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8/7/2019 Livro - Juristas Filosofos - Clvis Bevilqua
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JURISTAS PHILOSOPHOS
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OBRAS DO MESMO AUCTOR
PHILOSOPHIA POSITIVA NO BRAZIL,Recife, 1884.ESTUDOS DE DIREITO E ECONOMIA POLITICA,Recife, 1886.TRAOS BIOORAPHICOS DO DEZ.JOS MANOEL DE FREITAS,Recife, 1888.PHRASES E PHANTASIAS,Hugo & C, editores, Recife, 1894.EPOCHAS E INDIVIDUALIDADES, 2.'milheiro, Jos Luiz da Fonseca Magalhes,
editor, Bahia, 1895.DIREITO DAS OBRIGAES,Jos Luiz da Fonseca Magalhes, editor, Bahia, 1896.DIREITO DA FAMLIA,Ramiro M. Costa & C, editores, Recife, 1896.CRIMINOLOGIA E DIREITO,Jos Luiz da Fonseca Magalhes, editor, Bahia, 1897.LEGISLAO COMPARADA,2. edio, refundida e muito augmen-tada, Jos Luiz da
Fonseca Magalhes, editor, Bahia, 1897.
Traduces
JESUS E OS EVANGELHOS de J. Soury (em collaborao com Joo Freitas e Martins
Junior) Alves, editor. Recife, 1886.HOSPITALIDADE NO PASSADO de R. von Jhering, Recife, 1891.
Em via de publicao
DIREITO DAS SUCCESSES,Jos Luiz da Fonseca Magalhes, editor, Bahia.
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JURISTAS PHILOSOPHOS
POR
Clovis BevilaquaLENTE CATREDRATICO DA FACULDADE DE DIREITO DO RECIFE
1897JOS LUIZ DA FONSEGA MAGALHES, EDITOR
LIVRARIA MAGALHESFundada em 9 d'Outubro de 1888
RUA DE PALACIO, 26
BAHIA
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OFFICINAS DOS DOIS MUNDOS35, Rua Cons. Saraiva, 35
BAHIA BRAZIL.
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PREFAGIO
NO se occupa este livro especialmente de todos os juristas philosophos,
isto , de todos aquelles homens do direito que, do terreno medio da scienciapractica, do conhecimento das leis e dos princpios que fazem mover-se a
mnechanica do direito, se elevaram s generalisaes superiores que unificamos grupos particulares de phenomenos da mesma ordem e os prendem, depois,
ao conjuncto kosmico. Nem foi inteno minha escrever uma historia da philo-
sophia jurdica. Volvendo, porm, os olhos para essa historia, destaquei algunsnomes typicos, representativos de uma frma nova do pensamento jurdico,
quando no creadores de uma phase nova da sciencia.Haver um elo que prenda os differentes captulos do livro? O leitor dil-o-
depois de o ler, proferindo uma sentena da qual no interporei recurso. Mas, emmeu pensamento, o livro inteirio, e sem pretender historiar a evoluo da idado direito cm uma dada epocha ou sob uma de suas frmas, aponcta as suas
origens obscuras, indica-lhe a marcha em traos rapidos, para accentuar-lhe afeio scientifica.
Na introduco, tentei enfeixar, numa synthese rapida, as vacillaes todasporque tem passado a doutrina juridica, fazendo sobresahir os progressos reali-
sados apezar de tudo. Em Ccero, represento a junco, que havia de ser tamfecunda pelos tempos em seguida, da jurisprudencia romana com a philosophia
grega, do elemento dogmatico do saber com o elemento especulativo. EmMontesquieu, que muitos francezes collocam sempre no gremio dos philosophos,
C os allemes revestem de preferencia com a toga de jurisconsulto quiz eu
salientar a applicao de um novo mcthodo ao estudo do direito. E no certo
I
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que o Espirito das leis, com a segurana compatvel com o avano das sciencias em
seu tempo, attendeu ao elemento natural do direito reconhecendo os influxosclimatericos que sobre elle devem actuar? E a esse elemento primario, no procurou
accrescentar outros, illuminando, pela historia e pela comparao, o conhecimento
do direito humano ? Por tal motivo, julguei-o caracteristico para significar o inicioda jurisprudencia moderna, como as obras de Bacon e Descartes symbolisam a
transformao da philosophia nos tempos modernos. Mais caracterstico do que
Hugo Grotius que completa a primeira phase da evoluo do idealismo juridico, elana as bases de outra a ser desenvolvida por Wolf e Kant, Mais caractersticomesmo do que Vico, o genial interprete da historia e da legis- lao por meio dossymbolos, dos mythos e da linguagem.
Jherng e Post retratam as duas principaes feies scientificas da jurisprudencia
contemporanea. Tobias e Sylvio reflectem-nas entre ns, dando-lhes a cr e a
frma que mais se adaptam com a ndole e a educao philosophica de cada um,cerceando ou accrescentando-lhes alguns traos, segundo o accordo ou dissenso
em que se acham com aquelles mestres de doutrina copiosa e profunda. Dir-se-que tendo posto em relevo poucos nomes, no consegui mostrar a evoluo da
doutrina scientifica do direito em suas phases e matizes precpuos, e que, pondo delado os philosophos propriamente dictos, occultei as fontes de j onde defluiam
originariamente as idas cujo trama pretendia expr.Haveria razo em taes reparos, si eu escrevesse uma historia, ainda que
parcial, da philosophia jurdica. Mas outro e mais modesto foi o meu pensa-
mento. Escolhi alguns juristas-philosophos cujos nomes se me afiguram em
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AO DILECTO AMIGO E DISTINCTO COLLEGA
DEDICA
O AUCTOR.
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condies vantajosas para indicarem o curso de uma corrente de idas, como
postes luminiferos ao longo de uma estrada em noites trevosas, ou a similhanade boias que annunciam os baixios escondidos sob o infindavel manto azul das
aguas. Que outros juristas philosophos existem, cujos nomes abrilhantam os
fastos da jurisprudencia, seria parvoce desconhecer. Felizmente no tem sidosfaro para os talentos superiores o terreno da jurisprudencia. Porm no se
tractava de exgottar a lista gloriosa desses nomes preclaros e sim de estudar
alguns que nos indicassem um dos caminhos seguidos pela doutrina jurdica: ocaminho por onde se canalisam as minhas mais fortes sympathias.
Resta saber si fui mal avisado na escolha que fiz. Neste prefacio e no corpodo livro, apresento as razes de minhas preferencias. Os doutos dir-me-ao onde ecomo errei, onde e como se revelou falso o meu criterio, certos de que no tive
em mira bitolar intelligencias, porm mostrar idas por traz de nomes sugges-
tivos.Assim, penso eu, formam estes ensaios de litteratura jurdica um livro e no
um simples demi-livre. Mas, ai este facto deve ser consignado para mostrar opensamento do auctor em sua totalidade, nenhuma importancia tem para o
merito intrnseco da obra. Si os diversos esboos critico-espositivos que acompem nada valem por si, nenhuma virtude nova encontraro no facto de se
acharem systematicamente unidos.
Recife, Fevereiro de 1897,CLOVIS BEVILAQUA
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Constare non potest jus nisi sit aliquis juris-peritus
per quem possit quotidie in melius pro-duci.POMPONIUS (D. I, 2, fr. 2, 13).
Es git etwas Besseres und Bedeutenderes alsin der Arnuth und Noth des Augenbliekes auf
Jermanden zu rechnen, der uns aus der Bedraen-gniss zu helfen kommt;es ist im Drange des nachl.icht und Wahrheit strebenden Gedankens Je-mandcn zu begegnen, der uns denken hilft.
TOBIAS BARRETTO
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INTRODUCO
Per se igitur jus est expetendum et colendum. CCERO.
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lei primitiva teve de ennovelar-se nos torvos mys-terios da religio, para melhor impor-se consciencia doshomens, terrificados em face de uma divindade ciosa e facil
mente irritavel. o que nos affinnani os mais conspcuoshistoriadores das origens humanas (1); o que nos fazemcomprehender tantos mythos suggestivos, e essas entidadessuperiores que vinham complacentemente inspirar os velhoslegisladores dos povos; o que nol-o ensinam mesmo phi-losophos antigos, mais proximos do que ns desses obscurosincios da cultura humana, entre os quaes avulta o persuasivoPlato, que abre o seu bellissimo dialogo sobre as leis comuma a Afirmao categorica a esse respeito, no que, alis, nofez mais do que repetir a lico de Socrates, seu mestre.
(1) Spencer, Sociologie, III, c. XIV: Les lois; P. de Coulanges, La cit antique,
passim; S. Maine, L'ancien droite, especialmente. tudes sur L'ancien droit, cap. II; I.eisttGreco-it. Rechtsgeschichte, 28 e seg.; Carie, La vila dei dirillo, cap. preliminare;Jheriug, Espirita del derecho romano, I, cap. III.
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Sendo assim, no admira que sejam sacerdotes os primeirosconhecedores do direito. Penso que o direito comeou a formar-seespontaneamente, como uma especializao de fora social,condensando-se pela synthese ou, antes, pelo precipitado das ordens
dos chefes e da victoria dos interesses em lucta. Porm soubeopportunamente apoiar-se na religio; e, quando seus preceitos seencadeiram num corpo de dou-trina organisado pela tradio, ossacerdotes se achram na-turalmente na posio de depositarios dasnormas consagradas pelo passado e de interpretes indicados dasobscuridades da lei.
Realmente, entre os antigos, vemos a classe sacerdotalfornecendo os juizes e os consultores jurdicos. Foi assim noEgypto, na Grecia, em Roma, na ndia, na Gallia, e um pouco portoda parte (). Pouco a pouco, se fram especializando as funces,e, da nebulosa primitiva, sobre a qual o espirito religioso pairava
com as azas longamente espalmadas, se desprenderam uma a umadiversas disciplinas mentaes, e entre ellas a doutrina jurdica.
Por longo tempo a feio religiosa herdada manteve-se nodireito; mas, passando a viver num meio proprio, exposto poderosa aco de influencias diversas que attenuavam, ao embatereciproco, os respectivos exclusivismos, poude expandir seuselementos de autonomia at revestir-se com o tegumento forte dalaicidade hodierna, atravez do qual difficilmente se insinuam ospreconceitos religiosos. Mas, quo difficil tem sido extirpar essesenxertos que dessoram a arvore do direito, v-se bem olhando paraas legislaes modernas, cuja seculari-sao se acha ainda
incompleta, a despeito de tenazes esforos encaminhados para esseeffeito.
(I) Leia-se Spencer, Juges et Lommes de loi, ua Revue des Reunes, 1895, p. 327 e segs.couf. Carle, op. cit., cap-I do liv. II. . .
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Tentarei acompanhar, num rapido escoro, a evoluo dadoutrina jurdica na cultura hellenica, romana e moderna.
Para mostrar que da massa homogenea do ritual religiosobrotou, na Grecia, a theoria do direito sob sua primeira frma
hesitante ainda e obscura, talvez no seja necessario mais do querecordar que os oraculos eram sentenas divinas proferidas pelabocca inspirada dos sacerdotes ou das sacer-dotisas; que assentenas dos juizes fram consideradas inspiraes de Themis,e que os primeiros codigos fram attribuidos interferenciadivina (1). Mas o slo sagrado da Hellenia, tam fecundo para asconcepes philosophicas e para as creaes estheticas, foimedocre na produco da cultura jurdica por uma classeparticular. Abundavam os philosophos e os artistas. Os legistas,porm, eram raros. Certo, notaveis advogados, ou anteslogographos, existiram na Grecia. Iseu, Lysias, Isocrates e
Demosthenes fram insignes na oratoria forense, compondodiscursos e arrasoados, que as proprias partes interessadas iamrecitar perante os julgadores. Nenhum delles fez, entretanto, dodireito um verdadeiro culto, nenhum delles foi jurista nasignificao intensa do vocabulo.
Si a doutrina jurdica poude elevar-se, na Grecia, a conceitosdignos de perpetuao, deve-o exclusivamente aos engenhos deeleio entregues s laboriosas especulaes philosophicas, o queimporta dizer que smente os linea-mentos geraes da doutrina,smente os fundamentos do direito, fram considerados eexpostos.
Democrito foi um genial precursor de Bentham e da escholanaturalista dando por base a moral e ao direito o interesse bementendido. Os pythagoricos, reduzindo a ida da justia aoprincipio do talio, e, formando a respeito suas combinaes umtanto cabalsticas de numeros, pequeno
(I) Spencer, juges et homines de loi.
(
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impulso deram ao desenvolvimento doutrinal do direito ('). Ossophistas, que se prendem ao naturalismo de Democrito,aproximaram-se consideravelmente das theorias modernas. Deanteda variedade das leis que revelava o commercio com os povos,comeram por distinguir, com Hippias, a natureza (Physis) da leipositiva (nomos), e terminram por estabelecerque, perante a natureza, no ha direito, que o justo condi-cionado pelo tempo e pelos logares, e que, finalmente, a idado justo, longe de ser innata, resulta do exerccio e do estudo.Tal ensinava Protagoras segundo o conhecemos atravez doslivros de Plato. O erro dos sophistas foi darem ao direitouma feio de artificialidade que elle no tem, foi no enxergarem a intima connexo entre o direito e a vida dosagrupamentos sociaes. Quando Thrasymacho affirma que o direito a lei creada
pelo partido mais forte em uma cidade e que, portanto, asdecises do povo constituem a lei numa democracia, parece-nos queabre o caminho que havia de trilhar mais tarde a ida do direito naAllemanha. E Plato, resumindo essa theoria em sua Republica,sob uma formula abstracta adrede preparada para chocar asconsciencias bem formadasa fora o direitofaz-nos sorrir ns que lemos Jhering e Tobias Barretto. inutil dizer com Lewes(2) que o discpulo de Socrates recorreu caricatura e satyra.Aceitemos a theoria sophistica do direito como nol-a apresenta odialectico incomparavel que tomou a peito destruil-a, e repitamoscom Marco Lessona que, para os sophistas, o direito se pde
considerarcomo uma transformao moral da fora (3). incompleta adoutrina, mas realista e vai norteada para a verdade scientifica.
(I) Apezar de considerarem a justia como a primeira das virtudes justitiam supre-mam esse virtutem. ( 2) The histoiy of pkilosophy, I. p. 125 e 126.
(3) La morale e il diritto in Socrates, p. 5.
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Socrates, o implacavel adversario dos sophistas, procuraacceutuar o caracter de permanencia e generalisao de certosprincpios jurdicos que so os mesmos em todos os paizes,
embra nem sempre se achem escriptos nos codigos; e,desenvolvendo, a seu modo, a distinco feita por seuscontendores, entre o natural e o puramente legal, lanou asprimeiras sementes do jus gentium dos romanos e do direitonatural. No celebre dialogo entre Socrates e Hippias, segundo alico de Xenophoute {Memoraveis, IV, 4), clara e positivamentese apresenta a ida de que ha princpios universaes de direitoemanando de uma instituio divina. Atravez de Plato e dosstoicos, estas idas iro echoar em Roma, onde melhor secompreheuder aquelle conceito socratico da lei, conservado pelomesmo Xenophonte: lei tudo que a multido reunida, apoz
debate, approva e estatue, declarando o que se deve fazer e o quese no deve (1).Plato identifica o bem com o justo. O mal supremo a
injustia, a felicidade perfeita a justia. Aristoteles no renegaessa concepo, porm consegue tirar delia mais proveitososensinamentos do que Plato. A justia o bem, mas o bem social,o bem dos outros homens (allolrion agathn), e tudo queconcorre para a prosperidade da vida social deve entrar no circulopor ella traado. por isso que ella pune os delictos e assegura osdireitos. Para conseguil-o encarna-se nos costumes, na moral e nalei. A lei, porm, uma frma contingente e variavel pela qual setraduz a justia tal como a concebe o philosopho. Ento se lheapresenta ao espirito a distinco de seus interesses entre odireito positivo e o natural, o primeiro corporificado nas leisescriptas e o segundo assumindo a frma da equidade, da qual oestagirita nos d
(1) Lessona, op. cil., p. 64 e segs.; Jauet et Sailles, Histoire de la philosophie, p. 398 ejaegs.; Cnrle, gpt cil., a. 49 e 50.
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uma definio que mais tarde Blakstone adoptar, no paiz emque a equidade adquiriu fora de lei.
Os stoicos do um passo adeante, depurando e roborando
idas que ho de illuminar vivificar a jurisprudencia romana,levantando-a com a insuflao de princpios philosophicos.O principio do direito anterior a toda lei escripta, precedemesmo sociedade, porque emana da razo divina. A leipositiva , como nol-o dir Cicero, um pallido e defeituosoreflexo da natural.
Penetremos em Roma. Ahi mais ostensiva e mais dura-doura se mostra a aco da classe sacerdotal sobre a cultura dodireito. Ao passo que, na Hellenia, a piilosophia cedo arrebataaos especialistas o estudo das questes fundamentaes dadoutrina jurdica, em Roma os sacerdotes, a quem incumbe aguarda e o conhecimento da lei, se transformam na poderosacongregao leiga dos jurisconsultos.Quando o jurista apparece na historia, o direito j transpozo perodo de sua infancia , diz-nos Jhering, apoiado narazo esclarecida pelos documentos que nos transmittiu o 'passado. O jurista, arauto da evoluo necessaria porquepassou o direito, no que a faz surgir; ella, ao contrario, que o produz. A multido no retrocede arrojada pelo jurista,este que entra em scena porque os outros homens necessitamdelle(I). Esse primeiro jurista s podia ser, nessa epocha, opadre, o poutifice (2), pois que o jus andava intimamenteunido ao fas.
Pomponius assevera-nos que o direito gravado nas XIItaboas, e o que delle precedeu por desenvolvimento natural oupela aco dos prudentes, assim como as frmas proces-suaes,eram mantidas por um collegio de sacerdotes, que
(1) Jhering, El espiritu del derecho romano. III. P. 7. (a)Jhering, op. cit., I, p. 339 e seg., III. p. 88 e 95 e segs.
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envolvendo o direito nascente no ainicto intangvel do respeitoreligioso, preservram-no da disperso em que elle se havia deforosamente fanar. Oninium tamen harum et interpretandiscientia et actiones apud collegium pontificum erant, so as
palavras de Pomponius (D. I, 2, 6.).O mais antigo jurista romano conhecido, Sextus Papyrius,
um summo sacerdote (I) como sacerdotes, pontfices, augures soos primeiros legistas romanos, mesmo depois que o secretario{saiba) de Appius Claudius publicou a formula das aces e ocalendario judiciario.
Porm, depois dessa divulgao oriunda de um acto deinsubordinao traidora, e depois que Tiberius Coruncanius,tambem um revolucionario, ousou romper o espesso vu demysterio que envolvia as normas do direito, para ostentar-lhe asystematizao doutrinaria em lices publicas, a classe dos
jurisconsultos comeou a formar-se fra da atmosphera sombriados templos, transformando a mystagogia liturgica na exposioleiga das regras jurdicas. A planta robustecida j dispensava opallio que a protegia da quentura mordente e da claridadeoffuscante do sol.
No era possvel que a jurisprudencia se alasse de um smpeto s culminancias da philosophia. Arrastou-se longamenteno aprendizado da arte de applicar e de interpretar a lei. Maistarde, recebendo o estimulo da philosophia grega congregou, porassim dizer, todas as energias mentaes do povo romano, e creouesse monumento imperecvel de saber, de logica e de argucia quens admiramos nesses maravilhosos escombros armazenados noDigesto, ou surgindo luminosos dos amarfanhados palimpsestos.
Foi a jurisprudencia, no dizer de Jhering, a philosophianacional dos romanos. Realmente, quem quizer conhecer como
(I) Roby, An inlroduction to the study of Digest, p. XCI.
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os romanos comprehenderam o homem e a sociedade no deveperguntal-o a Lucrecio, nem a Seneca, nem a Marco Aurelio, mas,principalmente a Paulus, Ulpianus, Gaius, aos grandes juristas, emesmo aCicero que se educou entre juristas.
Entretanto, como as especulaes philosophicas, os estudosabstractos no se coadunavam bem com a indole romana, osjurisconsultos, embra abeberados de idas philosophicas, nofram philosophos no rigor do termo. O stoicismo alliou-se jurisprudencia saturando-a de genera-lisaes e conceitosphilosophicos; mas a philosophia jurdica no se desprendeu doscomplicados problemas do direito para a constituio de umadoutrina parte. No seria difficil a um romanista levantar oedifcio da philosophia jurdica, queorientou a jurisprudencia romana em seu perodo aureo;, porm qual o homem representativo dessa doutrina, seria
mais embaraoso dizer.Cicero, discpulo de Mucius Scoevola, cultor amantssimo do
direito, talento mais vasto e mais brilhante do que profundo, nofez do direito o pabulo especial de seu espirito. Entretanto, si houvequem melhor do que elle conhecesse o direito, si houve quem semostrasse mais profundamente penetrado pelo pensamentophilosophico, nem era esse jurista por egual philosopho nem essephilosopho tam jurista quanto Cicero. Nelle, portanto, devemos vero jurista philosopho que mais em destaque nos offerece Roma.
II
Depois que ruiram por terra a organisao politica e acultura dos Romanos, houve um momento de suspenso navida intellectual, estarrecidos os espritos deante da grandecatastrophe, inhabeis para reconstrurem as systematizaes
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que se haviam desconjunctado. Lentamente e por ensaios me-drosos, recomearam as meditaes. No domnio do direito,appareceram os glosadores, hombreando com os pesados theo-logos e os escholasticos to fecundos em subtilezas e equvocos.
Todos conhecem os fastos dessa familia de legistas que, doslo italiano, onde primeiro refulgiu o seculo XII, irradiou para aFrana, Hollanda, Inglaterra, Allemanha, Portugal e toda aEuropa.
Porm, si a jurisprudencia no se demorou longamente, poressa epocha, no labor paciente e obscuro da simples exegse dostextos, entrando resolutamente na comprehenso dos factoshistoricos e dos documentos litterarios com o insigne Cujas; siavanou, dia a dia, mais segura, no caminho da erudioillustrativa; certo que a philosophia do direito surgiu sero-
diamente.
Poderosamente contriburam os legistas para a formaodos estados modernos, para a substituio do feudalismo poruma organisao social de moldes mais amplos e mais fortes,cercando de prestigio o principio da auctoridade concretizado narealeza, apresentando a legislao romana como paradigma aseguir-se, cerceando o predomnio clerical.
Porm, emquanto se iam resolvendo esses gravssimosproblemas, o ideal dos legistas, no conseguia collocar-se acimado direito romano, e, portanto, era sfaro o terreno para nellevegetar a philosophia do direito.
Montaigne, embra com aquelle vigor de bom senso quefez a fortuna dos Ensaios, tem apenas umas phrases de passagemsobre assumpto de tanto interesse para um philo-sopho. Bodin,mais affeito aos estudos jurdicos, que mais avantajadamentepoude apoiar-se nos estudos proprios e
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alheios para elevar-se ao espectaculo geral das coisas, gene-ralisar e concluir como nos diz Lerminier (1).
Lanado este primeiro elo, se lhe vieram prender succes-sivamente outros, e a corrente mental da philosophia do direito foisurgindo.
Selden e Grotius restabelecem a concepo do direito naturalcontra a qual Hobbes vibra golpes desapiedados. E desse embatede idas resultam inestimaveis consequencias, que preparam oadvento de Leibnitz, Vico e Montesquieu, com os quaes seassentam os alicerces da philosophia do direito de um modo maisseguro.
Leibnitz, si foi a um tempo jurista notavel e philosopho devistas penetrantes, incontestavel que amou a jurisprudenciamuito mais no comeo de sua carreira do que no fastigio de suagloria. A proporo que o ambito de seu espirito se alarga, e que se
eleva o vo de seu pensamento, as vastas generalisaes oabsorvem, a psychologia o seduz, e a jurisprudencia abandonada. um jurista que se eleva at as mais altas indagaes daphilosophia, mas a quem a parte philosophica da jurisprudenciadeve menos do que a dogmatica.
Vico, apparecendo depois de Cujas, Selden, Bodin, Grotius,Pufendorf e Gravina, soube aproveitar o material historico ejurdico de seus predecessores, imprimiu uma direco nova concepo geral da sociedade e do pheno-meno jurdico.Desilludido com a pretensa inerrancia da razo, atira, ou julgaatirar, para um lado a sonda enganadora do apriorismo, procura
interpretar o direito pela historia, pelos rnythos, pela linguagem, e,remontando at a fonte de onde defluem os phenomenos queapparecem no mundo social, defronta com a divindade, causaultima dos actos
(I) Intr. histoire du droit,p. 61.
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humanos. Dessa eminencia os dois systemas de normas sociaes,a religio e o direito, se lhe afiguram unificados na origem, e adefinio romana da jurisprudencia se lhe apresenta ao espirito. Vico um vidente genial, onde se vo entroncar as origens de muitas
das modalidades de interpretao dos factos sociaes. Foi-lhe,porm, muito arduo o trabalho de pesquizas e desbravamento paraque nos pudesse deixar mais do que bellos fragmentos dephilosophia jurdica. Menos brilhante, porm, mais positivo emais seguro, Montcsquieu poude escrever um desses livros que semostram sempre novos por mais que se accummulem sobre elles osannos. O Espirito das leis um rochedo que assiste inabalavel aofluir rumoroso da vasta torrente humanai Sem ser, como pretendiao presidente do parlamento de Bordeaux, prolis sine matre creata,fincou um dos mais solidos pilares do pensamento jurdico.Apoiado na historia e na legislao comparada, offerece segura
base s construces da philosophia.
III
I No seculo XVIII, tres direces differentes se abrem deante dopensamento jurdico era suas attinencias com a philosophia. Ocaminho j vinha sendo desbravado de longa data, mas ro seculoque viu a Encyclopedia e a revoluo franceza, essas tendenciasdo espirito, a que alludo, cavram mais fundo os sulcos por ondese tinham de canalizar, avolu-mram-se e fecundram largamentea intelligencia.
De um lado, a theoria do direito natural cujas sementesfram lanadas pela philosophia grega, que dominra ummomento em Roma, e resurgira no seculo XVI com Olden-dorp eHemming, e se firmra definitivamente no livro celebre deGrotiusDe jure belli ac pacis. De outro, a
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reaco positivista de Bentham pelo utilitarismo. De outro,finalmente, a tendencia historica que inicira Cujas e que deunascimento brilhante eschola de Savigny.
Por largo tempo, as bellas observaes de Montesquieu, emrelao ao influxo da mesologia sobre a constituio e a vidajurdica dos povos, haviam de ficar quasi inaproveitadas. Mas, paranos convencermos de que o bulbo da ba doutrina conservaralatente a sua vitalidade, bastar mostrar quanto a ethnologia temsido ultimamente invocada para a soluo dos problemas dasciencia do direito.
A theona do direito natural encontrou larga e pressurosasympathia da parte dos juristas, como se pde ver em Burla-maqui,Blakstone e outras; mas fram os philosophos, no os legistas, quesouberam primeiramente erigil-a num corpo de doutrinasystematizado e resistente, desenvolvendo e aperfeioando osprincpios assentados por Grotius. Wolf e Kant, principalmente ogrande pensador de Kcenoberg, fram os theoristas e os dialecticosdo direito natural.
No pretendo falar, nesta occasio, dos philosophos que seoccupram com o direito, complexo de normas do viver social querealmente no pde, com facilidade, escapar s cogitaes de quempretende constituir um systema de interpretao geral do mundo.Smente os juristas que se tenham transportado aos problemas damais alta generalisao no domnio de sua propria sciencia, queme devem solicitar presentemente a atteno. Entretanto, como jaconteceu quando tractei da Grecia, para a intelligencia geral das
idas, necessario, algumas vezes, levantar um pouco a vista edescortinar o que se passa alm do campo fechado da juris-prudencia, ao qual me pretendo circumscrever.
Alm disso Kant o philosopho maximo dos temposmodernos. Como diz Zeller, e cada um pde por si verificar, teveelle uma particular influencia sobre a doutrina jurdica;
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mais ainda, tendo transformado a concepo no direito at entodominante, pde ser considerado o creador de uma philosophianova do direito (1). No smente entre os philosophos que osElementos metaphysicos da theoria do direito echoam.
Feuerbach, o notavel reformador do direito criminal naAllemanha, discpulo de Kant; Zachariae, o correcto civilistapopularsado nos paizes latinos por Aubry et Rau, discpulo deKant; assim Hugo, Savigny e outros muitos.
Os successores de Kant na direco do pensamentophilosophico, Fichte e Schelling, continuam a desenvolver adoutrina do direito natural. Hegel, porm, j inicia uma reaco,embra ainda sob feio idealista. Alis os juris-consultoshegalianos, Gaus e Lassou, voltam, de preferencia, seus ataquescontra a eschola historica, que afastra as espe-culaesphilosophicas. Entretanto o direito natural ia perdendo terreno.
Hugo, Stahl, Lerminier, entre os juristas, propunham substituil-opela philosophia do direito, ou, ao menos, pela theoria natural dodireito. Outros propuzeram uma especie de transaco, falandoem direito ideal, como Cava-guari, entre os juristas, e Fouille,entre os philosophos (2). Porm, no poderiam expedientes maisou menos andinos pr termo decadencia que solapavaprofundamente a theoria e que promettia seu completodesabamento dentro de poucos instantes.
Extincta em nossos dias a eschola do direito natural, depoisde um percurso que foi longo e abundoso em juristas,reconhecer-se-, entretanto, que smente um, entre todos, tem jus
incontrastavel a ser collocado ao lado dos philosophosreformadores. o hollandez Hug Grotius ou Groot, de quem
(I) Aguilera, L'idee du droit eu Allemague.(2) Fouille, L'idee moderne du droit, p. 3/9; A philosophia francesa fala de direito
natural, quando devera falar de direito ideal, porque a natureza nao conhece direitos,
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disse Vico, apezar de seus escrupulos religiosos ( I)que eraophilosopho da humanidade.
No importa similhante assero minha em negativainjustificavel de que outros, no ambito da mesma doutrina, setenham elevado at as abstraces que resumem os princpiosfundamentais do direito humano; teria mesmo difficuldade decontestar, si o pretendesse, as aptides philosophicas de um Ahrensou de um Gans, porexemplo. Quero significar smente que ojurisperito hollandez um chefe de eschola, um creador, ao passoqne os outros, por mais operosos e bem dotados que fossem, apenasdesenvolveram as idas que elle e, depois, Wolf e Kant puseram emcirculao.
Voltando agra a acompanhar a eschola positiva, poderei, comGiuseppe Carie (1), fazel-a promanar de Hobbes, a quem se tem feitoegualmente remontar a origem da sociologia moderna. Apezar,porm, de seus esforos, um racionalismo sem freio da experienciaempolgou a soluo dos problemas da moral e do direito, produzindo,muitas vezes irrisorias extravagancias, e deixando a verdade, relativaembra mas verificavel, de mais em mais perdida na distancia.Apparece ento Jercmy Bentham.
A jurisprudencia ingleza havia encontrado em Blaks-tone. oseu mais nobre representante, na Inglaterra. Mas a tarefa estafantede submetter a uma organisao methodica a vastssima congerieda cominou laiv consumira todas as energias do grandejurisconsulto. No lhe restou absolutamente o tempo necessario
para o exame director das fontes historicas, e muito menos, para acritica demorada das doutrinas philosophicas. Blakstone aceitacom a mesma
(1) Sabe-se me Vico, acudo solicitado para fazer a traducao do livro classico deGrotius, paz mos empresa. J tinha vencido um extenso tracto de trabalho, quando selembrou de qne catava contribuindo para a vulgarisaao das idas de um herege, e suspendeu apenna.
(2) Lu vila del diritto, .a cd. p. 313.
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facilidade o contracto social, segundo a lico de Locke ou deRousseau, o direito natural de Grotius, as explanaes historico-philosophicas de Montesquieu, e as sentimentalidades de Beccaria.Mas como estes seus predecessores no se agremiavam numa s
eschSla, e no houve uma prudente operao de assimilao prvia,resultam do todo dos Commentarios no poucas incongruencias.
Bentham tomou a si a em preza de reagir contra essa morientao que ia tomando o estudo da jurisprudencia. Paraimprimir-lhe um cunho verdadeiramente scientifico, deu ao direitopor fundamento o interesse geral, o que, se no constitue umaoriginalidade absoluta na historia das idas humanas, porque antesdelle houve quem pensasse do mesmo modo, foi, incontestavelmente,um acto de coragem moral e um grande servio prestado marchaevolucional da philosophia jurdica.
Com o mesmo intuito de chamar os espritos transviados pelo
apriorismo do reconhecimento da contingencia intellectual dohomem, da necessidade de observar a vida phenomenica, veiu tona a eschola historica de Hugo, Eichorn, Puchta, e de quemSavigny foi o summo pontfice.
Augusto Comte teve occasio de apreciar a eschola his-toricadescobrindo-lhe os vcios do fatalismo e do metaphysi-cismo (1).Porm, Icilio Vauni, num brilhante e substancioso estudo ( ),mostrou que o fundador da philosophia positiva se haviaequivocado, porquanto os intuitos, o methodo e o conjuncto dasidas fundamentaes da eschola historica se no pdem acoimar demetaphysicas. Os juristas filiados a esta eschola introduziram no
direito o principio fecundo da evoluo, esforaram-se porsurprehender o direito em sua genese
(1) Cour de phitosophie positive, lecl. XI.VII.(2) Igini isti della senola storica germanica, na Revista de philosophia identifica,
Dezembro de 1885.
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para seguil-o atravez de phases successivas at suas ultimas expansesfloraes. Siuo tivessem feito timbre em pr de lado toda a philosophiacomo conturbadora do pensamento e nociva clareza e segurana que
deve ambicionar o jurista na formulao de seus conceitos, teriam ossectarios desta doutrina tirado todas as consequencias contidas nodynamismo historico, no conceito da evoluo. Teriam notado que odynamismo na historia do direito era um caso particular dodynamismo na historia humana, e que este deveria ser, por seu turno,um caso particular do dynamismo kosmico (I), que as variaesjurdicas presuppunham condies differentes de vida, tendenciasethnicas diversas, aces do ambiente, fora de resistencia psychica ouplasticidade obediente adaptao; que si o direito filho do homemcomo a lingua por meio da qual expressa elle as suas idas eemoes, o homem filho do slo que habita, e a terra pertence a um
systema vastis- simo de outros mundos que com ella giram em tornodo sol. E, de degrau em degrau, de observao em observao,teriam lanado as grandes linhas da philosophia evolucionista, comose acha syuthetizada nesse livro magistral de Spencer, que trazpor titulo Os primeiros princpios. Mas no os preoc-cupava aconcepo do mundo, e sim apenas o facto jurdico, seu apparecimentoe suas transformaes successivas em caminho do aperfeioamento.Bastava-lhes a convico de que o direito no uma creaovoluntaria do homem, que nasce no seio de um povo espontaneamente,inconscientemente como a lingua e os costumes, dos quaes elle fazparte, alis. A reaco em prol da philosophia no se fez esperar.
Ergueram-se Gans, em nome do hegelianismo, e Ahrens, em nome dokrausismo, cada qual mais confiante na superioridade de sua intuio.Um procurava mostrar, no direito, o
(1) Vanni, op.cit.
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jogo das antitheses tam predilecto de Hegel: a democracia opposta aristocracia, o slrictum jus equidade, o jus civile ao jusgentium, as res mancipi s res nec mancipi, os plebeus aospatrcios, a concepo jurdica do oriente concepo do
occidente, e um numero consideravel de outros dualismos.Ahrens, pouco se preoccupando com essas curiosidades, tentavaligar o direito vida social, apresentando-o como a face exterior econdicional do bem a que tende a sociedade.
Em breve a fora deste movimento exgottou-se, porque jno encontrava um meio favoravel. Os espiritos exigiam factose observaes. As idealizaes imaginosas faziam-nos sorrirdesdenhosos. Por outro lado, seria absurdo considerar comofeito em pura perda todo o enorme trabalho de investigao daeschola historica. O que era preciso era dar-lhe ainda maispreciso, positival-a mais, e fecundal-a pelo connubio com a
philosophia.Em Frana, essa nova direco foi tentada por Charles
Comte, e na Italia tentou-a Romagnosi; mas foi na Allemaiilia quea eschola historica, depois de offerecer uma tendencia theologicacom Stahl, se volveu ba trilha, para tomar a feio de umrealismo evolucionista que applicou, ao direito, os princpiosfecundos da philosophia hodierna.
Nesta orientao dada theoria do direito, na Allemanha,puzeram-se em destaque Puchta, Bluntschli e Kuntze, omechanicista dos conceitos da jurisprudencia. Puchta e Blunts-chli so dois jurisconsultos dos mais eminentes que applicam aodireito as noes fundamentaes da physilogia, da psychologia, da
historia e da philosophia geral. Kuntze, exagerando essatendencia, desvirtuou-a de alguma frma (I).
(I) Kuntze v no direito: 1., elementos mechanicos. que so as leis, as frmas, etc ;2.0, uma nebulosa, similhante nebulosa da physica celeste, nas funces jurdicas ; 3., crys-tallizaes similhantes s da natureza inorganicas, nas analogias jurdicas; 4., umamathemalica do direito, differente da arithmetica moral de Bentham, em certos princpioslogicos; por exemplo, in eo quod plus sil semper in est et minus a frma juridica doprincipio mathematico o todo maior que suas partes. E assim por deante. ( VideAguilera, op. cit., p. 224 a 227).
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Jhering retoma o bom caminho, e, forte por um preparoscientifico tatu solido quanto vasto, resume o saber jurdico de seutempo, e assenta as bases de uma philosophia jurdica na altura dasciencia de um Darwin ou de um Haeckel, e das generalisaes de
um Speneer. Porm, si Rudolf von Jhering se utilizou copiosa ebrilhantemente dos dados da psychologia, pois o principio dafinalidade sobre o qual repousa o seu systema psychologico, sifoi o primeiro a transpor para o direito a noo da lucta darwinica,si possuiu, como nenhum outro, o conhecimento das fontes dodireito romano e da antiguidade classica, s 'ultimamente ia exten-dendo o seu campo de observao alm da Hellenia e de Roma,para os Phenicios (Hospitalidade no passado) e para os antigosAryas (Os indo-europeus).
Essa regio da legislao comparada j fra precedentementeexplorada por juristas de alto valor, Bluntschli entre outros, e
tomra desenvolvimento consideravel com as ma-gistraesconstruces de Summer Maine. Mas foi Hermann Post quemelevou-lhe os mais vastos e os mais surprehen-dentes monumentosnos seus livros incomparaveis. A arma do inclyto magistrado deBremen foi o methodo inductivo. Parecia-lhe absurdo tirar umsystema jurdico aceitavel de uma qualquer noo abstracta ( I).Portanto, o methodo a seguir devera ser o inductivo e para adoptal-o e applical-o tornava-se necessario colher os materiaes por meio daobservao dos factos que eram, na hypothese, as legislaes e oscostumes jurdicos dos vrios povos existentes no orbe terraqueo.empreza seria para desnortear a qualquer outro que no tivesse a
tempera rija que revelou o erudito jurista allemo. Para elle foi umcampo de luctas, seguidas de victorias, pois que victorias fram osFundamentos do direito,
(I) Grundlagen des Rechets, p. II e I2.
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a Jurisprudencia africana, e a Jurisprudencia ethnologica, suaproduco ultima.
O direito entrra definitivamente em uma phase nova, a doexperimentalismo, a do realismo evolucionista. Apezar dedivergencias secundarias e de esperanas absurdas de uma volta aoidealismo, a posio se mantem na Allemanha com os esforos deKnapp, Thon, Dahn, entre outros. Este ultimonos diz, com applauso de todos os bons espritos, que aphilosophia do direito smente apoiada na historia comparadadas legislaes e na etimologia poder obter, era suas espe-culaes, a sistematizao dos princpios do direito. essa a rotaque leva verdade scientifica.
Mas no smente na Allemanha que o realismo evolu-cionista domina victorioso 110 campo da jurisprudencia. Semfalar na Inglaterra, onde o nome de Sumner Maine vale por um
programma evolucionista, encontram-se, na Italia, os nomes hojepopulares: de Giuseppe Carie, que um racionalista de feionova, e um potente espirito como se revelou na Vila del dirillo; deIcilio Vanni, um dos mais sympa-ticos philosophos dajurisprudencia contemporanea; de Cogliolo, intelligencia poderosae segura, que no avana um passo antes de ter sondadometiculosamente o terreno; de Giuseppe d'Aguano, Schiatarella eoutros que penetrram resolutos no terreno da prehistoria e daanthropologia. Na Frana o movimento da philosophia dodireito no tem tido a mesma expanso e ascendencia. Si ahi odireito contina a ser cultivado com amor e coragem, si a Frana
pde sem desar, oppor os nomes de Aubry et Rau ao do italianoMazzoni, ao do belga Laurent e ao do allemo Roth, entre oscivilistas, si para representar a nova orientao do direito criminalapresenta Gabriel Tarde, si finalmente, noutros domnios dajurisprudencia, salvo talvez na cultura do direito romano, no searreceia de confrontos, mais que
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exgua a sua contribuio actual para a philosophia jurdica.Baussire um racionalista que ainda no se animou a tornar ointeiro revestimento da moderna concepo do mundo; Grasserie
no se resolveu a levantar a construco philoso-phica de que capaz seu privilegiado engenho ; Tarde cultiva de preferencia acriminologia e a sociologia.
Fouille caracterizava a ida do direito na Frana pelaida da liberdade, e suppunha que assimilando ella a theoriada fora alcanaria abrir novas perspectivas ao pensamento,naturalmente sob a direco do espirito francez. Mas osjuristas no corresponderam s esperanas do philosopho,ou porque outra devesse de ser a estrada a seguir, ou porqueno se produzisse um homem de envergadura bastante fortepara ser o antistete desse congraamento que se augurra
fecundo.
IV
Deter-me-ei um momento no Brazil.Sei que a jurisprudencia no realizou aqui dessas descobertas
que transformam as bases de uma sciencia, que no produziu umdesses vultos alcandorados em to grande altura que pdem servistos de todos os cantos do globo. Mas seria injusto desconhecerque temos sido sensveis aos progressos realizados pela sciencia do
direito em paizes onde o trabalho intellectual, datando de temposremotos, deu maior solidez ao pensamento e maior poder depenetrao s faculdades analyticas. justo, pois, que se indague,de passagem muito embra e a correr, qual a fora vibratoria dessasensibilidade, e at que poncto conseguiu ella attrahir amentalidade bra-zileira para o turbilho que assignala a marchadas idas fundamentaes da humanidade.
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No tenho necessidade de ir muito longe. Jos da SilvaLisba, Visconde de Cayr, o vulto que pde servir de pouctode partida a quem procura acompanhar o desenvolvimento denossa litteratura jurdica. Blindado com os princpios de economia
politica, que ainda era quasi uma novidade em seu tempo, e quefra tam amorosamente cultivada pelo bispo Azeredo Coutinho;influenciado pelas idas de Burke e Ben-tham, estimulado pelosentimento de que se internava por terrenos mal explorados,conseguiu Lisba fundar, em Portugal e na sua colonia brazileira,o direito mercantil (I), dando-lhe systematizao e cunhoscientifico, muito para admirar-se em epocha tam pouco propicia asimilhante orientao. Porm, si foi um jurista eminente, quecomprehendeu o proveito a tirar das sciencias sociaes ou, maisexactamente, da economia politica, para a elucidao do direito, nopossua o seu engenho essa nobre saliencia que conduz s
abstraces da philosophia e s construces que synthetizam osconhecimentos e generalisam as idas. Seu domnio foi o direitocommercial. Fra desse circulo sua individualidade empalli-decealgum tanto, embra jamais se apouque.
Francisco Bernardino Ribeiro, discpulo de Bentham (2),poucos vestgios deixou de sua passagem. Trigo de Loureiro nocomprehendia o direito civil sino embutido nos editos dasordenaes philippinas ou no compendio de Mello Freire. PerdigoMalheiros deixou-se prender sempre ao direito positivo, comoPimenta Bueno, Paula Baptista, Ramalho, Braz Florentino eNabuco. A technica os preoccupa, mas no a philosophia do
direito. Teixeira de Freitas o nosso-
(1) Cabe a Jos da Silva Lisba, diz Pereira da Silva, a gloria de ser o creador dodireito mercantil em Portugal, e levou to longe a sua obra, que actualmente e ser nofuturo consultada ( Vares illustres, II, p. 177 ). uma verdade.
{2) Era talento serio, Inclinado aos estudos polticos e Juridicos; cheio de gravidade,no possua a descuidosa e ardente imaginao de um poeta (Sylvio Romro, Lit.Brasi-leira, p. 504).
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maior jurisconsulto, pela vastido de seus conhecimentosespeciaes, pela originalidade de suas concepes, pela segu-ranade seu raciocnio. Quem preparou a Consolidao das leis civis,com as bellas e fortes paginas que lhe servem deintroduco, e as notas que animam e illustram o texto; quemcondensou no Esboo do codigo civil todo o saber jurdico dosmelhores mestres do tempo, includo entre elles o insigne Savigny,tem direito a reverencia cultual de todos os que professam ajurisprudencia no Brazil. Porm, talvez lhe parecesse, como aSavigny, que a philosophia nada tinha que vr directamente com ajurisprudencia, que em vez de sustentaculo e guia antes era umelemento conturbante do encadeiamento ideologico da doutrinajurdica. Lafayette e Ribas tornram familiares, nas escholas dedireito, afeio e as doutrinas da civilistica alleman, no que ellaofferece de mais geral; Too Vieira chamou a atteno dosestudiosos para a renovao do direito criminal na Italia, e fez-seum apostolo, da eschola positiva; Ruy Barbosa desvendou, aosolhos brazileiros, a sciencia do direito publico que a America doNorte creara e ns quasi ignoravamos que existisse antes que avssemos trasladada, em correcta e lucilante phrase portu-gueza,pelo escriptor bahiano. Nenhum destes ainda assentou sobre adoutrina jurdica as construces generalisadoras de umaphilosophia do direito. Saturam-se com os princpios da sciencia;esto muito distanciados dos espritos aridos, para os quaes todo odireito se acha concretizado na lei ou nalgum manual que lhe
desarticula os editos em multiplas hypotheses para delicia doscausidicos. um merito esse por certo. Entretanto ainda maislonge que demora a philosophia.
Certamente no se pensar em defrontal-a em algunscompendios que escreveram Autran, Silveira de Souza eBenevides, sobre os themas capitaes do direito natural. Sotrabalhos modestos que no visram transpr o circulo dos
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estudantes de direito, e que estes esqueceram terminando o examedo primeiro anno. J, porm, com as lices de Jos Hyginoderrama-se um jacto de luz nova sobre esses themas, e o terreno seprepara, de certo modo, para receber a completa e brilhante
transformao das idas, operada por Tobias Barretto.Embra sua especialidade fosse o direito criminal, e
tivesse de reger na faculdade jurdica do Recife, a cathedra deprocessualistica, segundo a denominao germanisada de suapreferencia, a concepo geral do direito foi o canevas ondeelle broslou os seus pensamentos mais fecundos e mais duradouros. O monismo era mal conhecido entre ns, em suafrma rigorosamente mechanica, embra os livros de Hae-ckel (I) j andassem pelas mos dos moos. Porm, o que aindaninguem havia certamente imaginado era como dessa doutrinapoderia surgir uma concepo geral do phenomeno jurdico.
Foi o que veio mostrar Tobias Barretto, utilisando-se dostrabalhos de Hseckel e Noir, verificados pelo criticismokanteano, assimilando, criticando e, algumas vezes, remodelando as doutrinas de Jhering e Hermann Post, as quaes ellefundia no poderoso cadinho de sua intelligencia superior eoriginal. A tarefa ainda no estava concluda quando morreuo ousado pensador, porm a ida estava fortemente incrustadanos espritos, e o trabalho de transformao continuou a sereffectuado por Arthur Orlando, Martins Junior, SylvioRomro, Fausto Cardoso e outros.
\Sylvio Romro, entre todos, levou mais longe as investiga-espuramente philosophicas, nos seus Ensaios de philosophia do direito,e de esperar que prosiga nesse caminho, para o qual certamenteo convidam os estudos com que tem de
(I) Tobias era muito affeioado a Schopenhauer para se deixar ficar no mechanismohaeckeliano. Noir apreseutava-lhe uma frma de pensamento mais consonante com astendencias de seu espirito
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preferencia alimentado a sua fecunda intelligencia, que, si obedecehoje ao evolucionismo spenceriano, o faz sem subiu is- so fanatica,sempre escuta para apanhar as irradiaes do ideal scientifico,venham da Allemanha, da Inglaterra ou da Frana.
V
Volvendo os olhos para o caminho percorrido neste ligeiro estudo,julgo poder destacar delle algumas affirmaes que o resumam emelhor lhe aclarem os intuitos.a) A doutrina do direito comeou por ser uma parte modesta daliturgia primitiva, sendo, ento, confiada ao zelo religioso desacerdotes.b) Evoluindo, tomou corpo e, desprendendo-se do ritualreligioso, foi constituir uma disciplina mental parte, mirando o ideal longnquo da laicidade. Guindou-se logo, naGrecia, aos cimos da philosophia, mas sem o supporte indispensavel dos estudos especiaes e das applicaes experimentaes.Em Roma, foi sua marcha menos precipitada, e, por issomesmo, mais segura e proveitosa. Fram os juristas queremontram s fontes superiores e mais puras dos conhecimentos para melhor comprehenso do objecto de suas cogi-taes de todos os momentos, e no os philosophos que oapanhram de passagem para fazel-o entrar na engrenagem
de seus systemas. c) Por muitos annos, a philosophia a que se alram os juristas foi um
apriorismo dos mais ingenuos e inconsis-tentes. Mas a reacomaterialista e autoritaria de Hobbes, a orientao naturalista deBentham, o historicismo de Mon-tesquieu e da eschola alleman, queteve por chefe Savigny, afastando, definitivamente, a aco estorvantedo theologismo e do metaphysicismo arruinado, abriram o caminho sdou-
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trinas, triumphantes na actualidade, que enxergavam no direitoum phenomeno social e no um presente divino nem umarealidade absoluta.
d) certo que foi ao influxo da philosophia geral que !a
jurisprudencia deu esse passo decisivo. Porm, tambem verdadeque os juristas contriburam com alguma coisa para a renovaodo pensamento philosophico, assente na observao directa dosfactos; e no tenhamos duvida de que si o espirito philosophcono penetrasse por intermedio delles na jurisprudencia, seriacomo inexistente para todo este vasto circulo de actividadesmentaes, como aconteceu na Grecia.
Um philosopho poder dar as bases geraes e a orientao daphilosophia do direito, no ha contestal-o; muitos o tem realisadocom elevao de vistas e genial intuio dos factos; mas smenteum jurista, pelo conhecimento especial que possue do direito,
poder levar, com segurana, as luzes da doutrina a todos osplexos em que se acasalam normas jurdicas e actividadesindividuo-sociaes. A essa tarefa se entregaram os homensillustres a que me refiro no correr deste escripto, como entregar-se-o aquelles que os ho de substituir no labor. E no penso errarsuppondo que descortinar uma bella face da evoluo daphilosophia aquelle que a estudar atravez dos juristasphilosophos, estudo que eu apenas poude indicar neste ensaio.
Esta ultima observao talvez no se ache em completaharmonia com as idas apresentadas por Manouvrier numinteressantissimo artigo em que programma a rehabilitao do
estudo do direito (') com applauso de alguns scientistas e mesmode juristas, segundo verifico em phrases de Dorado Montero (2) eArthur Orlando (3). No reluctarei em acom-
(1) L'authropologie et le droit, naRevue int. de sociologie,ns. 4 e 5 de 1894,(2)Problemas de derecho penal, I. p. 191 e segs.(3)O crime como phenomeno social,
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panhal-os, porm, fazendo restrices s concluses do sabioanthropologista francez.
Manouvrier, seguindo as pegadas de Augusto Comte,distribue as sciencias em abstractas (estudo geral dos phe-nomenos), concretas (estudo particular dos seres), e de applicao(aco do homem sobre a natureza); acceita a| classificaohierarchica dos conhecimentos abstractos, a partir das mathematicasat chegar sociologia, excluda smente a astronomia; passando aclassificar as sciencias concretas, vai da kosmographia at zoologia, esgalhada em varios ramos, entre os quaes o mais elevadoe o mais frondoso a anthropologia. A anthropologia applicada aanthropote-chnia, e justamente no numero das ramificaes daanthro-potechnia que se enquadra o direito, ao lado da politica, daeducao, da moral, da hygiene e da medicina,
O direito, diz o sabio francez, como todas as artes, cujo fim a direco dos homens, tem necessidade das luzes da sciencia dohomem. De envolta com uma verdade elementar, contm estaaffirmao um conceito por demais restricto do direito. O direito certamente uma arte, quando o consideramos em sua positividadeobjectiva, como um complexo daquellas regras destinadas aregular a conducta do homem social, cuja execuo asseguradapelo poder publico. E fra de duvida que tudo quanto dizrespeito ao estudo do homem interessa directamente ao direito.Porm, o pheno-meno jurdico de natureza essencialmentesocial; as luzes que melhor o pdem aclarar so as que projecta a
sociologia; e, portanto, o seu conhecimento deve ser umadisciplina sociologica. verdade que Manouvrier nos offerece da anthropologia um
conceito muito amplo: , prope elle, a historia natural dohomem sob o duplo poncto de vista biologico e sociologico ; asciencia que tem por fim o conhecimento, tam com-
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pleto quanto possvel, da especie humana em seu conjuncto, emsuas partes quaesquer, sexo, edade, raas, povos, indivduos ecategorias de indivduos. A vastido de uma tal scencia tamgrande que ella tem necessidade de desmembrar-se e es-pecialisar-se para ser convenientemente estudada, e, ainda assim,qualquer de seus ramos se afigura, pelo tamanho, uma arvoreinteira, quero dizer, uma sciencia completa. Porm, parece-meque a anthropologia, mesmo transformada, mesmo com estamagnitude de pantosophia, ter de estudar os seres e as categoriasde seres de sua esphera sob o poncto de vista natural e nocultural. E, sendo assim, smente uma feio do direito entrarrazoavelmente em sua orbita. mais natural, portanto, que oconhecimento desta especie se prenda directamente sociologia,porque no a natureza que produz propriamente o phenomenojurdico, mas sim a sociedade.
Finalmente, no ha na jurisprudencia apenas uma parte deapplicao e arte. O estudo do phenomeno jurdico transcendeessas raias estreitas para constituir uma verdadeira scienciasubordinada sociologia.
Hermann Post affirmou-nos ter chegado convico deque a unica base para a jurisprudencia do futuro seria encon- ,trada era uma sociologia geral apoiada exclusivamente nos dadosda experiencia. Si as palavras traduzem o pensamento humano, com o jurista allemo que est a verdade, neste | momento. E, si odireito necessita das luzes de todas as sciencias que se occupaindo homem, como geralmente hoje reconhecem os juristas de
mediana cultura, ho de vir coadas essas luzes atravez dasociologia para que possam melhor il-luminal-o.
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Ingegno forze pi largo ed esteso, che nonoriginale e profondo, egli riusci a dare alle dot-trine filosofiche delia Grecia, non solo una, veste j splendida latina, ma anche una itnpronta eminen-
temente romana.GIUSEPPE CARLE.
I
Eis-nos deante de um desses grandes homens sobre os quaes aimparcialidade historica teve necessidade de reformar o julgamento
excessivamente benevolo dos contemporaneos. O enthusiasmodelirante que, por um momento, assoberbou a burguezia romana,apezar de algumas notas discordantes, abafadas, alis, no rudocrescente dos applausos, transpoz os muros sagrados da cidadepalatina, transmontou as geleiras alpinas, e veio, echoandoestripitosaraente atravez de vinte longos seculos, cimentar certasidas preconcebidas, que envolvem a individualidade do insignerepublico numa pho-tosphera offuscante de superioridadeintellectual e moral. Hoje, porm, os espiritos, advertidos pelasobservaes, talvez algo pessimistas, de Mommsen, Draper e outros,esto curados da illuso de optica.
A critica moderna caracterisa-se por uma certa rebeldia deiconoclasta. No que lhe falte o nobre sentimento de
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admirao e respeito por tudo quanto verdadeiramente il-lustre; que as continuas desilluses j lhe tirram a ingenua credulidadedos primeiros annos. Mas, ao passo que no se teme de apeiar, dos
altos pedestaes, as estatuas de ps de argilla. alegra-se quandoencontra uma dessas victimas heroicas do esquecimento ingrato,que preciso enaltecer e circumdar de luz.
Marcus Tullius Cicero diminuiu de estatura, desde que acritica o viu mais de perto, mas, certamente, no ficou reduzido spropores mesquinhas de um qualquer dircursa-dor mais oumenos habil, que passasse extranho evoluo mental do povoromano. No foi, por certo, um grande genio creador, porm foi umpoderoso espirito, dos mais vastos e dos mais brilhantes daantiguidade. Sua obra, tam variada de aspecto e de vigor, avultatanto mais quanto seu espirito andava absorvido pelas fascinaes
da politica, e atribulado. pelos dissabores domesticos.A flexibilidade de sua intelligencia e o seu amor ao estudo se
revelam na multiplicidade dos assumptos que abordou. Sem falar nopoeta, cujas composies se perderam, e deixando de parte orhetorico, que no soube transpr as fon-teiras da banalidade,destacam-se, em Ccero, o orador, o politico, o philosopho e ojurista.
No se lhe pde recusar uma posio eminente nos fastos daeloquencia, posio a que bem poucos poderam attingir ( I), naantiguidade, como, egualmente, nos tempos modernos. A celebrephrase que elle applicra a Demosthenes Plinio poude reverter em
seu proprio elogio: Tullium cujus oratio optima
(I) Elle o reconhece e no perde a opportunidade para affirmal-o, no De officiis, I, I:Cedo facilmente a palma da philosophia a outros mais habeis do que eu, porm, no que dizrespeito s qualidades de orador, a clareza, a propriedade, a elegancia do discurso, como fizdesse assumpto o estudo de toda a minha vida, uso de uni direito legitimamente adquiridosi reclamo o privilegio de falar sobre elle ,
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fertur esse quae maxima. Entre estes dous exmios inane-jadoresda palavra na antiguidade, alguns espritos vacillam, no sabendosi, afinal, se devam pronunciar pelo grego si pelo romano.Demosthenes o mais altanado dos oradores, Cicero o mais habil,
dizem. Quanto a mim, s ha entre elles um poucto de similhana:um foi o maior orador romano, o outro foi o maior orador grego.Em tudo mais, seus talentos diversificam. Demosthenes eraimpetuoso e sobrio: arrastava. Cicero era, sobretudo, correcto epomposo: deleitava. Demos-thenes era um patriota sincero, queprocurava suscitar, nalma das populaes, o sentimento de revoltaque o animava: suas palavras borbotavam-lhe, com impeto, docorao magoado. Cicero era um litterato sem a mascula energiado atheniense, sempre fascinado pela sonoridade das palavras:seus bons discursos fram, em grande parte, escriptos apresPechec.\ Entre elles, repetirei com o elegante traductor portuguez
da Orao da cora, medeia a distancia immensa que separaduas civilisaes tam profundamente distinctas e inspiradas depensamentos tam diversos, quaes fram a hellenica e a latina (I).
I Como politico, Cicero foi um vacillante incorrigvel, cujaultima hesitao lhe produziu um resultado fatal. O proprioLamartine, seu panegyrista extremado, v-se coagido reconhecer-lhe quelques ingalits et quelques faiblesses (2). Ophilosopho, em Marco Tullio, foi tambem uma figura que ficouno segundo plano. A philosophia nunca se acli-matou em Romasuficientemente para produzir um genio creador e original. Detodas as escholas philosophicas, a que mais se coadunou com a
indole dos romanos foi o stoicismo, a doutrina da abnegao,falando mais ao corao do que ao
(1) Latino Coelho.(2) Vie des grands hommes,
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espirito, restringindo-se ao puro domnio da moral, impotente pararesolver os graves problemas da vida universal. Mas Cicero nopertenceu a essa eschola em que brilharam Se-neca, Epicteto,Cato, Marco Aurelio, e que veio completar a sua empreza de alliar philosophia a jurisprudencia. Os grandes jurisconsultos classicos,Gaio, Papiniano, Ulpiano, Paulo e Modestino so stoicos. Cicerofoi ecletico, um simples dilettante, embra dotado de qualidadessuperiores e profundamente instrudo.
Para resumir numa phrase a caracterisao deste homem tamversado nas letras gregas quanto nas latinas, direi com um de seustraductores francezes:Foi um homem de conciliao, devido nosmente sua natureza, mas tambem sua intelligencia .
Mas eu deixarei de parte todas essas faces luminosas ouobscuras de seu talento, para s considerar as contribuies que
elle trouxe a sciencia do direito. Passarei tambem silencioso sobreo homem particular que, alis, offerece materia para uminteressante estudo de psychologia, e que nos explica o homempublico. Todos conhecem a profunda admirao que elle tinha porsi mesmo, todos sabem quanto era fraco de caracter. Antonio emuma phrase caustica invectivou-o por ter repudiado Terencia ao pda qual envelhecera (I), allu-dindo, sem duvida, sua submisso, sua vida sedentaria e tambem ao motivo do repudio que fra,afinal, a troca de uma velha empobrecida por uma joven cujafortuna poderia impr silencio aos credores do orador.
(I) ApudPlutarcho, Vies des hommes illustres, trad. Pierron, III. p. 610.
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II
De republica, De legibuw, De officiis, eis dentre o avultadonumero de obras que nos deixou Ccero, as que nos pdemofferecer, de um modo completo, sua theoria sobre o direito ( I).
Affastemos, desde logo, a illuso creada pelos ouropeis darhetorica. No temos que tractar com um pensador original.Cicero um vulgarisador eloquente e enthusiasta da philosophiagrega, mas um vulgarisador impessoal, segundo a qualificaoexacta de Oliveira Martins (2). Vulgarisadores tambem foramLittr e Vera, vulgarisadores so egualmente Laffitte, Buchner,Ribot. Nenhum destes, porm, se me afigura comparavel Cicero. Na historia da philosophia contemporanea s lhe encontroum smile. Cicero bem caracterisadamente um Cousin, querodizer, no tem apego uma doutrina, um systema; umdilettante, cuja paixo litteraria lhe tira a lucidez de espiritoindispensavel para discernir o que ha de bom e mu nos seusqueridos hellenos. Parece que foi justamente por suas basqualidades de amador, que elle inventou esse ecletismo artificial,muitos seculos antes que apparecesse o francez.
Cicero viveu no tempo em que comeava se operar a fusoda civilisao grega com a latina. Daquella vinham a philosophia eas artes, desta o direito e a fora. Esta nova ordem de cousasdeveria occasionar, necessariamente, uma transformao najurisprudencia. Realmente os historiadores do direito so accordes
em reconhecer que, por esse tempo, a jurisprudencia deixou de ser osimples conhecimento exacto do
(I) Em diversas outras obras suas encontram-se noticias dispersas sobre a jurispru-dencia antiga e sobre a sua coetanea, assim como certas noes a respeito de algumasinstituies jurdicas.
(2 )Hist. da Rep. romana, II, p- 246.
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direito vigente e a interpretao formal das leis decemviraes, paratornar-se a elaborao scientifica e pratica do direito (I). Estaimportantssima transmutao do direito, este surgir daj scienciajurdica tem seu comeo em Quinto Mucio Sccevola, o pontficemaximo, que foi o mestre de Cicero. O concurso destas circumstanciasproporcionou-lhe o ensejo de ser o primeiro romano a lanar asbases de uma theoria philosophica do direito e da politica. Seuecletismo, porm, diminuiu consideravelmente o valor de suainfluencia quer sobre os juristas contemporaneos quer sobre osvindouros. Foi elle quem primeiro penetrou no direito romano pelocaminho da philo-sophia, mas, como no soube crear um systemanem teve a convico bastante firme de que a verdade estava emqualquer dos existentes, foi posto um tanto margem, e o logar quedevera ser seu foi occupado pelos stoicos.
No obstante, no possvel desconhecer sua aco sobreo pensamento jurdico dos romanos; e quem quizer conhecercomo um romano instruido em philosophia applicava os prin-
cipios geraes dessa disciplina sciencia do direito em que eraprofissional, deve dirigir-se a Marco Tullio Cicero, de prefe-
V rencia a qualquer outro.
III
Seu mestre predilecto, em philosophia, foi Plato, gra-vissimus philosophorum omnium. A exemplo do mestre, escreveu
elle o seu tractado De republica, seguido de perto pelo De legibus.Plato um guia perigoso. -Nelle coexistiram, com fora egual,segundo nos demonstrram Lange e Soury, a mais elevada poesia,a dialectica mais abstracta e a
(I) Guido Padelletti, Storia del diritto romano, 2. ed., Fireuze, 1886, p. 417.
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logica mais implacavel. Seus discpulos, no podendo acom-panhal-o nos vos altaneiros de aguia bicephala, guinram parao idealismo romantico, que a nota predominante do neo-platonismo. Cicero, porm, salvou-se do mysticismo ca-hindo
num ecletismo sceptico.
Apreciemol-o mais de perto em seus trabalhos juridico-philosophicos.
A Republica um livro mutilado. No mais um livro;so folhas esparsas, como esses destroos marmoros do Par-thenou: so ruinas de bellezas que revelam a superioridadedo artista e, infelizmente para Cicero, tambem a mediocridadedo philosopho. A ignorancia medieval, crendeira e barbara,tinha recalcado as phrases pomposas da eloquencia pag sob opezo das palavras contrictas de qualquer parlenda beata.Felizmente, porm, o cardeal Angelo Majo as fez emergir dopiedoso palimpsesto soterrado na poeira canonisante da bi-bliotheca do Vaticano.
Este bello tractado de, direito publico geral , no pensar demuitos crticos, a cuja opinio me inclino, o mais impor-tantedos escriptos philosophicos de Cicero. No smente ovulgarisador elegante e, as vezes, pomposo dos systemas dephilosophia, que a Grecia vira brotar e florir, que se depra naRepublica; um conhecedor theorico e pratico da juris-prudencia, que tem consciencia de descobrir, com os instru-mentos da philosophia grega, um recanto de mundo noperscrutado inteiramente por ella; um estadista que possue, napropria experiencia e na observao da vida politica desseadmiravel povo romano, com que verificar as theses da espe-culao philosophica. Tudo contribue, portanto, para fazer daRepublica um tractado altamente precioso.
No primeiro livro, depois de algumas consideraes geraespelo mundo da idealidade abstracta, Cicero, atten-
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dendo ao pedido de seus interlocutores (1), passa a expr osprincpios de uma politica mais real, mais viva, mais pratica. Istoequivale a dizer: deixou Plato por Aristoteles.
E certo, sem duvida, que sua experiencia dos negociospublicos lhe d uma posio vantajosa para se occupar da theoriado Estado e da constituio de seu piz, como elle nol-o diz;porm, apezar de tudo, no se arrisca a ficar de todo s em campo. tambem certo que, para o senso pratico de um romano, a politicaofferece mais attractivos do que os estudos abstractos em que seavantajram os gregos, e Cicero considera o seu estudo um acto devirtude, um dever imperioso ; porm julga, ao mesmo tempo, quearrimado ao bordo de Aristoteles ou de Polybio cumprir melhoresse dever.
Bis, em poucas palavras, os princpios fundamentaes da
politica ciceroneana: que sobretudo impelle o homem reunir-seem sociedade menos sua fraqueza do que a neces-sidadeimperiosa de se achar na convivencia de seus simi-lhantes. Suanatureza impe-lhe essa norma irrecusavel (Rep., liv. I, cap. 25).Reunida a sociedade humana, e fixada sobre um territorio seu,torna-se indispensavel a organisao de um poder supremo que adirija e governe. Este governo pde ser exercido ou por um shomem, ou por um grupo privilegiado, ou pela multido inteira.Quando a auctoridade soberana est concentrada nas mos de ums individuo, temos a frma governativa denominadarealeza{regem illum umim vocamus et regnum ejus reipublicce statum).
Quando o governo exercido por alguns homens escolhidos, d-se-lhe o nome de aristocratico (civitas optimatium). Finalmente,existe a democracia, quando o povo soberano go-verna-se por si{civitas popularis).
(1) Quare, si placel, deduc oralionem Luam de saclo ad hac cilima (De rep., I, cap. 21).
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quod est ex his quce prima dixi moderatum et permixtum tribus(Rep. I, cap. 29, in fine). Nella, o primeiro magis-trado da republicase destaca com a magestade consentanea com a representao deum grande Estado; os nobres, sentindo-se respeitados, do brilho aopaiz por suas luzes e por seu patriotismo; e o povo, tendo aconsciencia de que livre e de que trabalha para oengrandecimento geral, se mostra satisfeito e capaz de grandesemprehendimentos. Assim pensa o estadista romano (Rep., I, cap.45).
Quem quer que tenha conhecimento da politica aristo-telicaencontrar aqui a mesma theoria da sociabilidade humana, amesma diviso das frmas de governo em sua normalidade eanormalidade, isto : a realeza ou monarchia (basileia). aaristocracia, a polita ou democracia, e suas aberraes, a tyraniaou despotia, a olygarchia e a ochlo-cracia. Estas ultimas Cicero ascaracterisa pelas expresses ex rege dominus, ex optimatibusfactio, ex populo turba et confusio.
Ha, porm, uma ida que, embra no fosse desconhecida Aristoteles, no tomou, em seu tractado de politica, o vulto eexpanso que lhe assignala Cicero. E essa quarta frma compsitaoriunda do contubernio irregular de elementos sociaes divergentes.Cicero talvez no o previsse, mas s a monarchia constitucionalrepresentativa, nascida nas florestas da Germania, poder traduziressa ida. Estou inclinado a crer, com Lerminier, que o philosophoromano combina smente as formulas e no as realidades (I). Amonarchia constitucional uma creao artificial e transitoria j
como o imperialismo democratico de Roma. Os governos hy-(1) Lerminier, Philodophie du droit, 3. ed., Paris, 1853, p. 238.Cicero suppunha encontrar a realisao dessa frma mixta 11a constituio de Roma, e
poderia dizer o mesmo de Sparta e de Carthago. Porm, a parte do povo no Estado ro-manofoi sempre limitada pelas absorpes dos nobres, do senado, e, afinal, dos impera-dores,que em si concentrram o povo e A nobreza.
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bridos so, alm disso, iriemessivelmente estereis, emquaiito pdesubsistir equilibrada a combinao; porm, com o correr dostempos, um dos elementos proponderar fatalmente absorvendoou esmagando os outros. Tacito j o tinha pre-visto nestas
palavras eloquentes: consociata reipublicce fornia landarifacilius quam evenire; vel si evenit, haud diuturna esse potest.Bluntschli tambem affirma que um governo semi-monarchico esemi-democratico no pde existir (1).
No quero afastar-me de meu assumpto principal enve-redando por esta discusso politica. O que deve ficar estabelecido que a ida de uma frma de governo combinada e mixta infecunda, e que Cicero no foi haurir sua preferencia por ella emAristoteles. No quiz elle concluir o primeiro livro de suaconstruco politica sem abandonar o estagirita por outrosphilosophos gregos, principalmente por Polybio, o historiador
das guerras punicas (2
).No segundo livro da Republica, Cicero emprehende fazer a
historia dessa admiravel constituio do Estado romano, desdesua fundao at o completo desenvolvimento da republica. degrande valor, para os que estudam a desenvoluo do direitoromano, este curioso estudo sobre as instituies primitivas, e para lastimar que os fragmentos do manu-scripto do Vaticanono nos conduzam alm da epocha dos decemviros. Mas, aindaaqui, Cicero no fez mais do que apropriar-se das fortesconsideraes de Polybio e traduzil-as em sua bellissimalinguagem (3).
No livro terceiro, alis muito mutilado, vem baila aquesto do direito natural, da justia absoluta, e discute-se adoutrina do celebre Carneades, um dialectico genial, um ar-
(1) Bluntschli, Theore genrale de tal, trad. par Riedemattem, Paris, 1881, p. 297,observ.
(a) Paul Janet, Hist, de la politique, 2.a ed., Paris, 1871,I, p. 271 e segs.(3) Paul Janet, op. cit., ibidem.
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guinentador terrvel. Cicero no era o mais proprio para se medircom tal adversario. O restaurador da academia fuzilava argumeutosque feriam e deslumbravam como raios, e o sal-vador da republica(1) pouco mais fez, para desvial-os, do que modelar bas phrasesque resumiam a moral de sua pre-ferencia, e limar tiradas de umaeloquencia correctssima, porm, que se esvahiam deante daquellaargumentao cerrada, invencvel, nunca dantes suspeitada,nunca depois egualada. Imaginemos uma figura esbelta e delicadade hel-leno, com um sorriso finamente zombeteiro, achincalhandoo espirito mazorra dos compatriotas de Cato, estatelados deantedaquelle transbordamento de energia mental. Que podiam ellesfazer? Ouviam e pasmavam. Aquellas alturas do pensamentocausavam vertigens; aquellas subtilezas de raciocnio, e aquellasaffirmaes audaciosas faziam perder a compostura senatorial.
Dizia Carneades, segundo o testemunho de Lactancio: Oshomens constituram leis para garantir seus interesses, leis quevariam conforme os costumes, que se alteram cm um mesmo povocom o correr dos tempos: portanto o direito natural uma chimera(jus autem naturale esse nullum) (2). Os homens, assim como osoutros animaes, so forosamente levados procurar o que lhes vantajoso. Si todos os povos, cujo imperio floresce, si os romanos,principalmente, que so senhores do mundo, quizessem ser justos, isto, si restitussem o que tomaram dos outros, teriam de voltar scabanas primitivas, e vegetar na pobreza e na miseria. Nestascondies, os povos no possuiriam mais um palmo de terra, no
serem os arcadios e athenienses que, temendo, sem(I) ........................................ ............ Roma parentem,
Roma pairem patria Ciceronem libera dixil.JUVENAL,Satyra VIII, 243..
(2) Nihil justum esse natura, j dissera antes Epicuro, segundo refere Seneca.
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duvida, este grande acto de justia, no futuro, imaginrampretender que brotram da terra, como certos ratos que surgemdo slo nos campos. A justia, continuava o sophista, proliibe-nos de matarmos o nosso similhante, de lanarmos a mo do que
alheio. Que faria o justo, si, em ura naufragio, visse um homemmais fraco do que elle apoderar-se de uma taboa de salvao ?No empolgaria a taboa, no subiria para ella, afim de salvar-se,principalmente no caso de no haver testemunhas, no alto mar?Si fr prudente, fal-o-, porque, de outro modo, terforosamente de morrer. Si preferir morrer a fazer violencia seu similhante, pautar sua conducta pelos dictames da justia,mas ser um insensato por querer poupar a vida de outro emprejuzo da sua.
Assim continuava Carneades, segundo o testemunho deseus proprios adversarios, aos quaes devemos o conhecimento de
sua doutrina. Lactancio declara seus argumentos capciosos eenvenenados, mas confessa que Cicero no poude refutal-os,porque deixou sem soluo certas difficuldades que elle pareciaevitar como outras tantas armadilhastanquam foveamprcetergressus est.
Realmente, si procurarmos apanhar a cadeia da argumentaorefutatoria que Cicero pe na bocca de Lelio, achal-a-emos partidaou mal atada, mesmo dando o desconto das lacunas domanuscripto. Alis de Carneades tambem nos restam smentefragmentos, e fragmentos de traduco por adversarios. Seja comofr, Cicero no chega menos convictamente concluso de que a
ba razo uma verdadeira lei, conforme com a natureza,immutavel eterna, que chama o homem pratica do bem por suasinjunces e o afasta do mal por suas ameaas (Rep., III, cap. 22).
No quarto livro, Cicero estuda os costumes; no quintooccupa-se com as normas do governo e com os deveres doshomens polticos; mas os fragmentos salvos da devastao do
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tempo e do vandalismo devoto so em numero diminuto para sobreelles reconstruirmos, em sua integridade, a theoria que os animoucom os rudos do Forum e as tradies dos tempos da energia
primitiva do povo romano.
Do sexto livro, o unico fragmento consideravel que nos resta osonho de Scipio, conservado por Macrobio. um bonito pedaode poesia philosophica como a escreve hoje Sully-Prudhomne.Villemain diz-nos que ha nesse trecho verdadeira magnificencia depensamentos e de expresses. Effectivamente, no sonho de Scipio,Cicero alteia-se, meu ver, muito mais do que nas melhorespassagens das Philip-picas ou do pro Milone. Ao lel-o, o espiritoexperimenta o sentimento de quem se acha em frente uma cousagrandiosa; suppe estar repetindo alguns versos poderosos e gravesdo prodigioso poeta materialista que escreveu o De natura rerum.
Mas, ainda ahi, o que admiramos o artista, o temperamentoexcitavel deante do bello, no o philosopho, o doutrinadormethodico, o analysta perspicaz.
IVAbramos o De legibus. Possumos delle tres livros e alguns
fragmentos mais. Suppem os commentadores que a obra sedividia em seis livros: o I., occupando-se do conceito de lei e dodireito natural, o mais importante para a philoso-phia jurdica; o2., tracta do direito religioso; o 3.0, occupa-se com a organisao
do poder publico ou, antes, com a magistratura o que a leifalando, como a lei a magistratura muda ( I); o 4.0, o 5.0 e o 6.,acham-se muito reduzidos,
(1) Vere dici potest, magistratum legent esse loquentem, legem, aautem, mutum magis-tratum (De legibus, III, cap. I). Um pouco adeannte accrescenta que sem a prudencia e ozelo dos magistrados, a cidade uso pde existir, e que na determinao de suas funcoesreside toda a economia da republica (Leg., III, cap. 2),
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porm, se lhes pdem attribuir por assumptos, na ordem danumerao, o direito politico, o criminal e o civil.
No primeiro livro das Leis, confessa o nosso auctor que vaeescrever um tractado sobre o objecto indicado pelo titulo de seulivro, a exemplo de Plato que elle admira, que antepe mesmoa todos os outros pliilosophos, que elle ama com predileco.Entretanto como as idas de Plato pouco se coadunam, empolitica e jurisprudencia, com o realismo dos romanos, so osstoicos, que elle, alis, combate muitas vezes, os que lhe vofornecer as idas fundamentaes sobre o direito e o dever.
No seu intento fazer um commentario ao edicto do pretornem lei das doze' taboas; no pretende tam pouco dissertarsobre os meios de defeza jurdica. Tarefa mais elevada e menosexplorada o seduz, que deduzir os princi-pios_essenciaes dodireito e da moral da propria natureza humana. Sente que o
estudo da jurisprudencia deve enveredar por caminhosilluminados pelo sol da philosophia, e quer ser o primeiro atrilhal-os em Roma, receioso de que a sciencia que lhe ensinou odouto Sccevola no se nullifique a patinhar nos tremedaes dachicana. E certo que outros o tinham precedido nessa empreza,mas eram gregos esses outros e no eram juristas profissionaes(I). Em Roma, nenhum jurista era tam versado como elle emphilosophia, e nenhum philo-sopho era por egual conhecedor dodireito. Ninguem, portanto, em melhores condies para effectuaro connubio do direito com a philosophia, operando a canalisaodo pensamento da Grecia para Roma. Cicero no deixou passar a
opportunidade de realisar essa transformao, e smente devemossentir que no tivesse agido com energia maior, influindo maispoderosamente sobre os seus contemporaneos. S por si essefacto
( I) Lerminier, Philosophic du droit, p. 239, De legbus, I, cap. 4 a 6,
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sufficiente para conquistar as syinpathias dos juristas modernosa seu favor.
certamente em virtude da situao especial em que
o collocava essa empreza de vivificar o direito pelaphilosophia,que o vemos aggredir algumas vezes os juristas de seu tempo,taxando-os de ignorantes das antigas fontes, de nimiamente
formalistas e de maliciosos interpretes (I). Jhering (2) defendeos juristas romanos das objurgatorias ciceroneanas, porm, preciso convir que si o litterato foi algum tanto injusto,muitas vezes feriu bem o alvo, e que essa tal ou qual injustiase explica pela reaco que elle emprehendia no sentido detransformar a pratica forense na sciencia do direito.
Voltemos as vistas para o De legibus. Ahi si diz que o direitono deriva da opinio, mas sim da propria natureza humana e do
influxo dos deuses (, cap. 9 e 10). Tendo uma | tal origem, o direitono pde deixar de possuir o caracter da universalidade; deve sercommum a todos os homens, porque I a natureza humana uma s.S a corrupo dos costumes | poder extinguir nas conscienciasessa divina scentelha do direito natural (igniculi a natura dali, I,cap. 12).
No devemos considerar justo tudo que estabelecido pelasinstituies e leis dos povos, porque muitas leis tyra-nicas existem,filhas da corrupo dos costumes, que se afastam longamente doideal do direito como o concebe a ba razo. Apezar, porm, dessesdesvios, infelizmente numerosos, o philosopho affirma que s existe
um direito, s existe uma
(1) No Delegibus (I, cap. 6), diz Cicero que estudar o direito de modo differente daquelleque elle mesmo emprehende antes procurar as vias da chicana do que as da justia D.Quialiter jus civile tradunt, non tam justitice quam litigrandi tradunt vias. Porm, foi no celebrediscurso Pro Murena que elle enfrentou e zurziu mais duramente os | jurista dos velhos moldes,sacrificando, algumas vezes, a verdade ao desejo de fazer espirito | ou de obter uma facilvictoria.
(2) Espirito del derecho romano, III, p. 148; nota (141), p. 156; nota (144), p. 227; IV, p.245 e 315.
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lei: a s razo emquanto ordena ou prohibe ( I). justamenteella que nos auctorisa a distinguirmos a lei ba da m. Referiresse julgamento opinio seria demencia (I, cap. 16), porque aopinio se modifica, agitada por elementos de toda ordem. Si avontade dos povos, os decretos dos chefes de Estado, assentenas dos juizes fundassem o direito, o roubo, o adulterio, ostestamentos falsos seriara o direito, desde que tivessem por si ossuffragios da multido> (I, cap. 26). Smente a s razo,portanto, que nos pde dar a distinco do justo e do injusto, dohonesto e do vergonhoso.
Eis ahi bem formulada a theoria do direito natural a cujostresvarios ainda hoje devemos o atrazo e a indigencia do direitosciencia: a natureza do direito que desejamos explicar e nanatureza humana que iremos descobril-a:| natura enim jurisexplicanda est nobis, eaque ab hominis repelenda natura (cap. 5).
A lei a razo suprema que governa toda a natureza (cap. 6), ou,ento, a distinco do justo e do injusto modelada sobre anatureza, principio imme-morial de todas as cousas (Lv. II, cap. 5in fine).
Sobre estas mesmas idas, que so directamente bebidas naeschola stoica, Cicero insiste no De officiis, que, embora, Idedicado especialmente moral, contm a doutrina do direitonatural em seus traos essenciaes. No livro III, cap. 17 desta obra,se encontram as seguintes expresses, tantas vezes depoisrepetidas por outros:Tudo que do direito civil no do direitodas gentes; mas tudo que do direito das gentes deve ser
considerado como do direito civil. Mas nosso direito civil no mais do que uma sombra do verdadeiro direito e da perfeitajustia, e aprouvesse a Deus que, ao menos,
(1) De leg., I, cap. 15. a conhecida definio de Cicero, cm que elle insiste por varias vezes. Nolivro primeiro, cap. 6, j tinha dicto que se deve eutender por lei a razo suprema, communicada nossa natureza, que ordena ou prohibe, lexest natio summa, insita in natura que facienda suntfacienda sunt prohibetque contraria.
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segussemos esta sombra, pois que ella uma imagem dosprincpios da natureza e da verdade...
Eis a philosophia jurdica de Cicero. Si no foi um espiritoousado e original, foi um devotado cultor das letras gregas, e, poresse motivo, poude elevar-se s concepes da metaphysica que, sihoje so um entrave ao desenvolvimento do direito sciencia,fram, em outros tempos, uma indeclinavel necessidade mental, eum benefico protesto em prol dos opprimidos
Do que fica exposto, e no fiz mais do que um rapido escorode sua doutrina, se reconhece que o jurista romano reproduzindo,embellezando e modificando as lices recebidas dos philosophosda Hellenia, exgottou o assumpto que depois vieram retomar ostheoristas do direito natural, sem poderem accrescentar uma idaessencial ao quadro.
8/7/2019 Livro - Juristas Filosofos - Clvis Bevilqua
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MONTESQUIEU E O ESPIRITO DAS LEIS
I
Acabo de reler o Espirito das leis. Quantos outros juris-tas,Htteratos, homens do inundo no o fizeram antes de mim?
No entanto, como j tambem o fizeram muitos dessesinnumeraveis leitores, sinto-me attrahido a colher as impresses
que essa leitura foi evocando, e que eu sinto esvoaar em torno demim, ntidas umas, fugazes outras, desfazendo-se ainda outrasquando as quero fixar. Ext ranho livro esse que nos emociona porf