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Flor no asfaltoA RESISTÊNCIA TEATRAL NA PRAÇA ROOSEVELT
Camila Silveira
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a resistência teatral na Praça roosevelt
Camila Silveira
Flor no asfalto
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Silveira, Camila Flor no Asfalto: A resistência teatral na Praça Roosevelt / Camila Silveira. – 2010.
106 f. : Il.
Trabalho de Conclusão de curso (Bacharelado em Comunicação Social - Jornalismo) - Universidade Santo Amaro, São Paulo, 2010.
Orientação: Prof. Márcio Rodrigo
1.Praça Roosevelt 2. Espaços públicos urbanos 3.Geografia urbana. I. Título.
Foto de capaGabriel Oliveira
Montagem de capaFabiana Caruso
DiagramaçãoFabiana Caruso
RevisãoVicente Pereira
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a resistência teatral na Praça roosevelt
Flor no asfalto
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Friedrich Nietzsche
Eu reivindicaria como sendo propriedade e produto do homem toda a beleza, toda a nobreza que atribuímos às coisas reais ou imaginárias... ”
“
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Capítulo IA “Antipraça Roosevelt”
Capítulo IIUm palco de militância>> Studio 184
Capítulo IIIEspaço de preservação> Antigo Cine Bijou>> Teatro do Ator
Capítulo IVUm palco visceral>> Os Satyros
Capítulo VCirco, Risos e Xícaras de Açúcar>> Chegam os Parlapatões
Capítulo VITeatro de montar>> Miniteatro entra em cena
Capítulo VIIEntre charutos, navalhas e memórias
> Barbearia do Seu Renato
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PARTE I
PARTE II
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Capítulo VIIISímbolo underground>> Mário Bortolotto
Capítulo IXEspaço da Boemia>> Doca e Arlete
Capítulo XA Diva da Roosevelt>> Phedra De Córdoba
Capítulo XIFlor no Asfalto>> Floricultura Roosevelt
Capítulo XIIUma praça sem cidade>> A Roosevelt e o Poder Público
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100PARTE III
Capítulo XIIIVisão Íntima e Subjetiva
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O direito ao espaço público
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Abrem-se as cortinas. No palco, uma praça. Talvez
quem a veja pela primeira vez com um olhar rápido
e desprevenido não consiga enxergá-la naquele local
aparentemente inóspito e frio. Isso acontece porque lá, naquele
pedaço do Centro da cidade de São Paulo, situado entre as
ruas da Consolação e Augusta, há uma praça às avessas. Um
espaço sem definição, estranho, mas que sempre deu abrigo a
encontros e desencontros de paulistanos. E quem decide parar e
olhar com a alma para esse lugar conseguirá ver os olhos carentes
de uma construção frágil, mas ao mesmo tempo forte, que resiste
à degeneração e à degradação há mais de 40 anos.
A Praça Roosevelt é a personagem principal desta história,
que começa no final do século XVIII e acompanha a trajetória
da área central da maior metrópole brasileira. Assim como
o centro histórico da cidade de São Paulo, esse espaço urbano
nasceu, cresceu, produziu riquezas, agonizou, sucumbiu,
mas conseguiu manter-se vivo por meio de sua aura artística.
Sim, desde a década de 1950, essa praça demonstra
uma grande propensão para as artes e luta para conservar
sua vocação e brilhar no cerne do turbilhão de atos que
emanam de uma grande metrópole.
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Entretanto, entre os anos 1970 e 1990, a região se transformou
em um cenário de marginalidade e degradação. Os restaurantes,
as famosas casas noturnas e a boêmia cederam lugar ao tráfico
e à prostituição.
Contudo, a partir dos anos 2000, por meio de uma inusitada
e persistente ocupação de grupos teatrais, a Roosevelt ganhou vida
novamente e se converteu num lugar de rara vitalidade artística.
Depois de um período obscuro, a região voltou a ser uma referência
para a cultura paulistana.
Hoje, existem ali, vizinhos da prostituição, rodeados pelo
tráfico e misturados aos moradores de rua, diversos grupos cênicos
se apresentando em variados horários, em cinco salas de teatro.
Além disso, há bares que garantem uma agitada vida noturna.
A área que abriga a construção da Roosevelt, no entanto, ainda
é um espaço problemático, pois não possui manutenção pública,
como segurança, iluminação e limpeza. O acesso ao local ainda
é difícil, e o complexo é considerado desordenado, inseguro
e até desagradável para muitos.
Construída em 1970, a Praça Roosevelt ainda não passou
pelo processo de revitalização urbana prometido pela Prefeitura de
São Paulo, sendo que o projeto está no papel há mais de dez anos.
Introdução
Trecho inicial da Avenida Radial Leste-Oeste, que passa por baixo da Praça Roosevelt
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Inaugurada na década de 1970, atualmente, a enorme construção de concreto que caracteriza a Roosevelt serve somente de passagem para alguns pedestres
Assim, por meio de uma abordagem histórica e da crônica
da trajetória de personagens que fazem parte desse processo de
recuperação da praça e da visão inerte de integrantes do governo,
este livro mostra a história dessa pequena, mas simbólica parte do
coração paulistano. Cada personagem que aparecerá nestas páginas
contribuiu com a luz de seu ofício para a recuperação e transformação
de um espaço público. Essas pessoas mostram que a iniciativa da
sociedade, muitas vezes, é mais eficiente do que a pública para
modificar o ambiente urbano.
Para que o leitor obtenha uma compreensão ampliada de todo o
contexto que envolve a Praça Roosevelt, o livro está dividido em três
partes. A primeira visa uma abordagem histórica que abrange desde o
plano de construção do local até o panorama atual da região, já que
para retratar com profundidade esse cenário é necessário mergulhar no
passado recente e recompor os episódios marcantes do lugar.
Já a segunda parte relata a trajetória da recuperação da área,
que começou no final dos anos 1990, por meio dos personagens
que protagonizaram essa história, o que dá ao texto um caráter
humanístico e de proximidade ao cotidiano da praça. Por fim, há
uma reflexão pessoal e uma análise feita a partir das experiências
vividas durante a produção deste trabalho.
Assim, na primeira parte, portanto, é possível se situar historicamente
e, portanto, conhecer todos os processos que antecederam a
construção da praça, seu projeto arquitetônico e os grupos sociais
que posteriormente ocuparam o local. Esse mergulho histórico é
importante para que o universo atual da área seja compreendido de
maneira plena e, dessa forma, exista uma orientação em relação aos
acontecimentos que determinaram o percurso do local.
Nessa primeira parte, as vocações religiosa, boêmia e cultural da
região são destrinchadas. A época áurea da Roosevelt e as pessoas
que marcaram esse período glorioso também ganham destaque.
A chegada da degradação e os momentos obscuros pelos quais a
praça passou também são expostos nesse capítulo inicial, assim como
os fatos que ganharam repercussão pública ao longo dos últimos anos.
O renascimento com a ocupação teatral e a revitalização inusitada
que aconteceu sem ajuda governamental são igualmente abordados nas
páginas a seguir, que integram a primeira parte desta obra jornalística.
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Com o passar dos anos, o “edifício-praça” ganhou diversas pichações dos skatistas que frequentam o local
Já na segunda parte, foram escolhidos alguns dos personagens
que simbolizam essa reestruturação criativa, inesperada e ousada que
aconteceu de forma espontânea. Assim, é retratada a trajetória de
cada espaço teatral que foi inaugurado na praça desde o final da
década de 1990 até os anos 2000.
Além do percurso dos grupos, há relatos de artistas que
protagonizaram essa história de resistência e transformação.
Dessa forma, Dulce Muniz, do Studio 184; Gabriel Catellani,
proprietário do Teatro do Ator; Rodolfo García Vázquez e Ivam
Cabral, fundadores dos Satyros, Raul Barreto e Hugo Possolo,
dos Parlapatões, e Kleber Montanheiro, diretor do Miniteatro,
ganham voz nessa parte da obra. Também são mostradas as relações
que pessoas símbolos da praça mantêm com o local, como o barbeiro
Seu Renato, o dramaturgo Mário Botolotto; os proprietários do
bar Papo, Pinga e Petisco; a atriz transexual Phedra De Córdoba
e o dono da floricultura mais antiga da região.
Para encerrar esses capítulos, há um confronto entre a realidade da
Roosevelt e a visão dos órgãos públicos responsáveis pela manutenção
e pelo projeto de requalificação urbana da área.
Por fim, a última parte traz um relato pessoal sobre o que foi
visto, percebido e sentido ao longo da produção deste trabalho. Há
também opiniões da autora sobre a Praça Roosevelt e os caminhos
que ela deve seguir para voltar a ser, definitivamente, um espaço
absolutamente revitalizado na cidade de São Paulo.
Como diz Henri Lefebvre na obra “O Direito à Cidade”
(2004), somente a prática social poderia mudar a realidade,
retomando o reino do uso para além do valor de troca e, assim,
promover a realização da vida urbana. “Mudariam a realidade se
entrassem para a prática social: direito ao trabalho, à instrução, à
educação, à saúde, aos lazeres, à vida (...) Entre esses direitos em
formação figura o direito à cidade (não à cidade arcaica, mas à vida
urbana, à centralidade renovada, aos locais de encontro e de trocas,
aos ritmos de vida e empregos do tempo que permitem o uso pleno e
inteiro desses momentos e locais, etc.) A proclamação e a realização
da vida urbana como reino do uso”.
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Ao contrário do que aconteceu nos países de colonização
espanhola, nos quais a configuração urbana obedeceu
a um traçado geométrico no formato de um tabuleiro de xadrez
ou damas – o chamado plano dameado –, a construção
das cidades brasileiras se deu de forma irregular e sem planejamento,
refletindo as formas da Portugal medieval. Enquanto os espanhóis
eram regidos por um plano regular, em que as ruas se entrecruzavam
em torno de uma praça central, os portugueses não seguiam
um plano exato, o que gerou um crescimento desorganizado
das cidades formadas durante a colonização lusitana.
Contudo, no Brasil, as praças sempre exerceram um papel importante
no desenvolvimento urbanístico e humano de cada cidade. Apesar
de não seguir uma regra geométrica, o centro original de qualquer
povoado é sempre caracterizado por uma praça. A trajetória de
urbanização de uma metrópole passa por esse espaço público, que
guarda a história dos processos de expansão de uma região e indica
a direção de seu crescimento. Nos núcleos coloniais do Brasil, as
praças concentravam todos os edifícios administrativos e cívicos, como
a câmara, a cadeia e a casa da redenção.
A Antipraça Roosevelt”“ ca
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Sem a devida manutenção pública, a Roosevelt tornou-se uma verdadeira “antipraça”, onde não é possível desfrutar a convivência urbanaFO
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PARTE I
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18 A "Antipraça Roosevelt"
Escadaria de acesso à Rua Nestor Pestana, onde está localizado o Teatro Cultura Artística
Repleta de rachaduras e infiltrações, parte superior do pentágono demonstra a decadência da construção da praça
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Além de ser o marco inicial de um povoado, as praças fazem parte
das relações cotidianas dos habitantes e carregam vários significados.
Elas sempre foram o palco dos principais acontecimentos políticos,
econômicos, culturais e, principalmente, dos fatos prosaicos que
marcam a vida das pessoas. Por isso, uma praça sempre reflete o
“espaço do vivido”, onde acontecem os encontros espontâneos, sem
regras estabelecidas.
Segundo Henri Lefebvre, esse espaço reflete a “colonização do
cotidiano”, ou seja, a incorporação do tempo de não-trabalho ao
mundo da mercadoria, mediada pelas relações sociais. O autor
discorre sobre esse conceito na obra “Do Rural ao Urbano” (1973).
“A rua arranca as pessoas do isolamento e da insociabilidade. Teatro
espontâneo, terreno de jogos sem regras precisas, e por isto mais
interessantes, lugar de encontros e solicitudes múltiplas – materiais,
culturais, espirituais, a rua resulta indispensável”, afirma.
Ao longo da história da cidade São Paulo, a população também
se apropriou desse local público para construir a própria trajetória e
se afastar do isolamento social. Marco inicial paulistano, o Pátio do
Colégio é, na verdade, uma praça que remonta à origem da cidade.
Da mesma forma, a construção e o desenvolvimento da
Praça Roosevelt refletem o crescimento urbano de São Paulo.
Sua inauguração aconteceu em 25 de janeiro de 1970, dia do
aniversário de 416 anos da cidade, e contou com a presença
do então presidente Emílio Garrastazu Médici, o militar que
assumiu a Presidência da República após o afastamento definitivo
do presidente Costa e Silva. Assim, o nascimento da Roosevelt
acontece em plena ditadura militar, o que afetou profundamente
sua essência e seus propósitos políticos.
O seu plano de construção foi anunciado em 1967, e indicava a
recuperação da região da Igreja da Consolação – que fica no entorno
da área – a criação de um estacionamento subterrâneo, um mercado
distrital1 no subsolo, um centro esportivo e uma galeria para exposições.
Em 1945, poucos edifícios rodeavam a Roosevelt, que se caracterizava por um enorme espaço vazio
Na década de 1960, a região ganha um enorme estacionamento para abrigar os carros pertencentes aos trabalhadores do Centro
Imagem área da Roosevelt feita em 1970, quando foi inaugurada para ocupar os espaços remanescentes do sistema viário
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1: Ponto tradicional e antigo de uma cidade.
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Vocação religiosa> A Praça Roosevelt e a Igreja da Consolação
A ideia de construir uma praça naquele local tinha relação
direta com a história da igreja e com a expansão do
cristianismo. No final do século XVIII, quando foi criada, a
Igreja da Consolação era o ponto de referência dos religiosos, que
se reuniam no local antes de viajar para a feira de gado de Sorocaba
ou para os engenhos de cana-de-açúcar de Itu, rotas que eram
percorridas frequentemente pelos tropeiros.
A região da igreja abrigava diversos festejos, como a lavagem
da imagem de São João Batista, que era imersa em um tanque de
abastecimento da população local, instalada na chácara de Dona
Veridiana e Martinho Prado2, uma das mais importantes da
cidade, onde hoje é a Rua Nestor Pestana.
Devido à exigência dos devotos, a Igreja passou por uma reforma
em 1840 e, ao mesmo tempo, alguns terrenos que circundavam o local
foram desapropriados para construção de ruas. Em 1870, a capela
ganhou a categoria de freguesia e, por isso, passou a realizar registros
civis. A partir dessa época, o bairro sofreu rápidas transformações.
Em 1892, Dona Veridiana mandou construir na sua propriedade
um velódromo, uma pista para disputas do ciclismo que refletia o
estilo de vida da burguesia europeia da época. Um campo de futebol
foi construído no local em 1886. Em 1889, a proprietária mudou-se
para um palacete em Santa Cecília, bairro residencial de alta renda
que abrigava a aristocracia paulistana. Na sua chácara passou a
funcionar o Seminário das Educandas.
O velódromo foi destruído em 1915, para dar lugar a Rua
Florisbela (atual Nestor Pestana). Nessa época, São Paulo já era
a capital financeira e comercial do ciclo do café, o que motivara um
acelerado crescimento populacional e urbano da cidade.
Por causa das constantes transformações promovidas pelo
desenvolvimento, a prefeitura paulistana solicitou providências em
relação ao esgoto que corria da chácara Martinho Prado até o
riacho que abastecia a região. Como as obras sanitárias seriam
muito onerosas, o proprietário decidiu doar o terreno. O espaço
remanescente das doações e desapropriações se torna então o local
onde seria construída a Praça Roosevelt.
Ponto de referência dos religiosos no século XVIII, a Igreja da Consolação é o grande símbolo católico da regiãoFO
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2: Conhecida como chácara Vila Maria, a mansão de D. Veridiana Valeria da Silva Prado, filha do barão de Iguape, foi um dos locais preferidos dos intelectuais e da elite paulistana para seus encontros e discussões. O local abrigou o refinado São Paulo Clube e, posteriormente, tendo o clube encerrado suas atividades em 2008, quando foi incorporado pelo Iate Clube de Santos, que passou a ocupar o espaço.
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Modelo rodoviarista
No final dos anos 1930, há uma mudança no padrão
de crescimento da cidade, que foi fortemente influenciada
pela substituição do transporte sobre trilhos (trens e bondes) pelo
modelo regido por veículos automotores. A chegada Ford (1919)
e da General Motors (1925) fez com que o automóvel passasse
a fazer parte do cotidiano das pessoas. Com as novas demandas
de circulação, um sistema viário começa a ser implementado.
A consolidação efetiva do Plano de Avenidas na cidade
de São Paulo aconteceu na gestão do prefeito Prestes Maia
(1938-1945). O plano contemplava a construção de grandes vias,
como Nove de Julho, 23 de Maio e Radial Leste, definindo
a estrutura urbana básica da cidade.
Para que a construção das avenidas fosse viabilizada, vários córregos
e rios foram canalizados e se transformaram em galerias subterrâneas,
cujos leitos davam lugar às avenidas.
Devido a essa nova realidade, entre 1950 e 1960, a Igreja
da Consolação foi cercada por um enorme calçadão asfaltado,
onde, durante a semana, ficavam estacionados mais de 700 carros
pertencentes aos trabalhadores do Centro. Os espaços públicos
da cidade se converteram em estacionamentos para atender a grande
demanda de veículos. Foi nesse momento que paisagem bucólica
que caracterizava aquela região deu lugar a uma enorme estrutura
de concreto, que simbolizava a modernização de São Paulo. Lá
passou a existir uma estrutura de “praça-edifício” que pretendia
expressar na sua forma arquitetônica de caráter monumental o
progresso econômico e tecnológico do auge da ditadura militar e do
milagre econômico brasileiro (1968-1973).
No final da década de 1960, a área localizada atrás da Igreja
da Consolação ganhou um enorme vão, uma abertura que nivelava
o fluxo da vias que faziam conexão entre as regiões leste e oeste
da cidade. A proposta inicial da Praça Roosevelt surge do espaço
remanescente das obras do sistema viário que ocuparam a região.
A "Antipraça Roosevelt"
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Praça dos Pombos, um dos principais pontos de encontro da região, na época da inauguração
Imagem aérea do local na época da inauguração
Nos anos 1950, ainda não havia nenhuma construção “brutalista” na região
Em 1970, no auge do regime militar, a arquitetura da Roosevelt simbolizava “modernidade e progresso”
Na época da inauguração, em 1970, a Praça dos Pombos, outra estrutura da Roosevelt, abrigava um pombal, um lago, alguns bancos e muita vegetação
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O projeto de construção da Praça foi arbitrado pelo governo
municipal no de Plano de Avenidas; contudo, não atendia as
reais demandas dos moradores da região central. O plano foi
aprovado em 1968 e as etapas da construção foram amplamente
noticiadas pela imprensa, pois demonstravam um investimento
fruto da modernidade e do progresso, segundo expressava o
depoimento do próprio prefeito no jornal Estado de S. Paulo de
4 de outubro de 1967:
“Dentro de alguns anos, quem visitar São Paulo, depois de um
período de ausência, não mais reconhecerá a cidade. Como sucedeu
no Rio de Janeiro, depois do desmonte do Morro do Castelo. A
paisagem aqui será totalmente diferente e para que isso aconteça,
o plano de urbanização da Praça Roosevelt muito contribuirá;
representa um impulso de progresso como pouco tivemos iguais”.
O complexo viário e a própria Roosevelt foram resultados do
modelo de desenvolvimento automotivo, e foram construídos em pleno
regime militar, época em que os arquitetos pregavam a racionalização
e a funcionalidade do espaço. Por isso, a Praça Roosevelt simbolizava
modernidade e eficiência, e sua concepção foi elogiada pela grande
maioria dos veículos de imprensa e pelos políticos.FO
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Em 1970, o entorno na praça já era um ponto de referencia artístico-cultural para os paulistanos
Imagem área da Roosevelt em 1970, quando foi inaugurada
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Bem-vindos à Roosevelt
A inauguração da Praça Roosevelt aconteceu
em 25 de janeiro de 1970, durante
a administração municipal de Paulo Maluf.
De acordo com depoimentos de integrantes
da equipe do projeto concedidos à Folha de
S. Paulo em 1978, “a praça foi inaugurada ainda
inacabada e com os seus usos e funções bastante
modificados de um modo aleatório e palpiteiro”.
Na época, houve uma alteração do projeto inicial,
já que o paisagismo e os equipamentos de lazer que
constavam no primeiro momento foram abolidos.
Ao contrário do que previa a proposta original,
foram instalados um supermercado, um conjunto
de quadras esportivas e uma pista de patinação
solicitada por um grupo de praticantes deste esporte.
As modificações foram realizadas de maneira
arbitrária e eram manifestações do autoritarismo
da ditadura militar. Os anseios da população não
foram atendidos e não houve nenhum tipo de consulta
popular antes da implementação das mudanças.
Tanto o complexo viário como a própria praça
são produtos dos modelos de desenvolvimento
automotivo que ia ao encontro dos anseios
do militares que estavam no poder. Assim,
apesar de terem sido apontadas como exemplo
de modernidade e progresso, as alterações
do projeto e as mudanças nos equipamentos
de uso não correspondiam às reais necessidades
da população. Essas reformulações também
reafirmavam o controle estatal sobre o espaço público
e reprimiam usos mais criativos de equipamentos
destinados à utilização da população.
Escadaria atual da Roosevelt traz diversas pichações dos usuários da praça
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Vocação cultural
Mesmo com a transformação da paisagem, que ostentava o
progresso da cidade e demonstrava o poder autoritário do
Estado, a Praça Roosevelt sempre resistiu e manteve o seu caráter
artístico. À revelia das ações da administração municipal, a Roosevelt
e seu entorno passaram a ser uma referência da vida artística da cidade
de São Paulo.
Um dos primeiros grandes símbolos culturais da região foi o Teatro
Cultura Artística, que era um ponto de encontro da classe artística e
dos apreciadores do teatro. Construído entre os anos 1947 e 1950,
no terreno do antigo velódromo de São Paulo, na atual Rua Nestor
Pestana, o espaço recebia importantes concertos musicais, apresentações
teatrais nacionais e internacionais. Heitor Villa-Lobos e Camargo
Guarneri, dois dos maiores maestros e compositores brasileiros, eram os
responsáveis pela grande maioria dos concertos.
Entre os atores nacionais que passaram por lá, há nomes como Jaime
Costa, Paulo Autran, Tonia Carrero, Cacilda Becker, Jardel Filho,
Sérgio Cardoso, Procópio, Bibi Ferreira, Walmor Chagas, Odete
Lara, Dercy Gonçalves, Irina Greco, Odete Lara, Armando Bogus,
Maria Della Costa, Antonio Fagundes, Marco Nanini, Fernanda
Montenegro, Marília Pera, Karin Rodrigues, entre muitos outros.
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Hoje, o Teatro Cultura Artística encontra-se desativado devido
ao incêndio que atingiu o local no dia 17 de agosto de 2008.
Com o desastre, o teatro sofreu grandes danos e perdeu grande
parte de seu patrimônio físico, como a sala Esther Mesquita, a
aparelhagem técnica de iluminação, os palcos, a plateia, além de
todos os camarins. Atualmente, o espaço está sendo reconstruído
para ser reerguido no mesmo local onde, por 58 anos, foi palco de
uma agitada vida musical e teatral.
A proximidade da Roosevelt com o Teatro de Arena também
aprofundou a identidade do entorno praça como ponto de encontro
de artistas. Fundado em 1953, na Rua Doutor Teodoro Baíma, o
teatro era sede de um dos mais importantes grupos teatrais brasileiros
das décadas de 50 e 60. Com uma proposta revolucionária e de
engajamento político e social, o Teatro de Arena reuniu artistas
importantes, como Augusto Boal, Gianfrancesco Guarnieri,
Oduvaldo Vianna Filho, Milton Gonçalves, Vera Gertel, Flávio
Migliaccio, Floramy Pinheiro e Riva Nimitz.
Segundo o crítico Sábato Magaldi, no livro “Um Palco Brasileiro:
o Arena de São Paulo”, "O Teatro de Arena de São Paulo evoca,
de imediato, o abrasileiramento do nosso palco, pela imposição
do autor nacional (...) A sede do Arena tornou-se, então, a casa
do autor brasileiro”.
Além de ser o cerne de uma vida teatral pulsante, em 1963 o
entorno da Roosevelt passou a ser também o lugar dos apaixonados
pela Sétima Arte, pois nesse ano foi inaugurado o Cine Bijou,
um dos mais importantes cinemas de arte da cidade de São Paulo.
Lá eram exibidos filmes de arte críticos e independentes e, por
isso, o local atraía uma juventude intelectualizada, interessada nos
movimentos artísticos da cidade. Durante a ditadura militar, era um
dos cenários obrigatórios da esquerda paulistana e se caracterizava
como o ambiente de resistência artística. Em 1986, uma das salas
virou o Cineclube Oscarito, que também se transformou em um
símbolo da efervescência cultural da época.
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O lugar da boemia paulistana
Além da vida cultural efervescente, a partir da década de 1960,
a Praça Roosevelt passou a nutrir um caráter boêmio proporcionado
pelos famosos bares e casas noturnas que circundavam a região. A boate
Cave, que funcionou na Avenida da Consolação já perto da Martins
Fontes, entre 1960 e 1974, era um dos redutos de artistas da Jovem
Guarda. “A Cave foi o baluarte da noite paulistana. Quando Roberto
Carlos chegou do Rio de Janeiro, passou a frequentar a casa. Ele deve
à boate esse sucesso como artista”, conta Esdras Vassalo, 77 anos,
conhecido como Doca, que foi proprietário da Cave e da casa noturna
Ton Ton Macoute, instalada na Rua Nestor Pestana na mesma época.
“A Cave era mais popular e o Ton Ton atraia um público elitizado.
A primeira fechou porque o dono pediu o prédio. O Ton Ton persistiu por
mais algum tempo, mas o juizado de menores fechou a casa porque encontrou
o filho do governador por lá, e ele era menor de idade. Depois, quando
abriu, o movimento caiu muito”, lembra Doca, que hoje é proprietário do bar
Papo, Pinga e Petisco, onde em 1960 existia o Djalma’s, um bar de música
brasileira. “Foi no Djalma’s que Elis Regina fez seu primeiro show na cidade
de São Paulo”, conta Doca para reafirmar a importância do local.
Poltronas da sala de teatro do Studio 184, inaugurado em 1996 no local que abrigou o Cine Teatro Oscarito, símbolo da efervescência cultural dos anos 1980
Patrícia Vilela, protagonista da peça “Safo”, que estreou em 2009 no Espaço dos Satyros com texto de Ivam Cabral
Lustre antigo da entrada de um dos edifícios situado no entorno praça
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A região que circundava a Praça Roosevelt também foi um
reduto da bossa nova na década de 60. Um dos principais
pontos dos amantes daquele novo jeito de fazer música era a boate
e restaurante A Baiúca, instalada na Rua Martinho Prado,
ao lado da Roosevelt, onde hoje há o supermercado Extra. A casa
era uma espécie de piano bar, em que era comum assistir a shows
de Johnny Alf e Dick Farney, por exemplo. O Zimbo Trio, um dos
grupos mais representativos da bossa paulistana, surgiu na Baiúca.
“Era uma época muito boa. A Baiúca vivia lotada. A praça
era bonita, não havia violência e nem sujeira”, lembra José Renato
Romano, 66 anos, que montou uma barbearia ao lado da casa,
em 1968, para atender os clientes do local.
A boate Stardust e o bar Chicote, redutos da juventude alternativa
paulistana, completavam o cenário notívago, musical e boêmio
da efervescente Praça Roosevelt da década 60.
Skatistas paulistanos fazem parte da principal tribo que utiliza a construção do “edifício-praça”
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A decadência
Desde sua inauguração até os dias de hoje, a Praça Roosevelt
passou por diversas transformações e adaptações para
conter a ocupação dos moradores de rua, a prostituição e o tráfico
de entorpecentes, uma vez que o espaço nunca atendeu de maneira
satisfatória a população. Em meados dos anos 70, com a inauguração
do prédio de concreto então chamado de Praça Roosevelt, a área
começou a afastar grupos sociais que faziam daquele lugar uma
referência da cultura e da boêmia paulistana. O escritor Ignácio
de Loyola Brandão, que morou na região de 1960 a 1970,
presenciou essas mudanças, conforme recorda nas páginas do jornal
Estado de S. Paulo de 16 de maio de 1995:
“Quando ela começou a ser reformada, não se sabia bem o que
seria a produto final. Trabalharam dia e noite, para desespero
de nós moradores, que não conseguíamos dormir com o barulho.
As obras terminaram no começo dos anos 70 e nada mais foi como
antes, a urbanização matou o lado sentimental da Praça Roosevelt.
Ela decaiu, acompanhando o processo que atingiu o Centro.”
Para muitos, as pichações que dominam as paredes de concreto são os grandes símbolos da degradação do local
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Como a elite começou a migrar para outras regiões, os proprietários
dos estabelecimentos voltados para o lazer das camadas mais altas
da sociedade também deixaram o Centro. Em contrapartida,
o local passou a ser frequentado por uma população de menor poder
aquisitivo. Com isso, ao longo do tempo, a praça passou a ser palco
de marginalidade e degradação.
Nos anos 1980, a situação ficou ainda mais insustentável. Como
o espaço passou a ser visitado pela população economicamente
excluída, iniciou-se um processo contínuo de destruição, que deu
origem a um espaço fragmentado, indefinido e esquecido pelos
governantes, propício ao tráfico de drogas e à marginalidade.
De acordo com a Empresa Municipal de Urbanização, atual
São Paulo Urbanismo (Emurb), responsável pela reurbanização
de áreas em processo de transformação ou em vias de deterioração,
entre elas, a Praça Roosevelt, a rejeição à praça, o não entendimento
do espaço público construído, a falta de verde, a overdose
de área construída e a dificuldade de administração transformaram
o local em um ambiente problemático.
Para reverter esse quadro de deterioração da Roosevelt, em meados
dos anos 1990, a Emurb lançou uma proposta de intervenção
governamental que envolvia um conjunto de ações, como a demolição
da estrutura de concreto, o fechamento do buraco que existe junto
ao início da Rua Augusta e a implantação de um novo paisagismo.
O início da reforma foi adiado várias vezes, e ainda não aconteceu.
No dia 24 de julho de 2010, quase 20 anos depois, a prefeitura de
São Paulo publicou no Diário Oficial os detalhes da licitação pública
para execução da obra. Segundo o documento, a reforma deve durar
dois anos e tem custo estimado de R$ 37 milhões. Enquanto nada
O excesso de concreto, a falta da verde e o não-entendimento da construção são alguns dos motivos que levaram a praça à decadência
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for feito, a enorme estrutura de concreto impedirá
o uso pleno de todas as potencialidades que aquele
espaço público poderia oferecer à população.
Porém, é importante ressaltar que o processo
de desvalorização urbana da Roosevelt não provocou
o esvaziamento do local, que foi apenas tomado
por uma parcela da sociedade de menor poder
de escolha.
Desde sua origem, a Praça Roosevelt concentra
algumas características que persistem até os dias
de hoje, fato que atesta o caráter simbólico do
local. Desde a época dos tropeiros, é um ponto de
passagem para aqueles que transitam ou frequentam
as redondezas da Igreja da Consolação. Antes
palco da devoção dos peregrinos, hoje o local é
ponto de encontro para os praticantes de skate,
que utilizam a área para fazer manobras radicais.
O espaço também serve como uma “parada” para
os estudantes do Colégio Caetano de Campos3,
como também era para os alunos do Colégio
Visconde de Porto Seguro4 na década de 1960.
Assim, a Praça Roosevelt sempre foi um
centro de práticas sociais, e, apesar de ter
vivido um período obscuro artisticamente entre
as décadas de 80 e 90, esse espaço nunca perdeu o
seu magnetismo cultural e seu simbolismo artístico.
As pichações refletem usos não-programados da estrutura de concreto que caracteriza a área
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3: Localizada na Rua João Guimarães Rosa, 111, a Escola Normal Caetano de Campos foi fundada em 16 de março de 1846. Ela funcionava no prédio anexo à Catedral da Sé velha e foi transferida para a Praça da República para o edifício projetado por Antônio Francisco de Paula Sousa e Ramos de Azevedo, inaugurado em 1894, onde atualmente está instalada a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo. Hoje, denomina-se Escola Estadual Caetano de Campos e funciona na Praça Roosevelt, no prédio antes pertencente ao Colégio Visconde de Porto Seguro. Foram ex-alunos Sérgio Buarque de Holanda, Francisco Matarazzo, Mário de Andrade, entre outros grandes nomes.
4: O Colégio Visconde de Porto Seguro (ex-Deutsche Schule, ou "Escola Alemã", em português, e ex-Ginásio Brasileiro-Alemão, frequent-emente chamada de Porto Seguro) é uma tradicional escola particular de São Paulo. Foi fundada em 1878, em um prédio alugado na Rua Florêncio de Abreu, no centro de São Paulo. Em 1913 a escola mudou-se para seu próprio prédio na Rua Olinda, atual Praça Roosevelt, num prédio hoje ocupado pela Escola Estadual Caetano de Campos. Em 1974, a escola mudou-se para sua atual localização, no Morumbi, com a entrada principal na Rua Clementinne Brenne.
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O renascimento
A partir do final dos anos 1990, o teatro da Praça Roosevelt
passou a ganhar novos personagens que devolveram vida
àquele combalido ambiente, que havia se transformado em um reduto
de traficantes, pequenos marginais, garotos de programa e prostitutas.
Por meio de uma inusitada e persistente ocupação de grupos teatrais,
a Roosevelt converteu-se num lugar de rara vitalidade artística.
O primeiro espaço teatral a se instalar no local foi o Studio 184,
em 1996, comandado pela diretora e atriz Dulce Muniz.
A chegada de grupos teatrais deu um novo significado à Roosevelt. “Kabarett”, de Kleber Montanheiro, é um dos espetáculos que estreou no Miniteatro em 2009
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Atraído pela possibilidade de uma revitalização
da região e pela ideia de formação de um polo cultural,
o diretor teatral Gabriel Catellani incorporou o espaço
do antigo Cine Bijou à sua escola de artes cênicas
– a Recriarte –, em 1999.
Em 2000, a Cia. de Teatro Os Satyros adquiriu
o espaço onde funcionava um antigo hotel de travestis.
Como o grupo já possuía certa visibilidade na cena teatral,
em pouco tempo a companhia criou ali um movimento
cultural que deu mais visibilidade à área. Então, a
Roosevelt passou a ser frequentada por artistas, jornalistas,
intelectuais, escritores. Com esse novo movimento, o tráfico
e a prostituição se afastaram da praça. Já alguns travestis
e transexuais foram incorporados às produções satyrianas.
De olho nesse burburinho teatral, em 2006, o premiado
e estabelecido grupo Parlapatões inaugurou o Espaço
Parlapatões, com bar e sala de teatro, completando o
atual circuito cultural da Roosevelt.
Outras companhias também foram atraídas pela nova aura
da praça, como a Cia. Teatro X, que iniciou as atividades
por lá em 2002. Porém, em 2005, o grupo deixou o
imóvel e os Satyros assumiram o espaço, inaugurando o
Satyros 2.
Por fim, em 2009, a Cia. da Revista, dirigida por
Kleber Montanheiro, abriu suas portas com o Miniteatro.
Hoje, funcionam na praça cinco teatros, além de quatro
bares e uma livraria, o que garante uma agitada vida noturna
e demonstra um exercício de cidadania inspirador para
a revitalização e reorganização social de outras regiões
devastadas da cidade de São Paulo, espaços onde o poder
público, a exemplo da Roosevelt, não consegue desenvolver
e implementar ações eficazes de urbanismo consoantes
com as necessidades complexas de uma metrópole
do tamanho de São Paulo.
A atriz transexual Phedra De Córdoba em “Stranger – Estranho?”, uma das produções dos Satyros que ficou em cartaz em 2009
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PARTE II
Um palco de militância>> Studio 184
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II
Até conseguir ganhar vida novamente e retomar a sua
humanidade, a Roosevelt foi palco de muitas histórias
protagonizadas por personagens marcantes que fizeram
e fazem a praça ser até hoje um lugar de resistência artística
e cultural. A recuperação do local, depois de um período de
decadência e descaso público, será contada a partir de agora
por meio da trajetória desses personagens que protagonizaram
as transformações ocorridas nos últimos anos.
Fundadora do Studio 184, a atriz e diretora Dulce Muniz foi a primeira a se instalar na praçaFO
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Dulce Muniz em cena
“Um dia eu ainda vou trabalhar no Teatro de Arena”. Era esta
frase que Dulce Muniz dizia quando, aos 18 anos, vinha para São
Paulo e passava pela Rua da Consolação, onde ficava o palco do
Arena. Nascida em São Joaquim da Barra, um pequeno município
no interior paulista, Dulce demonstrou desde menina uma forte
inclinação ao teatro e ao engajamento político. Seu pai era operário
e espírita em uma cidade extremamente católica. Por causa da religião
da família, a menina era motivo de chacota entre os colegas da escola
e os vizinhos. Sua mãe era dona de casa e criava cinco filhos.
Como a família era grande e os recursos eram escassos, Dulce teve que
trabalhar desde cedo para ajudar em casa. Para fugir da dura realidade,
incentivada por um professor da escola onde estudava, lia muitos clássicos
da literatura mundial. Todo esse contexto de vida fez com que ela
almejasse uma sociedade mais igualitária e um governo mais justo.
Em 1964, ano da tomada do poder do País pelos militares, Dulce
tinha apenas 16 anos, mas a pouca idade não a impediu de se filiar a
uma corrente de resistência política que se formava em São Joaquim
da Barra e de lutar pelo fim da ditadura.
Ao completar 18 anos, Dulce já podia viajar sem os pais. “Eu vinha
para São Paulo e assistia a peças teatrais. Vi o ‘Rei da Vela’, do José
Celso Martinez Corrêa, ‘Morte e Vida Severina’, enfim, muitas
montagens de cunho político”, conta. “Quando eu pegava o ônibus,
passava pelo Centro e descia em frente à Sala São Paulo. De um lado,
via o Teatro de Arena, e do outro, via a Igreja e a Praça Roosevelt.
Então, a Roosevelt sempre fez parte da minha vida”, continua.
Em 1968, quando completou 20 anos de idade, Dulce veio para
ficar. O Brasil se encontrava em pleno regime militar. Foi quando
ela começou a fazer o curso do Teatro de Arena e atuar em grupos
alternativos de teatro. “Entrei para um grupo de teatro semi-amador
que ensaiava em um casarão habitado por mendigos. Alugamos o
espaço e nós mesmos fizemos a reforma. Na mesma época, comecei
a fazer parte de uma organização trotskista, o Partido Operário
Revolucionário Trotskista”, lembra.
Quando se casou, em 1969, passou a morar na Rua Teodoro
Baima, próxima ao Teatro de Arena e na frente da Roosevelt.
“Nessa época, havia muita efervescência naquela região. O Cine
Bijou exibia muitos filmes de arte. Do outro lado, havia a Rua
Maria Antonia, que era um ponto de resistência estudantil. Na
Rua Sete de Abril, havia o Cine Coral, que também exibia
filmes de arte. A Biblioteca Mário de Andrade era outro ponto
de muita atividade cultural e política. A Galeria Metrópole, na
Avenida São Luís, também era um lugar de encontro de artistas.
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Na Roosevelt, havia uma loja de móveis contemporâneos, que era
de um militante de esquerda. Enfim, havia todo um movimento
nessa região e eu era uma frequentadora assídua da área”, relata.
Sob o governo Médici, Dulce foi presa política e ficou 15 dias no
Departamento de Ordem Política e Social (Dops). “Não cheguei
a ser torturada fisicamente. Um companheiro de luta que estava
conosco apanhou muito e morreu. Por isso nos soltaram. Jogaram
o corpo por uma janela, dizendo que ele havia ingerido veneno,
porque era operário químico. Mas era mentira”, narra.
Nessa época, Dulce já tinha feito o curso do Arena e trabalhava
como atriz profissional com o dramaturgo Augusto Boal. A partir de
então, a atriz nunca mais deixou o teatro e a luta política. “Sempre vivi de
teatro, por isso que prezo tanto o ofício de interpretar. Apresentei durante
muitos anos um programa para crianças na TV Cultura chamado
‘Bambalalão’. Cheguei a fazer uma novela na TV Bandeirantes, fiz
algumas coisas na TV Globo, mas a TV não é uma arte, é uma
indústria. O teatro por sua origem é essencialmente artístico”.
Na década de 90, Dulce passa a morar na Avenida São Luís.
“Eu fazia compras no supermercado da Roosevelt praticamente todos
os dias. Então, vi que estavam fazendo o Teatro de Câmara lá,
que começou a funcionar em 1994. Quando ele foi inaugurado,
me convidaram para dirigir uma peça no espaço”. Além de atriz, diretora e dramaturga, Dulce chegou a fazer parte de uma organização trotskista, o Partido Operário Revolucionário Trotskista, durante a ditadura militar
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Mas manter um espaço de teatro no Brasil não é uma tarefa fácil.
Devido a dificuldades financeiras, o estabelecimento teria que ser
entregue aos proprietários. Foi então que Dulce Muniz, com ajuda
do autor teatral Dema Francisco e do ator Roberto Ascar, que
ensaiavam no espaço nessa época, resolveu assumir as negociações,
reformar o local e reinaugurá-lo com o nome de Studio 184.
“Fizemos a reforma e reinauguramos em fevereiro de 1996 com banda,
padre, coral de vozes e champanhe. Demos início ao nosso projeto de
preservar a memória, promover debates, fazer leituras de peças e usar o
espaço para a comunidade. De lá para cá, temos lutado muito. Tanto
que nosso último projeto fomentado chama-se ‘E a Luta Continua’”.
Quando Dulce montou o Studio 184, a Roosevelt estava no
auge da degradação. “Havia traficantes, drogados, prostituição,
enfim, todo tipo de desventura e de sofrimento humano. Existia
uma barreira humana que ia da esquina até o final da rua. Não
era possível passar por lá. Nós tivemos que fazer lavagem na praça,
trabalhos com as crianças e com os moradores de rua”.
Com a força de sua arte, Dulce deu início ao processo de
revitalização de um local totalmente abandonado pelos poderes
governamentais. O Studio 184 foi a primeira faísca de um movimento
de resgate e recuperação de um ponto simbólico da cidade de São
Paulo. “O trabalho artístico tem a função de transformar o mundo.
E também tem um papel que considero terapêutico. Então, as
pessoas começaram novamente a frequentar a Roosevelt”, diz a atriz.
Como o Studio 184 foi o primeiro teatro a chegar naquela verdadeira
“terra de ninguém”, Dulce resolveu receber com flores aqueles que
também decidiam se aventurar por aquelas bandas e apostar na região
com algum tipo de empreendimento. “Logo depois, chegou o Gabriel
Catellani, com o Teatro do Ator. Depois vieram os Satyros, os
Parlapatões, e cada um passou a contribuir com seu trabalho. Sempre
que posso, reafirmo que essa recuperação da Roosevelt não é obra de
um grupo solitário”, assegura. “A manutenção da qualidade calçada
que rodeia a praça, onde estão os teatros e os bares, e a luta pela
demolição da ‘praça-edifício’ são obras coletivas. Até o vendedor de
frutas e a moça que vende quinquilharias na calçada serviram para
mudar a praça. O fato de eles estarem ali significa que alguma
humanidade estava sendo preservada”, completa.
Montagem infanto-juvenil “Dia de Brinquedo, Poesia a Gente Inventa!”, estreou em 2007 e foi estrelada por Zenaide Paludo, Dulce Muniz e Felipe Lopes
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Para atriz e diretora teatral, a Roosevelt ainda não está completamente
revitalizada e continua decadente. “A praça em si está como sempre
esteve: frequentada por gente que vive no maior sofrimento humano.
Infelizmente, o poder público foi negligente e omisso. A calçada, bem
ou mal, sempre foi mais ou menos assim. Claro que nunca houve
tantos teatros. Hoje, todo mundo sabe que na calçada existe uma vida
artístico-cultural. Isso é muito importante”.
Atualmente, Dulce luta para que a reforma da Praça Roosevelt
aconteça e para que retirem a construção estranha que foi colocada
no local. “Para mim, basta que esse lugar vire uma praça e que de
fato eu veja o outro lado. E que removam esse entulho autoritário.
A Praça Roosevelt era um local de muita agitação. Antes, a gente
podia ver o outro lado. Eu não tinha medo de passar por lá”.
Como forma de manter a vocação artístico-cultural da Roosevelt,
Dulce desenvolve diversos projetos artísticos e políticos que atraem
jovens da esquerda, militantes de movimentos sociais da cidade, grupos
teatrais e o público em geral que passa pela praça. Entre os trabalhos
desenvolvidos no Studio 184, há apresentações de peças infantis, shows
e o projeto “Feminino na Dramaturgia”, com leituras de textos inéditos
escritos e dirigidos por mulheres. O espaço também abriga o Cine
Bijou – Cinema e Memória, que tem como proposta preservar a
memória política da luta contra a repressão, simbolizada pelo próprio
Cine Bijou, e reunir diferentes gerações de militantes. Nas palavras
de Dulce, “o lutar é contínuo. A democracia é conflitante, não
há consenso. Sempre há diferenças e as individualidades têm que
respeitadas. O que não pode haver é desigualdade”.
Fachada do Studio 184, inaugurado em 1996 na Roosevelt
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Espaço de preservação Antigo Cine Bijou >> Teatro do Ator
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III
Com o início das atividades do Studio 184, outros grupos
teatrais e profissionais da classe artística começaram a olhar
para a Roosevelt com olhos de “redescoberta”. Em 1998, o professor
e diretor teatral Gabriel Catellani, fundador da escola de arte
Recriarte, decidiu incorporar o espaço do antigo Cine Bijou para
preservar a memória e recuperar a importância histórica do local,
inaugurando o Cine Teatro Recriarte Bijou. A ideia de Catellani
era reconstituir e transformar o ponto em um cineteatro de arte, sem
exterminar as antigas referências e o encanto do Bijou.
“Quando nós incorporamos o prédio do Cine Bijou, tiramos
a placa e as letras do cinema, e até hoje as guardamos carinhosamente.
Nós trouxemos o projecionista do próprio Bijou, fizemos um
apanhado histórico e recondicionamos a estrutura a fim de manter
a originalidade do lugar. O projetor, as poltronas, o gesso e a tela
de projeção foram aproveitados. Fizemos apenas algumas adaptações
para atender as necessidades do teatro”, conta Catellani.
Fachada do Teatro do Ator, instalado onde era o antigo Cine BijouFO
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Inaugurado na década de 1960, o Cine Bijou marcou a história
do Centro da Cidade de São Paulo. O espaço foi lançado sem
grandes pretensões por um casal que percebeu que os grandes cinemas
do Centro tinham muito público. Com a expectativa de abrir um
negócio semelhante, eles montaram toda a estrutura para exibição
das películas, mas, na hora de comprar os filmes, notaram que esse
tipo de negócio era só para grandes exibidoras. Com os recursos
disponíveis, era somente possível adquirir as produções mais baratas,
que não eram muito procuradas. Mas o que eles não sabiam é que
esses filmes, na verdade, eram obras dos grandes mestres do cinema,
como Ingmar Bergman e Luchino Visconti.
“Quando eles começaram a projetar esses longas-metragens,
aconteceu uma verdadeira revolução, pois aquela região já tinha
uma vocação artística. A partir daí, o Bijou virou um grande ponto
de encontro. Na ditadura militar, esse cinema também teve um
papel muito importante”, lembra Catellani que estabeleceu uma
forte amizade com o casal fundador do Bijou. “Sempre tive um
absoluto carinho e afeto pelos idealizadores do Cine Bijou, Dona
Ing e Sr. Francisco. Eles são pessoas extremamente queridas e o que
nós vivemos nesses anos é impagável”, diz.
Catellani, que chegou a ser embaixador cultural do Brasil na Europa
pelo Rotary Internacional na década de 1980, conhecia a importante
história do Cine Bijou. Como ele precisava de um espaço para
apresentações das montagens da escola e tinha um grande apreço por
aquele pedacinho da Roosevelt, decidiu investir no espaço e incorporá-
lo ao Recriarte, sem desrespeitar as características históricas do ambiente.
“O teatro foi o primeiro braço da escola. Quando nós fomos pra
Praça Roosevelt, em 1999, as pessoas diziam que era uma loucura
e que aquilo nunca iria dar certo, mas eu tinha um grande trunfo
nas mãos. Quando voltei da Europa, passei a morar no Centro, na
Rua da Consolação com a Avenida Ipiranga, e vi que a região não
era tão horrorosa e perigosa como diziam. Havia uma multiplicidade
gigantesca de pessoas e também tinha o descaso da própria prefeitura,
mas não desanimei por isso”, relata. “Percebi que o local já tinha um
bom estacionamento, era próximo de tudo, e, se nós criássemos um
vínculo com a região, poderia dar certo”, completa.
Segundo Catellani, no primeiro ano de funcionamento do Cine
Teatro Recriarte Bijou, 20 mil pessoas assistiram a filmes e peças ali.
O espaço foi reinaugurado com cinco espetáculos, e o ator Paulo
Autran cortou a fita de inauguração. “Ele assistiu ao primeiro
espetáculo da casa, que foi ‘O Sr. dos Girassóis’ e, em seguida,
deu um depoimento maravilhoso sobre a sua carreira”, lembra.
Depois de um ano de funcionamento, os custos de manutenção
começaram a ficar altos, e não era mais possível manter o cinema.
Teatro do Ator
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“Tentamos todo tipo de patrocínio, apoio de
empresas, anúncios em sites, mas não tivemos
resultados. Então, achei que teríamos que fechar
mesmo”. Mas Catellani conseguiu uma parceria
com o portal Zip Net, que estava no auge no
fim da década de 90. Em 2000, com a nova
negociação, o espaço ganhou novas forças e
passou a se chamar Zip Net Bijou.
Contudo, a parceria também não foi muito
duradoura. Logo após a assinatura do contrato,
a Zip Net foi vendida para o portal UOL,
que só manteve a contratação para cumprir o que
já havia sido previamente combinado, já que o
negócio não interessava para a empresa.
Mesmo com as dificuldades, Catellani
decidiu manter o local somente com os projetos
e espetáculos da escola e, assim, dar seguimento
ao seu projeto de formação de público. Com
novo nome, o Teatro do Ator se estabeleceu
definitivamente na Roosevelt.
Com o estabelecimento definitivo do Teatro
do Ator, já eram duas casas de teatro na praça
e, com isso, a realidade do entorno começou a
mudar. Assim, alguns grupos teatrais começaram
a se interessar pela região para mostrar o seu
trabalho e construir um polo cultural por lá.
Em 2000, a companhia teatral curitibana
Os Satyros se instalou na Roosevelt.
“A partir daí, foi surgindo uma aura em torno
da praça que começou a amplificar tudo o que
nós fazíamos ali. Isso acabou trazendo depois
Os Parlapatões, que viram o movimento
melhorar. Tudo isso fomentou um pensamento
na área, e que hoje já é uma realidade”, declara.FOTO
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Além de peças do circuito teatral, projetos e espetáculos da escola Recriarte são apresentados no Teatro do Ator
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Placa colocada na porta do Teatro do Ator para homenagear os proprietários do Cine Bijou
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A esperada reforma
Assim como os demais administradores de estabelecimentos
da Praça Roosevelt, Catellani também sempre almejou a
concretização da reforma prometida pelos órgãos governamentais,
porém o diretor tem receio do que poderá acontecer com os teatros
durante as obras. “A reforma da praça é necessária, mas vai ser
muito difícil. Serão dois anos e nós não sabemos o que acontecerá
com os teatros e com o comércio local. Estamos buscando um
consenso para que a gente consiga sobreviver nesse período”.
Segundo ele, a relação com os outros grupos de teatro que estão
na praça é boa, mas falta diálogo, pois as propostas de cada um,
em princípio, são muito diferenciadas. “Levou um tempo para
que as pessoas percebessem que as diferenças são complementares.
Cada um segue um determinado caminho teatral e tem sua própria
trajetória, além de uma forma particular de conduzir o trabalho.
Mas o importante é ser o mais transparente possível e conviver com
as diferenças. Nós temos que nos unir cada vez mais para que
as coisas aconteçam”, defende. “Temos consciência de que, quando
fomos para a praça, levamos uma luz, que é única. Os outros
estabelecimentos também iluminam a proposta”, completa.
Para ele, a ida dos teatros à Roosevelt deu um grande impulso à
reforma. “Aquela região já é um marco zero, tanto que qualquer
tipo de movimento começa no Centro. Ali é um epicentro de
pensamentos. No entanto, os teatros com certeza ajudaram. Só não
chegaram mais grupos lá porque está tudo sucateado. Você olha
para a praça e vê um escombro. Quando isso mudar, a situação vai
melhorar ainda mais”, diz acreditar.
De acordo com o administrador do Teatro do Ator, outro
problema que prejudica a Roosevelt é a relação entre as residências e
os bares, que ainda é muito precária. “Creio que tem que existir um
pensamento comum mais elaborado. O movimento artístico ainda é
muito pequeno. É muito mais agito do que resposta. A arte fica um
pouco para trás”, sugere.
Catellani afirma que o teatro pode revitalizar um espaço público,
desde que exista uma política cultural aplicada à proposta.
“Há muito dinheiro jogado fora. Há projetos maravilhosos, como
o da Escola SP de Teatro. Todavia, se você for mais fundo, descobre
que há vários interesses, e o que menos interessa é o povo, apesar
de parecer que é para o povo”, denuncia.
Placa colocada na porta do Teatro do Ator para homenagear os proprietários do Cine Bijou
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No dia 25 de novembro de 2009, o jornal Folha de S. Paulo
divulgou que a manutenção anual da escola consumirá R$ 8
milhões, liberados pela secretaria e geridos pela organização social de
cultura (OSC) e pela Associação Amigos das Oficinas Culturais
do Estado de São Paulo. Esse valor é superior do que o governo
estadual destinou, em 2009, a seus principais projetos teatrais,
já que as quantias investidas no Programa de Ação Cultural
(ProAC), na campanha "Vá ao Teatro", no Festival Nacional
de Teatro Infantil de Salto (noroeste de SP) e nos braços teatrais
do Circuito Cultural Paulista e da Virada Cultural Paulista
somam R$ 7,1 milhões.
O projeto da Escola SP de Teatro suscita questionamentos
não só de Catellani, mas também de outros membros da classe
teatral, uma vez que, em 2005, após tomar conhecimento
do trabalho de formação de técnicos mantido pelo grupo
Os Satyros no Jardim Pantanal (leste) e da existência de um prédio
abandonado na Roosevelt, o então prefeito José Serra sugeriu que
a trupe pensasse numa iniciativa semelhante para o local. Desde
então, Satyros e Parlapatões passaram a responder pelos cargos
de direção e coordenação da escola. "Apresentei a ideia à comissão
de teatro da pasta e propus parceria a uma OS (organização social),
que topou”, respondeu o então secretário de Estado da Cultura,
João Sayad, na ocasião ao jornal Folha de S. Paulo.
Segundo Catellani, a escolha dos cargos de direção
da escola é obscura e não houve nenhuma consulta a outros
profissionais da área.
Teatro do Ator
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Nova realidade
Para se adaptar às transformações da Roosevelt, Catellani
pretende ampliar os cursos oferecidos no Teatro do Ator e criar
um polo de formação no local. “E sentir que existe uma função no
espaço, além do que nós fazemos como arte. Uma função como
elemento transformador de um polo social”.
Cartazes das peças apresentadas no espaço em agosto de 2010
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Um palco visceral>> Os Satyros
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IV
Inaugurado em 2002, o Espaço dos Satyros Dois é reflexo do crescimento dos projetos assinados pela companhia teatral
Como Catellani almejava, a Roosevelt começou a se tornar
um verdadeiro polo cultural depois do início das atividades
do Teatro do Ator. Contudo, as transformações mais fortes
só começaram a ser notadas quando o terceiro grupo teatral instalou-
se na praça. Em 2000, uma companhia que passou quase dez
anos fora do País voltou para o Brasil e passou a apresentar alguns
trabalhos em Curitiba. Porém, eles almejavam entrar novamente
no circuito paulistano, como aconteceu em 1989, quando
Os Satyros nasceram. Rodolfo García Vázquez e Ivam Cabral,
os fundadores do grupo, foram para Europa em 1992 em busca
de novas experiências artísticas, mas sempre tiveram em mente voltar
para a capital paulista. Eles desejavam um espaço para apresentar
suas peças, que tinham um caráter ousado, transgressor e visceral.
Em junho de 1999, chegaram oficialmente a São Paulo para
buscar esse lugar. Mas não era qualquer bairro que os interessava.
Eles tinham uma fixação em encontrar um espaço no Centro
paulistano. “Estávamos de acordo sobre isso, era decidido: ‘vamos
trabalhar na zona central de São Paulo’. Não era uma questão
financeira, porque nesse momento até dinheiro a gente tinha. Não
estaria fora das possibilidades abrir um espaço na Vila Madalena,
por exemplo. Mas não era nosso tesão ir para lá”, diz Ivam Cabral
no livro “Os Satyros: um palco visceral”.
Segundo Rodolfo Gárcia Vázquez, eles deram preferência
à Roosevelt por ser um local muito central, que cruza os eixos
principais da cidade. “Apesar de ser degradado, a gente tinha
esperança que desse certo. Nós demos um prazo de cinco anos para
se estabelecer em São Paulo. No final do segundo ano, a gente
já via uma transformação muito evidente”, afirma Vázquez.FOTO
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Primeiras dificuldades
Em agosto de 2000, Vázquez encontrou uma sala na Roosevelt.
“Parecia um restaurante, com um salão no fundo. Estava vazio,
o aluguel era muito barato, e ficava num lugar superdeteriorado.
Estava todo detonado, piso de terra, sem paredes, sem instalação
elétrica, sem nada”, conta.
Além das dificuldades físicas do estabelecimento, o grupo enfrentou
muitos problemas com o entorno por causa da criminalidade. “A
praça era muito escura. As luzes da rua estavam todas queimadas
porque os traficantes jogavam pedras. Só havia um bar de garotos
de programa, outro de travestis e mais um de prostitutas. O prédio
que alugamos estava abandonado e tinha sido um hotel de travestis.
Ele havia sido invadido e se transformado em um inferninho de
prostituição. A praça era muito perigosa”, lembra Vázquez.
Além das dificuldades físicas do estabelecimento, o grupo enfrentou
muitos problemas com o entorno por causa da criminalidade. “A
praça era muito escura. As luzes da rua estavam todas queimadas
porque os traficantes jogavam pedras. Só havia um bar de garotos
de programa, outro de travestis e mais um de prostitutas. O prédio
que alugamos estava abandonado e tinha sido um hotel de travestis.
Ele havia sido invadido e se transformado em um inferninho
de prostituição. A praça era muito perigosa”, lembra Vázquez.
Então, a reforma na parte de baixo do prédio começou a ser feita
com o dinheiro dos próprios artistas. Fazia 20 anos que ninguém
usava o lugar. Foi preciso construir uma estrutura completa. Foram
seis meses de obras. Durante esse processo, o carro do engenheiro foi
arrombado e assaltado na frente do teatro.
Em 1º de dezembro de 2000, foi inaugurado o Espaço dos
Satyros com a peça “Retábulo da Avareza, Luxúria e Morte – Pacto
de Sangue”, texto de Ramón del Valle-Inclán. A estreia ganhou um
espaço na imprensa, porém a situação era pior do que imaginavam.
Muitos críticos teatrais se recusavam a assistir ao trabalho do grupo por
causa da localização da sala e falavam isso aos diretores da companhia.
“Nós começamos a usar a calçada da Rua Martinho Prado.
Os traficantes deixavam o pó embaixo de uma tampa de bueiro
na calçada. Quando o nosso público chegava, eles abriam o bueiro
e começavam a mexer nas drogas. Nós pedimos para que eles
mudassem de lugar. Então, começaram as ameaças. Eles sentavam
em uma mureta em frente ao espaço e ficavam encarando. Recebemos
uma intimidação por telefone de que haveria um banho de sangue
no teatro porque estávamos atrapalhando o tráfico”, relata o diretor.
Os Satyros
Atriz Andressa Cabral em cena da peça “Justine”, última parte da “Trilogia Libertina dos Satyros”, formada por “A Filosofia na Alcova" e "Os 120 Dias de Sodoma” FO
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Apesar da montagem de estreia contar com atores fazendo personagens femininos
e atrizes interpretando papeis masculinos, as travestis também não simpatizavam com
o grupo. Certo dia, a elegante travesti cubana Phedra De Córdoba passou pela
porta e os fundadores do espaço a convidaram para entrar e assistir ao espetáculo. Ela
se emocionou muito com o que viu e apresentou os artistas para as outras amigas. Phedra
abriu as portas para que os Satyros entrassem em contato com outro universo de referência.
“A partir daí, algumas travestis começaram a trabalhar no grupo. Alguns michês também
começaram a participar das peças. Aos poucos, nós passamos a incorporar a comunidade
local. E aí os preços dos imóveis subiram muito. A região começou a ficar mais segura.
As travestis que moravam nos apartamentos foram deixando a praça, porque elas não
tinham mais condições de bancar”, relata.
Com essas primeiras mudanças, aos poucos, o público voltou a frequentar a Roosevelt.
“Começamos a abrir o teatro em vários horários, além do fim de semana. Na época,
o teatro em São Paulo acontecia só aos finais de semana. A gente começou a fazer teatro
às terças e quartas-feiras”.
Em 2002, a companhia assumiu o espaço onde estava o Teatro X e inauguraram
o Satyros Dois. O movimento foi crescendo cada vez mais e, com isso, a Roosevelt
voltou a ter visibilidade e atrair pessoas. Os espectadores também passaram a abarrotar
a praça nas Satyrianas, projeto que a companhia promove anualmente, no qual realiza,
durante 78 horas ininterruptas, espetáculos, palestras e performances, que se estendem
do crepúsculo de quinta-feira até a meia-noite de domingo.FOTO
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Contato com o poder
Um momento memorável da trajetória do grupo na Roosevelt
foi em 2005, quando realizaram uma performance acerca
do livro “O Mistério das Bolas de Gude”, do colunista Gilberto
Dimenstein, da Folha de S. Paulo. O espetáculo integrava
a programação da Virada Cultural, evento da Prefeitura de
São Paulo que mantém atividades culturais em diversos pontos
da cidade durante 24 horas de um fim de semana em maio. Porém,
essa apresentação reuniu um público inusitado: o então prefeito José
Serra, o secretário municipal de cultura, Carlos Calil, o subprefeito
da Sé, Andrea Matarazzo e outras personalidades. Naquela
madrugada, o ex-prefeito e seu séquito puderam ver de perto
a sensual dança de Phedra, a diva underground da Roosevelt.
Cena do espetáculo “Justine”, que estreou em 2010 no Espaço dos Satyros
Atriz Cléo De Páris em cena de "Liz", do grupo teatral Satyros
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Escrita pelo dramaturgo cubano Reinaldo Montero e dirigida por Rodolfo García Vázquez, “Liz” estreou em 2009 para comemorar os 20 anos da Companhia de Teatro Os Satyros
Presença magnética
Ao longo desses anos de permanência na praça, os Satyros marcaram
a região com outras montagens e apresentações antológicas, como
“Transex” (2004), “A Vida na Praça Roosevelt” (2005),
“Os 120 dias de Sodoma” (2006), “Filosofia na Alcova” (2008),
“Justine” (2009), entre outras. E, assim, tornaram-se referência
do teatro paulista e deram nova vida àquele pedaço do Centro,
sem nenhuma ajuda governamental.
“Sempre foi um movimento próprio dos teatros. Nunca houve uma
intercessão direta da prefeitura”, assegura Vázquez. Segundo ele,
a companhia também não foi consultada sobre o projeto de reforma.
Para o diretor, a praça conseguiu se reestabelecer sem ajuda do poder
público, e, hoje, o que atrapalha a vida teatral e noturna da Roosevelt
é a vizinhança. “Acho que a gente tinha que poder colocar as mesas
novamente na calçada e trabalhar com mais tranquilidade. Falta tirar
alguns vizinhos chatos da praça, porque eles estão causando problemas
para nós. Eles nos perseguem, nos acusam de tráfico de drogas, abrem
ações contra nós. São coisas que não precisavam acontecer”, reclama.
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54 Os Satyros
Segundo Rodolfo, isso acontece porque os preços dos imóveis
subiram muito e, com isso, um novo tipo de morador, com mais poder
aquisitivo, foi para lá. “Há oito anos, um apartamento lá valia R$ 32
mil. Hoje, vale R$ 200 mil. Houve uma valorização muito grande
em pouco tempo”, informa.
No final de 2010, a região promete ficar ainda mais movimentada,
já que em novembro será inaugurada a sede definitiva da SP Escola de
Teatro, que também funcionará na Roosevelt. Enquanto as obras não
ficam prontas, a instituição mantém-se no Brás, região central de São
Paulo. “A escola vai transformar ainda mais o espaço. São 11 andares
e 1200 alunos por ano. Vai ser uma loucura”, garante.
Dessa forma, a cada dia que passa, o local busca novas formas
de sobreviver e atrai cidadãos ligados aos mais diversos tipos
de manifestações teatrais, transformando-se em um dos palcos
principais dos acontecimentos pertinentes ao universo das artes cênicas.
E os Satyros, com toda a sua força artística, foi uma das partes
fundamentais para transformar a praça em um teatro a céu aberto.
Atores Cléo De Páris e Fábio Penna em cena de “Liz”
Atriz Patrícia Vilela em cena da peça “Safo”, que estreou em 2009 no Espaço dos Satyros com texto de Ivam Cabral
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Circo, Risos e Xícaras de Açúcar>> Chegam os Parlapatões
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V
Parlapatões na comédia "O Papa e a Bruxa", que traz texto do dramaturgo italiano Dario Fo e direção de Hugo Possolo
Em 2005, o panorama da Praça Roosevelt já era bem diferente
daquele que os Satyros encontraram quando chegaram
lá, em 2000. Já não havia mais prostituição e nem tráfico
de drogas. Além disso, com o movimento noturno gerado pelas
peças e bares, a área foi tomada por atores, dramaturgos, diretores,
espectadores e boêmios. Mas ainda faltava algo para completar
o quadro artístico: uma pitada de circo.
Atraídos pelo burburinho cultural da praça, o grupo teatral
Parlapatões, conhecido por unir números circenses ao teatro de rua,
também decidiu inaugurar sua sede na Roosevelt. Em 11 de setembro
de 2006, Hugo Possolo, Raul Barretto, Henrique Stroeter
e Claudinei Brandão, membros pertencentes à linha de frente
da companhia, iniciaram as atividades no Espaço Parlapatões.
O local conta com uma sala de espetáculos de 96 lugares, além
do Café Excêntrico, uma bar espaçoso que também traz um pequeno
palco para apresentações de montagens menores.FOTO
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A coincidência da inauguração com a fatídica data de aniversário
da queda das Torres Gêmeas em Nova York foi mero acaso,
mas é claro que os circenses não deixaram isso passar em branco.
Para estrear no espaço com o humor que sempre acompanhou
os “parlapas”, como são carinhosamente chamados pela classe
artística, “aviões parlapatônicos” sobrevoaram os céus da Roosevelt
e marcaram a abertura do local. Na data, “os palhaços” também
foram recebidos pelos integrantes dos Satyros com xícaras de açúcar,
a fim de celebrar a nova vizinhança.
“O panorama quando nós chegamos já era bem melhor
porque já existia todo um trabalho anterior, mas com certeza
nós potencializamos tudo isso. Nós trouxemos outro tipo
de público. Sempre tivemos uma ótima relação com Os Satyros
e já participávamos das Satyrianas e dos eventos realizados
na praça”, conta o ator parlapatão Raul Barreto.
E foi justamente em uma das Satyrianas que os Parlapatões decidiram
se instalar na praça. “Durante o evento, nós apresentaríamos uma
cena de um espetáculo de rua. Na época, estávamos procurando um
espaço para o grupo e vimos um imóvel vazio que ia ao encontro do
que queríamos há algum tempo. Já existia uma grande frequência da
classe artística por lá. Quando chegamos, o trabalho de revitalização
já havia sido iniciado. Nós só potencializamos o processo”, afirma.
A chegada do grupo à praça, além de consolidar o movimento
de recuperação, contribuiu para trazer uma nova linguagem artística
ao local. Na porta de vidro do espaço, é possível ver o símbolo do
grupo: um chapéu-coco virado para cima, contendo um tijolo e uma
flor. Essa marca demonstra o lema dos Parlapatões, que difere dos
outros teatros da praça. Como o grupo tem base no teatro de rua, os
atores sempre passaram o chapéu para garantir o sustento. Já o tijolo
simboliza o trabalho, enquanto a flor remete à poesia.
Parlapatões
Raul Barretto em cena de “Parlapatões Clássicos do Circo”, que estreou em 2007
“A Noite dos Palhaços Mudos”, espetáculo com a Cia. La Mínima, que ficou em cartaz no Espaço dos Parlapatões em 2008
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Com irreverência, humor e tradição circense, a presença
da companhia deu um ar de leveza à praça e criou um novo tipo
de interação com o entorno.
“O trabalho que nós realizamos hoje dialoga de diversas formas com
o que está ao nosso redor. O primeiro ponto é a ocupação. Quando
o teatro fecha, é possível ver o que é realmente a praça. É um vazio,
um marasmo, um perigo. Então, a manutenção se deve, sobretudo,
a um ato de cidadania representado pela população frequentando e
tomando posse de um lugar que é dela. Não somos nós que obrigamos
a vinda das pessoas. Colocamos as peças em cartaz e mantemos o café
cultural, que é onde as pessoas ficam depois das atrações”, diz.
De acordo com Barreto, o bar por si só não teria alcançado
o grande movimento se não fossem as montagens teatrais. “Grande
parte da agitação do bar se deve à frequência dos espectadores
do teatro”, assegura.
Segundo ele, quando há uma produção que não está com
um público muito bom, fatalmente, o movimento do bar é afetado.
“É lógico que há clientes que nem sempre vão ao teatro, sobretudo
pessoas que chegam mais tarde na praça, embora o melhor horário
da nossa programação seja à meia-noite nas sextas e sábados.
Sempre há casa cheia nesses horários. A praça tem uma vocação
noturna inegável”, avalia.
Na peça “O Papa e a Bruxa”, o Papa sofre de um problema de coluna, que o faz caminhar todo torto e com pânico de receber milhares de crianças terceiro-mundistas na Praça São Pedro
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Tiros no dramaturgo
Apesar de ter ajudado a dissociar a área do binômio
tráfico de drogas e prostituição e, com isso, recuperar
a vida noturna e afastar a violência, o Espaço Parlapatões foi
atingido por um acontecimento brutal na madrugada de 05 de
dezembro de 2009.
Naquela ocasião, a Roosevelt já estava vazia. Eram 5 horas
da madrugada. Por causa do Programa de Silêncio Urbano
(PSIU) da Prefeitura de São Paulo, que determina que os bares
e restaurantes fechem as portas após 1 hora da manhã, caso não
tenham isolamento acústico. O Espaço Parlapatões estava com
as portas fechadas, porém ainda existiam clientes dentro do local.
Hélio Pottes, Hugo Possolo e Raul Barretto durante o espetáculo “Parlapatões Clássicos do Circo”
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Quando a atriz Fernanda D’Umbra entrou no bar para ver
seus amigos, quatro homens armados a acompanharam. Depois
de uma discussão, um deles atirou no músico Carlos Carcarah e
deu três tiros no dramaturgo Mário Bortolotto, assíduo personagem
da praça. Felizmente, Bortolotto conseguiu se recuperar e hoje já
frequenta novamente o espaço. Ele também já ficou em cartaz no
Espaço Parlapatões depois do ocorrido.
“Depois do incidente com o Bortolotto nada mudou. Inicialmente,
ficamos preocupados e achamos que poderia afetar o movimento,
pois o noticiário foi muito intenso. Foi uma notícia negativa que
acabou atraindo um olhar para a praça sob esse ângulo da violência,
que até então nunca havia acontecido”.
Como o assalto aconteceu no final do ano, as peças já estavam
em fase de encerramento. Quando as atividades reiniciaram no ano
seguinte, a movimentação do local voltou normalmente. “De certa
forma, a memória do brasileiro é muito curta para essas coisas. Ele
se lembra do fato, mas não fica tão presente no imaginário. De
uma forma maléfica, o espaço acabou ficando conhecido por isso.
Felizmente, o desfecho foi positivo. Se tivesse tido outro final, a
história do lugar também seria outra. Ficaria uma mácula muito
forte”, garante Raul Barreto. “O fato do Bortotto também fez com
que os olhares se voltassem para a praça. O teatro foi alvo de uma
violência, as pessoas se solidarizaram com isso e passaram a exigir
do poder público uma contrapartida de reformar esse espaço. Isso
catalisou um processo de transformação”, completa.
Para Barreto, uma região só é segura enquanto há pessoas que a
frequentam. No momento em que o público vai embora, ela passa
a ser insegura. “Eu tenho mais medo da Roosevelt durante o dia do
que à noite. A praça precisa voltar a ser ocupada. É um problema
geral da população de São Paulo. As praças, de alguns anos para
cá, deixaram de ser um lugar de encontro e se transformaram em um
lugar de passagem apenas. Não é mais um espaço de convívio. A
gente quer que a Roosevelt seja um lugar de encontro. Durante o
dia, há um ermo. Enquanto as calçadas estão cheias, não há casos
de violência, qualquer que seja o horário”.
O ator conta que a fatalidade ocorreu em uma época em que
a Lei do Silêncio estava vigorando com muita força e que todos
os estabelecimentos estavam sendo ameaçados com multas pesadas.
“Todo mundo recolhia as mesas das calçadas. Nós nunca tivemos
mesas na parte de fora e mantínhamos o bar aberto mesmo nessas
condições. No dia do incidente, era o único local aberto naquele
horário, e os meninos entraram justamente por isso. Se os vizinhos
estivessem ocupando a calçada, eles não entrariam. O convívio social
harmônico afasta a criminalidade”, diz.
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62 Parlapatões
Bar do Espaço Parlapatões é um ponto de encontro de jovens, artistas, intelectuais, escritores, jornalistas
Transformação do espaço público
Segundo Barreto, sempre vão existir problemas, pois não é possível atender a todos.
“É difícil conseguir unanimidade e agradar todas as minorias, e não apenas uma
maioria. A área deveria atender os skatistas, por exemplo, que fazem parte de uma tribo
que já frequenta o local. Deveria existir um espaço para eles. Como há essa vocação
teatral, deveria haver um espaço público de teatro, como já prevê o projeto”, sugere.
Para ele, cabe ao grupo cuidar do espaço privado da companhia e não
há interesse de envolvimento político com possíveis mudanças. “A nossa vontade
é imperativa no que diz respeito à proposta estética do espaço. No ambiente
público, o ideal é que consiga atingir o cidadão de uma forma mais ampla. Sempre
alguns ficarão insatisfeitos, porque o público contempla uma grande diversidade
de opiniões e anseios”, opina.
Mas, mesmo perante todas as dificuldades, os “parlapas” conseguiram construir
um lugar do riso na Roosevelt e contribuíram ainda mais para humanização desse
ambiente urbano do centro de São Paulo, imprimindo sua marca na modificação
do contexto destrutivo em que o local estava inserido. Pode-se dizer, portanto,
que, com a inauguração do Espaço Parlapatões, o teatro se consagrou como
um ponto de concentração da boemia artística, resgatando a aura que havia
sido perdida depois dos anos 1980. FOTO
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Teatro de montar >>Miniteatro entra em cena ca
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Entrada do Miniteatro, que abriu suas portas em 2009, no número 108 da Praça Roosevelt
Assim como os Parlapatões, o diretor teatral Kleber
Montanheiro sempre trabalhou com uma proposta estética
peculiar, que combina entretenimento e crítica social. À frente dos
trabalhos do grupo Cia. da Revista desde 1995, Montanheiro
também queria ter um espaço próprio para apresentar projetos
autorais, realizar pesquisas e armazenar o acervo da trupe –
um lugar que buscasse mostrar somente o que é essencial na relação
entre palco e plateia, além de cumprir a função de discutir ideias
e expor conceitos da companhia.
Como o nome já sugere, o grupo desenvolve um trabalho de revisão
do Teatro de Revista5. “Esse gênero durou 100 anos no Brasil,
desde 1859 até 1964. Existe um material muito rico desse período
que ficou sem registro, e os artistas passavam em revista o que estava
acontecendo. Com a decadência do movimento, o estilo tornou-se
o que conhecemos hoje, retratando um monte de mulheres de maiô
descendo escadas. Transformou-se meramente em entretenimento,
sem compromisso com conteúdo. Com a nossa proposta, estamos
revisando o que está acontecendo lá fora também. Podemos
usar plumas na cabeça da mesma forma, como entretenimento.
Como Brecht dizia, não adianta fazer teatro político sem entreter
o público, mas deve-se prestar atenção no momento de entrar com
a crítica. É o que a gente procura fazer por aqui”, explica.
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5: A Revista foi um gênero teatral do século XIX e XX, de gosto marcadamente popular, que teve importância na história das artes cênicas tanto no Brasil como em Portugal. Esse estilo tinha como características a apresentação de números musicais, o apelo à sensualidade e a comédia leve com críticas sociais e políticas. O Teatro de Revista no Brasil contou com produções de companhias renomadas, como as de Walter Pinto e Carlos Machado. O gênero foi responsável pela revelação de inúmeros talentos no cenário cultural, como a cantora luso-brasileira Carmem Miranda, sua irmã Aurora, além das chamadas vedetes que fizeram imenso sucesso, como Wilza Carla, Dercy Gonçalves, Elvira Pagã, entre outras. Dorival Caymmi, Assis Valente e Noel Rosa também fizeram parte da Revista.
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O ator e diretor Kleber Montanheiro em cena de “Kabarett”
No clima dos cabarés dos anos 40, o musical faz uma releitura do famoso gênero alemão
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Em 02 de janeiro de 2009, Montanheiro passou pela Roosevelt
e viu uma placa de “aluga-se” em um dos estabelecimentos. “Nós
já estávamos de olho na praça porque a região tinha a ver com nosso
trabalho de pesquisa, que não tem objetivo único comercial, o que
nos possibilita fazer coisas diferenciadas”, conta.
Aquele espaço disponível materializou-se como uma
oportunidade inusitada de concretização do objetivo do grupo.
Tudo parecia ser uma agradável surpresa do destino, porém,
havia um problema: o espaço era muito pequeno. Ali funcionava
um bar e o local não tinha estrutura para receber um público
maior do que 30 pessoas. Contudo, a capacidade de criação
artística do diretor não deixou a chance escapar. Com criatividade,
ele conseguiu aproveitar todas as possibilidades da casa e, assim,
criou um verdadeiro “teatro de montar”.
“Não mexemos muito na estrutura. Construímos um camarim
com banheiros para os atores, colocamos sistema de ar-condicionado,
cortinado antirruído e cadeiras com estofamentos para proporcionar
conforto ao nosso público. Também temos um espaço onde
produzimos e armazenamos nosso acervo. Além disso, fizemos
algumas adaptações para atender ao público com deficiência”, relata.
Assim, em 13 de abril de 2009, a Roosevelt ganhou mais uma sala:
o Miniteatro. A sede do grupo foi inaugurada com os espetáculos
"Bem Aventurados os Anjos que Dormem" e "A Odisseia
de Arlequino", ambos com dramaturgia de Marília Toledo e direção
de Kleber Montanheiro. Quem entrava no espaço, na ocasião,
se impressionava com o aproveitamento criativo de cada canto daquele
estabelecimento. Montanheiro havia desenvolvido o conceito de espaço
múltiplo, com a ideia de compor o lugar de maneira única, como
se fosse um Lego, o que foi refletido no próprio logotipo do Miniteatro.
“No andar de baixo, colocamos alguns cubos de madeira, por
exemplo, que podem virar arquibancada, lounges, mesinhas, enfim,
o que for necessário”, afirma.
Cena de “Kabarett”, estrelada pela Companhia da Revista
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Hoje, teatro tem capacidade para 50 espectadores. O espaço
também conta com um bar, que pode receber até 30 pessoas.
Assim como os vizinhos Satyros, que possui a chamada “Trilogia
Libertina”, o repertório do grupo traz uma trilogia chamada
“Clássicos para Menores”, formada pelas montagens “Doente
Imaginário”, “Sonho de Uma Noite de Verão” e “A Odisseia de
Arlequino”. A companhia também apresenta os espetáculos “Bem
Aventurados os Anjos que Dormem” e “Kabarett”.
Os projetos da Cia. Da Revista são sustentados por meio
de subsídios governamentais, como as leis federais de incentivo
à cultura. Em 2009, eles conseguiram o Programa de Ação
Cultural (ProAC) e o a Lei de Fomento à Cultura. Um bar
também foi montado na sede para auxiliar nas despesas do espaço.
Para Montanheiro, apesar da convivência entre os grupos ser positiva,
ainda não existe uma troca artística, o que poderá acontecer com
o tempo e com o aprofundamento de identidades. “Não temos projetos
conjuntos, mas quando acontece algum evento, todos participam, não
só os teatros, mas é um movimento mais coletivo”, diz.
O diretor teatral conta que a segurança da área, desde que
as companhias instalaram-se por lá, nunca foi ruim devido
ao movimento gerado pela sociedade. “O que aconteceu com
o Mário Bortolotto foi algo muito pontual que poderia ter acontecido
em qualquer outro lugar. Existem moradores de rua na praça, mas
nós conhecemos a maioria deles. Tudo depende de como é a relação
estabelecida com o entorno. Não adianta achar que o que acontece
na parte de dentro do teatro é deferente da realidade da Roosevelt.
A única diferença é que existe uma porta”, afirma.
Segundo ele, um dos projetos de pesquisa da trupe é pesquisar
a questão do público e do privado. Tendo em vista esta proposta,
a Cia da Revista chegou a fazer uma cena no Miniteatro, na qual
o público ficava dentro do teatro e os atores, quando passavam pela
moldura da porta, transformavam-se nos transeuntes da praça, como
se eles entrassem em uma tela de cinema.
“Durante a performance, aconteceram cenas do lado de fora,
assim como alguns moradores da rua entraram no Miniteatro
e se manifestaram. Então, concluímos que é necessário
absorver de alguma maneira o que está acontecendo no externo.
Lá fora é real”, defende.
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“Kabarett” traz a sensualidade dos cabarés da Berlim dos anos 1940
De acordo com o diretor, o grupo enxerga a influência do
teatro no processo de revitalização da praça como um movimento
político, não no sentido partidário, de poder, mas de consciência
em saber onde você se insere em uma sociedade e o que você
pode fazer por ela, seja artisticamente ou de outras formas.
“O papel da arte, aparentemente, é entreter, mas ela ensina,
critica, denuncia, aponta caminhos diferentes, e isso é ser cidadão.
Existe um pensamento artístico que inclui a cidade, o cidadão,
o poder, a educação e todas as esferas sociais. Esse pensamento
faz parte da nossa formação e do ofício que escolhemos para
trabalhar”, orgulha-se.
Com essa vocação transformadora e uma proposta
contemporânea que visa o íntimo, o essencial, o mínimo necessário
para a compreensão dramatúrgica por parte dos espectadores,
o Miniteatro foi saudado como mais um símbolo do teatro
alternativo da Roosevelt. Com sua luz carregada de humor
e crítica, o espaço multiuso contribuiu para a recuperação da
auto-estima de um endereço que estava fadado à degradação
e ao descaso antes da ocupação dos artistas.
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Entre charutos, navalhas e memórias >>Barbearia do Seu Renato
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tulo
VII
Seu Renato Orbetelli entre as cadeiras de couro preto da sua barbearia
Apesar de o movimento teatral ter sido creditado como
o grande fator da revitalização cultural da Roosevelt,
há outros personagens importantes que participaram dessa trajetória
de resistência e transformação urbana. O comerciante Renato
Orbetelli, por exemplo, dono da barbearia Diplomata, instalada
no número 240 da praça desde 1968, integra o elenco principal
da construção dessa história.
Seu Renato, como todos o chamam por lá, nasceu em 1947, em
São Bernardo, no ABC paulista. Aos cinco anos, mudou-se para
o bairro do Ipiranga, na capital. Na adolescência, sua segunda
casa era a Praça Roosevelt, que ainda nem havia passado pela
inauguração oficial. Naquela época, ele era caixa do restaurante
e bar A Baiúca, um dos ícones boêmios da região.
Aos 20 anos, ele mudou de ofício e deixou o bar, mas não deixou
a praça. Passou a trabalhar como assistente na barbearia e charutaria
do Sr. Vitorino, que ficava ao lado da Baiúca.
“Quando a praça foi inaugurada, em 1970, eu estava presente.
Era tudo muito bonito. As floriculturas funcionavam 24 horas
e o supermercado também. Quando casei, no ano seguinte à
inauguração, passei a morar na região da Roosevelt e fiquei lá por
dez anos. Na época em que os meus filhos eram pequenos, os levava
para brincar na praça. Era muito tranquilo e chique”, lembra.FOTO
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72 Barbearia do Seu Renato
Em 1976, depois de nove anos de trabalho na
barbearia, ele conseguiu juntar recursos e comprar
o estabelecimento, pois Vitorino não podia mais
mantê-lo. Depois de assumir o posto de “barbeiro
oficial”, o jovem se dedicou ao negócio e construiu
um verdadeiro “patrimônio histórico”, já que o local
tornou-se uma referência para a região.
Assim, com o passar dos anos, a barbearia
e charutaria tornou-se um dos grandes pontos
simbólicos da Roosevelt. Personalidades como os
apresentadores Bolinha e Chacrinha, o comediante
Chico Anysio, os atores Armando Bógus e
Otávio Augusto, o cantor Nelson Ned, o ex-
futebolista Arturzinho, o instrumentista Rubinho
Barsotti, o cantor Cauby Peixoto aparavam a
barba e os cabelos com o requisitado Seu Renato.
Contudo, nos anos 1980, a marginalidade
começou a devastar a região e, com isso, os
comerciantes, aos poucos, abandonaram a área.
“Infelizmente, por mais ou menos 20 anos, a praça
ficou abandonada. Eu não gosto nem de falar sobre
isso. Todos os estabelecimentos foram fechando: a
Baiúca, a padaria que funcionava onde hoje está o
Espaço Parlapatões, o cabeleireiro Jacques Janine,
que ficava no final da rua, e uma doceria chamada
Vendôme. Só restou a minha barbearia”, conta.
Segundo ele, a partir de 1990, a deterioração da
área começou a se intensificar ainda mais e a Roosevelt
ficou totalmente abandonada. “Abriu um bar
chamado Corsário, frequentado só por garotos de
programa, o que acabou afastando muitos clientes
da barbearia. Começou a haver muita droga e
prostituição. A região virou um inferno. Nunca fui
assaltado à mão armada, mas meu estabelecimento
chegou a ser invadido três vezes nessa época. Durante
a madrugada, arrombavam a porta e entravam pelos
fundos”, relata.
O comerciante diz que, com a chegada dos teatros,
a praça melhorou muito e voltou a ser frequentada
por artistas e intelectuais. Com a retomada do
movimento, a região ficou mais valorizada e os
imóveis ficaram mais disputados, aumentando de
preço. “Eu já tive propostas para vender o meu
negócio, mas não quero sair daqui”, garante.
Charutos, cigarros e tabacos são vendidos na parte da frente barbearia e charutaria Diplomat, que tem tradição desde 1968
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Aos finais de semana, Seu Renato fica até as 23h na charutaria para atender os clientes que frequentam os bares e teatros da praça
Durante esse período em que Seu Renato
resistiu e manteve seu comércio aberto, lutou
muito pela recuperação da Roosevelt. Com uma
força saudosista, participou da Ação Local e das
reuniões promovidas com a Prefeitura para discutir
a requalificação urbana da área. “É preciso fazer
com que a praça em si seja útil e usada pela
sociedade. Seria interessante promover feiras,
exposições e eventos para atrair pessoas, como
acontecia antigamente. Na década de 1970,
a construção era rodeada por estabelecimentos,
como livraria, pinacoteca, biblioteca, bulevar,
restaurante e correio”, afirma.
Contudo, de acordo com o barbeiro, antes da
abertura de mais comércios na Roosevelt, é preciso
que haja um acordo harmônico com os moradores
locais, pois existem muitas desavenças por causa
do barulho que insurge da vida noturna. “Há
moradores novos na região que reclamam das casas
de teatro e dos bares, mas falo pra eles que a praça
na década de 1990 era terrível. Eles nem viriam
morar aqui, porque não poderiam colocar o nariz
para fora da porta”, assegura. “O comércio gera
movimento e evita violência”, completa.
Proprietário do estabelecimento mais antigo
da Roosevelt, Seu Renato é a memória viva
do local e, por isso, é conhecido por todos que
frequentam aquele ambiente. Por amor a sua
barbearia e ao contexto em que está inserido,
nunca deixou a região.
Depois da chegada dos teatros, os negócios
melhoram e, aos finais de semana, passou a ser
possível manter a tabacaria, que fica na parte da
frente do salão, aberta até 23 horas. Assim, o
barbeiro foi e é mais um elemento importante na
retomada da humanidade da Praça Roosevelt,
uma vez que seu estabelecimento alcançou um
valor histórico indiscutível para a área. Entre
cabelos, barbas, charutos e conversas, Seu Renato
construiu um espaço da memória que resistiu
à degradação e auxiliou a reconstruir a vocação
humanística da região.
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Símbolo underground >> Mário Bortolotto
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VIII
Assíduo frequentador da Roosevelt, o ator e dramaturgo londrino Mário Bortolotto é um dos símbolos da área
Enquanto Seu Renato simboliza o lado prosaico da Roosevelt,
o dramaturgo Mário Bortolotto, figura constante na região,
representa o aspecto alternativo e marginal da praça. Além de
escrever peças teatrais, Bortolotto atua e dirige espetáculos que trazem
um estilo calcado nas histórias em quadrinhos, no blues, no rock, na
linguagem suburbana e no universo beatnik6. Nascido em Londrina, em 1962, chegou a estudar em seminário
católico, mas desde a adolescência demonstrava vocação para as artes
e literatura. Em 1996, Bortolotto foi para São Paulo com seu grupo
Cemitério de Automóveis, fundado em 1982, em sua cidade natal.
Depois de participar de inúmeros festivais de teatro pelo Brasil,
o artista ganhou o Prêmio da Associação Paulista dos Críticos de
Arte (APCA) pelo conjunto da sua obra e o Prêmio Shell de
melhor autor pela peça “Nossa Vida Não Vale Um Chevrolet”,
ambos em 2000.
Praticamente todas as obras escritas pelo dramaturgo já foram
publicadas, o que resultou em quatro livros: “Seis Peças de Mário
Bortolotto - Volume I”, “Seis Peças de Mário Bortolotto - Volume
II”, “Sete Peças de Mário Bortolotto Volume III” e “Doze Peças de
Mário Bortolotto - Volume IV”.
Ele também chegou a produzir o livro de poesia “Para os inocentes
que ficaram em casa”, além dos romances “Mamãe Não Voltou
do Supermercado” e “Bagana na Chuva”. Uma coletânea de textos
foi lançada, em 2006, com o título “Atire no Dramaturgo”, que
gerou em um blog homônimo. O livro de poemas “Um Bom
Lugar Para Morrer”, por sua vez, chegou ao público em 2010.
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6: Representado por escritores como Jack Kerouac e Joyce Johnson, Beatnik foi um movimento sociocultural que se iniciou no fim dos anos 1950 e no começo dos anos 1960, depois da II Guerra Mundial, com o intuito de apregoar um estilo de vida antimaterialista, longe dos padrões consumistas. Em 1948, Kerouac introduziu o termo “Geração Beat”, que caracterizava o submundo de juventude anticonformista de Nova Iorque daquela época. O adjetivo "beat" fazia parte do calão do submundo, onde Kerouac procurava inspiração.
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76 Mário Bortolotto
Desde que passou a morar na capital paulista, Bortolotto
escolheu a região central para viver e, consequentemente, por causa
da proximidade geográfica e da identificação artística, começou
a frequentar a Praça Roosevelt. “Eu conheci a praça antes dessa
revitalização teatral inusitada. Acho que as melhores coisas que
acontecem não contam com ajuda governamental. Surgem a partir
da iniciativa privada, e o caso da Roosevelt foi assim”, diz. “Na
verdade, era um lugar meio difícil. Era complicado passar por lá
e conviver ali, porque era barra pesada. Os Satyros tiveram uma
atitude heroica em abrir um teatro lá e fazer um trabalho pioneiro.
Fiquei muito satisfeito porque também comecei a frequentar mais a
praça a partir de então. Assim que os Satyros inauguraram o teatro,
nós sentimos que algo bacana aconteceria para a área e aconteceu
mesmo”, conta o dramaturgo.
Quem passa pela calçada da Rua Martinho Prado aos finais de
semana, frequentemente, pode se deparar com Bortolotto sentado na
guia bebendo cerveja e conversando com amigos da classe artística.
Por ter esse grande envolvimento com a região, depois da chegada dos
Satyros, ele chegou a pensar em abrir um teatro na Roosevelt, porém
não teve condições financeiras devido à valorização imobiliária. “Sou
um cara que bebia nos botecos daquele lugar e, por isso, comecei a
fazer teatro por ali também”, afirma. “Conheço todo mundo e todo
mundo me conhece porque moro lá perto, na Rua Avanhandava.
Conheço as pessoas que moram lá, que trabalham por lá, vou muito
à livraria HQ Mix, que vende quadrinhos bacanas, assisto a peças
com meus amigos também”.
Fernanda D'Umbra e Bortolotto em cena de “Nossa Vida Não Vale um Chevrolet”, que estreou no Espaço Parlapatões em 2008
Banda Saco de Ratos, composta por Mário Bortolotto (vocal), Fabio Brum (guitarra), Marcelo Watanabe (guitarra), Fábio Pagotto (baixo) e Rick Vecchione (bateria)
“Música Para Ninar Dinossauros”: espetáculo do dramaturgo Bortolotto estreou em 2010, depois do assalto sofrido por ele no fim de 2009
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Fernanda D'Umbra e Bortolotto em cena de “Nossa Vida Não Vale um Chevrolet”, que estreou no Espaço Parlapatões em 2008
Banda Saco de Ratos, composta por Mário Bortolotto (vocal), Fabio Brum (guitarra), Marcelo Watanabe (guitarra), Fábio Pagotto (baixo) e Rick Vecchione (bateria)
“Música Para Ninar Dinossauros”: espetáculo do dramaturgo Bortolotto estreou em 2010, depois do assalto sofrido por ele no fim de 2009
Cartaz do lançamento de “Um Bom Lugar Pra Morrer”, livro de poesias de Bortolotto
Contudo, para ele, a praça era mais divertida e tinha um ar
mais alternativo quando não abrigava tanto burburinho. “Agora
existem muitas pessoas que vão para aquele lugar só por causa do
agito. Acho isso um saco. Não tenho muita paciência. Hoje,
frequento bem menos do que antes, e continuo porque é perto da
minha casa”, diz.
Segundo Bortolotto, apesar de atrair um público boêmio e
intelectualizado, há muitas pessoas que frequentam a Roosevelt por
modismo e não entendem qual é o sentido da produção artística
daquela região. “Existe muita gente que caiu de ‘paraquedas’ e
não sabe o que está fazendo por lá. Às vezes, alguns vão para
praça porque é um lugar que saiu no jornal. Quando vira ponto de
playboy, já não interessa mais para mim. Tem um público novo que
vai para conhecer e não gosta, pois talvez não esteja preparado para
receber uma peça mais difícil, que tenha outro tipo de linguagem”.
Para ele, a Roosevelt é um lugar que resiste com muitas
dificuldades em um contexto repleto de adversidades e, por isso,
tem que manter o ar marginal, transgressor. Assim, a produção
teatral que emana daquelas salas não pode ser absorvida pela
cultura de massa. “O público mais conservador que vai lá tem que
estranhar o lugar. Não pode se adaptar. Se está se adaptando,
é porque alguma coisa está errada”, defende.
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Botolotto diz que faltam casas de rock ‘n roll na Roosevelt. Além
disso, acredita que a praça em si deveria abrigar lojas, floriculturas,
livrarias e cafés, funcionando 24 horas. “Deveria haver um polo
cultural mesmo. Não adianta colocar somente alguns banquinhos
para as pessoas sentarem e arvorezinhas para ficar bonitinho”, opina.
Em relação à segurança, ele afirma que é preciso ter um esquema
mais efetivo e que de fato funcione. “Quanto mais pessoas frequentam
a praça, mais problemas acontecem. Automaticamente, a segurança
deve ser reforçada”, diz.Entretanto, para ele, a praça está perdendo
o espírito underground e, com a reforma, pode deixar seu propósito
alternativo. “Sou um cara idealista, romântico. Acredito no teatro
não-convencional, distante do padrão comercial.
Com a melhoria da praça, muitos comerciantes vão querer abrir
bares por lá só para ganhar grana. Abrir restaurantes e cobrar tudo
muito caro. Isso me afasta. Hoje, as peças que são feitas por na
Roosevelt estão mais comerciais e acho que vão ficar mais ainda.
Isso me assusta um pouco, porque já existe muita gente fazendo
teatro para esse tipo de público. A gente podia fazer alguma coisa
diferente”, lamenta.
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Tiros no dramaturgo
Depois do incidente ocorrido no Espaço Parlapatões, em que
Bortolotto e seu amigo músico Carlos Carcarah foram
baleados depois de uma discussão, o dramaturgo garante que não
ficaram traumas e que já frequenta o local normalmente. “Só me sinto
incomodado quando abaixam as portas e o público fica lá dentro. Foi
isso que aconteceu naquela noite. Se as mesas pudessem ficar do lado
de fora, nada teria acontecido”, diz.
Na madrugada do assalto, o dramaturgo levou três tiros, sendo que
um atingiu a coluna e outro passou perto do coração. Felizmente, não
teve sequelas graves, já que só ficou com fortes dores no braço, e continuou
com a sua produção artística. Em abril de 2010, quatro meses depois do
incidente, estreou no mesmo espaço onde fora baleado a peça “Música
Para Ninar Dinossauros”, que, segundo resenha publicada no jornal
O Estado de S. Paulo em 23 de abril de 2010, "representa muito
melhor o seu universo", tendo como tema as reminiscências da
adolescência de três quarentões.
Para Bortolotto, o teatro não deve ter um propósito pré-determinado
e deve ser fruto de um anseio lúdico e prazeroso. “Teatro não tem que
ter papel nenhum. Você tem que fazer teatro porque gosta desse jogo,
de contar histórias, porque quer se divertir. Pode ser que tenha um
papel, mas eu nem quero saber qual é”, brinca.
Com seu jeito gauche de estar no mundo, Bortolotto foi fundamental
na retomada do espírito boêmio e underground da Roosevelt, e, cada vez
que senta na calçada daquele entorno, reafirma que lá há um reduto da
resistência artística e humana. Desse modo, já é considerado um ícone
do movimento espontâneo de revitalização da praça. Tiros não foram
capazes de deter a praça e nem o dramaturgo.FOTO
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Bortolotto na Coletivo Galeria, em Pinheiros, antes da apresentação de sua banda Saco de Ratos
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Espaço da Boemia>>Doca e Arlete
capí
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IX
Seu Doca na frente do bar Papo, Pinga e Petisco (PPP), onde nos anos 1960 existia a casa Djalma’s
Hoje, Bortolotto já é uma das figuras mais representativas da
boemia da Roosevelt, entretanto, essa vocação da praça à
vida noturna é antiga e foi despertada nos anos 1970, por meio da
presença de diversos bares e boates que circundavam a região.
O dramaturgo é só mais uma manifestação dessa herança notívaga
que pode ser vista por quem frequenta os arredores da área à noite.
O que muitos não sabem é que, em um dos bares da calçada da Rua
Martinho Prado, há um casal que pertenceu à juventude boemia de
anos atrás, e ainda hoje mantém acesa a vida noturna do local.
Desde 1997, Esdras Vassalo, conhecido como Doca, e Arlete
Vassalo são administradores do espaço que abriga o Papo, Pinga e
Petisco, o famoso “PPP”, um dos botecos mais charmosos da praça.
Contudo, a relação do casal com a Roosevelt é bem mais antiga.
Como foi mencionado no primeiro capítulo deste livro, Doca foi
proprietário de duas boates famosas da década de 1970, localizadas
no entorno da praça: o Ton Ton Macoute e a Cave.
As casas noturnas fizeram sucesso até aproximadamente 1974.
Neste ano, Doca teve seu primeiro filho com Arlete, com quem
casara em 1970. “Meu filho aprendeu a andar na parte de cima
do pentágono da praça. Depois, estudou no Colégio Caetano de
Campos. No início, era muito bom. A área havia sido arborizada.
Muita gente passeava por lá”, conta o comerciante. FOTO
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82 Doca e Arlete
Depois de marcar a noite paulistana com duas das principais casas
noturnas da cidade, Doca resolveu desfrutar melhor do convívio com
sua família e se afastou do agito desse tipo de negócio. Porém, em
1997, resolveu novamente abrir um comércio com sua esposa. Como
a Roosevelt sempre fez parte da vida do casal, nada melhor do que
apostar novamente naquele local. A praça estava no auge da fase
de degradação, entretanto, eles tinham esperança em uma possível
reforma que já havia sido anunciada pela Prefeitura.
Então, Doca e Arlete alugaram o ponto que abrigou o Djalma’s,
onde, em 1964, a cantora Elis Regina fez seu primeiro show
paulistano. No início, apostaram em uma loja de antiguidades, mas
que não durou muito tempo. Para não perder o negócio, decidiram
investir em uma casa de pizzas em pedaços, mas também não deu
certo e gerou 11 meses de prejuízo, pois a região estava abandonada.
“Quando chegamos, a praça estava completamente vazia. Não
passava mais ninguém por lá”, lembra Arlete.
Porém, no final da década de 1990, a situação começou a mudar.
Com a chegada dos teatros, a Roosevelt ganhou novos ares. “Quando
ainda havia a pizzaria, os atores do Satyros vinham todos para cá. Mas
como deu muitos gastos, resolvemos abrir um bar, pois não tínhamos
nada a perder. Então, aproveitamos tudo da loja de antiguidades
na decoração. Hoje, a boutique ainda funciona bem pequenininha.
Resolvemos diminuir a loja e aumentar o bar”, afirma a esposa.
Segundo Doca, os teatros movimentaram a área e ajudaram a
recuperar a região. “Mas não quer dizer que o mérito seja somente
deles, pois quem enfrentou o pão que o diabo amassou fomos nós.
Hoje, temos luz na calçada e segurança nos finais de semana. Esta
iluminação que existe hoje foi a Ação Local que conseguiu, quando
eu era o vice-presidente. Os marginais chegaram a roubar todos os
refletores e a fiação. Isso foi fruto da falta de segurança, sendo que
nós estamos no quintal da Guarda Civil Metropolitana (GCM)
e da Polícia Militar”, protesta.
De acordo com Arlete, apesar de a movimentação noturna ter
aumentado, o público ainda não frequenta a Roosevelt durante
o período diurno. “De dia, a praça ainda está morta. Não tem
circulação de pessoas. Abro o bar às 18 horas, mas a gente percebe
que é o mesmo movimento fraco que havia em 1997.
A comerciante diz que ainda existem muitos problemas e descaso
público. “Falta segurança, limpeza, higiene. O caminhão da Prefeitura
lava a praça todo dia, mas não adianta. Os moradores de rua defecam
e fica um cheiro muito ruim. Há muitos ratos também. Além disso,
quando chove, tem muito vazamento. Então fica uma lagoa”, reclama.
Nos anos 1970, Doca também foi proprietário da boate Cave, na Rua da Consolação, conhecida por abrigar artistas da Jovem Guarda
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Repleto de objetos antigos e com uma espécie de sebo nos fundos, com vinis, livros, o PPP é um dos botecos mais frequentados da Roosevelt
Durante a sua trajetória, o estabelecimento nunca sofreu assalto à mão
armada, mas já arrombaram a casa e levaram o caixa. “Quando houve o
acidente com o Bortolotto, nós tivemos um policiamento de mais ou menos
dois meses. No primeiro mês, os policiais ficavam 24 horas. Agora, é
raro aparecer um carro da polícia para esses lados”, comenta.
Para Arlete, a situação precária é resultado da falta de interesse dos
órgãos governamentais. “Os políticos só prometem e não fazem nada.
É uma grande ignorância da parte das autoridades. A Roosevelt é
um ponto importante. Não entendo porque abandonaram tanto
esse lugar. Alguma coisa está errada”, lamenta.
Atualmente, o Papo, Pinga e Petisco já conquistou os
frequentadores da região e tem um público próprio. “Mesmo
quando os teatros estão de férias, temos a clientela que conquistamos
ao longo dos anos. Lógico que os teatros também favorecem. Entre
uma peça e outra, as pessoas saem e comem alguma coisa”, diz.
Dessa forma, o casal ainda contribui com o agito noturno da
Roosevelt, fazendo com que dramaturgos, artistas, espectadores e
boêmios possam circular pela praça tranquilamente, como na época
em que existiam a Cave e o Ton Ton. FOTO
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A Diva da Roosevelt>>Phedra De Córdoba
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X
A atriz transexual cubana Phedra De Córdoba em cena de “Stranger - Estranho?”, sob a direção de Rodolfo García Vázquez
Se Doca e Arlete representam a história da vida noturna da
Roosevelt, a transexual cubana Phedra De Córdoba já se consagrou
como a estrela da praça, e sua persona exprime a inclinação dionisíaca
do local. Assim como o casal que hoje é proprietário do Papo, Pinga
e Petisco, Phedra sempre participou ativamente da agitação notívaga da
região, sempre brilhando em cima dos palcos, sob a luz de holofotes.
A atriz, cantora e bailarina nasceu em Havana, em 1940, como
Rodolfo Acebal. Aos 13 anos, época em que estudava na escola
Rosalía de Castro, já se destacava nos bailados flamencos e chegou a
integrar a trupe da famosa bailarina espanhola Lola Flores. Durante a
adolescência, em busca do estrelato, Phedra chegou a fazer programas
de calouros nas emissoras televisivas cubanas, teatro amador e muitos
testes em companhias teatrais renomadas. “Sou muito ambiciosa.
Queria ser estrela. Mas não foi fácil. Tive que começar por baixo.
Não me davam papéis principais, só de corista”, lembra.
Em 1954, com o nome artístico Felipe de Córdoba, a artista
conquistou um papel de destaque em uma companhia de dança
na qual tinha sido corista. No espetáculo, fazia a dança da ópera
“Carmem”, de Georges Bizet, como solista. A partir de então,
começou a viajar com o grupo pelo mundo.
Depois de fazer turnê pela Venezuela e pelo México, a companhia
foi aos Estados Unidos. Ainda menor de idade e sem visto,
ao final da temporada, Phedra não quis voltar para Havana
e decidiu tentar a carreira em Miami. “Perdi a passagem de volta
e fiquei por lá. Tinha um pouquinho de dinheiro para me manter,
mas não foi fácil conseguir trabalho, pois não falava inglês. Depois
de várias tentativas, fiz um teste e comecei a cantar e dançar em uma
boate. Fiquei quatro meses por lá”, conta. FOTO
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86 Phedra de Córdoba
Por meio de muita audácia e talento, ela conheceu um empresário
que a levou para Nova Iorque, onde fez shows de cabaré. Mas,
como era menor de idade e estava ilegal no país, teve que deixar
os Estados Unidos e ir para Porto Rico, onde protagonizou um
número de rumba. Quando o contrato terminou, voltou para
Cuba e para sua antiga companhia espanhola, porém, não deixou
a estrada e o anseio pelo sucesso. Fez apresentações na Costa Rica,
Panamá, Peru, Chile, Nicarágua, Bolívia e Argentina. Na terra
de Evita Péron, no ano de 1957, subiu ao palco ao lado das cantoras
brasileiras Dalva de Oliveira e Ângela Maria.
Nessa época, Phedra tinha um namorado brasileiro que trabalhava
na embaixada do Brasil na Argentina. Além de profundo
admirador do trabalho da amada, o rapaz era amigo de Walter
Pinto, um dos maiores produtores artísticos da época. “Esse rapaz
era meu fã incondicional e falava que Walter tinha que me ver.
Quando o empresário viu meu espetáculo, adorou. Eu estava com
17 anos. Em 1958, um produtor me trouxe para o Brasil”, relata.
Quando Phedra chegou ao Teatro Recreio, no Rio de Janeiro,
já havia um quadro pronto para ela. Em 1959, depois de trabalhar
no Rio como vedete por quatro meses, foi para São Paulo. Foi então
que a artista conheceu a região na Roosevelt.
“Nessa época, onde hoje é o Espaço dos Satyros, existia um
restaurante que eu frequentava, chamado Spadoni. Do outro lado da
Igreja da Consolação, na Rua Major Sertório, havia a boate da famosa
cafetina Laura, a La Licorne. Trabalhei lá e na Chicote, outra casa
noturna da Laura. Os shows aconteciam de terça a domingo”, conta.
Con ustedes, Phedra De Córdoba!
Em 1967, decidiu assumir de vez a personalidade feminina e
começou a tomar hormônios. “Nunca tive voz grossa e fisionomia
masculina. Comecei o tratamento e fiz um pouco de terapia, mas já me
sentia mulher. Passei a me chamar Phedra De Córdoba. Estreei como
Phedra no Teatro Rival com Costinha”, diz.
Passaram-se os anos e a vedete cubana queria conquistar o mundo.
Foi para a Espanha, Argentina, Uruguai como Phedra. Quando
voltou ao Brasil, era o auge da ditadura militar e, além de ser
transexual, ainda não tinha documentação brasileira. “Eu viajava o
Brasil inteiro para que a Polícia Federal não me pegasse, pois poderia
ser presa ou deportada. Fui muito audaz e conquistadora”, afirma.
Durante a encenação de “Stranger”, que ficou em cartaz em 2009, Phedra cantava músicas em castelhano
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A argentina e Danilo Dainezi durante o musical “Stranger-Estranho?”
Em 2000, Phedra conheceu os Satyros. Na ocasião, a cubana
morava na Rua Avanhandava, perto da Roosevelt, e passava todo
dia por lá para ir ao metrô República. “Só atravessava a praça de dia,
porque de noite era puro tráfico. Quando começou a decadência,
depois da década de 1970, as pessoas começaram a se mudar para os
Jardins. Então, prostitutas, cafetões e traficantes passaram a morar
na região”, lembra.
Na época, os diretores dos Satyros, Ivam Cabral e Rodolfo
García Vázquez, estavam reformando o local onde seria o espaço
da companhia e sempre viam a elegante senhora passar por lá. “Eu
chamava a atenção deles, pois sempre fui muito chique. Um belo dia,
em 2000, eu estava passando na frente do Satyros e Ivam me pegou
pelo braço. Ele me convidou para conhecer o teatro e para fazer a peça
‘Retábulo da Avareza, Luxúria e Morte com eles’”, diz.
Mas na época, Phedra estava com viagem marcada para fazer
shows e televisão em Brasília. Em 2001, voltou para São Paulo e
entrou para os Satyros. “Meu primeiro personagem foi Agostin,
em ‘Filosofia na Alcova’, do (Marquês de) Sade. A partir daí,
fiz praticamente todas as peças da companhia: ‘Vestido de Noiva’,
‘Kaspar’, ‘Transex’, ‘Inocência’, ‘Divinas Palavras’, ‘A Vida na
Praça Roosevelt’ e muitas outras”.
Segundo ela, depois da primeira peça feita pelos Satyros, muitos
atores saíram no elenco, porque ficaram com medo da praça. “O lugar
era uma ‘boca de lobo’. As pessoas tinham pavor daqui”, relata.
Hoje, a situação da região é diferente, mas, de acordo com
Phedra, há moradores que não aprovam o trabalho de revitalização
feito pelos teatros. “Há uma senhora moradora, por exemplo, que
sempre que pode levanta guerra contra nós. Sempre que ela vê
uma mesa na calçada, liga para a polícia. Fala que fazemos muito
barulho e inventa histórias. Até fez um abaixo-assinado contra as
casas teatrais”, diz.
Mesmo perante as adversidades, a Roosevelt e seus personagens
resistem e mantêm a propensão histórica da praça para a vida
artística, noturna e boêmia. Com todo seu glamour, a transexual
cubana faz parte dessa trajetória de luta e atrai mais luzes, brilhos
e paetês para essa parte do centro de São Paulo. Hoje, conhecida
por todos que frequentam o espaço, ela é considerada a grande
estrela da praça. “Eu me tornei uma pessoa significativa dos Satyros
e da área, pois participei de toda luta. Os próprios jornalistas me
transformaram em um ícone da área, na diva da Praça Roosevelt”,
afirma. Assim, sem dúvida, Phedra é uma das grandes personagens
desse grande espetáculo que é a história da região. FOTO
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Flor no asfalto >>Floricultura Roosevelt
capí
tulo
XI
Inaugurada em 1994, a Floricultura Roosevelt é uma das mais tradicionais da região
Apesar de a trajetória da Roosevelt ter
sido marcada pela presença constante
das figuras noturnas, boemias e artísticas, há
personagens que fazem parte de grupos sociais
diferentes, cuja importância reivindica seu lugar
neste livro. É o caso de Agnaldo José dos
Santos, proprietário da Floricultura Roosevelt,
que se instalou na praça em 1994. Entre
pichações, vazamentos e rachaduras, nasceram
flores que conferiram vida e humanidade ao local.
Um trecho do poema “A Flor e a Náusea”,
do livro “A Rosa do Povo” (1945), de Carlos
Drummond de Andrade, metaforiza de maneira
simbólica a importância dessa presença por lá: FOTO
: Cam
Ila S
IlveI
ra
Uma flor ainda desbotada
ilude a polícia, rompe o asfalto.
Façam completo silêncio, paralisem os negócios,
garanto que uma flor nasceu.
Sua cor não se percebe.
Suas pétalas não se abrem.
Seu nome não está nos livros.
É feia. Mas é realmente uma flor.
Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tarde
e lentamente passo a mão nessa forma insegura.
Do lado das montanhas, nuvens maciças avolumam-se.
Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico.
É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.
“
“
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90 Floricultura roosevelt
Em uma analogia, este poema pode ilustrar o significado da
floricultura mais antiga do local, que ganhou vida sobre a construção
de concreto da praça, demonstrando a degradação da área, já que foi
transformada em um espaço totalmente abandonado pelos poderes
públicos. Mas, mesmo perante a um ambiente totalmente devastado
pelo descaso e pela marginalidade, Santos decidiu apostar naquele
lugar e abrir uma floricultura, comércio que é um dos grandes
símbolos das praças tradicionais brasileiras.
“Nós investimos no defeito da Roosevelt. Hoje, a praça não
está muito bonita, mas quando chegamos a situação era bem pior.
Era uma fase crítica. As pessoas olhavam e falavam: ‘Precisamos
fazer alguma coisa para este lugar’. Nós investimos na floricultura
independentemente disso, porque acreditamos que um lugar é bom
ou ruim de acordo com o que fazemos dele”, afirma o comerciante.
Para ele, a praça nunca apresentou perigo, já que Santos nunca
enfrentou problemas com assalto ou com a vizinhança. “Convivemos
muito bem com todos. O que precisa mudar é o aspecto visual. Além
disso, é preciso modificar a questão cultural das pessoas, no sentido do
uso do espaço público, caso contrário, acredito que não vai melhorar”.
Santos afirma que o espaço público só não se degrada quando
a sociedade se apropria dele. Nesse sentido, a própria população
fiscaliza e faz a manutenção do local. “Quando há ocupação,
naturalmente, a frequência melhora. Na Roosevelt, a falta de uso
gerou a desocupação. Isso atrai pessoas marginalizadas socialmente.
Hoje, a sociedade discrimina onde há esse tipo de gente”, diz.
Na época em que o comerciante abriu a floricultura, a situação
da praça era muito precária. “Foi uma oportunidade da ocasião.
O local era feio, ruim e mal frequentado. Agora, a gente está
contente com o projeto de reforma, mas se o espaço não for bem
aproveitado, vai continuar ocioso e logo vai se degradar”, alerta.
Ele conta que, ainda hoje, a área de construção da praça em si
é frequentada por poucas pessoas. “Alguns andam de skate, mas
poucos a utilizam de fato. Esse comportamento reflete o perfil dos
moradores região. A faixa etária é alta e há poucas famílias nos
apartamentos. Não se vê crianças andando por aqui”, relata.
Para Santos, a chegada dos teatros modificou o entorno da
Roosevelt e contribuiu para dar vitalidade cultural à região.
Contudo, a praça em si não sofreu muitas transformações. “A área
onde a floricultura está instalada não melhorou com a abertura das
casas teatrais, mas para a rua foi muito bom, porque as pessoas vão
aos teatros. O teatro é muito importante para a região, que já tem
um histórico cultural interessante. Mas a praça não é nivelada com
a rua. Está em um plano mais alto. Muitas pessoas que vão assistir
aos espetáculos nunca subiram lá”, diz. FOTO
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IlveI
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O simpático quiosque de flores está situado dentro do pátio da praça
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De acordo com o comerciante, para mudar essa realidade é
necessário haver mais atrativos para a população, já que o espaço da
praça não é uma passagem natural de pedestres. “As pessoas não
precisam passar por lá, por isso a Roosevelt fica vazia. Se não há
atrativos, muita gente não vem à praça”.
Na opinião do comerciante, os paulistanos não têm a cultura
de ficar em praças. Sendo assim, os órgãos governamentais devem
pensar em alternativas para que o uso desse tipo de espaço público de
fato aconteça, evitando que existam locais abandonados pelo desuso.
“Banquinho para sentar já é uma coisa ultrapassada. Tem que haver
cada vez mais comércio”, sugere.
De acordo com Santos, a reforma do local gera muitos assuntos e
opiniões sobre a região e atrai muitas pessoas. “Não acho o projeto
bom e nem ruim. Acho interessante a mídia que ele desperta. E isso
vai fazer com que as pessoas venham para cá. O que vai dar valor
para a praça é a frequência”, diz.
Hoje, a floricultura de Santos funciona de segunda a segunda,
das 8h às 20h. Com isso, o comércio ajuda a movimentar a área e
a transformar, com flores e persistência, o panorama de degradação
e abando que assolou a Roosevelt a partir da década de 1970. Esse
comércio já se tornou um símbolo da área e é responsável por conferir
beleza e vitalidade ao local.
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Uma praça sem cidade >>A Roosevelt e o poder público ca
pítu
lo X
II
Praça dos Pombos é ponto de encontro de moradores da região
A militância de Dulce Muniz, a resistência do Cine Bijou,
a visceralidade dos Satyros, o humor dos Parlapatões,
as múltiplas possibilidades do Miniteatro, as lembranças do barbeiro
Renato, o espírito maldito de Mário Bortolotto, a perseverança de Seu
Doca e Dona Arlete, o glamour de Phedra e as flores de Agnaldo
contribuíram para recuperar a vitalidade da Praça Roosevelt e torná-la
novamente um ponto de referência da cultura paulistana. Assim, uma
organização inusitada de diversos segmentos da sociedade fez com que
um lugar degradado ganhasse novas perspectivas e retomasse a sua
antiga visibilidade. Desse modo, a vida social pôde insurgir reclamando
seu lugar no ambiente público.
A construção que abriga a praça, entretanto, ainda é um espaço
problemático, pois não possui manutenção pública, segurança, iluminação
ou limpeza. Por isso, o acesso ao local ainda é difícil e o complexo é
considerado desordenado, inseguro e até mesmo desagradável para muitos. FOTO
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94 A Roosevelt e o poder público
O entorno, de certa forma, tornou-se novamente um reduto
de atividades artísticas e culturais. Contudo, a Roosevelt aguarda
uma reforma há mais de dez anos e, até outubro de 2010, não
havia passado pelo processo de revitalização urbana prometido
pela Prefeitura de São Paulo. De acordo com a Subprefeitura da
Sé, nada mais impede o início das obras planejadas pela Empresa
Municipal de Urbanização (Emurb). O projeto de requalificação
do espaço urbano da Praça Roosevelt foi concluído em 2008 e prevê
o investimento de US$ 18.915.532,15.
Segundo Gilberto José Loureiro, chefe da assessoria técnica de
revitalização do Centro de São Paulo, a demora para que algo seja
feito é normal devido às questões burocráticas que envolvem o trâmite
das negociações. “O processo de reforma é demorado. É preciso
montar um edital e publicá-lo. As empresas interessadas apresentam
projetos. Essas propostas vão para audiência pública e são analisadas
por órgãos da sociedade. Depois, abre-se uma licitação. Não há
como acelerar o processo, pois ninguém pode ser beneficiado”, diz.
Além de ser responsável por fiscalizar o andamento das obras,
a prefeitura tem que garantir a manutenção do local depois de
reformado. Para tanto, criou o projeto “Zeladoria de Praças”,
por meio de uma parceria entre as secretarias municipais de
Desenvolvimento Econômico e do Trabalho, Verde e do Meio
Ambiente e Coordenadoria das Subprefeituras.
Esse projeto foi iniciado em 2008, na gestão do prefeito Gilberto
Kassab. De acordo com a proposta inicial, esses zeladores serão
responsáveis pela manutenção das áreas verdes. Essas pessoas são
trabalhadores desempregados e moradores do entorno das praças
e das áreas selecionadas para cuidar de limpeza e manutenção
cotidiana da vegetação desses espaços públicos. A princípio, cada
zelador cuida de uma área de cerca de cinco mil metros quadrados,
ficando responsável pela limpeza, por pequenos reparos, pela poda e
rega da vegetação e até pelo aprimoramento paisagístico.
“Não temos funcionários suficientes para manter todos os espaços.
Como existem vários moradores em situação de risco na cidade
de São Paulo, aproveitamos essas pessoas que querem trabalhar.
Eles ganham um salário mínimo para fazer o curso de zelador de
praça. Depois, eles trabalham para cuidar das áreas verdes de 105
praças”, explica Loureiro. FOTO
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Rampa situada no meio do pentágono é utilizada por skatistas que frequentam a área
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Ocupação teatral
Para Loureiro, o movimento dos teatros em prol da região deve servir de
exemplo para outros pontos de São Paulo, já que os órgãos públicos
não conseguem dar conta de todos os problemas urbanos. “A população é
parceira da prefeitura. Houve uma mobilização de alguns setores da sociedade
civil que se instalaram na Roosevelt para dar movimento à área. Prostituição
e drogas acontecem nas zonas degradadas da cidade. Antigamente, eram
nos portos”, diz.
Segundo Claudio Teodoro, arquiteto da Empresa Municipal de
Urbanização (Emurb), que participou da elaboração do projeto de reforma da
Praça Roosevelt, desde a década de 1970, quando o “edifício” foi inaugurado,
já era preciso reformá-lo, pois desde o início começaram a surgir problemas de
manutenção, como falta de segurança e limpeza. Em 1979, foi publicada uma
reportagem no jornal Folha de S. Paulo que dizia que a praça estava morta. Em
1980, começou a briga para ver quem gerenciaria o espaço, se seria a prefeitura
ou a Emurb. Em 1985, o então prefeito Jânio Quadros mandou pintar a
praça de verde, porque reclamavam que era muito árida e que tinha poucas
áreas arborizadas. Em 1986, começou a briga com o supermercado Pão de
Açúcar, que se instalou sobre uma construção pública. Em 2000, iniciaram-se
todos os projetos para revitalizar o espaço. E em 2006, finalmente, a empresa
de alimentos desocupou o prédio e deixou a praça.
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“Onde há mistura de público e privado, não dá certo, por mais
que exista uma concessão para que isso funcione. Havia o Pão
de Açúcar, por exemplo, que ficou lá por muitos anos. Com o
tempo, a degradação começa a piorar e não dá para saber quem deve
gerenciar o local, se é a prefeitura ou o poder privado. Então, vira
uma terra de ninguém”, explica Teodoro.
Por isso, a Emurb propôs a retirada de todos os equipamentos
privados que existiam ali, só mantendo as floriculturas, que já
constituem um comércio tradicional do local. “Então, decidimos
derrubar toda a construção, aumentar a área verde e manter os dois
níveis de estacionamento. Serão conservadas as sedes da Guarda
Civil Metropolitana, a Polícia Militar e as floriculturas. Ainda
não sabemos como ficarão alocadas, mas já está definido que não
existirá nenhuma construção na praça, somente o espaço público”,
afirma o arquiteto.
A Roosevelt e o poder público
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S: C
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Ao lado dos teatros e bares, o chaveiro é um dos estabelecimentos que fazem parte do entorno da Roosevelt
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Teodoro explica que a edificação da Roosevelt não foi um erro
urbanístico, mas uma manifestação do estilo arquitetônico brutalista
que estava sendo utilizado na época, com excesso de concreto7.
“Não se pode dizer que a praça não deu certo. No início, era
um grande espaço da boemia, havia restaurantes e cinemas. Com o
tempo, a degradação começou a acontecer. Se não há manutenção,
a deterioração acontece”, diz.
Segundo o arquiteto, desde 2000, as diretrizes do projeto de
reforma são praticamente as mesmas e já se pede a demolição de toda
área construída. Ao longo dos anos, cogitou-se dar outro uso para
o estacionamento e a incluir de novos equipamentos no local, mas a
ideia de retirar as construções e fechar a tampa do pentágono sempre
existiu. “Chegamos à conclusão que o melhor a fazer é deixar a área
livre. O conceito de praça já é esse. Não poder haver construções
que não sejam de uso institucional. Definiu-se que é necessário
deixar somente a praça e aumentar a arborização. A vida será dada
pelo próprio entorno, como já acontece hoje”, garante o arquiteto.
Para elaboração da versão final, houve encontros com a população,
com outras secretarias e com diversos órgãos da sociedade, para,
assim, atender as necessidades da maioria.
Segundo a Emurb (atual São Paulo Urbanismo), as obras de
requalificação urbana da região serão executadas pela Secretaria de
Infra-Estrutura Urbana e Obras (Siurb). Os trabalhos devem
levar aproximadamente dois anos para a conclusão e têm um custo
de R$ 36,8 milhões, sendo que 85% será financiado pelo Banco
Interamericano de Desenvolvimento (BID).
De acordo com o projeto de requalificação urbana, voltarão a operar,
recuperados, os dois subsolos do estacionamento, com 640 vagas.
Novas instalações, com 1.700m², edificadas em subsolo, abrigarão os
contingentes da Guarda Civil Metropolitana e da Polícia Militar.
No nível principal da praça, serão plantadas 216 árvores de espécies
nativas, instaladas 137 luminárias e construídos novos conjuntos de
escadas e rampas dentro dos parâmetros da acessibilidade.
A proposta também prevê a demolição do pentágono e de seus
anexos. Assim, haverá a integração dos dois lados da praça,
representados pelas ruas Martinho Prado e Guimarães Rosa. Da
feição original, serão preservadas apenas as estruturas da Via de
Ligação Leste-Oeste e dos dois subsolos de estacionamento.
Livraria e Papelaria Universal, instalada no número 92 da praça
Extra Supermercado, localizado no prédio que abrigava o restaurante e bar A Baiúca na década de 1950
7: A arquitetura brutalista surgiu depois da Segunda Guerra Mundial e perdurou até o final da década de 1970. As obras incluídas nesse estilo arquitetônico caracterizam-se principalmente pela a utilização do concreto armado deixado aparente, técnica que passou a ser empregada com mais frequência na arquitetura civil daquela época.
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A área resultante das demolições receberá os seguintes recursos:
percurso arborizado, que cortará a praça e articulará a Esplanada
Consolação (um sistema de rampas e escadas projetadas dentro
das normas de acessibilidade que abre o interior da praça para
a Rua da Consolação) com a Esplanada Augusta; quiosques
para as floriculturas, serviço tradicional da praça, articulados por
um pergolado que também abrigará bancos e outros elementos
de mobiliário urbano; playground; espaço exclusivo para cães;
sanitários públicos, e área verde e permeável ampliada.
De acordo com Teodoro, mesmo depois da população local ter
sido ouvida, a reforma não agrada a todos frequentadores do local.
“Na Roosevelt, há vários atores. O pessoal do teatro, a Ação
Local e o Viva o Centro. Cada um tem suas vontades. O valor
da praça foi licitado em quase R$ 37 milhões. Muitos são contra
gastar todo esse dinheiro lá”, declara.
Na opinião de Teodoro, um dos maiores problemas do local
é a degradação, e não a desocupação. “A praça estava ocupada
com o Pão de Açúcar e havia a deterioração do mesmo jeito. A
questão é como ela está sendo usada e gerenciada. A partir do
momento em que um novo equipamento é entregue, o próprio
entorno começa a tomar conta do espaço”, diz.
Assim, segundo ele, para evitar a degradação, é necessária uma
parceria entre o público e o privado. Ele também afirma que
a aprovação da reforma não tem nada a ver com a chegada dos
teatros. “O projeto existe há dez anos. Não foi impulsionado
por nada. Há um processo natural. Não é o que sai na imprensa
que dá o andamento das propostas. Até melhor que não seja
assim, porque senão acontecem coisas impensadas e imediatistas,
feitas somente para atender uma demanda jornalística ou política.
As coisas para a cidade têm que ser mais pensadas”, opina.
Segundo o vereador José Police Neto, do PSDB,
que foi relator da revisão do Plano Diretor Estratégico
da capital em 2009, para entender a formação da metrópole,
é preciso afastar a visão paternalista de que somente onde
o poder público coloca a mão é que as coisas acontecem.
“A cidade nasce de um ambiente em que o setor público não
fez uma intervenção, de uma lógica de aglomeração, e não
de uma vontade governamental”, afirma.
A Roosevelt e o poder público
Imagens do entorno da Praça Roosevelt
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A região central de São Paulo surgiu de uma intervenção pública
que não deu certo – o Elevado Costa e Silva, conhecido popularmente
como Minhocão. Antes desse viaduto, as regiões mais nobres da
cidade ficavam no Centro. Com essa construção, houve a formação
de um novo polo comercial, além do empobrecimento da região,
que se refletiu também na degradação do entorno da Roosevelt.
“A primeira obra da praça, em 1970, já era uma tentativa de resgatar
a área. Deu certo durante um curto tempo, mas, rapidamente,
o monumento se degenerou”, diz o vereador.
De acordo com Neto, como as edificações que rodeavam a região
estavam destruídas e abandonadas, foi possível existir manifestações
culturais e artísticas com baixo impacto à vizinhança. “Foi o momento
adequado para florescer um processo de reurbanização mais inteligente
do que se alguém do setor público tivesse planejado a ocupação da
Roosevelt por grupos teatrais. Talvez, se o governo definisse quem seria
o ator que se revelaria na Roosevelt não seria o da área cultural”, reflete.
Para ele, as obras dos órgãos governamentais são complementares
à ação da sociedade, e não somente consequências. “O que foi feito
nesses últimos anos pelas companhias de teatro e pelos comerciantes
é o que todos deveriam fazer. Agora, aqueles que se instalaram
no momento em que o tecido urbano não os beneficiava podem
exigir do setor público uma participação ativa no desenho físico do
local”, declara.
Dessa forma, Neto afirma que o processo de reurbanização
e de revitalização é feito pela população. Complementarmente,
o poder público realiza as intervenções que garantem, às pessoas
que se instalaram ali, o que é necessário para ter qualidade
de vida e nos negócios. Para que isso aconteça, é necessária
a ousadia comercial de setores organizados. Quem se instalou
na Roosevelt apostou na melhora do local e nas possibilidades que
a região poderia oferecer. Merece, portanto, um retorno à altura
de sua ousadia urbanística e crença na região. FOTO
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101
PARTE III
Visão íntima e subjetiva
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XIII
Cada um dos personagens que ganharam voz nestas páginas,
assim como o vereador Neto sugere, apostaram de diferentes
formas nessa grande flor no asfalto que é a Roosevelt e, assim, criaram
um novo ambiente nessa região até então esquecida do Centro de
São Paulo. Para sustentar sonhos, paixões, comércios e vidas, eles
reinventaram uma praça e deram um novo sentido a um espaço.
Se há alguma “lição” que pode ser transmitida por essas pessoas é a
de que as diferenças de ideologias e concepções de mundo devem ser
transpostas em prol de um projeto coletivo maior para cidade: a recuperação
de uma parte degradada e abandonada pelos poderes públicos.
De uma forma inusitada e espontânea, a arte unificou grupos, dirigindo-
se para um novo sentido, o de garantir o direito à cidade e à vida urbana.
Dessa forma, o teatro serviu como balizador de diferentes ambições na
recuperação de um local de prestígio histórico. Assim, essa expressão
artística emergiu como um apelo para que personagens da sociedade
insurgissem reclamando o seu lugar no espaço público, reivindicando um
retorno para o coração da cidade, como acontecia nos anos 1950 e 1960,
quando a vida cultural e boêmia pulsava na Roosevelt.FOTO
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102 Visão íntima e subjetiva
Como uma exigência e uma transgressão à inércia governamental,
a arte e a cultura metamorfosearam o caos da Roosevelt e fizeram com que
pessoas se apropriassem, por meio de seus ofícios, de um local deteriorado.
De forma exemplar, artistas e comerciantes apostaram na decomposição
de um lugar, dando-lhe um novo sentido. Entretanto, enquanto
o entorno ganhou vida e não se rendeu a uma resignação passiva,
a construção que abriga a praça em si continua destruída e desamparada.
Nada foi recuperado naquele monumento insólito que simboliza
a região. Há anos, o “edifício-praça” espera um alento dos poderes
públicos e aguarda uma utilização apropriada e em sintonia com o que a
cerca. Entre escombros, rachaduras, infiltrações e pichações, há um espaço
que almeja entrar em harmonia com a vocação humanística ao seu redor.
Ao mesmo tempo, há moradores insatisfeitos com o novo panorama
que circunda a Roosevelt. Alguns reclamam do barulho e, por serem
locatários de imóveis na região, não aprovam a valorização imobiliária
que aconteceu com a chegada dos teatros.
Nesse sentido, é necessário que órgãos governamentais sejam
impulsionados pela força de revitalização que emana do teatro para que
a área ganhe um uso efetivo e beneficie todos os seus frequentadores.
Assim, além de áreas verdes e bancos, a Praça Roosevelt tem que
contar com ambientes de interação artística, como teatros, palcos e locais
de exposições, além de comércios ligados a esses grupos, como cafés
e livrarias. Os skatistas também não podem ser esquecidos, já que fazem
parte do grupo que mais utiliza esse equipamento público e que, de certa
forma, garantiu a humanidade do local. As reivindicações dos moradores
também devem ser atendidas pelas iniciativas públicas. FOTO
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Portanto, independentemente da realização de reformas, a sociedade tem que
lutar para o espaço público ganhe suas melhores potencialidades e seja mantido
de forma adequada por e para todos. A arte, sem dúvida, aguça a percepção
da realidade e faz com que a população se mobilize para que o direto à cidade
seja garantindo. Por isso, as manifestações teatrais foram tão eficientes para, até
certo ponto, revitalizar a região da Roosevelt e atrair novos olhares para lá.
Como a temática deste livro não possibilita uma síntese acabada e absoluta,
nada melhor do que finalizar com um poema de Calos Drummond de
Andrade, do livro Alguma Poesia (1930), que, além de pertencer ao universo
das artes, sugere a união de todos para transformar o presente, e o mundo que
nos circunda, de forma atemporal.
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105
Carlos Drummond de Andrade
Não serei o poeta de um mundo caduco.Também não cantarei o mundo futuro.Estou preso à vida e olho meus companheiros.Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.Entre eles, considero a enorme realidade.O presente é tão grande, não nos afastemos.Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.Não serei o cantor de uma mulher, de uma história,não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela,não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida,não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafi ns.O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,a vida presente.
““
Mãos dadas
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AKERMAN, Marco; GARIBE, Roberto; GASPAR, Ricardo.
Espaço urbano e inclusão social: a gestão pública na cidade
de São Paulo (2001-2004). São Paulo: Fundação Perseu Abramo
em co-edição com o Instituto São Paulo de Políticas Públicas, 2006.
ANDRADE, Carlos Drummond de. A Rosa do Povo. São Paulo: Record, 2001.
BELO, Eduardo. Livro-reportagem. São Paulo: Contexto, 2006.
BOURDIEU, Pierre . A miséria do mundo. 5.ed. São Paulo: Vozes, 2003.
FANI, Ana; OLIVEIRA, Carlos. O espaço urbano: Novos escritos
sobre a cidade. São Paulo: Contexto, 2004.
FERREIRA, Jair C. Maturano. Praça Roosevelt: possibilidades e limites de uso do
espaço público. 2009. Dissertação (Mestrado) Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas USP. São Paulo.
GUZIK, Alberto. Os Satyros, um palco visceral. São Paulo:
Imprensa Oficial, 2006 (Coleção Aplauso).
HABERMAS, Jurgen. Mudança estrutural da esfera pública.
2. ed. São Paulo: Tempo Brasileiro, 2003.
JUNIOR, José S. de Almeida. Cartografia política dos lugares
teatrais da cidade de São Paulo - 1999 a 2004. 2007. 232 p.
Tese (Doutorado) Escola de Comunicações e Artes. São Paulo.
LEFEBVRE, Henri. O direito à cidade. Tradução de Rubens Eduardo Frias.
São Paulo: Centauro, 2001 (1968).
LIMA, Edvaldo P. O Que é Livro-Reportagem. São Paulo: Brasiliense, 1993.
69 p. (Coleção Primeiros Passos).
ROLNIK, Raquel. Folha explica São Paulo. São Paulo: Publifolha, 2003. 88 p.
VILLA, Marco Antonio. Breve história do estado de São Paulo. São
Paulo: IMESP, 2009.
Bibliografia
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Depois de passar por um período obscuro de degradação e descaso público, a Praça Roosevelt, localizada na região central paulistana, recuperou sua histórica áurea artística e se converteu em um ponto de rara vitalidade cultural. Com a chegada de diversos grupos teatrais a partir do início deste século, o panorama daquele lugar abandonado sofreu profundas transformações. Como uma grande flor no coração de São Paulo, a Roosevelt resiste à deterioração e as produções artísticas que emanam de lá conferem beleza à região. Atualmente,
existem no local, vizinhos da prostituição e misturados aos moradores de rua, diversas salas de teatro. Além disso, há uma livraria e alguns bares que garantem uma agitada vida noturna. O livro aborda essa revitalização inusitada que aconteceu na área por meio da iniciativa de setores artísticos da sociedade. Por meio dos relatos de alguns dos personagens que protagonizaram essa história, a obra também analisa os bastidores do projeto de reforma da praça e a trajetória de renovação urbana desse ponto da metrópole.
Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.
Uma fl or ainda desbotada
ilude a polícia, rompe o asfalto.
Façam completo silêncio, paralisem os negócios,
garanto que uma fl or nasceu.
Sua cor não se percebe.
Suas pétalas não se abrem.
Seu nome não está nos livros.
É feia. Mas é realmente uma fl or (...)
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Carlos Drummond de Andrade
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