Post on 13-Mar-2020
Produção e extração de lípidos e carotenoides a partir dalevedura Rhodosporidium toruloides NCYC 921 e produção
de biogás por digestão anaeróbia dos resíduos.
Aldo José Fonte Coelho
Dissertação para obtenção do Grau de Mestre em
Engenharia Biológica
Orientadores: Doutora Maria Teresa Saraiva Lopes da SilvaProfessor José António Leonardo dos Santos
Júri
Presidente: Professor Jorge Humberto Gomes LeitãoOrientador: Doutora Maria Teresa Saraiva Lopes da Silva
Vogal: Professora Helena Maria Rodrigues Vasconcelos Pinheiro
Dezembro 2015
ii
Agradecimentos
Quero, em primeiro lugar, agradecer à Doutora Teresa Lopes da Silva pela oportunidade de ter podido
realizar o estágio na Unidade de Bioenergia do LNEG, pela sua disponibilidade e simpatia e pela sua
orientação e apoio na realização do trabalho experimental e da presente dissertação.
Agradeço também ao Professor José Leonardo dos Santos por ter aceite ser o meu orientador
interno e pela sua disponibilidade.
À Carla Dias pela companhia, simpatia e todo o apoio ao longo do estágio.
Ao Vasco Martins pela companhia, disponibilidade e apoio.
À Doutora Ana Batista e ao Emílio Lopez pela disponibilidade e apoio na realização do trabalho
experimental.
Ao Doutor Alberto Reis, ao Engenheiro Carlos Barata, à Margarida Monteiro e a toda a equipa da
Unidade de Bioenergia do LNEG pela sua prestabilidade.
À Sofia, Tiago, Marta, Pedro, Luís, Diogo, Diana, Vera e todos os restantes bolseiros e estagiários
da Unidade de Bioenergia pela companhia dentro e fora do LNEG.
iii
iv
O presente trabalho foi realizado no âmbito do projecto FCOMP-01-0124-FEDER-019317 (anterior-
mente PTDC/AAC-AMB/116594/2010) intitulado "CAROFUEL - Novo processo de produção sustentável
de biodiesel : A biorrefinaria da levedura Rhodotorula Glutinis como fonte de biodiesel, biogás e caro-
tenoides.", cofinanciado pela FCT (Fundação para a Ciência e a Tecnologia) e pelo Fundo Europeu de
Desenvolvimento Regional (FEDER) através do programa comunitário COMPETE - Programa Operaci-
onal Factores de Competitividade.
v
vi
Resumo
No presente trabalho estudou-se um processo integrado que engloba (i) o cultivo da levedura Rho-
dosporidium toruloides NCYC 921, em regime semidescontínuo, para produção de ácidos gordos (AG,
para produção de biodiesel) e de carotenoides; (ii) a coextração destes produtos a partir da biomassa
microbiana; e (iii) a digestão anaeróbia dos resíduos produzidos nestes processos.
Realizaram-se fermentações em reatores de 7 L (fermentação I) e de 50 L (fermentações II e III),
obtendo-se as maiores produtividades em biomassa (1,33 g L−1 h−1), carotenoides (0,26 mg L−1 h−1)
e AG (0,29 g L−1 h−1) na fermentação I. Os teores celulares máximos em carotenoides e AG foram,
respetivamente, 0,44 mg g−1 (fermentação II) e 40,89% (fermentação III). A concentração de biomassa
máxima foi 198,2 g L−1 (fermentação III), superando os valores descritos na literatura para esta levedura.
A extração e separação dos carotenoides e AG foi efetuada por saponificação direta da biomassa,
extração dos carotenoides, acidificação dos sabões e extração dos AG. Relativamente aos conteúdos
iniciais na biomassa processada, os rendimentos máximos de extração foram de 96,6% em carotenoi-
des e de 93,2% em AG.
Resíduo de polpa de alfarroba (RA), gerado durante a preparação de xarope de polpa de alfarroba
(XPA, um substrato de baixo custo), sobrenadantes provenientes de fermentações em que glucose (SG)
ou XPA (SA) foram usados como substrato, e resíduo de levedura (RL), resultante do processamento da
biomassa, foram codigeridos anaerobicamente, em digestores descontínuos de 71,5 mL. A codigestão
destes resíduos resultou em produções volumétricas de biogás superiores ao controlo (autodigestão do
inóculo), com teores em metano (CH4) superiores a 60% (v/v). A codigestão de SG com RL resultou na
maior produção volumétrica de biogás (55,4 mL, PTN) e no maior rendimento em CH4 (236,4 mL CH4
g−1 SV).
Palavras-chave: Rhodosporidium toruloides NCYC 921, carotenoides, ácidos gordos, digestão
anaeróbia, biogás.
vii
viii
Abstract
The present work studies an integrated process that includes (i) the fed-batch cultivation of the yeast
Rhodosporidium toruloides NCYC 921, towards the production of fatty acids (FA, for biodiesel produc-
tion) and carotenoids, (ii) the co-extraction of these products from the microbial biomass and (iii) the
anaerobic digestion of residues generated in these processes.
Fermentations were carried in 7 L (fermentation I) and 50 L (fermentations II and III) reactors. The
highest biomass (1.33 g DCW L−1 h−1), carotenoid (0.26 mg L−1 h−1) and FA (0.29 g L−1 h−1) productivities
were achieved in fermentation I. The highest carotenoid and FA contents were, respectively, 0.44 mg
g−1 DCW (fermentation II) and 40.89% DCW (fermentation III). The highest biomass concentration was
198.2 g DCW L−1 (fermentation III), a value that exceeds those reported in the literature for this yeast.
The extraction and separation of the carotenoids and FA was performed through the direct saponi-
fication of the biomass, followed by carotenoid extraction, acidification of the soaps and FA extraction.
Relative to the initial biomass contents, the maximum carotenoid and FA extraction yields were, respec-
tively, 96.6% and 93.2%.
Carob pulp residue (CR), generated during carob pulp syrup (CPS, a low cost substrate) preparation,
supernatants resulting from fermentations where glucose (GS) or CPS (CS) were used as substrates,
and yeast residue (YR), resulting from the product extraction steps, were anaerobically co-digested, in
71.5 mL batch digesters. The co-digestion of these residues resulted in biogas volumetric productions
higher than the control assay (inoculum self-digestion), reaching methane (CH4) levels above 60% (v/v).
Co-digestion of a GS and YR mixture resulted in the highest volumetric production of biogas (55.4 mL,
STP) and highest methane yield (236.4 mL CH4 g−1 VS).
Keywords: Rhodosporidium toruloides NCYC 921, carotenoids, fatty acids, anaerobic digestion,
biogas.
ix
x
Conteúdo
Agradecimentos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . iii
Resumo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . vii
Abstract . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ix
Lista de Tabelas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . xiii
Lista de Figuras . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . xv
Nomenclatura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . xvii
1 Introdução 1
1.1 Sustentabilidade energética . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1
1.2 Biocombustíveis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2
1.2.1 Biodiesel . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4
1.2.2 Classificação dos biocombustíveis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6
1.3 Microrganismos oleaginosos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
1.4 Conceito de biorrefinaria . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12
1.5 Carotenoides . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12
1.6 Rhodosporidium toruloides . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14
1.7 Digestão anaeróbia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15
1.8 Biorrefinaria de R. toruloides . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19
1.9 Citometria de fluxo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19
2 Objetivos 23
3 Materiais e métodos 25
3.1 Fermentações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25
3.1.1 Fermentação I . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27
3.1.2 Fermentações II e III . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27
3.1.3 Monitorização e amostragem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28
3.1.4 Métodos analíticos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29
3.1.5 Parâmetros da cultura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31
3.2 Processamento da biomassa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31
3.3 Digestão anaeróbia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33
3.3.1 Inóculo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34
xi
3.3.2 Ensaio experimental . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34
3.3.3 Análise da fase líquida . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35
3.3.4 Análise da fase gasosa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39
4 Resultados e discussão 41
4.1 Cultivo da levedura R. toruloides . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41
4.1.1 Fermentação I . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42
4.1.2 Fermentação II . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44
4.1.3 Fermentação III . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49
4.1.4 Análise global das fermentações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52
4.2 Processamento da biomassa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53
4.3 Digestão anaeróbia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55
4.3.1 Caracterização dos substratos e do inóculo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55
4.3.2 Produção de biogás e CH4 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56
4.3.3 Capacidade de remoção . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58
5 Conclusões 61
Bibliografia 63
A Reagentes A.1
B Concentração de biomassa B.3
xii
Lista de Tabelas
1.1 Conteúdo lipídico de alguns microrganismos oleaginosos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
3.1 Composição do meio líquido semidefinido usado para o cultivo dos inóculos e nas fer-
mentações. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25
3.2 Composição da solução de sais minerais (em HCl 5 N) usada na preparação do meio de
cultura. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26
3.3 Composição da alimentação na fase de crescimento da cultura. . . . . . . . . . . . . . . 26
3.4 Quantidade de resíduos gerados por g seca de R. toruloides produzida ou processada. . 33
3.5 Composição da fase líquida nos digestores. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34
4.1 Resumo dos principais resultados obtidos nas fermentações I, II e III. . . . . . . . . . . . 52
4.2 Composição lipídica (% m/m) no ponto de maior produtividade em carotenoides nas fer-
mentações I, II e III, em termos de SFA, MUFA, PUFA e 18:3ω3. . . . . . . . . . . . . . . 53
4.3 Rendimentos de extração dos carotenoides e dos ácidos gordos nas extrações I e II. . . 54
4.4 Composição mássica média dos carotenoides extraídos nas extrações I e II. . . . . . . . 55
4.5 Composição das misturas de substratos em termos de ST, SV e CQO. . . . . . . . . . . . 55
4.6 Caracterização do inóculo em termos de pH e composição em ST, SV, SST e SSV. . . . . 56
4.7 Condições operacionais utilizadas nos ensaios de digestão das três misturas de substratos. 56
4.8 Resumo dos resultados obtidos no final do ensaio de digestão anaeróbia. . . . . . . . . . 56
4.9 Caracterização dos digestores no início e no final do processo de digestão anaeróbia. . . 59
xiii
xiv
Lista de Figuras
1.1 Reações de transesterificação e esterificação de ácidos gordos. . . . . . . . . . . . . . . 5
1.2 Classificação dos biocombustíveis. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
1.3 Via metabólica da síntese de carotenoides em Rhodotorula. . . . . . . . . . . . . . . . . . 14
1.4 Representação esquemática dos passos microbiológicos envolvidos no processo de di-
gestão anaeróbia. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17
1.5 Biorrefinaria de R. toruloides . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19
1.6 Representação esquemática simplificada de um citómetro de fluxo e do processo de
focagem hidrodinâmica. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21
4.1 Esquema dos processos realizados no contexto da biorrefinaria da levedura R. toruloides. 41
4.2 Evolução dos parâmetros da cultura ao longo da fermentação I. . . . . . . . . . . . . . . 43
4.3 Perfil de ácidos gordos da levedura R. toruloides ao longo da fermentação I. . . . . . . . 44
4.4 Evolução dos parâmetros da cultura ao longo da fermentação II. . . . . . . . . . . . . . . 46
4.5 Coloração de amostras do meio de cultura da fermentação II, extraídas antes e depois
do aumento da oxigenação do meio. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47
4.6 Perfil de ácidos gordos da levedura R. toruloides ao longo da fermentação II. . . . . . . . 48
4.7 Evolução dos parâmetros da cultura ao longo da fermentação III. . . . . . . . . . . . . . . 50
4.8 Perfil de ácidos gordos da levedura R. toruloides ao longo da fermentação III. . . . . . . . 51
4.9 Esquema do procedimento utilizado para a extração e separação dos carotenoides e
ácidos gordos (AG) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54
4.10 Evolução das produções volumétricas de biogás e CH4, ao longo do ensaio de digestão
anaeróbia. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57
xv
xvi
Nomenclatura
14:0 Ácido mirístico
14:1 Ácido miristoleico
16:0 Ácido palmítico
16:1ω9 Ácido palmitoleico
18:0 Ácido esteárico
18:1ω9 Ácido oleico
18:2ω6 Ácido linoleico
18:3ω3 Ácido linolénico
20:0 Ácido eicosanóico
5-HMF 5-hidroximetilfurfural
AF Autofluorescência
AG Ácidos gordos
AGV Ácidos gordos voláteis
BRS Bactérias redutoras de sulfatos
CF Citometria de fluxo
CQO Carência química de oxigénio
DNS Ácido 3,5-dinitrosalicílico
DO400 Densidade ótica lida a 400 nm
DO600 Densidade ótica lida a 600 nm
FAAE Ésteres alquílicos de ácidos gordos (fatty acid alkyl esters)
FAME Ésteres metílicos de ácidos gordos (fatty acid methyl esters)
FFA Ácidos gordos livres (free fatty acids)
FID Detetor por ionização por chama (flame-ionization detector )
GC Cromatografia gasosa (gas chromatography )
GEE Gás de efeito estufa
HPLC Cromatografia líquida de alta eficiência (high performance liquid chromatography )
MUFA Ácidos gordos monoinsaturados (monounsaturated fatty acids)
N-NH3 Azoto amoniacal
N-total Azoto total ou de Kjeldahl
NCYC National Collection of Yeast Cultures
xvii
OD Oxigénio dissolvido
PIB Produto interno bruto
PPG Polipropilenoglicol
PTN Pressão e temperatura normais
PUFA Ácidos gordos polinsaturados (polyunsaturated fatty acids)
R2 Coeficiente de determinação
RA Resíduo de alfarroba
RL Resíduo de levedura
rpm Rotações por minuto
SA Sobrenadante de alfarroba
SFA Ácidos gordos saturados (saturated fatty acids)
SG Sobrenadante de glucose
SMEWW Standard methods for the examination of water and wasterwater
SST Sólidos suspensos totais
SSV Sólidos suspensos voláteis
ST Sólidos totais
SV Sólidos voláteis
t Tempo
UE União Europeia
XPA Xarope de polpa de alfarroba
xviii
Capítulo 1
Introdução
1.1 Sustentabilidade energética
O desenvolvimento e o bem estar da sociedade moderna são sustentados por uma economia que de-
pende do acesso permanente a recursos energéticos de baixo custo. O crescimento populacional e
o desenvolvimento económico são as principais forças motrizes do aumento da procura energética a
curto/médio prazo, prevendo-se que o consumo de energia primária (recursos energéticos naturais não
transformados [1]) aumente em cerca de 37% até 2040 [2], devido quase exclusivamente ao desenvol-
vimento das economias emergentes [3]. A população mundial deverá atingir, até 2035, 8,7 mil milhões
de pessoas, surgindo 1,6 mil milhões de pessoas com necessidades energéticas. Este crescimento
populacional será acompanhado por uma forte tendência de urbanização e industrialização das eco-
nomias emergentes que se irá refletir num elevado crescimento da atividade económica, esperando-se
que durante o mesmo período o produto interno bruto (PIB) mundial atinja mais do dobro do valor atual,
prevendo-se que o PIB per capita aumente em 75% até 2035 [3].
Os combustíveis fósseis representaram, em 2014, mais de 80% da energia primária consumida
mundialmente [4]. Dominam atualmente o setor da geração de energia elétrica, cuja procura mundial
se prevê que aumente em quase 80%, entre 2012 e 2040 [2]. Os combustíveis fósseis dominam
também o setor dos transportes, correspondendo, atualmente, a 94% do consumo energético deste
setor na União Europeia (UE) [5]. Este setor, que garante as rotas mundiais de distribuição de bens e
mercadorias, foi responsável, em 2012, por 63,7% do consumo mundial de petróleo [6] e representa,
atualmente, 55% da procura global por combustíveis líquidos (petróleo, biocombustíveis, etc.) [3].
Perante o forte crescimento das necessidades energéticas globais, é essencial, mais do que nunca,
garantir a sustentabilidade da produção e consumo de energia, procurando o equilíbrio entre três fatores
essenciais: a segurança energética, a equidade no acesso à energia e a sustentabilidade ambiental
[5]. A dependência atual dos recursos fósseis põe em causa estes três fatores, representando, por isso,
uma ameaça à sustentabilidade energética mundial.
Por um lado, é essencial garantir o fornecimento de energia primária, a fiabilidade da infraestrutura
energética e a capacidade de resposta dos fornecedores face à procura [5]. De uma maneira mais geral,
1
isto implica garantir a disponibilidade física dos recursos energéticos [7] No entanto os recursos fósseis
são finitos e, com o aumento da procura, prevê-se que a sua exaustão ocorrerá nos próximos 50 anos.
O pico de produção do petróleo (pico de Hubbert), designa o ponto em que taxa de produção global
de petróleo atinge um máximo, tendo sido extraída toda a fração mais acessível (cerca de 50% das
reservas existentes). A partir deste ponto, a capacidade de extração decresce e os custos aumentam
irreversivelmente. Estudos recentes indicam que este máximo já foi atingido e que a produção já entrou
em declínio [8], surgindo um novo barril de petróleo por cada quatro que são consumidos [9].
Por outro lado, a distribuição geográfica desigual dos recursos fósseis, com grande parte da extrac-
ção a ocorrer em regiões com situações políticas e sociais instáveis, e a consequente dependência da
maior parte dos países da importação destes recursos, a volatilidade do preço do petróleo, os fatores
geopolíticos envolvidos e o seu papel em conflitos bélicos e no exacerbamento da pobreza em países
sub-desenvolvidos, são outros fatores que não só afetam a segurança energética mundial, como põem
também a equidade no acesso à energia [5, 7].
O impato ambiental nefasto dos combustíveis fósseis é outro fator na sua insustentabilidade. Com
o Protocolo de Kyoto em 1997, ficou patente a preocupação mundial com a emissão de gases de efeito
estufa (GEE) e o seu papel nas alterações climáticas registadas nas décadas recentes. A combustão
de recursos fósseis contribui significativamente para o aumento dos níveis de dióxido de carbono (CO2)
atmosférico, o principal GEE [10]. Nos últimos 25 anos, a emissão de CO2 duplicou mundialmente
[4], sendo que o CO2 resultante da combustão de combustível fósseis na indústria, transportes e setor
agrícola representa mais de 90% das emissões de caráter energético [4]. Algumas previsões apontam
para que o consumo de petróleo no setor dos transportes aumente de 49 milhões de barris por dia para
57 milhões, levando a que o setor dos transportes represente quase 50% do aumento esperado até
2030 nas emissões de CO2 relacionadas com a energia [4].
De modo a tornar sustentável o crescimento populacional e o desenvolvimento da sociedade hu-
mana, é essencial desenvolver e implementar estratégias que garantam o aumento da eficiência ener-
gética, tanto na produção como no consumo [5, 11]. Além disso, é imprescindível procurar fontes de
energia que sejam sustentáveis, ambientalmente compatíveis, biodegradáveis, com baixa toxicidade
[12] e que permitam suprir os combustíveis fósseis na geração de eletricidade e calor, nos transportes
e na indústria.
1.2 Biocombustíveis
As energias eólica, solar e hídrica têm-se mostrado promissoras na produção de energia elétrica e
calor. No entanto, a biomassa é a única fonte de carbono renovável [11]. A produção anual total de
biomassa está estimada em 100 mil milhões de toneladas de biomassa seca terrestre e 50 mil milhões
de toneladas de biomassa aquática. Uma pequena fracção deste material é utilizada como matéria-
prima na indústria, na geração de energia, na alimentação animal e, cerca de 1,25% da biomassa
terrestre, na alimentação humana. Este recurso renovável abundante e largamente inexplorado é,
por isso, uma fonte de matéria prima com potencial para satisfazer as necessidades energéticas da
2
humanidade e diminuir a dependência dos recursos fósseis [10].
A bioenergia representa a principal fonte de energia para uma grande parte da população mundial
em situação de pobreza extrema, que recorre à combustão de biomassa como a lenha, o carvão ve-
getal e o estrume, para gerar calor. O desenvolvimento de tecnologias de conversão mais eficientes
e avançadas permitiu a extração, a partir de vários tipos de biomassa, de produtos sólidos, líquidos
e gasosos, designados por biocombustíveis, com potencial para terem aplicação como combustível
numa gama de aplicações mais vasta [13]. De entre os combustíveis alternativos, os biocombustíveis
destacam-se como sendo os mais promissores a curto prazo, por terem uma maior aplicabilidade ime-
diata no mercado. Combinam uma maior disponibilidade de matérias-primas para a sua produção, com
a compatibilidade com as infrastruturas existentes e possibilidade de substituição total ou parcial da
gasolina ou do gasóleo em motores convencionais (dentro de certos limites) [14].
Os biocombustíveis podem ser descritos como vetores energéticos que acumulam energia proveni-
ente de biomassa [13]. Podem ser produzidos a partir de matérias-primas de origem agrícola, florestal
ou pesqueira, de resíduos municipais, de sobreprodutos e resíduos das indústrias agropecuárias e ali-
mentar e da restauração [9]. Com base no nível de processamento a que a biomassa é sujeita antes
da sua utilização na geração de energia podem ser distinguidos em biocombustíveis primários (não
processados) ou secundários (processados). Os biocombustíveis primários são utilizados sem trans-
formação química da biomassa, havendo normalmente algum processamento mecânico. A energia
gerada pela sua combustão direta é utilizada essencialmente para aquecimento, cozinhar e para gera-
ção de eletricidade em aplicações industriais. São sólidos e incluem a lenha, aparas e granulados de
madeira [9, 13].
Os biocombustíveis secundários resultam da transformação química de biomassa, permitindo alar-
gar a sua gama de aplicações, nomeadamente no setor dos transportes e em processos industriais a
altas temperaturas. Podem ser sólidos (carvão), líquidos, (bioetanol, biodiesel, éter dimetílico, óleo de
pirólise, entre outros), e gases (biogás ou biometano, bio-hidrogénio e gás de síntese) [9, 13]. A sua
combustão reduz, face aos combustíveis fósseis, a emissão de óxidos de carbono e de hidrocarbonetos,
diminuindo o impacto nas alterações climáticas [15, 16]. Não contêm enxofre, pelo que a sua combus-
tão não resulta na formação de óxidos de enxofre, poluentes responsáveis pelas chuvas ácidas [17].
Podem também ser produzidos por reciclagem de resíduos orgânicos, tornando-os ainda mais atraen-
tes do ponto de vista ambiental [18]. A sua produção é feita a partir de recursos naturais que estão,
ao contrário dos recursos fósseis, geograficamente mais uniformemente distribuídos [9], podendo, por
isso, contribuir para a independência energética das economias nacionais, diminuindo as importações
de energia. Além disso, representam uma oportunidade para o desenvolvimento económico e social de
zonas rurais e de países subdesenvolvidos [19].
A crise petrolífera dos anos 70 despoletou, em vários países, o interesse pelos biocombustíveis
como alternativa aos combustíveis fósseis. No entanto, a quebra subsequente no preço do crude
eliminou quase por completo o incentivo para a produção e expansão da utilização dos biocombustíveis
na maior parte dos países [20]. Preocupações com a segurança do abastecimento energético e com
o impacto ambiental da utilização dos recursos fósseis levaram ao ressurgimento do interesse nos
3
biocombustíveis e a uma rápida expansão da sua produção, associada ao estabelecimento de diretivas
e objetivos de forma a garantir o consumo e o investimento no desenvolvimento tecnológico da produção
de biocombustíveis [20]. A produção mundial de biocombustíveis aumentou, entre 1980 e 2005, de
4,4 para 50,1 mil milhões de litros [9]. Prevê-se que em 2035 as energias renováveis (incluindo os
biocombustíveis) venham a constituir cerca de 8% do consumo energético total, comparado com apenas
3% atualmente [3]. O aumento da utilização de biocombustíveis deverá exceder os 300% até 2040,
passando dos 1,3 milhões de barris equivalentes de petróleo por dia (MBEP/dia) em 2012 para 4,6
MBEP/dia em 2040, passando a representar 8% da procura energética no setor dos transportes [2].
Embora os custos de produção estejam a diminuir e a tornar os biocombustíveis mais competitivos,
especialmente quando o preço do petróleo aumenta, a subsidiação é, ainda, quase sempre essencial
para que os biocombustíveis consigam competir com a gasolina e o diesel [20]. Na União Europeia (UE)
várias medidas têm sido tomadas no sentido de incentivar a produção e consumo de biocombustíveis
[9], nomeadamente através do estabelecimento de diretivas que requerem que, em todos os Estados
Membros e até 2020, 10% de todo o combustível utilizado no setor dos transportes tenha origem re-
novável e que haja uma redução de 6% na emissão de GEE gerados na combustão dos combustíveis
utilizados no setor dos transportes e em maquinaria móvel (relativamente a níveis de 2010) [21].
1.2.1 Biodiesel
O gasóleo/diesel é atualmente o combustível líquido com maior procura. Em 2012, na UE, os gasóleos
rodoviário e não rodoviário tiveram uma procura cerca de 3,2 vezes superior à da gasolina [22]. O bio-
diesel é o biocombustível mais usado como alternativa ao diesel convencional. É atualmente produzido
maioritariamente a partir de ácidos gordos (AG) de origem vegetal e consiste numa mistura de ésteres
alquílicos de AG (em inglês fatty acids alkyl esters, FAAE), formados em reações catalisadas, usando
metanol ou etanol para fazer a transesterificação de acilglicéridos, formando FAAE e glicerol, ou para
fazer a esterificação direta de AG livres (em inglês, free fatty acids, FFA), formando FAAE e água (figura
1.1). Estas reações são equilíbrios que podem ser deslocados no sentido da formação dos produtos por
utilização de um excesso de álcool ou por remoção contínua dos produtos, nomeadamente do glicerol
e da água. A catálise pode ser química (ácida ou básica) ou enzimática (com lipases) [23].
Rudolph Diesel, inventor do motor de ignição por compressão interna, vulgarmente conhecido por
motor Diesel, utilizou inicialmente óleos vegetais no seu motor [23]. Apesar de apresentarem um bom
desempenho em testes de curta duração, os óleos vegetais falhavam a longo prazo, levando ao aban-
dono da sua utilização [12]. A crise petrolífera dos anos 70 fez ressurgir o interesse pela utilização
de óleos vegetais nos motores Diesel [24], introduzindo-se a ideia da sua conversão nos seus ésteres
derivados, procurando melhorar as suas qualidades como combustível [23], já que a esterificação dos
óleos reduz a viscosidade, sem alterar o poder calorífico nem o índice de cetano [24].
É um combustível não tóxico e biodegradável (90% de degradação em 21 dias [16]) que pode subs-
tituir o diesel convencional em várias aplicações, desde caldeiras a motores de combustão interna,
com pequenos decréscimos no desempenho [25]. Tem aplicabilidade imediata nos transportes, devido
4
Figura 1.1: Reacções de transesterificação e esterificação de AG para formar biodiesel. R1-4 são cadeias de AG, oálcool é normalmente metanol (R = -CH3) ou etanol (R = -CH2CH3). (a) Transesterificação de triglicéridos, com
catálise ácida, básica ou enzimática, formando FAAE e glicerol. (b) Esterificação direta de FFA, com catálise ácidaou enzimática, formando FAAE e água.
à fácil adaptação dos motores e das redes de distribuição de combustíveis já existentes [24, 26]. Mistu-
ras de 20% de biodiesel com 80% de diesel convencional (B20) podem ser usadas em motores diesel
sem modificações. Tem melhores propriedades lubrificantes que o diesel convencional, diminuindo o
desgaste dos motores e aumentando a sua eficiência [25]. Relativamente ao diesel convencional, a uti-
lização do biodiesel em motores de combustão tem várias vantagens ambientais. O biodiesel tem um
índice de cetano (60 a 65) superior ao do diesel (53) e um maior conteúdo de oxigénio (10-11% m/m)
[12] que tornam a sua combustão mais rápida e completa [25, 27], reduzindo as emissão de gases de
combustão (exceto de NOx), emitindo menos 42-47% de monóxido de carbono (CO), menos 45% de
hidrocarbonetos e menos 55-66% de matéria particulada [12]. Além disso tem um menor conteúdo em
sulfatos, enxofre e em compostos aromáticos, pelo que a sua combustão resulta em menores emissões
de compostos tóxicos [16, 25]. Tem também uma temperatura de flash (100-170 ◦C) mais alta que
o diesel convencional (60-80 ◦C) [12], tornando o seu armazenamento, transporte e distribuição mais
seguros [23, 25].
Apresenta algumas desvantagens, nomeadamente um conteúdo energético 12% inferior ao do die-
sel convencional, podendo levar a um aumento do consumo de combustível de 2 a 10%. Pode apre-
sentar problemas de fluidez a baixas temperaturas e a sua baixa volatilidade pode levar à formação de
depósitos que afetam a eficiência e durabilidade dos motores. É suscetível à oxidação por exposição
ao ar, provocando corrosão no tanque e no motor [25]. No entanto a sua maior desvantagem é o custo
de produção, dos quais 60 a 95% advêm dos substratos, que são atualmente na sua maioria óleos
vegetais derivados de oleaginosas [23, 28, 29], com mais de 95% da matéria-prima a provir de óleos
comestíveis [30].
Por serem baratos e facilmente acessíveis, o metanol e o etanol são os compostos mais usados
como aceitadores do grupo acilo na produção industrial de biodiesel, formando, respetivamente, ésteres
metílicos de AG (em inglês, fatty acid methyl esters, FAME) e ésteres etílicos de AG (em inglês, fatty acid
ethyl esters, FAEE) [23]. As propriedades do biodiesel podem variar ligeiramente com o álcool utilizado
na sua produção [31]. O metanol é mais barato, mais volátil, mais reativo e produz biodiesel de maior
5
volatilidade que o etanol, sendo o único que é atualmente utilizado na produção de biodiesel comercial
na UE. No entanto o etanol é menos tóxico e pode ser produzido a partir de recursos renováveis, sendo
o metanol maioritariamente derivado de recursos fósseis [23, 28]. A volatilidade do metanol e o facto
dos seus vapores serem incolores e inodoros tornam o processo mais perigoso [16].
A composição dos óleos utilizados na produção de biodiesel afeta as propriedades do produto final
[25]. Entre os parâmetros do óleo com maior importância estão o comprimento das cadeias e grau de
insaturação dos AG. Por um lado o conteúdo energético, o número de cetano e a estabilidade oxidativa
aumentam com o comprimento das cadeias e diminuem com o grau de insaturação. Por outro lado, as
propriedades a baixa temperatura, as emissões de NOx e a viscosidade melhoram com AG de cadeias
mais curtas e com maior grau de insaturação. Não há, portanto, um perfil de AG que permita que todos
os parâmetros do biodiesel sejam ideais [32].
Na UE a norma europeia EN 14214 definida pelo Comité Europeu de Normalização descreve os
requisitos e os métodos de medição de vários parâmetros de qualidade do biodiesel (FAME) [21]. Nos
Estados Unidos da América (EUA) e Canadá, a norma adotada denomina-se ASTM D 6751 [16]. A
Diretiva da Qualidade do Combustível estabelece atualmente que, na UE, o biodiesel (como FAME)
pode ser incorporado no diesel comercial até 7% (v/v) (B7).
O sucesso da introdução dos biocombustíveis no mercado depende da sua disponibilidade gene-
ralizada e da sua competitividade. Uma vez que o biodiesel é, por enquanto, mais caro que o diesel
convencional [27], a sua introdução no mercado tem sido acompanhada, especialmente nos EUA e na
UE, por medidas de incentivo ao consumo e à produção, incluindo isenções fiscais, subsídios à produ-
ção e imposição legal da incorporação de percentagens mínimas de biodiesel no diesel comercial [26].
Estas medidas deverão continuar a incentivar o crescimento do mercado durante os próximos anos,
embora haja uma baixa taxa de utilização da capacidade instalada (cerca de 40%) [33]. O biodiesel
representou em 2014 cerca de 80% da energia utilizada como biocombustíveis no setor dos transportes
na UE [34]. A UE é o maior produtor mundial de biodiesel, sendo responsável por 40% da produção to-
tal. Prevê-se que a produção mundial de biodiesel aumente, entre 2011 e 2021, em cerca de 80%, com
a UE a manter-se como o principal produtor e consumidor de biodiesel [34]. Em Portugal a capacidade
instalada é de cerca de 560 mil toneladas anuais [35].
1.2.2 Classificação dos biocombustíveis
Os biocombustíveis secundários, em geral, e o biodiesel em particular, podem ser classificados, com
base nas matérias-primas usadas na sua produção, em primeira (1G), segunda (2G) ou terceira (3G)
gerações (figura 1.2) [36].
Biocombustíveis de primeira geração
Os biocombustíveis 1G designam os biocombustíveis produzidos a partir de matérias-primas que com-
petem diretamente com a alimentação humana e animal [11]. Incluem tecnologias bem estabelecidas
de produção de bioetanol a partir de culturas ricas em açúcares e amido, de biodiesel a partir de cul-
6
Figura 1.2: Classificação dos biocombustíveis com base nos substratos usados na sua produção. Parcialmenteadaptado de Nigam e Singh[36]
turas oleaginosas alimentares e de gorduras animais [21]. São produzidos industrialmente em vários
países, em quantidades significativas, por processos biológicos e químicos relativamente simples.
O biocombustível com maior produção a nível mundial é o bioetanol 1G, produzido por fermentação
de biomassa com alto teor em açúcares, extraídos diretamente (cana de açúcar, beterraba, etc.) ou por
hidrólise dos amidos presentes (milho, trigo, etc.). Utilizam-se enzimas derivadas de leveduras, para
converter hexoses (maioritariamente glucose) e outros açúcares fermentáveis em etanol. O biodiesel
1G é atualmente o segundo biocombustível com maior produção [36].
A produção dos biocombustíveis 1G apresenta, no entanto, vários problemas de sustentabilidade.
Na produção de etanol e biodiesel 1G apenas uma pequena fração da massa total das plantas é
aproveitada, levando a uma baixa eficiência da utilização das terras [36]. A rápida expansão da sua
produção mundial a partir de culturas alimentares como os cereais (milho), culturas açucareiras (cana-
de-açúcar, beterraba), e oleaginosas (soja e colza) compete diretamente com o mercado da alimenta-
ção, aumentando, não só o custo da utilização destas matérias-primas na produção de biocombustíveis,
como o preço de vários bens alimentares essenciais, um problema particularmente grave, já que uma
grande parte da produção destas culturas ocorre em regiões empobrecidas [36]. A isto associa-se a
competição direta por terras férteis e a substituição de culturas alimentares por culturas destinadas à
produção de biocombustíveis, levando os produtores a expandir as áreas de cultivo através da alocação
de novas terras em áreas florestais, zonas naturais de pastagem, turfeiras, etc., (alteração indireta da
utilização de terras ou indirect land-use change, ILUC) com impacto negativo na flora e fauna locais
[36] e nas emissões de GEE [34]. Além disso, a produção destas culturas implica elevados consumos
de água, contribuindo para secas, e o uso intensivo de fertilizantes e pesticidas, com impactos ambi-
entais negativos [36]. Tendo em conta o consumo energético e o impacto ambiental local envolvidos
no cultivo destas culturas (incluindo fatores como a poluição atmosférica local, a acidificação dos solos,
a eutrofização, etc.), a maior parte dos biocombustíveis 1G tem um impacto ambiental global negativo
[11].
7
Biocombustíveis de segunda geração
Os biocombustíveis 2G, também denominados biocombustíveis avançados, englobam uma vasta gama
de biocombustíveis com aplicação comercial ainda limitada [10], que são produzidos por processos
inovadores, a partir de biomassa sem utilidade para a alimentação humana ou animal. Matérias-primas
incluem material lenhocelulósico, resíduos florestais e agrícolas e a fracção orgânica do lixo municipal
[21], materiais abundantes, de baixo custo [10], e que não competem com a produção alimentar [36].
São também denominados biocombustíveis 2G o bioetanol e o biodiesel produzidos a partir de culturas
energéticas não alimentares [21] e o biogás/biometano produzido por digestão anaeróbia de resíduos
orgânicos, estrume e gramíneas [11]. Tem surgido também interesse em culturas lenhocelulósicas
exclusivas para a produção de biocombustíveis 2G [10], que permitem uma maior produtividade por
unidade de área cultivada, já que quase toda a massa destas plantas pode ser valorizada [13, 36].
À exceção do etanol, biodiesel e biogás, a produção da maior parte dos biocombustíveis 2G envolve
métodos mais complexos que utilizam condições de temperatura e pressão mais extremas do que os
processo bioquímicos, permitindo, no entanto, uma maior flexibilidade nas matérias-primas que podem
ser processadas, bem como na diversidade de combustíveis produzidos [36]. Envolvem normalmente
um processo inicial de degradação termoquímica, como a gasificação e a pirólise, para, em conjunto
com processos químicos (como o processo de Fisher–Tropsch, a metanização ou a reforma a vapor)
e de refinação, produzir vários combustíveis líquidos e gasosos, percursores químicos (plataformas) e
outros produtos de valor acrescentado [10, 11, 36].
Face aos biocombustíveis 1G, os biocombustíveis 2G têm várias vantagens económicas, energéti-
cas e ambientais [11, 21, 36]. O uso de matérias-primas não comestíveis, abundantes e baratas, torna
o custo de produção mais estável, permite uma maior diversidade de fontes de matéria-prima [13, 21]
e reduz significativamente o impacto na produção alimentar [10, 36], permitindo até valorizar os seus
resíduos. A matéria-prima é mais robusta e menos suscetível à deterioração, reduzindo os custos de
transporte e armazenamento [13]. A produção por métodos termoquímicos gera vários compostos de
valor acrescentado que são uma mais-valia para a viabilidade económica do processo, e alguns dos
biocombustíveis produzidos têm um melhor desempenho que os biocombustíveis 1G, tornando-os mais
competitivos face aos combustíveis fósseis [10].
Por outro lado, a produção de biocombustíveis 2G requer equipamento mais caro e sofisticado [13],
implicando um maior investimento inicial e capacidades de produção maiores, de modo a que as econo-
mias de escala viabilizem os projetos [36]. A biomassa celulósica é em geral volumosa, necessitando
de infraestruturas de transporte e processamento mais complexas [13]. Além disso, existem ainda
incógnitas em relação ao verdadeiro impacto ambiental direto e indireto dos biocombustíveis 2G que
requerem uma avaliação mais profunda [21]. A cultura de espécies energéticas específicas, mesmo
que em terras degradadas, tem muitas vezes os mesmos problemas que as culturas 1G [21, 36] e
várias destas espécies são consideradas invasivas ou potencialmente invasivas, podendo ter impactos
negativos adicionais nos recursos hídricos, biodiversidade e agricultura locais [13]. A decomposição da
biomassa é fulcral para a manutenção da fertilidade e integridade estrutural dos solos, pelo que a sua
recolha excessiva tem efeitos ambientais negativos [13]. Na maior parte dos casos a combustão direta
8
de biomassa para geração de calor e/ou eletricidade gera menos emissões de GEE por unidade de
energia produzida e a um muito menor custo do que a sua conversão em biocombustíveis 2G [21].
Biocombustíveis de terceira geração
Estima-se que o cultivo de toda a terra arável disponível com culturas oleaginosas para a produção de
biodiesel, não seria suficiente para satisfazer metade das necessidades energéticas atuais [37]. Isto,
em conjunto com os problemas de sustentabilidade económica e ambiental dos ciclos de produção dos
biocombustíveis 1G e 2G, tem motivado o estudo do uso da biomassa derivada de microrganismos
como matéria-prima para a produção dos chamados biocombustíveis 3G [36].
Embora a produção destes biocombustíveis envolva tecnologias ainda em fases precoces de desen-
volvimento, prevê-se que permitam ultrapassar várias limitações dos biocombustíveis 1G e 2G [36], já
que não competem com a produção alimentar, têm ciclos de produção muito mais curtos, com menores
emissões de GEE e exibem potencial para atingir produtividades bastante superiores [21]. Além disso,
a cultura de microrganismos permite, em geral, um maior controlo sobre as condições operacionais (por
exemplo, temperatura, tipo e quantidade de nutrientes, pH, e, se aplicável, níveis de luminosidade) sem
necessidade do uso de pesticidas ou herbicidas [38].
1.3 Microrganismos oleaginosos
Aspetos gerais
De particular interesse para a produção de biodiesel são os chamados microrganismos oleaginosos,
capazes de acumular mais de 20-25% do seu peso seco em lípidos. A produção de óleo por microrga-
nismos já é conhecida há mais de 100 anos, conhecendo-se várias espécies de bactérias, leveduras,
fungos e microalgas (tabela 1.1) capazes de sintetizar e acumular quantidades significativas de lípidos
[39, 40]. Estes óleos, também denominados óleos unicelulares (single cell oils) [39, 40] são maiorita-
riamente ricos em triglicéridos, com composição química e conteúdo energético semelhante aos óleos
vegetais e animais, adequados à produção de biodiesel [32, 36, 39, 40].
Tabela 1.1: Conteúdo lipídico de alguns microrganismos oleaginosos (adaptado de Meng et al.[40]).
MicrorganismoTeor em lípidos
MicrorganismoTeor em lípidos
(% peso seco) (% peso seco)
MicroalgasBotryococcus braunii 25-75
LevedurasCandida curvata 58
Cylindrotheca spp. 16-37 Cryptococcus albidus 65Nitzschia spp. 45-47 Lipomyces starkeyi 64Schizochytrium spp. 50-77 Rhodotorula glutinis 72
BactériasArhtrobacter spp. >40
FungosAspergillus oryzae 57
Acinetobacter calcoaceticus 27-38 Mortierella isabellina 86Rhodococcus opacus 24-25 Humicola lanuginosa 75Bacillus alcalophilus 18-24 Mortierella vinacea 66
A produção de óleos microbianos apresenta várias vantagens em relação à produção de óleos de
9
origem vegetal. Em comparação com as plantas, os microrganismos têm taxas de crescimento muito
maiores e o seu cultivo requer menos espaço, reduzindo os tempos de ciclo e aumentando significati-
vamente a produtividade [38]. Os microrganismos são capazes de usar resíduos de baixo custo como
fonte de carbono e/ou azoto, não competindo com a produção alimentar [39], consomem menos água,
necessitam de menos mão-de-obra, dependem menos da localização e de variações sazonais e climáti-
cas, e o seu aumento de escala é mais simples [41–43]. Permitem também a exploração de estratégias
para o melhoramento da produção de óleo através do rastreio e seleção de estirpes promissoras, e da
utilização de engenharia genética e metabólica no sentido de melhorar a composição dos óleos [40].
A capacidade de acumulação de lípidos em microrganimos oleaginosos varia bastante entre espé-
cies e mesmo entre estirpes [40], e depende muito das condições de cultivo [32, 39]. A acumulação
de lípidos é favorecida quando se esgota um nutriente no meio, normalmente o azoto, mas existe ainda
um excesso de fonte de carbono. Em geral, a limitação de azoto abranda a taxa de crescimento dos
microrganismos, diminuindo a síntese de proteínas e de ácidos nucleicos. Durante o crescimento dos
microrganismos oleaginosos, o esgotamento da fonte de azoto no meio leva a que a fonte de carbono
passe a ser utilizada para a produção de lípidos, levando à acumulação de triglicéridos em corpos
lipídicos intracelulares, como reserva energética [32, 40].
Microalgas
As microalgas são plantas primitivas (talófitas) que podem ter metabolismo fototrófico, heterotrófico ou
mixotrófico (fotossíntese autotrófica com a assimilação heterotrófica de compostos orgânicos) [36]. Al-
gumas estirpes são capazes de produzir e acumular, em pouco tempo, grandes quantidades de lípidos,
proteínas e hidratos de carbono que podem ser valorizados na produção, por métodos termoquímicos
e bioquímicos, de biocombustíveis e outros compostos de valor acrescentado [36]. Comparadas com
as plantas superiores, as microalgas fototróficas são mais eficientes a fixar o CO2 atmosférico [36] e
apresentam taxas de crescimento muito superiores, duplicando a sua massa em 24 h. Algumas estir-
pes oleaginosas podem atingir conteúdos em lípidos até 90% do seu peso seco, dos quais, mais de
80% são triglicéridos [40], atingindo rendimentos em óleo por hectare cerca de 250 vezes superiores
à soja [23]. Outras estirpes podem acumular grandes quantidades de açúcares e amidos, tornando-
as interessantes para a produção de etanol por fermentação alcoólica. Outros produtos interessantes
derivados das microalgas incluem o biogás por digestão anaeróbia da sua biomassa, bio-hidrogénio
produzido fotobiologicamente [36, 40], proteínas, hidratos de carbono e pigmentos [21, 44].
No entanto, as microalgas apresentam algumas desvantagens. Produzem óleos tendencialmente
ricos em AG longos e polinsaturados que resultam num biodiesel com menor estabilidade oxidativa
[28, 38]. Em comparação com bactérias e leveduras oleaginosas, têm taxas de crescimento bastante
mais baixas e necessitam de maiores áreas de cultivo [40]. O maior obstáculo à produção comercial de
biocombustíveis derivados de microalgas tem sido a complexidade e o custo do aumento de escala das
culturas fototróficas [45]. Os óleos das microalgas apresentam custos de produção elevados, uma vez
que as condições necessárias para a produção de óleos de boa qualidade, nomeadamente o cultivo
a baixas temperaturas (de forma a induzir uma composição em AG adequada para biodiesel), com
10
baixa intensidade luminosa e em condições de deficiência em azoto (para induzir a síntese de lípidos),
resultam em baixas taxas de crescimento. Isto, por sua vez, leva a baixas concentrações celulares, que
implicam passos sucessivos de concentração, antes de ser possível a extração do óleo [28, 38].
Bactérias
As bactérias oleaginosas acumulam, em geral, menos quantidade de lípidos que outros microrganismos
oleaginosos, mas têm taxas de crescimento muito mais altas, com métodos de cultura mais simples.
Algumas estirpes de actinomicetes são capazes de acumular até cerca de 70% do seu peso seco em
lípidos na forma de triglicéridos, a partir de fontes de carbono simples, como a glucose [40]. No entanto,
a maior parte das bactérias acumula lípidos na forma de lipoides complexos que não são adequados
para a produção de biodiesel. As bactérias oleaginosas são, por isso, estudadas principalmente para
a produção de lípidos específicos, tais como AG polinsaturados (polyunsaturated fatty acids, PUFA) e
de cadeia ramificada [45]. Algumas bactérias oleaginosas podem vir a ter potencial na produção de
biocombustíveis por métodos termoquímicos [38].
Fungos e leveduras
Várias leveduras e fungos oleaginosos, especialmente bolores, têm sido considerados organismos de
interesse desde os anos 80 [40]. A capacidade dos fungos oleaginosos de produzir lípidos de alto valor
acrescentado como os ácidos araquidónico (ARA), docosa-hexanóico (DHA), ecosapentaenóico (EPA)
e γ-linolénico (GLA) [45] e carotenoides [46] tem favorecido o seu estudo para estes fins [38]. Entre
as leveduras, conhecem-se cerca de 30 estirpes capazes de acumular mais de 25% do seu peso seco
em lípidos [40]. Exemplos incluem estirpes das espécies Cryptococcus, Lipomyces, Rhodosporidium
e Rhodotorula, que são capazes, em geral, de acumular até 70% do seu peso seco em lípidos [32,
40], em corpos lipídicos discretos que facilitam a sua extração [47]. Têm taxas de crescimento bastante
superiores às das microalgas, permitindo maiores produtividades em biomassa e lípidos, sem depender
de fatores externos, como a exposição solar, para manter a sua produtividade [32, 48].
As condições de cultivo influenciam a acumulação de óleo em leveduras. A razão carbono/azoto,
as fontes de carbono e azoto, a temperatura, o pH, a taxa de arejamento e a concentração de ele-
mentos vestigiais e de sais inorgânicos, são fatores importantes na acumulação e composição lípidica
em leveduras [45]. A maior parte dos substratos utilizados no cultivo de leveduras oleaginosas resulta
num óleo com um perfil lipídico semelhante ao óleo de palma, mais rico em AG saturados que o óleo de
colza, o óleo vegetal mais utilizado na UE para a produção de biodiesel. Assim, em relação ao biodiesel
produzido a partir de óleo de colza, o biodiesel produzido a partir destes óleos microbianos deverá ter
um maior conteúdo energético, um índice de cetano mais elevado e uma maior estabilidade oxidativa,
em detrimento do seu comportamento a baixas temperatura e da sua viscosidade [32].
A produção de óleo a partir de leveduras é, em geral, mais barata do que no caso das algas auto-
tróficas, mas ambas as tecnologias estão ainda numa fase precoce de desenvolvimento [32]. A fonte
de carbono representa até 80% do custo dos processos de cultivo de microrganismos heterotróficos
11
[42, 49], o que tem motivado o estudo da utilização de fontes de carbono e azoto de baixo custo para
o cultivo de leveduras oleaginosas, como o glicerol (subproduto da produção de biodiesel) [43], vários
efluentes industriais, águas residuais, melaço, hidrolisados de celulose [32, 42] e xarope de polpa de
alfarroba (XPA)[48]. O principal desafio à implementação dos óleos microbianos na produção de bio-
diesel é a sua viabilidade económica. Mesmo usando substratos de baixo custo, estima-se que será
necessário uma redução em cerca 50% do custo atual para tornar a sua produção competitiva em re-
lação aos óleos vegetais [32, 42]. Será necessária uma redução ainda maior para que o biodiesel 3G
consiga competir comercialmente com o diesel convencional.
1.4 Conceito de biorrefinaria
A maior parte dos biocombustíveis e bioquímicos (enzimas, pigmentos, etc.) são atualmente produzidos
numa única cadeia produtiva [11]. No entanto, é muitas vezes referido que os biocombustíveis avança-
dos só serão economicamente viáveis se forem coproduzidos com produtos de alto valor acrescentado
[21, 36], o que tem motivado o desenvolvimento de tecnologias de biorrefinação [11]. Biorrefinaria
descreve uma instalação ou conjunto de instalações que integram passos de produção, transformação,
processamento e consumo de biomassa, com vista à sua conversão em biocombustíveis, químicos,
materiais e energia [10, 11]. É um conceito análogo ao de uma refinaria de petróleo moderna, que
integra a produção de vários combustíveis e produtos químicos [10]. Idealmente os produtos gerados
nas biorrefinarias devem substituir os combustíveis e produtos químicos resultantes da refinação do
petróleo, quer através da produção do mesmo composto a partir de biomassa, quer com a produção de
um outro composto com aplicação equivalente [11].
A principal vantagem do conceito de biorrefinaria industrial é a possibilidade de combinar matérias-
primas de várias origens, permitindo a integração de sistemas bioindustriais, com os resíduos de uma
bioindústria a servirem de matéria-prima para outras. Envolve processos mecânicos, químicos, ter-
moquímicos e biológicos, aplicados no sentido de permitir uma valorização completa de todos os com-
ponentes da biomassa, procurando reduzir o custo de produção de cada produto [11].
O conceito de biorrefinaria representa, assim, uma via possível para tornar economicamente exequí-
vel a produção de biocombustíveis 3G em grande escala [40, 48]. O processo deve procurar maximizar
a valorização das várias frações da biomassa microbiana, combinando a produção de biocombustí-
veis com a extração de produtos de alto valor acrescentado (ácidos gordos polinsaturados, pigmentos,
etc.), bem como o aproveitamento da biomassa residual, resultante da extração desses produtos, para
alimentação animal ou produção de biogás por digestão anaeróbia.
1.5 Carotenoides
Os carotenoides são uma classe de pigmentos naturais polinsaturados e lipossolúveis. Ocorrem uni-
versalmente em plantas, algas e bactérias fotossintéticas. Existem também em bactérias, leveduras
e fungos não fotossintéticos, onde podem funcionar como materiais de reserva energética ou ter por
12
função proteger as membranas destes microrganismos do stress foto-oxidativo, quando estes crescem
em ambientes ricos em oxigénio e com forte exposição luminosa [46, 50]. São tetraterpernóides (C40)
cuja cor varia entre o amarelo, o rosa e o vermelho, com sistemas conjugados de ligações duplas que
determinam a sua cor e propriedades [50, 51]. Podem ser carotenos, como o β-caroteno e o toru-
leno, contendo apenas C e H na sua estrutura, ou ser xantofilas, como a astaxantina, cantaxantina e a
torularrodina [50], que contêm também oxigénio [46].
Os carotenoides têm tido aplicação crescente na agricultura, aquacultura, e nas indústrias aviária,
nutracêutica, alimentar, farmacêutica e cosmética [46], tendo representado um mercado de 1,5 mil mi-
lhões de dólares em 2014 e prevendo-se que atinja os 1,8 mil milhões em 2019 [52]. São precursores da
vitamina A, fitoquímicos bioativos que permitem reduzir a incidência de doenças cancerígenas e cardio-
vasculares, degeneração macular e cataratas [46, 51]. Têm também aplicação como corantes naturais,
antioxidantes, estimuladores da produção in vitro de anticorpos e como agentes anticancerígenos [53].
O método mais usado na produção de carotenoides é a síntese química, mas os elevados custos
associados, a produção de resíduos perigosos [46] e a dependência de compostos derivados de recur-
sos fósseis têm levado a um interesse crescente na sua bioprodução [53]. Atualmente apenas 2% da
produção mundial de β-caroteno é feita a partir de fontes naturais. A forma natural de β-caroteno con-
tém isómeros cis-9 e trans que lhe confere melhores propriedades antioxidantes e de lipossolubilidade
que a variante sintética, constituída unicamente por isómeros trans [54].
A produção biotecnológica de carotenoides pode ser feita por extração sólido-líquido a partir de
plantas ou através da sua produção por microrganismos, tais como fungos filamentosos, leveduras,
bactérias ou microalgas [46]. A produção microbiana permite um maior controlo sobre a produção e
pode ser feita a partir de substratos de baixo custo, diminuindo os custos de produção. Além disso,
não é afetada por variações geográficas e pela sazonalidade, como acontece com a extração a partir
de plantas. Tem, por isso, atraído grande interesse na indústria alimentar [46]. De entre os micror-
ganismos capazes de sintetizar carotenoides, as leveduras, em particular dos géneros Rhodotorula e
Rhodosporidium, têm-se mostrado promissoras. Em comparação com microalgas e fungos, as levedu-
ras apresentam taxas de crescimento elevadas, atingem elevadas densidades celulares e são capazes
de se adaptar a várias fontes de carbono e azoto. Além disso, o seu cultivo pode ser realizado em bior-
reatores convencionais, facilitando a sua produção em maior escala [55, 56]. Nas leveduras, a síntese
de carotenoides tende a iniciar-se no final da fase exponencial, continuando na fase estacionária, na
presença de uma fonte de carbono em quantidade suficiente. A produção de carotenoides em levedu-
ras tem sido estudada usando como substrato várias fontes de carbono simples e resíduos orgânicos
[46]. As condições de cultura influenciam a produtividade e o perfil de carotenoides. Fatores como a
razão carbono/azoto [57], a irradiação luminosa, a temperatura, o oxigénio dissolvido e a presença de
determinados iões metálicos e sais estão descritos na literatura como tendo efeito significativo sobre a
produção e composição dos carotenoides em leveduras [46]. Os processos de downstream são atual-
mente o maior desafio na recuperação de pigmentos intracelulares. O processo deve utilizar reagentes
não tóxicos, ser rápido, de baixo custo, e com elevado rendimento de recuperação [46].
13
1.6 Rhodosporidium toruloides
A levedura Rhodosporidium toruloides (ou Rhodotorula gracilis [58–60]) é um microrganismo basidio-
micete oleaginoso, de cor alaranjada/rosa. Foi descrita pela primeira vez em 1967 por Banno como o
estado teleomórfico resultante da conjugação, em cultura, de estirpes de Rhodotorula glutinis [61, 62]
(ou Rhodotorula rubescensis [58, 60]). Foi depois recolhida na natureza pela primeira vez em 1969
numa floresta japonesa [63].
De entre os microrganismos oleaginosos, as leveduras mostram ser as mais promissoras, com a R.
toruloides e a R. glutinis a destacarem-se, com maiores produtividades em biomassa e lípidos e maior
conteúdo em lípidos [40, 45, 60]. Pan et al. descreve concentrações de 185 g L−1 em biomassa, com
conteúdos de 40% em lípidos, e produtividades em lípidos da ordem dos 21 kg m−3 d−1, obtidas num
fermentador em regime semidescontínuo usando glucose e ar enriquecido em oxigénio [64]. Conteúdos
em lípidos até 79% do peso seco da biomassa de R. toruloides estão também descritos [60]. O óleo
acumulado por estas leveduras apresenta tipicamente um perfil lipídico adequado para a produção de
biodiesel, maioritariamente constituído pelos ácidos palmítico (16:0, 24%) e oleico (18:1ω9, 55%) [60].
É frequentemente denominada por levedura vermelha ou rosa devido à sua coloração, resultante da
produção e acumulação intracelular de carotenoides (figura 1.3), maioritariamente β-caroteno (β-β’-
caroteno), toruleno (3’-4’-dideidro-β-ψ-caroteno) e torularrodina (ácido 3’,4’-dideidro-β-ψ-caroten-16’-
óico) [55, 56], em várias proporções [48, 49, 56, 65]. A proporção relativa varia de estirpe para estirpe e
depende bastante das condições de cultura, com um quarto carotenoide, o γ-caroteno (β-ψ-caroteno)
a poder constituir 17% dos carotenoides em algumas estirpes de R. Glutinis [56]. O β-caroteno é
atualmente o carotenoide com maior procura no mercado [66]. A torularrodina e o toruleno estão
ainda pouco estudados mas apresentam grande potencial para aplicação nas indústrias nutracêutica e
alimentar [50].
Figura 1.3: Via metabólica da síntese de carotenoides em Rhodotorula. Adaptado de Moliné et al. [55].
A produção de R. toruloides está descrita em vários substratos de baixo custo, como resíduos agro-
industriais [42], glicerol [47, 67], XPA [48] mandioca e tupinambo [32], exibindo alguma capacidade para
14
tolerar compostos inibitórios, como o 5-hidroximetilfurfural (5-HMF), o furfural e o acetato [32], muitas
vezes presentes neste tipo de substratos. As elevadas produtividades em biomassa e a capacidade
de, simultaneamente, acumular quantidades significativas de lípidos e carotenoides, tornam a R. toru-
loides particularmente interessante para a aplicação de um conceito de biorrefinaria na produção de
biocombustíveis 3G. Os lípidos, como produto base, têm aplicação na produção de biodiesel, com os
carotenoides, como produtos de alto valor acrescentado, representam uma fonte adicional de receitas
que poderá rentabilizar o processo.
1.7 Digestão anaeróbia
A produção e extração de lípidos (e de outros produtos de interesse) a partir de microrganismos oleagi-
nosos gera quantidades significativas de biomassa residual e de outros efluentes. No caso da produção
a partir microrganismos oleaginosos heterotróficos, além da biomassa que resta após a extração dos
lípidos, o sobrenadante obtido após a remoção da biomassa do meio de cultura representa um outro
efluente do processo com elevada carga orgânica. A produção destes efluentes torna-se ainda mais sig-
nificativa e problemática com o aumento da escala de produção. Efluentes com elevada carga orgânica,
nomeadamente elevadas carências químicas e biológicas de oxigénio (CQO e CBO, respetivamente)
podem ser uma grave fonte de poluição se libertados para o ambiente sem tratamento. Existem, por
isso, normas que definem os valores aceitáveis para estes parâmetros, antes da libertação dos eflu-
entes em esgotos ou águas superficiais [42]. O tratamento destes efluentes como um resíduo implica,
assim, custos adicionais e põe em causa a sustentabilidade ambiental e económica do processo, pelo
que a sua valorização é essencial para a viabilidade do aumento de escala da produção microbiana de
lípidos para a produção de biodiesel.
A elevada carga orgânica destes resíduos torna-os um potencial substrato para a cultura de micror-
ganismos, com a possibilidade da sua integração com outros sistemas de tratamentos, valorizando os
efluentes através de uma diminuição dos custos, com recuperação de energia e vantagens ambientais
[42]. Em particular, no caso da produção de biodiesel a partir de microalgas oleaginosas, a digestão
anaeróbia da biomassa residual é considerada por vários autores [68–70] como uma estratégia essen-
cial para tornar estes processos economicamente viáveis, sendo até sugerido ser mais vantajoso fazer
apenas a digestão anaeróbia da biomassa total em situações de mau desempenho do processo de cul-
tivo, em que este resulte em teores em lípidos inferiores a 40% (m/m) e/ou em baixas produtividades em
biomassa [69]. O mesmo pode ser dito para a produção de biodiesel a partir de leveduras oleaginosas.
Uma fração significativa do conteúdo energético acumulado nas células ao longo do cultivo per-
manece na biomassa residual após remoção dos lípidos. A digestão anaeróbia permite valorizar este
conteúdo energético através da produção de biogás, que pode ser incorporado no próprio processo,
satisfazendo total ou parcialmente as necessidades energéticas deste, com um eventual excedente a
poder representar uma fonte adicional de receitas [68, 69]. No caso das microalgas, o processo permite
ainda recuperar o azoto orgânico e o fósforo contidos na biomassa residual, convertendo-os em amónia
(NH3) e fosfatos, fontes valiosas de azoto e fósforo, que podem assim ser reintroduzidos no processo
15
de cultivo de microalgas, onde são necessários em grandes quantidades [69]. Os sólidos resultantes
do processo de digestão têm aplicação como um excelente fertilizante, e as águas como água de rega
[68].
A digestão anaeróbia tem sido usada desde o início do século XX no tratamento de lamas muni-
cipais, resíduos animais e industriais de elevada carga orgânica. Atualmente é uma tecnologia bem
estabelecida que tem ganho grande importância nas últimas três décadas [71]. É um processo de
degradação biológica, na ausência de oxigénio, de misturas complexas de compostos orgânicos bio-
degradáveis, formando como produtos finais do metabolismo bacteriano uma mistura constituída mai-
oritariamente por metano (CH4) (60 a 80%) e CO2 (20 a 40%), denominada por biogás [72]. O biogás
é capturado, podendo ser usado diretamente como combustível ou ser tratado para remoção do CO2,
da água e de outras impurezas como o sulfureto de hidrogénio (H2S, gás corrosivo), até se atingir um
conteúdo em CH4 superior a 95%. Pode então ser usado para aquecimento ou geração elétrica ou ser
comprimido, ficando com propriedades semelhantes ao gás natural comprimido, podendo ser usado
como combustível em veículos [13].
Além de permitir a valorização energética dos substratos por formação de CH4, o processo anae-
róbio é mais vantajoso que o tratamento aeróbio por ter menor exigência energética, produzir menos
quantidade de lamas, permitir tratar resíduos com maior carga orgânica e levar a uma maior redução
da carga patogénica, gerando resíduos de elevado valor como fertilizante [13, 73]. Além disso, apenas
5-10% dos CQO consumidos vão para a formação de nova biomassa, face aos 50-70% no processo
aeróbio [72]. É, no entanto, um processo mais lento, que necessita de maiores tempos de residência e
de uma maior concentração de microrganismos [72].
O processo anaeróbio pode ocorrer numa gama de temperaturas psicrófila (<20 ◦C), mesófila (25 a
40 ◦C) ou termófila (45 a 65 ◦C) [73]. A maior parte dos digestores de grande escala são operados num
regime mesófilo, a 35 ◦C [74]. Embora a digestão aneróbia termófila permita maiores taxas de digestão
e conversão em biogás, é menos estável, e produz um sobrenadante de baixa qualidade [74].
Não se conhece nenhuma bactéria capaz de converter substratos, mesmo que simples, diretamente
em CH4. A digestão anaeróbia é, a nível microbiológico, um processo complexo que envolve um con-
sórcio de bactérias heterotróficas interdependentes, anaeróbias obrigatórias ou facultativas. Consiste
numa sequência de passos, cada um realizado por grupos de bactérias com cinéticas e rendimen-
tos distintos, tendo como principais produtos finais CH4 e CO2 [72]. O processo envolve três grandes
passos microbiológicos: hidrólise, acidogénese/acetogénese e metanogénese (figura 1.4) [72].
O processo de hidrólise é mediado por um consórcio de bactérias fermentativas que utilizam enzi-
mas extracelulares como celulases, proteases e lipases para degradar matéria particulada e compostos
orgânicos complexos presentes no influente, formando compostos solúveis de menor peso molecular
(aminoácidos, mono e dissacáridos, ácidos gordos e glicerol) [72, 73].
A acidogénese envolve a assimilação, por bactérias fermentativas, dos produtos gerados no passo
de hidrólise, para formar compostos orgânicos simples, como ácidos gordos voláteis (AGV, como por
exemplo os ácidos acético, propiónico, fórmico, láctico, butírico ou succínico), álcoois e compostos
minerais como CO2, H2, NH3, H2S, etc.. É levada a cabo por um grupo diverso de bactérias, na sua
16
Figura 1.4: Representação esquemática dos passos microbiológicos envolvidos no processo de digestãoanaeróbia. Adaptado de Amaya et al. [72].
maioria anaeróbios obrigatórios [72].
A acetogénese envolve a conversão dos produtos metabólicos da acidogénese nos precursores
finais para a produção de metano: acetato, H2 e CO2. Aproximadamente 70% dos CQO são convertidos
em ácido acético e a restante capacidade redutora (dadora de eletrões) vai para a formação de H2, com
a consequente formação de compostos oxidados como o CO2 [72].
A metanogénese consiste na formação de CH4 a partir do acetato, ou por redução do CO2 com H2,
por arqueias acetotróficas ou hidrogenotróficas, respetivamente. Embora a metanogénese acetotrófica
seja mais lenta, apenas 30% dos CQO consumidos seguem a via hidrogenotrófica, sendo, por isso,
importante garantir condições adequadas para o desenvolvimento das culturas acetróficas [72].
Na digestão de compostos orgânicos simples a metanogénese é o passo mais lento, no entanto, em
geral, o passo inicial de hidrólise de compostos insolúveis é normalmente o passo limitante do processo
global [72, 73]. Em particular, na digestão de biomassa derivada de leveduras ou microalgas, a resis-
tência das paredes celulares destes microrganismos à hidrólise pode restringir o acesso e a digestão
de compostos orgânicos intracelulares, limitando bastante o processo de digestão [69, 75]. No entanto,
a produção de óleos microbianos para produção de biodiesel incluí normalmente um processo de ru-
tura das células para permitir a extração dos lípidos, tornando assim o restante conteúdo intracelular
acessível à digestão anaeróbia [69, 75].
Os passos de hidrólise, acidogénese e acetogénese são normalmente agrupados sob a designação
de fermentação ácida, com o 4º passo a ser referido como fermentação metanogénica [72]. A fermen-
tação ácida leva à acidificação do meio, através da formação de AGV e de outros intermediários que se
dissociam, formando protões. A metanogénese ocorre idealmente a valores de pH próximos de 7,0. Se
a taxa de remoção da acidez no processo de metanogénese for mais lenta que a taxa de formação de
ácido, a diminuição do pH leva a uma inibição adicional da metanogénese. Este fenómeno (souring) é
a causa mais comum de falha operacional de sistemas de tratamento anaeróbios, sendo, por isso, im-
portante garantir que a capacidade de tamponização do sistema e que a capacidade metanogénica são
adequadas [72]. A medição da alcalinidade do meio é importante para determinar a sua capacidade
de tamponização (sistema tampão carbonato), evitando variações significativas do pH por acumulação
de AGV [72]. O pH é também um dos fatores com maior efeito na proporção relativa de CH4 e CO2 no
17
biogás, afetando a formação e libertação de CO2 no sistema tampão carbonato. Gamas de pH mais
alcalinas, devido, por exemplo, à formação de NH3, resultam num aumento da proporção de CH4 no
biogás [69].
Vários parâmetros do substrato e do inóculo (lamas ou lodos) devem ser medidos para determi-
nar as condições operacionais adequadas no processo de digestão. Além da atividade metanogénica
do inóculo, importa determinar a biodegradabilidade anaeróbia do substrato e a sua toxicidade [76].
Parâmetros importantes incluem as concentrações de macro e micronutrientes, a razão carbono/azoto
(C/N), o pH, a concentração de inibidores e de compostos tóxicos e as quantidades de matéria orgânica
biodegradável e de matéria seca [71]. A razão C/N é particularmente importante para a estabilidade do
processo de digestão. Razões C/N demasiado baixas (< 20) causam um desequilíbrio entre as neces-
sidades de carbono e de azoto da microflora anaeróbia, levando a uma acumulação de azoto no meio
que resulta num aumento da concentração de AGV. Por outro lado, valores de C/N demasiado altos
levam a uma limitação de azoto no meio [69].
O tratamento anaeróbio de uma mistura de resíduos é denominado codigestão anaeróbia. É um
método que permite explorar propriedades complementares de diferentes resíduos, no sentido de me-
lhorar a eficiência do processo e aumentar a produção de biogás, podendo oferecer várias vantagens
ecológicas, técnicas e económicas [69, 71].
A produtividade ou potencial específico em CH4 de um substrato é dada em litros (a PTN) de CH4
por quilograma de sólidos voláteis. Este valor depende da concentração relativa de proteínas, lípidos
e hidratos de carbono, pelo que a caracterização do substrato permite estimar a produção de metano
esperada [71]. CQO é um método amplamente usado para caracterizar os substratos, determinando
o nível global de contaminação orgânica de um resíduo. É uma medida da quantidade de matéria or-
gânica oxidável presente na amostra, expressa como a quantidade equivalente de oxigénio necessária
para oxidar essa matéria orgânica, (gramas de O2 por litro de amostra) [72].
Um das maiores desvantagens dos processos de digestão anaeróbia é a sua suscetibilidade a com-
postos tóxicos e inibitórios [73]. Os principais inibidores do processo de digestão anaeróbia são a
amónia/ião amónio (NH3/NH +4 ). Estes compostos estão presentes nos substratos e acumulam-se du-
rante o processo de digestão, por degradação das proteínas. As concentrações iniciais, a temperatura
de trabalho, o pH, a taxa de alimentação e a aclimatização do inóculo, afetam a suscetibilidade da
microflora a estes compostos [74].
No caso de substratos derivados de biomassa microbiana, a composição do substrato pode variar
significativamente com as condições de cultivo e processamento da biomassa, podendo ter um efeito
significativo no processo de digestão. Em particular, a extração dos lípidos de microrganismos oleagi-
nosos leva a uma diminuição do seu potencial de CH4, resultando num aumento da quantidade relativa
de proteínas cuja degradação pode levar à acumulação de quantidades inibitórias de NH3 [69].
18
1.8 Biorrefinaria de R. toruloides
O processo que integra a produção e extração de AG e carotenoides a partir da biomassa da levedura R.
toruloides, com a digestão anaeróbia dos resíduos gerados nesses processos (figura 1.5) deverá, deste
modo, permitir maximizar a valorização da biomassa. A produção de biogás permite recuperar uma
parte significativa do conteúdo energético do sobrenadante (resultante da fermentação) e da biomassa
residual (após a extração dos lípidos e carotenoides).
Figura 1.5: Biorrefinaria de R. toruloides. Processo integrado de produção e extração de lípidos e carotenoides apartir da levedura R. toruloides, com produção de biogás por digestão anaeróbia dos resíduos resultantes destes
processos.
Outro passo importante no sentido da viabilização económica do processo será a utilização de
substratos de baixo custo como fonte de carbono e/ou azoto no cultivo da levedura. O xarope de polpa
de alfarroba (XPA), em particular, tem sido estudado como uma potencial fonte de carbono para o
cultivo de R. toruloides [48]. Este xarope é produzido por extração com água dos açúcares presentes
na polpa de alfarroba, um subproduto da produção industrial de goma de alfarroba, rico em açúcares
mas com aplicação limitada na alimentação animal [48]. Uma vez que a produção de XPA gera uma
quantidade significativa dos resíduos sólidos, será uma mais-valia, num processo em que se use XPA
como substrato, fazer a valorização energética deste resíduo através da produção de CH4 por digestão
anaeróbia.
Além de permitir reduzir significativamente o volume de efluentes do processo que terão que ser
tratados como resíduo, a produção de biogás contribui para a viabilização económica do processo,
quer como uma fonte adicional de receitas, quer como um potencial recurso energético para o próprio
processo. Os efluentes da digestão anaeróbia poderão, após compostagem, ter ainda aplicação na
agricultura.
1.9 Citometria de fluxo
A capacidade de obter, em tempo útil, informação sobre as propriedades e o estado fisiológico das
células envolvidas num bioprocesso é indispensável para uma avaliação detalhada do efeito que os vá-
19
rios parâmetros operacionais podem ter sobre o estado das células e, consequentemente, a qualidade,
produtividade e rendimento do processo e dos produtos resultantes [77]. A citometria de fluxo (CF),
em particular, tem vindo a ser apontada como um método com grande relevância na monitorização do
cultivo de microrganismos oleaginosos para a produção de biocombustíveis [57, 77–80]. A CF permite
a análise de amostras microbianas heterogéneas e complexas, com maior rapidez e precisão estatística
que os métodos microbiológicos convencionais. Permite avaliar quantitativamente e qualitativamente,
in situ e quase em tempo real (at-line), vários parâmetros físicos e bioquímicos de um elevado número
de células individuais. É assim possível obter informação detalhada sobre o processo, em tempo útil,
para, se necessário, ajustar as condições operacionais (alterando, por exemplo, as taxas de arejamento,
agitação ou alimentação) ainda durante a sua evolução, procurando maximizar os rendimentos e pro-
dutividades. A CF permite também obter, em tempo real, informação sobre determinados produtos e
funções celulares, que torna possível colher células quando estas estão a sintetizar os produtos de
interesse a taxas máximas [77]. Normalmente, os dados obtidos por métodos tradicionais de microbi-
ologia refletem uma média ponderada das propriedades celulares da amostra, considerada como um
todo homogéneo, o que se tem comprovado não corresponder à realidade. A CF, ao analisar cada uma
das células da amostra individualmente, torna possível identificar uma maior gama de estados fisiológi-
cos celulares, distinguindo quantitativamente e/ou qualitativamente várias subpopulações e fornecendo
resultados que são mais representativos da real heterogeneidade da amostra [81]. Além disso, relativa-
mente aos métodos tradicionais, a CF requer menos quantidade de amostra, tendo um consumo muito
menor ou nulo de reagentes e solventes orgânicos ambientalmente nocivos [77].
Um citómetro de fluxo é constituído por um conjunto de sistemas integrados para a deteção de
células [77]. Incluí um sistema fluídico, um sistema ótico e um sistema eletrónico (figura 1.6 (a)) [82]. O
sistema ótico incluí uma ou mais fontes de luz, normalmente lasers, e um conjunto de lentes e prismas
que permitem focar e direcionar o feixe de luz até ao ponto de intersecção com a amostra [77, 82]. A
amostra é introduzida no citómetro na forma de uma suspensão de células/partículas. O sistema fluídico
do citómetro transporta a amostra numa corrente a alta velocidade, até ao ponto de intersecção com
o feixe do laser. Na câmara de fluxo (figura 1.6 (b)), uma corrente composta por uma solução salina
(sheath fluid) é usada para reduzir o diâmetro da corrente na qual circula a amostra, sem que haja
mistura das correntes (focagem hidrodinâmica). O objetivo é tornar o diâmetro da corrente da amostra
suficientemente pequeno para permitir que as células intercetem o laser uma a uma, centradas [77, 82].
Assim, cada célula interceta perpendicularmente o feixe, causando dispersão da luz, podendo, caso
a luz incidente tenha um comprimento de onda adequado, ocorrer emissão de fluorescência por excita-
ção de moléculas fluorescentes endógenas ou de fluoróforos exógenos adicionados à amostra [82]. Os
componentes de recolha do sistema ótico permitem captar e direcionar a radiação dispersa ou emitida
para os sensores adequados. Estes sinais luminosos são adquiridos, amplificados e processados pelo
sistema eletrónico do citómetro, sendo depois convertidos em dados numéricos que são transmitidos
para um computador onde são armazenados e analisados [82].
A dispersão da luz pode ser medida no plano do feixe do laser (dispersão frontal, forward scatter,
FSC), dando informação sobre as dimensões da célula, ou perpendicularmente ao feixe (dispersão
20
Figura 1.6: (a) Representação esquemática simplificada de um citómetro de fluxo (adaptado de [83]).(b) Focagemhidrodinâmica da corrente que contém a amostra, na câmara de fluxo (adaptado de [82]).
lateral, side scatter, SSC) dando informação sobre a complexidade intracelular. É, assim, possível dis-
tinguir diferentes tipos de células com base no seu perfil de radiação dispersa, permitindo, por exemplo,
identificar precocemente a presença de uma contaminação bacteriana numa cultura de leveduras [77].
Tubos fotomultiplicadores permitem detetar a fluorescência emitida por excitação de compostos in-
tracelulares (autofluorescência devido à presença intracelular de, por exemplo, carotenoides) ou de
fluorocromos exógenos. Vários corantes podem ser usados em conjunto com a CF. Estes corantes
podem ligar-se especificamente a moléculas e componentes celulares (ácidos nucleicos, proteínas e
lípidos) que amplificam a sua fluorescência ou podem acumular-se seletivamente em compartimentos
celulares específicos, dando informação sobre alterações ou lesões nesses compartimentos, com base
na intensidade da fluorescência emitida. Estes compostos podem também ser modificados pelas con-
dições bioquímicas intracelulares, permitindo detetar eventuais variações em propriedades celulares
como o pH intracelular, a polarização e integridade da membrana, a atividade enzimática e a atividade
respiratória, em resposta a alterações ambientais a que as células sejam sujeitas. Isto permite usar a
CF para diferenciar células com base na sua estrutura interna e atividade metabólica, algo que não é
possível quando se utilizam os métodos tradicionais de microbiologia [77]. A utilização da CF em con-
junto com corantes já foi aplicada à monitorização de culturas de R. toruloides, avaliando parâmetros
como a viabilidade celular, a atividade enzimática, integridade e potencial membranares e o conteúdo
lipídico [57, 77–80]. Freitas et al., em particular, mostraram ser possível estabelecer uma correlação
entre a autofluorescência das células de R. toruloides e o conteúdo total em carotenoides (determinado
por um método gravimétrico convencional como uma percentagem do peso celular seco) e usar esta
correlação para monitorizar o teor intracelular de carotenoides ao longo do processo de cultivo [80].
Isto permite usar a CF para monitorizar, em tempo real, a acumulação de carotenoides em culturas da
levedura R. toruloides para, por exemplo, em conjunto com informação sobre a concentração celular,
determinar o momento ideal para terminar o processo de cultivo, procurando maximizar a produtividade
em carotenoides.
21
22
Capítulo 2
Objetivos
No presente trabalho estudou-se a biorrefinaria da levedura Rhodosporidium toruloides NCYC 921 ba-
seada num processo que integra i) o cultivo da levedura R. toruloides NCYC 921 para a produção
de lípidos e carotenoides, ii) a coextração destes produtos e iii) a produção de biogás por digestão
anaeróbia dos resíduos resultantes destes processos, procurando a valorização das várias frações da
biomassa produzida e dos resíduos gerados. A extração de lípidos tem por objetivo a produção de bio-
diesel, e a produção de carotenoides, como produto de alto valor acrescentado, visa tornar o processo
global economicamente sustentável. Com a produção de biogás, pretende-se a valorização energética
dos resíduos obtidos nas etapas de preparação do substrato, de cultivo da levedura e de extração dos
produtos.
Deste modo, os objetivos do trabalho são:
1. Desenvolvimento da levedura R. toruloides NCYC 921 em regime semidescontínuo, a uma escala
laboratorial, num reator de bancada de 7 L (5 L de volume útil) e a uma escala semipiloto, num
reator de 50 L (35 L de volume útil).
2. Coextração dos lípidos e carotenoides a partir da biomassa de R. toruloides NCYC 921, obtida
nas fermentações.
3. Codigestão anaeróbia, a uma escala laboratorial (digestores de 71,5 mL), dos resíduos proveni-
entes das etapas de preparação do xarope de polpa da alfarroba (utilizado como fonte de carbono
no cultivo da levedura em trabalhos anteriores), de cultivo da levedura e de extração dos produtos.
23
24
Capítulo 3
Materiais e métodos
Os reagentes e outros compostos utilizados ao longo do trabalho estão listadas no anexo A. Os equi-
pamentos utilizados são descritos ao longo do texto.
3.1 Fermentações
A levedura R. toruloides foi cultivada em regime semidescontínuo, usando glucose como fonte de car-
bono. O meio de cultura usado nos pré-inóculos, inóculos e fermentações foi um meio líquido semi-
definido descrito por Pan et al. [64], previamente esterilizado. A composição do meio de cultura (sem a
fonte de carbono) e a composição da solução de sais minerais (em HCl 5 N) usada na sua preparação,
estão descritas nas tabelas 3.1 e 3.2, respetivamente.
Tabela 3.1: Composição do meio líquido semidefinido usado para o cultivo dos inóculos e nas fermentações [64].
Componente Concentração (g L−1)
KH2PO4 12,50Na2HPO4 1,00(NH4)2SO4 5,00MgSO4 · 7 H2O 2,50CaCl2 · 2 H2O 0,25Extrato de levedura 1,90Solução de sais minerais1 0,251 mL L−1
Quando necessária, a esterilização de material e soluções foi efetuada por autoclavagem (Uniclave
88, A.J. Costa (Irmãos) LDA, Portugal). Para evitar a caramelização, as soluções de glucose foram
autoclavadas separadamente e adicionadas, em condições de assepsia, a soluções esterilizadas dos
restantes componentes, de modo a atingir os volumes e concentrações pretendidos.
25
Tabela 3.2: Composição da solução de sais minerais (em HCl 5 N) usada na preparação do meio de cultura [64].
Componente Concentração (g L−1)
FeSO4 · 7 H2o 40,0CaCl2 · 2 H2O 40,0MgSO4 · 7 H2O 10,0AlCl3 · 6 H2O 10,0CoCl2 4,0ZnSO4 · 7 H2O 2,0Na2MoO4 · 2 H2O 2,0CuCl2 · 2 H2O 1,0H3BO4 0,5
Microrganismo
O microrganismo utilizado nas fermentações foi a levedura Rhodosporidum toruloides NCYC 921, for-
necida pela National Collection of Yeast Cultures (NCYC, Norwich, Reino Unido) mantida em rampas de
agar de extrato de malte, a 4 ◦C. Antes da preparação dos inóculos, a levedura foi repicada para rampas
frescas e incubada durante 72 h, a 30 ◦C (incubadora NIR 252, SANYO Electric Co., Ltd., Japão).
Estratégia de cultivo
Os ensaios de cultivo da R. toruloides foram realizados em modo semidescontínuo, (fed-batch) usando
a estratégia, descrita por Dias et al., de duas fases no controlo do pH do meio de cultura [84]. As
fermentações foram iniciadas a pH 4,0, em modo descontínuo, com uma concentração inicial de glu-
cose de 35 g L−1. Depois de esgotada a fonte de carbono no meio, iniciou-se a alimentação ao reator
(usando uma bomba peristáltica 520Du, Watson Marlow, EUA) com uma solução de glucose e nutrien-
tes (tabela 3.3) que foi mantida até ao final da fase de crescimento. A taxa de alimentação foi ajustada
manualmente, com base na estimativa da concentração de glucose residual, obtida por medição rápida
semiquantitativa com tiras de medição de glucose (Combur3 Test, Roche Diagnostics, Suiça), de modo
a garantir concentrações de glucose residual inferiores a 40 g L−1, de forma a evitar-se a inibição da
cultura pelo substrato [85].
Tabela 3.3: Composição da alimentação na fase de crescimento da cultura [64].
Componente Concentração (g L−1)
Glucose 600,0Extrato de levedura 20,0MgSO4 · 7 H2O 9,0
As condições iniciais de cultivo visam favorecer a produção de biomassa e a acumulação de lípidos,
uma vez que estes produtos estão associados ao crescimento da levedura [84]. Atingida a fase estacio-
nária, conforme determinado por leitura da densidade ótica (DO) a 600 nm (secção 3.1.4) de amostras
do meio, o pH do meio foi ajustado para 5,0 e a alimentação alterada para uma solução concentrada de
26
glucose a 600 g L−1, a uma taxa variável. Estas condições de cultura visam favorecer a produção de ca-
rotenoides pela levedura R. toruloides [84]. De facto, Freitas et al. referem a produção de carotenoides
por esta levedura durante a fase de crescimento e, principalmente, durante a fase estacionária, quando
cultivada em regime descontínuo. A temperatura do meio foi mantida a 30 ◦C durante todo o processo
de cultivo.
3.1.1 Fermentação I
Equipamento
A fermentação I foi realizada num fermentador de bancada, em vidro borossilicatado, com um volume
útil de 5 L (volume total 7 L), acoplado a um módulo de controlo (sistema FerMac 310/360, Elecrolab
Biotech, Reino Unido) para monitorização e controlo da agitação, oxigénio dissolvido (OD), temperatura,
pH e formação de espuma. A agitação do meio foi assegurada por duas turbinas de Rushton. Quatro
chicanas metálicas foram introduzidas no reator para melhorar a mistura e oxigenação do meio. O
OD foi monitorizado com um elétrodo de oxigénio (Mettler Toledo, Suiça) previamente calibrado. A
velocidade de agitação foi ajustada automaticamente, de modo a manter o OD acima dos 40% da
saturação de oxigénio no meio, a fim de se evitar a limitação da cultura por oxigénio. A temperatura foi
medida através de um termopar e ajustada automaticamente pelo controlador através de uma camisa
elétrica de aquecimento e de um permutador de calor submerso (dedo frio, com água). O pH foi medido
por um elétrodo de pH (Mettler Toledo, Suiça) e ajustado automaticamente por adição de soluções
de NaOH ou HCl (ambas 5 M), através das bombas peristálticas acopladas ao módulo. Para evitar a
formação excessiva de espuma, adicionaram-se algumas gotas de propilenoglicol (PPG) puro no início
da fermentação. Durante a fermentação, a formação de espuma foi monitorizada usando uma sonda de
condutividade, sendo adicionada automaticamente, se necessário, uma solução aquosa diluída de PPG
(1:10). O vaso, contendo o meio de fermentação, e acessórios, foram esterilizados por autoclavagem.
Inoculação
Um erlenmeyer (1 L) com anteparas contendo 150 mL de meio de cultura líquido semidefinido (tabela
3.1) com 35 g L−1 de glucose, foi inoculado usando duas rampas de R. toruloides e incubado durante
24 h, a 30 ◦C com agitação a 150 rpm (incubadora Unitrom Infors, Suiça). O fermentador de bancada
foi inoculado por adição desta suspensão celular.
3.1.2 Fermentações II e III
Equipamento
As fermentações em escala semipiloto foram realizadas num reator com 35 L de volume útil (volume to-
tal 50 L), em aço inox, acoplado a um módulo de controlo (C 809, Biolafitte, França) para monitorização
e controlo da velocidade de agitação e temperatura. O pH e o OD no meio foram monitorizados com
um módulo externo (MOD 7F, Setric Genie Industriel, França). O arejamento do meio foi feito usando
27
a linha de ar comprimido do laboratório. A agitação, com 3 turbinas de Rushton, foi controlada manu-
almente. A mistura e oxigenação do meio foram auxiliadas por quatro chicanas no interior do tanque.
A OD foi medida através de um elétrodo de oxigénio (Mettler Toledo, Suiça) e ajustada manualmente
por regulação da velocidade de agitação, do caudal de arejamento e da pressão no interior do reator.
O pH foi medido com um elétrodo de pH (Ingold InFit 764-50, Mettler Toledo, Suiça) e corrigido por
adição automática de NaOH 10 M, através de uma bomba peristáltica (Setric Genie Industriel, França)
ou por adição manual de HCl 5 M. A formação de espuma foi controlada manualmente por adição de
PPG puro. O controlo da temperatura foi feito através de camisas externas integradas no reator, usando
água quente ou fria, como fluidos de aquecimento e arrefecimento, respetivamente. O reator e o meio
de cultura foram esterilizados por injeção direta de vapor proveniente da linha de vapor do laboratório.
Inoculação
Dois pré-inóculos de 150 mL foram preparados em erlenmeyers de anteparas de 1 L, como descrito
acima. Após autoclavagem, dois erlenmeyers com anteparas (de 5 L), contendo cada um 1350 mL de
meio de cultura com glucose, foram inoculados por adição de 150 mL das culturas de pré-inóculo em
cada. Os inóculos foram incubados durante 24 h a 30 ◦C, com agitação a 150 rpm (Unitrom Infors,
Suiça). A inoculação do reator de 35 L foi feita por adição destes dois inóculos (3 L de volume total de
inóculo adicionado).
3.1.3 Monitorização e amostragem
Em todas as fermentações foram recolhidas amostras (40 a 100 mL cada), tipicamente três vezes ao
dia, em condições de assepsia. Alíquotas de cada amostra foram usadas para análises imediatas,
tendo uma parte sido centrifugada (centrífuga Sigma 2-16K, Sartorius, Alemanha) durante 10 minutos,
a 9000 rpm e a 5 ◦C, para sedimentação da biomassa. O sobrenadante e a biomassa foram separados
e depois congelados a -18 ◦C para análises posteriores do conteúdo em açúcares e ácidos gordos,
respetivamente. O pH das amostras foi medido (Consort C3021, Consort bvba, Bélgica) imediatamente
após a colheita, para confirmar a leitura no módulo e ajustar, se necessário, o set point, de modo a
garantir o pH correto no meio. A concentração de biomassa foi determinada por leitura da DO das
amostras a 600 nm (DO600, usando água destilada como ensaio em branco) num espetrofotómetro
(ThermoSpectronic Genesys 20, Thermo Scientific, EUA), usando uma correlação entre estes dois
parâmetros, previamente estabelecida por Parreira [86] (secção 3.1.4). Periodicamente as amostras
foram analisadas por microscopia ótica (Olympus BX60 com câmara digital Olympus DP10, Olympus
Corporation, Japão) para despiste de contaminações. A maior parte das amostras foi também analisada
por CF, para determinação do conteúdo total em carotenoides. No momento de cada amostragem foi
feito o registo dos valores de temperatura, pH, OD e velocidade de agitação, e se necessário, o ajuste
dos parâmetros operacionais.
28
3.1.4 Métodos analíticos
Concentração de biomassa
A concentração de biomassa (X, em g de peso seco celular L−1) foi determinada ao longo das fermen-
tações com base na correlação (equação 3.1) estabelecida por Parreira [86] acima referida e que se
encontra em anexo, relacionando a concentração em peso seco da biomassa da levedura R. toruloides
com a DO600.
X = 0, 7062 · DO600 + 0, 4338 (3.1)
Concentração de glucose residual
A concentração de glucose residual nas amostras foi determinada por aplicação do método do ácido
3,5-dinitrosalicílico (DNS) [87], utilizando o sobrenadante de cada amostra, em duplicado. O reagente
DNS foi preparado, dissolvendo 5 g de DNS, 8 g de NaOH e 150 g de tartarato de sódio e potássio
(KNaC4H4O6 · 4 H2O) em 500 mL de água destilada, sob aquecimento brando. O reagente foi depois
filtrado e mantido protegido da luz.
Para determinar a concentração em glucose nas amostras, adicionou-se 0,5 mL de reagente DNS
a 0,5 mL de sobrenadante (ou de uma diluição adequada do mesmo), em tubos de ensaio. Os tubos
foram rolhados, a mistura homogeneizada num agitador (MS2 Minishaker, IKA, Alemanha) e os tubos
colocados num banho de água fervente, durante 5 minutos, sendo depois retirados imediatamente para
um banho de gelo, durante 5 minutos. Após adição de 5 mL de água destilada e homogeneização
da mistura, a absorvância da mistura medida a 550 nm foi determinada num espectrofotómetro (Ther-
moSpectronic Genesys, Thermo Scientific, EUA), usando água destilada como ensaio em branco. A
concentração de glucose foi determinada com base numa reta de calibração estabelecida por aplicação
do método do DNS a soluções padrão de glucose anidra.
Identificação e quantificação dos ácidos gordos
O conteúdo celular em AG e a sua composição foram determinados por cromatografia gasosa (GC),
após derivatização dos AG nos respetivos ésteres metílicos. A conversão em FAME teve por objetivo
aumentar a volatilidade dos AG, permitindo a sua volatilização à temperatura de trabalho do injetor do
aparelho de GC. A extração e transmetilação dos AG foi feita segundo o protocolo descrito por Lepage
e Roy [88], com modificações. 0,1 g de biomassa liofilizada (liofilizador Heto PowerDry LL3000, Thermo
Scientific, EUA, acoplado a uma bomba de vácuo Vacuubrand, Alemanha) foram transmetiladas usando
2 mL de metanol/cloreto de acilo (95:5, v/v), adicionando-se 0,2 mL de ácido heptadecanóico (17:0, 5
mg mL−1 em éter de petróleo) como padrão interno para a GC. A mistura foi selada sob uma atmosfera
de azoto (N2) em tubos de ensaio estanques e protegidos da luz, e aquecida a 80 ◦C durante 1 hora.
A mistura foi depois deixada arrefecer, no escuro, até à temperatura ambiente, diluída com 1 mL de
água e os FAME extraídos com 2 mL de n-heptano. A fase orgânica, contendo os FAME, foi filtrada
29
através de um filtro de algodão e de um leito de sulfato de sódio anidro (para exsicação), recolhida
em vials de vidro, e mantida sob atmosfera de N2 até análise por GC. As amostras foram analisadas
num cromatógrafo (SCION GC 436, Bruker, Alemanha) equipado com um detetor por ionização por
chama (flame-ionization detector, FID), com uma coluna capilar (0,32 mm x 30 m) de sílica fundida
(Supelcowax 10, Supelco, EUA) com 0,25 µm de espessura de filme. Utilizou-se hélio como gás de
arraste, com um caudal de 1,6 mL min−1. A temperatura do injetor e detetor foram 250 e 280 ◦C,
respetivamente. A coluna foi programada a uma temperatura inicial de 200 ◦C, aumentada a uma taxa
de 2 ◦C min−1 até aos 220 ◦C. A pressão na coluna foi de 13,5 psi. A identificação dos picos e o cálculo
do fator de resposta foi feito com base no padrão interno referido. Cada amostra foi preparada em
duplicado e injetada duas vezes. A quantificação de cada FAME i presente na amostra foi feita com
base na equação 3.2, onde mi é a massa (g) de um dado FAME i, Ai é área do pico respetivo, A17:0 é
a área correspondente ao pico do FAME do padrão interno (17:0) e FRi é o fator de resposta, que se
considerou igual a 1 para todos os FAME.
mi =Ai
A17:0· FRi (3.2)
O conteúdo celular ou teor em AG (xAG), dado em percentagem mássica do peso seco celular, foi
determinado através da equação 3.3, onde mAG (g) é o somatório das massas de AG determinadas por
GC, e mX (g) é a massa de biomassa liofilizada utilizada na determinação (aprox. 0,1 g).
xAG =mAG
mX· 100% (3.3)
Teor em carotenoides totais
O conteúdo celular total em carotenoides foi determinado por CF, usando um citómetro de fluxo (FACS-
calibur, BD Biosciences, EUA) equipado com um laser de árgon azul (488 nm) e um laser de díodo
vermelho (635 nm). Os detetores de FS e SS detetam radiação na mesma gama que o laser de árgon
(488 ± 10 nm). O equipamento possuí quatro detetores de fluorescência: FL1 (verde, 530 ± 30 nm),
FL2 (amarelo, 585 ± 42 nm), FL3 (vermelho, > 670 nm) e FL4 (laranja, 661 ± 16 nm) [57]. O pro-
cessamento dos dados foi feito através do programa FCS Express 4 Flow Research Edition (De Novo
Software, EUA). Os tampões usados foram previamente filtrados usando uma membrana de diâmetro
de poro 0,22 µm (TPP Syringe.Filter 0,22 µm, Techno Plastic Products AG, Suíça). O conteúdo celular
em carotenoides totais das amostras foi determinado através de uma correlação previamente estabele-
cida entre este parâmetro e a autofluorescência (AF) das células de levedura medida no canal FL2 do
citómetro (AFFL2), de acordo com o protocolo descrito em Freitas et al. [80]. As amostras foram sonica-
das (Transsonic T 660/H, Elma, Alemanha) durante 10 segundos, para desfazer eventuais agregados
celulares. A autofluorescência das amostras foi lida depois da sua diluição numa solução de tampão
fosfato (tampão PBS: NaCl 8,0 g L−1, KCl 0,2 g L−1, NaH2PO4 1,15 g L−1 e KH2PO4 0,2 g L−1, pH 7,3
± 0,2, Oxoid, Inglaterra), de modo a obterem-se 800 a 1000 eventos por segundo. Todas as amostras
foram lidas em duplicado. O conteúdo total em carotenoides (xcarot, dado em mg de equivalentes de
30
β-caroteno por g de peso seco de levedura) foi determinado usando a correlação (R2 = 0,9214) [48, 89]
expressa pela equação 3.4.
xcarot = 0, 1036 · AFFL2 − 0, 2877 (3.4)
3.1.5 Parâmetros da cultura
Produtividade em biomassa
A produtividade em biomassa (PX ), em g L−1 h−1, foi calculada através da equação 3.5, onde t é o
tempo (h) decorrido desde o início da fermentação até ao momento da amostragem e Xt (g L−1) é a
concentração de biomassa no reator no momento da amostragem e X0 (g L−1) é a concentração de
biomassa no reator no momento da inoculação (t = 0 h).
PX =Xt −X0
t(3.5)
Produtividade em ácidos gordos
A produtividade em AG (PAG), em g L−1 h−1, foi calculada através da equação 3.6, multiplicando o teor
em AG (xAG, % m/m) pela produtividade em biomassa (PX , g L−1 h−1).
PAG = xAG · PX (3.6)
Produtividade em carotenoides
A produtividade em carotenoides (Pcarot), em mg L−1 h−1, foi calculada através da equação 3.7, multipli-
cando o teor total em carotenoides (xcarot, mg g−1) pela produtividade em biomassa (PX , g L−1 h−1)
Pcarot = xcarot · PX (3.7)
3.2 Processamento da biomassa
No final das fermentações, os biorreatores foram esvaziados e o meio (ou parte deste) centrifugado
(Sigma 2-16K, Sartorius, Alemanha) a 9000 rpm, 5 ◦C, durante 10 min, para sedimentação da bio-
massa. A biomassa e o sobrenadante foram separados e armazenados a -18 ◦C até serem analisados.
Os AG e os carotenoides contidos na biomassa de R. toruloides foram posteriormente coextraídos com
base num processo descrito por Gonzalez et al. [90] envolvendo a saponificação direta da biomassa,
extração da fração insaponificável (β-caroteno e toruleno) com hexano, acidificação da fração dos sa-
bões e extração dos AG com hexano.
Para isso, tratou-se 17 g de biomassa húmida (equivalente a 5 g de biomassa seca) com 380 mL de
etanol 96% (v/v), contendo 8 g de KOH (85% de pureza), num frasco de 1 L. A saponificação ocorreu
31
à temperatura ambiente, numa atmosfera de N2, overnight (cerca de 18 h), com agitação constante e
protegida da luz. A mistura foi depois transferida para uma ampola de decantação, também protegida
da luz, à qual se adicionou 100 mL de água destilada (para facilitar a separação de fases). A fração
dos insaponificáveis (β-caroteno e toruleno) foi então separada por extração com hexano. Adicionou-se
cerca de 200 mL de hexano, agitando a mistura e deixando repousar até se formarem duas fases, que
foram depois decantadas. Este passo foi repetido até se obter uma fase orgânica (hexano) incolor (2 a
3 repetições). As fases orgânicas foram combinadas e alíquotas analisadas por cromatografia líquida
de alta eficiência (high performance liquid chromatography, HPLC) para determinação do conteúdo e
composição em carotenoides.
Para recuperar a fração saponificada, a fase aquosa/alcoólica foi levada a pH 1,0 por adição de HCl
1:1 (v/v). Os AG e a torularrodina foram então extraídos com hexano numa ampola de decantação,
ao abrigo da luz. Adicionou-se 200 mL de hexano, agitando a mistura e deixando repousar até se
formarem duas fases, que foram depois separadas. Este passo foi repetido até se obter uma fase
orgânica (hexano) incolor (2 a 3 repetições). As fases orgânicas foram combinadas, o seu conteúdo e
composição em carotenoides determinado por HPLC e o perfil lipídico dos AG extraídos determinado
por GC, após conversão nos respetivos ésteres metílicos.
O rendimento de extração de lípidos (ηAG) foi calculado através da equação 3.8, em que mAG (g) é
a massa de AG totais extraídos, xAG (% mássica) é o teor em AG da biomassa usada (secção 3.1.4) e
mX (g peso seco) é a quantidade de biomassa processada.
ηAG =mAG
xAG ·mX· 100% (3.8)
Os carotenoides contidos nas frações insaponificáveis e saponificáveis resultantes do processa-
mento da biomassa foram quantificados e identificados por HPLC, usando um cromatógrafo (HP 1100
series, Hewlett-Packard, Alemanha) equipado com detetor por ultravioleta (UV) ajustado a 450 nm, com
uma coluna de fase reversa (µBondapak C18, 4,6 x 250 mm, Waters Corporation, EUA) e um loop de
injeção de 20 µL. Como eluente usou-se uma mistura de acetonitrilo, metanol (com 0,1% trietilamina)
e acetato de etilo (75:15:10) com um caudal de 0,8 mL min−1. Depois da eluição de cada amostra (12
min), a coluna foi lavada com metanol (100%) durante 2 minutos e com a mistura eluente durante 5
minutos, antes da análise seguinte. Soluções de β-caroteno (97%, Sigma-Aldrich, Reino Unido) com
concentrações entre 0,05 e 15,00 mg mL−1 foram preparadas no mesmo solvente que as amostra e
usadas como padrões externos.
O rendimento de extração de carotenoides (ηcarot) foi calculado pela equação 3.9, em que mcarot
(mg) é a massa de carotenoides totais extraída, xcarot (mg g−1 peso seco) é o teor em carotenoides
da biomassa processada (determinado por CF, secção 3.1.4 e mX (g peso seco) é a quantidade de
biomassa processada.
ηcarot =mcarot
xcarot ·mX· 100% (3.9)
32
3.3 Digestão anaeróbia
Vários resíduos dos processos de cultivo da R. toruloides e de coextração dos lípidos e carotenoides
foram sujeitos a um processo de digestão anaeróbia. Os substratos foram codigeridos em misturas,
em que a proporção relativa de cada constituinte foi calculada com base em estimativas da quantidade
produzida de cada resíduo do processo de cultivo e processamento da biomassa de R. toruloides
(tabela 3.4), por grama de biomassa seca produzida/processada.
Por centrifugação do meio de cultura no final das fermentações obtiveram-se quantidades signifi-
cativas de sobrenadante. Usaram-se, como substrato no processo de digestão anaeróbia, sobrena-
dantes provenientes de fermentações realizadas no reator de bancada (5 L) descrito acima. Além de
um sobrenadante proveniente de uma fermentação em que se usou glucose como fonte de carbono
(sobrenadante de glucose, SG), usou-se também um sobrenadante resultante de uma fermentação
realizada no contexto de um trabalho anterior, em que xarope de polpa de alfarroba (XPA) foi usado
como fonte de carbono para o cultivo de R. toruloides (sobrenadante alfarroba, SA) [91]. Os volumes
relativos produzidos de cada sobrenadante (SG e SA) foram estimados a partir da razão entre o volume
total (estimado) de sobrenadante e a quantidade total de biomassa seca, obtidos no final das respetivas
fermentações. Assim, estimou-se a geração de 22,3 mL de SG e 48,3 mL de SA por cada grama de
levedura seca produzida.
O resíduo de alfarroba (RA), um resíduo sólido resultante do processo de extração dos açúcares da
polpa de alfarroba, com água, formando XPA [48, 91], foi também usado como substrato. A quantidade
relativa de RA foi estimada considerando um processo de produção de XPA em que se usou 2 L de
água por kg de polpa de alfarroba, para produzir cerca de 1,8 L de XPA e 1 kg de RA. Fazendo uma
estimativa do volume total de xarope alimentado ao reator durante uma fermentação e tendo em conta
a quantidade de biomassa obtida no final da fermentação, estimou-se que a produção de 1 grama de
biomassa seca gerou cerca de 13,0 g de RA.
Do processamento da biomassa de R. toruloides para a coextração de lípidos e carotenoides (sec-
ção 3.2), resulta uma suspensão aquosa/alcoólica de biomassa residual com um pH bastante ácido
(≈1). Este resíduo foi filtrado para concentrar a biomassa residual, sendo depois sujeito a uma lavagem
e secagem, de modo a remover vestígios de ácido ou de solventes que pudessem inibir a digestão
anaeróbia, obtendo-se um resíduo de levedura (RL) seco. Considerando um teor celular médio de 25%
em lípidos, estimou-se que o processamento de 1 g (peso seco) de biomassa resultaria, assim, em 0,75
g de RL.
Os substratos foram armazenados a 4 ◦C numa câmara fria, até serem utilizados.
Tabela 3.4: Quantidade de resíduos gerados por g seca de R. toruloides produzida ou processada.
Resíduo Quantidade gerada Unidades
Resíduo de levedura (RL) 0,75 gSobrenadante de glucose (SG) 22,30 mLSobrenadante de alfarroba (SA) 48,30 mLResíduo de alfarroba (RA) 13,00 g
33
Três misturas de substratos foram submetidas a digestão anaeróbia, mantendo a proporção relativa
de cada resíduo do processo (tabela 3.5). Uma mistura de RL com SG (mistura I), resíduos de um
processo com glucose e misturas de RL com SA (mistura II) e de RL com SA e RA (mistura III), resíduos
de um processo com XPA.
As misturas de substratos foram preparadas com antecedência e analisadas quanto ao teor em
sólidos totais (ST) e voláteis (SV) e carência química de oxigénio (CQO). Determinou-se também o
conteúdo em sulfatos dos sobrenadantes.
3.3.1 Inóculo
O inóculo utilizado nos processos de digestão anaeróbia foi recolhido no digestor anaeróbio da SIMLIS
(Saneamento Integrado dos Munícipios do Lis SA) em Leiria, que opera com lamas aeróbias municipais
e efluentes de suinicultura. Foi mantido em câmara fria, a cerca de 4 ◦C, antes de ser utilizado. O
inóculo foi caracterizado em termos de pH, ST, SV, sólidos suspensos totais (SST) e voláteis (SSV).
3.3.2 Ensaio experimental
O processo de digestão anaeróbia foi realizado a uma escala laboratorial, em modo descontínuo, em
frascos com um volume total de 71,5 mL, contendo 40 mL de fase líquida, restando 31,5 mL de espaço
livre (headspace). A fase líquida consistiu em 60% (v/v) de inóculo e 40% (v/v) de uma suspensão do
substrato em tampão bicarbonato de sódio (3 g L−1 de NaHCO3). A concentração inicial de substrato
nos digestores (tabela 3.5) foi escolhida de modo a que a razão inicial entre os SV do substrato e do
inóculo (SVsubstrato/SVinóculo) no digestores fosse igual a 0,75, um valor típico.
Tabela 3.5: Composição da fase líquida nos digestores.
ComponenteComposição
Mistura I Mistura II Mistura III
Resíduo de levedura (RL, g) 0,06 0,04 0,02Resíduo de alfarroba (RA, g) - - 0,28Sobrenadante de glucose (SG, mL) 1,8 - -Sobrenadante de alfarroba (SA, mL) - 2,7 1,0Tampão bicarbonato, mL 14,2 13,3 15,0Inóculo (mL) 24,0 24,0 24,0Volume total (mL) 40,0 40,0 40,0
Os ensaios (misturas I, II e III, e controlo) foram realizados em triplicado. Para cada substrato,
preparou-se 240 mL de mistura mãe, contendo a mistura de substratos, tampão bicarbonato e inó-
culo. Para isso, preparou-se 96 mL de uma suspensão da respetiva mistura de substratos em tampão
bicarbonato ajustada a pH 7,0 com algumas gotas de NaOH (6 N) ou HCl (6 M). A esta suspensão
adicionou-se 144 mL de inóculo. No ensaio de controlo usou-se uma fase líquida constituída por 60%
(v/v) de inóculo e 40% de tampão bicarbonato. Para cada digestor (triplicados), previamente lavado
com uma corrente de N2, pipetou-se 40 mL da respetiva mistura mãe, mantendo uma corrente de N2
34
no digestor, de forma a criar uma atmosfera isenta de O2. Os frascos foram depois fechados e encap-
sulados (tampas de borracha butílica e cápsulas de alumínio), e colocados num banho termostático
(Termotronic, JP Selecta, Espanha) mantido a 37±1 ◦C (gama mesófila), com recirculação de água. A
restante fração de cada uma das misturas mãe (cerca de 120 mL) foi armazenada a 4 ◦C e posterior-
mente analisada para determinação do pH, CQO e do conteúdo em ST, SV, azoto Kjeldahl total (N-total)
e amoniacal (N-NH3) e ácidos gordos voláteis (AGV).
A produção de biogás foi monitorizada diariamente através da medição da pressão no interior dos
digestores, usando um transdutor de pressão (Centrepoint Electronics), previamente calibrado. O valor
calculado para o volume de biogás produzido foi convertido para condições de pressão e temperatura
normais (PTN: 1 atm, 0 ◦C).
3.3.3 Análise da fase líquida
A determinação dos teores em ST, SV, SST, SSV, CQO, N-Total e N-NH3, foi realizada de acordo com
os métodos analíticos indicados na referência Standard methods for the examination of water and was-
terwater (SMEWW) [92]. Todas as determinações foram feitas em triplicado e os resultados expressos
como uma média ± desvio padrão.
Sólidos totais e voláteis
Na determinação do teor em ST e SV (métodos 2540 B e 2540 E do SMEWW, respetivamente), usaram-
se cadinhos em porcelana ou metal, previamente calcinados durante 30 min numa mufla (MR 170 E,
Heraeus, Alemanha) a 550 ◦C, arrefecidos num exsicador e tarados (T ) (AB204-S, Mettler Toledo,
Suiça). Volumes rigorosos de amostra (tipicamente 5 mL) foram levados, em cadinhos tarados, a uma
estufa (T5028, Heraeus, Alemanha) para secagem a 105 ◦C durante cerca de 24 h (ou até peso cons-
tante). Após a secagem, os cadinhos foram arrefecidos num exsicador e pesados (m1). O teor em ST
(g L−1), foi calculado usando a equação 3.10, onde V é o volume (mL) inicial de amostra, T é a tara
(g) do cadinho usado e m1 corresponde ao peso (g) do cadinho contendo a amostra após a secagem
(1000 é o fator de conversão de mL−1 para L−1).
ST =m1 − T
V· 1000 (3.10)
Os cadinhos contendo as amostras foram depois a incinerar na mufla a 550 ◦C durante 45-60 minu-
tos, arrefecidos num exsicador e pesados (m2). Calculou-se o teor em SV (g L−1) com a equação 3.11,
onde m2 é o peso (g) do cadinho com a amostra após incineração (1000 é o fator de conversão de mL−1
para L−1).
SV =m1 −m2
V· 1000 (3.11)
35
Sólidos suspensos totais e voláteis
Para determinação do teor em SST e SSV (métodos 2540 D e 2540 E do SMEWW, respetivamente)
usaram-se filtros GF/C 1,2 µm (Whatman). Os filtros foram lavados com água destilada e levados a
secar em cadinhos de porcelana a uma estufa a 105 ◦C, durante 1 h. Depois de arrefecidos num
exsicador durante 30 min, os conjuntos cadinho/filtro foram tarados (T1). Foram depois calcinados numa
mufla a 550 ◦C durante 1 h, arrefecidos num exsicador e tarados novamente (T2). Volumes rigorosos
de amostra (V) foram filtrados em filtros tarados que foram depois levados a secar no respetivo cadinho,
durante 24 h (ou até peso constante) numa estufa a 105 ◦C. Após a secagem, os cadinho foram
arrefecidos num exsicador e pesados (m′1). Calculou-se o teor em SST (g L−1) usando a equação 3.12,
onde V é o volume (mL) inicial de amostra, m′1 é o peso (g) do cadinho contendo o filtro com a amostra
após secagem na estufa e T1 é a respetiva tara (g) após secagem na estufa (1000 é o fator de conversão
de mL−1 para L−1).
SST =m′1 − T1
V· 1000 (3.12)
Os cadinhos com a amostras foram depois a incinerar numa mufla a 550 ◦C durante 30 min, arrefe-
cidos num exsicador e pesados (m′2). Determinou-se o teor em SSV (g L−1) com a equação 3.13, onde
m′2 é o peso (g) do cadinho contendo a amostra após incineração na mufla, T2 é a tara (g) do cadinho
contendo o filtro vazio após incineração (1000 é o fator de conversão de mL−1 para L−1).
SSV =(m′1 − T1)− (m′2 − T2)
V· 1000 (3.13)
Carência química de oxigénio
A CQO define-se como a quantidade de um dado oxidante que reage com a amostra em condições con-
troladas. Foi determinada pelo método do refluxo aberto (método 5220 B do SMEWW). Neste método
as amostras são digeridas sob refluxo, num meio fortemente ácido, com uma quantidade conhecida de
dicromato de potássio (K2Cr2O7), ocorrendo redução do ião dicromato (Cr2O72–) a ião crómico (Cr3+),
por oxidação da amostra. Depois da digestão, o K2Cr2O7 não reduzido é titulado com sulfato de ferro (II)
e amónio (FeSO4(NH4)2SO4), permitindo determinar a quantidade de K2Cr2O7 consumida pela amostra,
calculando-se a quantidade de amostra oxidável em termos de equivalentes de O2 [92]. O método é
válido para uma gama de CQO entre 50 e 800 mg O2 L−1.
Para determinação da CQO, tomas de amostra (ou de uma diluição adequada) foram diluídas em
tubos de 500 mL até um volume total de 20 mL. O fator de diluição dependeu da amostra, sendo
escolhido de modo a obter-se um valor de CQO dentro da gama de validade do método. O ensaio em
branco foi realizado com água destilada. Adicionou-se cerca de 0,5 g de HgSO4, 5 mL de solução de
AgSO4 em H2SO4 (6,6 g L−1), 10 mL (medidos rigorosamente com uma pipeta volumétrica) de solução
padrão de K2Cr2O7 0,25 N (12,2588 g L−1 de K2Cr2O7 seco a 110 ◦C durante 2 h) e 25 mL adicionais
de solução de AgSO4 em H2SO4. Depois de se adicionarem algumas pérolas de vidro (reguladores de
ebulição) e de se adaptarem condensadores ao tubos, as amostras foram digeridas durante 2 h a 150 ◦C
36
(digestor Bloc Digest 20, JP Selecta S.A., Espanha). Terminada a digestão, as amostras foram diluídas
até cerca de 150 mL e deixadas arrefecer. O excesso de K2Cr2O7 foi titulado com uma solução de
FeSO4(NH4)2SO4 0,25 N (solução aquosa de 98 g L−1 de FeSO4(NH4)2SO4 · 6 H2O e 20 mL L−1 H2SO4),
na presença de 2-3 gotas de solução de ferroína (1,485 g de 1,10-fenantrolina monoidrato e 695 mg de
FeSO4 · 7 H2O, dissolvidos em 100 mL de água destilada). No ponto de equivalência da titulação ocorre
a viragem de uma coloração verde para vermelho acastanhado.
A solução de FeSO4(NH4)2SO4 é bastante higroscópica, pelo que o seu título (N, eq L−1) foi afe-
rido em cada ensaio. Para isso, dilui-se 10 mL (medidos rigorosamente numa pipeta volumétrica) de
K2Cr2O7 0,25 N até cerca de 400 mL. Adicionou-se 25 mL de solução de AgSO4 em H2SO4 e, depois
de arrefecer até à temperatura ambiente, titulou-se com a solução de FeSO4(NH4)2SO4, na presença
de 2-3 gotas de solução de ferroína. O título da solução (N) foi calculado usando a equação 3.14.
Título =VK2Cr2O7
VFeSO4(NH4)2SO4
· 0, 25 (3.14)
A CQO das amostras (em g O2 L−1 ou ppm O2) foi calculada através da equação 3.15, onde V0 é o
volume (mL) de titulante usado no ensaio em branco, V1 é o volume (mL) de titulante usado na amostra,
Tít é o título (eq L−1) da solução de FeSO4(NH4)2SO4, 8 (g eq-1) é o peso equivalente do oxigénio e V é
o volume (mL) da toma de amostra.
CQO =(V0 − V1) · Tít
V· 8 (3.15)
Azoto total
Em geral, o N-total ou azoto de Kjeldhal corresponde à determinação de todo o azoto na forma trivalente
(orgânico e amoniacal), não determinando o azoto orgânico noutras formas [92]. Para determinação
do N-total usou-se um método de Kjeldhal modificado, baseado no método 4500-Norg B do SMEWW
[92] e no ASTM E 258-67 [93]. As amostras foram digeridas numa mistura de H2SO4 concentrado,
sulfato de potássio K2SO4 e óxido de mercúrio (HgO, catalisador), oxidando o azoto amino e a amónia
a ião amónio. O amónio formado foi depois convertido a amónia, usando uma solução de hidróxido
de sódio e tiossulfato de sódio, as amostras destilada por corrente de vapor e o destilado recolhido
numa solução de ácido bórico. A amónia no destilado foi depois quantificada por titulação. Todos os
reagentes e diluições foram preparados com água isenta de amónia (milli-Q). O ensaio em branco foi
realizado substituindo a amostra por água isenta de amónia (milli-Q).
Digestão (método 4500-Norg B)
Em tubos de Kjeldhal (de 800 mL) introduziram-se 5 mL de amostra e 50 mL de reagente de diges-
tão (solução aquosa com 134 g de K2SO4, 200 mL de H2SO4 e 2 g de HgO dissolvidos em 25 mL de
H2SO4 6N, diluídos a 1 L; armazenada a 30 ◦C para evitar cristalização). O ensaio em branco foi rea-
lizado aplicando o método a 5 mL de água. Introduziram-se algumas pérolas de vidro (reguladores de
ebulição) e adaptaram-se os tubos a um digestor (Digestion Unit K-424, Buchi, Labortechnik AG, Suiça)
com um extrator de fumos e uma trompa de vácuo, onde as amostras foram aquecidas gradualmente
37
até à ebulição. Depois de se tornarem translúcidas, as amostras foram mantidas em ebulição durante
mais 2 horas, para um tempo total de digestão de cerca de 4 horas. Terminada a digestão, o digestor
foi desligado, mantendo-se a trompa de vácuo ligada durante 30 minutos. Depois de as amostras terem
arrefecido adicionou-se cerca de 100 mL de água.
Destilação (método 4500-NH3 B)
O tubo de Kjeldhal foi então adaptado a um aparelho de destilação (Distillation Unit K-350, Buchi
Labortechnik AG, Suiça), através do qual se adicionou reagente de hidróxido de sódio/tiossulfato de
sódio (solução aquosa com 500 g L-1 de NaOH e 25 g L-1 de Na2S2O3 · 5 H2O). O tiossulfato decompõe
o complexo de mercúrio e amónio gerado durante a digestão, formando amónia. A amostra foi então
destilada, neste meio alcalino, por corrente de vapor (durante 6 minutos). O destilado foi recolhido num
erlenmeyer contendo 50 mL de solução indicadora de ácido bórico (solução aquosa contendo 20 g
L−1 de H3BO3 e 10 mL L−1 de uma solução indicadora mista (mistura de uma solução de 200 mg de
vermelho de metilo em 100 mL de etanol com uma solução de 100 mg de azul de metileno em 50 mL
de etanol).
Titulação (método 4500-NH3 C)
A quantidade de NH3 presente no destilado foi determinada por titulação com uma solução padrão
de H2SO4 0,02 N. No ponto de viragem a solução passa de verde a roxo. O teor em N-total (mg L−1) foi
determinado usando a equação 3.16, em que A e B são, respetivamente, os volumes (mL) de titulante
usados na titulação da amostra e do ensaio em branco, N é a normalidade do titulante (0,02 N), 14 (g
eq-1) é o peso equivalente do azoto e V é o volume (mL) da toma de amostra utilizado (1000 é o fator
de conversão de mL−1 para L−1.
N-total =(A−B) ·N · 14
V· 1000 (3.16)
Azoto amoniacal
Para determinação do conteúdo em N-NH3, as amostras foram tamponizadas a pH 9,5 com tampão
borato para diminuir a hidrólise de cianatos e compostos orgânicos de azoto. Foram depois destiladas,
recolhendo-se o destilado numa solução de ácido bórico e a amónia contida no destilado determinada
por titulação. O método é adequado para concentrações de azoto amoniacal superiores a 5 mg L−1
[92]. Todos os reagentes e diluições foram preparados com água isenta de amónia (milli-Q). O ensaio
em branco foi realizado substituindo a amostra por água isenta de amónia (milli-Q).
Destilação (método 4500-NH3 B)
Em cada ensaio, adicionaram-se, num tubo de Kjeldhal de 800 mL, 10 mL de amostra, 140 mL de
água e 25 mL de solução tampão borato (88 mL de NaOH 0,1 N com 500 mL Na2B4O7 · 10 H2O 0,025
M, diluído a 1 L). Depois de se ajustar o pH a 9,5 com NaOH 6 N, a amostra foi destilada (Distillation
Unit K-350, Buchi Labortechnik Ag, Suiça) por corrente de vapor, durante 6 minutos, recolhendo-se o
destilado num erlenmeyer contendo 50 mL de solução indicadora de ácido bórico.
Titulação (método 4500-NH3 C)
A quantidade de NH3 presente no destilado foi determinada por titulação com uma solução padrão
38
de H2SO4 0,02 N. No ponto de viragem a solução passa de verde a roxo. O teor em N-NH3 (mg L−1) foi
determinado usando a equação 3.17, em que A e B são, respetivamente, os volumes (mL) de titulante
usados na titulação da amostra e do ensaio em branco, N é a normalidade do titulante (0,02 N), 14 (g
eq-1) é o peso equivalente do azoto e V é o volume (mL) da toma de amostra utilizado (1000 é o fator
de conversão de mL−1 para L−1.
N-NH3 =(A−B) ·N · 14
V· 1000 (3.17)
Sulfatos totais
O conteúdo em sulfatos foi determinado por um método turbidimétrico. O ião sulfato (SO42–) foi preci-
pitado com cloreto de bário (BaCl2), formando cristais de sulfato de bário (BaSO4) e a DO a 400 nm
(DO400) da suspensão de BaSO4 foi determinada. A concentração de (SO42– foi calculada através de
uma reta de calibração estabelecida com soluções padrão de sulfato de sódio (Na2SO4). A 10 mL de
uma diluição 1:200 de amostra adicionaram-se 2 mL de glicerol (solução aquosa 1:1), 1 mL de solução
de NaCl (solução aquosa com 240 g L−1 de NaCl e 20 mL L−1 de HCl) e aproximadamente 60 mg de
BaCl2 · 2 H2O. A mistura foi colocada sobre forte agitação magnética durante 1 min, deixada repousar
durante 4 min e posta novamente sob agitação magnética durante 15 s, e a DO400 lida imediatamente
(espetrofotómetro U-2000, Hitachi, Japão). O ensaio em branco foi realizado com água, sem adição de
BaCl2.
A reta de calibração foi estabelecida lendo a DO400 de padrões preparados por diluição de uma
solução aquosa com 0,4 g L−1 de Na2SO4 (270 ppm de sulfato).
Ácidos gordos voláteis
Os AGV (ácidos acético, propiónico, butírico, isobutírico, valérico e isovalérico) foram analisados por GC.
As amostras foram centrifugadas (15000 rpm, 2 min) e filtradas (filtro de nitrato de celulose 0,22 µm) e
injetadas num cromatógrafo (HP 5890 GC, Hewlett Packard, EUA) equipado com um FID e uma coluna
(2 m x 2 mm) de enchimento (enchimento Carbopack B-DA/4% Carbowax 20 M 80/120, Sigma-Aldrich,
EUA). Hélio foi usado como gás de arraste (30 mL min-1). As temperaturas do injetor, coluna e detetor
foram 175, 170 e 250 ◦C, respetivamente. O ácido piválico foi usado com padrão interno e a calibração
feita com uma mistura padrão de AGV (Supelco WSFA-2, Sigma-Aldrich, EUA). As determinações foram
feitas em duplicado e a concentração total de AGV expressa em equivalentes de ácido acético.
3.3.4 Análise da fase gasosa
A composição do gás contido em cada frasco foi determinada semanalmente por GC. Para isso, amos-
tras de 0,5 mL foram extraídas do headspace de cada digestor, usando uma seringa estanque a gases,
e injetadas (após descompressão até à pressão atmosférica) num cromatógrafo (Varian CP 38000,
Varian Inc., EUA) equipado com um detetor por condutividade térmica (thermal conductivity detector,
TCD) e uma coluna de sílica fundida (conjunto Agilent Select Permanent Gases/CO2 HR, com colunas
39
CP-Molsieve 5Å e CP-Porabond Q em paralelo). As temperaturas do injetor, coluna, detetor e filamento
foram 80 ◦C, 50 ◦C, 120 ◦C e 170 ◦C, respetivamente. Utilizou-se uma pressão de coluna isobárica (14
psi) e um split ratio de 5, usando hélio como gás de arraste (63,5 mL min−1). As percentagens de CH4,
CO2, H2S, H2, O2 e N2 foram calculadas com base em retas de calibração estabelecidas usando gases
padrão externos (R2 > 0,99)
Os valores da produção volumétrica de metano foram convertidos para condições PTN. Para cada
substrato, calculou-se o valor médio, ao qual foi subtraído a produção volumétrica média do controlo.
A eficiência dos processos de digestão anaeróbia foi avaliada através do cálculo do rendimento de
produção volumétrica de CH4 (mL CH4 g−1 SV), dado pela equação 3.18, onde VCH4 ensaio (mL) é o
volume de CH4 produzido num dado ensaio, VCH4 controlo (mL) é o volume de CH4 produzido no ensaio de
controlo por autodigestão do inóculo, mSV substrato (g) é a massa inicial de SV proveniente dos substratos,
no respetivo digestor (calculada a partir da quantidade de substrato existente em cada digestor).
Rendimento volumétrico CH4 =VCH4 ensaio − VCH4 controlo
mSV substrato(3.18)
O rendimento energético em metano (kWh kg−1 SV) foi calculado, considerando o poder calorífico
inferior do CH4 (0,0099 kWh L−1 [94]).
40
Capítulo 4
Resultados e discussão
No presente trabalho estudou-se a exequibilidade de um processo integrado (figura 4.1) que engloba o
cultivo da R. toruloides, o processamento da biomassa produzida para extração e separação dos princi-
pais carotenoides (β-caroteno e toruleno) e dos AG, e a valorização energética dos resíduos resultantes
destes processos (sobrenadantes e resíduo de levedura) por digestão anaeróbia para produção de bi-
ogás. No cultivo da levedura R. toruloides usou-se glucose como fonte de carbono. No entanto, o XPA
foi usado como fonte de carbono em fermentações realizadas em trabalhos anteriores, pelo que os
resíduos resultantes das etapas de preparação deste xarope (polpa) e o sobrenadante resultante de
uma fermentação em que foi usado como substrato, foram também sujeitos a digestão anaeróbia.
Figura 4.1: Esquema dos processos realizados no contexto da biorrefinaria da levedura R. toruloides. Os itens atracejado indicam duas vias alternativas no processo: o uso de glucose ou de xarope de polpa de alfarroba (emtrabalhos anteriores) como fonte de carbono, com os resíduos gerados nas etapas de preparação do xarope a
serem também usados como substrato no processo de digestão anaeróbia.
4.1 Cultivo da levedura R. toruloides
Foram levadas a cabo três fermentações usando glucose como fonte de carbono, aplicando a estratégia
de duas fases de alimentação e controlo do pH do meio de fermentação descrita por Dias et al. [84].
Uma primeira fermentação foi realizada no reator de bancada (5 L), no qual os parâmetros operacionais
41
foram já otimizados em trabalhos anteriores. Duas fermentações foram realizadas no reator de 35 L,
procurando fazer o aumento de escala da mesma estratégia de cultura da levedura R. toruloides.
Onde aplicável, os valores indicados representam a média de n replicados com desvios padrão (σ)
representados graficamente com barras de erro.
4.1.1 Fermentação I
A fermentação I foi realizada no reator de bancada (5 L), usando glucose como fonte de carbono.
A figura 4.2 mostra a evolução da (a) concentração e produtividade em biomassa, (b) concentração
residual de glucose no meio, (c) velocidade de agitação e OD, (d) logaritmo natural da concentração de
biomassa, (e) teor celular e produtividade em carotenoides e (f) conteúdo celular e produtividade em
AG, ao longo do tempo (horas) na fermentação I.
Após a inoculação do reator, a fermentação foi mantida em modo descontínuo até a glucose no meio
se esgotar (t = 19,7 h, linha vertical a tracejado azul), iniciando-se a primeira fase da alimentação com
uma solução de glucose com extrato de levedura e sulfato de magnésio (tabela 3.3). O pH do meio foi
mantido a 4,0. A cultura foi mantida nestas condições até ao final da fase de crescimento (t = 91,8 h),
conforme determinado por leitura da DO600 das amostras. Nesta altura, o pH foi alterado para 5,0 e
a alimentação passou a ser feita com uma solução concentrada de glucose 600 g L−1 (linha vertical a
tracejado verde).
Não é visível uma fase de latência, o que sugere uma rápida adaptação das células às condições
de cultivo no reator (figura 4.2a). A concentração de biomassa aumentou de 1,15 g L−1 até 30,45 g L−1
a t = 22 h (o que correspondeu ao máximo de produtividade em biomassa neste ensaio, 1,33 g L−1 h−1),
tendo continuado a aumentar até a cultura atingir a fase estacionária, a t = 72 h, atingido 86,06 g L−1
(correspondendo a uma produtividade de 1,17 g L−1 h-1). A partir de t = 138 h, a biomassa aumentou
até atingir a concentração máxima de 118,90 g L−1, a t = 186 h, correspondendo a uma produtividade
em biomassa de 0,63 g L−1 h−1.
A concentração inicial de glucose (figura 4.2b ), 36,3 g L−1, desceu rapidamente durante a fase
descontínua, até atingir 1,1 g L−1 já depois de iniciada a alimentação (t =22,0 h).
A figura 4.2c mostra a variação da agitação e dos níveis de OD ao longo da fermentação. A OD foi
mantida acima dos 40% durante quase toda a fermentação, à exceção de um período a t = 18 h. A
velocidade de agitação foi mantida dependente da OD até por volta das 70 horas, quando as necessi-
dades de oxigénio da cultura baixaram, resultando em baixas velocidades de agitação (abaixo dos 300
rpm), insuficientes para garantir a correta homogeneização do meio, tendo-se fixado a velocidade de
agitação a 600 rpm até ao final da fermentação.
O pico na concentração de glucose observado a t = 66 h coincide com uma diminuição significativa
no teor e produtividade em carotenoides totais (figura 4.2e) e com o máximo no teor e produtividade em
AG (figura 4.2f). O conteúdo total em carotenoides variou entre os 0,08 mg g−1 (t = 24,0 h) e os 0,20
mg g−1 (t = 48,5 h), correspondendo igualmente a um máximo na produtividade em carotenoides (0,26
mg L−1 h−1) . O conteúdo de carotenoides apresentou depois uma diminuição significativa que coincide
42
Figura 4.2: Evolução dos parâmetros da cultura ao longo da fermentação I. As linhas verticais a tracejado azul everde representam, respetivamente, o início da primeira (t = 19,7 h) e segunda (t = 91,8 h) fases da alimentação.
(a) Concentração de biomassa (g peso seco L−1 h−1, n = 2) determinada a partir da DO600 e produtividade embiomassa (g L−1 h−1); (b) concentração de glucose residual no meio (g L−1, n = 2); (c) Velocidade de agitação
(rpm) e oxigénio dissolvido (%); (d) logaritmo natural da concentração de biomassa; (e) teor celular emcarotenoides totais (mg de equivalentes de β-caroteno g−1 de biomassa seca, n = 2) e produtividade em
carotenoides (mg L−1 h−1); (f) Teor celular em AG (% m/m de biomassa seca, n = 4).
com o pico na concentração de glucose no meio (t =72,0 h), voltando a aumentar com a diminuição
subsequente na concentração de glucose. O teor de carotenoides no final da fermentação foi de 0,18
mg g−1, correspondendo a uma produtividade em carotenoides de 0,09 mg L−1 h−1. O conteúdo celular
em AG aumentou de modo constante durante a primeira fase da alimentação, atingindo o máximo
(24,25%) antes do final da fase de crescimento (t = 66,0), correspondendo também ao máximo na
produtividade em lípidos (0,29 g L−1 h−1). No final da fermentação (t = 210,0 h) o teor celular em lípidos
foi de 17,03%, correspondendo a uma produtividade de 0,08 g L−1 h−1.
A figura 4.3 mostra a composição dos AG acumulados pela biomassa ao longo da fermentação I.
43
Figura 4.3: Perfil de ácidos gordos da levedura R. toruloides ao longo da fermentação I. (a) Principais AGidentificados e quantificados por GC como FAME: ácidos mirístico (14:0), palmítico (16:0), esteárico (18:0), oleico
(18:1ω9), linoleico (18:2ω6) e linolénico (18:3ω3). As linhas verticais tracejadas a azul e verde indicam,respetivamente, o início da primeira (t = 19,7 h) e segunda (t = 91,8 h) fases da alimentação. (b) Composição
lipídica como AG saturados (SFA), monoinsaturados (MUFA) e polinsaturados (PUFA).
Os AG mais abundantes foram os ácidos oleico (18:1ω9), palmítico (16:0) e linoleico (18:2ω6), com
uma composição média de, respetivamente, 35,35%, 26,36% e 22,79%. É uma composição típica
para lípidos provenientes de leveduras oleagionosas, nomeadamente para a R. toruloides, descrita na
literatura como acumulando maioritariamente 16:0, 16:1ω9, 18:1ω9 e 18:2ω6 [40]. Em geral, o teor em
18:1ω9 foi inferior e os teores em 18:2ω6 e 18:3ω3 superiores, aos valores descritos na literatura para
R. toruloides [45, 85, 95].
As variações mais significativas na composição lipídica ocorreram quando a concentração de glu-
cose no meio desceu abaixo dos 3 g L−1, com uma diminuição significativa no teor de 18:2ω6 e 18:3ω3
e um correspondente aumento no teor de 16:0 e 18:1ω9, sem no entanto ter afetado a acumulação de
lípidos pela levedura. A composição lipídica no final da fermentação foi 16:0 (26,24%), C18:0 (4,52%),
18:1ω9 (33,15%), 18:2ω6 (28,26%), 18:3ω3 (6,66%) e C14:0 (1,18%), correspondendo a 32% de SFA
(dos quais 82% 16:0), 33% de MUFA (100% 18:1ω9) e 35% de PUFA (dos quais 81% 18:2ω6).
A norma europeia EN 14214 impõe para o biodiesel comercial um conteúdo em ésteres metílicos
derivados de 18:3ω3 inferior a 12% (m/m). Embora no início da fermentação o teor em 18:3ω3 fosse
superior a este limite, este valor desceu rapidamente mantendo-se abaixo dos 7% a partir de t =42,0 h.
A mesma norma impõe também um conteúdo inferior a 1% de ésteres metílicos derivados de AG com
quatro ou mais insaturações, que não foram detetados.
4.1.2 Fermentação II
Nas fermentações II e III procurou-se fazer o aumento de escala do cultivo de R. toruloides, usando a
estratégia de cultivo aplicada na fermentação I. Estas fermentações foram levadas a cabo num reator
com 35 L de volume útil. O aumento de escala implicou adaptar vários parâmetros de cultivo, tais
como taxas de arejamento, agitação e alimentação às novas condições. Além disso, uma vez que estas
fermentações foram as primeiras a serem desenvolvidas no reator de 35 L, ocorreram vários problemas
técnicos que acabaram por afetar severamente os resultados, principalmente na fermentação II.
44
Na fermentação II as taxas de agitação e arejamento iniciais (150 rpm e 12,5 L min−1, respetiva-
mente) revelaram-se insuficientes para a oxigenação correta do meio. Isto deveu-se a problemas com
o elétrodo de oxigénio usado, resultando em leituras erróneas do OD no meio e que explicam que estas
taxas fossem mantidas durante grande parte do processo. Assim, a cultura foi sujeita durante a maior
parte do tempo de cultivo a uma limitação de oxigénio, afetando drasticamente as produtividades em
biomassa, lípidos e carotenoides.
No decorrer da fermentação ocorreu uma rutura na linha de alimentação de ácido que levou à
destruição da bomba e do módulo de controlo usados para o controlo do pH, tendo-se passado a
fazer a correção do pH por adição manual de ácido, continuando a adição de base a ser controlada
automaticamente por outro módulo.
A figura 4.4 mostra a evolução da (a) concentração e produtividade em biomassa, (b) concentração
residual de glucose no meio, (c) velocidade de agitação e taxa de arejamento, (d) logaritmo natural da
concentração de biomassa, (e) teor celular e produtividade em carotenoides e (f) conteúdo celular e
produtividade em AG, ao longo da fermentação II.
A cultura foi mantida em modo descontínuo até t = 50,2 h (linha vertical tracejada azul), quando se
iniciou a primeira fase da alimentação, que foi mantida até t = 169,3 h, momento em que se alterou
o pH do meio para 5,0 e se iniciou a segunda fase da alimentação (linha vertical tracejada verde). A
fermentação prolongou-se até t = 259,3 h.
A fermentação foi iniciada com 1,86 g L−1 em biomassa (figura 4.4a), atingindo no final da fase des-
contínua (t = 50,2 h) 11,97 g L−1, correspondendo a uma produtividade de 0,21 g L−1 h−1. O máximo da
produtividade em biomassa, 0,33 g L−1 h−1, foi atingindo ainda durante a fase descontínua, a t = 23,3
h, seguindo-se uma descida acentuada na produtividade devido a um abrandamento do crescimento
da levedura. No final da fase de crescimento (t = 169,3 h), a concentração de biomassa atingiu 30,38
g L−1, correspondendo a uma produtividade de 0,17 g L−1. Ocorreu ainda um ligeiro aumento da con-
centração de biomassa durante a fase estacionária, atingindo-se a concentração máxima de biomassa
do ensaio, 38,29 g L−1 a t = 241,6 h, correspondendo a uma produtividade de 0,151 g L−1 h−1. No final
da fermentação a concentração de biomassa foi 32,92 g L−1, equivalente a uma produtividade de 0,12
g L−1 h−1.
Os valores máximos de concentração e produtividade em biomassa obtidos durante este ensaio re-
alizado no reator de 35 L foram significativamente inferiores aos obtidos no ensaio anterior, realizado no
reator de 7L. A limitação da cultura pelo oxigénio deve ter contribuido para esta diminuição, embora o
próprio aumento de escala do processo possa também explicar esta redução, uma vez que os tempos
de mistura diminuem com o aumento de escala [96]. Observou-se que desde o momento da inocu-
lação, a cultura apresentou uma tonalidade bege, em vez da tonalidade rosa/salmão usual devida à
produção de carotenoides, que surgiu após o aumento da oxigenação do meio (figura 4.5). Os inóculos
usados apresentavam a mesma tonalidade bege, indicando que a taxa de agitação utilizada durante a
incubação dos inóculos não terá sido também adequada para a oxigenação correta dos mesmos.
A concentração inicial de glucose foi de 35,29 g L−1 (figura 4.4b). Durante a fase descontínua da
cultura ocorreu uma rápida descida da concentração de glucose até se atingir 0,90 g L−1 a t = 49,3 h. A
45
Figura 4.4: Evolução dos parâmetros da cultura ao longo da fermentação II. As linhas verticais a tracejado azul everde representam, respetivamente, o início da primeira (t = 50,2 h) e segunda (t = 169,3 h) fases daalimentação. (a) Concentração de biomassa (g peso seco L−1, n = 2) determinada a partir da DO600 e
produtividade em biomassa (g L−1 h−1); (b) concentração de glucose residual no meio (g L−1, n = 2); (c) Velocidadede agitação (rpm) e a taxa de arejamento (L min−1); (d) logaritmo natural da concentração de biomassa; (e) teor
celular em carotenoides totais (mg de equivalentes de betacaroteno g−1 de biomassa seca, n = 2) e produtividadeem carotenoides (mg L−1 h−1); (f) Teor celular em AG (% m/m de biomassa seca, n = 4).
primeira fase de alimentação foi iniciada a t = 50,2 h, levando a um aumento gradual da concentração
de glucose no meio, até atingir 25,82 g L−1 a t = 116,3 h. Entre t = 67,3 h e 71,3 h a alimentação foi
desligada por terem ocorrido problemas com o sistema de alimentação que levaram à introdução de
grandes quantidades de solução de alimentação no reator. A segunda fase de alimentação foi iniciada
a t = 169,3 h, mantendo-se a concentração de glucose no meio abaixo de 20 g L−1 até ao final da
fermentação. O problema com as leituras do elétrodo de OD foi detetado por volta de t = 213,3 h,
46
Figura 4.5: Coloração de amostras do meio de cultura da fermentação II extraídas (a) antes (t = 92,3 h) e (b)depois (t = 235,3 h) do aumento da oxigenação do meio.
quando a alteração da taxa de arejamento e da velocidade de agitação não afetou as leituras dadas
pelo elétrodo. Ajustou-se a velocidade de agitação, a taxa de arejamento e a pressão no interior do
reator de modo a aumentar a oxigenação do meio (figura 4.4c). A velocidade de agitação de 150 rpm,
mantida desde o início da fermentação, foi aumentada sucessivamente a partir de t = 213,3 h até
615 rpm a t = 218,3 h. A taxa de arejamento de 12,5 L min−1 mantida desde o início do ensaio foi
alterada para 94 L min−1 a t = 213,3 h, tendo depois sido aumentada para 125 L min−1, a t = 237,3 para
compensar uma diminuição na velocidade de agitação, com o objetivo de se manter o meio oxigenado.
Efectivamente, o aumento da oxigenação do meio (t = 213,3) levou a um aumento do consumo de
glucose e dos teores celulares em carotenoides e lípidos, o que comprova a cultura estava limitada pelo
oxigénio antes do aumento da taxa de arejamento (figuras 4.4b, c, e, f).
Em geral, a segunda fase da alimentação levou a um aumento do teor em carotenoides (figura
4.4e). O teor celular e a produtividade em carotenoides atingiram um máximo a t = 217,3 h de, respeti-
vamente, 0,44 mg g−1 e 0,07 mg L−1 h−1. Este pico no teor de carotenoides coincidiu com o aumento da
oxigenação do meio e correspondeu a uma alteração na coloração da cultura (figura 4.5). No entanto,
o teor em carotenoides diminuiu depois abruptamente, atingindo 0,23 mg g−1 no final da fermentação (t
= 259,3 h), correspondendo a uma produtividade de 0,03 mg L−1 h−1. A queda no teor de carotenoides
coincidiu com uma fase em que a concentração de glucose no meio foi bastante baixa (menos de 1 g
L−1), que no entanto não parece ter afetado o teor celular em lípidos (figura 4.4f).
O teor celular em AG (figura 4.4f) aumentou ao longo da fermentação até t = 183,3 h, tendo sofrido
um queda, aumentando depois até um máximo 30,24% a t = 241,6 h. Este ponto correspondeu também
ao máximo de produtividade em lípidos (0,05 g L−1 h−1). O teor em lípidos sofreu depois uma queda,
atingindo 17,91% no final da fermentação, equivalendo a uma produtividade de 0,02 g L−1 h−1. Os teores
celulares em lípidos e carotenoides obtidos nesta fermentação foram superiores aos da fermentação
I. No entanto, a baixa concentração em biomassa e os elevados tempos de fermentação tornaram as
produtividades bastante inferiores.
A figura 4.6 mostra os AG maioritários no perfil lipídico acumulado pela biomassa ao longo da fer-
47
mentação II. Os AG mais abundantes foram os ácidos oleico (18:1ω9), esteárico (18:0), palmítico (16:0)
e linoleico (18:2ω6), correspondendo em média a, respetivamente, 53,23%, 23,21%, 17,84% e 4,81%
dos AG totais. O 18:1ω9 foi novamente o AG mais comum. No entanto, o seu teor foi significativamente
superior ao obtido na fermentação I (53,23% vs. 35,35%), chegando a constituir 70% dos AG totais. O
18:0 foi o segundo AG mais abundante, com um teor também significativamente superior ao obtido na
fermentação I (23,21% vs. 7,22%). Por outro lado, os teores em 16:0 e 18:2ω6 foram inferiores aos
obtidos na fermentação I (17,84% vs. 26,36% e 4,81% vs. 22,79%, respetivamente). Ao contrário do
que se verificou na fermentação I, o teor em 18:3ω3 foi praticamente nulo ao longo da fermentação II,
constituindo em média 0,22% dos AG totais.
A composição percentual em AG da biomassa, no final da fermentação, foi 23,21% em 16:0, 13,51%
em 18:0, 50,27% em 18:1ω9, 10,70% em 18:2ω6, com os restantes 2,31% a serem constituídos por
quantidades vestigiais dos ácidos mirístico (14:0), miristoleico (14:1), palmitoleico (16:1ω9), linolénico
(18:3ω3) e eicosanóico (20:0).
Os AG que tiveram as maiores variações ao longo do processo foram o 18:1ω9 e 18:0, com uma
diminuição e aumento graduais, respetivamente, durante a primeira fase da alimentação. O aumento
da oxigenação do meio coincidiu com um aumento dos AG insaturados (18:1ω9 e 18:2ω6), à custa de
uma diminuição significativa no teor em 18:0, o que é esperado, já que a síntese de AG insaturados
requer oxigénio [97].
Figura 4.6: Perfil de ácidos gordos da levedura R. toruloides ao longo da fermentação II. (a) Principais AGidentificados e quantificados por GC como FAME: Ácidos palmítico (16:0), esteárico (18:0), oleico (18:1ω9) e
linoleico (18:2ω6). As linhas verticais tracejadas a azul e verde indicam, respetivamente, o início da primeira (t =50,2 h) e segunda (t = 169,3 h) fases da alimentação. (b) Composição lipídica na forma de AG saturados (SFA),
monoinsaturados (MUFA) e polinsaturados (PUFA).
Ao contrário da fermentação I, em que o perfil lipídico obtido estava equitativamente distribuído por
SFA, MUFA e PUFA, na fermentação II o perfil lipídico foi dominado pelos SFA e MUFA (figura 4.6b),
uma composição particularmente adequada para a produção de biodiesel [98]. No final da fermentação
II os AG eram constituídos por 51,18% MUFA, 37,40% SFA e 11,42% PUFA, em que o 18:1ω9 constituía
praticamente 100% dos MUFA. A composição no ponto de maior produtividade em lípidos (t = 241,6 h)
foi de 35,77% em SFA, 51,18% em MUFA e 11,51% em PUFA.
48
4.1.3 Fermentação III
Tendo um melhor conhecimento dos parâmetros operacionais adequados ao cultivo da R. toruloides no
reator de 35 L, a fermentação foi repetida neste reator.
A figura 4.7 mostra a evolução da (a) concentração e produtividade em biomassa, (b) concentração
residual de glucose no meio, (c) velocidade de agitação e taxa de arejamento, (d) logaritmo natural da
concentração de biomassa, (e) teor celular e produtividade em carotenoides e (f) conteúdo celular e
produtividade em AG, ao longo do tempo na fermentação III.
A cultura foi mantida em modo descontínuo até t = 44,2 h (linha tracejada a azul), quando se iniciou
a primeira fase de alimentação, que foi mantida até t = 379,3 h, momento em que alterou o pH do
meio para 5,0 e se iniciou a segunda fase da alimentação (linha tracejada a verde). Não foi novamente
possível obter leituras úteis do OD no meio. No entanto, o aumento da concentração de biomassa
verificado ao longo da fermentação (figura 4.7a) indicou que a velocidade de agitação e a taxa de
arejamento foram adequadas. Esta fermentação prolongou-se durante bastante mais tempo do que a
fermentação II, tendo sido terminada a t = 503,7 h (cerca de 21 dias).
Uma fuga no sistema de vapor levou à entrada de água estéril no reator durante a fase inicial da
fermentação, diluindo o meio. Isto levou a que o processo tenha sido iniciado com uma concentração
de glucose (12,8 g L−1, figura 4.7b) inferior à concentração pretendida de 35 g L−1 , e causou a diluição
do meio de cultura e da biomassa que se formou durante a fase inicial da fermentação. Justifica-
se assim a aparente fase de latência no início do processo (figura 4.7a). A concentração inicial de
biomassa foi bastante baixa (1,1 g L−1), mantendo-se a estes níveis (e até diminuindo) até ao final
da fase descontínua. Com o início da primeira fase de alimentação (t = 44,2 h), a concentração de
biomassa começou a aumentar significativamente até atingir 183,7 g L−1, a t = 359,5, equivalente a
uma produtividade de 0,51 g L−1 h−1. Para compensar a diluição do meio inicial foram adicionadas ao
meio soluções concentradas de sais (0,5 L) a t = 166,2 h e a t = 265,5 h. A concentração de biomassa
pareceu ter estabilizado a t = 378,2 h, tendo-se alterado o pH para 5,0 e iniciada a segunda fase da
alimentação a t = 379,3 h. No entanto a concentração de biomassa aumentou ainda até t = 406,5 h,
atingindo-se a concentração máxima de biomassa no ensaio, com 198,2 g L−1. Devido ao prolongado
tempo de cultivo, este valor correspondeu a uma produtividade em biomassa de apenas 0,49 g L−1 h−1.
O máximo de produtividade em biomassa para o ensaio foi atingido ainda durante a fase de crescimento,
a t = 307,4 h, com uma concentração de 162,3 g a corresponder a uma produtividade de 0,52 g L−1 h−1.
Devido aos problemas no início da fermentação, esta prolongou-se durante bastante mais tempo do
que as fermentações anteriores, levando a que, apesar das concentrações em biomassa atingidas, a
produtividade tenha sido inferior à que se obteve na fermentação I (1,3 g L−1 h−1).
No período t = 167,8 a 359,5 h o crescimento da levedura levou a que a concentração de glucose
no meio se mantivesse a níveis abaixo das 6 g L−1 (figura 4.7b), mesmo com caudais de alimentação
bastante elevados (até cerca de 340 mL h−1).
Por se ter atingido o limite de volume do reator, a t = 359,4 foram retirados cerca de 9 L de meio.
Embora a taxa de alimentação tenha sido diminuída, ocorreu um aumento na concentração de glucose
no meio, vindo a diminuir já depois de a segunda fase de alimentação ter sido iniciada (t = 379,3 h).
49
Figura 4.7: Evolução dos parâmetros da cultura ao longo da fermentação III. As linhas verticais a tracejado azul everde representam, respetivamente, o início da primeira (t = 44,2 h) e segunda (t = 379,3 h) fases daalimentação. (a) Concentração de biomassa (g peso seco L−1, n = 2) determinada a partir da DO600 e
produtividade em biomassa (g L−1 h−1); (b) concentração de glucose residual no meio (g L−1, n = 2); (c) Velocidadede agitação (rpm) e a taxa de arejamento (L min−1); (d) logaritmo natural da concentração de biomassa; (e) teor
celular em carotenoides totais (mg de equivalentes de betacaroteno g−1 de biomassa seca, n = 2) e produtividadeem carotenoides (mg L−1 h−1); (f) Teor celular em AG (% m/m de biomassa seca, n = 4).
No entanto, a partir de t = 407,7 h ocorreu um aumento significativo da concentração de glucose no
meio, atingindo níveis inibitórios (>40 g L−1), chegando a 200,8 g L−1 a t = 499,3 h. Por se ter atingido
novamente o limite volumétrico do reator, a t = 427,5 h foram retirados cerca de 11 L de meio. Isto, em
conjunto com a entrada da cultura na fase estacionária sem que se tenham corrigido adequadamente as
taxas de alimentação, justifica o aumento drástico na concentração de glucose no meio. Uma vez que
a monitorização da concentração de glucose durante o ensaio foi feita de um modo semiquantitativo, o
50
problema não foi detetado a tempo. Este aumento da concentração de glucose levou a uma diminuição
da concentração de biomassa, descendo até 125,4 g L−1 a t = 475,4 h. A t = 475,7 h a alimentação
foi desligada, permitindo à cultura adaptar-se e recuperar parcialmente, aumentando a concentração
de biomassa até atingir no final da fermentação (t = 503,7 h) 138,8 g L−1, correspondendo a uma
produtividade de 0,27 g L−1 h−1.
O teor máximo em carotenoides, 0,24 mg g−1, foi obtido ainda durante a fase de crescimento a t
= 167,8 h (figura 4.7e), diminuindo, no entanto, até 0,09 mg a t = 215,6 h, devido à diminuição na
concentração de glucose no meio. A t = 378,2 o teor em carotenoides foi de apenas 0,17 mg g−1, mas,
dada a elevada concentração de biomassa, este ponto correspondeu ao máximo de produtividade em
carotenoides (0,08 mg L−1 h−1).
O perfil de acumulação de AG ao longo da fermentação III foi atípico (figura 4.7f), quando comparado
com as fermentações anteriores. Embora tivesse aumentado até t = 162,4 h, atingindo o máximo no
ensaio de 40,9%, sofreu uma quebra abrupta até 13,6% a t = 191,8 h, devido à carência de carbono
sofrida pelas células motivada pela descida da concentração de glucose abaixo das 5 g L−1. A partir
desse ponto variou entre 13,4% e 20,9%, atingindo no final do ensaio 18,1%. O pico da produtividade
em lípidos foi atingido a t = 426,2 h (0,09 g L−1 h−1), graças, novamente, às elevadas concentrações em
biomassa (184 g L−1), já que o teor em lípidos foi de apenas 20,9%.
A figura 4.8 mostra a evolução da composição nos principais AG presentes ao longo da fermentação
III.
Figura 4.8: Perfil de ácidos gordos da levedura R. toruloides ao longo da fermentação III. (a) Principais AGidentificados e quantificados por GC como FAME: ácidos palmítico (16:0), palmitoleico (16:1ω9), esteárico (18:0),
oleico (18:1ω9), linoleico (18:2ω6) e linolénico (18:3ω3). As linhas verticais tracejadas a azul e verde indicam,respetivamente, o início da primeira (t = 44,2 h) e segunda (t = 379,3 h) fases da alimentação. (b) Composição
lipídica na forma de AG saturados (SFA), monoinsaturados (MUFA) e polinsaturados (PUFA).
À semelhança das fermentações anteriores, o AG maioritário foi o C18:1ω9, oscilando entre 39,23
e 62,89% dos AG totais, atingindo no final da fermentação 62,14% (figura 4.8a). O teor em 16:1ω9
aumentou ao longo da fermentação desde níveis nulos até atingir 13,5% no final da fermentação. O
teor em 18:0 diminuiu ao longo da fermentação, passando de 10,4% para apenas 2,2% no final da
fermentação. Em média, os AG maioritários foram 18:1ω9 (50,66%), 16:0 (18,32%), 18:2ω6 (15,55%),
16:1ω9 (7,01%), 18:0 (4,57%), 18:3ω3 (3,52%) e 20:0 (0,09%). O perfil lipídico obtido nesta fermenta-
51
ção distinguiu-se principalmente por um maior teor em 16:1ω9, que não foi um componente significativo
dos AG obtidos nas fermentações anteriores. No final da fermentação, a composição foi 14,00% em
16:0, 13,52% em 16:1ω9, 2,17% em 18:0, 62,14% em 18:1ω9, 8,17% em 18:2ω6, correspondendo a
16,17% de SFA, 75,66% de MUFA e 8,17% de PUFA (figura 4.8b). O teor de 18:3ω3 atingiu um máximo
de 8,51% no decorrer da fermentação mas não foi detetado no final. Esta composição em AG, baixa
em PUFA e rica em MUFA é adequada para a obtenção de um biodiesel de boa qualidade [98].
4.1.4 Análise global das fermentações
Os principais resultados obtidos nas fermentações I, II e III estão resumidos na tabela 4.1. De entre as
três fermentações, o ensaio I permitiu obter as maiores produtividades em biomassa, lípidos e carote-
noides. Isto deveu-se ao facto de os parâmetros operacionais para a cultura a esta escala já terem sido
otimizados em trabalhos anteriores, e aos vários problemas com as fermentações II e III que afetaram
significativamente as produtividades destes ensaios.
Tabela 4.1: Resumo dos principais resultados obtidos nas fermentações I, II e III.
Parâmetro Fermentação I Fermentação II Fermentação III
Volume útil 5 L 35 L 35 L
Concentração máx. de biomassa 118,9 38,3 198,2(g L−1) (t = 186,0 h) (t = 241,6 h) (t = 406,5 h)
Produtividade máx. em biomassa 1,33 0,33 0,52(g L−1 h−1) (t = 22,0 h) (t = 23,3 h) (t = 307,4 h)
Teor máx. em carotenoides 0,20 0,44 0,24(mg g−1) (t = 48,5 h) (t = 217,3 h) (t = 167,8 h)
Produtividade máx. em carotenoides 0,26 0,07 0,08(mg L−1 h−1) (t = 48,5 h) (t = 217,3 h) (t = 378,2 h)
Teor máx. em lípidos 24,25 30,24 40,89(% m/m) (t = 66,0 h) (t = 241,6 h) (t = 162,4 h)
Produtividade máx. em lípidos 0,29 0,05 0,09(g L−1 h−1) (t = 72,0 h) (t = 241,6 h) (t = 426,2 h)
Nas fermentações II e III obtiveram-se teores em lípidos e carotenoides superiores à fermentação I e
a Dias et al. (que obtiveram 24,42% e 0,29 mg g−1, respetivamente [84]), mas as baixas concentrações
em biomassa na fermentação II e os longos tempos de fermentação no ensaio III levaram a que as
produtividades fossem baixas. Os resultados da fermentação II evidenciam a importância de uma
eficiente oxigenação do meio para as produtividades em biomassa, lípidos e carotenoides nas culturas
de R. toruloides.
A concentração de biomassa obtida na fermentação III foi superior às concentrações descritas na
literatura para culturas de R. toruloides ou R. glutinis [84, 85, 95], incluindo a concentração obtida por
Pan et al. (185 g L−1) [64] num reator de 5 L, com o mesmo meio de cultura e usando ar enriquecido
52
em oxigénio. A concentração de biomassa obtida no ensaio III é próxima do limite a partir do qual
o aumento da viscosidade do meio e a diminuição da taxa de transferência de oxigénio se tornam
proibitivos para a manutenção da cultura [99]. No entanto, esta concentração foi obtida depois de 406,5
h de fermentação, resultando numa produtividade em biomassa muito inferior à obtida por Pan et al.
(185 g L−1 ao fim de cerca de 80 h de fermentação, 2,31 g L−1 h−1 [64]).
Os teores em lípidos obtidos nas três fermentações foram menores que os teores superiores a 60%
(m/m) descritos na literatura para outras estirpes de R. toruloides [65, 85, 95]. Os conteúdos celulares
em carotenoides foram também baixos, sendo, por exemplo, significativamente inferiores ao teor de
35,5 mg g−1 obtidos por Aksu e Eren em culturas de R. glutinis em frascos agitados [100].
Como foi previamente referido, os carotenoides representam um produto de alto valor acrescentado
cuja produção, no contexto da biorrefinaria da levedura R. toruloides, visa a rentabilização económica
do processo. Deste modo, o objetivo será maximizar a produtividade em carotenoides, sendo, por isso,
importante analisar a composição lipídica no ponto de maior produtividade em carotenoides. A tabela
4.2 apresenta o perfil lipídico em termos de SFA, MUFA, PUFA e 18:3ω3 no ponto em que se obteve o
máximo de produtividade em carotenoides em cada ensaio.
Tabela 4.2: Composição lipídica (% m/m) no ponto de maior produtividade em carotenoides nas fermentações I, IIe III, em termos de AG saturados (SFA), monoinsaturados (MUFA) e polinsaturados (PUFA), e de 18:3ω3.
Composição (% m/m)
Ensaio tfermentação (h) SFA MUFA PUFA 18:3ω3
Fermentação I 48,5 38,74% 37,21% 24,05% 5,41 %Fermentação II 217,3 50,73% 45,40% 3,87% 0,00%Fermentação III 378,2 18,07% 70,90% 11,02% 1,87%
Além de não terem sido detetados PUFA com mais de 4 insaturações em qualquer amostra, a
tabela 4.2 mostra que, nos três ensaios, a composição em AG no ponto de maior produtividade em
carotenoides é adequada à produção de biodiesel, verificando as imposições da norma europeia EN
14214 no que toca ao teor em 18:3ω3. O menor conteúdo em PUFA torna a composição lipídica deste
ponto nas fermentações II e III mais favorável à produção de um biodiesel de boa qualidade [98].
Os resultados dos presentes ensaios mostraram ser possível obter quantidades significativas de
biomassa e ser possível fazer o aumento de escala do cultivo da R. toruloides. No entanto, tornou-
se também evidente ser essencial garantir a oxigenação adequada do meio de fermentação e ter um
controlo mais rigoroso sobre a concentração da fonte de carbono, para maximizar as produtividades em
biomassa, lípidos e, acima de tudo, carotenoides.
4.2 Processamento da biomassa
Realizaram-se dois ensaios de processamento da biomassa (extrações I e II, em duplicado) para ex-
tração e separação dos carotenoides e AG, em que o método (figura 4.9) foi aplicado a biomassas
provenientes de duas fermentações realizadas anteriormente no contexto do projeto CAROFUEL. Na
53
tabela 4.3 estão resumidos os rendimentos de extração de carotenoides e AG, com base nos teores
iniciais em AG (secção 3.1.4) e carotenoides (secção 3.1.4) da biomassa processada.
Figura 4.9: Esquema do procedimento utilizado para a extração e separação dos carotenoides e ácidos gordos(AG)
O método mostrou-se eficiente na recuperação dos carotenoides intracelulares. Na extração I,
71,7% dos carotenoides contidos na biomassa inicial foram extraídos na fração insaponificável e 6,0%
na fração saponificável (rica em AG), levando a um rendimento global de 77,7%. Na extração I obteve-
se uma separação menos eficiente dos AG, com apenas 56,5% dos AG contidos na biomassa inicial a
serem extraídos a partir da fração saponificável e 19,9% a partir da fração insaponificável, levando a
um rendimento global de extração dos AG de 76,4%.
Tabela 4.3: Rendimentos de extração dos carotenoides e dos ácidos gordos nas extrações I e II. Os resultadosrepresentam a média de duplicados.
Rendimentos de extração (% m/m)
Ensaio Componente Insaponificáveis Saponificáveis Global
Extração ICarotenoides 71,7% ± 5,4% 6,0% ± 4,2% 77,7% ± 15,9%Ácidos gordos 19,9% ± 2,4% 56,5% ± 4,8% 76,4% ± 5,3%
Extração IICarotenoides 82,1% ± 14,5% 14,5% ± 0,6% 96,6% ± 14,5%Ácidos gordos 17,3% ± 0,8% 75,9% ± 14,8% 93,2% ± 14,8%
Na extração II recuperou-se 96,6% dos carotenoides contidos na biomassa inicial, extraindo-se
82,1% e 14,5% a partir das frações insaponificável e saponificável, respetivamente. Nesta extração
recuperou-se 75,9% dos AG contidos na biomassa inicial a partir da fração saponificável e 14,5% a
partir da fração insaponificável, levando a um rendimento global de 93,2%.
A tabela 4.4 apresenta, para cada ensaio de extração, as composições mássicas médias dos ca-
rotenoides extraídos nas frações saponificável e insaponificável e as composições mássicas médias
globais, considerando a totalidade dos carotenoides extraídos nas duas frações. Entre os carotenoides
extraídos a partir da fração insaponificável o toruleno foi o carotenoide mais abundante, representando,
em média, 70,9% (m/m) e 59,6 % dos carotenoides extraídos nos ensaios I e II, respetivamente. O
β-caroteno foi o segundo carotenoide mais abundante nesta fração, representado cerca de 25% dos
carotenoides extraídos nesta fração em ambos os ensaios.
A maior parte da torularrodina foi extraída na fração saponificável, onde representou 79,4% e 80,6%
dos carotenoides extraídos nesta fração, nos ensaios I e II, respetivamente. Isto deve-se ao facto de a
torularrodina ter, ao contrário do toruleno e betacaroteno, um grupo carboxílico que a torna suscetível
de ser saponificada, à semelhança dos AG, dificultando a sua separação a partir destes.
54
Tabela 4.4: Composição mássica média dos carotenoides extraídos nas extrações I e II.
Composição (% m/m)
Ensaio Carotenoide Insaponificáveis Saponificáveis Global
Extração I
Toruleno 70,9% ± 1,9% 15,2% ± 9,5% 66,7% ± 4,5%β-caroteno 25,0% ± 0,5% 5,3% ± 2,2% 23,6% ± 1,3%Torularrodina 1,0% ± 1,4% 79,4% ± 11,7% 6,9% ± 2,4%Outros 3,1% ± 3,8% 0,0% ± 0,0% 2,8% ± 3,4%
Extração II
Toruleno 59,6% ± 7,5% 5,0% ± 3,1% 51,3% ± 5,9%β-caroteno 24,5% ± 2,7% 2,7% ± 2,8% 21,2% ± 2,4%Torularrodina 13,1% ± 10,2% 80,6% ± 7,4% 23,4% ± 8,6%Outros 2,8% ± 0,0% 12,7% ± 1,2% 4,3% ± 0,0%
Globalmente, o toruleno foi o carotenoide maioritário, constituindo 66,7% e 51,3% dos carotenoides
extraídos nas extrações I e II respetivamente. O β-caroteno foi o segundo carotenoide mais abundante
no ensaio I, representando 23,6% dos carotenoides extraídos, seguido da torularrodina (6,9%). Na
extração II o β-caroteno representou 21,2% dos carotenoides extraídos e a torularrodina 23,4%. Foram
detetadas pequenas quantidades de outros carotenoides não identificados.
Os rendimentos de extração de carotenoides a partir da fração insaponificável foi superior ao des-
crito por Gonzalez et al. (60,1%) usando o método no qual se baseia o procedimento usado no presente
trabalho. No entanto, os rendimentos de recuperação de AG a partir da fração saponificável foram in-
feriores aos descritos por Gonzalez et al. (>90%), devido, talvez, a um excesso de água nas misturas,
levando à formação de emulsões que dificultaram a extração [90].
4.3 Digestão anaeróbia
4.3.1 Caracterização dos substratos e do inóculo
A tabela 4.5 apresenta a caracterização das misturas de substratos usadas no processo de digestão
anaeróbia, em termos de sólidos totais (ST) e voláteis (SV) e carência química de oxigénio (CQO).
Estes resultados mostram que os resíduos resultantes dos processos de cultivo e processamento da
biomassa de R. toruloides apresentam uma carga orgânica elevada, com quantidades significativas de
material com valor calorífico (SV), tornando-os um substrato adequado para a digestão anaeróbia.
Tabela 4.5: Composição das misturas de substratos em termos de ST (g L−1), SV (g L−1) e CQO (g O2 L−1).
ST SV CQOMistura Substratos (g L−1) (g L−1) (g O2 L−1)
Mistura I RL + SG 97,2 ± 10,0 71,4 ± 10,6 104,2 ± 29,7Mistura II RL + SA 82,0 ± 1,2 47,5 ± 1,7 54,6 ± 2,1Mistura III RL + SA + RA 155,2 ± 10,0 122,2 ± 6,7 123,2 ± 6,8
RL = resíduo de levedura, SG = sobrenadante de glucose, SA = sobrenadante de alfarroba,RA = resíduo de alfarroba
55
A tabela 4.6 apresenta a caracterização do inóculo usado nos ensaios de digestão anaeróbia, em
termos de pH, ST, SV e sólidos suspensos totais (SST) e voláteis (SSV).
Tabela 4.6: Caracterização do inóculo em termos de pH e composição (g L−1) em ST, SV, SST e SSV.
pH ST (g L−1) SV (g L−1) SST (g L−1) SSV (g L−1)
7,1 11,5 ± 0,1 7,1 ± 0,1 9,3 ± 0,2 5,2 ± 0,2
A quantidade de substrato usada em cada digestor foi calculada de modo a que a razão entre os
SV do substrato e do inóculo fosse 0,75. As condições operacionais nos digestores estão resumidas
na tabela 4.7.
Tabela 4.7: Condições operacionais utilizadas nos ensaios de digestão das três misturas de substratos.
EnsaioSVsubstrato
SVinóculo
STsubstrato SVsubstrato CQOsubstrato
(g L−1) (g L−1) (g O2 L−1)
Mistura I 0,75 4,4 3,2 4,7Mistura II 0,75 5,5 3,2 3,7Mistura III 0,75 4,1 3,2 3,2
4.3.2 Produção de biogás e CH4
A tabela 4.8 mostra as produções volumétricas (mL) de biogás e CH4, a composição do biogás em
termos de CH4, CO2 e H2S, e os rendimentos volumétrico (mL CH4 g−1 SV) e energético (kWh kg−1 SV)
no final dos ensaios para as três misturas de substratos e para o ensaio de controlo.
Tabela 4.8: Resumo dos resultados obtidos no final do ensaio de digestão anaeróbia.
Parâmetros ControloMistura I Mistura II Mistura III
(RL + SG) (RL + SA) (RL + SA + RA)
Produção de biogás (mL)Ensaio 13,9 ± 0,5 69,3 ± 1,3 45,1 ± 2,4 43,2 ± 3,2Ensaio − controlo - 55,4 ± 1,4 31,2 ± 2,4 29,3 ± 3,2
Produção de CH4 (mL)Ensaio 10,7 ± 0,4 42,2 ± 1,0 30,8 ± 1,7 29,4 ± 1,6Ensaio − controlo - 31,6 ± 1,1 20,1 ± 1,7 18,8 ± 1,6
Rendimento em CH4
Volumétrico (mL CH4 g−1 SV) - 236,4 ± 16,7 179,0 ± 22,2 145,4 ± 9,7Energético (kWh kg−1 SV) - 2,3 ± 0,2 1,8 ± 0,5 1,4 ± 0,5
Composição final do biogásCH4 (% v/v) 76,8 ± 0,4 60,9 ± 0,4 68,2 ± 0,4 68,3 ± 2,3CO2 (% v/v) 24,1 ± 0,5 39,1 ± 0,4 32,0 ± 0,4 32,1 ± 2,2H2S (ppm) 1160 ± 123 3779 ± 648 3278 ± 1798 757 ± 840
A figura 4.10a e 4.10b mostram, respetivamente, a evolução das produções volumétricas de biogás
56
e de CH4 ao longo do processo de digestão anaeróbia das três misturas de substratos e no ensaio de
controlo. Os valores indicados ao longo do texto para as produções volumétricas de biogás (mL) e CH4
(mL) referem-se à produção volumétrica total obtida por digestão do respetivo substrato subtraída pela
produção volumétrica obtida por autodigestão do inóculo no ensaio de controlo.
Figura 4.10: Evolução das produções volumétricas de biogás (a) e CH4 (b), ao longo do ensaio de digestãoanaeróbia.
A digestão anaeróbia de todas as misturas de substratos resultou em produções de biogás e de
CH4 significativamente superiores ao ensaio de controlo. No entanto, a produção de biogás e CH4
foi bastante inferior às produções observadas em ensaios anteriores, em que se fez a digestão indivi-
dual de cada substrato (relatório final do projecto CAROFUEL). Uma vez que o inóculo e os substratos
provieram dos mesmos lotes usados nos ensaios anteriores, a diminuição na produção de biogás po-
derá justificar-se pela perda da capacidade biológica do inóculo devido ao armazenamento prolongado
(cerca de 7-8 meses) desde a sua recolha.
A proporção relativa das produções volumétricas entre três ensaios foi a esperada, tendo em conta
o conteúdo em CQO disponível nos respetivos digestores (tabela 4.7). Relativamente ao controlo, a
digestão da mistura I (RL + SG) levou à maior produção volumétrica de biogás e CH4, atingindo 55,4
e 31,6 mL, respetivamente, correspondendo ao maior rendimento em CH4 (236,4 mL CH4 g−1 SV) de
entre as três misturas. No final do processo obteve-se um biogás com um teor de 60,9% em CH4. A
digestão da mistura II (RL + RA) levou a resultados intermédios, com produções volumétricas de biogás
e de CH4 de 31,2 mL e 20,1 mL, respetivamente, correspondendo a um rendimento de 179,0 mL CH4 g−1
SV. No final do processo o teor em CH4 no biogás atingiu 68,2%. Embora a digestão da mistura III (RL
+ SA + RA) tenha resultado na menor produção volumétrica de biogás (29,3 mL) e no pior rendimento
em CH4 (145,4 mL CH4 g−1 SV), produziu o biogás de melhor qualidade, com o maior teor em CH4
(68,3%) e o menor teor em H2S (757 ppm). Esta mistura de substratos é particularmente relevante, já
que engloba todos os efluentes provenientes de um processo de biorrefinaria baseado na levedura R.
toruloides, usando XPA como fonte de carbono de baixo custo para o cultivo da levedura. O conteúdo
em compostos fenólicos dos produtos derivados de alfarroba não inibiu o processo de digestão, mas
poderá justificar as menores produtividades em CH4 observadas na digestão destes resíduos.
Ao fim de 7 dias a composição em CH4 do biogás para as misturas II e III superou os 60%, o que só
57
veio a acontecer para a mistura I ao fim de 13 dias de digestão.
Os sulfatos presentes nos substratos podem ser decompostos por bactérias redutoras de sulfatos
(BRS) formando sulfuretos que, dependendo do pH, estão em solução maioritariamente como HS- (a
pH 8,0) ou como H2S (a pH 6,0). Além do H2S ser um gás tóxico e corrosivo, indesejável no biogás,
é um composto inibitório para a flora anaeróbia. Além disso, as BRS competem diretamente com as
bactérias metanogénicas por carbono e/ou hidrogénio, diminuindo a produção de CH4 [73]. Determinou-
se um teor em sulfatos totais de 7,3 ± 1,3 g L−1 e de 9,1 ± 0,5 g L−1 no SG e SA, respetivamente.
O biogás obtido por digestão das misturas I e II apresentou teores elevados em H2S (3779 e 3278
ppm, respetivamente), bastante superiores ao observado na mistura III (757 ppm). Isto sugere que a
presença de RA na mistura III pode ter tido um efeito inibitório sobre as BRS. De facto, no ensaio III, o
teor de H2S (757 ppm) foi o mais reduzido, tendo até sido inferior ao teor obtido no ensaio de controlo
(1160 ppm).
4.3.3 Capacidade de remoção
A tabela 4.9 apresenta a variação em vários parâmetros, como o pH, ST, SV, CQO, azoto total (N-total)
e amoniacal (N-NH3) e ácidos gordos voláteis (AGV), para o ensaio de controlo e para as três misturas
de substratos.
O processo de digestão levou a um ligeiro decréscimo no pH nos digestores, passando de uma
gama de pH de 7,8-8,1 para 7,0-7,5 no final do ensaio.
Em geral, não ocorreram variações significativas nas quantidades de ST e SV nos digestores, pas-
sando de concentrações iniciais da ordem dos 7,5-12,9 g L−1 (ST) e 4,1-8,3 g L−1 (SV), para concentra-
ções finais de 8,3-12,7 g L−1 (ST) e 5,7-9,2 g L−1 (SV). A digestão da mistura I levou às maiores taxas
de remoção de ST e SV (14% e 12%) seguida da mistura II (13% e 11%) e da mistura III (2% e -9%).
A digestão das três misturas levou a uma redução significativa do conteúdo em CQO. A mistura I
passou de um teor em CQO inicial de 10,5 g O2 L−1 para um teor final de 6,3 g O2 L (remoção de 40%).
A digestão da mistura II resultou na menor taxa de remoção de CQO (36%), passando de um teor inicial
de 11,6 g O2 L−1 para um teor de 7,4 g L−1 no final do ensaio. A mistura III continha o maior teor inicial
em CQO, com 16,4 g O2 L−1, terminando o ensaio com uma concentração em CQO de 9,0 g O2 L−1,
resultando na maior taxa de remoção de CQO dos três substratos (45%).
Em geral, a digestão das misturas de substratos resultou num aumento significativo do conteúdo
em N-NH3, com uma variação pequena ou nula na quantidade de N-Total. A digestão da mistura I
levou ao maior aumento do teor em N-N3 (42%), seguida das misturas II (32%) e III (21%). Embora
tenha ocorrido um aumento nos teores de N-NH3, estes mantiveram-se claramente abaixo dos níveis
inibitórios descritos na literatura (1,7 a 14 g N-NH3 L−1) [73].
O conteúdo inicial de AGV variou significativamente entre os ensaios. A mistura I teve o menor teor
inicial de AGV (0,22 g eq. ácido acético L−1), sofrendo, no entanto, a maior redução (73%), restando
apenas 0,06 g eq. ácido acético L−1 no final do processo. As misturas II e III apresentaram conteúdos
iniciais de AGV semelhantes (0,07 e 0,06 g eq. ácido acético L−1, respetivamente), com a digestão
58
Tabela 4.9: Caracterização dos digestores no início e no final do processo de digestão anaeróbia.
Parâmetros ControloMistura I Mistura II Mistura III(RL + SG) (RL + SA) (RL + SA + RA)
pHInicial 8,12 8,00 7,82 7,86Final 7,50 ± 0,03 6,98 ± 0,07 6,99 ± 0,14 6,99 ± 0,11
ST (g L−1)Inicial 7,5 ± 0,1 10,9 ± 0,2 12,3 ± 0,1 12,9 ± 0,5Final 8,3 ± 0,6 9,3 ± 0,1 10,7 ± 0,3 12,7 ± 1,0
Remoção -10% 14% 13% 2%
SV (g L−1)Inicial 4,1 ± 0,0 6,5 ± 0,2 6,5 ± 0,0 8,4 ± 0,5Final 5,9 ± 0,3 5,7 ± 0,6 5,8 ± 0,7 9,2 ± 1,0
Remoção -44% 12% 11% -9%
CQO (g O2 L−1)Inicial 7,0 ± 0,5 10,5 ± 0,0 11,6 ± 1,0 16,4 ± 2,9Final 5,6 ± 0,7 6,3 ± 0,6 7,4 ± 0,6 9,0 ± 1,1
Remoção 21% 40% 36% 45%
N-total (mg L−1)Inicial 763 ± 4 790 ± 28 846 ± 6 848 ± 8Final 797 ± 5 847 ± 11 848 ± 6 878 ± 7
Remoção -4% -7% 0% -3%
N-NH3 (mg L−1)Inicial 421 ± 10 347 ± 1 377 ± 4 402 ± 1Final 495 ± 5 491 ± 9 498 ± 4 487 ± 5
Remoção -17% -42% -32% -21%
AGV (g L−1)Inicial 0,41 ± 0,07 0,22 ± 0,01 0,07 ± 0,01 0,06 ± 0,01Final 0,24 ± 0,20 0,06 ± 0,01 0,05 ± 0,01 0,40 ± 0,36
Remoção 41% 73% 29% -566%
da mistura II a resultar numa diminuição de 29%, atingindo 0,05 g eq. ácido acético L−1 no final do
processo. A análise para a mistura III parece indicar que houve um aumento no teor em AGV, no
entanto obteve-se um erro elevado, não tendo sido possível repetir a análise.
Não estão disponíveis na literatura resultados semelhantes ao aqui descrito, sobre a digestão ana-
eróbia de resíduos gerados em processos de produção e biorrefinaria baseados na biomassa de uma
levedura. O único estudo encontrado em que se faz a digestão de resíduos derivados de leveduras
refere-se à indústria cervejeira [101]. Este estudo refere rendimentos da ordem dos 330-370 mL CH4
g−1 CQO, cerca de duas vezes superior ao melhor rendimento obtido neste trabalho (161,2 mL CH4 g−1
CQO para a mistura I). Contudo, os resíduos utilizados nesse artigo não sofreram qualquer extração
química, ao contrário da biomassa utilizada neste trabalho.
Estudos relativos à digestão anaeróbia de biomassa derivada de microalgas oleaginosas são mais
abundantes (para uma revisão ver Ward et al.[102]), estando descritos rendimentos em CH4 que variam
entre os 25 e os 800 mL CH4 g−1 SV, com os rendimentos mais baixos a ocorrerem na digestão de
substratos de elevada salinidade [102]. Os rendimentos em CH4 obtidos no presente trabalho estão na
parte inferior desta gama. Em particular, estão descritos processos em que se faz a digestão anaeróbia
59
após extração dos lípidos ou após a transesterificação direta da biomassa de microalgas oleaginosas.
Batista et al. descrevem um rendimento de 346 mL CH4 g−1 SV para a digestão anaeróbia, a uma escala
semelhante à do presente trabalho, da biomassa da microalga Scenedesmus obliquus após extração
dos lípidos, obtendo um biogás com um teor de 65% em CH4 [103]. Park e Li descrevem a codigestão
de misturas de biomassa da microalga Nannochloropsis salina com um resíduo rico em lípidos, obtendo
um rendimento máximo de 540 mL CH4 g−1 SV para uma mistura de 50% (m/m) de cada resíduo, mas
de apenas 130 mL CH4 g−1 SV para a digestão individual da biomassa de N. salina [104]. Ehimen et al.
descrevem a digestão anaeróbia de biomassa da microalga Chrorella após transesterificação direta da
biomassa, obtendo um rendimento máximo de 308 mL CH4 g−1 SV [70].
Os resultados obtidos no presente ensaio de digestão anaeróbia mostram que é possível valorizar
energeticamente os resíduos provenientes da biorrefinaria da levedura R. toruloides através da produ-
ção de biogás/CH4 por digestão anaeróbia.
60
Capítulo 5
Conclusões
Neste trabalho estudou-se um processo que integra a produção e extração de lípidos (para a produ-
ção de biodiesel) e carotenoides, a partir da biomassa da levedura R. toruloides NCYC 921, com a
valorização energética dos resíduos gerados nestes processos por digestão anaeróbia.
As fermentações levadas a cabo demonstraram ser possível obter elevadas produtividades em bio-
massa, aplicando a estratégia de duas fases de alimentação e controlo do pH do meio, descrita por Dias
et al. [84]. Apesar de alguns percalços, o aumento de escala desta estratégia de cultivo da R. toruloides
foi feito com sucesso, atingindo-se concentrações de biomassa superiores aos valores disponíveis na
literatura para as leveduras R. toruloides e R. glutinis, leveduras descritas como potenciais produtoras
de lípidos e carotenoides. No entanto, o processo só será economicamente viável se for possível fazer
o aumento de escala usando fontes de carbono de baixo custo. Uma potencial opção é o XPA que tem
mostrado ser uma fonte de carbono promissora para o cultivo de R. toruloides em reatores de bancada
[48, 91].
O processo foi baseado na levedura R. toruloides por esta apresentar, entre as leveduras oleagi-
nosas, elevadas taxas de crescimento associadas a elevados teores em lípidos e carotenoides. No
entanto os resultados obtidos no presente trabalho indicam ser necessário um estudo mais profundo
dos fatores que afetam a acumulação destes produtos, uma vez que se registaram teores em lípidos e
carotenoides significativamente inferiores aos valores descritos na literatura. Ficou claro que um con-
trolo mais rigoroso sobre a concentração da fonte de carbono no meio é essencial para maximizar as
produtividades em biomassa, lípidos e, principalmente, carotenoides. Além disso, os resultados da
fermentação III reiteraram a importância de uma oxigenação adequada do meio no desempenho do
processo.
Com a exceção de algumas fases no início das fermentações, os lípidos produzidos apresentaram
uma composição adequada para a produção de biodiesel, mas uma análise mais detalhada das pro-
priedades do biodiesel produzido a partir destes AG é imprescindível para avaliar a sua qualidade e
determinar se este cumpre todas as especificações da norma europeia EN 14214.
Os ensaios de processamento da biomassa mostraram ser possível extrair e separar, com rendimen-
tos satisfatórios, os carotenoides e AG contidos na biomassa. Por outro lado, a variabilidade significativa
61
nos rendimentos verificada de ensaio para ensaio indica que é ainda necessário um aperfeiçoamento
do procedimento, nomeadamente no que toca ao controlo dos fatores que afetam a extração dos AG.
Por fim, com os ensaios de codigestão anaeróbia mostrou-se ser possível valorizar energeticamente,
através da produção de biogás/CH4, os resíduos provenientes das etapas de preparação do substrato,
de cultivo da levedura e de extração dos produtos. A integração de um processo de digestão anaeró-
bia pode, deste modo, ser uma importante mais-valia para a sustentabilidade económica e ambiental
do processo global. Importa estudar o efeito que diferentes razões C/N e proporções relativas de cada
substrato têm na produção de biogás e na sua composição, e determinar quais os componentes respon-
sáveis pelo efeito inibitório observado no rendimento da digestão dos resíduos derivados de alfarroba.
Dadas as quantidades significativas de resíduos orgânicos que são produzidas nas várias etapas do
processo, será também importante estudar o aumento de escala do processo de digestão anaeróbia.
62
Bibliografia
[1] United Nations. Glossary of environment statistics. 67. United Nations Publications, 1997.
[2] World Energy Outlook 2014. International Energy Agency, 2014.
[3] BP Energy Outlook 2035. BP plc. 2015.
[4] Energy and climate change. International Energy Agency, 2015.
[5] 2015 World Energy Issues Monitor. World Energy Council. 2015.
[6] Key world energy statistics. International Energy Agency, 2014.
[7] B. Kruyt et al. «Indicators for energy security». Em: Energy Policy 37.6 (2009), pp. 2166–2181.
[8] I. Chapman. «The end of Peak Oil? Why this topic is still relevant despite recent denials». Em:
Energy Policy 64 (2014), pp. 93–101.
[9] S. P. Singh e D. Singh. «Biodiesel production through the use of different sources and charac-
terization of oils and their esters as the substitute of diesel: A review». Em: Renewable and
Sustainable Energy Reviews 14.1 (2010), pp. 200–216. ISSN: 13640321. DOI: 10.1016/j.rser.
2009.07.017. URL: http://linkinghub.elsevier.com/retrieve/pii/S1364032109001695.
[10] S. N. Naik et al. «Production of first and second generation biofuels: a comprehensive review».
Em: Renewable and Sustainable Energy Reviews 14.2 (2010), pp. 578–597.
[11] F. Cherubini et al. «Toward a common classification approach for biorefinery systems». Em:
Biofuels, Bioproducts and Biorefining 3.5 (2009), pp. 534–546.
[12] H. Taher et al. «A review of enzymatic transesterification of microalgal oil-based biodiesel using
supercritical technology.» Em: Enzyme research 2011 (2011), p. 468292. ISSN: 2090-0414. DOI:
10.4061/2011/468292.
[13] The state of food and agriculture 2008 - Biofuels: prospects, risks and opportunities. Food e
Agriculture Organization of the United Nations (FAO), 2008.
[14] T. Wiesenthal et al. «Biofuel support policies in Europe: Lessons learnt for the long way ahead».
Em: Renewable and Sustainable Energy Reviews 13.4 (2009), pp. 789–800.
[15] A. E. Ghaly et al. «Production of biodiesel by enzymatic transesterification: review». Em: Ameri-
can Journal of Biochemistry and Biotechnology 6.2 (2010), pp. 54–76.
63
[16] D. Y. Leung, X. Wu e M. Leung. «A review on biodiesel production using catalyzed transeste-
rification». Em: Applied Energy 87.4 (2010), pp. 1083–1095. ISSN: 03062619. DOI: 10.1016/
j . apenergy . 2009 . 10 . 006. URL: http : / / linkinghub . elsevier . com / retrieve / pii /
S0306261909004346.
[17] A. Gog et al. «Biodiesel production using enzymatic transesterification – Current state and pers-
pectives». Em: Renewable Energy 39.1 (2012), pp. 10–16. ISSN: 09601481. DOI: 10.1016/j.
renene.2011.08.007. URL: http://linkinghub.elsevier.com/retrieve/pii/S0960148111004502.
[18] Y. Shimada et al. «Enzymatic alcoholysis for biodiesel fuel production and application of the reac-
tion to oil processing». Em: Journal of Molecular Catalysis B: Enzymatic 17.3-5 (2002), pp. 133–
142. ISSN: 13811177. DOI: 10.1016/S1381- 1177(02)00020- 6. URL: http://linkinghub.
elsevier.com/retrieve/pii/S1381117702000206.
[19] P. A. Cremonez et al. «Current scenario and prospects of use of liquid biofuels in South America».
Em: Renewable and Sustainable Energy Reviews 43 (2015), pp. 352–362.
[20] G. R. Timilsina e A. Shrestha. «How much hope should we have for biofuels?» Em: Energy 36.4
(2011), pp. 2055–2069.
[21] L. Marelli et al. The impact of biofuels on transport and the environment, and their connection
with agricultural development in Europe. European Parliament, Directorate-General for internal
policies, 2015.
[22] C. Beddoes, ed. Statistical Report 2014. Fuels Europe - European Petroleum Refiners Associa-
tion AISBL. 2014.
[23] L. P. Christopher e V. P. Zambare. «Enzymatic biodiesel: Challenges and opportunities». Em:
Applied Energy 119 (), pp. 497–520. ISSN: 03062619. DOI: 10.1016/j.apenergy.2014.01.017.
URL: http://linkinghub.elsevier.com/retrieve/pii/S0306261914000361.
[24] P. M. Nielsen, J. Brask e L. Fjerbaek. «Enzymatic biodiesel production: Technical and economical
considerations». Em: European Journal of Lipid Science and Technology 110.8 (2008), pp. 692–
700. ISSN: 14387697. DOI: 10.1002/ejlt.200800064. URL: http://doi.wiley.com/10.1002/
ejlt.200800064.
[25] A. E. Atabani et al. «A comprehensive review on biodiesel as an alternative energy resource and
its characteristics». Em: Renewable and Sustainable Energy Reviews 16.4 (2012), pp. 2070–
2093.
[26] M. Szczesna Antczak et al. «Enzymatic biodiesel synthesis – Key factors affecting efficiency
of the process». Em: Renewable Energy 34.5 (2009), pp. 1185–1194. ISSN: 09601481. DOI:
10.1016/j.renene.2008.11.013. URL: http://linkinghub.elsevier.com/retrieve/pii/
S096014810800431X.
64
[27] M. Balat. «Potential alternatives to edible oils for biodiesel production – A review of current work».
Em: Energy Conversion and Management 52.2 (2011), pp. 1479–1492. ISSN: 01968904. DOI:
10.1016/j.enconman.2010.10.011. URL: http://linkinghub.elsevier.com/retrieve/pii/
S0196890410004553.
[28] A. Robles-Medina et al. «Biocatalysis: Towards ever greener biodiesel production». Em: Biote-
chnology Advances 27.4 (2009), pp. 398–408. ISSN: 1873-1899. DOI: 10.1016/j.biotechadv.
2008.10.008. URL: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/19268517.
[29] S. Hama e A. Kondo. «Enzymatic biodiesel production: an overview of potential feedstocks and
process development.» Em: Bioresource technology 135 (2013), pp. 386–95. ISSN: 1873-2976.
DOI: 10.1016/j.biortech.2012.08.014. URL: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/
22985827.
[30] H. Fukuda, A. Kond e H. Noda. «Biodiesel Fuel Production by Transesterification». Em: Journal
of Bioscience and Bioengineering 92.5 (2001), pp. 405–416.
[31] C. C. Akoh et al. «Enzymatic approach to biodiesel production». Em: Journal of Agricultural and
Food Chemistry 55.22 (2007), pp. 8995–9005.
[32] D. E. Leiva-Candia et al. «The potential for agro-industrial waste utilization using oleaginous
yeast for the production of biodiesel». Em: Fuel 123 (2014), pp. 33–42. ISSN: 00162361. DOI:
10.1016/j.fuel.2014.01.054. URL: http://dx.doi.org/10.1016/j.fuel.2014.01.054.
[33] EurObserv’ER. Biofuels Barometer 2014. 2014.
[34] EurObserv’ER. Biofuels Barometer 2015. 2015.
[35] Associação Portuguesa de Produtores de Biocombustíveis. Mercado do biodiesel em Portugal -
Quadro Resumo www.appb.pt/public/files/QR.pps. URL: www.appb.pt/public/files/QR.pps.
[36] P. S. Nigam e A. Singh. «Production of liquid biofuels from renewable resources». Em: Progress
in Energy and Combustion Science 37.1 (2011), pp. 52–68.
[37] P. M. Schenk et al. «Second generation biofuels: high-efficiency microalgae for biodiesel produc-
tion». Em: Bioenergy research 1.1 (2008), pp. 20–43.
[38] R. Sawangkeaw e S. Ngamprasertsith. «A review of lipid-based biomasses as feedstocks for
biofuels production». Em: Renewable and Sustainable Energy Reviews 25 (2013), pp. 97–108.
[39] G. Vicente et al. «Biodiesel production from biomass of an oleaginous fungus». Em: Biochemical
Engineering Journal 48.1 (2009), pp. 22–27. ISSN: 1369703X. DOI: 10.1016/j.bej.2009.07.
014.
[40] X. Meng et al. «Biodiesel production from oleaginous microorganisms». Em: Renewable Energy
34.1 (2009), pp. 1–5. ISSN: 09601481. DOI: 10.1016/j.renene.2008.04.014.
[41] C. A. Santos et al. «Enhanced lipidic algae biomass production using gas transfer from a fer-
mentative Rhodosporidium toruloides culture to an autotrophic Chlorella protothecoides culture».
Em: Bioresource Technology 138.2013 (2013), pp. 48–54. ISSN: 09608524. DOI: 10.1016/j.
biortech.2013.03.135. URL: http://dx.doi.org/10.1016/j.biortech.2013.03.135.
65
[42] T. Schneider et al. «Lipid and carotenoid production by oleaginous red yeast Rhodotorula glutinis
cultivated on brewery effluents». Em: Energy 61.2013 (2013), pp. 34–43. ISSN: 03605442. DOI:
10.1016/j.energy.2012.12.026. URL: http://dx.doi.org/10.1016/j.energy.2012.12.026.
[43] Y. Liang et al. «Converting crude glycerol derived from yellow grease to lipids through yeast
fermentation». Em: Bioresource Technology 101.19 (2010), pp. 7581–7586. ISSN: 09608524.
DOI: 10.1016/j.biortech.2010.04.061. URL: http://dx.doi.org/10.1016/j.biortech.
2010.04.061.
[44] E. W. Becker. Microalgae: biotechnology and microbiology. Vol. 10. Cambridge University Press,
1994.
[45] Q. Li, W. Du e D. Liu. «Perspectives of microbial oils for biodiesel production». Em: Applied
Microbiology and Biotechnology 80.5 (2008), pp. 749–756. ISSN: 01757598. DOI: 10 . 1007 /
s00253-008-1625-9.
[46] L. C. Mata-Gómez et al. «Biotechnological production of carotenoids by yeasts: an overview.»
Em: Microbial cell factories 13.12 (2014). ISSN: 1475-2859. DOI: 10.1186/1475-2859-13-12.
URL: http://www.pubmedcentral.nih.gov/articlerender.fcgi?artid=3922794%5C&tool=
pmcentrez%5C&rendertype=abstract.
[47] C. Saenge et al. «Potential use of oleaginous red yeast Rhodotorula glutinis for the bioconversion
of crude glycerol from biodiesel plant to lipids and carotenoids». Em: Process Biochemistry 46.1
(2011), pp. 210–218. ISSN: 13595113. DOI: 10.1016/j.procbio.2010.08.009. URL: http:
//dx.doi.org/10.1016/j.procbio.2010.08.009.
[48] C. Freitas et al. «Selecting low-cost carbon sources for carotenoid and lipid production by the pink
yeast Rhodosporidium toruloides NCYC 921 using flow cytometry». Em: Bioresource Technology
158.2014 (2014), pp. 355–359. ISSN: 18732976. DOI: 10.1016/j.biortech.2014.02.071.
[49] Z. Zhang, X. Zhang e T. Tan. «Lipid and carotenoid production by Rhodotorula glutinis under
irradiation/high-temperature and dark/low-temperature cultivation». Em: Bioresource Technology
157.2014 (2014), pp. 149–153. ISSN: 09608524. DOI: 10.1016/j.biortech.2014.01.039. URL:
http://dx.doi.org/10.1016/j.biortech.2014.01.039.
[50] L. Zoz et al. «Torularhodin and Torulene : Bioproduction , Properties and Prospective Applications
in Food and Cosmetics - a Review». Em: Brazilian Archives of Biology and Technology 58.2
(2015), pp. 278–288.
[51] P. D. Fraser e P. M. Bramley. «The biosynthesis and nutritional uses of carotenoids». Em: Pro-
gress in lipid research 43.3 (2004), pp. 228–265.
[52] BCC Research - The global market for carotenoids. 2015.
[53] T. Korumilli e S. Mishra. «Carotenoid Production by Bacillus clausii Using Rice Powder as the
Sole Substrate: Pigment Analyses and Optimization of Key Production Parameters». Em: Journal
of Biochemical Technology 5.4 (2014), pp. 788–794.
66
[54] A. Ben-Amotz e Y. Levy. «Bioavailability of a natural isomer mixture compared with synthetic all-
trans beta-carotene in human serum.» Em: The American journal of clinical nutrition 63.5 (1996),
pp. 729–734.
[55] M. Moliné, D. Libkind e M. van Broock. «Production of Torularhodin, Torulene, and β-Carotene
by Rhodotorula Yeasts». English. Em: Microbial Carotenoids From Fungi. Ed. por J.-L. Barredo.
Vol. 898. Methods in Molecular Biology. Humana Press, 2012, pp. 275–283. ISBN: 978-1-61779-
917-4. DOI: 10.1007/978-1-61779-918-1_19. URL: http://dx.doi.org/10.1007/978-1-
61779-918-1_19.
[56] G. I. Frengova e D. M. Beshkova. «Carotenoids from Rhodotorula and Phaffia: yeasts of biote-
chnological importance». Em: Journal of industrial microbiology & biotechnology 36.2 (2009),
pp. 163–180.
[57] R. Cutzu et al. «Assessment of β-carotene content, cell physiology and morphology of the yellow
yeast Rhodotorula glutinis mutant 400A15 using flow cytometry». Em: Journal of Industrial Micro-
biology and Biotechnology 40.8 (2013), pp. 865–875. ISSN: 13675435. DOI: 10.1007/s10295-
013-1278-2.
[58] S. Kumar et al. «Genome sequence of the oleaginous red yeast Rhodosporidium toruloides
MTCC 457». Em: Eukaryotic cell 11.8 (2012), pp. 1083–1084.
[59] National Collection of Yeast Cultures. NCYC 921 Rhodosporidium toruloides. 2015. URL: https:
//catalogue.ncyc.co.uk/rhodosporidium-toruloides-921.
[60] J. M. Ageitos et al. «Oily yeasts as oleaginous cell factories». Em: Applied microbiology and
biotechnology 90.4 (2011), pp. 1219–1227.
[61] I. Banno. «Studies on the sexuality of Rhodotorula». Em: The Journal of General and Applied
Microbiology 13.2 (1967), pp. 167–196.
[62] J. K. Oloke. «Teleomorphism in speciation». Em: American-Eurasian Journal of Scientific Rese-
arch 1.1 (2006), pp. 68–72.
[63] J. W. Fell, I. L. Hunter e A. S. Tallman. «Marine basidiomycetous yeasts (Rhodosporidium spp. n.)
with tetrapolar and multiple allelic bipolar mating systems». Em: Canadian journal of microbiology
19.5 (1973), pp. 643–657.
[64] J. G. Pan, M. Y. Kwak e J. S. Rhee. «High density cell culture of Rhodotorula glutinis using
oxygen-enriched air». Em: Biotechnology letters 8.10 (1986), pp. 715–718.
[65] C. Saenge et al. «Efficient concomitant production of lipids and carotenoids by oleaginous red
yeast Rhodotorula glutinis cultured in palm oil mill effluent and application of lipids for biodiesel
production». Em: Biotechnology and Bioprocess Engineering 16.1 (2011), pp. 23–33.
[66] UBIC Consulting. The world carotenoids market. UBIC Consulting, 2015.
67
[67] H. W. Yen, Y. C. Yang e Y. H. Yu. «Using crude glycerol and thin stillage for the production of
microbial lipids through the cultivation of Rhodotorula glutinis». Em: Journal of Bioscience and
Bioengineering 114.4 (2012), pp. 453–456. ISSN: 13891723. DOI: 10.1016/j.jbiosc.2012.04.
022. URL: http://dx.doi.org/10.1016/j.jbiosc.2012.04.022.
[68] Y. Chisti. «Biodiesel from microalgae beats bioethanol». Em: Trends in Biotechnology 26.3 (2008),
pp. 126–131. ISSN: 0167-7799. DOI: 10.1016/j.tibtech.2007.12.002. URL: http://www.ncbi.
nlm.nih.gov/pubmed/18221809.
[69] B. Sialve, N. Bernet e O. Bernard. «Anaerobic digestion of microalgae as a necessary step to
make microalgal biodiesel sustainable». Em: Biotechnology advances 27.4 (2009), pp. 409–416.
[70] E. A. Ehimen et al. «Anaerobic digestion of microalgae residues resulting from the biodiesel
production process». Em: Applied Energy 88.10 (2011), pp. 3454–3463.
[71] J. A. Álvarez, L. Otero e J. M. Lema. «A methodology for optimising feed composition for anaero-
bic co-digestion of agro-industrial wastes». Em: Bioresource Technology 101.4 (2010), pp. 1153–
1158. ISSN: 09608524. DOI: 10.1016/j.biortech.2009.09.061. URL: http://dx.doi.org/10.
1016/j.biortech.2009.09.061.
[72] O. M. Amaya, M. T. C. Barragán e F. J. A. Tapia. Microbial Biomass in Batch and Continuous
System. 2013.
[73] J. L. Chen et al. «Toxicants inhibiting anaerobic digestion: A review». Em: Biotechnology advan-
ces 32.8 (2014), pp. 1523–1534.
[74] O. Yenigün e B. Demirel. «Ammonia inhibition in anaerobic digestion: a review». Em: Process
Biochemistry 48.5 (2013), pp. 901–911.
[75] P. Mallick, J. C. Akunna e G. M. Walker. «Anaerobic digestion of distillery spent wash: Influence
of enzymatic pre-treatment of intact yeast cells». Em: Bioresource technology 101.6 (2010),
pp. 1681–1685.
[76] J. Field, R. Sierra e G. Lettinga. «Ensayos anaerobios». Em: Depuración anaerobia de aguas
residuales. Actas del 4 (1988), pp. 52–81.
[77] T. Lopes da Silva, J. C. Roseiro e A. Reis. «Applications and perspectives of multi-parameter
flow cytometry to microbial biofuels production processes». Em: Trends in Biotechnology 30.4
(2012), pp. 225–231. URL: http://www.scopus.com/inward/record.url?eid=2- s2.0-
84858644135%5C&partnerID=40%5C&md5=aa0be5592cb19ca4aad27c69eace115b.
[78] R. Andrade et al. «Monitoring Rhodosporidium toruloides NCYC 921 batch fermentations growing
under carbon and nitrogen limitation by flow cytometry». Em: World Journal of Microbiology and
Biotechnology 28.3 (2012), pp. 1175–1184. ISSN: 09593993. DOI: 10.1007/s11274-011-0920-
2.
68
[79] T. Lopes da Silva, D. Feijão e A. Reis. «Using multi-parameter flow cytometry to monitor the
yeast Rhodotorula glutinis CCMI 145 batch growth and oil production towards biodiesel». Em:
Applied Biochemistry and Biotechnology 162.8 (2010), pp. 2166–2176. ISSN: 02732289. DOI:
10.1007/s12010-010-8991-3.
[80] C. Freitas et al. «New at-line flow cytometric protocols for determining carotenoid content and cell
viability during Rhodosporidium toruloides NCYC 921 batch growth». Em: Process Biochemistry
49.4 (2014), pp. 554–562. ISSN: 13595113. DOI: 10.1016/j.procbio.2014.01.022. URL:
http://dx.doi.org/10.1016/j.procbio.2014.01.022.
[81] T. Lopes da Silva et al. «Citometria de fluxo: funcionalidade celular on-line em bioprocessos».
Em: (2004).
[82] BD Biosciences. BD Biosciences - Introduction to Flow Cytometry. 2015. URL: https://www.
bdbiosciences.com/us/support/s/itf_launch (acedido em 22/09/2015).
[83] Semrock, Inc. Filters for flow cytometry. 2014. URL: http://www.semrock.com/flow-cytometry.
aspx (acedido em 17/10/2015).
[84] C. Dias et al. «New dual-stage pH control fed-batch cultivation strategy for the improvement of
lipids and carotenoids production by the red yeast Rhodosporidium toruloides NCYC 921». Em:
Bioresource technology 189 (2015), pp. 309–318.
[85] X. Zhao et al. «Lipid production by Rhodosporidium toruloides Y4 using different substrate fee-
ding strategies». Em: Journal of industrial microbiology & biotechnology 38.5 (2011), pp. 627–
632.
[86] T. M. Parreira. «Otimização do processo de produção de lípidos e carotenóides a partir da bio-
massa da levedura Rhodotorula glutinis NRRL Y-1091». Tese de mestrado. Instituto Superior de
Agronomia, 2014.
[87] G. L. Miller. «Use of dinitrosalicylic acid reagent for determination of reducing sugar». Em: Analy-
tical chemistry 31.3 (1959), pp. 426–428.
[88] G. Lepage e C. C. Roy. «Direct transesterification of all classes of lipids in a one-step reaction.»
Em: Journal of lipid research 27.1 (1986), pp. 114–120.
[89] A. S. S. Sousa. «Produção microbiana de lípidos e carotenóides em culturas da levedura Rho-
dosporidium toruloides NCYC 921 desenvolvidas em regime semi-descontínuo.» Tese de mes-
trado. Instituto Superior Técnico, 2014.
[90] M. J. I. González et al. «Optimization of fatty acid extraction from Phaeodactylum tricornutum
UTEX 640 biomass». Em: Journal of the American Oil Chemists’ Society 75.12 (1998), pp. 1735–
1740.
[91] V. M. Martins. «Development of Rhodosporidium toruloides NCYC 921 fed-batch cultures for si-
multaneous production of lipids and carotenoids». Tese de mestrado. Instituto Superior Técnico,
2015.
69
[92] L. S. Cleceri, A. E. Greenberg e A. D. Eaton. Standard methods for the examination of water and
wastewater. 1998.
[93] ASTM E 258-67 - Standard method of test for total nitrogen in organic materials by modified
Kjeldahl method. Rel. téc. American Society for Testing e Materials, 1967.
[94] D. W. Green et al. Perry’s chemical engineers’ handbook. Vol. 796. McGraw-hill New York, 2008.
[95] Y. Li, Z. K. Zhao e F. Bai. «High-density cultivation of oleaginous yeast Rhodosporidium toruloides
Y4 in fed-batch culture». Em: Enzyme and microbial technology 41.3 (2007), pp. 312–317.
[96] F. Garcia-Ochoa e E. Gomez. «Bioreactor scale-up and oxygen transfer rate in microbial proces-
ses: an overview». Em: Biotechnology advances 27.2 (2009), pp. 153–176.
[97] C. M. Brown e A. H. Rose. «Fatty-acid composition of Candida utilis as affected by growth tem-
perature and dissolved-oxygen tension». Em: Journal of bacteriology 99.2 (1969), pp. 371–378.
[98] G. R. Stansell, V. M. Gray e S. D. Sym. «Microalgal fatty acid composition: implications for biodi-
esel quality». Em: Journal of applied phycology 24.4 (2012), pp. 791–801.
[99] H. Mori et al. «High density cultivation of biomass in fed-batch system with DO-stat.» Em: Journal
of Chemical Engineering of Japan 12.4 (1979), pp. 313–319.
[100] Z. Aksu e A. T. Eren. «Production of carotenoids by the isolated yeast of Rhodotorula glutinis».
Em: Biochemical engineering journal 35.2 (2007), pp. 107–113.
[101] K. Neira e D. Jeison. «Anaerobic co-digestion of surplus yeast and wastewater to increase energy
recovery in breweries». Em: Water Science Technology 61.5 (2010), pp. 1129–1135. DOI: 10.
2166/wst.2010.052.
[102] A. J. Ward, D. M. Lewis e F. B. Green. «Anaerobic digestion of algae biomass: a review». Em:
Algal Research 5 (2014), pp. 204–214.
[103] A. P. Batista, L. Gouveia e I. P. R. Marques. «Scenedesmus obliquus: biogas production from
residues of biodiesel/bioethanol extraction processes». Em: 2nd International Conference on Al-
gal Biorefinery: A potential source of food, feed, biochemicals, biofuels and biofertilizers. (Lyngby
(Copenhagen), Denmark). 2014, pp. 27–29.
[104] S. Park e Y. Li. «Evaluation of methane production and macronutrient degradation in the anae-
robic co-digestion of algae biomass residue and lipid waste». Em: Bioresource technology 111
(2012), pp. 42–48.
70
Apêndice A
Reagentes
Os reagentes químicos e outros compostos usados ao longo do trabalho estão listados na tabela A.1,
com indicação do nome, fórmula química, massa molar (MM, g mol−1), marca, pureza e aplicação:
meios de cultura e soluções de alimentação (Ferm); determinação da concentração de glucose resi-
dual (DNS); quantificação e identificação dos ácidos gordos por GC (AG); processamento da biomassa
para coextração dos AG e carotenoides (Proc); quantificação e identificação dos carotenoides extraídos
(Carot); determinação do conteúdo em CQO (CQO); determinação do teor em azoto total (N-tot); de-
terminação do teor em azoto amoniacal (N-NH3); determinação do conteúdo em sulfatos totais (Sulf).
A.1
Tabela A.1: Reagentes químicos e outros compostos usados ao longo do trabalho experimental.
Nome Fórmula química MM (g mol−1) Marca Pureza Aplicação
Acetato de etilo C4H8O2 88,00 Carlos Erba - CarotAcetonitrilo C2H3N 41,05 Carlos Erba - CarotÁcido 3,5-dinitrossalicílico (DNS) C7H4N2O7 228,12 Merck - DNSÁcido bórico H3BO3 61,83 Merck 99,8% Ferm, N-tot, N-NH3
Ácido clorídrico HCl 36,45 Merck 37,0% Ferm, DNSÁcido heptadecanóico CH3(CH2)15COOH 270,48 Nu-Chek Prep 99,0 % AGÁcido sulfúrico H2SO4 98,08 Merck 95-97% CQO, N-totCloreto de acetilo CH3COCl 78,50 Panreac 98,5% AGCloreto de alumínio hexahidratado AlCl3 · 6 H2O 241,45 Merck 97,0% FermCloreto de bário diidratado BaCl2 · 2 H2O 244,26 Merck 99,0% SulfCloreto de cálcio diidratado CaCl2 · 2 H2O 147,02 Merck 99,5% FermCloreto de cobalto CoCl2 129,84 Fluka 99,0% FermCloreto de cobre diidratado CuCl2 · 2 H2O 170,48 Merck 99,0% FermCloreto de sódio NaCl 58,44 Panreac 99,5% SulfD-Glucose anidra C6H12O6 180,16 Pronolab 99,5% FermDicromato de potássio K2Cr2O7 294,19 Riedel-de Haën 99,5% CQOÉter de petróleo (80-100 C) - 82,20 Fisher Chemical - AGExtracto de levedura - - BD - FermFosfato monopotássico KH2PO4 136,09 Panreac 99,0% FermHidrogenofosfato dissódico Na2HPO4 141,96 Panreac 99,0% FermHidróxido de potássio KOH 56,1 Vaz Pereira - ProcHidróxido de sódio NaOH 39,99 Vaz Pereira - Ferm, DNS, N-tot, N-NH3
Malt extract agar base - - Himedia - FermMetanol CH3OH 32,04 Merck 99,8% Carot, AGMolibdato de sódio diidratado Na2MoO4 · 2 H2O 241,95 Merck 99,5% Fermn-Heptano C7H16 100,21 Merck 99,0% AGn-Hexano C6H14 86,18 Fisher Chemical 99,5% ProcÓxido de mercúrio HgO 216,51 Merck 99,0% N-totPolipropilenoglicol (PPG) (C3H8O2)n - Prolab - FermSulfato de amónio (NH4)2SO4 132,14 Panreac 99,0% FermSulfato de ferro (II) e amónio hexaidratado FeSO4(NH4)2SO4 · 6 H2O 392,13 Riedel-de Haën 99,0% CQOSulfato de ferro (II) heptaidratado FeSO4 · 7 H2O 278,02 Merck 99,5% FermSulfato de ferro (II) heptraidratado FeSO4 · 7 H2O 278,02 Riedel-de Haën 99,0% CQOSulfato de magnésio heptaidratado MgSO4 · 7 H2O 246,48 Merck 99,5% FermSulfato de mercúrio HgSO4 296,65 Fluka 99,0% CQOSulfato de potássio K2SO4 174,26 - - N-totSulfato de prata Ag2SO4 311,83 Panreac 99,5% CQOSulfato de sódio anidro Na2SO4 142,04 Merck 99,0% AGSulfato de zinco heptaidratado ZNSO4 · 7 H2O 287,55 M & B 99,5% FermTartarato de sódio e potássio C4H4KNaO6 · 4 H2O 282,23 Panreac 99,0% DNSTetraborato de sódio decaidratado Na2B4O7 · 10 H2O 381,37 Riedel-de Haën 99,5% N-NH3
Tiossulfato de sódio NasS2O3 · 5 H2O 248,18 Riedel-de Haën 99,5% N-totTrietilamina (TEA) N(CH2CH3)3 101,10 Panreac 89,5% Carot
A.2
Apêndice B
Concentração de biomassa
A figura B.1 representa a curva de calibração obtida por Parreira [86], relacionando a concentração de
biomassa de R. toruloides, em g de peso seco de levedura L−1, com a densidade ótica lida a 600 nm
(DO600).
Figura B.1: Curva de calibração que relaciona a concentração de biomassa (g L−1), com a densidade ótica lida a600 nm.
A correlação obtida por regressão linear (R2 = 0, 9986) foi:
Concentração de biomassa (g L−1) = 0, 7062 · DO600 + 0, 4338
B.3
B.4