidente J. A. Garfield (em 1876)
A matemática foi um tema de interesse de alguns presidentes dos Estados Unidos.
George Washington, Thomas Jefferson, Abraham Lincoln e James Abram Garfield são
conhecidos por alguma incursão nos domínios desta ciência. Garfield, vigésimo
presidente americano, ainda antes de assumir a presidência, apresentou sua
demonstração para o teorema de Pitágoras. Sua demonstração foi publicada no New
England Journal of Education Mathematics (Eves, 2008).
Garfield construiu sua demonstração a partir do cálculo da área do trapézio
(Figura 15). O trapézio em questão é formado por três triângulos: dois triângulos
retângulos congruentes de hipotenusa c e catetos a e b, e outro triângulo retângulo
isósceles de catetos c. Por igualdade de áreas, considerando-se de um lado o trapézio
todo e, por outro lado, suas partes, temos:
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Figura 15. Prova de Garfield para o teorema de Pitágoras.
(a + b) . (𝑎+𝑏)
2 = 2.
𝑎 . 𝑏
2 +
𝑐2
2
Simplificando-se a expressão:
a2 + b2 = c2, como queríamos demonstrar.
2.10. Uma demonstração dinâmica
A figura 16 sugere uma demonstração dinâmica para o teorema de Pitágoras em
quatro movimentos. Fundamenta-se na propriedade da igualdade de áreas entre
paralelogramos que estão sobre retas paralelas e possuem bases de mesma medida.
No primeiro movimento, transformamos os quadrados sobre os catetos em
paralelogramos de mesma área. No segundo movimento, os paralelogramos continuam
a deslizar sobre as paralelas e passam a ter um lado comum. Devemos notar que a
medida deste lado comum é igual à hipotenusa do triângulo retângulo (os triângulos
assinalados em vermelho são congruentes). O próximo movimento é de descida do
polígono formado (hexágono) para tornar coincidentes os vértices referentes ao ângulo
reto do hexágono e do triângulo retângulo. No movimento final, o hexágono
transforma-se no quadrado. Assim, os dois quadrados iniciais, construídos sobre os
catetos, transformam-se no quadrado desenhado sobre a hipotenusa.
Logo, o quadrado da hipotenusa é igual à soma dos quadrados dos catetos, como
queríamos demonstrar.
18
Figura 16. Sugestão de uma demonstração dinâmica para o teorema de Pitágoras.
3. CONEXÕES MATEMÁTICAS
A matemática é uma criação humana extraordinária. Auxilia na compreensão dos
fenômenos de diferentes naturezas. O movimento dos corpos celestes, a distância entre a
Terra e a Lua, o aquecimento global, o prêmio da loteria... A matemática conecta-se
com a vida dos povos.
Mathematics is one of the great cultural achievements of humankind. Every schooled
person understands the rudiments of number and measures and sees the world through this
quantifying conceptual framework. (…) So mathematics might be said to have, in addition
to a mundane utilitarian role, an epistemological role, an ideological role, and even a
mystical role in human culture4. (Ernest, 1998, p.xi)
Nesta secção, tratarei de algumas conexões matemáticas estabelecidas pelo
teorema do triângulo retângulo: com a trigonometria, com a geometria analítica e com
as paixões humanas.
3.1.A lei dos cossenos
O teorema de Pitágoras é um caso particular da lei dos cossenos: em todo
triângulo, o quadrado de qualquer um dos lados é igual à soma dos quadrados dos
4 A matemática é uma das grandes realizações culturais da humanidade. Cada pessoa escolarizada entende
os princípios básicos do número e da medida e vê o mundo através deste modelo conceitual quantificador.
(...) Então a matemática pode-se dizer que desempenha, para além de um papel prático, um papel
epistemológico, um papel ideológico, e até mesmo um papel místico na cultura humana. (tradução da
autora)
19
outros dois lados, subtraída do dobro do produto desses lados pelo cosseno do ângulo
formado por eles. Em verdade, a lei dos cossenos já se encontrava enunciada e
demonstrada no Livro II dos Elementos de Euclides, nas proposições II.12 e II.13,
embora, não falasse de cossenos, mas de projeções ortogonais de um lado sobre o outro.
Figura 17. Ilustração para a demonstração da lei dos cossenos.
Considere o triângulo qualquer ABC (Figura 17) e os triângulos retângulos BCD e
BAD construídos a partir da altura BD. Nesses triângulos, verificam-se as seguintes
relações :
(i) m = c . cos Â
(ii) b = m + n ; n = b - m
(iii) c2 = m2 + h2 ; h2 = c2 – m2
(iv) a2 = n2 + h2
Substituindo (ii) e (iii) em (iv) temos:
a2 = (b-m)2 + c2 – m2
a2 = b2 – 2.b.m + m2 + c2 – m2
a2 = b2 – 2.b.m + c2
(v) a2 = b2 + c2 – 2.b.m
Substituindo (i) na equação (v) temos:
a2 = b2 + c2 – 2 . b . c . cos Â
De forma similar, podemos demonstrar as relações relativas aos outros dois
ângulos:
b2 = a2 + c2 – 2 . a . c . cos B
c2 = a2 + b2 – 2 . a . b . cos C
h
^
^
20
Quando um ângulo formado por dois lados do triângulo for reto (90o), a fórmula
da lei dos cossenos expressar-se-á (supondo-se que o ângulo reto seja o A) como segue:
a2 = b2 + c2 – 2 . b . c . cos 90o
e, assim
a2 = b2 + c2 – 2 . b . c . 0 .
Temos, então, a2 = b2 + c2, que é a expressão do teorema de Pitágoras, já que o
triângulo em questão é um triângulo retângulo.
3.2. A distância euclidiana entre dois pontos
O teorema de Pitágoras aplica-se a muitas circunstâncias, como calcular distâncias
entre objetos. Ao calcularmos a distância euclidiana d entre dois pontos quaisquer
A(Xa,Ya) e B(Xb,Yb) do plano Ɍ2 construímos o triângulo retângulo ACB, retângulo em
C. A distância d é a hipotenusa do triângulo formado (Figura 18). Podemos, desta
forma, aplicar o teorema de Pitágoras ao triângulo ACB. Raciocínio5 análogo se aplica
para o cálculo de distâncias no espaço Ɍ3.
Figura 18. Distância euclidiana d entre dois pontos A e B no plano Ɍ2.
5 No espaço Ɍ3, a distância d entre dois pontos A(Xa,Ya,Za) e B(Xb,Yb,Zb) é expressa por
d =√(Xb − Xa)2+(Yb − Ya)2+(Zb − Za)2
21
Assim sendo, temos d2 = (Xb - Xa)2 + (Yb - Ya )
2 e a distância euclidiana d será a
raiz quadrada desta expressão:
d = √(Xb − Xa )2 + (Yb − Ya)2 .
3.3. A equação cartesiana da circunferência
A circunferência é uma figura geométrica plana cujos pontos têm a propriedade de
distar de um ponto fixo, o centro da circunferência, um valor fixo, o raio da
circunferência. Desta forma, o teorema de Pitágoras nos auxiliará a escrever a equação
cartesiana da circunferência (analogamente, podemos escrever a equação cartesiana da
esfera6).
Figura 19. Circunferência de centro C e raio r.
Notemos que o raio r da circunferência corresponde à hipotenusa do triângulo
retângulo assinalado na figura 19. Podemos, desta forma, usar o teorema de Pitágoras
para escrever a equação verificada por todos os pontos P (Xp, Yp) da circunferência de
centro C (Xc, Yc) e raio r:
(Xp – Xc)2 + (Yp – Yc)
2 = r2 .
3.4. O Último Teorema de Fermat
O teorema de Pitágoras é expresso pela equação (1) a2 + b2 = c2, onde a e b
representam os catetos e c a hipotenusa de um triângulo retângulo qualquer.
Encontrar as soluções inteiras para esta equação é um problema posto desde a
Antiguidade. Estes três números inteiros (a,b,c) que verificam a equação (1) são
6 A equação cartesiana da esfera: (Xp – Xc)2 + (Yp – Yc)2 + (Zp – Zc)2 = r2 , onde C(Xc,Yc,Zc) é o centro da
esfera e r, seu raio.
22
chamados ternos pitagóricos. Há infinitos ternos pitagóricos, ou seja, há infinitas
soluções inteiras para a equação (1).
O terno pitagórico (3,4,5)7 já era muito utilizado pelos antigos egípcios para
marcarem um ângulo reto.
É importante salientar que o chamado teorema de Pitágoras já era conhecido sob forma
numérica e empírica, em casos particulares, pelos egípcios e outros povos. Por exemplo, os
egípcios sabiam que 32 + 42 = 52 e que 3, 4 e 5 podiam ser tomados como medidas dos
catetos e hipotenusa de um triângulo retângulo, utilizando uma unidade arbitrária. Este fato
era utilizado para medição de ângulos rectos e traçado de perpendiculares na construção de
casas e das pirâmides. Para esse efeito utilizavam uma corda com vários nós equidistantes,
de modo a ficar dividida em partes iguais. Este método é ainda utilizado. (Silva, 2000, p.11)
Há vários métodos para encontrar ternos pitagóricos. Os babilônios, há mais de
3000 anos, provavelmente, conheciam uma fórmula para calculá-los (Eves, 2008).
Os gregos antigos também sabiam calcular ternos pitagóricos (a,b,c),
parametricamente, como segue:
a = 2uv, b = u2- v2 e c = u2 + v2
onde u e v são números primos entre si8 e um é par e o outro ímpar, com u ˃ v.
Os pitagóricos, por sua vez, para todo m ímpar, calculavam os ternos pitagóricos
pela fórmula:
m2 + (𝑚2− 1
2)
2
= (𝑚2+ 1
2)
2
.
Credita-se a Platão (c.380 a.C.) uma fórmula análoga à dos pitagóricos:
(2m)2 + (m2- 1)2 = (m2 + 1)2. (Eves, 2008)
No Livro X dos Elementos está registrada uma maneira de calcular ternos
pitagóricos. Euclides também prova que há um número infinito de ternos pitagóricos.
A questão que se tornou célebre na história da matemática foi a seguinte:
Se somos capazes de calcular números inteiros que são soluções (e há infinitas
soluções) para a equação a2 + b2 = c2 que envolve a soma de quadrados resultando num
quadrado, será possível encontrar, de forma análoga, soluções inteiras para a equação
a3 + b3 = c3 envolvendo cubos ou, para a4 + b4 = c4 envolvendo quartas potências ou
ainda, de forma geral, para a equação an + bn = cn , com a, b e c inteiros positivos e
n ˃ 2 (n inteiro)?
7 O terno pitagórico (3,4,5) é o único formado por três números inteiros positivos consecutivos. 8 Números primos entre si são números inteiros que só têm como divisor comum o número 1.
23
Pierre de Fermat (c.1601-1665), considerado o maior matemático francês do
século XVII, acendeu esta discussão que só teve sua resposta definitiva na última
década do século XX com Andrew Wiles, matemático britânico.
Em 1637, Fermat, estudando teoria dos números na tradução latina feita por
Claude Gaspar Bachet de Méziriac da obra Arithmetica de Diofanto, anotou algo que
desafiaria o mundo, em uma margem do Livro II, ao lado do Problema 8.
O Problema 8 tinha o seguinte enunciado: “Dado um número quadrado, dividi-lo
em dois quadrados.” (Eves, 2008, p.391)
Fermat assim escreveu (Figura 20):
Dividir um cubo em dois cubos, uma quarta potência ou, em geral uma potência qualquer
em duas potências da mesma denominação acima da segunda é impossível, e eu
seguramente encontrei uma prova admirável desse fato, mas a margem é demasiado estreita
para contê-la. (Eves, 2008, p.392)
Figura 20.
Página da edição da Arithmetica de
Diofanto, publicada em 1670, com a
observação intrigante de Fermat junto
ao problema II.8.
Fonte:
http://upload.wikimedia.org/wikipedia/c
ommons/thumb/4/47/Diophantus-II-8-
Fermat.jpg/640px-Diophantus-II-8-
Fermat.jpg
Em linguagem algébrica, a conjectura de Fermat é expressa por: não existem
inteiros positivos x, y, z, n, onde n ˃ 2, de modo que xn + yn= zn.
Não se sabe se Fermat tinha ou não encontrado a prova a que se referiu, mas, o
fato é que se instalou, a partir de então, uma corrida matemática a fim de encontrar uma
demonstração para o que se chamou o Último Teorema de Fermat. Foram três séculos
onde matemáticos de diferentes países, muitos de grande prestígio como o suíço
Leonhard Euler (1707-1783) e o alemão Peter Gustav Lejeune Dirichilet (1805-1859),
24
tentaram resolver a questão da conjectura de Fermat embora apenas resultados parciais
fossem alcançados. Este enigma mobilizou muitas mentes e até prêmios foram
prometidos para quem resolvesse a questão. Nesta corrida, muita matemática foi
desenvolvida. Entretanto, somente em 1995, o mundo conheceu a resposta definitiva ao
desafio lançado por Fermat.
Em 1995, Andrew Wiles (n. 1953) da Universidade de Princeton forneceu a primeira prova
do Último Teorema de Fermat, uma prova baseada no trabalho de muitos outros
matemáticos no século vinte, e utilizando técnicas da geometria algébrica indisponíveis
para Fermat. Assim, a maioria dos historiadores acredita que Fermat errou na sua própria
alegação de uma prova (...) (Katz, 2010, p.581)
Andrew Wiles dedicou sua vida a este problema matemático. Foi em 1963,
quando tinha apenas dez anos de idade, ao retornar para sua casa após a escola, na
pequena biblioteca da Rua Milton, que se deparou pela primeira vez com o Último
Teorema de Fermat. Os livros de desafios, enigmas e problemas matemáticos o
atraíam. Nas páginas de O último problema, de Eric Temple Bell, Wiles sentiu-se
seduzido por aquele problema. Era tão simples. Desde então, “ele se tornou minha
grande paixão” (Singh, 2008, p.89). Andrew Wiles tinha quarenta anos quando
encontrou a resposta para a questão que orientou sua vida e instigou homens e mulheres
por três séculos:
“Eu tive o raro privilégio de conquistar, em minha vida adulta, o que fora o sonho da minha
infância. Sei que este é um privilégio raro, mas se você puder trabalhar, como adulto, com
algo que significa tanto para você, isto será mais compensador do que qualquer coisa
imaginável. Tendo resolvido este problema, existe um certo sentimento de perda, mas ao
mesmo tempo há uma tremenda sensação de liberdade. Eu fiquei tão obcecado por este
problema durante oito anos, pensava nele o tempo todo – quando acordava de manhã e
quando ia dormir de noite. Isto é um tempo muito longo pensando só em uma coisa. Esta
odisseia particular agora acabou. Minha mente pode repousar.” (Singh, 2008, pp.286-287)
De Pitágoras a Wiles foram mais de 2500 anos de história. A matemática do
triângulo retângulo mobilizou, neste tempo, inteligências e paixões, exibindo episódios
de triunfos e fracassos, certezas e traições, constâncias e desistências. A matemática,
uma janela para o mundo, entrelaçada às sociedades e à cultura dos homens.
Pitágoras e sua escola, nos primórdios da ciência, propuseram uma filosofia do
conhecimento por meio da matemática. Filolao, importante membro da escola
pitagórica, afirmou “todas as coisas têm um número e nada se pode compreender sem o
número” (Caraça, 1970, p.69).
No fundo duma afirmação destas palpita uma das ideias mais grandiosas e mais belas que
até hoje têm sido emitidas na história da Ciência – a de que a compreensão do Universo
consiste no estabelecimento de relações entre números, isto é, de leis matemáticas;
estamos, portanto, em face do aparecimento da ideia luminosa duma ordenação matemática
do Cosmos. (Caraça, 1970, p.69)
25
4. UMA PALAVRA FINAL
A Matemática é uma notável realização do espírito humano. Sua origem é tão
remota quanto à própria civilização. O fato é que a Matemática é uma atividade humana
que responde às necessidades e aspirações práticas, científicas, artísticas e culturais das
sociedades de todos os tempos.
Percorremos, neste artigo, muitas veredas desta ciência tendo como guia o famoso
Teorema de Pitágoras. Em nosso percurso, revisitamos mais de três milênios de história.
Constatamos a presença da Matemática em épocas e lugares distintos e, ainda, como os
números, as figuras e as relações matemáticas fazem parte da cultura humana.
A Matemática e seus desafios têm mobilizado pessoas de diferentes vocações.
Com o Teorema de Pitágoras conduzindo-nos para além de Pitágoras, pudemos saborear
um pouco da riqueza das conexões matemáticas. A beleza presente nas paisagens
matemáticas visitadas nos instiga a prosseguir viagem, deleitando-nos desta fonte
inesgotável de estímulos ao pensamento e à criatividade humanos.
Conhecer a história da Matemática auxilia-nos a dar sentido ao que hoje
realizamos em seus domínios, alargando horizontes e fascinando-nos com suas
questões. É particularmente profícuo o emprego da história da Matemática no ensino e
na divulgação desta ciência.
REFERÊNCIAS
Caraça, B. J. (1970). Conceitos Fundamentais da Matemática. Fotogravura
Nacional: Lisboa.
Dassie, B. A., Pitombeira, J. B. e Lima, M. L. A. (2009). Revisitando teoremas e
problemas: ensaios sobre a diversidade na Matemática. InterMat: Rio de
Janeiro.
Ernest, P. (1998). Social Constructivism as a Philosophy of Mathematics. State
University of New York. Press, State University Plaza, Albany, N.Y.
Euclides. (2009). Os elementos. Tradução e introdução de Irineu Bicudo. Editora
UNESP: São Paulo.
Eves, H. (2008). Introdução à história da matemática. Tradução de Hygino H.
Domingues. Editora da Unicamp: Campinas, SP.
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Katz, V. J. (2010). História da Matemática. Fundação Calouste Gulbenkian:
Lisboa.
Lima, E. L. (2006). Meu Professor de Matemática e outras histórias. Coleção do
Professor de Matemática. SBM: Rio de Janeiro.
Loomis, E. S. (1968). The Pythagorean Proposition, Classics in Mathematics
Education Series. NCTM: Washington D.C.
Silva, J. S. (2000). A Matemática na Antiguidade. SPM: Lisboa.
Singh, S. (2008). O Último teorema de Fermat: a história do enigma que
confundiu as maiores mentes do mundo durante 358 anos. Tradução de
Jorge Luiz Calife. Editora Record: Rio de Janeiro.
Struik, D. J. (1997). Porquê estudar a História da Matemática. Tradução de Paulo
Oliveira. Cadernos do GTHEM. Relevância da História no Ensino da
Matemática. APM: Lisboa.