Post on 18-Jul-2015
www.issuu.com/postaldoalgarve8.072 EXEMPLARES
Mensalmente com o POSTAL
em conjuntocom o PÚBLICO
ABRIL2015n.º 79
d.r
.
Recursos patrimoniais versus sustentabilidade:
o caso de Vila do Bispo p. 10
FNAC: cada vez mais um pólo cultural p. 5
Panorâmica:
d.r.
Americanah, uma obra de Chimamanda Ngozi Adichie
p. 4
d.r.
Grande ecrã:
59 anos de cinema em Faro
p. 3
Espaço Alfa:
A paixão pelos retratos a preto e branco
d.r.
p. 7
d.r.
Letras e Leituras:
Herberto Helder, in memoriam
p. 11
d.r.
Da minha biblioteca:
10.04.2015 10 Cultura.Sul
Recursos patrimoniais versus sustentabilidade:o caso de Vila do Bispo
Espaço ao Património
No âmbito da minha ati-vidade enquanto arqueólo-go da Câmara Municipal de Vila do Bispo, partilho aqui algumas genéricas reflexões sobre o vastíssimo e particu-larmente atual tema da “ges-tão patrimonial”.
Em boa verdade, trata-se de um depoimento estrita-mente pessoal, num modo de pensamentos “em voz alta”, com o qual apenas pretendo partilhar um certo “estado de alma” e algumas positivas experiências profissionais e sociais a barlavento, no ter-ritório da ‘sagrada finisterra vicentina’.
Tempos de euforia turística e de feiras do património!
Se por um lado atravessa-mos tempos particularmente difíceis – a crónica desculpa para uma ‘cultural’ carência de investimento na Cultura –, por outro, definem-se no horizon-te alguns sinais de positivas re-ações, nem sempre genuínas, mas ainda assim assinaláveis. Apregoa-se a racionalização dos recursos disponíveis e o investimento low budget, a va-lorização dos recursos endó-genos, o envolvimento social e a integração comunitária, a implementação de mode-los de gestão partilhada e de cooperação intermunicipal, a abertura à iniciativa privada... enfim! Todavia, reincide-se na perigosa tendência de se olhar o Património numa perspeti-va meramente económica, en-quanto recurso financeiro.
Com isto, o Património lá vai dando “um ar da sua gra-ça”, surgindo amiúde ‘empa-cotado’, como oferta turística, sendo parcamente alimentado a migalhas, na expectativa da criação de uma salvadora, mas raramente profícua, “galinha dos ovos de ouro”... “só para inglês ver”!
Material ou imaterial, o Pa-
trimónio, enquanto legado de autenticidade natural e de identidade cultural, apre-senta-se, na prática, como um conceito demasiadamen-te abstrato, tendencialmente confundido com o património de ordem económica, quanti-ficável em valor, traduzível em retorno financeiro.
Os tradicionais paradigmas civilizacionais e as clássicas po-laridades dos fluxos de viagens intercontinentais alteram-se globalmente. O velho conti-nente europeu apresenta-se hoje como um atraente novo mundo de (re)descobertas, massivamente procurado pelo seu longo passado, por um certo ‘exotismo’ cultural e pela aventura intercivilizacional.
Ao sabor da mesma corren-te, Portugal vive uma verda-deira euforia turística, fruto do reconhecimento e procu-ra internacional de atraentes valores culturais de históricas cidades como Lisboa, Porto, Coimbra, Évora… A imateria-lidade cultural do fado, do cante e da dieta mediterrâni-ca encontra-se reconhecida no ‘panteão’ do Património Uni-versal. Surgem desconcertan-tes expressões como “feiras do património”. Santuários natu-rais, como os Açores, expõem--se aos enxames dos low cost. O turismo cultural e o turismo de natureza estão na moda! Aos agentes culturais exige-se um certo “toque de Midas”, ou seja, a alquímica capacidade
de transformar o Património em receita financeira.
Se por um lado o turismo implica, inevitavelmente, um destrutivo impacto no Patri-mónio (sobretudo natural), por outro, o turismo poderá ser trabalhado como garante do próprio Património. Não se tratando de uma natural rela-ção simbiótica, o Património e o turismo podem conviver em harmónica valorização mútua. A fórmula do equilíbrio deve-rá residir na sustentabilidade! Entretanto, a montante, há que promover o conhecimen-to profundo e a investigação
sistemática, a única via para a estabilidade da partilha – dig-nificar no presente um passa-do com futuro.
Boas práticas de gestão patrimonial
em Vila do Bispo
No Algarve, a região de Vila do Bispo ainda preserva deter-minadas áreas intocadas pela ação humana, que, por tão genuínas e raras, são por isso bastante procuradas por visi-tantes de todo mundo, nelas reconhecendo a pureza da ori-ginal autenticidade da Nature-
za. Porém, quando se trata de turismo de natureza, enquanto recurso dificilmente renovável, impõe-se uma decisiva formu-lação estratégica, mais uma vez assente na sustentabilidade!
Do ponto de vista cultural, as paisagens de Vila do Bispo também revelam interessan-tes e diversificados discursos antropogénicos, designada-mente arqueológicos, histó-ricos e etnográficos, muitos dos quais revestidos de apre-ciável monumentalidade.
As paisagens constituem-se como palcos de realidades tão distintas como complemen-tares. A sua integrada leitura permitir-nos-á partilhá-las, de modo sustentável e sem pre-juízo para os diversos apon-tamentos nelas implantados: a biodiversidade, a geologia, as marcas paleontológicas, os vestígios arqueológicos, os monumentos históricos, os re-cursos do mar, as terras culti-vadas... a Cultura!
O potencial do património vilabispense encontra-se am-plamente reconhecido e a sua procura já é uma indomada realidade. No sentido de uma prudente partilha de todo este complexo paisagístico, urge a sua aquilatada leitura e o seu efetivo conhecimento. Importa ordenar e educar a sua fruição, sob o risco da sua irreversível perda e vulgarização enquan-to extensão de uma região há muito descaracterizada.
Num território substan-cialmente dependente do
turismo, o estratégico desen-volvimento de diferenciados produtos de natureza e de cultura, pela sua diversidade, qualidade e latente potencia-lidade, permitirá uma alterna-tiva oferta aos habituais fluxos da sazonalidade.
A mais desafiante missão do projeto autárquico que te-nho vindo a integrar, consiste na promoção de estratégias com impacto socioeconómi-co, orientadas pelo reconhe-cimento de diferenciadores fatores de identidade local, potenciáveis como vantagens competitivas.
Na região algarvia, o turis-mo constitui o principal gera-dor económico, o “fim último” da esmagadora maioria das atividades público-privadas desenvolvidas entre São Vicen-te e o Guadiana. Numa região estigmatizada pela massifica-ção turística, e no âmbito de um mercado extremamente competitivo, a fórmula do ‘su-cesso’ reside, necessariamente, na qualidade e na diferencia-ção da oferta.
Posto isto, e em suma, tor-na-se essencial o profundo conhecimento dos territórios e das diversas realidades ne-les existentes. A montante, a investigação permitirá deli-near os trilhos mais equili-brados, minimizando o ine-vitável impacto da fruição turística e da partilha de um inestimável bem comum, promovendo-o tal como é, sem perda da sua natural es-sência diferenciadora.
O Concelho de Vila do Bis-po, território extremo, peri-férico e de baixa densidade, tem vindo a cultivar a apro-ximação, o diálogo e a cola-boração entre as tutelas do ambiente, da cultura e do turismo, as universidades, a comunidade científica, as empresas de turismo de na-tureza, hoteleiras e de restau-ração, os técnicos municipais, a comunidade local, as ativi-dades tradicionais, os novos e os mais velhos, o público em geral, a sociedade…
Só assim faz sentido, só assim será possível a sus-tentável ‘exploração’ socio-económica dos recursos pa-trimoniais presentes neste precioso recanto do mundo, tido como naturalmente ex-cecional, e por isso mesmo cada vez mais procurado!
Ricardo Soares Arqueólogo na Câmarade Vila do Bispohttp://vila-do-bispo-arqueologi-ca.blogspot.pt/
O Passado no Presente – estratégias de comunicação arqueológica
fotos: ricardo soares
O trilho certo dos Homens do Futuro – educação e sensibilização patrimonial