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Rev.DireitoePráx.,RiodeJaneiro,Vol.9N.2,2018,p.969-991.RaquelVarelaeRobertodellaSantaDOI:10.1590/2179-8966/2018/33600|ISSN:2179-8966
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OMaiode68naEuropa–EstadoeRevoluçãoTheMayof68inEurope–StateandRevolution
RaquelVarela
IHC-Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal. E-mail:raquel_cardeira_varela@yahoo.co.uk
RobertodellaSanta
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil. E-mail:
beto.dellasanta@gmail.com
Artigorecebidoem12/04/2018eaceitoem26/04/2018.
ThisworkislicensedunderaCreativeCommonsAttribution4.0InternationalLicense
Rev.DireitoePráx.,RiodeJaneiro,Vol.9N.2,2018,p.969-991.RaquelVarelaeRobertodellaSantaDOI:10.1590/2179-8966/2018/33600|ISSN:2179-8966
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Resumo
Há50anos,emMaiodeJunhode1968,tevelugaramaiorgrevegeraldahistóriadaEuropa.
Esta representa ummarco na história da Europa e doMundo. Na Europa, trata-se de uma
revolução num país capitalista avançado, que une trabalho manual a intelectual e, pela
primeiravezdesdeaGuerra,colocaemcausaahegemoniadospartidospróURSSnadirecção
daclassetrabalhadora.Nomundo,oMaiode68representaumaépocahistóricamarcadapelo
protagonismodelutassociaisquecolocaramos"debaixo"noepicentrodoprocessohistórico:
Berkeley,Londres,México,Praga,TurimeParis.Nesteartigoolhamososacontecimentosnas
cidadeseuropeias,ecomoelesmarcaramumaépocanoséculoXX.
Palavras-chaves:Maio68;Históriadaclassetrabalhadora;Europa;Movimentossociais.
Abstract
Fiftyyearsago,inMayof1968,thelargestgeneralstrikeinthehistoryofEuropetookplace.
ThisrepresentsamilestoneinthehistoryofEuropeandtheworld.InEuropeitisarevolution
inanadvancedcapitalistcountry,whichcombinesmanualand intellectualworkand, for the
firsttimesincethewar,callsintoquestionthehegemonyofpro-USSRpartiesinthedirection
of the working class. In the world, May 1968 represents a historical era marked by the
protagonismofsocialstrugglesthatputtheworkingclassesattheepicenterofthehistorical
process:Berkeley,London,Mexico,Prague,TurinandParis.Inthisarticlewelookateventsin
Europeancities,andhowtheymarkedanerainthetwentiethcentury.
Keywords:May68;Workingclasshistory;Europe;Socialmovements.
Rev.DireitoePráx.,RiodeJaneiro,Vol.9N.2,2018,p.969-991.RaquelVarelaeRobertodellaSantaDOI:10.1590/2179-8966/2018/33600|ISSN:2179-8966
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Introdução
“QuandoaAssembleiaNacionalsetornaumteatro,todososteatrosburguesesdevemtornar-seassembleiasnacionais”1
TeatroÓdeon,Paris,Maiode1968
“Onossodestinoseráfeitopelasnossasmãos.”2Relatodo1deMaioemliberdadeemPortugal,1974.
OMaiode68,arevolução,denovo«oimpossíveltorna-seinevitável»
EmMaioeJunhode1968tevelugaremFrançaamaiorgrevedahistóriadopaís.Elaparalisou
a França, levando ao desabastecimento, “as necessidades humanas, normalmente tidas por
garantidas,agoraapareciamvisivelmentecomoumprodutodotrabalhohumano”3.Masoseu
alcanceextravasouemmuitoParis–edaCidadeLuzaoMéxicoaBuenosAires,dePequima
Berlim,dePargaa Turim, todoomundoviveuo “Maiode68”.As classesaltas edirigentes
ficaramaflitas.Osestudantes,asclassestrabalhadoraseosintelectuais,nasuamaioria,com
um entusiasmo revigorante: “Nós lutaremos, nós vencermos, em Paris, Roma, Londres e
Berlim”4.
SeasduasmaioresrevoluçõesdaEuropadopósguerra-Portugalem1974eaPolónia
em1980-81 – foram realizadas empaíses comditaduras, sem tradição quer de democracia
quer de partidos reformistas, o Maio de 68 veio, pelo contrário, mostrar que era possível
contestaraacumulaçãocapitalistaeapropriedadeprivada,ocupandoasfábricas,exercendo
controlo operário sobre a produção, num país capitalista, avançado, com um regime de
democraciaburguesa.Paraaesquerdarevolucionáriamundialfoi,recordaBirchal,aprovade
queera realistapensaremrevoluçõesnoocidente.5ParaasclassesdirigentesdaEuropa foi
assustador.
CharlesDeGaullechegouaficarsemreacçãoduranteváriosdias.Poucaajudapodia
terentãodosseuspaísesirmãos–nasfábricasdeTurim,nasruasdeBerlim,nascidadesdos
1 Ian Birchall, «France 1968. “All Power to the Imagination”», In Colin Barker (ed), Revolutionary Rehearsals,London/Chicago,Bookmarks,1987,p.23.2DiáriodeLisboa,2deMaiode1974,p.12.3 Ian Birchall, «France 1968. “All Power to the Imagination”», In Colin Barker (ed), Revolutionary Rehearsals,London/Chicago,Bookmarks,1987,p.15.4 Ian Birchall, «France 1968. “All Power to the Imagination”», In Colin Barker (ed), Revolutionary Rehearsals,London/Chicago,Bookmarks,1987,p.5.5 Ian Birchall, «France 1968. “All Power to the Imagination”», In Colin Barker (ed), Revolutionary Rehearsals,London/Chicago,Bookmarks,1987,p.6.
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EUA,aimaginaçãodemilhõesdeoperáriossilenciososdesdeaguerratinhachegadoaopoder.
Nosprimeirosdiaspelavozdosseusfilhos,osestudantesuniversitáriosdobabyboomdopós
guerra;nosdiasseguintespelaforçadamaiorgreveoperáriadahistóriadaFrança.
Odetonador foioprotestoestudantilcujoápiceéanoitedasbarricadas,quandoos
estudantesebarricamnasruasdoQuartierLatin,nazonadaUniversidadeSorbonne,atirando
pedras à polícia, que reprime brutalmente a manifestação, espoletando a reacção do
movimento operário em solidariedade. Calcula-se que 9 milhões de trabalhadores se
envolveram na greve, que teve o epicentro na indústria automóvel mas atingiu todos os
sectores,doscientistasdoObservatórioMeudonaocabarémíticoFoliesBergères.
Obabyboomdopósguerraeoimpulsocientíficoetecnológico,aparipassucomas
conquistassociaisdoEstadoSocial,tinhamabertoasuniversidadesàsclassestrabalhadoras,o
númerodeestudantesnoensinosuperiortinhapassadode175milparamaisdemeiomilhão
emdezanos(entre1958e1968).
Asgrevesde1968nãopodemsercompreendidasforadocontextodacrisecíclicade
1967 e do período de iniciativa mundial dos trabalhadores, com o centro nevrálgico nas
fábricas norte-americanas de automóveis e no Maio de 1968 em França, de resistência à
intensificação do trabalho6, segundo o sociólogo Peter Birke. Esta tese é confirmada nos
estudosdePietroBassosobreaevoluçãodotrabalhonoséculoXXeXXI7.
No verão de 1967 o Governo tinha imposto o corte nos reembolsos das despesas
médicas e reduzido a participação dos trabalhadores nas decisões do sistema de Segurança
Social. A medida gerou irritação nos trabalhadores. Em Junho de 1967 a Peugeot tinha
chamado a polícia antimotim para um conflito na fábrica e esta acabou por matar dois
operários,fatoqueprovocouindignaçãopública.
Nodia3deMaioogovernoencerraaSorbonne.Osprotestostinhamsubidodetom,
exigindo, entre outras reivindicação, a livre circulação no campus entre o sector feminino e
masculinodocampus.Começamconfrontosentreapolíciaeosestudantesquenodia10de
Maio erguem, estima-se, cerca de 60 barricadas, onde participam vários milhares de
estudantes.ParistinhaumalongatradiçãodebarricadasqueoBarãoHaussman,entre1852e
1870, tentou pôr fim arrasando combairros inteiros, construindo avenidas largas, por onde
6PeterBirke,BerndHuttner,GottfriedOy(HRSG.),AlteLinke–NeueLinke?DieSozialenKampfeder1968erJahreinderDiskussion,Berlin,KarlDietzVerlag,2009.7PietroBasso,ModernTimes,AncientHours,WorkingLives intheTwenty-firstCentury,London/NewYork,Verso,2003.
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pudessem circular as forças anti-motim, naturalmente também respondendo à crescente
industrializaçãodopaísedacidade.OQuartierLatineraporémdepequenaseesconsasruas.
A reação de repulsa geral à brutalidade da polícia sobre as barricadas estudantis
obrigouossindicatosachamaremagrevegeralparadia13deMaiode1968.Nodiadagreve
uma manifestação vê desfilar electricistas, trabalhadores do sector químico, funcionários
públicos, metalúrgicos, pintores, ferroviários, professores, empregadas de mesa,
trabalhadoresdosbancoseseguros,decoradores,a“carneeosanguedasociedadecapitalista
moderna”.8Nodiaseguinte,na fábricaSudAviation,emNantes,os trabalhadoresdecidiram
entraremgreveportempoindeterminado.
Estava dado o mote. Seguiram-se duas semanas de greves em todo o país que
envolveram9a10milhõesdetrabalhadorescomocupaçãogeneralizadadefábricas.Segundo
MichelSeidamanaunidadeentreestudantesetrabalhadoresfoi“transitória”,depoucosdias
e em alguns setores9, mas o movimento de fato prossegue nas fábricas com uma força
inaudita.
Omovimentosindicaltinhapoucaforçanasfábricaseempresas.AFrançatinhaentão
uma baixa taxa de sindicalização, sobretudo depois do desânimo que tinha resultado das
negociaçõesdossindicatosemconcertaçãosocial,depoisdasgrevesde1947.Haviaem1968,
3milhõesdetrabalhadoressindicalizados,eem1947erammaisde7milhões.Mas,durantea
grevegeraldeMaioostrabalhadores,espontaneamente–cominfluênciadepequenosgrupos
trotskistas,maoistaseanarquistas-,criaramcomitêsdeação,apartirdecomitêsdegreve.A
19deMaioemParisnumaAssembleiaconjuntaestavamrepresentados149comités.Nofim
domêseramjá450.
Em muitos destes comitês cria-se uma forma de controle real da produção, foi
decidido por exemplo, face ao desabastecimento, que serviços mínimos essenciais seriam
prestadosàsociedade,ficandonotórioopapeldostrabalhadoresnaproduçãoereprodução
da sociedade – em muitos lugares os trabalhadores tomam decisões sobre toda a cadeia
produtiva de um sector em greve. Mas só uma cidade entrará totalmente em situação de
dualidadesdepoderes,Nantes.
JenaPaulSartreeMargariteDurassolidarizaram-secomestudantedaSorbonne,ea
orquestra do festival de cinema de Cannes entrou em greve. André Malraux, Ministro da
8 Ian Birchall, «France 1968. “All Power to the Imagination”», In Colin Barker (ed), Revolutionary Rehearsals,London/Chicago,Bookmarks,1987,p.12.9MichaelSeidman,TheImaginaryRevolution:ParisianStudentsandWorkersin1968,NewYork,Berghahn,2004.
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Cultura e ex combatente da guerra civil espanhola, escrito do livro A Esperança10, sobre a
revoluçãoemBarcelona,fica,parasurpresademuitos,dooutroladodabarricada,apoiandoo
Governo. O Teatro Odéon, um dos 6 teatros nacionais na França, símbolo da burguesia
vitoriosa e da criação de uma alma nacional laica republicana, foi ocupado sob o slogan
“QuandoaAssembleiaNacionalsetornaumteatro,todososteatrosburguesesdevemtornar-
seassembleiasnacionais”.11
NãosóemParisseviveuestetempode“éproibidoproibir”.EmLondresem1967e
1968osprotestosabremcaminhocomumaforçainéditaàesquerdadoPartidoComunista.O
grupodestesqueperduroumaisnotempogirouemtornodaNewLeftReview;emBerkeley
naCalifórniaosestudantesfazem-seouvirpelapaz,contraaguerradoVietnameemapoioao
movimentodosdireitoscivis,contraosulescravocrata12.Tambémcontraaproletarizaçãoea
padronização - contra as “fábricasdo conhecimento”13.A guerra contraospovosdaArgélia
tinha radicalizado a associação nacional de estudantes franceses, fortemente influenciados
também pela China maoista e o pelo guevarismo - Che Guevara tinha sido assassinado no
Outonode1967numaperseguiçãogrotescaapoiadapelosEUA.
EmPortugalorganizam-sereuniõesestudantisemapoioaoMaiode68maserauma
alturade fraquezadomovimentoestudantil,aindamal recompostodosgolpesdarepressão
doregimede1965e1967sobreossectoresafectosaoPCPeàsFAP(FrentedeAcçãoPopular,
maoistas), os gruposmais influentes na altura. Vai haver umMaiode 68 emPortugal,mais
tarde,éacriseacadêmicade1969.
Desde 1968 havia protestos na Irlanda contra as restrições às liberdades políticas
impostaspelosingleses.OsmanifestantestinhamàcabeçaaAssociaçãodosDireitosCivisda
IrlandadoNorte, influenciadapelosmovimentosdosdireitos civisnorte-americanos. Irlanda
do Norte à beira da guerra Civil. Tropas britânicas encontravam-se hoje de prevenção para
guardarinstalaçõesimportantesnaIrlandadoNorte,após36horasdedesordensemquemais
de250pessoasficaramferidas.NovedospostosdecorreiodeBelfast,atacadoscomcocktails
Molotov,encontravam-seaindaaarderàsprimeirashorasdamanhãdehoje,eaumentavam
osreceiosnestacidadedequeseregistassemmaisdesordensduranteodia.14
10AndréMalraux,AEsperança,Lisboa,LivrosdoBrasil,2007.11 Ian Birchall, «France 1968. “All Power to the Imagination”», In Colin Barker (ed), Revolutionary Rehearsals,London/Chicago,Bookmarks,1987,p.23.12ChrisHarman,TheFirelastTime,London/Chicago,Bookmarks,2000,pp.64-65.13ChrisHarman,APeople’sHistoryoftheWorld,LondonandSidney,Bookmarks,1999,p.580.14DiáriodeLisboade21deAbril,de1969.
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Sobre o impacto do movimento anticolonial no mundo inteiro, também os negros
norte-americanosreclamamaigualdade.Omarcoinicial,quefezexplodiranosdeopressãoe
frustraçõesacumuladas,foidadoporumavelhasenhora,RosaParksque,em1955,depoisde
umdiacansativonotrabalho–eracostureira–sesentounumdosbancosdafrentedoônibus,
reservados para brancos e se recusou a levantar. Foi presa e julgada. A sua condenação
levantouumaondadeprotestosnosEUAeumboicoteaostransportespúblicosqueosdeixou
àbeiradafalência.Durou382diasesóterminouquandoseaboliualegislaçãoqueseparava
brancosenegrosnosônibus.
Foi o momento de saída mas a chegada ainda estava longe. Em 1957 o Congresso
norte-americano fezaprovaraprimeira leidedireitos civisquepromoviaa igualdade racial.
Masnosuldopaís,caracterizadoporgrandespropriedadesdebrancosparaondetrabalhavam
osnegros,duranteanosescravos,oracismonãoseaboliasócomleis.Omovimentoradicaliza-
se.
Aquiloquecomeçaporserummovimentodemassaspordireitosiguaisperantealei
rapidamentesetornanummovimentocomreivindicaçõesclassistasmuitomarcadas:direito
ao trabalho (o desemprego era 4 a 5 vezes superior entre os negros); salários iguais aos
brancos;habitaçõescondignas;educaçãodequalidade.Serájánasegundametadedadécada
de60quelíderesinfluenciadospelomarxismo,comoMalcomX,vãodirigirgrandepartedeste
movimentoque,entretanto,seencontracomomovimentoantiguerradoVietnameeoMaio
de68.OpróprioMartinLutherKingaderiunofimdavida(foiassassinadoemMemphis,4de
abrilde1968),àsideiassocialistas,criticandoaguerradoVietname,associandoasegregação
racialaocapitalismo.15
Berkeley foi também o centro da luta estudantil contra a guerra do Vietname. Em
Junhode1967onúmerodesoldadosnorte-americanosmortosnoVietnameascendeaos10
000. Os Estados Unidos tentam usar a crise no Médio Oriente para fazer esquecer este
número. As baixas norte-americanas atingiam, porém, cada vez númerosmais altos, que o
governo tentava esconder. Na última semana de Maio de 1967 morreram mais de 300
soldadosnorte-americanos (fala-se tambémnamorte, nomesmoperíodo, demais de2000
vietcongs)emaisde2000soldadosficaramferidos.
Em 1968 o Vietcong (Frente Nacional para a Libertação do Vietname) lança um
conjunto coordenados de ataques, os mais sangrentos da guerra, conseguem entrar nas
cidades e nas bases norte-americanas. Depois disso ficou claro para quem ainda pudesse
15BrianJones,«MartinLutherKing’sRevolution»,InJacobin,4deAbrilde2017.
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duvidarqueosEUAnuncavenceriamaguerra.Contudosóem1975assumirãoaderrotaese
retirarãodoVietname.
Nodia18deMarçode1967oTorreyCanyonafundou-seaolargodasIlhasScilly,na
Grã-Bretanha. Foi o primeiro grande desastre de derrame de petróleo no mundo. Por isso
mesmonãohaviaplanosadequadosparalidarcomumacatástrofeecológicadestadimensão.
Quandofoiconstruido,em1959,oTorreyCanyontinhacapacidadepara60000toneladasmas
foi aumentado no Japão para o dobro, 120.000. Quando se deu o acidente, o navio era
propriedade da Corporação Barracuda Tanker e estava em serviço charter para a British
Petroleum. Um movimento ecologista desperta a partir de então nas revindicações dos
estudantes contra a produção em massa capitalista que destruía os recursos da terra,
delapidando os ecossistemas. Durante a revolução portuguesa de 1974 e 1975 um
manifestante discursa: “Hoje em dia atribui-se a certas doenças o nome de doenças da
civilização.Elassãoantesdoençasdabarbárie(…)provocadaspelapressãodoritmodevida,
pela poluição sonora, pela poluição a todos os níveis, pela alimentação enlatada,
industrializada.Nãopodemserchamadasdoençasdacivilização,masdoençasdabarbárie!”16
CharlesTilly17classificouoMaiode68comoamaiormobilizaçãodesempredaFrança.
Contudoasestatísticasdoperíodoforamsuprimidas.ParaoscientistassociaisÁlvaroBianchie
Ruy Braga: «A avaliação do tamanho da greve dá conta dos combates que se travam no
terreno da história. Os dados oficiais a seu respeito foram sumariamente suprimidos dos
boletins estatísticos. Tanto oAnnuaire statistique de la France, como oBulletinmensuel de
statistiques sociales, não registram dados nas colunas demaio e junho de 1968! (Idem.) A
história oficial não podia reconhecer o alcance do movimento; optou por apagá-lo. Uma
estimativaconservadora,baseadaeminformaçõesrecolhidasnaimprensaenaqualasgreves
empequenasempresasestãoclaramentesubestimadas,estipulaem5.196.300onúmerode
grevistas. O estudo revela, entretanto, a força da greve nas grandes indústrias. No setor
automobilístico, a greve atingiu 94,8% dos trabalhadores; na indústria têxtil, 94,2%; e nos
sectordecombustíveis,minérios,gás,electricidadeeáguia,91,8%(idem,p.116).Onúmero
geralmentereconhecidopeloprópriomovimentoeraodedezmilhõesdegrevistas.»18
AposiçãodoPScontraaindependênciadaArgéliaeaposiçãohesitantedoPCFfacea
esta guerra, que terminou em1962; junto com a atitude, sobretudo do PCF, de não apoiar
inicialmente os estudantes (para o PS é mais fácil apoiá-los porque não dirigia estas16NoticiárioNacional,RTP,6dejunhode1975,ArquivodaRTP.17EdwardShorter,CharlesTilly,StrikesinFrance1830-1968,CambridgeUniversityPress,1974.18ÁlvaroBianchieRuyBraga,«1968edepois:osestudanteseacondiçãoproletária»,InOutubron.171ºsemestre2008,pp.20-21.
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organizações), levou-os a erodir, em 1968, a sua base de apoio. Embora o resultado seja
complexo, com consequências também noutros países europeus e latino-americanos. E
desigual,consoanteolhemosacurtoouamédioprazo.
Porumlado,nocalorrevolucionário,nasceramorganizaçõesdedualidadesdepoderes
nãocontroladosporestespartidos,oscomitésdeacção.Poroutrolado,comaperdadeforça
do movimento, os trabalhadores foram-se transferindo dos comitês de ação para a as
estruturassindicais-,queacabaramporsermaioritariamentedirigidasporestespartidos,que
tinhamestadocontraoscomitês.Masestespartidos tinhamumaorganização,ouseja,uma
estrutura material e intelectual, mais quadros, mais profissionais e mais experiência de
direcção.Aomesmo tempooPSeoPCFvãoganharespaçoeleitoralao longodosanos70.
Forçasocial,sindical,eleitoralepolíticacaminharamdeformadesencontrada.
AindaassimaFrançadehojefoiomaisresistentedospaísesaoneoliberalismoporque
muitosdosseussindicatos,ganhospelascorrentestrotskistas,anarco-sindicalistaemaoistas
de68,comoosferroviáriosdosuldopaís,ouoscorreios–quecriaramosSudSolidairs,uma
associação sindical radical -, serviram como vanguarda contra os planos de flexibilização
laboral, comoo CPE- Contrato Primeiro Emprego, entre ouros pacotes de redução do custo
unitáriodotrabalho19.
Foi noMaio de 68 primeiro que as organizações stalinistas viram a sua hegemonia
comodirecçãodomovimentooperárioeuropeupostaemcausa,masissofoimuitomaislonge
na revoluçãoportuguesa,ondeemalgumasdasmaiores fábricasdopaís (setormetalúrgico,
ecléctico,químico)oPCPnãotinhamaioria.
AsexplosõessociaisemFrançaeItáliatinhammostradoqueaclassetrabalhadorados
anos 60 se erguia também contra as direcções sindicais, optando, no meio das lutas mais
radicalizadas, por métodos mais assembleístas, ao contrário dos momentos de menor
intensidade da luta social, em que os sindicatos prevalecem. A acusação de “pequenos
burgueses”, levada a cabo pelos partidos comunistas para os estudantes tinha pouca
sustentação:comoavançodaescolarização,seguidodamassificaçãodoensinouniversitárioe
da proletarização do trabalho intelectual, torna-se patente que o argumento utilizado pelos
dirigentes dos PCs oficiais contra os estudantes rebeldes era essencialmente enganador.
Tomados de surpresa, os sindicatos burocratizados e o movimento comunista oficial – já
bastanteabaladospelasdenúnciasdos“crimesdeEstaline”ocorridasduranteoXXCongresso
do PCUS em 1956 e pela sua atitude perante a independência da Argélia – respondiam à19 Stéphane Braud e Marie Cartier, «De la précarisation de l’emploi à la précarisation du travail: la nouvelleconditionsalarial»,InLaFranceinvisible,Paris,LaDécouverte,2006,pp.561-573.
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pergunta,“afinal,quemsãoessesestudantesqueserebelam?”,assim:“Osestudantesdehoje
sãonossosfuturospatrões!Nãolevemosasériooqueestãodizendo!”»20
Estas acusações e conflitos contra os dissidentes ou contra a extrema-esquerda não
tiveramumefeitomaisdesastrososobreasorganizaçõespolíticasporqueemprimeirolugarjá
o eram – com largas centenas de profissionais e dependentes financeiramente total ou
parcialmentedoEstado,doParlamentoedossindicatos.Emsegundolugarporquehaviaum
óbvio capital simbólico que tinha perduradopor terem sido eles, os comunistas e as tropas
soviéticas,osmaismassacradosduranteonazismo, sofrendoomaiordonúmerodevítimas
entrearesistênciaorganizada.
AChinadaRevoluçãoCultural foi tambémdeterminantenaquebrade influênciado
stalinismo.Acrisetinhacomeçadonoconflitosino-soviéticode1961.A29deMaiode1966,
na Universidade de Tsinghua, foi formada a primeira organização de “guardas vermelhos”,
gruposdejovensqueteriamumpapelproeminentenoqueficariaconhecidocomorevolução
cultural chinesa (a Grande Revolução Cultural Proletária). A 1 de Junho, o Diário do Povo
publicavaumartigoondesecitavamosapelosaumagrandepurgadetodososimperialistas,
intelectuais pró-imperialistas e amigos dos imperialistas. A 28 de Julho, representantes dos
guardas vermelhos escreveramaMaoTsé-Tung aderindoà campanhadepurgasno seiodo
partidoedoEstado.Estavadadoomote.
Ao desastre doGrande Salto associava-se uma crítica forte, entre alguns setores do
Partido, a uma burocratização do PC chinês que emmuito fazia lembrar a degenerescência
soviética.Mas,paraseoporemaumacastadeprivilegiados,usaramosmétodosdecontrole
dopodererepressãopolicialemmassa,exatamenteosmétodoscaracterísticosdaburocrática
URSS. E usaram-nos não só contra os privilegiados mas contra uma grande parte de
revolucionários,críticosdeMão.
Durantetrêsanos,osguardasvermelhosforamapontadelançadeumacampanhade
depuração. Armados do Livrinho Vermelho de citações deMao, colaramdazibaos (enormes
cartazes)eorganizaramgrandesassembleiasemquedenunciavamoscontra-revolucionáriose
faziam-nos desfilar numa espécie de procissões da Inquisição, com cartazes em que se
acusavam dos piores crimes. Muitos dirigentes centrais, regionais e locais, professores e
intelectuais viram-se deportados para os campos, para se reeducarem, foram presos ou
assassinados. Campos que continuavam dominados pelos quadros rurais, fortemente
20ÁlvaroBianchieRuyBraga,«1968edepois:osestudanteseacondiçãoproletária»,InOutubron.171ºsemestre2008,p.33.
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autoritários,equetinhamoapoiodoexércitopopular.Campostambémemmuito,alheiosàs
lutaspelopodernaChinaurbana.
EmTurim,em1969,osoperáriosdaFiatMirafiori–amaiorfábricadaFiatdomundo
inaugurada em 1939 para a guerra por Mussolini – entram em greve.
Numadasmanifestações, que sai da portaprincipalde Mirafiori em direcção ao bairro em
frente,40000operários juntam-se.De repente,doaltodas janelasdosprédios, começama
cair vasos de flores, em direcção à cabeça dos polícias– foi oprimeirosinal que parte do
população de Turim estava com osoperários. Era o “Autunno Caldo”, uma série de greves
massivasnoNortede Itália–ondehaviaemigraçãorecente jovemdosul -queduramentre
1969e1970evãoterminarcomaumentossalariaiseaconquistadas40horasdetrabalho.E
também comuma profunda crise no PCI que vai impulsionar os acordos com a democracia
cristã,porumlado,eaomesmotempoabrircaminhoàsdissidênciasobreiristasdopartido.
Foinoanode1969queDeGaulle,umdosmaisqueridoschefesdeEstadodasocial-
democracia e da direita europeias, caía,mostrando que afinal, contra todos os desejos dos
seusapoiantes,nãotinhaconseguidosobreviverpoliticamenteàmobilizaçãosocialde1968.
O historiador canadiano T. H. Vadney, aomesmo tempo que recorda o valor deDe
Gaulle para os dirigentes europeus que sonhavam fazer da Europa uma “terceira força
mundial”, independentedaURSSedosEUA, salientaqueohomem forteda França caiuno
Maio de 68, apesar de formalmente só ter pedido a demissão em Abril de 1969: «Eles (os
operários) identificaram-se com os protestos estudantis contra a própria visão ocidental de
umaclassedominantegestora-burocrática.Nodia13deMaiode1968umagrevegeralparou
Parise300milmanifestaram-se.Empoucosdias10milhõesdepessoasestavamemgreve.O
governodeCharlesDeGaullemobilizouaprovínciaeaclassemédiaparaconseguiracalmara
tempestade,masaparticipaçãomassivadapopulaçãofrancesanasgrevescontraoGoverno
mostrou que havia problemas no Ocidente. E De Gaulle acabou por renunciar no ano
seguinte.21
AseguiraMaiode1968eàgeneralizaçãodosprotestosestudantiseoperárioscontra
o governo francês, De Gaulle sai da França para se encontrar, na Alemanha, com Jacques
Massu, então o chefe das forças francesas de ocupação da Alemanha. O encontro de De
Gaullle comMassu – e que durante a guerra da Argélia tinha planeado um golpe contra a
França–exprimiaadimensãodarevoltapopularemqueDeGaulleestavasubmerso.ParaIan
Birshal tal encontro nunca passou de uma fraude. A direita francesa organiza-se em
21T.E.Vadney,InTheWorldSince1945,London,PenguinBooks,1998,p.417.(Traduçãonossa).
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manifestações contra oMaio de 68mas De Gaulle nunca pensou usar um exército que se
poderiadividirerecusar-seaatirarsobreospróprios“filhos”.
De Gaulle confiou nas eleições, apoiando-se num dado histórico - as eleições
destorciamsocialmenteo fossoentreas classedaFrança. Tal comoem1852 LuísNapoleão
tinhaderrotadoarevoltaparisiensecomaseleições,apoiando-senascamadasdaprovíncia,
DeGaulleconfiaqueaseleiçõesfarãoumcontrapesoàforçaestudantileoperáriadascidades,
fazendofalaraclassemédia,aburguesiae,comoafirmaVadney,aprovíncia.Acomparação
entreDeGaulleeNapoleãoIII(LuísBonaparte)éfeitapelaprópriaBBCde18deAbrilde1969.
Aapostafoiganha,pelomenosnoimediato.NaseleiçõesdeJunhode1968apartidodeDe
Gaullevencecom358dos487lugares.
Masasituaçãosocialnãomudouradicalmentecomavitóriadosgaullistas.Ea28de
Abril de 1969 De Gaulle é obrigado a renunciar depois da derrota num referendo. A sua
propostareferendáriapreviaatransformaçãodoSenadonumaespéciedeconselhopolíticoe
sobretudo instituía, num agradecimento ao apoio da província, o aumento substancial do
poderdosconselhosregionais.DeGaulleperdeoreferendocom52,97%dosvotosafavore
47,13%contra.
Um dia antes da realização do referendo a imprensa já considerava De Gaulle
derrotado.Os jornais de esquerda regozijavam-se como fim próximo do homemque tinha
lideradoaderrotade68;oDiáriodeLisboade28deAbrilde1969afirmavaque:«DeGaulle
escolheuahumildade».
No fimamobilizaçãosocialdoMaiode68vai serderrotadaporque,umaauma,as
direcçõessindicaisvãolevarostrabalhadoresadesistirdagreve,massódepoisdeconquistas
sociais importantes, aquém porém da força que demonstraram naqueles dias. Assim,
enquantoosestudantessemanifestavamnasruaseostrabalhadoresocupavamasfábricas,a
direçãodoPCFnegociavaapartirdo25demaioos“acordosdeGrenelle”comrepresentantes
doEstadoedopatronato francês. Tais “acordos” redundaramemumaumentodos salários
para todosos trabalhadoresde7%–mais3%emSetembro–, seguidoporumaumentodo
saláriomínimoemtornode25%.Alémdisso,opatronatoaceitoureconheceroscomitésde
fábrica e reduzir a percentagem das despesas de saúde não reembolsadas pela seguridade
socialde30%para25%.Muitopoucoparaamaiorgrevedahistóriadeumpaísacostumadoa
grandesgreves.22
22ÁlvaroBianchieRuyBraga,«1968edepois:osestudanteseacondiçãoproletária»,InOutubron.171ºsemestre2008,p.35.
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Foi,finalmente,noMaiode68queumnovoimpulsonalibertaçãodasmulheres,tema
que retornará, uma e outra vez, ao longo da história da Europa até aos nossos dias. A
igualdade de género não foi ainda conquista na Europa, já quase duas décadas passaram
desde o início do século XXI. Mas a combinação da entrada das mulheres no mercado de
trabalhonopósguerra,a crescenteescolarização, comamassificaçãodoensino,deramum
impulso importante a uma maior igualdade social entre gêneros. O Segundo Sexo23, obra
pioneiranofeminismo,tinhasidopublicadoem1949porSimoneBuauvoir,intelectualpública
e participante no Maio de 68, e vai ser uma das referências para o movimento feminista
europeuemundial.
Os bolcheviques tinham sido os primeiros a elaborar uma visão multifacetada da
libertaçãodasmulheres,queincluianãosóodireitoaotrabalhoassalariado,portantolibertar-
sedafamíliatradicionaledasubjugaçãodamulheraomarido,comoalibertaçãodotrabalho
assalariado,ouseja,lutarcontraexploraçãocapitalista24.Foramosprimeirosaimpormedidas
quenasegundametadedoséculoXXsetornaramcomuns,comocreches.Forammaislonge,
porém, e embora com poucos meios tentaram criar uma rede de trabalho reprodutivo
socializado,comolavandariascolectivasecantinas,paraqueamulherpudessesairdaesfera
privada e conquistar a espera pública, e para que a união de amor livre fosse possível a
homensemulheressemsucumbiremaodesgastedotrabalhodoméstico.
O tema do feminismo é complexo e amplo porque ele varia muito consoante as
décadasemqueretornaaocentrodosdebatespúblicos.Econsoanteospaíseseuropeus.Em
68 foipujantea visão radicaldasmulheres–que tinham,porexemplo,horasdistintaspara
regressar as faculdades à noite – que queriam ter auto responsabilidade para si e abrir os
corredoresdoamor,paraseencontraremdemãosdadas,comoshomens,semmuros–isto
esteve na pauta reivindicativa de todos os movimentos estudantis na década de 60. A
liberdadesexual.Odireitoaescolher.
Mas este não foi sempre o feminismo dominante, que foi atravessado pelo debate
gênero e classe, opressão e exploração. Em muitos países o liberalismo, necessitando da
entrada das mulheres no mercado de trabalho, teve um papel central na aceleração da
independência desta. Noutros, o pleno emprego foi artificialmente conseguido – caso da
Alemanha Federal e da Holanda (esta ainda hoje) – pelo emprego feminino em part time:
«Veja-se a participação feminina na força de trabalho em1988: na RDA78,1 por cento das
mulherestrabalhavaeganhava83,2porcentodoqueganhavamoshomens,aopassoquena23SimoneBeauvoir,OSegundoSexo,volIIeII,Lisboa,Quetzal,2015.24WendyGoldman,Mulher,EstadoeRevolução,SãoPaulo,Boitempo,2014,p.79.
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economia da República Federal, apenas 55 por centro das mulheres trabalhava, ganhando
apenas 70 por cento do salário masculino».25 80 por centro das crianças tinham na RDA
infantáriogratuitoatéaos3anos,naRFAmenosde3porcentrodascriançasfrequentavamo
infantário. É significativo que na Alemanha Democrática dos anos 60, onde havia uma
ditadura,aigualdadedegénerofoimaismaislongedoquenaAlemanhaFederal,ondehavia
umregimedemocrático.
Curiosamenteo atraso às vezes estimulao avanço– a guerra colonial e a imigração
colocaram Portugal em 1974 com uma dasmais altas taxas de trabalho feminino, perto do
40%.Ehoje47%.Desdelogoporqueaocontráriodospaísesricossãonecessáriosdoissalários
parasustentarafamília.
ChegadosaofinaldoséculoXXeiníciodoXXIomovimentofeministaganhouespaço
comomovimentodeclassesdirigentesassociadoàdefesadaparticipaçãodasmulheresnos
lugaresdechefiadasempresas.Nãorarasvezeso feminismo foi tambémusadocomo força
contraomovimentooperáriopelavagafilosóficapós-moderna,incentivandoafragmentação
da classe trabalhadora. Em países com forte pendor católico, a Irlanda e a Polónia, o
feminismo continua a batalhar por direitos elementares dasmulheres, onde o aborto, cujo
direito foiconquistadonamaiorianospaísescentraisdaEuropanadécadade70 (naRússia
em1917),continuaasercrime.
EmnenhumpaíshojenaEuropaháigualdadesalarialentrehomensemulheres.Pela
primeiraveznahistória,em2017,houveumagreve internacionaldasmulhereschamadano
dia 8 deMarço, sobretudo teve impacto na Polónia, EUA e na Argentina, mas ainda assim
muitoreduzido.
OMaiode68Inglês
Umanoantesdomovimentoparisiense,eclodiraalongaocupaçãouniversitárianatradicional
LondonSchoolofEconomics(LSE)eumavastaecombativamanifestaçãocontraaGuerrado
Vietnã.Amodernizaçãocapitalistaoperadapelogovernolabourista–oqual,diga-se,apoioua
guerra–exigiumaiorsubordinaçãodotrabalhointelectual,demodoamassificarumatéentão
altamente elitista sistema educacional britânico. Em meio a uma extensão em tudo
precarizada,maciços contingentes de estudantes universitários – em detrimento da cultura
25WilliamPelz,HistóriadoPovonaEuropaModerna,Lisboa,Objectiva,2016,p.355.
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acadêmica que reinava nos campi – foram levados,muitos deles advindos de origem social
subalterna,aumaceleradoprocessoderesistênciaelutacontraaautoridadedespóticadeum
sistema disciplinar in loco parentis. A vida privada dos estudantes era devassada pelos
schoolarsbritânicosemcomitêsdisciplinaresqueagiam“emlugardospais”–talcomoatesta
aterminologiajurídicalatina–estendendoentãoatiraniafamiliarparaointeriordocampus.
«AtéesteanoaGrã-Bretanha,quiçáexclusivamente,careceudequalquermovimento
estudantil significativo. Durante os últimos 15 anos, grupos de estudantes britânicos
desempenharam um papel ativo, senão predominante, na agitação sobre o Canal de Suez,
campanhas anti-racistas e colonialistas e, mais auspiciosamente, na Campanha pelo
Desarmamento Nuclear (CND).Mas nenhuma refletiu nada que pudesse ser nomeado uma
específicaconsciênciaestudantil».26
Após os eventos de 68 o conselho editorial daNew Left Review (NLR), se lançou – de
forma inédita – no movimento estudantil tomando uma série de iniciativas, políticas e
editoriais.Numensaiopublicado–noverãode1968–noperiódicodaNLRPerryAnderson27,
o mais destacado expoente da chamada segunda geração da Nova Esquerda britânica,
prenunciava três características centrais que a rebelião estudantil em voga possivelmente
assumiriana Inglaterra:odesafioaoautoritarismodoméstico,asolidariedadeativacontrao
imperialismonoexterioreabatalha contraa cultura reacionária inculcadanas faculdadese
universidades.
Os textos publicados na revista a este respeito – sob a insígnia deStudent Power–
refletiamofenômenoderadicalpolitizaçãodesignificativasfraçõesdaintelligentsiabritânica.
Asdemandaseconomicistas,porbolsasuniversitáriasecontroleestudantil,dariamlugaraum
giroassazvoluntarista.Emumtextopublicadosobpseudónimo,ocolaboradormaispróximo
do secretário de redação da NLR, Robin Blackburn28, exortava – inspirado no foquismo de
Debray – ao avanço de “bases vermelhas” nos campus. Comparáveis, segundo o autor, aos
sovietsoperáriosepopularesnaRússiade17eaosterritórios livresdaChinaruralnosanos
30.[5] Enquanto Perry Anderson argumentava por uma política revolucionária operante no
interiordaculturabritânica,RobinBlackburnsugeriaareconversãodas“‘basesvermelhas’em
alavancasdalutaestudantil”egérmende“poderpopular”.
26GarethStedmanJonesetal.«StudentPower:WhatistobeDone?»,InNewLeftReview,n.43,p.3-9,1967,grifosnooriginal.27PerryAnderson,«ComponentesofNationalCulture»,InNewLeftReview,n.50,p.3-57,1968.28 James Wilcox (Robin Blackburn), «Two Tatics», InNew Left Review, n. 53, p. 23-32, 1969. Segundo Wilcox(Blackburn)asuniversidadesbritânicasconstituiriam–seguindoLenin–‘oelomaisfraco’dasociedadeedaculturadopaís.Sobapressuposiçãodo‘fetiche’soviéticoedevoluntarismo‘vermelho’haviaumafortetendência,políticaesocial,comviéssubstituicionista.
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Umabreveanálisedosfatosmostraqueo1968inglêsnãofoialgomenorou,sequer,
acessório.29 A Inglaterra inicia 1968 com cortes maciços do governo labourista de Harold
Wilson – já em seu segundo mandato – na previsão orçamentária para o ano; há o
subseqüente sentaço (ocupação) de 250 estudantes da Aston University. Mais de 3 mil
estudantesdeLiverpool, Leeds,Bristol,KeeleeManchestercercamaPrefeituradeSheffield
coreando“ForaWilson!”,por causadoVietnã.MilharesmarchamemLondres contraas leis
anti-imigração;a LeicesterUniversityéocupada.O68 inglêsassisteàeclosãodeumagreve
dasmaquinistastecelãsdaFord–aqualinauguraomovimentodetrabalhadorasporsalários
iguais – e à primeira marcha de enfermeiras, enquanto a Irlanda do Norte vê nascer o
movimentodemassaspordireitoscivis.Doisimportantesintelectuaiscríticossãoperseguidos.
Eomaisestavaporvir.
A longaocupaçãoda LSEem1967–emprotestoànomeação, comodiretor,deum
ativo apoiador do regime racista na Rodésia (Zimbábue) – marca os primórdios das
mobilizações estudantis na Grã-Bretanha seguindo-se daí uma série de ações diretas nas
faculdadesem1968.Outro indíciode radicalizaçãopolítica,entreaesquerdamarxista, foi a
publicação–nomesmoano–doManifestoMayDayporpersonalidadestaiscomoRaymond
Williams, Stuart Hall e Edward Thompson. Apesar de seus limites e vacilações o manifesto
refletiaumagenuínaaversãoàspolíticas levadas a cabopeloGovernoWilson,umbreviário
das ilusões labouristase, quiçáomais importante, expressava socialmentea formação–no
planodas idéias–deumamilieu socialista.ACampanhadeSolidariedadeaoVietnã (VSC)–
encabeçada centralmente por organizações que reivindicavam o trotskismo, como o
International Marxist Group (IMG), ligado ao Secretariado Unificado, e os International
Socialists(IS),dirigidosporTonyCliff,emrelocalizaçãodestasfaceaumaplataformapolítica–,
era então a principal forma organizativa assumida pela juventude antiguerra. Por detrás do
aparente crescimento econômico e da ‘prosperidadematerial’ acumulavam-se contradições
sociais não-resolvidas – além de novos conflitos, decorrentes da industrialização e da
urbanização–,pondoinsuportávelpressãosobreasjávelhasearcaicasinstituiçõesbritânicas.
Omovimentoestudantil–alémdeumajovemintelectualidadesocialista–preparariao
terrenoparaumainauditaofensivaindustrialdaclasseoperáriainglesa.Em1972opaísassiste
aoPiquetedeSaltley,ondemineiroseengenheirosunem-seemaçõesdemassas.Aameaça
degrevegeral,nesteano,forçaalibertaçãodeestivadorespresossobasleisanti-sindicaisdo
governoconservador.Em1974outragrevedamineraçãoderrubaogovernotory–àprimeira29 Timeline. International Socialism, 2008 http://isj.org.uk/timeline-1968-an-extraordinary-year/ acesso em 12 deJaneirode2018.
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vezque,nahistóriadaInglaterra,umaaçãogrevistatrazabaixoumgovernoeleitoatravésde
sufrágiouniversal–realocandoopartidolabouristaaopodernopaís.Àguisadeconclusão,as
derrotasdavaga1968-1976apontam,àreveliademuitos,oelementalpressupostomarxista
de que o proletariado industrial representa a classe revolucionária por excelência da época
imperialista. A situação revolucionária aberta no Velho Mundo – “detonada” pelos
movimentos estudantis – assumia contornos clássicos em várias formações sociais
particulares, compleno sentido soviético e voltando-se, paradoxalmente, contra asmesmas
instituiçõesquereclamavamsuaherançaformal.
APrimaveradePraga,1968
AinvasãopelastropasrussasdaChecoslováquiatevelugarnanoitede20para21deAgosto
de1968.Às 11danoite entre400a 500mil soldadosdoPactodeVarsóvia atravessarama
fronteira. A Checoslováquia era um dos poucos países da Europa de Leste que não tinha a
presençadetropassoviéticasnoseuterritório.
Uma série de reformas tinhammudado a face da Checoslováquia no período entre
JaneiroeAgostode1968.Liberalizaçãodaimprensa,rádioeTV,eapartirdeAbrilumplano
económico (OPrograma de Acção) que diminuía o controlo centralizado de Estado sobre a
economia,atribuindomaispoderaoscomitésdefábricas.Esteeraumdospontosnevrálgicos
das reivindicações da oposição popular, trabalhadores e intelectuais porque um plano
altamente centralizado (e não um plano democrático) malogrou a prestação de serviços
essenciais, não tinhaemconta asnecessidadesdapopulação. Foram tambémnestesmeses
renovadososestatutosdopartido,permitindoodebate interno, sufocadodesdeo finaldos
anos40.Anunciava-seumnovocongressopara9deSetembrode1968que, comapressão
socialexternaaopartido,iareforçarasposiçõesreformadorasdeDubcek,eleitoemJaneirode
1968.
AocontráriodosoutrospaísesdaEuropadeLeste,libertadosdonazismopeloExército
Vermelho, a Checoslováquia tinha uma longa tradição comunista, organizada num partido
legal,duranteoregimededemocracialiberal,vigentenopaísentre1918e1938.Atéàinvasão
e ocupação do território pelas tropas nazis, a resistência no país ao nazismo vai ser
maioritariamentecomunista,emboracomumacomponenteburguesade liberação-nacional,
aindaqueminoritária.
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O Partido Comunista Checoslovaco tinha desenvolvido alguma independência do
Comintern até 1929. Nessa altura, um congresso de bolchevização – frequentemente as
purgas nos partidos estalinistas eram acompanhadas pelo uso simbólico da palavra
“bolchevismo”(projectopolíticomortonofimdadécadade20)-impôsalinhaestalinistade
“socialismo num só país”, e a defesa da URSS como «um centromonolítico domovimento
revolucionário internacional»30. Começam então uma série de conflitos que levam à perda
paulatina demembros, 70% terão então abandonadoo Partido. Comamudança, em1935-
1936, para a linha da “frente-popular” antifascista o partido volta a crescer de forma
significativa. Porém, o núcleo duro das suas lideranças tinha sido formado na fidelidade à
URSS,educadoaliásnaprópriaURSS.Oscomunistasmaisligadosaopaís–dointerior-eram
vistosporestaslideranças“exteriores”comdesconfiança.
AURSSvaipressionaroPartidono interiorparaqueem1945aChecoslováquiaseja
libertada pelas tropas de Exército Vermelho, enquanto as lideranças no interior apostavam
num levantamento lideradopela resistência.De fato, os comités de resistência clandestinos
organizaram,emalgumas fábricas, o levantamentopopularde5deMaiode1945, contra a
direcçãoexteriordopartido.Eomesmoaconteceucomolevantamentoeslovaco,emAgosto
de1944,quefoirealizadoàreveliadaschefiaschecaseeslovacaspró-soviéticas.
Soma-seaistoadivisãodeYaltaePotsdam.Quandosedáolevantamento,emPraga,
contraosnazis,emMaiode1945,astropasamericanasestavammuitoperto,emPilsen,mas
assoviéticasestavammais longe,e levaram3diasachegar–osamericanosrecusaram-sea
avançarporcausadalinhaestabelecidaemYaltacomosRussos.São3diasdeconfrontos,sem
ajuda externa, para garantir o cumprimento da divisão dos territórios entre as potências
vencedorasdaGuerra.
Nasequênciadalibertação,entre1945e1949,opaísviveumperíododeabertura,as
letras e artes são o sector mais dinâmico – não por acaso a literatura ou o cinema checo
estarãoentreasprincipaisvanguardasartísticaseuropeiasatéaofinaldosanos60.Osartistas
eintelectuaisvãoopôr-seàlinhaoficialdopartidodeumaarteproletária,desdelogoporque
amaioriaeramembrodopartidoantesdaguerraquandoserumartistacomunistasignificava
ser um artista avant garde. Muitos eram, por exemplo, surrealistas. Reconheciam no
socialismorealistasoviéticootipoderealismoburguês(…)erecusaram-seaaceitarestetipo
30 Jiri Pelikán, «The Struggle for Socialism in Czechoslovakia», InNew Left Review, I/71, january-February, 1972;HillelH.Ticktin,«TowardsaPoliticalEconomyoftheUSSR»,In,Critique,No.1,Spring1973,p.2.
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deartecomoaverdadeiraartesocialista.31Estefoiapenasumdosdebatesquelevaramauma
intervençãodramáticadepurgasnopartido,entre1949e1954,que impuseramuma férrea
ditadura,até1968.
AChecoslováquiafoiopaísondeaspurgasforammaisviolentas.Porquê?SegundoJirí
Pelojkán,directordaTVChecoslovacaem1968,porqueeraaíqueosocialismoeramaisforte,
eportantoumaameaçaàburocracia incrustadanopoder.FoinaChecoslováquiaquehouve
condições mais favoráveis para o socialismo em toda a Europa Oriental; por causa da
industrializaçãodopaís,porquetinhaumaamplaeformadaclassetrabalhadora,porcausado
papel e do prestígio do Partido Comunista e pela amizade do povo para a União Soviética.
Destepontodevista,pareceestranhoqueamaiorpurgaemqualquerpartidocomunistaseja
a que aconteceu na Checoslováquia em 1949-54. Eu acho que foi precisamente porque a
Checoslováquiateveascondiçõesmaisfavoráveis,pareciaseramaisindependentenaprocura
doseuprópriocaminhodedesenvolvimento.Issonãoseadequavaàliderançasoviética.Eles
queriammonopolizar a Europa Oriental e impôr omodelo soviético. Por esta razão, foram
obrigadosaatacarmaisforteoPartidoComunistadaChecoslováquia.PartidoscomooPolaco,
Húngaro ou Búlgaro eram apenas pequenos grupos de vanguarda que haviam estado
subterrâneos, na clandestinidade, por 20 a 30 anos. Não era tão difícil para eles aceitar a
hegemonia soviética. Mas na Checoslováquia, embora o partido estivesse subjectivamente
disposto a aceitar essa hegemonia, foi visto pelos russos como um herege potencial.
Naturalmente,pareciaparadoxalechocanteparanósqueonúmerodevítimasdarepressão
fosseomaisaltonaChecoslováquia,apesardetodasasnossastradiçõesdemocráticas.Nada
emescalacomparávelocorreuemoutroslugaresdaEuropadoLeste.».32
Durante 1967 o país sofre os efeitos da crise económica de 1963. Crescem as
manifestações de estudantes e de intelectuais contra a falta de liberdade e a exigirem
reformas.Esteerao “Estadodos trabalhadores”,masosmesmosnemconheciamas contas
dasfábricas-dasquais,emteoria,eramdonoscolectivos.Háumafortequestãonacionalque
adensaacrise,aquestãoeslovaca.
Na sequência da pressão popular Dubcek é, em Janeiro de 1968, eleito. Era um
reformista,masnãoumdissidente.Nãoeraumhomemanti-soviético,etentougerirapressão
dasuabasesocialparaamudançasemmelindraraURSS.Umequilíbrioquesedemonstrou
impossível. Não queria apoiar-se nos “comités de iniciativa”, que seriam a base para31 Jiri Pelikán, «The Struggle for Socialism in Czechoslovakia», InNew Left Review, I/71, January-February, 1972;HillelH.Ticktin,«TowardsaPoliticalEconomyoftheUSSR»,In,Critique,No.1,Spring1973,p.4.(Traduçãonossa).32 Jiri Pelikán, «The Struggle for Socialism in Czechoslovakia», InNew Left Review, I/71, january-February, 1972;HillelH.Ticktin,«TowardsaPoliticalEconomyoftheUSSR»,In,Critique,No.1,Spring1973,p.7.(Traduçãonossa).
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estabelecer conselhos de trabalhadores, os únicos que podiam ter resistido aos tanques
soviéticos.
Assim,quandoaURSSinvadiuopaísDubcekeoshomensàsuavoltanãopropuseram
nenhumtipoderesistência,mesmocivil,comoumagrevegeral,limitando-seaficar,enãoo
escondendo publicamente, paralisados e desalentados com a invasão. A qual era realizada,
segundoosrussos,para“evitaraliberalizaçãoeconómica”dopaís.A“PrimaveradePraga”era
vista publicamente pelaURSS como uma adesão do país ao capitalismo.Mas amaioria das
forças sociais no país estavam de fato a lutar pela democratização e não pela liberalização
econômica,emboraumsector fosse favorávelaumamudançaparaumEstadocapitalista.A
realidadeeraqueoexemploChecoiaterrepercussõesimediatasnaPolóniaenaUcrânia.Em
temposdecrisedoPactoquandoaURSSjánãocontrolavaaJugosláviaeaRoménia.
Os privilégios da casta dirigente da URSS e seus satélites estavam potencialmente
postosemcausaseavançasseparaumEstadoSocialistacombaseemconselhosoperários,o
que era mais realista em 1968 do que nunca porque a guerra tinha dado um impulso à
industrialização pesada que colocava mais perto, e não mais longe, a abundância, como
condição e expressão de uma sociedade socialista. A Checoslováquia era a 8ª potência
industrialdomundo.Chegaramporémostanques,nãoosocialismo.
JiríPelikánescreveem1972aumadaslíderesdomovimentonegronosEUA,Angela
Davis33pedindo-lheapoioparalutarcontraaocupaçãodoseupaís,evocandoalutacontrao
Vietname:
“Mastambémestou-lheaescreverporque,apesardasnossasexperiênciasseremdiferentes,temosmuitoemcomum(…)Dizquesetornoucomunistadepois de ver as pessoas sofrerem, entendeu que a sociedade deve sertransformada. Eu também. Entrei no Partido Comunista em Setembro de1939. Era estudante e vi omeupaís ocupadopelos nazis alemães.Querialutarpelaliberdadeemudarumsistemaqueproduzguerraseopressão.Viveuadolorosaexperiênciadaprisão.Eutambém.EnquantoaGestapomecaçava,osmeuspaisforamlevadoscomoreféns:aminhamãenuncavoltouda prisão. Eu também conheço o que se entende por repressão,discriminação e sofrimento. Como você, entrei no movimentorevolucionário convencido de que o socialismo pode criar uma sociedademaisjustaparaamaioriadoshomens.Adiferençaentrenósconsisteapenasno fatodeque,após trintaanosdemilitante, em Outubro de 1969, fui expulso do partido, juntamente commeiomilhãode comunistas checose eslovacos, simplesmenteporquenosrecusamosaconsideraraocupaçãodonossopequenopaíssocialistaporumpoderestrangeiro,"socialista",como"ajudafraterna".Você pode dizer que há uma grande diferença entre a agressão militaramericananoVietnameaintervençãosoviéticanaChecoslováquia.(…)Masa substância das duas intervenções é a mesma: impedir que as pessoas
33AngelaDavis,Mulheres,RaçaeClasse,SãoPaulo,Boitempo,2016.
Rev.DireitoePráx.,RiodeJaneiro,Vol.9N.2,2018,p.969-991.RaquelVarelaeRobertodellaSantaDOI:10.1590/2179-8966/2018/33600|ISSN:2179-8966
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decidamo seu próprio destino. Você exige a retirada imediata das tropasamericanas do Vietnam. Eu também.Mas, porque quatro anos depois daintervençãonomeupaís,aindaexistem80milsoldadossoviéticos?”34
Em Novembro de 1968 um estudante checo declara “todo o país tem-se sentido
doente”35.Oslíderestêmfeitotudooqueosrussosquerem.Enãoéclaro–diz-seofazem
obrigados oupor vontadeprópria.Milan Kundera, na Insustentável Levezado Ser, romance
premiadoque sepassaduranteaPrimaveradePraga,expressaaprofundadesilusãocomo
rumodavidapolíticanaChecoslováquia:
“Se digo totalitário, é porque tudo quanto possa fazer perigar o kitsh ébanidodavida:não só todaequalquermanifestaçãodo individualismo (amais pequena discordância é um escarro em plena cara de risonhafraternidade), toda e qualquermanifestaçãode cepticismo (quem começapor pôr um pequeno detalhe em duvida acabada por pôr em duvida aprópriavida),todaequalquermanifestaçõesdeironia(porquenoreinodokitshétudoparalevarasério),mastambémamãequedeixouafamíliaouohomemquegostamaisdehomensdoquedemulheres».Ogulagseria(…)a«fossasépticaparaondeokisthdespejaaporcaria”36.
Os russos chegaram, ocuparam, comescassa resistência.Morrem50 a 100 pessoas,
nadadecomparável,porexemplo,comaresistênciahúngarade1956,emquemorrerem,20
000.Masnada foi comoantesnomundocomunista.OMaiode68,eaPrimaveradePraga
impulsionaramaindamaisarupturasocialdemocratadosPCsfieisàURSS.Semostraramasua
forçanacontençãodosmovimentossociais,emParis,BerlimouPraga,nãoevitaram,comessa
contenção,oseuconstantedeclíniodesdeentão.
Sobre a Europa de 1968 pode-se afirmar, guardadas as diferenças, que a teoria da
revoluçãopermanente–consagradaporTrotsky,desdeoiníciodoséc.XX–saltoudoslivros
paratomarformahistóricaeconcretaemocupações,greveseumaautênticarenovaçãodas
questões do modo de vida (Byt): i) ponte real entre reivindicações democráticas e o fim
socialista, ii)não-constriçãodoprocessorevolucionárioaos limitesnacionaisaté,por fim, iii)
contínuaetotaltransformaçãodetodasasrelaçõessociais.Arevoluçãoempermanênciade
novoafalaridiomaseuropeus.AInternacionalmaisumavezentoada.
34JiriPelikán,«ALetter»,TheNewYorkReviewofBooks,31August1972.35ChrisHarman,TheFirelastTime,London/Chicago,Bookmarks,2000,p123.36MilanKundera,AInsustentávelLevezadoSer,Lisboa,CírculodeLeitores,1986,p.218
Rev.DireitoePráx.,RiodeJaneiro,Vol.9N.2,2018,p.969-991.RaquelVarelaeRobertodellaSantaDOI:10.1590/2179-8966/2018/33600|ISSN:2179-8966
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SobreosautoresRaquelVarelaHistoriadora, Investigadora e professora universitária. Starting Grant da Fundação para aCiênciaeTecnologia/UniversidadeNovadeLisboa/IHCeFellowdo International Institute forSocial History (Amsterdam). Professora-visitante internacional da Universidade FederalFluminense,ondelecionaumacadeiranaáreadehistóriaglobaldotrabalhonoprogramadepós-graduaçãoemHistória.ÉmembrodoNIEP.Éavaliadora internacionaldoCNPQ/Brasil.Écoordenadora do projecto internacional de história global do trabalho In The Same Boat?Shipbuildingindustry,agloballabourhistory.E-mail:raquel_cardeira_varela@yahoo.co.ukRobertodellaSantaPesquisador, Professor e Pós-DoutorandonaÁrea de Teoria SocialMarxista e Serviço SocialCrítico na Universidade Federal Fluminense (UFF / Niterói). Doutor em Ciências Sociais naUniversidade Estadual Paulista (UNESP / Marília) com Defesa Pública no Centro deDocumentaçãoeMemória(CEDEM/SãoPaulo).ProfessornaUniversidadeFederaldoRiodeJaneiro.E-mail:beto.dellasanta@gmail.comOsautorescontribuíramigualmenteparaaredaçãodoartigo.