Post on 22-Nov-2018
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Centro de Tecnologia
Departamento de Engenharia Civil
Coordenação do Curso de Engenharia Ambiental
Interação água-sedimento na degradação da qualidade da água de
reservatórios tropicais semiáridos
Hérika Cavalcante Dantas da Silva
Natal
2016.
Hérika Cavalcante Dantas da Silva
Interação água-sedimento na degradação da qualidade da água de reservatórios
tropicais semiáridos
Trabalho de Conclusão de curso apresentado à
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
como parte dos requisitos para obtenção do
título de Engenheiro Ambiental
Orientadora: Profª Dra. Vanessa Becker
Co-orientadora: Dra. Fabiana Araújo
Natal
2016.
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Sistema de Bibliotecas - SISBI
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Central Zila Mamede
Silva, Herika Cavalcante Dantas da.
Interação água-sedimento na degradação da qualidade da água de
reservatórios tropicais semiáridos / Herika Cavalcante Dantas da
Silva. - 2016.
20 f.: il.
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de
Tecnologia, Departamento de Engenharia Ambiental. Natal, RN,
2016.
Orientadora: Profª. Drª. Vanessa Becker.
Coorientadora: Profª. Drª Fabiana Araújo.
1. Engenharia sanitária - Monografia. 2. Secas - Monografia.
3. Fósforo - Monografia. I. Becker, Vanessa. II. Araújo,
Fabiana. III. Título.
RN/UF/Biblioteca Central Zila Mamede CDU 628
Agradecimentos
Agradeço à minha orientadora Vanessa Becker pelos conselhos, orientações, pulso
firme e também carinho (cada um no momento certo), momentos de confraternização e
por toda dedicação e amor ao que faz. Isso serve de inspiração para que eu procure
sempre fazer o melhor.
À minha co-orientadora Fabiana Araújo, por ser a melhor co-orientadora que alguém
poderia ter. Obrigada pelas orientações, ensinamentos, carinho, amizade, e paciência.
À minha família, em especial à minha mãe, Marizete, e à minha tia Margarete, por todo
apoio nas minhas escolhas e todo amor e cuidado que tem por mim. Ao meu namorado,
Rennan, pelo apoio, carinho, companheirismo e por aturar meus momentos de
desespero durante a graduação.
Aos meus colegas e amigos do Projeto Elisa: Carlos Júnior, Gabriela Trigueiro, Jéssica
Leite, Jéssica Papera, Silvana Santana, Caroline Fragoso, Isaac Falcão, Débora, Ingridh
Diniz, Neuciano, Mariana Rodrigues, Jurandir Júnior, Jéssica Mitizy e Raul. Muito
Obrigada pela amizade, pelo apoio e ajuda nas análises e nas coletas.
Interação água-sedimento na degradação da qualidade da água de
reservatórios tropicais semiáridos
Resumo: Objetivo: O objetivo deste estudo foi verificar a distribuição vertical de
fósforo na coluna d’água, bem como relacioná-la com a liberação de fósforo do
sedimento, durante um período de seca extrema. Métodos: Foram analisados dois
reservatórios da região semiárida do Rio Grande do Norte, durante o período de Maio
de 2015 a Junho de 2016. Foram analisados: sólidos suspensos (SS), clorofila-a (Chl-a),
oxigênio dissolvido (OD) e temperatura. Perfis verticais foram traçados para fósforo
total (PT), fósforo total dissolvido (PTD), fósforo particulado (PP), fósforo orgânico
dissolvido (POD) e fósforo reativo solúvel (FRS). Resultados: Gargalheiras apresentou
condições anóxicas próximo ao sedimento em vários meses durante período de
estratificação. Cruzeta apresentou um mínimo de OD de 1mg.L-1
, porém, apenas em
dois meses. Os valores de fósforo distribuídos na coluna d’água foram bastante elevados
para ambos os reservatórios, apresentando os maiores valores durante os períodos com
menor profundidade. Gargalheiras apresentou os maiores valores de PT e PP, enquanto
Cruzeta apresentou os maiores valores de FRS. Os valores de Chl-a e SS também foram
condizentes com os valores de fósforo: a Chl-a foi maior em Gargalheiras, enquanto os
SS, principalmente inorgânicos, foram maiores em Cruzeta. Alguns meses que
apresentaram condições anóxicas no fundo também apresentaram os maiores valores de
PT e FRS, o que pode indicar liberação. Além disso, os valores demasiadamente
elevados durante os meses mais rasos podem ter sofrido influência do vento, havendo
ressuspensão do sedimento, propiciando a liberação. Conclusões: A distribuição das
formas e quantidades de fósforo na coluna d’água é importante para planos de
restauração de lagos eutrofizados, porém, não é suficiente. É necessário conhecer o
fluxo de P liberado, bem como as formas de P existentes para entender os mecanismos e
variáveis que influenciam na liberação.
Palavras-chave: liberação de fósforo, seca extrema, fertilização interna.
Water-sediment interaction on the water quality degradation of semi-
arid tropical reservoirs
Abstract: Aim: The aim of this study was to verify the phosphorus vertical distribution
in the water column, and relate it to the phosphorus release from sediment, during a
period of extreme drought. Methods: Were analyzed two reservoirs of the Rio Grande
do Norte semi-arid region, during the period of May 2015 to June 2016. Were analyzed:
suspended solids (SS), chlorophyll-a (Chl-a), dissolved oxygen (OD) and temperature.
Vertical profiles were set for total phosphorus (TP), total dissolved phosphorus (TDP),
particulate phosphorus (PP), dissolved organic phosphorus (DOP) and soluble reactive
phosphorus (SRP). Results: Gargalheiras presented anoxic conditions near the sediment
for several months, during stratified period. Cruzeta presented a OD minimum of 1mg
L-1
, however only two months. The values of phosphorus distributed in the water
column were enough high for both reservoirs, Gargalheiras presented the higher TP and
PP, while Cruzeta presented the higher SRP. The Chl-a and SS also were consistente
with phosphorus: Chl-a was higher in Gargalheiras, while SS, mainly inorganic, were
higher in Cruzeta. Some months have anoxic conditions at the bottom also presented the
higher TP and SRP, which may indicate release. In addition, the excessively high values
during the shallower months may have been the influence of wind, there ressuspension
of sediment, providing release. Conclusions: The distribution of phosphorus forms and
amounts in the water column is important for restoration plans of eutrophic lakes,
however, it isn’t enough. It is necessary to know the P flux released and existing P
forms for to understand variables that influence in release mechanisms.
Key-words: phosphorus release, extreme drought, internal loading.
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1. Introdução
O Fósforo (P) é o principal nutriente responsável pela eutrofização, já que é comumente o
macronutriente limitante para o crescimento dos produtores primários em ecossistemas aquáticos
(Wetzel, 2001). A fim de reverter a eutrofização de lagos, muitas medidas têm sido tomadas para
reduzir as cargas externas de fósforo (Søndergaard et al., 2003). Vários lagos respondem
rapidamente a essas reduções, mas um atraso ou mesmo ineficácia na recuperação é muitas vezes
notável (Marsden, 1989; Jeppesen et al., 1991; van der Molen & Boers, 1994). Uma das razões para
isso é o acúmulo de fósforo no sedimento durante um período de alta carga, que continua a ser
liberado na coluna d’água por um longo período de tempo.
A liberação de fósforo do sedimento para a coluna d’água pode ser tão intensa e persistente
que impede qualquer melhoria da qualidade da água por um período considerável após a redução do
carregamento externo (Granéli, 1999). Portanto, ele funciona como um mecanismo de fertilização
interna, agindo como uma nova fonte de poluente para a água (Lijklema et al., 1993; Wu et al.,
2001). Logo, para obter eficácia na restauração de um ambiente, é importante entender a
distribuição do fósforo na água, bem como sobre o potencial de liberação do sedimento.
Na região semiárida brasileira os mananciais possuem usos múltiplos, sendo utilizados
principalmente para o abastecimento humano, irrigação e dessedentação animal. Porém, muitos
reservatórios sofrem impactos negativos na qualidade da água ocasionados pelas atividades
humanas e até por condições naturais da região (Barbosa et al. 2012). A poluição difusa, como
agricultura e pecuária, é uma grande vilã para os ambientes aquáticos do semiárido, já que em
muitos deles é a principal fonte externa de nutrientes, chegando aos reservatórios durante períodos
chuvosos através da lixiviação (Oliveira, 2012; Medeiros, 2016)
Já durante os longos períodos de estiagem, as entradas externas de nutrientes são praticamente
nulas em alguns reservatórios do semiárido, porém, os valores de nutrientes, principalmente fósforo
são, geralmente, elevados. Isso pode ser resultado do aumento do tempo de renovação da água dos
reservatórios, que concentra os nutrientes no sistema (Braga et al. 2015). Mas também, esses
períodos de estiagem, deixam os reservatórios mais susceptíveis a fatores ambientais que podem
influenciar na liberação de fósforo do sedimento.
Por muito tempo foi aceito o fato de que em condições óxicas na interface água-sedimento
havia retenção de P, enquanto em condições anóxicas a liberação era favorecida, conceito que foi
inicialmente proposto por Einsele (1936) e depois refinado por Mortimer (1941). O Fe(OH)3(s) tem
uma forte capacidade de adsorver o fosfato inorgânico na coluna d’água e nos sedimentos óxicos.
Porém, quando o Fe(III) é reduzido a Fe(II), em ambiente anóxico, ele e o P adsorvido são liberados
na solução tornando este último biodisponível (Lake et al., 2007). Porém, os sedimentos de alguns
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lagos rasos já demonstraram liberação de fósforo em condições óxicas (Lee et al., 1977; Boström et
al., 1982; Jensen & Andersen, 1992), sugerindo que outros fatores, além do potencial redox e da
razão Fe:P, também estão envolvidos. Alguns desses fatores são temperatura e resuspensão
(Søndergaard et al., 2003), os quais podem ter mais influência durante períodos de estiagem, visto
que, com uma profundidade pequena, as temperaturas próximo ao sedimento podem ser maiores e o
vento pode ressuspendê-lo mais facilmente.
A hipótese deste é trabalho é que os altos valores de P na água, durante períodos de escassez
hídrica, podem ser resultado não apenas da concentração de nutrientes, mas também da alta
liberação do sedimento. Logo, o objetivo desse trabalho é verificar a distribuição vertical de fósforo
na coluna d’água, bem como relacioná-la com a liberação de fósforo do sedimento, durante um
período de seca extrema.
2. Materiais e Métodos
2.1. Área de Estudo
Os reservatórios Marechal Dutra – mais conhecido como Gargalheiras - e Cruzeta (Figura 1)
são frutos dos barramentos do rio Acauã e do Riacho São José, respectivamente, ambos
pertencentes à bacia hidrográfica do rio Piranhas-Assu.
O reservatório Gargalheiras localiza-se no município de Acari, na região semiárida do estado
do Rio Grande do Norte (Nordeste, Brasil). O manancial tem capacidade máxima de 44.421.480 m³
(SEMARH, 2016). Já o reservatório Cruzeta localiza-se no município Cruzeta, também inserido no
semiárido do Rio Grande do Norte. Ele possui capacidade máxima de 23.545.745 m³ (SEMARH,
2016). Ambos os reservatórios são utilizados para múltiplos usos, incluindo abastecimento humano.
O clima da região é semiárido tropical com temperatura em média superior a 25° C e
evapotranspiração da ordem de 1500–2000 mm.ano-1
(SEMARH, 2016). O estudo foi realizado de
maio de 2015 a junho de 2016, compreendendo um período de seca prolongada desde 2012.
2.2. Amostragens
Amostras de água foram coletadas em um ponto próximo à barragem (Figura 1). Foram
medidos in situ a profundidade máxima do ponto, através de um profundímetro (DATALOGGER
ITT 71440), os perfis de oxigênio dissolvido (OD) e a temperatura, através de um oxímetro
8
(HONDEX PS-7), a cada 0,5 m de profundidade, da superfície até o fundo, para definir o perfil
vertical dessas variáveis.
A partir do perfil vertical de OD e temperatura, foram coletadas amostras integradas no
epilímnio e no hipolímnio com uma garrafa de van Dorn, para posterior análise de sólidos
suspensos e clorofila-a (apenas epilímnio). Também foram coletadas amostras a cada 0,5 m de
profundidade, com o auxílio da garrafa de van Dorn, para análise da distribuição do P na coluna
d’água.
Posteriormente, as amostras foram armazenadas em garrafas de polietileno, previamente
lavadas com HCl 10% e água deionizada, e acondicionadas em caixas térmicas com gelo durante o
transporte para o laboratório.
Figura 1. Localização dos reservatórios estudados Gargalheiras e Cruzeta, e os pontos de
amostragem próximos à barragem.
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2.3. Análise das Amostras
A concentração de sólidos suspensos totais foi determinada por gravimetria após secagem dos
filtros a 105°C e a concentração de sólidos suspensos inorgânicos foi mensurada após ignição em
mufla a 550º C por 3h (APHA, 2005). Os sólidos suspensos orgânicos foram determinados pela
diferença entre as concentrações de sólidos suspensos totais e inorgânicos. A concentração de
clorofila-a foi mensurada por espectrofotometria a partir da extração com etanol 96% (Jespersen &
Christoffersen, 1987).
Foram determinadas as concentrações de fósforo reativo solúvel (FSR) – forma mais
biodisponível –, fósforo total dissolvido (PTD), fósforo orgânico dissolvido (POD), fósforo total e
fósforo particulado – incorporado na biota.
O Fósforo Total (PT) e o Fósforo Total Dissolvido (PTD) foram mensurados pelo método
colorimétrico (Murphy & Rilley ,1962) após digestão das amostras (Valderrama, 1981). O Fósforo
Reativo Solúvel (FSR) foi obtido por meio do método colorimétrico de Murphy & Rilley (1962). O
Fósforo Orgânico Dissolvido (POD) e o Fósforo Particulado (PP) são determinados por meio de
diferenças entre PTD-PID e PT-PTD, respectivamente. As amostras para as análises de fósforo
solúvel reativo e fósforo total dissolvido foram filtradas em membranas de fibra de vidro 0.45 µm.
2.4. Análise de Dados
Os dados de série histórica ( 1963 - 2013) de precipitações foram fornecidos pela Empresa de
Pesquisa Agropecuária do Rio Grande do Norte (EMPARN) e os dados de variações volumétricas
foram cedidos pela Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Rio Grande do Norte
(SEMARH).
Os perfis verticais de OD, temperatura e tipos de fósforo foram elaborados por meio do
software Surfer® 11. Os dados foram divididos em dois períodos: anteriores e posteriores a aos
eventos de chuva. E em seguida feitos mosaicos desses períodos.
3. Resultados
As precipitações mensais foram abaixo da média histórica na maioria dos meses estudados,
para ambos reservatórios (Figura 2). O acumulado no período foi de 575 mm para Gargalheiras e
546 mm, ambos menores que a média histórica, que foi de 658 mm para Gargalheiras e 755 mm
para o reservatório Cruzeta.
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Durante todo o período o volume dos reservatórios se manteve em níveis muito baixos,
havendo uma queda acentuada até o início de 2016, quando houveram as maiores chuvas
registradas no período estudado, aumentando assim o volume tanto de Gargalherias, quanto de
Cruzeta (figura 2).
Figura 2. Precipitações mensais, média histórica de precipitação e logaritmo do volume dos
reservatórios Gargalheiras e Cruzeta, de maio/2015 a junho/2016.
Os perfis verticais de oxigênio dissolvido (OD), mostraram algumas diferenças entre os
reservatórios (figura 3). Gargalheiras, que possui maior profundidade, apresentou estratificação
química, com anoxia próximo ao sedimento durante diversos meses. Já Cruzeta mostrou uma
11
mistura maior, porém, ainda com valores baixos de OD (mínimo de 1mg.L-1
), observado apenas no
início de 2015 e de 2016. Um comportamento apresentado por ambos, e já esperado, é o aumento da
mistura durante os meses mais secos e, portanto, com menor profundidade.
Figura 3. Perfis verticais de oxigênio dissolvido (OD) dos reservatórios de A –Marechal Dutra e B
- Cruzeta, de maio/2015 a junho/2016.
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Figura 4. Perfis verticais de temperatura dos reservatórios de A –Marechal Dutra e B- Cruzeta, de
maio/2015 a junho/2016.
Ambos os reservatórios não apresentaram estratificação térmica, com exceção para o período
posterior a chuva (em meados de abril e maio) principalmente em Gargalheiras, onde foi possível
observar uma variação de 6°C na coluna d´água com 6,4m de profundidade.
Figura 5. Perfis de Fósforo Total (PT), Fósforo Total Dissolvido, Fósforo Particulado (PP), Fósforo
Orgânico Dissolvido (POD) e Fósforo Reativo Solúvel (FRS) do reservatório Gargalheiras no
período de maio de 2015 a junho de 2016.
Os valores de fósforo para Gargalheiras (figura 5) e Crueta (Figura 6) apresentaram-se
bastante elevados durante todo o período de estudo, com valores médios apresentados na tabela 1. O
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PT, em especial, apresentou valores superiores ao limite considerado eutrófico (50 μg.L-1
), de
acordo com Thornton & Rast (1993), para ambos os reservatórios.
FORMAS DE FÓSFORO GARGALHEIRAS CRUZETA
Mín Méd Máx Mín Méd Máx
FRS (μg.L-1
) 6,71 106,29 504,55 65,17 174,17 467,5
POD (μg.L-1
) 24,69 135,63 503,46 5,96 145,99 1317,48
PP (μg.L-1
) 96,45 502,3 1255,42 18,13 239,72 1286,67
PTD (μg.L-1
) 76,2 241,99 854,44 108 320,15 1743,33
PT (μg.L-1
) 203,65 744,3 1853,33 169,6 559,88 3030
Tabela 1. Valores médios, máximos e mínimos das formas de fósforo analisadas na água.
Os perfis de fósforo em Gargalheiras apresentaram maiores valores nos meses com menor
profundidade. Porém, no período posterior a este, quando o reservatório aumentou a profundidade
devido aos altos valores de precipitação, vemos também altas concentrações – que se assemelham
as anteriores – no fundo, próximo ao sedimento.
Os resultados de fósforo mostraram que os ambientes estudados são bem diferentes. O fósforo
total (PT) é composto pelo fósforo particulado (PP) e pelo fósforo total dissolvido (PTD). Em
Gargalheiras, a fração de PT predominante é o PP, já que Cruzeta, predomina o PTD (figura 6). O
PTD por sua vez, é composto pelo fósforo orgânico dissolvido (POD) e pelo fósforo reativo solúvel
(FRS). Em Gargalheiras, há uma maior quantidade do POD, já em Cruzeta, do FRS (figura 7).
A concentração de sólidos suspensos não mostraram um padrão nos dois reservatórios (figura
8). O reservatório Gargalheiras apresentou uma quantidade maior de sólidos suspensos orgânicos
(SSO) em 71% dos meses analisados. Enquanto Cruzeta apresentou maior quantidade de sólidos
suspensos inorgânicos (SSI) em 64% dos meses.
A concentração de clorofila-a foi superior em Gargalheiras na maior parte dos meses
analisados, (Figura 8). Porém ambos apresentaram valores superiores ao limite considerado
eutrófico (15 μg.L-1), de acordo com Thornton & Rast (1993).
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Figura 6. Perfis de Fósforo Total (PT), Fósforo Total Dissolvido, Fósforo Particulado (PP), Fósforo
Orgânico Dissolvido (POD) e Fósforo Reativo Solúvel (FRS) do reservatório Cruzeta no período de
maio de 2015 a junho de 2016.
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Figura 7. Fósforo Total (PT) relativo para Gargalheiras e Cruzeta, composto pelas frações de
Fósforo Particulado (PP) e o Fósforo Total Dissolvido (PTD); e Fósforo Total Dissolvido (PTD)
relativo, composto pelas frações de Fósforo Reativo Solúvel (FRS) e Fósforo Orgânico Dissolvido
(POD).
Figura 8. Concentração de Sólidos Suspensos Inorgânicos (SSI) e Orgânicos (SSO) e Clorofila-a
(Chl-a) nos reservatórios Gargalherias e Cruzeta.
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4. Discussão
Nossos resultados mostraram uma elevada concentração de P em toda a coluna d’água durante
todo o período estudado, para ambos reservatórios. Contudo, não foi observado um indício da
contribuição do P oriundo do sedimento uma vez que não foi verificado maiores concentrações de
fósforo dissolvido na camada de água acima do sedimento.
O modelo clássico de liberação de fósforo do sedimento ocorre com a redução e dissolução de
hidróxido de ferro quando a superfície do sedimento encontra-se em anoxia (Amirbahman et al.,
2003). Observando os perfis de OD, constatamos que Gargalherias apresentou anoxia em vários
meses, enquanto que o reservatório Cruzeta apresentou hipoxia em alguns momentos. Durante os
períodos de anoxia em Gargalheiras, não foram registrados maiore valores de FRS, a forma de
fósforo mais biodisponível e mais móvel, no hipolímnio, o que poderia indicar liberação deste
nutriente pelo sedimento. Contudo, com a diminuição da profundidade do reservatório, foi
observado um aumento da concentração de P em toda a coluna d’água.
Entretanto, os sedimentos de lagos rasos podem liberar fósforo em condições óxicas, através
da ressuspensão do sedimento pelo vento (Boström et al., 1982; Jensen et al., 1992; Jeppesen, et al.
1997; Søndergaard et al., 2003). Este processo pode então ter contribuído para o aumento das
concentrações de P durantes os períodos em que ambos reservatórios estavam com baixa
profundidade (< 2 m).
Os períodos de seca extrema causam grandes variações nos níveis d'água, o que pode causar
modificações nas características físicas, químicas e biológicas de ambientes aquátios (Jeppesen et
al., 2015; Moss et al., 2011). No semiárido do Rio Grande do Norte, onde localizam-se os
reservatórios estudados, a seca é considerada prolongada desde 2012.
A diminuição brusca no volume de ambos os reservatórios piorou muito a qualidade da água,
aumentando significativamente a quantidade de fósforo e, consequentemente, a biomassa algal
(Naselli-Flores, 2003). A principal entrada deste nutriente em ambientes aquáticos do semiárido se
dá por poluição difusa, chegando ao corpo hídrico por meio das chuvas (Oliveira, 2012; Medeiros,
2016). Em períodos de escassez de chuvas, não há entradas externas de nutrientes (Naselli-Flores,
2003), logo o aumento do fósforo na água é devido, principalmente, à quantidade de nutriente
autóctone que foi concentrada por causa da diminuição na volume de água (Volohonsky, Shaham,
& Gophen, 1992).
Durante o período analisado (de 2015 a 2016), foram registradas chuvas resultando no
aumento do volume dos reservatórios. Esse aumento de volume refletiu na diminuição das
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concentrações de fósforo, principalmente total, sólidos e clorofila-ɑ, sendo resultado da grande
entrada de água nos reservatórios oriunda das chuvas, proporcionando uma melhoria na qualidade
da água (Arreghini et al., 2005). Contudo, foi observado um aumento da proporção de FRS em
ambos os reservatórios, ressaltando a importância da chuva como fonte de entrada de nutrientes
para esses ambientes em decorrência da lixiviação da poluição difusa. Por isso a melhoria pode ser
momentânea, visto o que o altos valores de FRS associados com as elevadas temperaturas da região
podem favorecer o crescimento fitoplanctônico.
Os dados apresentados mostraram que os reservatórios Gargalheiras e Cruzeta são ambientes
bastante distintos quanto a sua composição das formas de P. Em Gargalherias encontramos a
predominância de sólidos orgânicos, além de valores maiores de clorofila, em grande parte do
período de estudo. Como consequência as formas de fósforo predominantes neste reservatório
foram o PP e o POD. Os menores valores de concentração de FRS no reservatório de Gargalheiras
foram encontrados nos períodos de maior concentração de biomassa algal. Esta relação é explicada
pela rápida captura do FRS pelo fitoplâncton (Reynolds, 2006).
O reservatório Cruzeta teve um comportamento singular para os reservatórios do semiárido. A
predominância de sólidos inorgânicos nesse reservatório propiciou uma elevada turbidez. Este fato
pode ser causado pela ressuspensão do sedimento através da ação dos ventos, já que o mesmo
reservatório apresentou baixas profundidades (< 2,5 m) durante todo o período do estudo. Uma
menor disponibilidade de luz na coluna d’água pode levar a inibição do crescimento
fitoplanctônico, como reportado em outros estudos no semiárido brasileiro (Medeiros et al., 2015;
Braga et al., 2015). Como resultado, o reservatório Cruzeta apresentou menores valores de
clorofila, apesar das altas concentração de FRS, em comparação com o reservatório Gargalheiras.
Em um estudo realizado no lago Vest Stadil Fjord, na Dinamarca, durante 7 dias variando a
velocidade do vento, verificou-se os maiores valores de sólidos suspensos e fósforo total na água,
evidenciando que a ressuspensão e o aumento de fósforo na água podem ter relação (Søndergaard et
al., 2003). Este é um fator que pode ter influenciado os valores elevados durante os meses mais
secos (menos profundos) em ambos os reservatórios. Os valores de sólidos também são condizentes
com essa situação. Em ambos os reservatórios aumentaram tanto os sólidos orgânicos quanto os
inorgânicos nos meses mais rasos, nos quais o vento conseguiu misturar mais a coluna dágua e
chegar até o sedimento, podendo indicar a ressuspensão desse e provavelmente maior liberação de
fósforo. Em Cruzeta, como mencionado anteriormente, essa situação foi observada durante todo o
período analisado, por causa de sua baixa profundidade.
Em abril e maio de 2016, a coluna d’água de Gargalherias estratificou termicamente. Isso
porque com as chuvas elevadas em março e abril, houve uma grande entrada de água, a qual estava
com um termperatura superior a da água do reservatório. Isso fez com que a coluna d’água não
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fosse misturada. Os dados de fósforo de Gargalheiras podem comprovar isso: os maiores valores de
P verificados no fundo não representam liberação do sedimento, mas sim, a camada de água que
estava superficial no mês anterior às chuvas, e que apenas foi sobreposta pela camada de água nova.
A hipótese deste trabalho era de que os altos valores de P na água, durante períodos de
escassez hídrica, podem ser resultado não apenas da concentração de nutrientes, mas também da
alta liberação do sedimento. Entretanto, a distribuição vertical de P na coluna d’água não é
suficiente para verificar se está havendo liberação ou ainda qual o potencial do sedimento de liberar
P. É necessário conhecer o comportamento do fluxo de P liberado de acordo com as variáveis
ambientais, bem como qual a composição e os tipos de fósforo existentes no sedimento, afim de
verificar os mecanismos e variáveis que mais influenciam na liberação. Essas informações darão
suporte para planos de restauração dos ambientes estudados, assim como as quantidades e os tipos
predominantes de fósforo na coluna d’água, aqui apresentados, também são importantes.
Referências
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