Post on 21-Oct-2019
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO SERIDÓ
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS
CAMPUS DE CURRAIS NOVOS
PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU MESTRADO PROFISSIONAL EM LETRAS
FRANCISCA ALDENORA MORENO FERNANDES
IMPACTOS DE PRÁTICAS DE LETRAMENTO ESCOLAR NA ESCRITA DE ALUNOS DO ENSINO FUNDAMENTAL DA EDUCAÇÃO
DE JOVENS E ADULTOS - EJA
Currais Novos – RN 2015
FRANCISCA ALDENORA MORENO FERNANDES
IMPACTOS DE PRÁTICAS DE LETRAMENTO ESCOLAR NA ESCRITA DE ALUNOS DO ENSINO FUNDAMENTAL DA EDUCAÇÃO
DE JOVENS E ADULTOS - EJA
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Mestrado Profissional em Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como exigência para a obtenção do título de mestre em Letras. Área de concentração: Letramento e Linguagens Orientadora: Profa. Dra. Ana Maria de Oliveira Paz
Currais Novos – RN 2015
FRANCISCA ALDENORA MORENO FERNANDES
IMPACTOS DE PRÁTICAS DE LETRAMENTO ESCOLAR NA ESCRITA DE ALUNOS DO ENSINO FUNDAMENTAL DA EDUCAÇÃO
DE JOVENS E ADULTOS - EJA
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Mestrado Profissional em Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como exigência para obtenção do título de mestre em Letras. Área de concentração: Letramento e Linguagens Orientadora: Profa. Dra. Ana Maria de Oliveira Paz
Aprovado em ______/_______/________
BANCA EXAMINDORA
______________________________________________________________________ Profa. Dra. Ana Maria de Oliveira Paz - UFRN
Orientadora
______________________________________________________________________ Profa. Dra. Risoleide Rosa Freire de Oliveira - UERN
Examinadora Externa
______________________________________________________________________ Prof. Dr. Mário Lourenço de Medeiros - UFRN
Examinador Interno
Dedico ao meu Deus,
Mestre dos mestres,
Rei dos reis, Senhor dos senhores
A quem tributo toda honra, glória,
louvor e adoração.
AGRADECIMENTOS
Ao Senhor, que com sua destra fiel tem me conduzido em toda a trajetória e
cumprido suas promessas na minha vida: a Ele, todo meu louvor e adoração.
Aos meus pais, José Moreno e Maria das Graças que, de uma grandeza e
dedicação imensurável, estiveram presentes em todos os momentos da minha vida,
sobretudo nos mais difíceis, dividindo sorrisos, celebrando vitórias e enxugando
minhas lágrimas;
Ao meu esposo Fausto e filhos, Fagner, Adelgise e Allan que,
incondicionalmente, se doaram e me sustentaram em oração durante a realização
de mais este projeto: deles recebi compreensão, carinho, atenção e muita tolerância.
Aos meus dois irmãos, quatro irmãs e demais familiares, cuja distância não é
capaz de nos fazer menos unidos: sei que a recíproca é verdadeira.
Aos muitos amigos, os que já tinha, entre eles Gelvania Batista, Daguia
Rocha e Aparecida Evangelista, e àqueles que, por sua infinita graça, o Senhor me
acrescentou nesses tempos de mestrado, os quais estiveram me animando nas
lutas, celebraram comigo as conquistas e emprestaram os ombros durante as
inúmeras vezes em que me senti fragilizada.
Aos amados irmãos em Cristo, anjos do Senhor, que me cobriram com suas
orações, levando ao trono do Altíssimo meus sonhos e lutas, fortalecendo-me
espiritualmente nos momentos difíceis em que a aflição se fizera presente.
Aos mestres, entre os quais destaco minha orientadora Profa. Dra. Ana
Maria de Oliveira Paz, a mais pura gratidão, respeito e admiração pelos inúmeros
aprendizados, sem a mediação dos quais seria praticamente impossível consolidar e
construir conhecimentos.
Aos meus alunos, especialmente àqueles que aceitaram o desafio de se
aventurar neste projeto de vivenciar experiências escritoras, dizer obrigado é muito
pouco, os levarei sempre em minhas memórias.
Aos colegas de profissão e de trabalho, sinto-me igualmente lisonjeada e
grata pela torcida.
Finalmente, e não menos importante, meus agradecimentos se estendem a
todos que, de alguma forma, colaboraram para que o Profletras fosse essa porta
alargada para a formação de professores pesquisadores.
“ Recebei o meu ensino, e não a prata,
preferi o conhecimento, antes do ouro puro.
Porquanto, melhor é a sabedoria do que as
mais finas joias, e de tudo o que se possa
ambicionar, absolutamente nada se compara
a ela! “
Provérbios 8:10-11
“ Escrever é afirmar uma vida. Isso porque
há sempre, atravessando uma escrita, uma
vida sendo afirmada (e muitas outras
negadas), seja qual for seu tema e propósito.
Não há como separar a vida da escrita. ”
(Walter Omar Kohan)
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Esquema de sequência didática ............................................................... 41
Figura 2 - Esquema de sequência didática 2 ............................................................ 57
Figura 3 - Sequência para o ensino do gênero crônica ............................................. 58
Figura 4 - Caderno para práticas escritoras .............................................................. 62
Figura 5 - Produção coletiva de ofício ....................................................................... 64
Figura 6 - Momentos na praça .................................................................................. 65
Figura 7 - Texto para reescrita coletiva ..................................................................... 68
Figura 8 - Texto revisado coletivamente ................................................................... 69
Figura 9 - Em poucas palavras... ............................................................................... 70
Figura 10 - Produção coletiva do convite .................................................................. 74
Figura 11 - Convite enviado com a assinatura dos alunos ........................................ 74
Figura 12 - Elaborando as questões para a entrevista .............................................. 75
Figura 13 - Digitando as perguntas ........................................................................... 75
Figura 14 - Roda de conversa: boas-vindas .............................................................. 79
Figura 15 - Vivenciando a roda de conversa ............................................................. 80
Figura 16 - Momento de autógrafos .......................................................................... 81
Figura 17 - Agradecimentos finais ............................................................................. 81
Figura 18 - Encontro pós roda de conversa .............................................................. 82
Figura 19 - Planejando a escrita ................................................................................ 84
Figura 20 - Planejando o título .................................................................................. 85
Figura 21 - Organizando as ideias ............................................................................ 86
Figura 22 - Primeira revisão da crônica ..................................................................... 87
Figura 23 - Versão final para publicação ................................................................... 88
Figura 24 - Produção inicial de Beta ....................................................................... 103
Figura 25 - Atividade de reescrita de Beta .............................................................. 105
Figura 26 - Produção inicial de Órion ...................................................................... 106
Figura 27 - Atividade de reescrita de Órion ............................................................. 108
Figura 28 - Produção inicial de Wei ......................................................................... 109
Figura 30 - Atividade de reescrita de Wei ............................................................... 110
Figura 31 - Produção inicial de Ain .......................................................................... 111
Figura 32 - Atividade de reescrita de Ain ................................................................ 113
Figura 33 - Produção inicial de Delta ................................................................... 115
Figura 34 - Atividade de reescrita de Delta ............................................................. 117
Figura 35 - Produção inicial de Alya ........................................................................ 118
Figura 36 - Produção inicial de Sirius ...................................................................... 120
Figura 37 - Produção final de Beta .......................................................................... 123
Figura 38 - Produção final de Órios ......................................................................... 125
Figura 39 - Produção final de Wei ........................................................................... 127
Figura 40 - Produção final de Ain ............................................................................ 128
Figura 41 - Produção final de Delta ......................................................................... 130
Figura 42 - Produção final de Alya .......................................................................... 131
Figura 43 - Produção final de Sirius ........................................................................ 133
LISTA DE TABELAS
Tabela 1- Quadro de matrícula .................................................................................. 98
Tabela 2 - Participação na 1ª produção .................................................................... 98
Tabela 3 - Alunos participantes na produção inicial e produção final ........................ 99
Tabela 4 - Alunos participantes no início e no fim da pesquisa ................................. 99
RESUMO
Após a década de 80, as questões em torno do Letramento têm sido amplamente discutidas no Brasil, provocando inúmeras reflexões em torno do processo da leitura e da escrita nas diversas situações. A escola, por sua vez, na qualidade de agência de letramento, tem sido desafiada a rever conceitos e ações voltadas para o processo de ensino da língua materna, de modo que o aluno perceba a função social da língua e participe das situações comunicativas de maneira satisfatória. Visando a contribuir para o aprimoramento do letramento do aluno, este trabalho objetiva analisar as implicações de práticas de letramento escolar na escrita de alunos jovens e adultos do Ensino Fundamental, a partir da utilização de sequência didática para o ensino do gênero crônica. A intervenção tem como público alvo uma turma do Ensino Fundamental, de uma escola estadual de Educação de Jovens e Adultos, localizada na área urbana do município de Currais Novos/RN. Metodologicamente, trata-se de uma pesquisa-ação, (BOGDAN e BIKLEN,1994); (GRESSLER,2003), que se fundamenta nas orientações da abordagem de dados qualitativos, (MOREIRA e CALEFFE, 2006) e (STAKE, 2011). Em termos teóricos, a pesquisa proposta tem como embasamentos aportes dos Estudos de Letramento (KLEIMAN 1995; 1999; OLIVEIRA, 2011; ROJO, 2009), subsídios da Teoria dos Gêneros (BRONCKART, 2003; 2006; MARCUSCHI, 2008) bem como suporte dos estudos que versam sobre a sequência didática e a formação docente (DOLZ; SCHNEUWLY; NOVERRAZ, 2013; FREIRE, 2006; PASSARELLI, 2012). A pesquisa evidenciou maior participação e autonomia dos alunos nas atividades de leitura e de escrita, e a compreensão de que a atividade escritora contempla estágios que requerem esforço, cujas práticas recorrentes tornam o sujeito mais proficiente em seus usos. Percebeu-se ainda que os alunos sentiram-se mais encorajados a usar a escrita para expressar e defender seus próprios interesses. PALAVRAS-CHAVE: Letramento. Sequência Didática. Crônica.
ABSTRACT
After the 80s, the issues around literacy have been widely discussed in Brazil, causing numerous reflections around the reading and writing process in different situations. The school, in turn, being the of literacy agency, has been challenged to review concepts and actions for mother tongue teaching process, so that students realize the social function of language and participate in communicative situations so satisfactory. To contribute to the improvement of student literacy, this paper aims to analyze the implications of school literacy practices of writing of students young and adults of Elementary School, as of the use of didactic sequence to the teaching of the chronic gender. The intervention's target audience is a group of Elementary School, a state school of Youth and Adult Education, located in the urban area of the municipality of Currais Novos / RN. Methodologically, it is an action research (BOGDAN and BIKLEN, 1994); (GRESLLER, 2003), that is based on qualitative data approach guidelines, (MOREIRA and CALEFFE, 2006) and (STAKE, 2011). Theoretically, the research proposal is emplacements contributions of Literacy Studies (KLEIMAN 1995; 1999; OLIVEIRA, 2011; ROJO, 2009), the Gender Theory of subsidies (BRONCKART, 2003; 2006; MARCUSCHI 2008) as well as support of the studies that deal with the teaching sequence and teacher training (DOLZ; SCHNEUWLY; NOVERRAZ, 2013; FREIRE, 2006; PASSARELLI, 2012). The research showed greater participation of students in reading and writing activities, and the understanding that the writer activity includes stages that require effort, whose recurring practices make the subject more proficient in their use. Also realized that students felt more encouraged to use writing to express and defend their own interests. KEYWORDS: Literacy. Didactic sequence. Chronic.
SUMÁRIO
CONSIDERAÇÕES INICIAIS .................................................................................... 12
1 FUNDAMENTOS QUE DISCUTEM O ENSINO E OS USOS DA LÍNGUA NA
EDUCAÇÃO BRASILEIRA ....................................................................................... 18
1.1 EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NO BRASIL: UM HISTÓRICO DE LUTAS ....... 18
1.2 PERCURSOS DE LETRAMENTO ............................................................................................ 22
1.2.1 Perspectivas do letramento como prática social.................................................... 23
1.2.2 Eventos e práticas de letramento ............................................................................ 26
1.2.3 Letramento escolar: implicações para o ensino de língua materna...................... 27
1.3 CONCEPÇÃO INTERACIONISTA SOCIODISCURSIVA E O ENSINO DE GÊNEROS . 30
1.4 O ENSINO DO GÊNERO CRÔNICA PARA A PRÁTICA DE PRODUÇÃO TEXTUAL NA
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS - EJA .............................................................................. 34
1.5 SEQUÊNCIA DIDÁTICA E OS GÊNEROS TEXTUAIS NO ENSINO FUNDAMENTAL –
MODALIDADE EJA ............................................................................................................................ 39
2 ASPECTOS METODOLÓGICOS QUE NORTEIAM E SUSTENTAM A PESQUISA
.................................................................................................................................. 44
2.1 ABORDAGEM DE DADOS DA PESQUISA ............................................................................ 45
2.2 TIPO DE PESQUISA ................................................................................................................... 47
2.3 COLABORADORES .................................................................................................................... 47
2.4 CENÁRIO DA PESQUISA .......................................................................................................... 50
2.5 INSTRUMENTAIS DE GERAÇÃO DE DADOS ...................................................................... 51
2.5.1 Observação ............................................................................................................... 52
2.5.2 Questionário .............................................................................................................. 52
2.5.3 Entrevista .................................................................................................................. 53
2.5.4 Rodas de conversa .................................................................................................................. 54
2.5.5 Notas de campo ........................................................................................................ 55
2.5.6 Fotografia .................................................................................................................. 55
3 APLICAÇÃO DE SEQUÊNCIA DIDÁTICA: TRABALHANDO O GÊNERO
CRÔNICA EM SALA DE AULA ................................................................................ 57
3.1 APRESENTAÇÃO DA SITUAÇÃO DE COMUNICAÇÃO ..................................................... 58
3.2 MÓDULO 1 : APRESENTAÇÃO DO GÊNERO ...................................................................... 60
3.2.1 Estabelecendo o primeiro contato com o gênero................................................... 60
3.2.2 Caderno de crônicas ................................................................................................. 62
3.2.3 Circuito leitor: com a mão nas crônicas ................................................................. 63
3.3 PRODUÇÃO INICIAL: CRÔNICAS NA PRAÇA ..................................................................... 63
3.4 MÓDULO 2 - A NOTÍCIA E A CRÔNICA: ESTABELECENDO COMPARAÇÕES ........... 66
3.5 MÓDULO 3 - ESTUDO DAS PRINCIPAIS FIGURAS DE LINGUAGEM ............................ 67
3.6 MÓDULO 4 - PRATICANDO A REESCRITA TEXTUAL: UM OLHAR SOBRE O TEXTO
DO OUTRO ......................................................................................................................................... 68
3.7 MÓDULO 5 - EU, ESCRITOR ................................................................................................... 70
3.7.1 Em poucas palavras... reativando conhecimentos ................................................. 70
3.7.2 De olho na imagem ................................................................................................... 71
3.8 MÓDULO 6 – RODA DE CONVERSA: DIALOGANDO COM O ESCRITOR .................... 73
4 RODA DE CONVERSA COMO EVENTO DE LETRAMENTO PARA
PRODUÇÃO E REESCRITA TEXTUAL NA EJA ..................................................... 77
4.1. DESCRIÇÃO DO EVENTO “RODA DE CONVERSA” ......................................................... 77
4.2 PRODUÇÃO COLETIVA DA CRÔNICA .................................................................................. 82
4.3. ESCRITA PROCESSUAL: O TEXTO DO ALUNO COMO UNIDADE SIGNIFICATIVA DE
ENSINO ............................................................................................................................................... 89
5 CONSTITUIÇÃO DO CORPUS: ANÁLISES E REFLEXÕES ............................... 96
5.1 ANÁLISES DAS PRODUÇÕES COM VISTAS A ASPECTOS DE SUA CONSTRUÇÃO
............................................................................................................................................................. 102
5.1.1 Análise das produções de Beta ............................................................................. 103
5.1.2 Análise das produções de Órion .......................................................................... 106
5.1.3 Análise das produções de Wei .............................................................................. 109
5.1.4 Análise das produções de Ain .............................................................................. 111
5.1.5 Análise das produções de Delta ............................................................................ 115
5.1.6 Análise das produções de Alya ............................................................................. 118
5.1.7 Análise da produção de Sirius ............................................................................... 120
5.2 ANÁLISE DAS PRODUÇÕES FINAIS CONTEMPLANDO OS ASPECTOS GLOBAIS DA
CONSTRUÇÃO ................................................................................................................................ 121
5.2.1 Produção final de Beta ........................................................................................... 123
5.2.2 Produção final de Órios .................................................................................... 125
5.2.3 Produção final de Wei ............................................................................................. 127
5.2.4 Produção final de Ain ............................................................................................. 128
5.2.5 Produção final de Delta .......................................................................................... 130
5.2.6 Produção final de Alya .......................................................................................... 131
5.2.7 Produção final de Sirius ........................................................................................ 133
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 136
REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 141
APÊNDICE .............................................................................................................. 145
ANEXOS ................................................................................................................. 146
12
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Ao longo dos anos, a educação brasileira tem acumulado em seu currículo
um vasto histórico de exclusão e fracasso escolar e essa crise, como atesta
Schwartz (2012, p.34), tem como principais elementos motivadores os “equívocos
nas políticas governamentais, voltadas à educação”, a “negligência em relação ao
ensino fundamental” e o “descuido com a qualidade do ensino oferecido”, o que
constituem agravantes para o alcance de um aprendizado de qualidade ao término
dos Ensinos Fundamental e Médio, em que os alunos concluintes realizam
atividades leitoras frágeis e não dominam a linguagem matemática, gerando ainda
altos índices de reprovação, os quais não apenas são os maiores responsáveis pela
evasão escolar, como pelo baixo nível de ensino-aprendizagem.
O Decreto n° 6.094, de 24 de abril de 2007, que estabelecera o Plano de
Metas Compromisso Todos pela Educação, cuja proposta reunia esforços dos
governos Federal, do Distrito Federal, Estaduais e Municipais em regime de
colaboração com a sociedade civil buscava, a partir de metas preestabelecidas,
desenvolver um conjunto de ações que pudessem provocar melhorias na educação
brasileira. As metas definidas contemplavam, por exemplo, programas da ordem de
Gestão Educacional como o Plano de Desenvolvimento da Escola (PDE) e o
Programa de Dinheiro Direto na Escola (PDDE) que procuravam dar mais autonomia
às instituições de ensino, tornando-as mais participativas.
Essas metas incluíam também os programas de Formação de professores e
profissionais da educação, como o Programa de Formação Continuada Mídias na
Educação e o Programa Universidade Aberta do Brasil (UAB), de modo a dar
condições para o desenvolvimento de formação contínua frente às exigências de
superar os déficits que produzem os atuais índices educacionais brasileiros.
Nessa mesma direção, como parte do Plano de Metas Compromisso Todos
pela Educação, foram definidos programas de Infraestrutura de Apoio Educacional
como o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) o Programa Brasil Alfabetizado
(PBA) cujo objetivo era “Promover a superação do analfabetismo entre jovens com
15 anos ou mais, adultos e idosos e contribuir para a universalização do ensino
fundamental no Brasil” e o Programa Nacional de Informática na Escola (PROINFO).
13
No entanto, o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) de
2013, por exemplo, revela que o Brasil ainda está se organizando no Ensino
Fundamental. Esses índices mostram também que apenas nos anos iniciais da rede
pública houve uma pequena melhora, mas nos anos finais do Ensino Fundamental e
do Médio nenhum dos indicadores atingiram as metas previstas. É um cenário que
demonstra, a partir dos dados obtidos, duas tendências: um avanço lento na
qualidade da aprendizagem e o rebaixamento das médias a cada ciclo escolar.
Outros dados que chamam a atenção são os obtidos pelo Indicador de Alfabetismo
Funcional (INAF), que fornece informações sobre o nível de alfabetismo funcional da
população adulta brasileira, biênio 2011-2012.
Os números da pesquisa demonstram que nos dez anos que antecederam
esse período, apesar de o percentual de analfabetismo absoluto e da alfabetização
rudimentar ter diminuído e o nível básico de habilidades de leitura, escrita e
matemática terem apresentado um aumento de qualidade, proporcionalmente, o
grupo dos que atingiram um nível pleno de habilidades (26%) permanece com um
índice quase inalterado havendo, inclusive, um decréscimo em relação ao ano de
2007 em que se obteve 28%, considerado o maior índice, resultados esses
comprobatórios da ineficiência do Brasil na promoção de progressos visíveis no
alcance de habilidades que tornem o sujeito proficiente frente às novas demandas e
exigências da sociedade letrada.
Dessa forma, mesmo com diversas ações governamentais a partir da
implantação de políticas públicas voltadas para a diminuição das taxas de
reprovação nas séries iniciais, essas iniciativas além de não terem se mostrando
eficazes na oferta de um ensino de qualidade, não garantem a permanência escolar
dos jovens e adultos, de modo que esse percurso seja significativo e rico de
experiências, pois
essa população que conquistou o acesso, ainda não conquistou, entretanto, a escolaridade de mais longa duração. E isso significa outro tipo de fracasso e exclusão escolar, que se traduz pela reprovação, pela evasão e pelos poucos resultados em termos de aprendizagem, conhecimentos e letramentos que o ensino em geral tem alcançado no Brasil. Essa é a razão que justifica políticas públicas como a de ciclos e de progressão continuada, a de reserva de cotas, mas que são objetos de controvérsia na sociedade e na mídia, como indica, por exemplo, a terminologia pejorativa frequentemente usada de “aprovação automática”. (ROJO, 2009, p.28)
14
Nesse cenário, em que a palavra superação parece nortear todas as ações
que desencadeiam um processo de educação emancipatória, a Educação de Jovens
e Adultos (EJA), como denuncia Christofoli (2012, p. 11), “se caracteriza por uma
história construída à margem de políticas públicas, portanto marcada pela exclusão”
e, apesar do envolvimento de vários segmentos da sociedade como Organizações
não governamentais (ONG) e movimentos populares que acabaram por garantir de
forma expressiva o acesso dessa parte excluída da escola”, esta não tem
conseguido evidenciar resultados expressivos em relação ao aprendizado efetivo
dos alunos, aproveitando e ampliando os saberes construídos ao longo do período
em que, por circunstâncias diversas, se mantiveram afastados do cotidiano da sala
de aula.
Ainda segundo a autora, considerando que o Brasil é detentor de um dos
índices mais elevados de Analfabetismo na América Latina,
reverter esse quadro, mais que uma tarefa a ser cumprida, é um compromisso sociopolítico a ser assumido por aqueles que se dedicam à Educação. Ressalta-se, ainda, que a questão da expansão do atendimento na EJA, no Brasil contemporâneo, não envolve apenas as pessoas que frequentaram a escola, mas as que não realizaram aprendizagens suficientes para participar plenamente da cultura letrada do país, utilizando os conhecimentos construídos em seu cotidiano. (CHRISTOFOLI, 2012, p. 11)
Diante disso, o grande desafio da escola tem sido não somente combater o
analfabetismo, mas, sobretudo, ofertar uma educação que seja capaz de diminuir os
níveis baixos de alfabetismo e, concomitantemente, aumentar o nível de letramento.
Deverá, portanto, desenvolver uma proposta de ensino da língua materna com foco
nas práticas sociais da leitura e da escrita, de modo que o sujeito responda
“adequadamente às intensas demandas sociais pelo uso amplo e diferenciado da
leitura e da escrita” (SOARES, 2012, p. 20).
Quando se trata da EJA, a tarefa de ministrar o ensino para alunos que
estiveram afastados do contexto da educação formal, embora tenham construído
experiências de aprendizado em outros contextos socioculturais que, conscientes de
suas limitações, buscam sistematizar e ampliar esses saberes na instituição escolar,
esses desafios se tornam ainda maiores.
Nas experiências com esse público, é possível perceber que nem sempre
conseguimos nos preparar para receber, reinserir e convencer esse sujeito a
15
permanecer na escola, construindo situações de ensino-aprendizagem significativas
e úteis para seu cotidiano. Dessa forma, as experiências com práticas de leitura e
escrita têm se tornado, muitas vezes, tarefa árdua para alunos e alunas que não
percebem a função social da escrita, e para os próprios professores que não têm
alcançado muito êxito com suas proposições de produções escritas.
Essa realidade provocou alguns questionamentos, os quais motivaram a
pesquisa que tem como objeto de estudo a aplicação de sequência didática nas
práticas de escrita dos alunos do ensino fundamental, da modalidade EJA, em busca
de caminhos possíveis para a problemática das práticas escritoras desses discentes,
a saber:
i – Que iimpactos o letramento escolar pode causar nas práticas escritoras
dos alunos do ensino fundamental, modalidade EJA?
ii - Quais as implicações da aplicação de sequência didática para a
elaboração de textos escritos pelos alunos da EJA?
iii - Que situações de produção de texto podem ser vivenciadas pelos alunos
da EJA, a partir do estudo do gênero crônica?
O estudo tem, portanto, como objetivo geral analisar os impactos gerados
por práticas de letramento escolar na escrita de alunos do ensino fundamental, da
modalidade EJA, a partir da aplicação de sequência didática com o gênero crônica.
Com esse propósito, constituem-se objetivos específicos:
a) Vivenciar práticas de letramento escolar para elaboração do texto escrito.
b) Utilizar sequência didática para o ensino de gêneros.
c) Empregar o gênero textual como ferramenta de ensino-aprendizagem,
conforme os pressupostos do Interacionismo Sociodiscursivo (ISD).
Com base no exposto: a) conhecedores das inúmeras dificuldades presentes
na educação de jovens e adultos que refletem muito bem essa realidade de
exclusão; b) diante do anseio de práticas de ensino que melhorem os níveis de
letramento e da necessidade de ressignificar as práticas de leitura e escrita frente
aos novos desafios para o ensino-aprendizagem da língua materna; e c)
considerando ainda os estudos do letramento, propomos a realização de uma
intervenção pedagógica em que as práticas de leitura e escrita com função social se
presentifiquem e sejam ressignificadas no cotidiano de sala de aula.
16
Nesse sentido, a partir da proposta de letramento escolar que se delineia na
perspectiva do modelo ideológico1, tendo em vista o caráter institucional da escola,
considerada uma das principais agências de letramento, pôde-se observar de que
forma o desenvolvimento de sequência didática com os alunos da EJA incidiu sobre
as práticas de leitura e escrita em contextos intra e extraescolares.
A estrutura dessa dissertação compreende cinco capítulos. No primeiro
capítulo, a pesquisa é problematizada, de modo a situar as questões norteadoras,
apresentando os aportes teóricos que versam sobre o letramento, um breve relato
em relação à problemática da Educação de Jovens e Adultos, e uma abordagem
sucinta do Interacionismo Sociodiscusivo que sustenta a perspectiva do trabalho
com os gêneros textuais para o ensino da língua materna. Além disso, tecemos
algumas considerações sobre a crônica, bem como discorremos sobre a aplicação
da sequência didática para o ensino de gêneros, ancorando-a na concepção de
Schneuwly, Noverraz e Dolz (2013).
No segundo capítulo, são apresentados os aspectos teóricos e
metodológicos responsáveis por orientar os processos de levantamento e análise de
dados, e a linha de pesquisa, de modo que os objetivos traçados recebam o
tratamento necessário para o seu alcance. Nesse capítulo podemos também
conhecer o perfil dos colaboradores e do campo de pesquisa, de modo que
compreendamos melhor as circunstâncias em que os materiais foram gerados.
O terceiro capítulo versa sobre a aplicação da sequência didática e detalha
os módulos trabalhados para o desenvolvimento da intervenção com vistas ao
ensino do gênero crônica.
O quarto capítulo traz uma discussão em torno da Roda de Conversa e da
escrita colaborativa que permearam todas as atividades de elaboração de textos
escritos, imprescindíveis para a motivação dos alunos e ressignificação de suas
práticas escritoras.
No quinto capítulo, analisamos as produções textuais de modo a observar na
produção escrita dos alunos: problemas e dificuldades ocorridos durante o processo,
as respostas dos colaboradores diante dos desafios, seus avanços e, sobretudo,
1 Enquanto no modelo autônomo de Letramento, segundo Street (2014) são enfatizados os aspectos técnicos
da leitura e da escrita sem levar em conta o contexto social, no modelo ideológico defende-se que as práticas de leitura e escrita são resultantes de práticas sociais.
17
possíveis contribuições para o aprendizado e, consequente exercício autônomo e
proficiente da escrita.
A partir dessa proposta de trabalho com gêneros, orientada por práticas de
letramento escolar para o ensino de produção textual, esperamos observar de que
maneira o desenvolvimento de sequência didática com os alunos da Educação de
Jovens e Adultos (EJA) incide sobre as práticas de leitura e escrita em contextos
intra e extraescolares. Espera-se ainda, suscitar discussões, reflexões, e possíveis
encaminhamentos para posteriores intervenções que minimizem a problemática do
ensino-aprendizagem da língua materna, principalmente com foco na atividade
escritora voltada para os usos sociais da língua.
18
1 FUNDAMENTOS QUE DISCUTEM O ENSINO E OS USOS DA
LÍNGUA NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA
1.1 EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NO BRASIL: UM HISTÓRICO DE
LUTAS
No cenário da educação pública, sempre houve uma história de busca por
novas oportunidades de vida por parte dos indivíduos que buscam o ensino
sistematizado. Por meio da escolarização, os sujeitos têm procurado novos
significados que possam ser incorporados aos seus saberes, aos seus valores,
estejam no que se convencionou chamar de sistema regular de ensino, estejam na
educação de jovens e adultos, os denominados alunos fora de faixa etária.
Nessa perspectiva, os primeiros movimentos em prol da educação de jovens
e adultos surgem no contexto da educação brasileira como uma necessidade de
reintegração entre os povos, partindo do princípio de que assim se promoveria o
exercício da paz e da democracia. Diante desse processo de redemocratização,
após a ditadura de Vargas, a educação de jovens e adultos ganhou destaque dentro
da preocupação que norteava a universalização da educação elementar.
No entanto, apesar de essa modalidade de ensino, no final da década de
1950, ter como referência principal Paulo Freire – cuja pedagogia inspirara os
principais programas de alfabetização e educação popular do início de 1960 – e de
os anos seguintes terem sido de sucessivas conquistas, mesmo com as intensas
repressões após o golpe militar de 1964, a história da educação de jovens e adultos
chega ao novo milênio, reclamando ações que consolidem as reformulações
pedagógicas e sejam capazes de promover um ensino que atenda, de fato, às
necessidades e expectativas daqueles que se encontram excluídos da escola.
É certo que, desde o momento em que essa modalidade de ensino começou
a delimitar seu lugar na história da educação do país como atesta a Proposta
Curricular para a Educação de Jovens e Adultos, “a educação de jovens e adultos
vem se atualizando ante as novas exigências culturais e as novas teorias
pedagógicas” (BRASIL, 1999, p.13) tendo havido, portanto, uma preocupação por
parte dos estudiosos da educação em elaborar planos de ação que promovam a
volta e a permanência de jovens e adultos no sistema educacional de ensino.
19
Ao longo de sua trajetória, entretanto, essas ações têm conseguido alcançar
apenas parte de seu propósito que é trazer de volta à instituição escolar aqueles que
se encontravam, até então, afastados desse contexto de ensino sistematizado. São
pessoas que ainda veem na escola a possibilidade de inserção e participação mais
efetiva na sociedade letrada, como resultado dos conhecimentos construídos nesse
espaço institucionalizado.
Segunda Kruppa (1994), é, na busca por direitos interrompidos por um
processo de exclusão, afastamento e negação da instituição pública burocrática,
produtora de submissão, acomodação, medo e preconceito, que os jovens e adultos
tentam retornar ao sistema educacional, pois ainda confiam no poder de promoção
social da escola. No entanto, apesar da busca, por parte dos alunos, pela reinserção
no sistema escolar e por novos sentidos e novas práticas educativas, a realidade
tem mostrado que as práticas pedagógicas
não levaram em conta as contingências do processo educativo e, em particular, dos sujeitos envolvidos no processo, gerando transtornos e problemas a serem enfrentados com intervenções nem sempre adequadas, revestindo-se de um caráter exclusivamente classificatório. (LIMA, 2003, p. 42)
Desse modo, mesmo quando os professores se esforçam para corresponder
a esses anseios e se dispõem a realizar práticas educativas diferenciadas, os
resultados apresentados no final do processo não demonstram uma perspectiva real
de inclusão, de promoção, o que faz com que os jovens e adultos continuem não
obtendo êxito no aprendizado, frustrando-se em suas expectativas e investiduras
rumo à aquisição e consolidação do saber sistematizado. Torna-se, portanto,
necessário repensar, redefinir e experimentar as diversas possibilidades de
aprendizagem vivenciadas em sala de aula.
Nesse sentido, pode-se afirmar que a escola afasta-se da tarefa para a qual
foi criada em primeiro plano: a de preparar os alunos para o exercício pleno de sua
cidadania, oferecendo-lhes as condições necessárias para tornarem-se sujeitos-
agentes, capazes de manipular e transformar o conhecimento, de romper as cadeias
que os impedem de preparar-se para a construção do real, ressignificando o
conhecimento além das quatro paredes da escola.
Analisando essa trajetória em que a instituição escolar não tem conseguido
cumprir a tarefa de ensinar com qualidade, o que percebemos são estudantes sem
20
grandes estímulos que seguem apenas uma rotina de frequentar a escola, em que
alguns persistem na busca, pelo menos, do certificado de conclusão do ensino
fundamental e/ou médio. Outros, apesar de constantemente visitarem a escola e
realizarem matrícula no início do ano letivo, têm mantido a mesma rotina de
afastamento, se estabelecendo um quadro efetivo de evasão que só aumenta ano
após ano.
Sobre essa questão, Rodrigues (1991, p. 5) afirma que, “quando não se
coloca o centro da gravidade do ato educativo na educação do educando para a
vida, lança-se a vida fora do ato educativo”. Lançando-se a vida para fora do ato
educativo, entre outras implicações, o que se tem é um quadro contínuo e crescente
de reprovações e repetências em grande escala, e aprovações desvinculadas da
aprendizagem.
Dessa forma, sem ter muita escolha, os alunos acabam por acostumar-se
com esse tipo de “aprendizagem” e, consciente ou inconscientemente, adaptam-se,
moldam-se e sem nenhuma resistência aceitam passar pela escola e dela levar
apenas um certificado que, como herança, deu-lhe apenas o registro oficial de notas,
às quais são incapazes de intervir significativamente no cotidiano da vida presente,
seja pessoal, seja profissional, dentro ou fora dos muros da instituição escolar.
No contexto atual, o ensino voltado para a educação de jovens e adultos
ainda enfrenta grandes desafios para atender às demandas requeridas, o que
muitas vezes torna a tarefa árdua e desestimuladora, tendo em vista que os alunos
trazem em sua bagagem não apenas os conhecimentos construídos nos espaços
extraescolares, mas também um histórico de fracasso e de descrédito da própria
instituição que, na maioria dos casos, fora a maior responsável pelo afastamento
desses alunos.
O retorno para a escola, por vezes, é acompanhado de outros rótulos que
acabam servindo de justificativa para um novo ciclo de desistências, fracassos e
afastamentos da instituição, estando entre tais assertivas a de que jovens e adultos
não gostam de estudar, não conseguem ou querem aprender conteúdos de forma
diferente ou retornam às salas de aula apenas para terem sua certificação garantida.
Equivocadamente, muitas vezes acreditei nessa máxima e, talvez por isso, a tarefa
de ensiná-los acumulasse inúmeras frustrações ao longo de pouco mais de uma
década.
21
A realidade acima descrita é acrescida de outras situações típicas da EJA,
como a falta de formação para trabalhar com esse público específico, o que ocorre
porque a maioria dos professores migra do ensino regular para completar carga
horária, deparando-se com modalidades de ensino totalmente diferente das demais
com as quais costuma lidar, tendo de adequar práticas e currículos de ensino
utilizados para atender alunos do chamado “ensino regular”.
De fato, apesar das orientações contidas nos parâmetros e referenciais da
EJA, não conseguimos ainda estabelecer uma discussão mais profunda voltada para
a formação do docente, de modo a atender às especificidades desses alunos. Essa
situação vem sendo discutida exaustivamente por educadores e pesquisadores
dedicados à questão da aprendizagem, que investigam as causas e as relações
entre os fatos que norteiam o processo ensino-aprendizagem e têm se lançado na
busca de propostas pedagógicas diferenciadas e estratégias de ensino, capazes de
mostrar caminhos para a resolução dessa problemática que, a priori, passa por um
ensino com função social.
De acordo com o modelo da Andragogia de Paulo Freire (2006), o êxito no
aprendizado do público jovem e adulto justifica-se por uma prática que valorize as
experiências que o aluno traz, e pela oportunidade de acrescentar novos saberes,
em que a aprendizagem, e não o conteúdo, constitui-se no foco do processo de
ensino.
Considerando as peculiaridades dos alunos jovens e adultos que são
detentores de inúmeras experiências adquiridas ao longo de suas vivências
extraescolares, a compreensão da utilidade do que estão aprendendo,
principalmente quando o conteúdo tem aplicação prática na vida cotidiana, seja
pessoal seja profissional, torna-se um fator preponderante para o envolvimento com
práticas de ensino pautadas nessa perspectiva.
Desse modo, como princípio, a andragogia postula que, para alcançar êxito
com os alunos jovens e adultos, o trabalho do professor deverá ser permeado por
uma orientação contínua e individual para auxiliar no processo de compreensão dos
alunos, para que, a partir dessa orientação, eles possam aplicar na prática o que
aprenderam.
Nesse sentido, a proposta de letramento escolar pressupõe trabalhar o
conhecimento de forma significativa e com funcionalidade para a vida do aluno, de
modo que possa ressignificar os saberes construídos fora e dentro da instituição
22
escolar e, o que é mais importante, desenvolver um maior protagonismo nas
diversas situações do cotidiano, utilizando esses aprendizados para sua inserção
nos espaços extraescolares com autonomia.
1.2 PERCURSOS DE LETRAMENTO
O cenário da educação em meados dos anos de 1980 mobilizou a atenção
de estudiosos da educação e da linguística, diante do surgimento de um novo termo
que colocava em xeque a concepção de domínio da língua como sendo resultado da
codificação e decodificação de sinais linguísticos. Assim, o termo letramento
traduzido da palavra inglesa literacy passou a ser empregado para designar o
estado ou a condição daquele que é capaz de ler e escrever, incorporando práticas
sociais que requeressem seu uso nos diversos contextos da atividade humana.
Segundo Soares (2012, p. 17-18), está
implícita, nesse conceito está a ideia de que a escrita traz consequências sociais, culturais, politicas, econômicas, cognitivas, linguísticas, quer para o grupo social em que seja introduzida, quer para o indivíduo que aprenda a usá-la [...] Letramento é, pois, o resultado da ação de ensinar ou de aprender a ler e escrever: o estado ou a condição que adquire um grupo social ou um individuo como consequência de ter-se apropriado da escrita.
No entanto, a realidade da educação brasileira era muito diferente da que se
encontrava em países desenvolvidos como França, Inglaterra e Estados Unidos, que
não precisavam lidar com déficits de alfabetização, cuja preocupação ao incorporar o
uso de letramento centrava-se nos usos que os jovens faziam da leitura e da escrita,
no domínio dessas atividades, nas diversas situações de uso; enfim, em ampliar a
proficiência em função dessas novas demandas sociais de uso da leitura e da língua
escrita, de exercitar plenamente suas competências comunicativas.
A discussão sobre o letramento, no Brasil, provocava também essa reflexão
mais profunda em torno das práticas sociais da leitura e da escrita, reconhecendo a
linguagem como um processo dinâmico, cujos significados são construídos e
reconstruídos nos diversos espaços de vivências, de forma interativa; mas também
chamava a atenção para a grande problemática do analfabetismo.
„Desse modo, numa era tecnológica da comunicação em que o sujeito
depende cada vez mais dessa ferramenta para realizar tarefas corriqueiras que vão
23
desde o manuseio de um panfleto ao exercício de preencher um formulário, dentre
outras práticas, em que o contato com a escrita tem tomado proporções cada vez
maiores na vida das pessoas, mesmo quando não percebem essa demanda,
repensar novas formas de resolver essa problemática é um dos grandes objetivos
nesse cenário da educação brasileira.
1.2.1 Perspectivas do letramento como prática social
As inúmeras assertivas que remetem à definição do letramento ora têm
como foco a dimensão individual, dando ênfase a habilidades que envolvem desde a
decodificação das palavras escritas à compreensão dos textos escritos, ora
privilegiam a dimensão social, reconhecendo no letramento a ação mútua das
pessoas em um espaço determinado, socioculturalmente construído, em que ambas,
leitura e escrita, são concebidas como uma tecnologia que requer habilidades de
natureza linguística e psicológica, sem que estas se contraponham, mas, ao
contrário, se complementem.
Assim, enquanto as habilidades de leitura estendem-se da habilidade de decodificar palavras escritas a capacidade de entregar informações provenientes de diferentes textos, as habilidades de escrita estendem-se da habilidade de registrar unidades de som até a capacidade de transmitir significado de forma adequada a um setor potencial. (SOARES, 2012, p.69).
Considerar, portanto, somente as habilidades individuais de leitura e escrita
para definir o letramento não torna essa tarefa fácil, diante das inúmeras habilidades
cognitivas e metacognitivas requeridas pela leitura e pela escrita, bem como a
natureza heterogênea dessas habilidades aplicadas a gêneros diversos, por isso a
necessidade de recorrer à natureza social de letramento que, de igual modo, traz
interpretações consideradas conflitantes e mais uma subdivisão de ideias em torno
dessa dimensão: uma interpretação de ordem progressiva e outra de ordem
revolucionária.
Dentro da perspectiva progressista, “liberal”, das relações entre letramento e
sociedade, considerada por Soares (2012) como uma versão “fraca” dos atributos e
implicações,
24
as habilidades de leitura e de escrita não podem ser dissociadas de seus usos, das formas empíricas que elas realmente assumem na vida social [...] é definido em termos de habilidades necessárias para que o indivíduo funcione adequadamente em um contexto social vem daí o termo letramento funcional (ou alfabetização funcional)(SOARES, 2012, p.72).
Em contrapartida, as relações estabelecidas entre letramento e sociedade a
partir da vertente denominada revolucionária, nomeada como versão “forte” por
Soares (2012), fazem com que seus adeptos se recusem a ver o letramento pelo
viés da neutralidade “a ser usado nas práticas sociais quando exigido” afirmando,
sobretudo, que este
é essencialmente um conjunto de práticas socialmente construídas que envolvem a leitura e a escrita, geradas por processos sociais mais amplos, e responsáveis por reforçar ou questionar valores, tradições e formas de distribuição de poder presentes nos contextos sociais.(SOARES, 2012, p.75).
Nesse quadro que busca teorizar e atribuir significados ao letramento, Street
(2014) nomeou essas versões “fraca” e “forte”, respectivamente, como modelo
autônomo e ideológico. No primeiro modelo, os “expoentes estudavam o letramento
em seus aspectos técnicos, independentes do contexto social”, enquanto no modelo
ideológico, os pesquisadores viam “as práticas letradas como inextricavelmente
ligadas a estruturas culturais e de poder numa sociedade” (STREET, 2014, p. 172).
É nesse último que se reconhecem os múltiplos usos que podemos fazer da
atividade de ler e escrever, em contextos sociais diversos.
Street (2014) postula ser o modelo ideológico aquele que melhor atende aos
pressupostos do letramento, pois tem como cerne as práticas sociais que são
específicas da leitura e da escrita, de modo a enfatizar a importância “do processo
de socialização na construção do significado do letramento para os participantes”.
Nessa perspectiva, traz à tona e dá evidência a outras “instituições sociais gerais por
meio das quais esse processo se dá e não somente com as instituições
pedagógicas” (STREET, 2014, p.44).
Além de não existir um único lugar para a ocorrência do letramento, fica
evidente que não se pode postular a existência de um único modelo de letramento,
mas de práticas que variam no tempo e no espaço, atendendo às demandas sociais,
de modo que
25
as práticas de letramento, no plural, são social e culturalmente determinadas e como tal, os significados específicos que a escrita assume para um grupo social dependem dos contextos e instituições em que ela foi adquirida. Não pressupõe esse modelo, uma relação casual entre letramento e progresso ou civilização, ou modernidade, pois, ao invés de conceber um grande divisor entre grupos orais e letrados, ele pressupõe existência e investiga as características, de grandes áreas de interface ente práticas orais e práticas escritas (KLEIMAN,1995, p.21).
As discussões teóricas em torno do conceito plural de letramento
fundamentado por Street (2014), que amplia o significado atribuído ao letramento,
são retomadas também a partir das reflexões de Rojo (2009, p.102) ao citar
Hamilton (2002, p. 4) que distingue, e renomeia os letramentos dominantes em
letramentos institucionalizados e os letramentos locais em letramentos vernaculares,
“autogerados”, compreendendo-os como categorias que são interligadas, cuja
diferença se estabelece, sobretudo, pelo grau de formalidade quanto aos espaços
que se delineiam, pela menor ou maior valorização atribuída a estes, e ainda pelo
maior ou menor nível de empoderamento que os seus usos podem trazer aos
falantes.
Essa relação de interdependência está contida também nos pressupostos de
Street (2014, p. 172) segundo o qual se estabeleceu uma “falsa polaridade entre os
aspectos técnicos e culturais do letramento” por parte daqueles que se ocupavam de
estudar os aspectos técnicos do letramento, o modelo autônomo. Ainda segundo o
autor, o contrário do que se postulava nesse modelo de letramento, o modelo
ideológico
não tenta negar a habilidade técnica ou os aspectos cognitivos da leitura e da escrita, mas sim entende-los como encapsulados em todos culturais e em estruturas de poder. Nesse sentido, o modelo ideológico subsume, mas do que exclui, o trabalho empreendido dentro do modelo autônomo. (STREET, 2014, p. 172)
Tais concepções nos levam a reconhecer a existência “dos múltiplos
letramentos, que variam no tempo e no espaço, mas que também são contestados
nas relações de poder” (ROJO, 2009, p.102). Como o próprio Street defende, não
existe, portanto, um único letramento, mas vários letramentos construídos em grupos
sociais diversificados que ocorrem numa dinâmica casual corriqueira.
Nesse sentido, o que diferencia os letramentos dominantes dos letramentos
locais? Tendo suas bases firmadas em espaços institucionalizados como escolas,
26
locais de trabalho, comércios, igrejas, entre outros, os letramentos dominantes, por
conseguinte, requerem a ação direta de profissionais diversos e ferramentas que
tomem possível sua realização. Ainda segundo Rojo (2009, p.102), esses
letramentos dominantes, que ocorrem em organizações formais, preveem “agentes
que em relação ao conhecimento, são valorizados legal e culturalmente, são
poderosos na proporção do poder da sua instituição de origem”.
Em relação aos letramentos locais, estes não são de igual modo,
regularizados ou reconhecidos, tendo em vista estarem associados a culturas locais
e surgirem nas situações advindas da vida cotidiana. Talvez essa desvalorização
seja a razão pela qual “os novos estudos de letramentos têm se voltado, em
especial, para os letramentos locais ou vernaculares de maneira a dar conta da
heterogeneidade das práticas não valorizadas, e, portanto, pouco investigadas”.
(ROJO, 2009, p.105).
Essa percepção nos direciona para a construção e consolidação de um
percurso em torno de uma concepção de letramentos, prática plural, como resultado
de uma ação dos sujeitos enquanto coautores do processo de apropriação,
ampliação e compartilhamento de saberes que são constantemente revisitados e
revistados por seus agentes.
Desse modo, será o uso competente da leitura e da escrita que nos
proporcionará vivências capazes de modificar nossa percepção e relação com o
mundo letrado, tudo isso porque o letramento cobre uma vasta gama de
conhecimentos, habilidades, capacidades, valores, uso e funções sociais (SOARES,
2012, p.66).
1.2.2 Eventos e práticas de letramento
Partindo da concepção de letramento enquanto possibilidade de uso real e
contínuo da língua, os diversos usos sociais da leitura e da escrita se tornam
evidentes e notórios numa dinâmica de ações que, naturalmente, se complementam
sem que, na maioria das vezes, percebamos toda a complexidade desse fenômeno.
As situações “em que uma pessoa ou várias agem por meio da leitura e da
escrita” (OLIVEIRA; TINOCO; SANTOS, 2011, p. 21), objetivando a atender
demandas, são, portanto, denominadas eventos de letramento. Em outras palavras,
trata-se de “ocasiões em que se potencializa o ato de ler e escrever” sem que haja
27
“fragmentação, mas a complementação de ações” (OLIVEIRA; TINOCO; SANTOS,
2011, p. 21).
Em relação ao evento de letramento, Street (2012, p. 75) o evidencia do
ponto de vista da utilidade para capacitar “pesquisadores, e também praticantes, a
focalizar uma situação particular onde as coisas estão acontecendo, [podendo] vê-
las enquanto acontecem”. O termo prática de letramento, a partir da compreensão
acima, passa a ser usado de forma mais ampla para se “referir não só ao evento em
si, mas a concepções do processo de leitura e escrita que as pessoas sustêm
quando engajadas no evento”. (STREET, 2014 p. 147).
Para Kleiman (1995, p. 12), a prática de letramento se traduz em
um conjunto de atividades envolvendo a língua escrita para alcançar um determinado objetivo numa determinada situação, associadas aos saberes, às tecnologias e às competências necessárias para a sua realização... (como) assistir a aulas, enviar cartas, escrever diários.
A prática de letramento atribui, portanto, sentido às propostas de ensino,
tornando os alunos cientes da importância de sua ação para o alcance dos objetivos
propostos e, por conseguinte, coparticipantes do processo de ensino.
Nesse sentido, Oliveira, Tinoco e Santos (2011) afirmam “ser a situação
concreta o evento de letramento, do qual práticas de letramento emergem”. O evento
seria, portanto, o que Heath (1982, p. 93; apud STREET, 2012, p.74) caracteriza
como “qualquer ocasião em que um fragmento de escrita é integral a natureza das
interações entre os participantes e de seus processos interpretativos” enquanto as
práticas de letramento seriam, conforme estabelece Street (2012, p. 74), “modelos
sociais de letramento a que os participantes recorrem nos eventos que lhes dão
significados”.
1.2.3 Letramento escolar: implicações para o ensino de língua materna
O termo letramento, tão amplamente discutido, cujo significado primeiro
remete à capacidade de aprendizado da leitura e da escrita, hoje pluralizado quanto
às possibilidades de materialização, tem implícito em seu conceito “a ideia de que a
escrita traz consequências sociais, culturais, políticas, econômicas, cognitivas,
linguísticas, quer para o grupo social em que seja introduzida, quer para o indivíduo
28
que aprenda a usá-la [ou que consiga ampliar seus usos]”, conforme explica Soares
(2003, p. 17). Isso porque o uso consciente da escrita permite aos usuários circular
irrestritamente nas mais diversas esferas, possibilitando um maior grau de
participação, de envolvimento, como assegura a referida escritora, nas práticas
leitoras e escritoras.
Essa imersão no universo da escrita, no conhecimento dos múltiplos usos
que podemos e devemos fazer nas mais diversas situações requeridas, deve ser um
dos principais compromissos da escola que, reconhecidamente, é uma das
principais agências de letramento institucional em quase todas as sociedades,
embora não tenha conseguido cumprir plenamente seu papel, uma vez que o
letramento “é, pois o resultado da ação de ensinar ou de aprender a ler e a escrever:
o estado ou a condição que, adquire um grupo social ou indivíduo como
consequência de ter-se apropriado da escrita”. (SOARES, 2003, p. 18).
É na escola que o aluno poderá efetivamente aprender outros dialetos e
incorporá-los ao próprio dialeto, sendo consciente das situações em que mais se
adequará ao uso de um ou de outro. No entanto,
aprender o letramento não é simplesmente adquirir conteúdo, mas aprender um processo. Todo letramento é aprendido num contexto específico de um modo particular e as modalidades de aprendizagem, as relações sociais dos estudantes com o professor são modalidades de socialização e aculturação. (STREET, 2014, p. 154).
Essa compreensão justifica-se porque, na escola, as práticas de letramento
estão alicerçadas por uma concepção de letramento dominante, institucionalizado,
que tem como objetivo adequar o cidadão às exigências sociais, partindo do
princípio de que a escrita por si só, com experiências metalinguísticas, provocaria
mudanças que interfeririam na consciência, cognição e linguagem humana,
aumentando os níveis de alfabetismo.
Dentro do modelo de letramento que circunda e orienta as práticas
escolares, o modelo autônomo segundo Street (2014, p. 146) “tem sido um aspecto
dominante da teoria educacional”, ignorando-se que o fenômeno do letramento
“extrapola o mundo da escrita tal qual ele é concebido, pelas instituições que se
encarregam de introduzir formalmente os sujeitos no mundo da escrita” (KLEIMAN,
1995, p. 20), ocorrendo num continuum entre oralidade e escrita, sem que haja uma
29
forma definida, preestabelecida, para dar conta do fenômeno do uso da língua, em
qualquer esfera.
O que se observa ao longo dos anos é que a instituição escolar não
conseguiu transpor os muros dos currículos didáticos, de modo a desenvolver
propostas de ensino por meio das quais o sujeito amplie suas competências de uso
da língua. Desse modo, centrando o ensino na aquisição de um padrão de língua,
sem dar conta das demandas sociais,
a escola, a mais importante das agências de letramento, preocupa-se, não com o letramento, prática social, mas com apenas um tipo de prática de letramento, a alfabetização, o processo de aquisição de códigos (alfabético, numérico), processo geralmente percebido em termos de uma competência individual necessária para o sucesso e a promoção na escola . Já outras agências de letramento, como a família, a igreja, a rua como lugar de trabalho mostram orientações de letramento muito diferentes (KLEIMAN, 1995, p. 20)
Enquanto a escola, ignorando a realidade na qual o sujeito está inserido,
concentra seus esforços apenas em um aspecto da aprendizagem do aluno,
havendo o que Street (2014) denomina de “pedagogização do letramento”2, em que
o modelo autônomo é disseminado a partir de processos, procedimentos e papéis
sociais, e assimilado pelos indivíduos que “passam a conceituar o letramento como
um conjunto separado, reificado de competências „neutras‟, desvinculado do
contexto social” (STREET, 2014, p. 129).
Para desfazer o que, no mínimo, pode ser considerado um equívoco dessa
visão homogênea de manifestação da linguagem, tendo em vista que as práticas de
letramento não são exclusividade de uma instância social, mas de inúmeras
vivências que se diferenciam a partir do contexto social, torna-se necessário que
essas práticas não se configurem tão somente como resultado de uma ação
particular, cujas habilidades individuais recobririam esses usos, mas de ações
coletivas sobre a leitura e a escrita.
2 Street (2014) destaca alguns meios pelos quais se constrói e interioriza o modelo autônomo de letramento.
Como responsáveis pela pedagogização do letramento são citados, portanto: o “distanciamento entre língua e sujeitos” (a língua é tratada como uma coisa, distanciada da realidade do professor e do aluno, cujo esforço centra-se na imposição de regras e exigências externas aos usos); “as maneiras como os processos sociais de leitura e escrita são referenciados e lexicalizados dentro de uma voz pedagógica”; as maneiras como se confere status à leitura e à escrita em comparação com o discurso oral” e o estabelecimento de unidades e fronteiras para os elementos de uso da língua como se fossem neutros”, todos esses desconsiderando, portanto, o caráter heterogêneo que envolve os usos sociais da língua.
30
Como resolução para essa visão de letramento, Street (2014) propõe a
adesão ao modelo ideológico que considere a validade e a importância dos aspectos
técnicos e cognitivos da apreensão da leitura e da escrita – “decodificação,
correspondência som/forma e „dificuldades‟ de leitura” – sem deixar de levar em
conta o fato de que “esses aspectos de letramento estão sempre encaixados em
práticas sociais particulares” (STREET, 2014, p. 161).
Sobre a possibilidade de trabalho com a perspectiva de letramento
ideológico, “deve-se enfatizar a interação de boa qualidade entre educadores e
educandos, a experiência linguística em projetos extracurriculares, a aproximação
com a comunidade”, conforme propõe Magalhães (2012, p. 62), mantendo uma
atitude reflexiva sobre as demandas do ensino, a partir da qual assumamos um
papel ético e democrático frente à pluralidade de letramento e a multiplicidade
cultural que constitui a instituição escolar e a sociedade como um todo, conscientes
dos papéis a serem assumidos para a consolidação de um processo de educação
linguística cidadã.
1.3 CONCEPÇÃO INTERACIONISTA SOCIODISCURSIVA E O ENSINO DE
GÊNEROS
O uso competente da leitura e da escrita pode se operacionalizar a partir de
práticas de ensino com base na abordagem de gêneros, considerando que estes se
materializam a partir de práticas sociais situadas, que se consolidam nos processos
interativos, mediados pela ação de seus interlocutores.
Nesse sentido, não há como pensar no texto dissociado das condições
externas e contextuais que envolvem sua construção, por isso, os novos estudos
que defendem uma concepção de trabalho com gêneros textuais se caracterizam, a
princípio, por conceber o gênero como a materialização dos textos em construção,
nas diversas situações do cotidiano.
Esses textos, conforme Marcuschi (2008, p. 155),
apresentam padrões sociocomunicativos característicos definidos por composições funcionais, objetivos enunciativos e estilos concretamente realizados na integração de forças históricas, sociais, institucionais e técnicas. Em contraposição aos tipos, os gêneros são entidades empíricas em situações comunicativas e se expressam em designações diversas,
31
constituindo um princípio de listagens abertas [...]. Como tal, os gêneros são formas textuais escritas ou orais bastante estáveis, histórica e socialmente situadas.
Partindo dessa prerrogativa, a relação de uso e coexistência entre atividade
social e linguagem justifica a diversidade de gêneros e ao mesmo tempo explica a
dificuldade de defini-los e quantificá-los, pois cada atividade social tem sua
realização própria, características que a individualizam e, por vezes, é até
imprevisível quanto às ocorrências. Toda classificação ou agrupamento de gêneros
passa, portanto, pela avaliação da atividade comunicativa em que estiver inserido.
A compreensão do texto enquanto unidade comunicativa requer, portanto, o
reconhecimento de que a construção textual se realiza pela atuação consciente dos
sujeitos envolvidos na situação comunicativa. Requer, ainda, práticas de ensino que
levem em conta a função comunicativa e social dos textos, relacionando-os às
atividades humanas que se constroem nesses processos de interação.
Sobre o ensino de gêneros, Bazerman, Dionísio e Hoffnagel (2006) chama a
atenção para a ação pedagógica que centraliza suas preocupações no aprendizado
de formas linguísticas, sendo apenas uma pedagogia formal, e o consequente
abstracionismo desse ensino aplicado fora das situações de uso, com propósitos
apenas metalinguísticos.
Vários problemas são elencados pelo autor diante de ações pedagógicas
dessa natureza, entre eles a falta de motivação, o nível de atenção e compreensão,
“que surgem quando se tenta ensinar um assunto a alguém, sem considerar o
interesse, o envolvimento, a experiência e a atividade da pessoa” (BAZERMAN;
DIONÍSIO; HOFFNAGEL, 2006, p. 10), para realizar suas práticas discursivas.
Nesse sentido, o autor defende que o gênero precisa ser visto como uma
ação tipificada pela qual podemos tornar nossas intenções e sentidos inteligíveis para outros. Como resultado, gênero dá forma a nossas ações e intenções. É um meio de agência e não pode ser ensinado divorciado da ação e das situações dentro das quais aquelas ações são significativas e motivadoras. (BAZERMAN; DIONÍSIO; HOFFNAGEL, 2006, p. 10)
A utilização do gênero textual como ferramenta para alcançar objetivos
delineados a partir das intenções e necessidades sociais, inevitavelmente, fará o
sujeito compreender a língua como instrumento vivo, dinâmico, que se manifesta
cotidianamente. Dessa forma, com fins para o ensino da língua “o gênero pode ser
32
considerado como uma megaferramenta que fornece um suporte para a atividade
nas situações de comunicação e uma referência para os aprendizes” (NEVES, 2011,
p. 35).
Nesse sentido, o interacionismo sociodiscursivo, que se caracteriza pela
aplicabilidade ao ensino da língua materna e recorre à psicologia da linguagem e às
orientações dos princípios epistemológicos contidos no interacionismo social como
embasamento teórico, postula que
uma língua natural só pode ser apreendida através das produções verbais efetivas, que assumem aspectos muito diversos, principalmente por serem articuladas a situações comunicativas muito diferentes [...] e [...] embora toda língua natural pareça, de fato, estar baseada nas regras de um sistema, essas só podem ser identificadas e conceitualizadas por um processo de abstração-generalização, a partir das propriedades observáveis dos diversos textos em uma comunidade. (BRONCKART, 2012, p. 69)
Resultado de uma profunda reflexão sobre as diversas correntes que se
preocuparam em encontrar respostas que ajudem na compreensão das condutas
humanas, de modo a oferecer possíveis respostas sobre sua estrutura e
funcionamento social, e esclarecer as ocorrências do processo de ensino-
aprendizagem, o Interacionismo Sociodiscursivo (ISD) tem como tese central o
pressuposto de que “a ação constitui o resultado da apropriação, pelo organismo
humano, das propriedades da atividade social mediada pela linguagem”
(BRONCKART, 2012, p. 42).
A concepção do ISD parte, portanto, do pressuposto de que somente
através do uso da linguagem, a socialização entre os homens torna-se possível, e
que, muito mais do que uma necessidade pura e simplesmente de comunicação, a
linguagem norteia e promove o desenvolvimento das interações humanas.
Como possibilidade de compreender as realizações da linguagem o
interacionismo sociodiscursivo propõe que consideremos as ações humanas a partir
das dimensões sociais e discursivas que a constituem, tendo em vista:
a) a diversidade e complexidade das formas de organização e de atividade
que caracterizam a espécie humana;
b) o processo evolutivo que provém da necessidade emergente de
estabelecer uma comunicação particular, a partir do uso da linguagem, o que,
segundo Bronckart (2012, p. 31), “confere às organizações e atividades humanas
uma dimensão particular, que justifica que sejam chamadas de sociais, dessa vez,
33
no sentido estrito do termo”, tendo em vista aos usos diversificados da linguagem
para atender propósitos previamente definidos pelos interactantes.
Nesse interim, a ação de linguagem pode sofrer influência de
representações sociais, contexto próprio do agir humano a partir do qual a atividade
social é avaliada. Isso porque, segundo Bronckart (2012, p.33),
além do fato de ser constitutiva do psiquismo especificamente humano [...], a emergência do agir comunicativo é também constitutiva do social propriamente dito. Com efeito, na medida em que os signos cristalizam as pretensões à validade designativa, se estão disponíveis para cada um dos indivíduos particulares, eles também têm, necessariamente, devido a seu estatuto de formas negociadas, de uma dimensão transindividual, veiculando representações coletivas do meio, que se estruturam em configurações de conhecimentos.
O acúmulo desses conhecimentos produzidos coletivamente, de acordo com
por Popper (1972/1991) e Habermas (1987) citados por Bronckart (2012), é
chamado de mundos representados, sendo que Habermas (1987) classifica-os em:
mundo objetivo, social e subjetivo. Esses mundos formais podem ser definidos a
partir da incidência dos signos sobre o agir comunicativo dos seres humanos:
a) Mundo objetivo – os signos fazem referência, em primeiro plano, a
aspectos ligados ao meio físico, o que requer do coletivo, conhecimentos prévios do
ambiente.
b) Mundo social – os signos se relacionam às formas de cooperação
estabelecidas pelo grupo, que define a organização das tarefas.
c) Mundo subjetivo – resulta da incidência dos signos sobre as
características comportamentais que individualizam cada sujeito.
Dentro dessa proposta, ao tratar da relação entre ação e texto, Bronckart
(2012) reforça a existência da mediação que se estabelece entre essas duas
unidades que, segundo o autor, se constituem nas maiores unidades de análise,
sendo que o próprio texto funciona como mediador da ação de linguagem.
No que concerne à organização de um texto, de acordo com o autor, existem
três estratos que o constituem, partindo do princípio de que “todo texto é organizado
em três níveis superpostos e, em parte, interativos” (BRONCKART, 2012, p. 119)
constituindo, assim, o que denominou de “folhado textual”. Esses elementos
constitutivos do folhado textual são denominados: infraestrutura geral do texto,
mecanismos de textualização e mecanismos enunciativos.
34
A infraestrutura geral do texto, considerada como a camada mais profunda,
compreende o plano mais universal do texto, os tipos de discurso que podem se
materializar, as modalidades de articulação entre os discursos e pelas sequências
que ocasionalmente venham a surgir a partir desses usos. É nesse nível que se
encontra a construção do conteúdo temático de um escrito, o qual posteriormente é
notado pelo leitor, com possibilidade de ser compilado em uma síntese.
Em relação aos mecanismos de textualização - conexão, coesão nominal e
verbal - que constituem o estrato secundário, são imprescindíveis para que a
coerência temática seja garantida. Dessa forma, eles “explicitam as grandes
articulações hierárquicas, lógicas e/ou temporais do texto”, afirma Bronckart, (2012,
p.122).
Por fim, tendo em vista a compreensão do leitor, os mecanismos
enunciativos existem para a conservação da coerência pragmática de um folhado
textual. É nesse terceiro e último estrato que são explicitados os posicionamentos
enunciativos e as vozes presentes numa obra literária, cuja finalidade é orientar a
interpretação do texto por seus destinatários. Bronckart (2012) considera essa etapa
bastante complexa, justificando que isso ocorre porque o autor produz seu texto a
partir da interpretação de discursos anteriormente vivenciados.
Frente à problemática de ensino da língua e à necessidade de recorrer ao
uso de gêneros como prática de ensino que levasse em conta esse sujeito social,
que pratica ações semiotizadas, a partir das proposições contidas no interacionismo
sociodiscursivo, em que as atividades de linguagem são construídas em meio a
processos interativos, como “traços de condutas humanas socialmente
contextualizadas” (BRONCKART, 2012, p. 23), norteamos as estratégias
pedagógicas para o ensino de gêneros com os alunos do Ensino Fundamental da
Educação de Jovens e Adultos para que assim pudéssemos observar os impactos
dessas ações nas produções textuais dos discentes.
1.4 O ENSINO DO GÊNERO CRÔNICA PARA A PRÁTICA DE PRODUÇÃO
TEXTUAL NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS - EJA
O trabalho com gêneros na turma de Ensino Fundamental II da EJA se
configura numa ação metodológica preocupada em preparar os alunos para as
35
situações que requerem o uso da escrita, mediante: a concepção postulada pelo
Interacionismo Sociodiscursivo em que as práticas de linguagem são concebidas e
transformadas em atividades linguageiras, e as orientações para o desenvolvimento
de sequência didática em que o ensino de produção escrita tem como eixo central o
estudo de gêneros textuais.
A escolha da crônica se justifica pelo caráter cotidianístico do gênero e, bem
como pela possibilidade de tomar como ponto de partida para as práticas leitoras e
criadoras de texto, situações do cotidiano, de modo a estabelecer relações das
próprias vivências do grupo com o gênero abordado para práticas de escrita situada,
desenvolvendo a autoria de textos interessantes, elaborados para serem lidos e
apreciados por outros leitores.
Etimologicamente, a palavra crônica está associada ao termo grego
“chronikós”, significando tempo (chrónos), e ao latim “chronica(m)”. Quando surgiu, o
termo crônica fazia referência aos registros de acontecimentos históricos, relatos
feitos à medida que os fatos iam acontecendo, ou seja, em ordem cronológica; por
isso, “situada entre os anais e a História, limitava-se a registrar os eventos sem
aprofundar-lhes as causas ou tentar interpretá-los” (MOISÉS,1978, p. 245)
Registrar o circunstancial era a missão inicial desse gênero que, segundo
Jorge de Sá (1987), eternizou as impressões causadas nos colonizadores por
ocasião do reconhecimento das terras brasileiras, dando início à literatura brasileira.
A crônica, no entanto, foi além e “perdendo a extensão da carta de Caminha,
conservou a marca de registro circunstancial feito por um narrador-repórter que
relata um fato não mais a um só receptor privilegiado como el-rei D. Manuel, porém
a muitos leitores” (SÁ, 1987, p. 7).
Em relação à carta de Pero Vaz de Caminha ser a precursora da crônica no
Brasil, Soares (2014) discorda dessa assertiva, argumentando que o referido gênero
se configura como um registro diário em forma de carta, narrativas de viagem, ou
seja, na sua concepção:
a razão de discordância é bem simples: a Carta não pertence efetivamente ao gênero, nem se a encarássemos do ponto de vista dos relatos historiográficos tal como os praticados por Afonso Cerveira, Gomes, Gomes de Zurara ou Fernão Lopes, também conhecidos pela mesma designação de crônicas. (SOARES, 2014, p. 31)
36
O autor, a partir do exposto, associa a carta de Pero Vaz aos demais diários
de bordo em que os escrivães portugueses da época costumavam fazer para
registrar os fatos mais importantes ocorridos durante as viagens, tratando-se, assim,
de uma carta diário, própria da literatura portuguesa. Não sendo nossa pretensão
aprofundar a discussão em torno da questão, o certo é que, segundo Moisés (1978),
o caráter histórico da crônica se estendeu ao longo dos séculos e apenas no século
XIX passou a ter uma conotação literária, materializando-se em textos jornalísticos.
No cenário brasileiro, a crônica concentrou-se também, por volta do século
XIX, para o exercício de registro do cotidiano. Assim, de uma concepção que varia
do gênero jornalístico ao gênero literário, estabeleceu-se e pôde ser apreciada de
diversas formas: prosa, ensaios, narrativas, ora cômicas ora mais sérias, críticas,
sempre mantendo uma relação bem próxima com os acontecimentos do cotidiano,
de modo a conseguir dialogar com os mais diferentes tipos de leitores.
Desde o início, no Brasil, a crônica se manifestou nos espaços urbanos,
principalmente, em um determinado período no Rio de Janeiro. No entanto,
conforme Soares (2014, p. 21), “o vínculo entre a crônica e o espaço urbano diz
respeito ao meio de comunicação, revistas e jornais, principalmente diários, cuja
diretriz está voltada para o registro escrito do cotidiano da cidade”. Por isso, embora
o Rio de Janeiro fosse o principal referencial devido a maior concentração de
autores, jornais e editoras, esse gênero, esclarece o autor, se expandiu para outros
centros urbanos sendo, quanto à nacionalidade, sobretudo, um gênero
metropolitano, e não carioca.
Ainda em relação à nacionalidade, mais especificamente à influência
francesa, Soares (2014) afirma que assim como não é possível negar a matiz
jornalística da crônica, tampouco há como ignorar a origem francesa e que, “a
atribuição de um novo gênero à crônica, no cenário brasileiro, pode ser entendida
em sua perspectiva histórica: a versão brasileira, por assim dizer, e mais
propriamente moderna, seria uma modalidade nova do gênero”. Para reforçar o que
denomina de lugar comum dessa assertiva, “mera remissão generalizada à
historiografia literária”.
O autor afirma ainda que
tanto Candido quanto Bender e Laurito aludem a uma matiz europeia que não pode ser ignorada quando empregam o mesmo verbo „aclimatar‟, sugerindo o bom acolhimento, em solo cultural brasileiro, de forma
37
discursiva originalmente francesa. Nesse sentido, o que os autores sugerem, principalmente Candido, é que a partir de determinado momento histórico, a crônica apresentou características peculiares que a diferenciaria não só dos modelos europeus contemporâneos como, também, das realizações oitocentistas, delineando aquilo que passou a ser chamado de
„moderna crônica brasileira (SOARES, 2014, p.29).
Desse modo, fica esclarecido que apesar de se reconhecer a influência
europeia por ocasião do surgimento da crônica no Brasil, os autores não se
prenderam, nem mantiveram suas produções sob o referencial da cultura que dera
origem ao gênero, mas conseguiram se estabelecer e seguir
seu curso à revelia do desenvolvimento do contexto original europeu, restando-lhe apenas reagir a demandas preponderantemente nacionais. Nesses termos, a questão da nacionalidade da crônica é reforçada por perspectiva histórica mais propriamente diacrônica, que nos remete menos às influências externas do que internas: se a crônica brasileira não se nutriu do constante convívio com o que se produziu lá fora, ela acabou por manter uma linha evolutiva voltada para a sua própria trajetória de tal maneira que a pergunta de quem teria influenciado Ponte Preta, Nelson Rodrigues ou Mário de Andrade poderia muito bem ser respondida com os nomes de França Júnior, Machado de Assis ou João do Rio (SOARES, 2014, p. 31).
Coutinho (2004) lembra que a crônica brasileira teve como expositor
Francisco Otaviano de Oliveira Rosa, com publicações em folhetim no Jornal do
Commercio e no Correio Mercantil, ambos no Rio de Janeiro, entre os anos de 1852
e 1854, sendo Oliveira Rosa, segundo afirma Coutinho (2004), quem conseguiu
elevar o referido gênero “a mais alta categoria intelectual”.
Do ponto de vista de Soares (2014), Machado de Assis é o grande
responsável pela consolidação do gênero no país. Para o autor, uma das
características marcantes de suas crônicas, que as fazem se diferenciar dos demais
escritores reside em conseguir manter um distanciamento dos fatos, fazendo deles
material de reflexão, embora tivesse de participar dos diversos círculos da época e,
assim, tomar ciência dos acontecimentos que se configurariam na sua matéria-
prima.
Dessa forma,
logo numa situação muito próxima daquela que se encontra o anônimo leitor de jornal com o qual dialoga, o cronista machadiano dá novo contorno ao gênero, ao se afastar do rebuliço da vida mundana e ao manter com a crônica, na sua acepção de gênero histórico, uma proximidade relativa: por um lado Cronos permanece, contudo sujeito às contingências do cotidiano. (SOARES, 2014, p. 232).
38
Machado de Assis, reforça Soares (2014), conseguia distanciar-se das
cenas que dariam corpus às crônicas que escrevia, mantendo-se autônomo, crítico,
irônico e, por vezes, polêmico, problematizando os temas que tinha oportunidade de
abordar. É certo, que assim como Machado de Assis, outros escritores também
tiveram papel preponderante no fortalecimento da crônica no Brasil, embora não
seja, no momento, objetivo nosso aprofundar essa discussão.
Nesse contexto, é relevante ressaltar as características da crônica, entre às
quais, Moisés (1978) destaca aspectos, tais como:
a) Brevidade – pelo espaço destinado para publicação, é geralmente um texto
curto, incidindo diretamente nos outros aspectos que a identificam;
b) Subjetividade – pelo foco narrativo que centra-se sempre na primeira pessoa
do singular, mesmo quando o narrador não está diretamente participando,
mas, sobretudo por a cena ser construída sempre a partir de seu olhar;
c) Estilo híbrido – entre o coloquial e o literário, “direto, espontâneo, jornalístico,
de imediata apreensão” (MOISÉS,1978, p. 256)
Em relação a esse último aspecto, convém destacar que
o dialogismo, assim, equilibra o coloquial e o literário, permitindo que o lado espontâneo e sensível permaneça como o elemento provocador de outras visões do tema e subtemas que estão sendo tratados numa determinada crônica, tal como acontece em nossas conversas diárias e em nossas reflexões, quando também conversamos com um interlocutor que nada mais é do que o nosso outro lado, nossa outra metade, sempre numa determinada circunstância. (SÁ, 1987, p. 11)
Em meio às características elencadas, acreditamos que essa proximidade
com o dia-a-dia dos alunos, que podem perceber mais ainda nesse gênero textual a
relação dos fatos abordados com sua própria vida, seja um dos fatores facilitadores
para que concebam a escrita como algo próximo de sua realidade, possível de ser
utilizada e retextualizada a partir dos sentidos, das concepções e da visão de
mundo. Com essa finalidade, tendo em vista a proposta de ensino modular para o
ensino e aprendizado dos gêneros textuais de Dolz, Noverraz e Schneuwly (2013),
elaboramos uma sequência didática que pudesse ainda tornar esse processo mais
dinâmico.
39
1.5 SEQUÊNCIA DIDÁTICA E OS GÊNEROS TEXTUAIS NO ENSINO
FUNDAMENTAL – MODALIDADE EJA
Discutir o ensino da língua numa perspectiva que considere os usos sociais
e funcionalidade para as práticas de linguagem que acompanham o sujeito requer
definir ações teórico-metodológicas que repensem o ensino da escrita.
Compreendendo a importância dos gêneros para essa ação pedagógica, tomamos
como pressupostos as ideias contidas em Schneuwly, Noverraz e Dolz (2013), que
diante da verificação dos desafios presentes nas tentativas de utilização dos
gêneros para o desenvolvimento do ensino-aprendizagem desenvolveram uma
proposta metodológica de trabalho com sequência didática.
Os referidos autores defendem que a aplicação desse instrumental mostra-
se funcional para o ensino não só da escrita textual, como também na preparação
do aluno para expressar-se oralmente de forma adequada nas situações
comunicativas dentro ou fora da escola.
Nesse sentido, se propõem a “desenvolver a ideia de que o gênero é que é
utilizado como meio de articulação entre as práticas sociais e os objetos escolares,
mais particularmente no domínio do ensino da produção de textos orais e escritos”,
(SCHNEUWLY; NOVERRAZ; DOLZ, 2013, p. 61), em que a linguagem estará
mediando as situações comunicativas nos contextos sociais, sofrendo variações de
acordo com as vivências dos sujeitos.
Estudar o gênero e suas especificidades na esfera escolar, relacionando-os
às realizações de linguagem, efetivamente contribuirá não só para adequá-lo ao
momento oportuno de utilização como para tornar o sujeito autônomo e consciente
nas escolhas linguageiras, o que na prática não acontece.
Independente do contexto ou segmento de ensino, Schneuwly, Noverraz e
Dolz (2013) asseguram que nenhuma prerrogativa voltada para o ensino da língua
oral ou escrita tem dado conta de atender às expectativas de ensino de modo a
permitir o ensino da oralidade e da escrita a partir de um encaminhamento, a um só tempo, semelhante e diferenciado; propor uma concepção que englobe o conjunto da escolaridade obrigatória; centrar-se, de fato, nas dimensões textuais da expressão oral e escrita; oferecer material rico em textos de referência, escritos ou orais, nos quais os alunos possam inspirar-se para suas produções; ser modular, para permitir a diferenciação do ensino; favorecer a elaboração de projeto de classe. (SCHNEUWLY; NOVERRAZ; DOLZ, 2013, p. 81).
40
Os autores partem do pressuposto de que é possível, através da
modularidade, dar conta do ensino de gêneros e preencher essas lacunas de tal
forma que ao término de um ciclo de escolaridade os discentes consigam adequar
suas escolhas textuais às situações comunicativas. Dessa forma, propõem que, a
partir de sequências didáticas, os alunos tenham a oportunidade de vivenciar
práticas de linguagem diversas, principalmente aquelas que têm mais dificuldade de
acesso e domínio. Nesse sentido, esclarecem que
a perspectiva adotada nas sequências didáticas é uma perspectiva textual, o que [...] implica levar em conta os diferentes níveis do processo de elaboração de textos. É no nível da textualização, mais particularmente, que o trabalho conduzido nas sequências torna-se complementar a outras abordagens. Nesse nível, as sequências didáticas propõem numerosas atividades de observação, de manipulação e de análise de unidades linguísticas (SCHNEUWLY; NOVERRAZ; DOLZ, 2013, p. 96).
O trabalho sequenciado, portanto, tomando o gênero como ponto de partida
e de chegada, com finalidades previamente definidas, conhecidas por todos que
participarão ativamente de sua execução, garantirá a divisão de responsabilidades e
exigirá deles o papel de coautores nas práticas direcionadas de escrita e reescrita e
também na elaboração e divulgação do produto final. Consequentemente, essas
ações com e sobre o gênero incidirão no amadurecimento dos alunos para enxergar
a dinâmica que envolve o texto nas situações sociocomunicativas em que estão
inseridos cotidianamente.
Como procedimentos para possibilitar essas práticas de linguagem, para que
tenham melhores condições e maiores possibilidades em dominar os gêneros
textuais, adequando-os às situações de uso requeridas, a sequência didática se
organiza a partir de um esquema constituído pelos seguintes componentes:
apresentação da situação, realização da primeira produção, módulos e produção
final.
Essa estrutura pode ser observada no esquema proposto por Schneuwly,
Noverraz e Dolz (2013), que orienta as práticas de ensino de gêneros textuais numa
perspectiva de organização modular, norteando as produções textuais mediante
ações planejadas a partir do conhecimento prévio do respectivo gênero selecionado
para estudo, para ampliação e consolidação do aprendizado, compreendendo sua
estrutura e usos sociais.
41
Figura 1 - Esquema de sequência didática
Fonte: Dolz; Noverraz; Schneuwly (2013, p. 83)
Na apresentação da situação, o aluno toma conhecimento do projeto de
trabalho, do gênero e da modalidade que será explorada, oral ou escrita, sendo,
portanto, “o momento em que a turma constrói uma representação da situação de
comunicação e da atividade de linguagem a ser executada”, reforçam Schneuwly,
Noverraz e Dolz (2013, p. 84), o que os tornará cientes do caminho a se percorrer
até a produção final.
No primeiro contato com a proposta de trabalho, é imprescindível que toda a
situação comunicativa fique bem clara, além da definição do gênero a ser
trabalhado, que tanto pode ser decidido pelo grupo quanto pode ser sugerido pelo
professor, os possíveis destinatários para a produção definitiva, os participantes que
estarão engajados na elaboração do texto e ainda a forma de registro e de
divulgação da produção. Essa seria a primeira dimensão da apresentação da
situação.
Outra dimensão considerada igualmente relevante é a que trata dos
conteúdos dos textos a serem produzidos, de modo que os envolvidos no projeto
percebam a importância desses conteúdos, precisando aqueles com os quais irá
trabalhar para aprimorar a linguagem. Para esse fim, os autores sugerem a adoção
de projetos de classe, que podem ser parcialmente fictícios, tendo em vista o caráter
dinâmico e significativo das atividades das aprendizagens desenvolvidas nessa
perspectiva.
A fase seguinte da sequência didática, primeira produção, se configura numa
tentativa preliminar de representação oral ou escrita do gênero em estudo, através
da qual os alunos “revelam para si mesmos e para o professor as representações
42
que têm dessa atividade” (SCHNEUWLY; NOVERRAZ; DOLZ, 2013, p. 86) e tornam
mais evidente o que já conhecem do gênero abordado.
O primeiro registro individual em torno da situação de comunicação
previamente estabelecida tem sua importância definida pelo caráter regulador que
permitirá aos participantes perceberem o que já conhecem e as dificuldades que
ainda precisam superar para produzir textos que atendam as especificidades do
gênero. O professor também terá suas ações norteadas pelos textos elaborados, os
quais lhe darão maior precisão em relação à tomada de decisões para tratar das
dificuldades apresentadas e intervir adequadamente, individual e coletivamente,
para, no decorrer dos módulos, realizar atividades que contemplem cada capacidade
de linguagem a ser alcançada.
A sequência didática será norteada pela execução de módulos, etapa que se
caracteriza pelo trabalho com os problemas textuais que surgirem nessa primeira
produção, de forma que sejam oferecidos subsídios aos alunos para superarem e
solucionarem essas dificuldades.
Essa etapa compreenderá tantos módulos quantos sejam considerados
necessários ao alcance dos objetivos propostos para o trabalho com o gênero
selecionado. Trata-se, segundo os autores, de uma decomposição da produção
inicial, de modo a tornar perceptível que capacidades serão abordadas. Para tanto, o
professor realiza atividades e exercícios diversificados em torno das problemáticas
que comprometem a aprendizagem do gênero em estudo, realizando assim uma
avaliação formativa.
O retorno ao texto para acompanhar o aprendizado em decorrente das
vivências textuais, encerra a sequência didática. Trata-se da produção final em que
o aluno retorna à produção inicial para verificar quais intervenções serão
necessárias para que seu texto corresponda ao gênero textual estudado.
A importância da realização dessa etapa reside nos seguintes aspectos:
indica-lhe os objetivos a serem atingidos e dá-lhe, portanto, um controle sobre seu próprio processo de aprendizagem (O que aprendi? O que resta fazer?); serve de instrumento para regular e controlar seu próprio comportamento de produtor de textos, durante a revisão e a reescrita; permite-lhe avaliar os progressos realizados no domínio trabalhado (SCHNEUWLY; NOVERRAZ; DOLZ, 2013, p. 90).
43
As ações do aluno, nessa perspectiva, não são justificadas simplesmente
pela necessidade de dar respostas às exigências didáticas pedagógicas do
professor, mas pela consciência da utilidade do texto nas esferas sociais, precisando
se adequar a esses contextos de uso. Tais ações sobre a produção escrita
justificam-se ainda pela tomada de consciência dos sujeitos de que os progressos
requeridos na reelaboração do texto para adequar-se às situações em que será
utilizado, dependem de sua ação imediata.
A realização desse estágio, portanto, permitirá uma atitude mais crítica e
reflexiva do aluno em torno da própria escrita, decorrente do aprendizado construído
durante a aplicação dos módulos, tornando-se mais proficiente em relação ao
gênero e mais autônomo nas suas práticas escritoras.
Entretanto, apesar de a produção final se constituir na última etapa do
trabalho com sequência didática, isso não implica necessariamente o término das
intervenções para o aprendizado do gênero em questão, podendo ser um indicativo
da necessidade de novas ações para consolidação das lacunas que porventura
precisem ser preenchidas, se os objetivos estabelecidos nos módulos aplicados, e
na sequência didática como um todo, não tiverem sido devidamente alcançados.
Como prática de letramento, a circulação da produção final dentro e fora da
comunidade escolar dará maior visibilidade à prática da escrita com função social,
revestida de significado, resultante de práticas sociais que são um continuum na vida
dos sujeitos. Por isso, algumas produções foram selecionadas para publicação e
divulgação junto à comunidade escolar, aos familiares e amigos dos alunos
envolvidos na coletânea.
44
2 ASPECTOS METODOLÓGICOS QUE NORTEIAM E SUSTENTAM A
PESQUISA
Como metodologia de pesquisa, optamos pelo uso da pesquisa-ação, cuja
origem é atribuída por alguns pesquisadores a Kurt Lewin que a teria utilizado como
uma forma de superar condições adversas (CHIZZOTTI, 2013). Segundo essa
proposta o papel do pesquisador é de experimentador que, ao manter contato com
um determinado campo, terá a oportunidade de consolidar conhecimentos acerca
deste, auxiliando-o a intervir e modificar esse meio.
Além de evidenciar as inúmeras contribuições em torno dos significados e
atribuições da pesquisa-ação, Chizzotti (2013) classifica essa metodologia em quatro
tipos: pesquisa-ação tradicional de Lewin, pesquisa-ação contextual de Trist,
pesquisa-ação radical e pesquisa-ação educacional, que tem como apoio as ideias
conceituais de “Dewey que propunha o envolvimento dos educadores profissionais
na solução de problemas nas instituições escolares” (CHIZZOTTI, 2013, p. 85).
Nossa pesquisa parte, portanto, do entendimento dessa necessidade de
uma ação mais efetiva na tarefa de investigar as questões que envolvem o contexto
de sala de aula, de modo a engajar-se na busca de possíveis soluções para a
promoção de uma educação mais igualitária.
Reforçando nossa escolha pela pesquisa-ação, destacamos o que diz
Baldissera (2011, p.6) ao afirmar que
para alcançar o objetivo proposto na pesquisa-ação no sentido de estabelecer uma relação entre o conhecimento e ação, entre pesquisadores e pessoas implicadas na situação investigada e destes com a realidade, Michel Thiollent (1985) diz ser necessário: uma ampla e explícita interação entre os pesquisadores e envolvidos na pesquisa e que esta não se limita a uma forma de ação (risco de ativismo), mas pretende aumentar o conhecimento dos pesquisadores e o conhecimento ou nível de consciência das pessoas e grupos que participarem do processo, bem como contribuir para a discussão ou fazer avançar o debate acerca das questões abordadas.
Considerando a preocupação maior de envolver os alunos em práticas
leitoras e escritoras de forma interativa e participativa, de modo que tenham
consciência da função social da língua, estabelecemos no curso das atividades
45
desenvolvidas a relação contínua entre conhecimento e ação, sem a qual não
haveria o engajamento necessário para obtenção dos objetivos propostos.
2.1 ABORDAGEM DE DADOS DA PESQUISA
Para realização deste estudo adotamos a investigação de natureza
qualitativa que possibilita, a partir da orientação de atividades escritoras e leitoras,
observar como os alunos se portaram diante das experiências com práticas de
letramento e as contribuições dessas vivências para desenvolvimento das
habilidades de escrita, tendo em vista a aplicação da sequência didática.
Segundo Bogdan e Biklen (1994), para realização dessa prática de
pesquisa, torna-se necessária a inserção do investigador no ambiente natural em
que os dados serão gerados de modo que se consiga elucidar as indagações
contidas no objeto de estudo. Nesse sentido, a observação atenta da ação dos
sujeitos jovens e adultos na dinâmica do espaço da sala de aula foi fundamental
para compreendermos e respondermos como se efetivava a produção de crônicas
por esses alunos, a partir da utilização de sequência didática como estratégia
metodológica de ensino.
De acordo com os referidos autores, a investigação qualitativa apresenta
cinco características. A primeira refere-se ao fato de o ambiente natural de trabalho
ser a fonte direta dos dados e o investigador o principal instrumento para constituí-
los. Em relação a essa abordagem, Bogdan e Biklen (1994, p. 48) reforçam que
os investigadores qualitativos frequentam os locais de estudo porque se preocupam com o contexto. Entendem que as ações podem ser melhor compreendidas quando são observadas no seu ambiente habitual de ocorrência. Os locais têm de ser entendidos no contexto da história das instituições a que pertencem.
Nesse sentido, efetivamos um contato direto com os alunos no cotidiano da
sala de aula a fim de acompanhar suas atividades no decorrer das práticas leitoras e
escritoras.
A segunda característica da abordagem diz respeito ao caráter descritivo da
investigação qualitativa, cujos dados não são registrados em forma de números,
mas, sobretudo pelo uso de palavras e imagens. Sobre isso, Stake (2011, p.108)
46
esclarece que “a primeira responsabilidade do pesquisador é saber qual o
acontecimento, enxergá-lo, ouvi-lo, tentar compreendê-lo”. Dessa forma,
complementa o autor, se soubermos o que aconteceu exatamente, todos os
registros escritos deverão ser vistos como possibilidade de aprimorar nossa
compreensão.
No estudo proposto, primamos por analisar como se desenvolvem as
práticas de letramento mediante a aplicação de sequência didática, ressaltando as
implicações para a melhoria dos alunos no que se refere às práticas de leitura e
escrita, centrando-nos no processo de elaboração das produções e,
consequentemente, das vivências escritoras. Esse interesse maior pelo processo, do
que simplesmente pelos resultados ou produtos, conforme estabelecem Bogdan e
Biklen (1994, p. 50) é a terceira característica dos investigadores qualitativos. Sob
essa mesma visão, as técnicas e estratégias qualitativas são aplicadas para que a
partir de atividades, procedimentos e interações se observe “simultaneamente quem,
o quê, quando, onde e por que [...] relacionando-os à questão da pesquisa” (STAKE,
2011, p. 103).
A quarta característica da investigação qualitativa diz respeito à análise dos
dados e costuma ser realizada de forma indutiva. Os dados particulares recolhidos
no ambiente onde estão os sujeitos, alvos do estudo, são, portanto, imprescindíveis
para a construção das abstrações cuja análise procede de baixo para cima. Por isso,
“o investigador qualitativo planeia utilizar parte do estudo para perceber quais são as
questões mais importantes. Não presume que sabe o suficiente para reconhecer as
questões importantes antes de efetuar a investigação”, segundo propõem Bogdan e
Biklen (1994, p. 50).
A quinta característica aferida à abordagem qualitativa pelos autores diz
respeito à importância dada ao significado, por isso o ponto de vista do participante
é de igual relevância para a dinâmica da abordagem que se pretende realizar.
Consequentemente, os investigadores qualitativos acreditam que no momento em
que são apreendidas as expectativas do participante “a investigação qualitativa faz
luz sobre a dinâmica interna das situações, dinâmica esta que é frequentemente
invisível para o observador exterior” (BOGDAN; BIKLEN; 1994, p. 50).
Além disso, de acordo com Bogdan e Biklen, os investigadores qualitativos
“fazem questão em se certificarem de que estão a apreender as diferentes
perspectivas adequadamente” (1994, p. 50). Dessa forma, a investigação se guiou
47
pelo princípio de participação efetiva dos sujeitos envolvidos, considerando suas
experiências e pontos de vista, conduzindo as ações “por uma espécie de diálogo
entre o investigador e os respectivos sujeitos, dado estes não serem abordados por
aqueles de uma forma neutra” (BOGDAN; BIKLEN; 1994, p. 50).
2.2 TIPO DE PESQUISA
Tendo em vista a natureza desta investigação que busca compreender os
impactos gerados pelo desenvolvimento de práticas de letramento nas atividades de
escrita dos alunos da educação de jovens e adultos, no ensino fundamental, optou-
se pelo uso da pesquisa explicativa. Esse tipo de pesquisa tem como principal
objetivo “identificar fatores que determinam ou que contribuem para a ocorrência dos
fenômenos” (MOREIRA; CALLEFE, 2006, p. 70).
Para esses autores, esse tipo de exploração possibilita conhecer a realidade
com mais profundidade, devido à preocupação em compreender e tornar visível os
fatos analisados, procurando explicar o porquê das ocorrências dentro desse
universo constitutivo da pesquisa.
Com essa finalidade, norteamos as investigações do nosso objeto de
estudo, procurando encontrar respostas que nos ajudem não somente a entender o
processo de escrita dos colaboradores, mas a explicar a dinâmica dessas práticas
no cotidiano da sala de aula.
2.3 COLABORADORES
Esta pesquisa teve como colaboradores os alunos de ensino fundamental da
educação de jovens e adultos e a professora da disciplina de Língua Portuguesa que
também foi responsável pelo desenvolvimento da pesquisa. O grupo, constituído de
seis mulheres e seis homens, apresentou uma faixa etária que variava entre 29 e 49
anos. Destes, apenas dois eram solteiros e um deles tinha filhos; entre os casados
um não tinha filhos, outro tinha cinco filhos e os demais variavam entre um e três
filhos, caracterizando, em sua maioria, famílias pequenas. Todos declararam ser
residentes e domiciliados no município de Currais Novos/RN sendo que um aluno
morava em casa cedida, dois pagavam aluguel e os demais residiam em casa
própria.
48
No que se refere às ocupações dos discentes, apenas um informou que não
trabalhava enquanto os demais exerciam profissões diversas: mecânico, tecelão,
doméstica, motorista, cozinheiro, assistente de serviços gerais, churrasqueiro e
profissional liberal. Desse universo, sete trabalhavam com carteira assinada, entre
os quais quatro ganhavam pouco mais que um salário mínimo, sendo que a renda
de cinco informantes era complementada por programas do Governo Federal como
Bolsa Família e Bolsa Escola. Os colaboradores que não tinham vínculo
empregatício formalizado, ou seja, que não trabalhavam com carteira assinada,
recebiam abaixo do mínimo.
A maioria desses alunos passou um tempo significativo fora da escola, entre
dez e trinta anos e estavam frequentando recentemente a EJA. Dentre os motivos
que provocaram esse afastamento longínquo foram elencados o trabalho, os
problemas pessoais, a mudança de cidade, a falta de motivação e o próprio
desinteresse pelos estudos, como afirmara o aluno mais velho da classe.
Apesar de se tratar de uma turma que se dispunha a realizar a maioria das
atividades desenvolvidas em sala, a mesma disponibilidade não se aplicava às
propostas para casa, sendo apresentado como principal justificativa o trabalho. Os
alunos demonstravam ainda inúmeras dificuldades de leitura que incluía problemas
desde a simples decodificação, identificação de informações e compreensão dos
textos, às quais se refletiam diretamente na escrita e também na oralidade. Isso
fazia com que se angustiassem muito durante a realização das atividades,
demonstrando falta de proficiência no uso da língua, no registro escrito e na
expressão oral.
Com a intenção de conhecer a opinião dos alunos em relação aos estudos
de Língua Portuguesa e o que pensam sobre a leitura e a escrita, pois embora o
foco dessa intervenção fosse a escrita não há como dissociar uma prática da outra,
foi aplicado um questionário que contemplava questões de múltipla escolha e
questões abertas. A aplicação desse questionário ajudou ainda a traçar o perfil dos
colaboradores e ter uma maior percepção das expectativas e concepções de
aprendizado de cada um deles.
Quando indagados sobre a utilidade da Língua Portuguesa para suas vidas,
em suas respostas, alguns atribuíram à disciplina uma possibilidade de aprender a
se comunicar, a falar corretamente e a escrever melhor, de aplicar os conhecimentos
às práticas de “redação”, de aprendizado da escrita; uns evidenciaram a utilidade
49
nas situações cotidianas, e outros foram específicos, considerando-a “fundamental”,
“bom”, como tendo “utilidade total”. De modo geral, as falas demonstravam a
importância da referida disciplina em todos os momentos de suas vidas, como
afirmara um dos alunos em sua resposta. Essas declarações foram complementadas
algumas vezes nas rodas de conversa, promovidas para estabelecer um diálogo
mais descontraído e efetivo entre professora e discentes, em que, por exemplo, um
aluno revelara que “tinha vergonha quando ia participar de uma reunião na empresa
e não sabia escrever” ou outros afirmavam que eram muito ruins de escrita.
Em relação ao questionamento sobre as expectativas de aprendizagem, em
que alguns alunos afirmaram querer aprender tudo o que tivessem oportunidade,
como: “aprender a ler bastante”, “escrever certo” e a “interpretar textos”, foi possível
perceber a preocupação em tentar recuperar o tempo perdido.
As respostas para o item “O que mais gosta de estudar” e “O que mais tem
dificuldade de apender” carregavam o mesmo teor da questão anterior: queriam
aprender a ler, escrever e interpretar, destacando alguns aspectos de ordem
gramatical e ortográfica, sobretudo usar os sinais de pontuação.
Quanto aos hábitos de leitura e escrita, apesar de afirmarem considerá-los
importantes, tais práticas, segundo os alunos, estavam condicionadas às demandas
do trabalho ou eram vivenciadas apenas quando sobrava algum tempo, tendo,
portanto, um caráter secundário na vida desses sujeitos. Ainda assim, alguns
afirmaram ler jornais, revistas, histórias infantis, bíblia e romances. Dessa forma, o
hábito de ler estava mais ligado às necessidades imediatas, o mesmo acontecendo
com as práticas de escrita. Essas informações foram imprescindíveis para o
planejamento e desenvolvimento da proposta de trabalho.
Durante aplicação dos módulos, para identificar as produções dos
colaboradores, seus respectivos nomes foram substituídos pela designação de
estrelas ou constelações, inspirada no filme indiano de Aamir Khan “Como estrelas
na terra, toda criança é especial”, pela mensagem de respeito e de credibilidade que
devemos ter com o outro e, consequentemente, a importância de reconhecer o
potencial que existe em cada sujeito, independente das limitações, dos obstáculos
ou do próprio descrédito das pessoas, e o papel do professor enquanto mediador
desse processo.
A escolha dos pseudônimos resultou de uma reflexão sobre os alunos da
EJA que, embora muitas vezes estejam desmotivados e desacreditados da própria
50
capacidade, corajosamente retornam à escola, decididos a enfrentar as inúmeras
barreiras para continuar estudando, o que os torna, de fato, muito especiais. Por
isso, requerem um olhar respeitoso e práticas pedagógicas comprometidas com o
exercício da cidadania, dando-lhes a oportunidade de exercer o protagonismo na
elaboração e reelaboração de seus saberes.
Em relação à docente colaboradora, que também fazia a intervenção como
pesquisadora, tratava-se da professora titular da turma, com vinte e um anos de
docência, ao longo dos quais trabalhou com alunos de diversos segmentos e nos
últimos nove anos vinha se dedicando ao ensino de jovens e adultos, público com o
qual enfrentou os maiores desafios da carreira.
O envolvimento direto enquanto docente e pesquisadora, tendo, portanto,
como colaboradores os próprios alunos, significou mais uma grande oportunidade de
encontrar caminhos para o desenvolvimento de ações metodológicas eficazes, de
modo a tornarem-se sujeitos mais ativos na reelaboração de saberes e na
construção de novos conhecimentos, reconhecendo o potencial que têm para o
aprendizado, valorizando as experiências e aceitando o desafio de serem
protagonistas e não meros espectadores nas situações voltadas para o processo de
ensino-aprendizagem.
2.4 CENÁRIO DA PESQUISA
O espaço escolhido para investigação tratou-se de uma sala de aula de
Educação de Jovens e Adultos (EJA), do ensino fundamental, turno noturno, de uma
instituição pública escolar da cidade de Currais Novos, cuja modalidade de ensino se
dá por oferta de disciplinas em blocos. Essa modalidade atende, sobretudo, alunos
trabalhadores que buscam em curto espaço de tempo concluir os estudos e, desse
modo, tentar obter qualificação e melhores condições de inserção no mercado de
trabalho.
A escola atende ainda alunos oriundos do ensino regular, fundamental ou
médio, que se encontram desnivelados em razão de reprovações consecutivas ou
por necessitarem trabalhar veem nesse tipo de oferta de ensino um meio de conciliar
estudos e trabalho. Outros encontram na modalidade EJA uma possibilidade de
retorno aos estudos depois de estarem afastados da escola por um longo período.
51
A referida unidade de ensino funciona com alunos apenas em dois turnos,
vespertino e noturno, por falta de demanda para o turno matutino, que sempre
funcionou com um número reduzido de discentes. Além disso, a escola trabalha com
outro tipo de oferta, o da Banca de Exames Permanente, de caráter certificatório,
aberto a quaisquer alunos, desde que atendam a faixa etária mínima requerida,
sejam de escolas públicas sejam de escolas privadas, por motivos diversos: situação
de dependência, necessidade de certificado para assumir concurso ou vagas em
universidades, por uma oportunidade de emprego ou simplesmente por desejarem
acelerar a conclusão dos ensinos fundamental e médio. Por esse caráter eclético de
oferta de ensino, acaba atendendo constantemente alunos de toda a região.
Projetadas a princípio para o atendimento em sistema de cabines, uma vez
que os alunos recorriam à escola apenas para realizar provas de caráter
certificatório, as salas não foram adaptadas para atender às atuais ofertas de ensino
e, por isso, não são suficientes para dar conta das demandas, principalmente do
turno noturno, sendo apenas cinco salas de aula. A unidade de ensino conta ainda
com uma biblioteca e uma sala de vídeo que, por necessidade, é utilizada também
como sala de aula no turno noturno.
Desde que começou a oferta de ensino presencial ou semipresencial, o
maior desafio da escola tem sido lidar com os altos índices de evasão, os quais
ocorrem tanto no início quanto no decorrer de cada semestre. O grande índice de
falta dos alunos, o número reduzido de docentes efetivos no quadro, aliados ao curto
período para ministrar as disciplinas, têm se configurado em grandes problemas
para o processo de ensino-aprendizagem dos alunos que frequentam a referida
escola.
2.5 INSTRUMENTAIS DE GERAÇÃO DE DADOS
A geração das informações necessárias para o desenvolvimento desta
pesquisa ocorreu, principalmente, com a utilização dos seguintes instrumentais:
observação, questionário, entrevista, a partir de rodas de conversa, notas de campo
e fotografia.
52
2.5.1 Observação
Visualizar os detalhes do comportamento dos atores envolvidos no cenário
de estudo e as características desse universo torna-se imprescindível para o
pesquisador conhecer com mais propriedade a realidade em que estará atuando e, a
partir desse conhecimento, poder agir sobre o meio de maneira positiva, agregando
resultados que se configurem em propostas significativas de intervenção e
melhoramento da realidade em que se encontram os sujeitos.
Entre as preocupações que envolvem a tarefa de elaboração dos
instrumentos que auxiliarão na geração de dados, a documentação dos fatos, de
forma precisa para que não se percam de vista os detalhes dos acontecimentos, é
considerada por Stake (2011, p. 107) o centro das atenções e uma das grandes
responsabilidades do pesquisador iniciante cuja preocupação primeira “é saber qual
é o acontecimento, enxergá-lo, ouvi-lo, tentar compreendê-lo”.
Nesse sentido, é preciso ser um pesquisador atento e ativo. Daí a
observação ser uma forma ativa e participante, observa Stake (2011, p. 107), “em
que o pesquisador se junta à atividade como participante, não apenas para se
aproximar dos outros participantes, mas para tentar aprender algo com a experiência
que eles têm descrita no papel” e na vida.
.A observação é instrumento que deverá estar presente em todas as etapas
da investigação, aproximando o pesquisador dos seus colaboradores e dos fatos
que envolvem a realidade estudada, sendo esta uma ação necessária à realização
de inferências e interpretações.
2.5.2 Questionário
Gressler (2003, p.153) vê o questionário como um instrumento versátil que
possibilita maior liberdade de expressão em torno das opiniões requisitadas, além de
ser um instrumento mais dinâmico. Outro aspecto favorável à escolha do
questionário é a possibilidade de realizar pré-testes antes da aplicação definitiva.
Além de nos tornar cientes quanto às qualidades inerentes ao uso do
questionário, o autor também chama a atenção para algumas desvantagens, tais
53
como: dificuldade de obter a devolução do questionário devidamente respondido,
falta de compreensão das questões e respostas apresentadas, capacidade de
fornecer informações, bem como a influência sobre as possibilidades de respostas
que serão fornecidas pelo informante.
Assim como é importante tomar conhecimento das vantagens de utilizar
esse instrumento, conhecer suas desvantagens torna-se igualmente imprescindíveis.
Dessa forma, podemos ser mais cuidadosos na elaboração das questões e atentos
para a aplicação, de modo a minimizarmos a ocorrência de problemas e, com efeito,
evitarmos que tais problemas comprometam a veracidade das respostas fornecidas.
Dessa forma, quanto à elaboração das perguntas a serem aplicadas,
contemplamos questões fechadas e abertas que contribuíram para conhecermos o
perfil dos nossos colaboradores e, a princípio, para sabermos o que pensam sobre o
exercício da leitura e da escrita, e como a atividade leitora e escritora se presentifica
em suas vidas. A posteriori foram evidenciadas outras questões que contemplaram o
olhar dos alunos sobre peculiaridades do objeto de estudo, apontando ainda
caminhos para melhorar a ação interventiva do pesquisador.
2.5.3 Entrevista
Entre os vários propósitos para os quais a entrevista possa ser utilizada, três
deles são destacados por Stake (2011, p. 108) como os de maior interesse para o
pesquisador qualitativo: primeiro, para obtenção de “informações singulares ou
interpretações sustentadas pela pessoa entrevistada”; segundo, para “coletar uma
soma numérica de informações de muitas pessoas” e terceiro, para “descobrir sobre
„uma coisa‟ que os pesquisadores não conseguiram observar por eles mesmos”.
Além disso, de acordo com o autor, dois desses propósitos, o primeiro e o
terceiro, devem ser adaptados ao perfil dos entrevistados, prevalecendo o aspecto
da informalidade quanto a sua realização, para atender aos propósitos do
entrevistador no esclarecimento e refinamento das informações e interpretações.
Dessa forma, as entrevistas devem ser adequadas ao perfil dos candidatos e
ao manuseio que o pesquisador se propõe a fazer dos dados evidenciados, levando
em conta também sua dinâmica de aplicação, de modo que não a torne cansativa e
desinteressante.
54
2.5.4 Rodas de conversa
Diante da pretensão de realizar a entrevista em um formato mais vinculado à
informalidade, decidiu-se por recorrer ao uso de rodas de conversa, tendo em vista o
fato de os alunos jovens e adultos se mostrarem pouco à vontade quando
precisavam expressar opiniões individualmente. Como recurso metodológico, as
rodas de conversa são muito utilizadas
nos processos de leitura e intervenção comunitária, consistem em um método de participação coletiva de debates acerca de uma temática, através da criação de espaços de diálogo, nos quais os sujeitos podem se expressar e, sobretudo, escutar os outros e a si mesmos. Tem como principal objetivo motivar a construção da autonomia dos sujeitos por meio da problematização, da socialização de saberes e da reflexão voltada para a ação. Envolve, portanto, um conjunto de trocas de experiências, conversas, discussão e divulgação de conhecimentos entre os envolvidos nesta metodologia. (NASCIMENTO; SILVA, 2009, p. 1)
O uso da roda de conversa teve como propósito também a construção de
um diálogo em que pesquisador e colaboradores sintam-se à vontade para opinar
sobre as atividades realizadas, avaliar os resultados obtidos, propor mudanças,
enfim, para interagir e cooperar efetivamente durante o desenvolvimento de todas as
etapas da sequência didática.
Reforçando o exposto, os Parâmetros Curriculares Nacionais orientam que:
O sucesso de um projeto educativo depende do convívio em grupo produtivo e cooperativo. Dessa forma, são fundamentais as situações em que se possa aprender a dialogar, a ouvir o outro e ajudá-lo, a pedir ajuda, aproveitar críticas, explicar um ponto de vista, coordenar ações para obter sucesso em uma tarefa conjunta etc. É essencial aprender procedimentos dessa natureza e valorizá-los como forma de convívio escolar e social. Trabalhar em grupo de maneira cooperativa é sempre uma tarefa difícil, mesmo para adultos convencidos de sua necessidade. [...] A comunicação propiciada nas atividades em grupo levará os alunos a perceber a necessidade de dialogar, resolver mal-entendidos, ressaltar diferenças e semelhanças, explicar e exemplificar, apropriando-se de conhecimentos.
(BRASIL,1998, p. 91)
De fato, as rodas de conversa propiciaram inúmeros momentos de reflexão e
interação em que, aos poucos, os alunos foram se sentindo mais à vontade para se
posicionar em relação às atividades propostas.
55
2.5.5 Notas de campo
As notas de campo se constituíram no registro das observações realizadas
no decorrer das ações que integraram a sequência didática. Nessas notas, além do
registro das coisas que se viu e ouviu, foram registradas as impressões,
expectativas ou decepções durante a geração dos dados. Esse tipo de instrumento,
além de ser imprescindível para o exercício da observação participante, pode “ser
um suplemento importante para outros métodos de recolha de dados” (BOGDAN;
BIKLEN, 1994, p. 150).
O referido recurso para o levantamento de dados, a partir da definição de
Bogdan e Biklen (1994, p. 152) é constituído de dois tipos de materiais, de modo que
“o primeiro é descritivo, em que a preocupação é a de uma imagem por palavras do
local, pessoas, ações e conversas observadas. O outro é reflexivo – a parte que
apreende mais o ponto de vista do observador, as suas ideias e preocupações”.
Partindo dessa prerrogativa, as informações dos elementos envolvidos no
cenário da investigação são complementadas pelo olhar reflexivo do observador que
capta as informações construídas pelos partícipes do contexto de ação. Para melhor
utilização das notas de campo, é aconselhável que os registros sejam feitos, na
medida do possível, diariamente, incluindo informações que vão desde os aspectos
que caracterizam o comportamento das pessoas envolvidas no contexto da
pesquisa, passando pela descrição do espaço físico, das atividades realizadas e do
próprio comportamento do observador (BOGDAN; BIKLEN, 1994, p. 150).
Os autores destacam ainda que, como os demais métodos de investigação,
as notas de campo apresentam aspectos fracos e fortes que o pesquisador deverá
estar atento para contornar e corrigir as situações advindas de sua fragilidade e
aproveitar os aspectos fortes para construção das ações reflexivas advindas das
intervenções vivenciadas.
2.5.6 Fotografia
A fotografia como instrumento de construção de dados, apesar de
contestada por alguns que a consideram de pouca utilidade, pode fornecer
informações importantes que, no momento da captura, passaram despercebidos e
56
deixaram de ser registrados pelo observador, sendo possível sua retomada a partir
da análise posterior da imagem. Na investigação educacional, a captura das
imagens pode se efetivar a partir de duas óticas: de outras pessoas que não estão
envolvidas na pesquisa, ou pelo próprio investigador, representando em sua
essência o ponto de vista daquele que fez o registro do evento.
Para utilizar a fotografia como meio de produção de dados, temos de colocá-
la “no seu contexto próprio e compreender o que ela é capaz de nos dizer antes de
extrairmos informação e compreensão” (FOX; LAURENCE, 1988; apud BOGDAN;
BIKLEN, 1994, p.185). Apesar de não garantir nenhuma prova conclusiva das
situações registradas, o uso de tal recurso serve para fortalecer os dados reunidos
com a utilização de outros instrumentais.
Dessa forma, durante a realização das atividades práticas, as fotografias
inseridas serviram para complementar e reforçar o que se expôs em relação aos
acontecimentos, oferecendo ainda ao leitor a possibilidade de ler na imagem o que
deixou de ser dito.
57
3 APLICAÇÃO DE SEQUÊNCIA DIDÁTICA: TRABALHANDO O
GÊNERO CRÔNICA EM SALA DE AULA
Seguindo as orientações da sequência didática postulada pelo grupo de
estudo de Genebra, tendo como principais expoentes Schneuwly e Dolz (2013),
ampliou-se o trabalho com sequência para o ensino de gêneros para que pudesse
contemplar práticas de letramento.
Embora a sequência didática tenha sido elaborada seguindo, principalmente,
o esquema apresentado pelo grupo de Genebra, concordando com a assertiva de
Swderski; Costa-Hübes (2009) em relação ao sistema de ensino do Brasil que, ao
contrário da Suíça, lugar de origem desse modelo didático para o ensino de gêneros,
não contempla no currículo aulas voltadas diretamente para o ensino de produção
textual, decidiu-se por deslocar um módulo, colocando-o antes da produção inicial,
denominado módulo de reconhecimento, no intuito de familiarizar o aluno com o
gênero a ser estudado.
Considerando a decisão de trabalhar com práticas de letramento e, por isso,
a preocupação com a função social dos textos produzidos, corroborando com as
ideias de Swderski e Costa-Hübes (2009), acrescentou-se o módulo circulação de
gênero que é posto em prática após a realização da produção final, outra adaptação
à sequência proposta pelo grupo de Genebra, conforme representação a seguir:
Figura 2 - Esquema de sequência didática 2
Fonte: Swiderski e Costa-Hübes (2009)
58
Tendo em vista o perfil dos colaboradores, não foi possível realizar uma
sequência com muitos módulos. Assim sendo, o projeto elaborado para trabalhar o
gênero textual crônica apresentou, portanto, o seguinte esquema:
Figura 3 - Sequência para o ensino do gênero crônica
Fonte: Arquivos da pesquisa (2015)
A sequência didática foi desenvolvida de acordo com os objetivos propostos
em cada uma das etapas e módulos descritos.
3.1 APRESENTAÇÃO DA SITUAÇÃO DE COMUNICAÇÃO
Duração: 3 aulas
Objetivo:
Apresentar a proposta de trabalho aos alunos.
Esclarecer os papéis dos sujeitos para realização da sequência didática.
Através da exibição de slides, os alunos tomaram conhecimento das etapas
e principais objetivos do projeto de trabalho, das ações requeridas pelos atores
envolvidos e das intenções quanto à elaboração de um produto final: a publicação
de uma coletânea com os principais textos com o propósito de circular na própria
escola, entre amigos, familiares e outros espaços leitores. A turma tomou
59
conhecimento também da metodologia do trabalho, das práticas escritoras em que
estaria envolvida e da importância dessa ação para desempenhar os papéis sociais
requeridos.
Conforme postulam Schneuwly, Noverraz e Dolz (2013), na etapa inicial,
foram oferecidas informações precisas da problemática, sobretudo, quanto ao
gênero a ser estudado nas situações sociocomunicativas a serem vivenciadas,
respondendo a alguns questionamentos, como os descritos a seguir.
Gênero a ser abordado: crônica
A escolha da crônica pela professora, gênero caracterizado por anunciar as
representações do nosso dia-a-dia, partiu do pressuposto de que a produção textual
pareceria menos abstrata e, à primeira vista, mais acessível aos alunos, embora
saibamos que qualquer produção textual resulta de um grande esforço por parte
daqueles que se aventuram em realizá-la. Por isso, a decisão de tentar fazer com
que essa tarefa fosse menos árdua, elegendo a crônica face à proximidade deste
gênero com o cotidiano das pessoas, parafraseando Nelson Rodrigues3, de “a vida
como ela é”, o que, provavelmente, constitui um elemento facilitador e instigante às
experiências escritoras do público jovem e adulto.
A quem se dirige a produção?
A coletânea circulará entre a comunidade escolar, familiares, amigos e
demais pessoas da comunidade local cujo acesso será por intermédio dos meios de
comunicação local.
Que formato assumirá a produção? As produções comporão coletânea
configurada sob a forma de livro.
Quem participará da produção? Alunos do ensino fundamental da EJA
Ainda de acordo com a proposta de sequência didática para o ensino de
gêneros, procurou-se atender à segunda dimensão da apresentação da situação, a
abordagem dos conteúdos para o ensino do gênero textual. Com esse propósito, os
alunos foram informados que estudariam a origem, os tipos, as características das
crônicas, algumas crônicas de autores brasileiros, bem como tópicos de análise
3 Nelson Rodrigues era um escritor procurava retrata em seus textos a realidade de forma clara, demonstrando uma preferência pela linguagem coloquial para escrever, sendo reconhecido também pela polêmica que suas obras causavam. É considerado pelos críticos como um dos maiores dramaturgos brasileiros.
60
linguística, havendo a possibilidade de abordar outros aspectos à medida que
fossem requeridos no decorrer da aplicação dos módulos.
3.2 MÓDULO 1 : APRESENTAÇÃO DO GÊNERO
Duração: 5 aulas
Objetivo:
Estabelecer um contato inicial com a crônica.
Identificar elementos constitutivos do gênero.
Como justificado anteriormente, tornou-se necessário o acréscimo de um
módulo introdutório para reconhecimento do gênero, tendo em vista não só a
fragilidade do ensino de produção de textos na EJA mas também o público
envolvido, o qual é constituído, em sua maioria, por jovens e adultos que estiveram
afastados da escola por longo período. Devido a isso, eles demonstram muita
insegurança para escrever textos, o que se torna um entrave quando não é
promovido um contato inicial do aluno com o gênero a ser trabalhado.
Acreditamos que Schneuwly, Noverraz e Dolz (2013) não ignoram a
importância desse primeiro contato com o gênero escolhido, embora não
estabeleçam um módulo para essa atividade, o que para a realidade dos alunos
brasileiros se torna imprescindível diante de um currículo inespecífico em relação ao
ensino de produção textual. Não podemos esquecer que quando se trata da EJA
que tem um público muito heterógeno em relação a diversos fatores, entre eles os
níveis de escolarização e o tempo de permanência e afastamentos da escola, a
definição de um módulo voltado especificamente para o desenvolvimento de
atividades que auxiliem o aluno no reconhecimento do gênero é extremamente
relevante para a realização das etapas subsequentes.
3.2.1 Estabelecendo o primeiro contato com o gênero
Diante do exposto, para que pudessem manter os primeiros contatos com o
referido gênero, exibiu-se um vídeo produzido com base na crônica “Cobrança” de
61
Moacyr Scliar4. Após a exibição, realizou-se uma discussão sobre a temática
abordada, em que o grupo identificou os elementos constitutivos, as circunstâncias
em que ocorria o fato relatado, ações e reações dos personagens e o desfecho da
narrativa.
Em seguida, manusearam o texto original, realizando a leitura para, a partir
da compreensão de sua composição, verificar as semelhanças e diferenças entre o
texto escrito e o vídeo produzido.
Após discutirem e identificarem no texto escrito aspectos relativos ao
enredo, cenário, narrador, personagens e desfecho, os alunos conseguiram também
compreender o aspecto irônico da cena. Em seguida, foram elencadas algumas
questões para discussão e registro escrito, no intuito de ampliar a compreensão
texto e familiarizar-se com o gênero em estudo.
1- Questões para discussão oral no grande grupo:
a) Apenas pela leitura do título “Cobrança”, mesmo que não tivéssemos acesso
ao resto do texto, que ideias passariam pela nossa cabeça?
b) Uma vez lido o texto, o que teria motivado a forma como a cobrança foi
realizada?
c) Uma cobrança dessa natureza poderia ser realizada em circunstâncias
normais? O que possibilitou a cobrança da dívida daquela maneira?
d) Em outra circunstância, com outros personagens, que não fossem marido e
mulher, a crônica teria o mesmo desfecho?
e) Que elementos podem ser citados como constitutivos dessa produção?
2- Questões para registro escrito:
a) O texto foi narrado em que pessoa do discurso: 1ª ou 3ª?
b) Qual o significado da frase; “Aqui mora uma devedora inadimplente”?
c) Por que o título do texto é “Cobrança”?
d) O texto se encontra no discurso direto, ou seja, há uma representação do que
cada um dos personagens falou. Transcreva do texto duas passagens que
comprovem isso.
e) A crônica surge a partir da observação de um fato do cotidiano? Qual fato
motivou o autor a escrever essa crônica?
4 Moacyr Scliar é apontado como um dos maiores escritores da literatura brasileira contemporânea,
reconhecido pelo estilo humanista que predominava em sua obra.
62
3.2.2 Caderno de crônicas
Para incentivar a produção escrita, foi organizado um caderno volante
intitulado “Tudo aqui acaba em crônicas” de modo que os alunos pudessem manter
uma rotina de observadores do cotidiano e, ao mesmo tempo, experimentassem
transformar esses fatos em crônicas.
Dessa forma, voluntariamente, os alunos iam se alternando na construção
do caderno de registros. Essa atividade proporcionou também momentos de
interação, uma vez que antes de passar o caderno adiante, a produção elaborada
era compartilhada com a turma, encorajando outros colegas e motivando-os a dar
sequência ao circuito escritor.
Figura 4 - Caderno para práticas escritoras
Fonte: Arquivos da pesquisa (2015)
No dia em que essa proposta foi apresentada à turma, uma das alunas se
ofereceu para encapar o caderno antes que este começasse a circular, deixando-o
assim mais convidativo para o manuseio e registros. De fato, essa estratégia
permitiu que os alunos pudessem apreender mais do gênero, compreendendo seu
caráter cotidianístico, além de minimizar a resistência para o exercício da escrita.
63
3.2.3 Circuito leitor: com a mão nas crônicas
Ainda com vistas à familiarização com o gênero, foi proposta a leitura e
exploração de crônicas retiradas do manual das Olimpíadas de Língua
Portuguesa “A ocasião faz o escritor” (LAGINESTRA; PEREIRA, 2014). Em
grupo, discutiram e socializaram as ideias contidas nos textos. Para tanto,
consideramos que
a leitura tem sido chamada a atividade cognitiva por excelência pelo fato de envolver todos os nossos processos mentais. A compreensão de um texto (seja ele escrito ou falado),exige o envolvimento da atenção e a percepção, a memória, o pensamento. Esses processos mentais realizam, durante a leitura, operações necessárias para a compreensão da linguagem tais como o raciocínio dedutivo (próprio da inferência, da leitura das entrelinhas) e o raciocínio indutivo (necessário para a predição baseada no conhecimento de mundo, de outros textos, do autor, das condições sociais em que vive). (KLEIMAN; MORAES, 1999, p. 126)
Embora se tratasse de atividade grupal e os alunos fossem familiarizados
uns com os outros, observou-se que o diálogo em torno da temática dos textos e das
questões propostas ocorreu de forma tímida. Alguns fatores nitidamente contribuíam
para isso, principalmente as dificuldades acentuadas de leitura por parte de alguns
alunos, de compreensão do texto e de domínio vocabular, o que tornou o processo
de leitura e discussão dos textos lento e disperso.
Apesar das dificuldades durante o compartilhamento do texto, os alunos não
demonstraram resistência para realizar as demais atividades propostas. No entanto,
o mesmo não se aplicava quando se tratava de realizá-las em casa, alegando falta
de tempo e, segundo eles, em virtude de trabalhar o dia inteiro e à noite estarem
tomados pelo cansaço. Assim, a maioria da turma não realizava as tarefas
extraclasses e aqueles que chegavam a realizá-las, não faziam de forma contínua, o
que gerava preocupação em relação ao desenvolvimento dos demais módulos.
3.3 PRODUÇÃO INICIAL: CRÔNICAS NA PRAÇA
Duração: 5 aulas
Objetivo:
Escrever uma crônica a partir de fato observado na praça da cidade.
64
Considerando que o desenvolvimento da sequência didática contemplava
práticas de letramento escolar, planejamos a ida a uma das praças da cidade,
cenário da produção inicial. Tendo em vista a dificuldade de deslocamento dos
alunos, tornou-se necessário um transporte para fazer o itinerário de ida e volta ao
local escolhido. Por isso, decidimos elaborar coletivamente um ofício e enviá-lo à
Secretaria Municipal de Educação solicitando a concessão do transporte escolar.
Figura 5 - Produção coletiva de ofício
Fonte: Arquivos da pesquisa (2015)
Na data estabelecida, com o acompanhamento da professora e da
coordenadora pedagógica, os alunos dirigiram-se para a Praça Cristo Rei, escolhida
como o local para produção de versão inicial, com as seguintes orientações:
a) Caminhe pela praça;
b) Observe as ações das pessoas presentes;
c) Escolha um fato que mais tenha chamado sua atenção;
d) Registre tudo o vê, pensa e sente em relação ao fato escolhido. Não deixe
escapar nenhum aspecto que considere importante.
Apesar de ser uma turma de jovens e adultos, houve grande euforia no
ônibus, durante o percurso para a praça.
Ceja Profa. Creuza Bezerra Ofício nº ____ Ilma secretária de educação Maria Aparecida de Medeiros Vimos através deste, solicitar um transporte para nos deslocar até a praça Cristo Rei, para a realização de uma atividade de Língua Portuguesa, no dia 15/09/2014, das 19h às 20h30min.
Atenciosamente, Alunos do CEJA do Ensino Fundamental
Currais Novos, 11/09/2014.
65
Figura 6 - Momentos na praça
Fonte: Arquivos da pesquisa (2015)
Na praça, todos procuraram seguir as orientações e, apesar dos
transeuntes, mantiveram-se concentrados, atentos, focados na escolha do melhor
ângulo ou da cena que mais os interessasse para transformá-la em crônica. Alguns
momentos naquele lugar serviram para que vivenciassem uma verdadeira nostalgia.
De volta à sala de aula, Órion comentou que “ali foi onde começaram os
primeiros namoros”, Win partilhou que observando as cenas “vinham lembranças do
tempo de criança”, Delta surpreendeu-se ao reencontrar “as amigas do tempo da
juventude”. Esses e outros depoimentos revelaram que a praça promoveu um
retorno ao passado, um reencontro com as próprias memórias.
Após a socialização destas e outras impressões, em silêncio começaram a
elaborar seus textos e o único som que se ouvia era dos ventiladores. A
concentração da turma era impressionante, mesmo se tratando de um dia de
segunda-feira, em que costumavam reclamar por considerá-lo um dia desagradável.
Esse comportamento revelava uma surpreendente entrega à tarefa de escrever.
De acordo com Kleiman e Moraes (1999, p.129),
o sujeito cognitivamente engajado mobiliza seus conhecimentos para fazer sentido de uma situação. O empenho é concomitante com a relevância que a situação apresenta para sua realidade e, nesse sentido, a motivação do aluno é um requisito. Mas o engajamento cognitivo envolve uma reelaboração de conhecimento que vai além do interesse que motiva o aluno a prestar atenção
66
O nível de envolvimento dos alunos, diante da atividade escritora a partir de
práticas de letramento, demonstrava o primeiro impacto da intervenção proposta,
contrariando a ideia incutida em suas cabeças de que não sabiam escrever.
3.4 MÓDULO 2 - A NOTÍCIA E A CRÔNICA: ESTABELECENDO COMPARAÇÕES
Duração: 10 aulas
Objetivos:
3- Reconhecer a diferença entre a notícia e a crônica.
4- Estudar os tipos de discurso.
5- Conhecer as principais características e os tipos de crônica.
a) Estudo de texto
Para realização do estudo, recorreu-se à notícia intitulada “Gato recebeu R$
20 do Bolsa Família em MS por cinco meses”. Após a leitura, realizou-se a
discussão do texto e o registro escrito das questões de estudo para ampliar a
compreensão da temática abordada. Em seguida, efetivou-se a leitura da crônica
“Gato Família”, de Moacyr Scliar, com o mesmo teor da notícia para que pudessem
estabelecer a comparação entre a notícia e a crônica.
b) Características e tipos de crônica
Além de situar historicamente o gênero, os alunos tomaram conhecimento
das principais características e tipos de crônica, e dos objetivos de quem se dispõe a
produzir textos dessa natureza, de modo a consolidar a compreensão quanto ao
eixo temático da crônica e sua intrínseca relação com os fatos do cotidiano. Como
forma de perceber as marcas próprias do gênero em estudo, realizaram a leitura de
crônicas diversas para tentar identificar essas características e aplicá-las em outras
situações de linguagem.
c) Tipos de discurso
A exploração dos tipos de discurso colaborou para a compreensão do
discurso enquanto prática social que se realiza em textos orais e escritos dentro de
um contexto específico, devendo atender às condições de produção. Durante a
exploração dos textos utilizados nesse módulo, os alunos puderam identificar e
67
diferenciar os tipos de discurso existentes, percebendo que cabe ao escritor,
portanto, a decisão de definir o tipo de discurso, podendo utilizar mais de um tipo no
mesmo texto.
3.5 MÓDULO 3 - ESTUDO DAS PRINCIPAIS FIGURAS DE LINGUAGEM
Duração: 5 aulas
Objetivos:
Estudar as figuras de linguagem.
Identificar a ocorrência das figuras de linguagem em crônicas e autores
diversos.
Observar a importância do uso das figuras de linguagem para a construção de
sentidos.
Nessa fase, estudamos as principais figuras de linguagem, o efeito causado
nas crônicas de outros escritores e a possibilidade de utilizá-las na própria produção.
Para tanto, além da fundamentação, recorreu-se à caixa de crônicas, como
estratégia de leitura e identificação dessas figuras.
Como atividade de fixação, os alunos receberam textos fatiados que, em
grupos, deveriam organizar e construir uma sequência coerente. Para tanto, tornou-
se imprescindível diversas leituras, “considerando a importância do engajamento
cognitivo para a compreensão do texto escrito, e a importância da leitura para a
aprendizagem” (KLEIMAN; MORAES, 1999, p. 126).
Embora fosse uma atividade coletiva, alguns alunos demonstraram bastante
dificuldade em montar os textos, precisando ser ajudados por outros colegas para
operacionalização da atividade proposta. A dificuldade de leitura foi o maior
empecilho para efetivação da tarefa proposta.
Após a “reconstrução”, foram retomadas as principais características da
crônica e o estudo das figuras de linguagem, configurando-se numa estratégia de
revisão e mobilização de conhecimentos.
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3.6 MÓDULO 4 - PRATICANDO A REESCRITA TEXTUAL: UM OLHAR SOBRE O
TEXTO DO OUTRO
Duração: 3 aulas
Objetivos
Realizar reescrita coletiva.
Observar os aspectos estruturais e gramaticais do texto.
Estudar regras de pontuação.
A oficina para reescrita foi planejada a partir de um texto elaborado em
outros contextos de produção, sendo mantido o sigilo em relação à autoria. Para
tanto, o texto original foi digitado e entregue uma cópia a cada aluno para que
participasse ativamente das intervenções necessárias à reescrita.
O processo de reelaboração se deu de forma reflexiva, a partir de inúmeras
leituras para que observassem a organização e apresentação das ideias, de modo
que pudessem ser compreendidas por qualquer leitor. Os alunos demonstraram
atenção e interesse pela atividade desenvolvida, apesar de apresentarem
dificuldades em intervir ativa e continuamente durante o processo de reescrita.
Alguns se mostraram inquietos e confusos com a discussão em torno do texto e
houve até quem sugerisse “Professora, é melhor você mesma fazer essa correção”
(Ain). O registro escrito dessa atividade teve como escriba um dos alunos e, ao
término, todos fizeram o registro escrito da versão final nos próprios cadernos.
Figura 7 - Texto para reescrita coletiva
Fonte: Arquivos da pesquisa (2015)
Em uma noite de quarta-feira na praça Cristo rei sentada de longe eu observava toda a praça eu via velhinhos conversando dando risadas, lembrando coisas da vida; neste mesmo momento, havia uma garota sentada em um banco da praça falando ao celular a conversa ao celular parecia esta muito divertinda pois a menina dava muito risada; em outros lugares da praça tinha crianças correndo, brincando com suas motocicletas elétricas, meninos trocando figurinhas da copa; todo o tempo passavam, carros, motos, pessoas havia pessoas cantando em bares pertinho da praça, tudo aquilo estava muito divertindo pois todos que estava na praça estava muito alegre.
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Figura 8 - Texto revisado coletivamente
Fonte: Arquivos da pesquisa (2015)
A preocupação dos alunos, sobretudo, com a escrita das palavras e o uso
dos sinais de pontuação, sem aprofundar-se na leitura e releitura do texto que ia
sendo reelaborado, foi uma constante, colocando em segundo plano as questões
relativas aos mecanismos de textualização. Sabemos que isso acontece porque,
muitas vezes,
o aluno não lê, pois não compreende o texto, apenas o decifra, o compreende parcialmente, sem costurar os fragmentos. O texto escrito é um objeto diferente do texto falado, e, em vez de olhar as partes relevantes desse objeto, a fim de perceber suas funções, ele foi acostumado a olhar seus aspectos superficiais. ( KLEIMAN; MORAES, 1999, p. 127)
A realização da leitura para reescrita acaba exigindo, portanto, um olhar
mais aguçado em torno das ideias, requerendo dos sujeitos envolvidos inúmeros
retornos ao texto para a construção de sentidos, o que não era uma prática
recorrente da turma.
Diante das dificuldades, no presente módulo foi realizado também o estudo
dos sinais de pontuação, tomando como referência a leitura compartilhada do texto
“Pontos de vista”. Após a discussão em torno das ideias contidas, foram
apresentadas algumas orientações para o uso dos sinais de pontuação, observando-
se a recorrência no texto reescrito.
Revisão textual coletiva Era noite de quinta-feira. Cheguei à praça Cristo Rei, de Currais Novos, onde não
vinha há muito tempo, embora sempre passasse rapidamente nos afazeres do cotidiano. Aquela noite se apresentava com uma cara alegre, o vento gostoso tocava
maravilhosamente meu rosto. Sentei em um banco para melhor observar o movimento e as pessoas que ali se encontravam.
Logo vi um casal que se beijava apaixonadamente. Meu pensamento começou a divagar por esse lugar que tanto frequentei na minha juventude. Aos domingos, eu sempre ia à missa na Matriz de Sant‟Ana e depois ficava em um banquinho resenhando com minhas amigas. Muitas vezes, surgiam aquelas paqueras para apimentar a noite.
São lembranças de um tempo maravilhoso que recordei naquela noite. Hoje, só me resta reviver aquela época bem diferente de agora em que a segurança das pessoas é colocada à prova, a todo instante, afastando-as de momentos tão preciosos na praça.
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3.7 MÓDULO 5 - EU, ESCRITOR
Duração: 5 aulas
Objetivos:
Reativar o conhecimento em relação ao gênero crônica.
Vivenciar práticas de escrita a partir de imagens.
3.7.1 Em poucas palavras... reativando conhecimentos
Para reativação dos conhecimentos em torno do gênero em estudo foi
solicitado aos alunos que elaborassem o próprio conceito de crônica, de modo que
pudessem refletir sobre sua carga significativa, os conhecimentos até então
construídos, bem como confrontar e discutir as dúvidas existentes, respondendo ao
enunciado: “Eu entendo que crônica é...”. As respostas suscitaram novas discussões
e serviram para o planejamento das ações seguintes.
Figura 9 - Em poucas palavras...
Crônica é algo que nós observamos qualquer coisa ao nosso redor e formamos uma estória uma notiça um jornal etc... Ain
Crônica para mim é uma história contada ou vivida por alguén, que vem a ser escrita por pessoas que gostam muito de ler. Celeste
Eu entendo que uma crônica é uma história contada por protagonista ou outra pessoa que observou o fato, e que as vezes não necessariamente é um fato verídico, e pode até ser comigo. Eta
Para mim CRÔNICA é falar, escrever algo que se refere a determinado assunto e focar em algo, tentar passar para o leitor a situação que se escreve. Delta
É um meio de comunicação onde você consegue relatar a vida real ou uma história que você pode criar em seu pensamento, ou seja é um texto com começo, meio e fim. Jih
Para mim crônica e um negosso ruim porque eu não gosto de usar minha memoria pensando e escrevendo Nash
Crônica pra mim é contar coisas do dia, dia de forma fácil de se entender. Órion A vida da gente é uma crônica cheio de altos, e baixos, com momentos Bacanas ás vezes um polco dificio. Polaris Crônicas e tudo aquilo que ouvinos alguen Falar alguma coisa inportante Para min isto e uma crônica. Rigel
71
Crônica é um Fato, uma história que se Pode acontecer no dia a dia com qualquer Pessoa. É uma coisa que agente via uma Pessoa fazendo algo e a gente transformar aquilo em uma crônica um fato. Tabit A crônica é um tipo de texto que agete fala é lora (estória) Tyl Uma narrativa breve, que conta histórias da vida cotidiana Veja Para mim cornica Em FALA sorbri As cosia Do MunDO qui noi FAZENO Wei
Fonte: Arquivos da pesquisa (2015)
Analisando os registros, foi possível perceber que, embora alguns
apresentassem construções de sentido bem elementares, a maioria conseguia
formular uma ideia coerente sobre o gênero, com exceção de um dos alunos cuja
representação estava relacionada ao fato de não gostar de escrever. Inclusive, foi
preciso muita insistência para conseguir esse registro segundo o qual crônica é
sinônimo de ter que ler e escrever, um verdadeiro esforço mental que não gostaria
de realizar.
Essa fala retratava, em parte, a grande dificuldade que o referido aluno
apresentava de se expressar, fosse oralmente fosse através da escrita, mas
apontava também para o desencanto e desinteresse em estudar, provocados por
uma rotina árdua de trabalho que fazia com que chegasse sempre com sinal de
extremo cansaço e desânimo, por isso, não foram raras as vezes em que passava
quase toda a aula cochilando debruçado na carteira . Para agravar a situação, tinha
uma frequência muito irregular, ausentando-se da escola por dias seguidos, com
histórico recorrente de evasão e repetência.
3.7.2 De olho na imagem
Para execução dessa etapa, foi adaptada uma sugestão de produção textual
do material de Olimpíadas de Língua Portuguesa, adequando-a ao perfil da turma.
Como os alunos não dispunham de tempo para fotografar cenas, como sugeria a
oficina proposta no material consultado, a professora pesquisou cenas do cotidiano
no site de imagens do google, escolhidas aleatoriamente e reveladas em estúdio
fotográfico, tendo em vista que o sinal da internet no laboratório de informática da
escola era muito fraco, impossibilitando a consulta direta no ambiente virtual.
72
A princípio, os alunos puderam manusear as fotos, escolher entre as
imagens a que mais lhes chamara a atenção e socializar a escolha com os colegas,
tendo como fio condutor os seguintes questionamentos:
a) O que mais lhe chamou a atenção na foto escolhida?
b) Que cena é retratada?
c) Quais personagens aparecem na cena?
d) Como é o cenário em que a cena foi registrada?
e) O que a cena sugere para quem a observa?
Após a exposição oral correspondente às indagações formuladas
previamente e a outras que surgiram naturalmente, a produção textual foi orientada
levando em conta os seguintes elementos da narrativa.
Conforme ocorrera nos demais módulos, todas as fases da produção foram
vivenciadas em sala de aula. Nesse módulo teve continuidade o trabalho de
reescrita coletiva e individual. A proposta era que, em duplas, os alunos lessem os
textos uns dos outros e sugerissem possíveis mudanças. De modo geral, limitaram-
se a compartilhar as produções, sem que houvesse intervenções significativas e, em
apenas dois grupos, um aluno de cada equipe conseguiu realizar a tarefa conforme
as orientações.
Em seguida, as produções foram recolhidas para leitura do professor e
orientações necessárias ao direcionamento da tarefa individual de reescrita. Dessa
forma, os textos retornaram aos seus autores para devida intervenção, sendo
extremamente relevante não somente as observações do professor como também o
olhar crítico doa aluno sobre o próprio texto, imprescindíveis à realização satisfatória
dessa etapa.
Nesse sentido, Soares (2009, p. 44) postula que
o trabalho deve privilegiar a construção conjunta do conhecimento sobre o discurso escrito, por meio da participação ativa dos alunos, tanto como autores quanto como leitores e lendo os seus textos criticamente, buscando adequá-los às expectativas do seu público-alvo e a seu propósito comunicativo.
Nesse estágio, os alunos não demonstravam muita confiança quanto à
própria capacidade de revisar o texto e creditavam ao professor a responsabilidade
em realizar essa tarefa. A reclamação foi intensa e suscitou vários questionamentos:
“Vou ter que fazer outro texto?” (Beta); “Professora, eu sou muito ruim para
73
escrever” (Ain); “Eu não consigo fazer” (Alya); “Acho que é melhor desistir” (Zeta);
“Prefiro escrever outro texto” (Jih). Essas reclamações e justificativas representavam
a angústia que sentiam diante da tarefa de revisar o próprio texto, um trabalho longo
e exaustivo.
Diante de tantos argumentos, alguns tendo se transformado em verdadeira
resistência, além de fornecer orientações escritas nos textos devolvidos, tornou-se
necessário um acompanhamento individualizado, principalmente com os que
apresentaram maiores dificuldades. Apesar dessas dificuldades e os desafios da
reescrita, estando mais consciente quanto à função social da escrita e da circulação
que seus textos teriam, a turma realizou a primeira revisão individual.
3.8 MÓDULO 6 – RODA DE CONVERSA: DIALOGANDO COM O ESCRITOR
Duração: 15 aulas
Objetivos:
Estabelecer diálogo em torno da atividade escritora.
Conversar sobre o processo de criação de uma crônica.
Obter informações sobre a vida profissional do escritor.
Sabemos que muitas vezes o aluno concebe a figura do escritor distanciada
da realidade em que está inserido e, por isso, o encontro entre autor, obra e leitor
parece quase impossível de acontecer, mesmo quando se trata de alguém que não
está tão distante geograficamente. A possibilidade de dialogar com o escritor
pareceu apropriada para otimização e incentivo das práticas de produção textuais,
estabelecendo uma proximidade maior com o gênero em estudo.
A ideia surgiu por ocasião da apresentação de uma revista de circulação
regional, cujo jornalista responsável pela produção, era também o escritor das
crônicas publicadas no final de cada edição. Dessa forma, os alunos tiveram acesso
a exemplares de três edições dessa revista, cujas crônicas foram compartilhadas
numa roda de leitura. Do diálogo descontraído em torno das temáticas abordadas
nas publicações, surgiu a ideia de convidar o escritor para um bate papo a fim de
que pudesse compartilhar sua experiência como cronista.
74
Os alunos ficaram muito entusiasmados com a possibilidade de estar frente
a frente com um escritor e jornalista. Na aula seguinte, foi elaborado um convite
oficializando o interesse em realizar a roda de conversa.
Figura 10 - Produção coletiva do convite
Fonte: Arquivos da pesquisa (2015)
O referido convite, elaborado coletivamente, foi digitado, assinado pelos
alunos e encaminhado ao ilustre convidado.
Figura 11 - Convite enviado com a assinatura dos alunos
Fonte: Arquivos da pesquisa (2015)
Após o primeiro contato estabelecido com o jornalista, mesmo estando com
a agenda cheia, fato que nos fez aguardar dois meses para realizar o evento, este
se prontificou a atender o convite da turma, que recebeu a notícia com grande
euforia.
75
Figura 12 - Elaborando as questões para a entrevista
Fonte: Arquivos da pesquisa (2015)
Em seguida, tiveram início os preparativos para realização da atividade, em
que os alunos se organizaram em grupos para elaboração das perguntas a serem
feitas ao escritor durante a roda de conversa.
Figura 13 - Digitando as perguntas
Fonte: Arquivos da pesquisa (2015)
Para que houvesse um melhor aproveitamento do tempo durante a
realização do evento, essas perguntas passaram por uma seleção, foram revisadas
quanto à clareza e objetividade, evitando-se ainda perguntas repetidas. Depois de
revisadas e digitadas, fez-se a distribuição dessas questões com os alunos,
garantindo de alguma forma a participação efetiva de todos na roda de conversa.
A organização do evento se destacou entre os demais módulos por suscitar
a capacidade mobilizadora dos alunos. As decisões foram tomadas em grupo, de
forma entusiástica, pois pela primeira vez estariam conversando com um escritor.
Ficaram também definidos alguns papéis tais como: o responsável por recepcionar o
jornalista, o responsável por fazer os agradecimentos e o grupo destinado a
providenciar e servir um lanche no final do evento. A realização da roda de conversa
76
superou as expectativas de tal forma que não caberia em apenas um módulo e, por
isso, um capítulo foi dedicado à descrição do evento.
77
4 RODA DE CONVERSA COMO EVENTO DE LETRAMENTO PARA
PRODUÇÃO E REESCRITA TEXTUAL NA EJA
4.1. DESCRIÇÃO DO EVENTO “RODA DE CONVERSA”
Passarelli (2004, p. 20), ao discorrer sobre o sentimento de aversão e
apreensão demonstrado pelos estudantes diante da tarefa de dar vida à folha em
branco, aponta algumas causas que provocam desânimo e falta de vontade de
imprimir suas ideias nas inúmeras linhas a serem preenchidas. Uma das causas
elencadas é incompreensão por parte dos educadores acerca do texto como
atividade de caráter processual, resultante das interações e reflexões, individuais e
coletivas, aliada ao caráter metalinguístico de ensino do texto, geralmente usado
como pretexto para o ensino de regras e conceitos.
A questão da tradição do ensino é outro fator problemático para a produção
escrita, cujo propósito inicial não é de ser ensinada, mas servir de objeto de
cobrança para observação da tríade textual: descrição, narração e dissertação,
ignorando a existência de tantos outros textos com os quais os alunos mantêm
contato fora do contexto escolar. Alie-se a essa evidência a adoção de materiais
didáticos que se preocupam apenas em estabelecer modelos prontos como
exercício de produção.
Outra causa são os mitos construídos em torno da atividade de escrever,
responsáveis pela omissão de todos os processos pelos quais qualquer escritor,
mesmo os mais experientes, precisam se submeter até chegar à versão final do
texto. Falta o entendimento de que essa versão definitiva da produção não é
simplesmente resultado de inspiração, mas de várias etapas que envolvem desde o
planejamento, etapas de revisão e versão final, o que demanda muito esforço.
Frente à problemática descrita, faz-se necessário compreender que a ação
de escrever se realiza não a partir de regras preestabelecidas, mas pelos usos
contínuos em que o sujeito, em contato com o contexto e o interlocutor, produz um
discurso que o individualiza e, nas ações interlocutivas dos outros sujeitos, tem o
próprio discurso reconstruído. As vivências do cotidiano são o esteio para essa
concepção de sujeito e de linguagem por ele praticada.
Nesse cenário,
78
as evidências nos dizem que nenhuma língua existe em função de si mesma, desvinculada do espaço físico e cultural em que vivem seus usuários ou independente de quaisquer outros fatores situacionais. As línguas estão a serviço das pessoas, de seus propósitos interativos reais, os mais diversificados, conforme as configurações contextuais, conforme os eventos e os estados em que os interlocutores se encontram. (ANTUNES, 2009, p.35)
O desafio da escola consiste não somente em compreender as exigências
frente ao ensino comprometido com o desenvolvimento das competências
sociocomunicativas, mas também em assumir a responsabilidade de oferecer um
ensino que considere as necessidades reais de uso da língua, as motivações e
possibilidades dos educandos no processo de ensino-aprendizagem
institucionalizado.
Diante dos novos paradigmas para desenvolver a competência escritora do
aluno, o desenvolvimento de atividade cooperativa se configurou numa experiência
cuja contribuição consistiu em conduzir os alunos a desenvolverem habilidades, que
lhes permitissem adequar o uso a cada situação comunicativa, uma vez que,
funda-se sobre o postulado de que comunicar-se oralmente ou por escrito pode e deve ser ensinado sistematicamente. Ela se articula por meio de uma estratégia, válida tanto para a produção oral quanto para a escrita [...]. As sequências didáticas instauram uma primeira relação entre um projeto de apropriação de uma prática de linguagem e os instrumentos que facilitarão essa apropriação. [...] As práticas de linguagem são consideradas aquisições acumuladas pelos grupos sociais no curso da história. Numa perspectiva interacionista, são a uma só vez, o reflexo e o principal instrumento de interação social. (SCHNEUWLY; NOVERRAZ; DOLZ, 2013, p.43)
A realização da roda de conversa como elemento motivador, frente ao
desânimo de alguns alunos para a realização de produção de texto, se apoiou na
proposição de Warschauer (1993), que, a partir da própria experiência, viu nessa
prática inúmeras possibilidades de troca e construção de saberes, tendo em vista
que os encontros põem os sujeitos em constante situação de interação.
Nessa perspectiva, os diálogos constituem-se em verdadeiras ferramentas de
desenvolvimento do “potencial interativo, criativo e de construção dos
conhecimentos” (WARSCHAUER, 1993, p. 47) para os sujeitos envolvidos, os quais
têm a possibilidade de assumir o mesmo protagonismo nessa situação de ensino-
aprendizagem.
79
Chegado o tão esperado dia de realização do evento, após dois meses de
espera, a sala fora devidamente organizada e no horário determinado os alunos
aguardaram ansiosos a chegada do convidado. As boas-vindas foram dadas por
Órion que o saudou em nome da turma, com a leitura de uma das crônicas escritas e
publicadas pelo jornalista em edições anteriores da revista.
Figura 14 - Roda de conversa: boas-vindas
.
Fonte: Arquivos da pesquisa (2015)
Logo após, Gerson Luiz que estava acompanhado de sua esposa, parceira
de todos os projetos, inclusive da revista, afirmara o escritor, fez questão de relatar
suas principais vivências com jornal, rádio, televisão e demais atividades envolvendo
a escrita desde o período da juventude, incluindo nas memórias relatadas recortes
de sua vida pessoal, considerados importantes para o entrevistado.
Após a apresentação, embora algumas perguntas já tivessem sido
contempladas, os alunos puderam continuar interagindo, a partir das perguntas
elaboradas anteriormente e de outras que surgiram naturalmente, como a de Sirius
que quis saber qual a “pior notícia dada pelo jornalista” quando era locutor de rádio.
Os demais colegas, a exemplo de Sirius, fizeram outros questionamentos, queriam
saber sobre o processo criativo do jornalista: inspiração, critérios para seleção dos
temas, elementos motivadores para o processo de produção, o surgimento das
ideias para elaboração do texto.
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Figura 15 - Vivenciando a roda de conversa
Fonte: Arquivos da pesquisa (2015)
O depoimento do escritor revelou alguns momentos interessantes que
serviram de inspiração para a produção de crônicas, como a cena de um senhor
sentado numa calçada que lhe rendera uma crônica reflexiva. A roda de conversas
transcorreu com a revelação de outras histórias, de forma dinâmica e descontraída,
com a participação efetiva da turma.
De acordo com a Proposta Curricular para a Educação de Jovens e Adultos
(BRASIL,2002), o uso efetivo da palavra em situações de participação social
possibilita desenvolver as capacidades construtiva e transformadora dos alunos, a
partir do exercício do diálogo.
Diante da empolgação dos alunos e do entrevistado, o evento se estendeu e
terminou após o horário previsto, sem que ninguém demonstrasse o desejo de ir
embora. Presenteados com a edição mais recente da revista, os alunos conheceram
um pouco sobre sua dinâmica de elaboração e circulação, e o momento de
autógrafos que não fora planejado se tornou inevitável. Todos queriam de alguma
forma eternizar aquele momento de trocas de saberes e ampliação de
conhecimentos.
81
Figura 16 - Momento de autógrafos
Fonte: Arquivos da pesquisa (2015)
A roda de conversa terminou por um inesperado desafio para a turma:
produzir uma crônica coletiva para ser publicada em uma das edições da revista.
Visualizava-se, portanto, a oportunidade do exercício da autoria. Para encerrar
oficialmente a atividade, Jih fez os agradecimentos finais em nome da turma,
oferecendo uma pequena lembrança como símbolo de gratidão, pelos momentos
prazerosos de aprendizado proporcionados pelo jornalista.
Figura 17 - Agradecimentos finais
Fonte: Arquivos da pesquisa (2015)
Desafio aceito, despedidas devidamente formalizadas, encerramos o
momento com o compromisso de elaborar a produção coletiva, a fim de fazê-la
circular na revista.
82
4.2 PRODUÇÃO COLETIVA DA CRÔNICA
A aula pós roda de conversa foi marcada inicialmente pela euforia do
encontro com o escritor e todos queriam compartilhar suas impressões. Órion era o
mais resistente diante da tarefa de escrever e, mesmo tendo gostado da experiência,
foi categórico ao afirmar: “não é pra mim, esse negócio de escrever crônica”. O
passo posterior à socialização dessas impressões foi discutir sobre a crônica que
iriam produzir através de uma conversa informal e descontraída, predominando o
entusiasmo e ânimo do grupo diante do desafio de protagonizar uma produção
textual.
Figura 18 - Encontro pós roda de conversa
Fonte: Arquivos da pesquisa (2015)
Entre os aspectos evidenciados pelos Parâmetros Curriculares Nacionais
(1998) que garantem uma aprendizagem significativa, a autonomia, a interação e a
cooperação são citadas como capacidades comuns a serem desenvolvidas no
contexto escolar, como resultado de uma prática educativa eficaz, em que
o desenvolvimento da autonomia como princípio educativo considera a atuação do aluno, valoriza suas experiências prévias, buscando essencialmente a passagem progressiva de situações em que o é dirigido por outras pessoas, a situações dirigidas pelo próprio aluno. A autonomia refere-se à capacidade de saber fazer escolhas e de posicionar-se, elaborar projetos pessoais e participar enunciativa e cooperativamente de projetos coletivos, ter discernimento, organizar-se em função de metas eleitas, governar-se, participar da gestão de ações coletivas, estabelecer critérios e eleger princípios éticos etc. (BRASIL, 1998, p.89-90)
O projeto assumido pela turma se delineava, sobretudo, por essas
características contidas no princípio educativo da autonomia, tendo em vista que
partira de uma escolha dos próprios alunos, os quais assumiram a responsabilidade
83
de definir os caminhos para tornar esse projeto realizável. Havia a consciência de
que a delimitação desses caminhos passava não por escolhas arbitrárias ou
individuais, mas resultaria das discussões direcionadas pelo grupo. O papel do
professor seria tão somente de cooperador, tendo os alunos total liberdade de, em
equipe, definir seus próprios rumos, o que a turma não demonstrou maiores
dificuldades em fazer.
O êxito de um projeto de natureza coletiva segundo os PCN (BRASIL,1998)
é, portanto, resultado de um processo de interação e cooperação estabelecidas
entre as partes envolvidas, a partir dos propósitos definidos pelo grupo. Para isso,
são fundamentais as situações em que se possa aprender a dialogar, a ouvir o outro e ajudá-lo, a pedir ajuda, aproveitar críticas, explicar um ponto de vista, coordenar ações para obter sucesso em uma tarefa conjunta etc.[...] Assim, a organização de atividades que favoreçam a fala e a escrita como meios de reorganização e reconstrução das experiências compartilhadas pelos alunos ocupam papel de destaque no trabalho em sala de aula. (BRASIL,1998, p.90)
Dessa forma, desde os primeiros momentos em que se reuniram para definir
os rumos de sua produção, um amplo diálogo estabeleceu-se, em que o
envolvimento e o interesse do grupo demonstravam uma empolgação atípica diante
da tarefa de produzir um texto.
Nesse momento, do planejamento, estabelecido no roteiro para o ensino de
produção textual, conforme Passarelli (2004) são definidos os rumos iniciais para a
atividade escritora. Apesar de se constatar que os alunos geralmente utilizam com
pouca frequência ou até não se dão conta da importância do planejamento, na
produção coletiva é praticamente impossível ignorá-lo, tendo em vista a necessidade
de estabelecer um diálogo em torno do que se pretende produzir a partir de decisões
consensuais.
Preocupados em definir os rumos do texto que produziriam, após discutirem
sobre os possíveis temas para a crônica, optaram por reunir fragmentos de suas
próprias histórias destacando, sobretudo, as situações que os obrigaram a se afastar
da escola. Para tanto, Jih foi escolhida pela turma para exercer o papel de escriba,
tomando nota dos depoimentos dos colegas.
84
Figura 19 - Planejando a escrita
Depoimentos para a sugestão de reunir as próprias histórias em uma crônica:
ÓRION - Um dia em trabalho atendi um cliente com poucas informações e analfabeto e como acho
correto tratei ele bem com igualdade e depois de resolver o problema dele ele muito me agradeceu
por minha educação, e isso me incentivou a voltar a escola e investi no meu futuro, e com isso ajudar
mais pessoas!!
DETA - Trabalha muito, rotina cansativa, filhos, casa e muitos compromissos.
SIRIUS - Muitas vezes em meu trabalho eu assistia palestas, e com meu pouco estudo eu não
conseguia acompanhar, tinha medo de escrever errado, e isso me angustiava. Muito.
ALYA - Com 13 anos comecei a trabalhar e isso atrapalhou meus estudos.
JIH - Não tive muito insentivo familiar, depois de tempos um amor me fez voltar.
TYL - Sempre tive muita vontade de estudar e trabalhei em britaria, carvoeira, sempre quis vencer.
Ajudar meus pais. Roçado. Vendi peixe.
WEI - 10 anos fora da escola, vim do interior e com a separação dos meus pais tudo ficou mais difícil,
tivemos que viajar para longe separou toda a família.
ZETA - 5 anos repetindo a mesma série.
Pi1 - Educação vem de berço”, me afastei por causa do trabalho. Me casei cedo e hoje posso e tenho
que estudar, para manter meu emprego.
ETA - Por gosto ou desgosto Zeta repetiu 5 anos a mesma série.
DELTA - Sai porque comecei a trabalhar cedo, e voltei porque quero um futuro melhor.
AIN - Parei de estudar por que...
NASHIRA - Minha história é longa... Casei, fui mãe aos 16, o casamento não deu certo e fui trabalhar
na noite.
ÓRION - Ter que trabalhar foi a desculpa para preguiça de estudar e o momento atual requer mas
conhecimento, então decide me enserir nesse contesto. Ponderou Órion.
Fonte: Arquivos da pesquisa (2015)
Na aula seguinte, os registros iniciais e as decisões tomadas para a
produção do texto foram compartilhados com os alunos que estiveram ausentes,
sendo acrescentados seus depoimentos. Também discutiram e deram sugestões
para o título da crônica.
85
Figura 20 - Planejando o título
Fonte: Arquivos da pesquisa (2015)
Para isso, à medida que o texto ia sendo redigido, fazia-se a leitura do
depoimento e os alunos opinavam sobre os trechos, de forma descontraída,
demonstrando interesse e cumplicidade na realização daquele projeto de escritura.
Foram momentos desafiadores em que as ideias começavam a ser transformar em
texto. White e Arndt (1991, p. 117; apud SOARES, 2009, p. 33) afirmam que “o que
faz a escrita ser desafiadora é que os escritores, por si sós, têm de estabelecer os
problemas certos para serem resolvidos”
A releitura dos depoimentos revelou, a partir do comentário de cada aluno,
experiências de vida das mais diversas: traumáticas, de decepção, de perdas e
algumas engraçadas como a da aluna que disse ter deixado de estudar porque
gostava muito de namorar. Entre choros e risos, aquela turma empenhada em
reescrever a muitas mãos a própria história não parecia a mesma que, em outras
situações em que precisaram se dedicar à tarefa de escrever, era tomada por um
grande desânimo. Nesse clima, os ajustes foram sendo feitos a partir de sugestão
dos alunos e a crônica foi parcialmente elaborada.
No processo de construção da crônica, tendo Eta como escriba,
estabeleceu-se uma discussão em torno dos recortes necessários para que o texto
não ficasse tão extenso, afinal de contas, tinham apenas uma página da revista
disponível para sua publicação.
Contar nossa história de uma forma resumida. Título (sugestões): O recomeço da escrita Voltando á escrever De volta á escola Coisas de escola Rumo ao futuro melhor Nossa história Em busca do conhecimento Recomessando nosso futuro Um pouco de cada um História de um recomeço
86
Figura 21 - Organizando as ideias
Estávamos reunidos discultindo como unir quinze historias em uma. E decidimos que nossa
crônica averia um pouco de cada um: Os motivos que nus trouxeram de volta a escola, a luta para não desiste, o desanimo diante das dificuldades, a falta de estimulo para continuar.
A principio pessamos que pela história de vida, Sirius ou Órion estaria nus representando, o que viria em seguida seria os textos que comporiam nossa coxa de retalhos. Disse Nashira: - Minha história é longa... - Casei cedo, fui mãe aõs 16 anos, o casamento não deu certo e vive os perigos da vida noturna para sobreviver. Embora muito calado Wei nos revelou: - Tudo ficou mais dificil depois que meus pais se separaram. Com apenas 12 anos comecei a trabalhar para ajudar o sustento da família o que me afastou da escola.* Mais de 30 anos distante da escola Sirius confeçou: - Muitas vezes em meu trabalho eu assistia palestras. E com meu pouco estudo eu não conseguia acompanhar, e tinha medo de escrever errado, e isso me angustiava muito. * A história de Tyl não foi muito diferente. - Sempre tive muita vontade de estudar, mas desde de cedo tive que escolher: trabalhei na lavora, britarias e até carvoeira, para poder sobreviver, sobrevivi e hoje estou aqui estudando. Os desajustes familiares foram um dos maiores motivos para que Jih se afastasse de estudos: “Eu achava que para mim era o fim que nunca mais voltaria para a escola. Mas uma pessoa me resgatou” E entre risos Beta disse: - Eu queria estudar, mas era doida pra casar. Hoje separada, esquecida, abandonada tive que escolher entre a cademia e a escola. Depois de 26 anos sem estudar por causa do trabalho sem estimulo e muitas criticas. Delta não se deixou abater, e hoje firme e forte acredita que: “a vida só é dura pra quem é mole.” Exclamou Pi1: Me afastei da escola por causa trabalho, minha vó e meu trabalho me trouxeram de volta. Por gosto ou desgosto Zeta repetiu cinco anos a mesma série. Ter que trabalhar foi a desculpa para preguiça de estudar e o momento atual requer mais conhecimento, então decidi me inserir nesse contesto. Ponderou Órion. Para Ain estudar não era necessário. Hoje seu lema é outro. Ninguem ri, ninguem chora Ain começou a estudar agora! Timidamente, Alya revelou: Com 13 anos comecei a trabalhar e os estudos ficaram em segundo plano... Depois de ver a tantas histórias motivantes o que falar? Já me vi em todos vocês.
Fonte: Arquivos da pesquisa (2015)
Na reunião posterior, em um processo de elaboração e reelaboração da
escrita, sempre com a intervenção efetiva da turma, o texto foi finalizado. Em virtude
ainda de estarmos encerrando o ano letivo, a professora fez a primeira revisão para
discussão e apreciação da turma.
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Figura 22 - Primeira revisão da crônica
Detalhes de um recomeço Reunir histórias de vida em uma única crônica: esse era o nosso desafio. A muitas mãos estaria ali
um pouco de cada um: os motivos que nos trouxeram de volta à escola, o desânimo diante das dificuldades, a falta de estímulos para continuar e uma luta constante para não desistir. A princípio pensamos que as histórias de vida de Sirius e Órion estariam nos representando, e o que viria seriam os trechos que comporiam nossa colcha de retalhos.
Nashira revelou um tanto quanto emocionada: _ Minha história é longa. Casei cedo, fui mãe aos 16 anos. O casamento não deu certo e vivi os
perigos da noite para sobreviver. Wei embora sempre muito calado disse que tudo ficara mais difícil depois que os pais se separaram: _ Com apenas 12 anos comecei a trabalhar para ajudar no sustento da família. Isso me afastou da
escola. Os desajustes familiares também foram o principal motivo para que Jih se afastasse dos estudos. “Eu
achava que para mim era o fim, que nunca mais voltaria para a escola, mas uma pessoa me resgatou”. Sirius que passara mais de trinta anos afastado da escola e, por isso, a turma o tomava como
exemplo de persistência confessou que muitas vezes em seu trabalho tinha medo de escrever errado e isso o angustiava muito.
Tyl também tinha uma história de abandono da escola provocada pela necessidade de trabalhar: _ Trabalhei na lavoura, britaria e até em carvoeira para poder sobreviver. Sobrevivi e hoje estou aqui
estudando – disse com muito orgulho. Timidamente, Alya disse ter sido o trabalho também, a principal causa que fez com que deixasse os
estudos em segundo plano. Entre risos, Beta confessou, surpreendendo a todos: _ Eu queria estudar, mas era doida pra casar. Hoje, separada, esquecida, abandonada, tive que
escolher entre a academia e a escola. Os motivos de Delta eram outros: _ Depois de 26 anos sem estudar por causa do trabalho, não me deixei abater e hoje, firme e forte
acredito que a vida só é dura para quem é mole. Pi1 que sempre reclamava das fotos, segundo ele por causa do trabalho – era segurança e não podia
ter a imagem exposta, explicava – disse que foi o trabalho também seu maior motivo de afastamento da escola.
Por gosto ou desgosto Zeta repetira cinco anos a mesma série mas, gostava da escola. Órion não teve vergonha de admitir: _ Ter que trabalhar foi a desculpa para a preguiça que tinha de estudar. Como o momento atual
requer mais conhecimento, então decidi me inserir nesse contexto. No passado, Ain também não considerava importante estudar. Hoje, seu lema é outro: _ Ninguém ri, ninguém chora, Ain começou a estudar agora! Depois de ouvir tantas histórias motivantes, o que falar? Já me vi em todos vocês, falou Eta, que
adiou o máximo possível para disponibilizar um pouco de suas memórias, num tom quase que misterioso. O fato é que estávamos prontos para recomeçar e, corajosamente nos apoiar um no outro para conseguir concluir a jornada.
Fonte: Arquivos da pesquisa (2015)
Passarelli (2012, p. 99) lembra que “sendo o próprio autor responsável pela
revisão, observa-se que quanto maior for o intervalo de tempo transcorrido entre a
composição e a revisão, mais produtiva ela será”. Diante das circunstâncias
expostas, a leitura da versão revisada foi apresentada aos alunos apenas no ano
letivo subsequente, o que retardou um pouco mais a publicação.
88
De posse do texto, os alunos decidiram por fazer ajustes principalmente no
último parágrafo, revelando os avanços em torno da tarefa de revisar o texto, em que
o aluno-escritor passa a ser leitor de si mesmo, para manter a unidade de seu texto, isto é, para não perder de vista o sentido global, enfim para burilar seu texto.[...] Ao debruçar-se sobre a primeira versão de seu trabalho, lê e relê, ajusta daqui e dali, alterando sucessiva e recorrentemente sua figura: de leitor para escritor e vice-versa. (PASSARELLI, 2012, p.99)
Partindo dessa compreensão, os alunos puderam experimentar todo o
processo de produção textual, atuando como autor, coautor e revisor, paralelamente,
para projetar as ideias da melhor forma possível, tendo em vista um projeto que fora
construído a partir de vivências significativas.
Nos ajustes finais, a professora colaboradora manteve a participação como
corrrevisora para concluir a versão que seria publicada, uma vez que o professor
“não só pode desempenhar papel de correvisor ao orientar seu aluno a reescrever
durante a revisão, mas também intervir no produto final” (PASSARELLI, 2012, p.
101).
Figura 23 - Versão final para publicação
Detalhes de um recomeço
Reunir histórias de vida em uma única crônica: esse era o nosso desafio. A muitas mãos estaria ali
um pouco de cada um: os motivos que nos trouxeram de volta à escola, o desânimo diante das dificuldades, a falta de estímulos para continuar e uma luta constante para não desistir. A princípio pensamos que as histórias de vida de Sirius e Órion estariam nos representando, e o que viria seriam os trechos que comporiam nossa colcha de retalhos.
Nashira revelou um tanto quanto emocionada: _ Minha história é longa. Casei cedo, fui mãe aos 16 anos. O casamento não deu certo e vivi os
perigos da noite para sobreviver. Wei embora sempre muito calado disse que tudo ficara mais difícil depois que os pais se
separaram: _ Com apenas doze anos comecei a trabalhar para ajudar no sustento da família. Isso me afastou
da escola. Os desajustes familiares também foram o principal motivo para que Jih se afastasse dos estudos.
“Eu achava que para mim era o fim, que nunca mais voltaria para a escola, mas uma pessoa me resgatou”. Sirius que passara mais de trinta anos afastado da escola e, por isso, a turma o tomava como
exemplo de persistência, confessou que muitas vezes em seu trabalho tinha medo de escrever errado e isso o angustiava muito.
Tyl também tinha uma história de abandono da escola provocada pela necessidade de trabalhar: _ Trabalhei na lavoura, britaria e até em carvoeira para poder sobreviver. Sobrevivi e hoje estou
aqui estudando – disse com muito orgulho. Timidamente, Alya disse ter sido o trabalho também, a principal causa que fez com que deixasse
os estudos em segundo plano. Entre risos, Beta confessou, surpreendendo a todos:
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_ Eu queria estudar, mas era doida pra casar. Hoje, separada, esquecida, abandonada, tive que escolher entre a academia e a escola.
Os motivos de Delta para voltar à escola eram outros: _ Depois de vinte e seis anos sem estudar por causa do trabalho, não me deixei abater e hoje,
firme e forte acredito que a vida só é dura para quem é mole. Pi1 que sempre reclamava das fotos, segundo ele por causa do trabalho – era segurança e não podia
ter a imagem exposta, explicava – disse que foi o trabalho também seu maior motivo de afastamento da escola.
“Por gosto ou desgosto”, confessou Zeta, repetiu cinco anos a mesma série mas, gostava da escola.
Órion não teve vergonha de admitir: _ Ter que trabalhar foi a desculpa para a preguiça que tinha de estudar. Como o momento atual
requer mais conhecimento, então decidi me inserir nesse contexto. No passado, Ain também não considerava importante estudar. Hoje, seu lema é outro: _ Ninguém ri, ninguém chora, Ain começou a estudar agora! Depois de ouvir tantas histórias motivantes, o que falar? Já me vi em todos vocês. Falou Eta, que
até então assumira apenas o pael de escriba, adiando o máximo possível o momento de revelar um pouco de suas memórias. O fato é que ali estavam, prontos para recomeçar e, corajosamente, seguir em frente, apoiando-se uns nos outros para tentarem concluir a jornada.
Fonte: Arquivos da pesquisa (2015)
4.3. ESCRITA PROCESSUAL: O TEXTO DO ALUNO COMO UNIDADE
SIGNIFICATIVA DE ENSINO
Os caminhos para repensar o ensino da escrita, segundo Passarelli (2004, p.
25), não se limitam necessariamente à eliminação dos modelos de produção
aplicados, mas passam pela adoção de novos paradigmas para o ensino das
competências linguísticas que permitam a ação criativa do sujeito, dando sentido aos
usos imediatos e significativos da língua, seja em sua manifestação oral seja na
escrita. De fato,
um ensino de línguas que, em última instância, esteja preocupado com a formação integral do cidadão, tem como eixo essa língua em uso, orientada para a interação interpessoal, longe, portanto, daquela língua abstrata, sem sujeito e sem propósito (ANTUNES, 2009, p.35)
Essa proposição de ensino defendida por Antunes (2009) evidencia o perfil
de uma escola comprometida com a formação cidadã do aprendente, em que o texto
“é construção e interpretação de um dizer e de um fazer.[...] É o texto vivo, que
circula, que passa de um interlocutor para outro, que tem finalidades, que não
acontece apenas para servir de treino” (ANTUNES, 2009, p. 39).
90
A escrita processual, nesse sentido, é apresentada por Passarelli (2004)
como uma ação que possibilita planejar práticas de ensino que trata o texto escrito
enquanto conteúdo de ensino-aprendizagem, capaz de materializar fazeres
necessários à prática efetiva de uso significativo da língua e mobilizar a atenção dos
alunos, apresentando “o texto sob o ponto de vista do processo de produção”
(PASSARELLI, 2004, p. 59). Sustentando essa prerrogativa, a autora propõe quatro
etapas para direcionar o ensino da escrita como processo: planejamento, tradução
de ideias em palavras, revisão e editoração, todas devidamente monitoradas durante
suas realizações.
O planejamento diz respeito à etapa em que são pensados e selecionados
os elementos necessários para a produção de dados e geração das ideias que
constituirão o texto. “A seleção das informações requer que se colete o material, os
fatos, as ideias e as observações com os quais o texto será elaborado”
(PASSARELLI, 2004, p. 89). Nesse momento, a partir das escolhas de fontes,
seleção e exclusão de materiais, busca de fontes e registros, vai se delineando o
tema a ser abordado.
Hayes e Flower (1980 apud PASSARELLI, 2004, p. 90) defendem que
é por meio da memória de longo termo do escritor que serão ativadas as ideias que servirão de esteio para a organização e o estabelecimento de metas- etapas que concorrem concomitantemente, fomentadas pelas ideias produzidas pela geração. A memória de longo termo compreende: conhecimento do tópico, conhecimento do receptor e planos de escrita armazenados.
Após a seleção das ideias, passa-se para organização dos materiais obtidos
de modo a analisar e categorizar os tópicos em um plano textual. Encerrada a fase
do planejamento, o autor se preocupa em produzir a versão inicial do texto,
registrando por escrito todas as ideias, organizando-as em parágrafos, interligando
os parágrafos de modo a manter a unidade textual. É a fase de tradução das ideias
em palavras, segunda etapa da escrita processual.
O escritor deverá, por conseguinte, se debruçar sobre a revisão do texto,
terceira etapa, que requer dele o retorno ao material produzido e o olhar atento para
o exame da versão provisória. Nesse sentido, o escritor assume o papel de leitor e
revisor da própria produção para que possa avaliar a “adequação ao que a língua
91
escrita convenciona, exatidão quanto ao significado, e tendo em pauta o leitor,
acessibilidade e aceitabilidade” (PASSARELLI, 2009, p. 64).
O que se percebe no contexto escolar é que, na contramão das proposições
para a etapa de revisão a qual objetiva, sobretudo, observar se a organização das
ideias ocorreu de forma clara e coerente, a preocupação da atividade de revisão
está no aspecto avaliativo, como pretexto para estabelecer uma nota, o que acaba
fazendo com que o aprendente se coloque cada vez mais distante dos propósitos
primeiros que deverão nortear o trabalho com o texto, deixando “de chamar a
atenção do aluno para a real função da língua na vida diária e nos seus modos de
agir e interagir” (MARCUSCHI, 2008, p.55).
Realizadas as releituras necessárias ao processo de intervenção, o texto
produzido deverá passar pela etapa de editoração. Esta, por sua vez, compreende o
momento em que a produção será compartilhada com outros públicos, extrapolando
os espaços da sala de aula, o que requer do escritor a certeza de sua adequação
para a circulação e socialização das ideias impressas.
A clareza do objetivo do produto final fará com que os alunos compreendam
a necessidade de vivenciar todas as etapas do processo de escrita, esforçando-se
para atingir os objetivos propostos. Caberá ao professor assumir “os pressupostos
da avaliação formativa para ajudar o aluno a descobrir os processos que permitirão
seu progresso em termos de aprendizagem” (PASSARELLI, 2009, p. 99).
O processo de revisão requer do professor um papel de cooperador, cuja
preocupação não se limita à superfície do texto. Para atingir esse fim Ruiz (2013),
indica como possibilidade de intervenção o tipo textual-interativa em que, através de
bilhetes escritos após o texto do aluno, se estabelece um diálogo em torno da
produção, de modo a ajudá-lo a refletir sobre as possíveis intervenções a serem
realizadas.
As intervenções do tipo textual-interativa sugeridas por Ruiz (2013, p. 56),
constroem-se quando o professor toma como objeto de discurso de sua correção não mais apenas o modo de dizer do aluno (como é o caso das demais correções
5), mas também o dizer desse aluno, ou atitude
55
As demais correções a que Ruiz (2013) se refere são: a correção indicativa que se preocupa em mostrar palavras, frases ou períodos problemáticos à margem dos textos; a correção resolutiva, em que os erros além de ser apontados são, exaustivamente, corrigidos pelo professor e a correção classificatória, em que o professor destaca os erros, classificando-os mas, geralmente atribui ao aluno a tarefa de corrigi-los sozinho.
92
comportamental (não verbal) refletida pelo seu dizer (ou seu não dizer), a propósito da correção do professor; ou ainda, a própria tarefa interventiva que ele mesmo, professor, está realizando no momento.
A abordagem da perspectiva processual para o ensino eficaz e significativo
da escrita na escola e, consequente consolidação da competência escritora do
aluno, que se configura como uma possibilidade de vivenciar práticas de uso real da
língua, também é alvo das discussões de Soares (2009), que descreve a abordagem
processual como um conjunto de ações que envolvem estágios. Para fins didáticos,
esses estágios são constituídos por três momentos: pré-escrita, escrita e revisão ou
pós-escrita.
O primeiro, estágio da pré-escrita, se caracteriza pelo uso de atividades que
motivem e estimulem os alunos no surgimento das primeiras ideias, ajudando-o “a
descobrir formas de abordar a tarefa, a coletar as informações e a gerar ideias”
(SOARES, 2009, p. 23), lançando-se mão de atividades individuais ou coletivas
como as sessões de tempestade de palavras. Essa é a parte do planejamento, em
que o autor deve ter em mente uma série de fatores como o leitor para quem será
endereçado e qual o contexto de circulação de seu texto, para que assim possa
organizar suas ideias de modo a atender um propósito comunicativo previamente
definido e conhecido por quem escreve.
Cumprida a primeira etapa, o sujeito entra no segundo estágio, o da escrita,
que é considerada cumprida quando as ideias geradas foram devidamente
organizadas e o texto encontra-se apto a passar pela fase da reavaliação: trata-se
da primeira versão do texto.
Na terceira etapa, revisão ou pós-escrita, se configura o estágio em que o
autor estará preocupado em promover melhorias que atendam a seu objetivo inicial.
Não é o momento, portanto, de o professor pensar em atribuir uma nota ao texto,
tendo em vista que, a partir de momentos de compartilhamento com o público leitor
inicial, alunos e professor, o escritor fará uma leitura com olhar avaliativo, de modo a
intervir no próprio texto, reelaborando-o e fazendo os ajustes necessários.
Nessa perspectiva de trabalho com a produção textual, invocando os
pressupostos de O‟brien, a autora adverte que
93
Devemos ter consciência de que não há uma entidade chamada de “pedagogia de processo” e que esta é mais bem definida, não como uma teoria completa ou uma abordagem pedagógica, mas como um conjunto de práticas pedagógicas que podem ser adaptadas para qualquer forma de instrução com dois componentes essenciais: a consciência (como se escreve) e a intervenção (o feedback durante o processo), que não deve ser confundida com correção de erros. (SOARES, 2009, p.25)
Para fazer as intervenções necessárias através das atividades de reescrita,
e da recorrência aos feedbacks, a realização da escrita processual requer a
compreensão do tipo de feedback que o professor deverá fornecer ao aluno e do
consequente papel do ato de dar e receber feedback. Torna-se indispensável,
portanto, fazer com que o processo de escrita ocorra de forma dinâmica em todas as
suas etapas de realização, levando em conta as intenções comunicativas inerentes.
Por isso,
O trabalho pedagógico deve privilegiar a construção conjunta do conhecimento sobre o discurso escrito, por meio da participação ativa dos alunos, tanto como autores quanto como leitores, analisando textos autênticos e lendo os seus textos criticamente, buscando adequá-los às expectativas do seu público-alvo e ao seu propósito comunicativo. (SOARES, 2009, p.44)
Nesse processo, a partir dos novos paradigmas que orientam a produção de
texto, o professor deixa de ter sua ação limitada ao papel de revisor ou corretor e
passa a ter participações mais significativas que orientem as vivências dos alunos,
de modo que essas experiências corroborem para a formação de leitores e
escritores proficientes. De acordo com Trible (1996, p. 118-134; apud SOARES,
2009) são quatro os papéis a serem desempenhados pelos professores: leitor,
assistente, avaliador e examinador.
Dentro desses papéis estabelecidos, é possível comentar os textos dos
alunos, dando indicadores em relação ao gosto pelo texto e ao conteúdo ali
expresso (papel de leitor); atuar com o escritor, orientando as possíveis
transformações requeridas pelo texto (papel de assistente); tecer comentários sobre
o desempenho do escrevente (papel de avaliador), de modo que fiquem claros “os
aspectos da escrita que foram bem desenvolvidos e os que precisam melhorar”
(SOARES, 2009, p. 54).
A apresentação para o aluno das habilidades de escrita que foram
observadas nos textos escritos, de forma clara, objetiva e precisa, a partir de uma
94
avaliação formal, e averiguação da produção textual, constitui o quarto papel que
deve ser exercido pelo professor para constatação do feedback requerido em cada
fase de trabalho com o texto.
Trabalhar a escrita em uma perspectiva sociointerativa, cuja materialização
se dá dentro de um contexto comunicativo, situado histórico e culturalmente, numa
relação intersubjetiva, requer da escola a criação de situações de ensino que
reconheçam a importância de uma atitude reflexiva do professor e do aluno, acerca
dos esforços depreendidos para sua realização. Para tanto, há a necessidade de
intervenções constantes, que norteiem o aluno não só rumo à materialização das
ideias embrionárias do texto, como também para as vivências de elaboração e
reelaboração das atividades escritas para a formação do escritor-autor.
A experiência com a roda de conversas e a produção coletiva possibilitou
essas vivências, dando a oportunidade de o aluno participar ativa e reflexivamente
da avaliação e reelaboração da escrita, seguindo orientações contidas nos PCN da
EJA para uma avaliação reguladora de aprendizagem, em que:
• A aprendizagem se concebe como uma construção pessoal do sujeito que aprende, influenciada tanto pelas características pessoais – esquemas de pensamento, ideias prévias, motivação, experiências anteriores etc. – como pelo contexto social em que ela se desenvolve. • O êxito na aprendizagem também é garantido pelas mediações que se produzem entre o aluno e o professor e entre um aluno e os demais. Em função de distintos esquemas de conhecimento e contextos culturais, os alunos nem sempre percebem, da mesma maneira, as demandas do professor. Por isso, é necessário promover processos de negociação que lhes permitam compartilhar as mesmas ideias sobre os objetivos a serem atingidos. • A aprendizagem pode ser favorecida se os alunos se apropriarem progressivamente, por meio de situações didáticas adequadas, dos instrumentos e critérios de avaliação do professor. • A autonomia dos alunos é promovida quando o professor compartilha com eles o controle e a responsabilidade sobre suas aprendizagens, mediante estratégias e instrumentos de autoavaliação que propiciem a construção de um sistema pessoal para regular seus processos de aprendizagem. (BRASIL, 2002, p.109-110)
O desenvolvimento dos demais módulos permitiu essa mesma atuação dos
alunos, de modo a avaliar e intervir em suas práticas à medida que as atividades iam
sendo desenvolvidas. Os avanços constantes e contínuos no processo de ensino-
aprendizagem dos referidos alunos, que tiveram que vencer vários obstáculos, entre
eles o desânimo e o receio frente às dificuldades que algumas vezes os
95
desencorajavam e os faziam pensar em desistir, também foram perceptíveis ao
término da aplicação da sequência didática.
96
5 CONSTITUIÇÃO DO CORPUS: ANÁLISES E REFLEXÕES
Antes de adentrarmos na análise propriamente dita dos textos que
constituíram o corpus deste estudo, faz-se necessário pontuar algumas questões a
fim de nos situar, sobretudo, quanto aos sujeitos da pesquisa.
O perfil dos alunos colaboradores ao mesmo tempo em que nos desafiava,
funcionando como elemento motivador, causava medos e incertezas quanto à
possibilidade de desenvolvimento da pesquisa. Isso porque tratava-se de alunos da
educação de jovens e adultos, do turno noturno, cuja faixa etária variava inicialmente
entre 15 e 55 anos, que trabalhavam arduamente em casas de família, vendendo
água, no comércio, em pedreiras, e vinham exaustos para a escola cumprir um
terceiro turno de atividades. Diante disso, não tinham tempo para realizar tarefas de
casa e, muitas vezes em que vinham para a escola, diante do cansaço, já avisavam
não estar com cabeça para nada.
Apesar de os alunos pagarem disciplinas por blocos, às quais tinham
duração de seis meses, não havia uma frequência regular, de modo que, caso fosse
cobrado o percentual exigido para concluir a disciplina, muitos seriam reprovados
por falta. Alguns desses alunos se evadiram antes do primeiro dia de aula e não
voltavam à escola sequer para oficializar o cancelamento da matrícula.
Provavelmente, esse quadro apresentado fosse resultado das inúmeras
responsabilidades que acabavam adquirindo maior protagonismo em suas vidas,
como o trabalho, a família e a questão de sobrevivência. Pelo que observávamos,
essas eram as maiores responsabilidades e prioridades, o que justificava não serem
poucos os alunos que começavam a estudar por estar temporariamente
desempregados ou esperando novas oportunidades e que, praticamente na mesma
proporção, deixavam a escola por conseguirem se locar ou relocar no mercado de
trabalho.
Esses fatores que permeavam o universo dos alunos tornavam as ações
tensas, carregadas de reflexões, alguns momentos de desânimos, mas outros tantos
de encorajamento, diante do tríplice papel de professor, pesquisador e colaborador
nesse processo de intervenção e foram preponderantes para o nível de resultados
alcançados pelo grupo.
97
Diante disso, tornou-se necessário o trabalho cotidiano de convencimento
dos colaboradores, a partir da própria dinâmica da aplicação de sequência didática
que propõe a apresentação inicial da proposta de trabalho para o ensino de gêneros,
de modo que os sujeitos estejam cientes das etapas que requerem a participação
efetiva de todos. O uso de palavras de encorajamento e elevação da autoestima
diante das inúmeras dificuldades e desafios também foi imprescindível nessa
trajetória.
Certamente, um dos motivadores para contínua participação no projeto foi a
perspectiva da construção de um produto para circulação: saber que o texto teria
outros leitores, além do professor, realmente aumentava o ânimo da turma, mas ao
mesmo tempo acabava gerando receio, medo de conseguir realizar o que para eles
seria uma verdadeira façanha.
Na fase inicial da aplicação, alguns alunos advertiam que eram muito ruins
de escrita, que não sabiam colocar os sinais de pontuação. Outros, talvez, por
estarem acostumados não estarem acostumados a trabalhar com essa proposta de
ensino, olhavam meio desanimados, desconfiados. Os alunos repetentes que
estudaram com a professora colaboradora no ano anterior e já tinham
experimentado o trabalho com produção textual, questionavam se teriam de estudar
textos novamente. Esse era, portanto, o perfil dos sujeitos com os quais se faria a
intervenção.
Embora a pesquisa tenha um caráter qualitativo, os números seguintes em
relação, principalmente, à permanência dos alunos, ajudarão a visualizar melhor
esse universo, assim como possibilitarão compreender a queda dos índices de
participantes durante a pesquisa.
Nesse semestre em curso, apesar de contar com uma matrícula inicial de 43
alunos, apenas 22 concluíram o 1º semestre. Parte dos alunos que desistiram não
compareceram ao primeiro dia de aula. Tais dados refletem pouco mais de cinco
meses de curso que os discentes precisavam frequentar para concluir a disciplina.
98
Tabela 1- Quadro de matrícula
Fonte: Arquivos da pesquisa 2015
No início da pesquisa, 33 alunos responderam à entrevista. No entanto,
apenas 17 participaram da primeira produção. No intervalo de um mês entre a
entrevista e a realização dessa atividade, os demais 16 tinham desistido.
Tabela 2 - Participação na 1ª produção
Fonte: Arquivos da pesquisa 2015
Ao término da pesquisa, marcada oficialmente pela reescrita da produção
inicial, dos 17 alunos que fizeram a 1ª produção, apenas 11 alunos continuavam
estudando e participaram do processo de reescrita da produção inicial.
51% 49%
Alunos que concluíram a disciplina Alunos desistentes
34%
66%
Participantes da 1ª produção Alunos entrevistados
99
Tabela 3 - Alunos participantes na produção inicial e produção final
Fonte: Arquivos da pesquisa 2015
Dessa forma, do universo dos alunos que estiveram presentes no início da
pesquisa, um total de 33 que responderam a entrevista, apenas 11 conseguiram
participar de todos os módulos contidos na sequência didática.
Tabela 4 - Alunos participantes no início e no fim da pesquisa
Fonte: Arquivos da pesquisa 2015
Nessas condições, o corpus para análise constituiu-se de 18 produções dos
alunos que participaram de todas as etapas da pesquisa, cujas análises foram
distribuídas da seguinte forma: seis textos da primeira produção, seis da reescrita e
outras seis versões da reescrita, revisadas com as reflexões feitas juntamente com o
professor.
Apesar de a escola ser o contexto imediato das produções, estas também
foram realizadas em outros espaços, tendo em vista os usos da língua como práticas
sociais situadas, desenvolvendo ações voltadas para que o aluno atuasse sobre
61%
39%
1ª produção Produção final
75%
25%
Início da pesquisa Término da pesquisa
100
suas produções na qualidade de leitor e revisor. No entanto, o centro da
preocupação dos discentes não só nessas produções que constituem o corpus como
nas demais foi, principalmente, os aspectos gramaticais e ortográficos, uma vez que,
reincidentemente, ao entregar as produções avisavam: “tem muitos erros” (Ain); “não
sei direito onde colocar os sinais de pontuação” (Beta); “não sei se o sinal tá no lugar
certo, professora, veja aí” (Delta); “eu sou ruim de texto” (Win); “escrever não é pra
mim” (Sirius).
De acordo com a perspectiva da Linguística Aplicada e dos novos Estudos
de Letramento, a intenção em analisar os textos dos alunos deve estar voltada para
a questão da ampliação de sua prática escritora, tendo como elemento motivador o
estudo dos gêneros, em que os textos são resultado da atividade de linguagem
humana, os quais se adequam aos objetivos constitutivos das mais diversas ações
comunicativas que se presentificam no cotidiano das pessoas, conforme Bronckart
(2012).
Considerando-se ainda os princípios contidos no uso de sequência didática,
a análise pretendida só seria possível a partir do estudo da produção inicial e da
reescrita desse mesmo texto, realizada pelos alunos, para observar os aprendizados
elaborados e reelaborados, construídos mediante as vivências com as práticas de
produção escrita vivenciadas no decorrer dos módulos aplicados.
A análise dos textos fundamenta-se, sobretudo, nos elementos segundo os
quais o texto encontra-se organizado, os três estratos do folhado textual6, conforme
Bronckart (2012), que estabelece como níveis de análise textual a observação da
infraestrutura geral do texto, dos mecanismos de textualização e dos mecanismos
enunciativos, elementos estes , segundo o autor, ora se sobrepõem ora interagem. A
análise ancora-se também em Antunes (2010), que propõe como foco de primeiro de
análise, e de maior importância para compreensão de sua construção, o aspecto
global, que constituem o eixo de coerência textual.
6 Bronckart (2012) define assim os três elementos que considera como camadas que corroboram
para a organização de um texto: infraestrutura geral do texto - “constituído pelo plano mais geral do texto, pelos tipos de discurso que comporta, pelas modalidades de articulação entre esses tipos de discurso e pelas sequências que nele eventualmente aparecem” (p. 120); mecanismos de textualização - séries isotópicas de organizadores e de retomadas nominais, “que contribuem para o estabelecimento da coerência temática”, enfatizando os mecanismos de conexão (conjunções, advérbios ou locuções adverbiais, grupos preposicionais, grupos nominais e segmentos de frases), de coesão nominal (anáforas e sintagmas nominais) e de coesão verbal (verbos e unidades com valor temporal) (p.122-126); mecanismos enunciativos – contribuem “para a manutenção da coerência pragmática (ou interativa) do texto” que se materializam através do posicionamento enunciativo e vozes e pelo uso de modalizadores (130-132).
101
Concordando com a proposta de Bronckart (2012) não incorrer no erro de
restringirmo-nos ao subjetivismo ou mesmo distanciarmo-nos da conjectura global
do texto, as análises foram guiadas por esses fundamentos teóricos “a partir dos
quais são definidos os pontos mais relevantes e, consequentemente, são
estabelecidas as prioridades de observação” (ANTUNES, 2010, p. 79). Tal assertiva
parte do princípio de que
somente assim podemos fugir a uma análise feita segundo as impressões de cada um, e, assim, eventualmente inconsistente. Aquilo que apontamos como dito no texto deve ser respaldado pelo que, de fato, consta lá. Na sua superfície ou nas entrelinhas. Deve estar autorizado pela presença de uma palavra, de uma expressão, de um sinal qualquer. Do dito é que se parte para o não dito; ou para os diferentes tipos do dizer implícito. (ANTUNES, 2010, p. 79)
Nossa análise orientou-se, portanto, pelos aspectos inerentes à construção
do texto, certos de que a observação dos elementos globais aplicada à produção
inicial e à versão final do mesmo texto, revisado e reescrito pelos próprios alunos
com a colaboração da professora, nos dariam indícios da ampliação de sua
competência e, consequentemente, da autonomia comunicativa. É importante
lembrar que as produções analisadas resultaram da proposição que orientou a
prática escritora tendo como cenário uma praça, cujos acontecimentos observados
seriam utilizados como material para a proposta de trabalho contida nas orientações
da primeira produção.
A análise foi organizada da seguinte forma: na produção inicial e na
reescrita, analisaríamos os textos enfocando alguns aspectos relacionados a sua
composição, como os mecanismos de textualização e mecanismos enunciativos
conforme Bronckart (2012). Na produção final, procuraríamos contemplar elementos
voltados para a dimensão global, levando em conta a abordagem do autor e
apoiando-se também nos critérios estabelecidos por Antunes (2010).
Finalmente, vale salientar que os alunos conseguiram evidenciar em suas
produções as principais características da crônica e que, parte do êxito devido à
compreensão e materialização dos elementos desse gênero nos próprios textos é
resultante do planejamento de oficinas com práticas de letramento, colocando-os em
situações de produção textual que tornavam mais perceptíveis, por exemplo, o
caráter cotidianístico, o caráter subjetivo, o uso da ironia, dentre outros aspectos que
102
permeiam o gênero textual crônica, como pode-se observar nos textos analisados,
embora não nos detenhamos na análise desses elementos.
5.1 ANÁLISES DAS PRODUÇÕES COM VISTAS A ASPECTOS DE SUA
CONSTRUÇÃO
Segundo Bronckart (2012), a produção textual enquanto materialização da
linguagem pode ser influenciada por mundos formais – físico, social e subjetivo –
que incidirão na organização do texto, a partir das representações externas ou
interiorizadas pelo seu produtor. O autor reforça que as representações sobre os três
mundos podem ter duas direções: por um lado, como contexto da produção textual e
por outro lado como conteúdo temático ou referente, ou seja, essas representações
decorrem tanto dos conhecimentos que se constroem a partir das situações de
interação e comunicação, como dos temas a serem abordados.
Desse modo, o estudioso (2012) estabelece uma divisão dos fatores ligados
ao contexto de produção que interferem nos comportamentos verbais do sujeito em
dois planos: no primeiro plano estaria o mundo físico, relacionado ao lugar e
momento de produção, aos interlocutores, segundo o qual a ação de linguagem é
resultado de um comportamento verbal concreto. No segundo plano, estariam o
mundo social e subjetivo, que denomina de contexto sociosubjetivo, segundo o qual
o lugar social, a posição social dos interlocutores e o objetivo de interação se
constituem nos principais parâmetros desse contexto.
Em relação ao conteúdo temático, as representações são construídas
também pelos produtores, embora sua análise independa desses mundos formais. A
compreensão de que um texto deve ser analisado observando o conjunto de
aspectos que estabelecem uma estrutura significativa, coerente e com status de
texto é compartilhada, entre outros autores, por Antunes (2010), segundo a qual
todo e qualquer aspecto é material de análise nos textos, pois “neles toda língua, em
suas múltiplas dimensões pode estar presentes” (p. 55), embora reconheça que não
dão conta de abranger “todos os fatos linguísticos e todos os aspectos responsáveis
por sua funcionalidade sociointerativa” (p. 55).
103
Nessa perspectiva, na primeira produção e na reescrita, procuramos analisar
como as ideias foram organizadas pelos alunos e a que elementos recorreram no
processo de elaboração e reelaboração textual para que tivéssemos uma visão mais
ampla desse conjunto, observando, sobretudo, as reflexões sobre a organização do
texto e orientações para análise desses elementos, segundo os postulados de
Bronckart (2012).
5.1.1 Análise das produções de Beta
5.1.1.1 Produção inicial de Beta
Figura 24 - Produção inicial de Beta
Fonte: Arquivos da pesquisa (2015)
A aluna começa o texto evidenciando no título em que gênero pretende
desenvolver sua produção, organizando suas ideias em apenas um parágrafo. No
início cita objetos que compõem um espaço, a princípio não especificado, mas que
pode ser identificado pela referência feita aos objetos, bem como pela locução
adverbial “na vitrine” que denota se tratar de uma loja.
O plano geral do texto é construído com a introdução de uma sequência
narrativa em que são inseridos personagens – duas crianças, uma jovem - reforçado
o cenário onde os fatos se delinearão – a vitrine – utilizando modalizadores verbais
para indicar diversas ações e o estado das personagens – “passou”, “parou”, “ficou
olhando”.
Apesar de praticamente não usar sinais de pontuação, os mecanismos de
conexão são assegurados pelo uso de uma série de verbos que mostram toda a
sequência dos acontecimentos e, consequentemente, a dinâmica da narrativa. A
Crônica
Equipamentos Eletrônicos, na vitrine / tinha uma linda guitarra , Passou / uma jovem com duas crianças em / frente, só uma criança parou e ficou / olhando, a vitrine a mãe não percebeu / que ele tinha ficado pra traz, voltou e / chamou vamos filho ta tarde e eu tou / com sono, amanhã ajente vem, o / menino começou a chorar porque queria / a guitarra, a irmazinha quando percebeu que seu irmao queria uma / guitarra também queria, a mãe com / muita paciência convenceu ir embora / que voltava no dia seguinte, eles foram / mais ele foi chorando... será que ela vai / voltar mesmo ou mentiu pra ele?????
104
situação de conflito se dá a partir do momento em que uma das crianças fica parada,
admirando o objeto que desencadearia toda a tensão: a guitarra.
Quando o problema surge, os personagens ganham voz através de um
ligeiro diálogo que, apesar de não estar sinalizado, torna-se perceptível pelo uso do
verbo “chamou”. O uso do dêitico temporal “tarde”, da frase “estou com sono” e do
outro dêitico “amanhã” nos faz deduzir que o fato ocorre bem depois do horário
comercial.
Podemos identificar o clímax da narrativa com a introdução da locução
verbal “começou a chorar” referindo-se à menina, no momento que percebeu a
resistência do irmão em se afastar da loja. Certamente, a compreensão de que o
irmão insistia em ganhar a guitarra foi gerada por uma reivindicação expressa
oralmente pelo menino, pois, mesmo que essa fala não esteja explícita, levando em
consideração a referência “irmãzinha” para citar a criança, podemos inferir que se
trata de alguém bem novo, que não conseguiria ler a cena do irmão desejando
ardentemente a guitarra se estivesse apenas observando tudo que passava.
O desfecho se dá quando a mãe conseguiu convencê-los, argumentando
que voltaria no dia seguinte. Nesse momento, podemos dizer que a aluna
estabelece um diálogo com o interlocutor, deixando que ele tire suas próprias
conclusões, embora, ao afirmar que as crianças saíram chorando, nos dê evidência
de que elas, assim como a autora, não acreditaram nos argumentos utilizados pela
mãe.
Como podemos perceber, apesar de ser curto, o texto traz todas as
características próprias de uma crônica narrativa, apesar da opção por introdução
descritiva que se delineia naturalmente para uma crônica predominantemente
narrativa.
105
5.1.1.2 Atividade de reescrita de Beta
Figura 25 - Atividade de reescrita de Beta
Fonte: Arquivos da pesquisa (2015)
Apesar de a organização do texto continuar se limitando a um parágrafo, já é
possível perceber avanços no título que demonstra preocupação em evidenciar a
temática que será abordada. Ao contrário do que aconteceu na primeira escrita em
que o narrador se comportou como um observador que apenas registrava o que se
passava, resolvendo se posicionar apenas no final da narrativa, nessa versão decide
indicar sua presença na cena: “Estava sentada no banco da praça” ampliando para o
leitor o contexto situacional que, quanto ao acontecimento que desencadeia o
processo composicional, é especificado pela utilização do dêitico de lugar “em
frente”.
De igual modo, o enunciador deixa explícito o local em que se encontram os
objetos – uma loja de equipamentos. No entanto, a compreensão do contexto
imediato ou desenvolvimento do tópico frasal fica comprometida pela omissão de um
elo coesivo entre a locução adverbial e a utilização de sinal de pontuação que
pudesse indicar o término ou continuidade do período no trecho “Em frente uma loja
de equipamentos eletrônicos ia passando uma jovem com seus dois filhos pela
calçada”, dando margem à dupla interpretação, tendo em vista a possibilidade das
seguintes inferências:
a) Em frente (à praça) havia uma loja de equipamentos eletrônicos e ia
passando uma jovem com seus dois filhos, pela calçada;
b) Em frente a uma loja de equipamentos eletrônicos, ia passando uma jovem
com seus dois filhos, pela calçada.
Mãe e filhos
Estava sentada no banco da / praça Em frente uma loja de / equipamentos eletrônicos ia / passando uma jovem com seus / dois filhos Pela calsada O menino / parou e ficou olhando os aparelho / a mãe dele não percebeu que ele / ficou pra traz voltou e chamou / o garoto ele sem querer ir começou / chorar Porque queria uma guita- / rra. a mãe com muito carinho / chamou vamos filho tá tarde / amanhã ajente vem o menino / não queria acordo queria levar / a guitarra a irmãzinha também / queria uma em fim a mãe conse- / guiu convencer as crianças. e foi / embora com os dois ainda choran- / do.
106
Na ausência da pontuação e dos parágrafos, os verbos de ação garantem a
progressão temática, o que demonstra que embora haja insegurança quanto ao uso
adequado dos sinais de pontuação e das letras maiúsculas e minúsculas, a aluna
busca meios de suprir essa dificuldade, preocupando-se em tornar o texto
compreensível.
A sequência textual não apresenta mais nenhuma alteração em relação à
primeira produção, a não ser no final em que foi retirado o questionamento, uma
espécie de convite para o leitor dialogar com o narrador, o que acaba se constituindo
na perda do recurso da ironia.
5.1.2 Análise das produções de Órion
5.1.2.1 Produção inicial de Órion
Figura 26 - Produção inicial de Órion
Fonte: Arquivos da pesquisa (2015)
Organizado em cinco parágrafos, o texto se desenvolve em torno da
temática da praça como um lugar de encontro entre o presente e o passado de
Órion. A progressão temática se evidencia pelos elementos anafóricos recorrentes
pelo uso repetido de “praça” em locuções adverbiais - “na praça”, “toda a praça”,
“naquela (praça)”; “na praça”; “ praça” - e pelos advérbios “ali”, “lá”.
“A Praça”
Hoje estive na praça, no centro da cidade de / Currais Novos, onde moro desde
pequeno. Ao chegar na praça dei voltas e depois sentei / em um dos bancos, que ali existem,
quando sentei / olhei fixamente para toda a praça e logo vieram / boas lembranças. Lembrei que quando jovem, eu / quase todos os domingos estava naquela, e vi / algumas senas parecidas como as de antigamente, poreim hoje vejo menas pessoas no centro da cidade.
Hoje sei que antes as pessoas gostavam mais / de estarem juntas na praça e como seria bom / se os jovens ainda gostassem de está na praça.
Fazia muito tempo que eu tinha ido lá pra / sentar e ficar pesando nos muitos momentos / que vivi lá, me lembrei de todas as vezes que / logo após as missas dominicais, eu ia brincar, / comer pipocas e depois pouco maior ou seja / adolecente ia namorar.
É uma pena que a maioria dos jovens / não tenha tempo de ir a praça e ver / como é maravilhoso esta na
“PRAÇA”
107
No segundo parágrafo, são usados marcadores temporais e espaciais –
“hoje”, “desde”, “na praça”, “no centro”, “na cidade”, “onde” – de modo a situar o
leitor quanto ao tempo e à posição do narrador.
A ênfase no papel da praça para retornar ao passado faz com que as cenas
do presente desapareçam, como se naquele momento não houvesse ninguém e
nada acontecesse. As ações indicadas pelos verbos na primeira pessoa do singular
reforçam essa profunda imersão: “dei voltas e depois sentei...” “... quando sentei
olhei fixamente...”.
Simultaneamente, os dêiticos temporais localizam cada momento da
enunciação ou seja, os momentos em que o retorno ao passado foi acontecendo:
1º - “Ao chegar” (quando cheguei);
2º - “depois sentei”;
3º - “logo vieram boas lembranças”.
O uso do dêitico “lentamente” informa o modo contemplativo com que o
narrador personagem retoma suas lembranças. O trecho seguinte revela uma certa
confusão mas, ao mesmo tempo, marca a saída do estado de transe: a praça não
está mais vazia, é o que indica o trecho que afirma haver semelhanças entre as
cenas do presente e as de antigamente.
“... vi algumas senas parecidas com as de antigamente.”
Com certo ar de decepção, afirma melancólico:
“...porém hoje vejo menos pessoas no centro da / cidade...”
No terceiro parágrafo, há uma reflexão e ao mesmo tempo uma constatação
quanto ao nível de interesse pela praça por parte de um público específico – os
jovens:
“Hoje sei que antes as pessoas gostavam mais de estarem juntas na praça e
como seria bom se os jovens ainda gostassem de está na praça”
No quarto parágrafo, podemos entender melhor esse olhar voltado para os
jovens: a praça está, sobretudo, fortemente ligada com os momentos vivenciados
nessa fase da vida em que começaram os primeiros namoros. O último parágrafo
reforça a importância histórica daquele cenário, o que, provavelmente, motivou o
mesmo destaque conferido ao título.
108
5.1.2.2 Atividade de reescrita de Órion
Figura 27 - Atividade de reescrita de Órion
Fonte: Arquivos da pesquisa (2015)
De modo geral, a reescrita não apresenta maiores alterações em relação à
produção inicial. No entanto, é possível perceber o esforço de intervenção como
alguns acréscimos, trocas ou supressão de palavras e a reorganiização dos
parágrafos. O que pode parecer mais significativo é a particularização da praça
através da inserção de “central” no título. No primeiro parágrafo, a repetição da
locução “no centro”, embora não acrescente significado ao parágrafo e provoque
redudância, é outro indício desse esforço.
Há também a decisão em aumentar o número de parágrafos, o que não
significa acréscimo de informação, mas, a tentativa de reagrupamento do primeiro
parágrafo com parte do segundo parágrafo e o desmembramento do quinto
parágrafo que foi transformado em dois parágrafos.
A Praça Central Hoje fui a praça no centro da cidade, no centro de / Currais Novos, onde moro
desd05 anos e ao chegar / na praça dei algumas voltas e logo depois sentei / em um dos bancos que ali existem, quando sentei / olhei fixamente para todos os lados da praça, / logo vieram boas lembranças.
Lembrei que quando muito jovem eu ia qua- / se todos os domingos até a praça, e ter ido / depois de tanto tempo me fez lembrar de fatos/ do passado, porem hoje vejo tão poucas pessoas / no centro da cidade, na praça Central.
Hoje pude ver que no passado as pessoas / gostavam mais de estarem mais juntas na praça, parei um instante e pensei como seria / bom se a maioria das pessoas ainda pudessem / encontrar-se com mais frequência na praça.
Depois de tanto tempo, poder sentar no banco / da praça e imaginar os muitos e muitos momentos que / ali vivi, foi ótimo, lembrei de todas as vezes / que logo após as missas dominicais , eu me / divertia bastante naquela praça.
Também na praça central já fui na adolecência / comecei os primeiros namoros. É uma grande pena que a maioria dos / jovens não tenham tempo de ir a praça e
/ ver como é maravilhoso esta na “PRAÇA”.
109
5.1.3 Análise das produções de Wei
5.1.3.1 Produção inicial de Wei
Figura 28 - Produção inicial de Wei
Fonte: Arquivos da pesquisa (2015)
O texto de Wei não apresenta título e se organiza em apenas um parágrafo
em que são relatadas cenas visualizadas pelo aluno que revela: “o que vi foi as
criaça Bincado, gostano di mais...”; ”... a mãe senpri xamava e xamava”; as criaça
sircorava para não i para A sua casa.”.
Desse modo, a crônica apresenta uma breve sequência narrativa em que
uma criança se diverte enquanto brinca com areia e insiste em permanecer no local,
quando é chamada pela mãe. Para conectar as ideias, por falta de repertório e pela
dificuldade em utilizar os sinais de pontuação, o uso do conectivo “i/é – e – são
recorrentes.
Podemos perceber uma dificuldade muito grande do aluno em dar corpo ao
texto e ao mesmo tempo um esforço em tentar realizar a proposta de produção que,
de modo geral, torna-se de difícil compreensão para seus possíveis interlocutores,
mas não impossível.
O que eu vi foi as criança bircado gostano / di mais num pé de cocó com Areia i / serpri qui ela Bircava axava Bom i A / maê sepre xamava ela não ligava Para / ela que a mae falava é ela sepri Bircava / corlate di um lardo quarto i um Porco / mais sAia para confessa com um adunto / com fosse perdi espriquação i a mamãe ´/ xamava i xamava i um o pé di coco foi / A bardonado pela As criança i a mamae / dizia Filia vamo iBora para casa A / criaça sircorova Para não e Para A Sua casa.
110
5.1.3.2 Atividade de reescrita de Wei
Figura 29 - Atividade de reescrita de Wei
Fonte: Arquivos da pesquisa (2015)
A princípio, é utilizada a locução adverbial “Naquele dia” para situar o fato
visualizado no tempo e “na praça” para fazer referência ao espaço. Há ainda o
registro da reação do narrador diante da cena que o deixou “surpreso”, de modo a
recorrer à cena e aproveitar melhor o conteúdo do que presenciara. Além disso,
tenta demonstrar uma dinâmica maior quanto ao que se passava no local ao afirmar
ter visto muita coisa importante.
A dificuldade em avaliar a própria produção, ainda que sob orientação da
professora, é demonstrada no decorrer do texto a partir da supressão de
informações, como ocorre na tentativa de estabelecer um diálogo entre as
personagens contida na primeira produção, e da repetição desnecessária de uma
mesma ideia:
“...prezessei muita coirza importante...” - presenciei muita coisa importante
“...ve muita coirsa importante...” - vi muita coisa importante
Nesse processo, talvez, devido à falta de clareza quanto à definição da
própria temática, o texto permaneceu sem título, embora haja alguns indícios de
reflexão sobre a apresentação das ideias, perceptíveis quando situou a cena no
tempo e no espaço. Alguns avanços do aluno são, portanto, perceptíveis.
na quele dia que eu foi ar prassa / prezessei muita coirza importante / de mais que eu fiquei muito surpeso / de ve muita coirsa importante e / escorzivo (inclusive) ar criança bricando de o lado / puouto (pro outro) em ela queria de maneira / de ferente achava muito bom e ela / não pecebia que a sua, mais (mãe) a darva (andava) / de um lado pruoto e xamava para e (ir) embora para / casa
111
5.1.4 Análise das produções de Ain
5.1.4.1 Produção inicial de Ain
Figura 30 - Produção inicial de Ain
Fonte: Arquivos da pesquisa (2015)
O texto “brincadeira”, organizado em três parágrafos, retrata em sua
composição algumas situações observadas pelo narrador, as quais mostram um
pouco da dinâmica da praça e reforçam a mensagem contida no título: a praça é um
local de entretenimento para muitas pessoas.
No primeiro parágrafo, há o relato de um momento de descontração entre
pai, filho e filha. No meio deste, fica clara a perda de visibilidade ou de interesse do
narrador em relação à continuidade da cena, cuja narração é interrompida
bruscamente quando informa: “minhas colegas de aula foram para o meio”.,
Igualmente de forma abrupta, o fato é retomado para dar sequência às ações das
personagens, como pode-se perceber no fragmento abaixo:
“... o pai pegou os filhos e se retirara / do local, foram lanchar pois quando terminou vou-
/ tara novamente a brincar de bola no mesmo / local e a criaças adoraram ficaron muito
felizes.”
No segundo parágrafo, a progressão do tema é assegurada pela locução
adverbial “Mais na frente” que introduz outra situação observada na praça: “um
senhor escorado na palmeira com sua bicicleta”. O narrador faz questão de
demarcar o tempo em que esteve observando aquela cena, “vinte e seis minutos”,
(brincadeira) logo quando cheguei na praça olhei um pai / brincando de bola, mais seus dois filhos,
logo / a brincadeira parou, minhas colegas de aula foram / mesmo para o meio da, , o pai pegou os filhos e se-retiraro / do locau, foram lanchar pois quando terminou vou- / taro novamente a brincar de bola no mesmo local / e as criaças adoraram ficaram muito felises.
Mais na frente encontrei um senho escora- / do na palmeira com sua bicicleta fiquei olhan- / do mechamou muito a tenção porque eu marquei / 26 minuto e ali estava o senho escorado, eu / me adimirei tanta paciencia da quela pessoa.
Ao meu lado 2 crianças brincando uma menina / e um menino o mais novo do que a menina / era danado jogando areia p/ cima – a menina falou / para de jogar areia , Filipe, eu já falei, - o menino / disse, não vou parar – é, assim, espere um pouco, vou / falar p/ mãe, o menino não gostou e jogou uma / pedra na cabeça da menina, a menina começou a / chorar, a mãe falou – o que foi isso – a menina / respondeo foi ele que jogou uma pedra na minha cabe- / ça, amãe pegou os dois e colocou de castigo. assi / terminou a brincadeira das criança.
112
anunciando outro público que, como ele, apenas observava a praça, ao que
interpretou como sendo uma atitude passiva.
O dinamismo do local volta a ser mostrado no terceiro parágrafo em que faz
mais uma narrativa breve envolvendo duas crianças e uma mulher. Uma cadeia de
referentes se estabelece através do uso de formas nominais reiteradas e
semelhantes, e da repetição de palavras idênticas.
“Ao meu lado 2 crianças brincando uma menina / e um menino o mais novo do que a
menina / era danado jogando areia p/ cima – a menina falou: / para de jogar areia, Filipe,
eu já falei – o menino / disse, não vou parar – é, assim, espere um pouco, vou / falar p/
mãe, o menino não gostou e jogou uma / pedra na cabeça da menina, a menina começou
a / chorar, a mãe falou – o que foi isso, - a menina / respondeo – foi ele que jogou uma
pedra na minha cabe- / ça amãe pegou os dois e colocou de castigo. Assi / terminou a
brincadeira das criança.”
crianças – uma menina e um menino – das criança – os dois
o mais novo – danado – Felipe – ele
a menina – da menina
Ainda no último parágrafo, o dinamismo da cena tem continuidade pela
presença do diálogo. Trata-se de um trecho em que ficam perceptíveis elementos da
narrativa tais como: tema, personagens, conflito, clímax e desfecho, sendo que nos
parágrafos anteriores já é possível identificar o espaço e do tempo.
O conjunto do texto reproduz para o leitor os diferentes usos da praça, o
espaço utilizado apenas para relaxar, o local apropriado para levar as crianças ou
para se divertir.
113
5.1.4.2 Atividade de reescrita de Ain
Figura 31 - Atividade de reescrita de Ain
Fonte: Arquivos da pesquisa, 2015.
O texto reescrito de Ain se organiza em torno de oito parágrafos em que
torna-se evidente a opção do narrador em fazer um recorte da primeira produção e
detalhar apenas um dos fatos observados. A escolha do título “Um acontecido na
praça” confirma essa intenção e indica a temática que será tratada.
O tempo e o cenário de ação são apresentados no primeiro parágrafo pelos
dêiticos de tempo “No dia 15/09/2015, quando logo...” e lugar “...cheguei na praça”.
A presença do narrador-observador no cenário dos fatos faz-se conhecer pelos
verbos “cheguei”, “parei” e “observei” e os personagens da história também são
apresentados: o pai e as crianças,.
O segundo parágrafo, muito breve, se limita a informar uma ação do pai.
Essa opção por expor as cenas se verifica também ao longo dos demais parágrafos
– 2º ao 7º – em que os verbos de ação encontram-se no presente, como se o
narrador não tivesse conseguido sair do momento em que os fatos aconteciam:
2º parágrafo: “ O pai sai...”
3º parágrafo: “Paulinho corre...”;
4º parágrafo: “Sua irmã logo toma um susto e grita...”;
5º parágrafo: “O menino se assusta...”
6º parágrafo: “O pai não sabendo de nada chega e olha sua filha...”
Um Acontecido na Praça
No dia 15/09/14, quando logo cheguei na / praça parei e observei um pai e duas
crian- / ças, tavam brincando com a bola. O pai sai para comprar alguma coisa para / comer. Quando derrepente, Paulinho corre para pe- / gar a bola, que tinha ido para
outro la- / do da rua. Sua irmân logo toma um susto e gri- / ta – Paulinho o carro!
O menino se asusta com o carro, que quase / le atropela. O pai não sabendo de nada chega e olha / sua filha Marília e Paulinho
chorando. _ ele nervoso Pergunta: o que acontecia. a menina falou _ o carro quase atropelou Pau- / linho. _ O pai ainda abalado não acreditar no/ que tinha acontecido e logo pegou os dois / e foram para casa.
114
7º parágrafo: “ele nervoso pergunta...”
Em relação à estrutura composicional, no terceiro parágrafo, o advérbio
“quando” e a locução “derrepente” (de repente) são usados para complementar a
ideia do período anterior e introduzir o conflito da situação.
No 4º parágrafo assim como no 7º parágrafo, há a introdução de um diálogo
entre as personagens e o desfecho ocorre naturalmente no 8º parágrafo. Apesar de
os parágrafos estarem organizados de forma aleatória, a progressão temática é
garantida pelo uso de formas verbais e pela recorrência aos dêiticos de tempo:
“quando”; “de repente”, “logo”, “ainda”. As cadeias referenciais se realizam no
decorrer dos parágrafos, por meio de: formas nominais reiteradas e sinônimas;
pronomes – lhe, ele; numerais – duas, dois e elipses.Como referentes, retomam, por
exemplo:
Pai Paulinho irmã
A segunda produção, revela a compreensão de reescrita mais como
processo de exclusão, retirada de elementos ou fatos, do que reorganização das
ideias. Independente desse entendimento, o aluno demonstra esforço e interesse
em aperfeiçoar a produção.
115
5.1.5 Análise das produções de Delta
5.1.5.1 Produção inicial de Delta
Figura 32 - Produção inicial de Delta
Fonte: Arquivos da pesquisa (2015)
A produção inicial de Delta, “Encontro na praça”, está organizada em oito
parágrafos cujo título, a princípio, dar margem para que o leitor imagine mais de uma
possibilidade de encontro, logo revela tratar-se das amigas de outrora, remetendo ao
passado da observadora. O encontro anunciado, entretanto, acontece apenas na
perspectiva da escritora, visto que, em nenhum momento, há, de fato, qualquer tipo
de contato entre as partes.
No parágrafo inicial, a intenção é informar ao leitor quanto ao propósito comunicativo
que está na praça com o objetivo de extrair daquele cenário o objeto para sua
produção textual, diferentemente das outras pessoas. Para reforçar sua intenção
usa a expressão modalizadora “Não posso deixar de relatar”, recorrendo ainda à
modalização apreciativa “interessante”, que indica o grau de envolvimento com a
atividade realizada, definindo-a com uma “missão”.
Para estabelecer uma relação com o parágrafo anterior, o segundo
parágrafo é introduzido pelo conectivo “e”, seguido de um dêitico temporal – quando.
As expressões modalizadoras utilizadas em todo plano textual expressam o
“ENCONTRO NA PRAÇA”
Não posso deixar de relatar / esse momento interessante, vim até / aqui com a missão de escrever / sobre qualquer cena que me chamasse a atenção.
E quando cheguei tive uma sur- / presa muito boa: colegas que / não via a tempos estavam aqui / se exercitando com uma turma / muito bacana. Gostei de ver como / elas são dedicadas, pois traba- / lham o dia inteiro e ainda / acham tempo e disposição para / cuidarem do corpo e da mente.
Sempre com aquele sorriso es- / tampado no rosto felizes com o / que estavam fazendo.
Me vi ali com elas fazendo / ginástica e sorrindo muito, pare- / ciam se divertirem e eu se não / estivesse escrevendo com certeza / estaria com elas, naquela brinca- / deira gostosa.
Queria continuar aquí nesse banco / de praça, a observar tudo, ouvindo / uma boa música, mas tenho que / voltar, meu tempo acabou.
Espero reve-las em outra oportu- / nidade pra gente jogar conversa fora. O importante é que consegui achar / o momento que eu estava
procurando. Pra encerrar adorei a experiência / é muito bom se sentir quase uma /
escritora.
116
envolvimento emocional da aluna com os momentos vivenciados,: “tive uma
surpresa muito boa”; “gostei de ver...” (2º parágrafo); “me vi ali com elas fazendo
ginástica e rindo muito...”; “... se não estivesse escrevendo com certeza estaria com
elas...” (4º parágrafo); “Queria continuar aqui...” (5º parágrafo); “Espero revê-las...”
(6º parágrafo); “...adorei a experiência...); é muito bom se sentir...” (8º parágrafo).
A organização dos parágrafos se dá de forma intuitiva, como pode ser
comprovado no terceiro parágrafo em que apenas complementa uma ideia citada
anteriormente, provocando uma quebra na progressão do texto.
“... sempre com aquele sorriso es- tampado no rosto, felizes com o / que estavam fazendo.”
Nos parágrafos seguintes, o relato continua e a aluna demonstra um olhar
mais contemplativo, apreciativo, que pode ser identificado, sobretudo, nas
expressões modalizadoras, como comprova-se no trecho seguinte:
“Me vi ali com elas fazendo / ginástica e sorrindo muito, pare- / ciam se divertirem e eu se não / estivesse escrevendo com certeza / estaria com elas, naquela brinca- / deira gostosa.
Queria continuar aquí nesse banco / de praça, a observar tudo, ouvindo / uma boa música, mas tenho que / voltar, meu tempo acabou.
Espero reve-las em outra oportu- / nidade pra gente jogar conversa fora. O importante é que consegui achar / o momento que eu estava procurando.”
O processo de referenciação anafórica é evidenciado no decorrer do texto
pela retomada dos seguintes termos:
Encontro na praça – “esse momento interessante” (1º parágrafo);
praça – (1º parágrafo);
colegas – elas (2º e 3º parágrafos); revê-las (6º parágrafo);
ginástica – brincadeira gostosa (3º parágrafo);
No quinto parágrafo, a referenciação catafórica ocorre por meio do uso do
marcador espacial “aqui” indicando não mais a praça, mas especificamente o “banco
da praça”.
“Queria continuar aquí nesse banco / de praça, a observar tudo, ouvindo / uma boa música, mas tenho que / voltar, meu tempo acabou.”
117
Da mesma forma que no início, a aluna anuncia nos dois últimos parágrafos
o término do texto e da estadia na praça, através das expressões modalizadoras
“tenho que voltar...” (5º parágrafo); “Pra encerrar...” (último parágrafo).
O prazer em realizar a atividade fica evidente em toda a produção,
expressando assim uma avaliação positiva da aluna em relação ao momento
vivenciado. A escolha em se colocar no texto, a contínua inserção da aluna no
universo em que se deu a produção torna-se perceptível pelas escolhas linguísticas,
sobretudo dos verbos em primeira pessoa, comprovando o envolvimento emocional
com o seu objeto de análise: a praça.
5.1.5.2 Atividade de reescrita de Delta
Figura 33 - Atividade de reescrita de Delta
Fonte: Arquivos da pesquisa (2015)
Na versão reescrita, Delta não apresenta quase nenhuma alteração do texto,
a não ser pela reorganização dos parágrafos, antes oito e agora apenas cinco;
“ENCONTRO NA PRAÇA”
Cheguei aqui com a missão de / escrever qualquer cena que me / chamasse
a atenção e de cara / não posso deixar passar esse mo- / mento tão bom, colegas que não via a / tempos aqui se exercitando / com uma turma muito bacana. Gostei / de ver como elas são dedicadas pois / trabalham o dia inteiro e ainda acham / tempo e disposição para cuidarem do / corpo e da mente, sempre com aquele / sorriso estampado no rosto felizes com o que estavam fazendo.
Me vi ali com elas praticando gi- / nastica e sorrindo muito, curtindo uma musica animada e mandan- / do toda a tristeza, dores, mau hu- / mor e cansaço do dia a dia irem embora.
Queria continuar aqui nesse banco / de praça a observar tudo, ou como/ diria uma pessoa que conheci outro / dia “a escrevinhar” mas tenho que- /
voltar, meu tempo aqui acabou pre- / ciso agora melhorar minha estória. Espero reve-las em outra oportuni- / dade pra gente jogar conversa fora, o /
importante é que consegui cumprir a / minha missão e achar algo interes- / sante para escrever, adorei a esperiência / é muito bom me sentir quase uma “uma /escritora”.
Só não posso deixar de frizar o or- / gulho que sinto em ser “MULHER” e o/ porque é simples somos guerreiras, faze- / mos tudo, resolvemos qualquer problema, / cuidamos da família, cuidamos da casa, dos filhos, do marido, de nós / mesmas e ainda trabalhamos fora.
Esses são os motivos que me deixa/ orgulhosa e ainda sobra um tempinho / para fazer ginastica na praça.
118
inversão de períodos no interior dos parágrafos; substituição de expressões ou
palavras por outras sinônimas e exaltação da mulher no último parágrafo.
No primeiro parágrafo, reúne as ideias contidas nos três primeiros
parágrafos da produção inicial, utilizando o advérbio “aqui” para situar o leitor em
relação ao lugar em que se encontrava. Ao decidir deslocar períodos e agrupar os
três parágrafos, a aluna suprimiu a frase “tive uma surpresa muito boa”, embora
afirmasse “de cara não posso deixar passar esse momento tão bom”, diminuindo o
impacto demonstrado anteriormente por esse encontro com o passado.
No segundo parágrafo, como nos demais, nenhuma intervenção significativa
é realizada, a exemplo do primeiro, a não ser as trocas de palavras ou expressões
por outras equivalentes e acréscimo de períodos, que enfatizam o estado de espírito
das mulheres cujos exercícios na praça serviam para “mandar toda a tristeza, dores,
mau humor e cansaço do dia a dia embora”, dando indícios de serem senhoras
maduras.
Desse modo, a intervenção mais significativa parece ser a reorganização
dos parágrafos. No final, a aluna acrescenta um parágrafo que demonstra o desejo
de enfatizar a figura feminina frente às inúmeras responsabilidades do cotidiano.
5.1.6 Análise das produções de Alya
5.1.6.1 Produção inicial de Alya
Figura 34 - Produção inicial de Alya
Fonte: Arquivos da pesquisa (2015)
O nosso dia a dia
Vivemos em uma cidade bastante / agradavel, bem movimentada, cheia
de / eventos, festas e cada um dos seus / organizadores com seus afazeres. A noite costumamos sair para / nos divertimos um pouco, levando / as
crianças na praça para que / possamos nos distraimos, observa- / do com bastante atenção tudo que / acontece em nosso auredor.
O que mais nos chama atenção é / as aulas de educação física em que / a maioria dos alunos são de teceira / idade, mais com grande disposisão / e em primeiro lugar cuidado bem / a sua saúde, enquanto iso do outro / lado observamos casas, crianças brin- / cando e cada um se divertindo da / maneira que pode.
119
O texto de Alya que está organizado em três parágrafos, não segue a
orientação inicial, que era obter na praça uma cena para elaboração do texto.
Diferentemente disso, inexplicavelmente, se refere a festividades, eventos que, de
fato não retratam a cidade.
No segundo parágrafo, a introdução feita com o modalizador temporal “à
noite” reforça a intenção de evidenciar a dinâmica noturna da cidade, citando a
praça como um espaço de lazer que se costuma frequentar. A aluna atribui às outras
pessoas também a tarefa que a trouxe até ali, afirmando ser esse um dos objetivos
dos transeuntes, o que demonstra certa dificuldade em encontrar a cena ideal para
criar a crônica:
“... para que possamos nos distrairmos, observa com bastante atenção tudo que acontece em nosso auredor.”
De modo geral, a sequência apresentada é predominantemente descritiva e
mantém dois focos: a cidade como um todo, no primeiro parágrafo, e a dinâmica da
praça no 2º e 3º parágrafos. Alya, portanto, limita-se a descrever os cenários
visualizados a partir das memórias ou do momento no qual se encontra.
A expressão catafórica “O que mais nos chama a atenção” foi usada para
anunciar um dos atrativos do lugar: “as aulas de educação física” com o público
idoso e introduz pela primeira vez o ponto de vista da escritora:
“... idade, mais com grande disposisão e em primeiro lugar cuidado bem / a sua ...”
A expressão dêitica temporal e de lugar “enquanto isso, do outro lado da rua”
anuncia o encerramento do texto, centrando-se mais uma vez no relato das
vivências na praça.
Na atividade de reescrita, a aluna apenas copiou, literalmente, o que tinha
sido produzido na versão inicial, sem fazer nenhum tipo de intervenção, mantendo
inclusive os mesmos desvios ortográficos, erros de concordância, distribuição de
parágrafos e ideias apresentadas, ou seja, não houve uma reflexão sobre o texto
elaborado.
120
5.1.7 Análise da produção de Sirius
5.1.7.1 Produção inicial de Sirius
Figura 35 - Produção inicial de Sirius
Fonte: Arquivos da pesquisa (2015)
Diferentemente dos alunos, Sirius não participou da primeira oficina que
ocorreu na praça, segundo o próprio aluno por não estar preparado para escrever
um texto. Por isso, só depois de muita insistência, resolveu elaborar uma produção
sem, no entanto, partir da escolha de uma cena como sugerido à turma.
O texto “Nossa vida”, segundo Sirius uma forma de desabafo, expõe a
insatisfação diante da omissão de políticos e cidadãos frente ao cumprimento e
execução das leis. No início do texto, o modalizador “Há muito tempo” além de
sinalizar para a problemática que será abordada, reforça a insatisfação e resignação
expostas.
Assim como a aluna Beta, o aluno não observou a proposta para a produção
inicial, escrever a partir da observação da praça. Dessa forma, optou por abordar
uma problemática, a partir de sequência expositivo-argumentativa, embora não haja
argumento de autoridade para a discussão proposta, mas o ponto de vista de um
cidadão pautado no sentimento de indignação.
Apesar de, aparentemente, estar organizado em três blocos, o segundo
parágrafo dá continuidade à ideia abordada no período que “encerra” o primeiro
parágrafo, acontecendo o mesmo com o que seria o terceiro parágrafo,
demonstrando que o aluno não tem clareza nem segurança quanto à organização
das ideias no plano textual. Assim como Beta, apesar das orientações, Sirius teve
nossa Vida
Há muito Tempo nosso pais Perdeu o respeito a / vida. Quando digo nosso Pais / me Refiro Tantos aõ governante quanto / aõ cidadãos, Não todos claro, mais / uma parte que possui um grande / peso em nosso dia a dia. Mesmo sob todas as leis que nos/ regem e que não são compridas, alem / de Falta de bom senso e Racionalidade / para tantos. mais simples decisoes no que diz a / Respeito a nossa vida e sua pratica que / Teremos que Partir para a ultima / instancia a Pena de morte Para que / a cordarmos no choque essa pacela / da sociedade Ficam a sequer a minha sugestoes aõ Povo desse país.
121
dificuldades em realizar a reescrita e apenas passou o texto a limpo, o que é
perfeitamente compreensível, considerando que, além de estar retornando à escola
depois de alguns anos sem estudar, nunca havia realizado uma atividade dessa
natureza.
5.2 ANÁLISE DAS PRODUÇÕES FINAIS CONTEMPLANDO OS ASPECTOS
GLOBAIS DA CONSTRUÇÃO
Antunes (2010, p.55) ressalta que “os textos são o campo natural para a
análise de todos os fenômenos da comunicação humana. Neles é que os aspectos
da produção, da recepção de nossas atuações verbais se tornam acessíveis à
observação”. A autora observa que o processo de análise de textos deve ser guiado
pela observação do todo que o constitui, dos aspectos que tornam possível sua
elaboração, devendo ser esse olhar, sobre o global, o ponto de partida e objetivo de
chegada que norteiem toda e qualquer análise.
A autora esclarece ainda que
essa abertura de possibilidades não implica que, metodologicamente, não escolhamos um recorte entre as questões analisáveis. O “tudo” que é possível ver em textos será desapontador e improdutivo se não for submetido a um determinado recorte em torno daqueles fenômenos a serem analisados e descritos. (ANTUNES, 2012, p. 55)
A orientação de Antunes (2010) vem acompanhada da observação de que
independe da amplitude da análise que se pretenda realizar e dos aspectos tomados
como elemento de estudo, o texto deve ser sempre o ponto de partida e de chegada
de modo a compreender, principalmente, o propósito comunicativo, as escolhas para
elaboração do texto, tendo em vista um determinado interlocutor, ou seja, a análise
deve ser realizada “sempre em função do sentido, da compreensão, da coerência,
da interpretabilidade do que é dito” (ANTUNES, 2010, p. 59).
Embora admita haver outras possibilidades de analisar a estrutura global de
uma produção textual, os elementos elencados pela autora são definidos como:
a) universo de referência – diz respeito às relações estabelecidas no interior
da produção, com o mundo real ou fictício, e o campo social-discursivo (científico,
didático, religioso, político, artístico, de divulgação, entretenimento, entre outros);
122
b) unidade semântica – tema, tópico ou ideia central em torno da qual o texto
se desenvolve;
c) progressão do tema – capacidade de articular e ampliar as ideias de tal
modo a garantir o desenvolvimento do tema;
d) propósito comunicativo – corresponde compreender a que fim atende:
expor, explicar, convencer, persuadir, informar, relatar, entre outros;
e) esquemas de composição – como são elaborados os textos, que modelos
característicos apresentam, tendo em vista o tipo e o gênero textual;
f) relevância informativa – esse requisito diz respeito ao grau de novidade
que se consegue imprimir ao texto, considerando-se as situações
sociocomunicativas, as circunstâncias de circulação, conforme Antunes (2010).
g) relação com outros textos – diz respeito à presença de outros textos na
elaboração de novas ideias, seja de forma ampla, implícita, seja de forma explícita,
estabelecendo um diálogo mais direto através de alusões, remissões, paráfrases,
citações para atender a determinado propósito comunicativo.
Tendo em vista o objetivo de organizar e publicar uma coletânea com as
produções dos alunos ao término da aplicação da sequência didática, considerando
as inúmeras dificuldades demonstradas no processo de reescrita, em que alguns
dos alunos sequer conseguiu realizá-la, a produção final foi realizada com
intervenção da professora pesquisadora, de forma individual, levantando
questionamentos sobre as intenções enunciativas e a melhor forma de apresentar as
ideias, com a cooperação efetiva de cada discente.
Como as produções partiram da observação de um mesmo espaço, na
análise de alguns textos exploramos um pouco mais determinados elementos, por
exemplo, universo de referência, unidade semântica, progressão do tema, enquanto
em outros tecemos mais comentários sobre outros elementos como o propósito
comunicativo, a relevância informativa, intertextualidade, de modo a não sermos
redundantes nessa abordagem.
Ressaltamos ainda que alguns desses aspectos sugeridos por Antunes
(2010) não apareceram de forma tão expressiva nos textos analisados, como as
marcas de autoria e intertextualidade explícita, tendo em vista se tratar de escritores
iniciais e sem familiaridade com práticas dessa natureza. Isso aconteceu também,
por exemplo, em relação à relevância informativa que torna-se evidente pelo
123
conjunto da obra, que é a materialização de práticas significativas de escrita por
jovens e adultos.
5.2.1 Produção final de Beta
Figura 36 - Produção final de Beta
Fonte: Arquivos da pesquisa ( 2015)
a) Universo de referência – o texto “Vitrine”, cujo título reflete as intervenções
realizadas pela aluna durante o processo de reescrita e reelaboração das versões
anteriores, traz elementos que dizem respeito ao mundo real, uma situação
envolvendo mãe e filhos e um objeto exposto na vitrine. Por se tratar de uma
crônica, o texto remete para o campo socialdiscursivo do jornalismo, embora a
pretensão principal seja colocar o texto em circulação com pessoas do próprio grupo
social da aluna, o que faz com que a linguagem utilizada seja simples e as escolhas
lexicais pertençam ao repertório construído no seu cotidiano.
b) Unidade semântica – o texto tem como tema uma vitrine, cujos objetos ali
expostos chamam a atenção de duas crianças, sendo que a guitarra torna-se o
centro do interesse delas, orientando a continuidade do texto.
c) Progressão do tema – o desenvolvimento do texto resulta da sequência de
fatos que tem como ponto de partida a loja de equipamentos eletrônicos e o desejo
do menino, impossível de ser realizado, uma vez que a loja estava fechada, pois era
Vitrine
Estava sentada no banco da / Praça. Em frente, havia uma / loja de equipamentos eletrônicos. / Pela calçada ia passando uma jovem / com seus dois filhos.
O menino parou e ficou olhando / os aparelhos a mãe não percebeu / que ele ficou para trás. logo que / sentiu sua falta voltou e chamou / o garoto:
_ Vamos filho, está tarde e eu / estou com sono, amanhã a gente / volta. O menino começou a chorar / porque queria uma guitarra. / a mãe
continuou insistindo para irem embora, mas ele não queria acordo. Nesse momento, a irmãzinha começou a chorar, pedindo também uma
guitarra. A mãe, com muita paciência, con- / venceu as crianças a irem embo- / ra
se comprometendo a voltar no dia seguinte. Assim, os irmãos foram para / casa chorando, sem conseguir / ganhar a
tão cobiçada guitarra. será que iria voltar mesmo ou apenas mentiu aquela história para
convencê-los a ir?
124
noite: como reforça o fragmento: ”...está tarde e eu estou com sono, a manhã a
gente volta”. A sequência temporal das ações torna-se evidente no início e interior
dos parágrafos pelas formas verbais: Estava sentada (1º parágrafo); o menino
parou (2º parágrafo); o menino começou a chorar (3º parágrafo); a irmãzinha
começou a chorar (4º parágrafo); os irmãos começaram a chorar (5º parágrafo).
As marcas de tempo, além de serem expressas pelos verbos, também são
evidenciadas pelo uso de advérbios e locuções.
d) Propósito comunicativo – evidencia-se pelo próprio projeto em que está
inserido, a escrita de uma crônica a partir de observação na praça central, embora
houvesse a orientação para ir além dos que os olhos pudessem registrar, o texto
relata um acontecimento com base no que se visualizava: “estava sentada no banco
da praça”; “ia passando uma jovem com seus dois filhos”.
e) Esquemas de composição: tipo e gênero – o texto é do tipo narrativo e se
organiza em torno de fatos reais, do cotidiano que ocorrem próximo à praça (em
frente à vitrine de uma loja), com predominância de verbos no pretérito imperfeito.
Todos os personagens têm um significado expressivo para o desenvolvimento do
texto (mãe, crianças), cujos fatos situam-se em determinado espaço de tempo (o
momento em que o narrador estava sentado em um banco de praça). O narrador é
apenas um observador, apesar de fazer uma espécie de questionamento em relação
ao comportamento da mãe, emitindo um prejulgamento, fazendo uma denúncia
implícita de que muitas vezes as mães inventam histórias para convencer os filhos a
respeito de algo. Pertencente ao gênero crônica, o texto traz o relato de um fato
cotidiano e, embora a aluna não consiga demonstrar um estilo próprio, no final do
texto, vai além do relato de um acontecimento e convida o leitor para uma possível
reflexão: “será que a mãe iria voltar mesmo...”.
f) Relevância informativa – apesar de não ter um enredo que traga grandes
novidades ou surpresas, como em toda narrativa há uma necessidade mínima de ler
o texto completo para poder confirmar um desfecho, ainda que este pareça
previsível.
g) Relações com outros textos – O texto “Vitrine” apesar de não revela
intertextualidade explícita com outro texto específico, a ocorrência de
intertextualidade é percebida quando o narrador, que até então observava a cena,
insere-se no final do texto, levantando um questionamento em torno da veracidade
da proposta da mãe, indicando comportamentos típicos e recorrentes de mães que
125
quando estão diante de situações conflituosas com crianças pequenas, mentem ou
as engana, por isso provoca o leitor: “será que ela vai voltar mesmo ou mentiu pra
ele?”
.
5.2.2 Produção final de Órios
Figura 37 - Produção final de Órios
Fonte: Arquivos da pesquisa (2015)
a) Universo de referência – O texto de Órios remete à realidade psicológico-
afetiva do enunciador que imprime todo o saudosismo dos tempos da
infância e da juventude ao cenário da praça. O título aspeado que causa
certa estranheza, pois, não é comum o título de um texto receber esse
destaque, denota a intenção de evidenciar, chamar a atenção para a
carga significativa da palavra.
b) Unidade semântica – a elaboração da crônica se desenvolve em torno da
descrição das lembranças provocadas pela ida à praça que trouxe à
memória do escritor momentos especiais: da adolescência, do primeiro
namoro, das missas e inúmeros momentos de descontração.
c) Progressão do tema – o ponto de partida do texto é a chegada à praça.
No segundo parágrafo, faz-se a descrição do ambiente e das primeiras
lembranças, as quais vão reconstituindo o fio condutor. Dois momentos
marcam os parágrafos seguintes: no terceiro, um mergulho no passado
A Praça
Hoje fui a praça do Centro de Currais Novos, / cidade onde moro desde os cinco anos.
Chegando lá dei algumas voltas, depois sentei em / um do bancos, fiquei olhando fixamente para todos / os lados. Logo vieram boas lembranças, como / da adolescência; na Praça comecei o primeiros na- / moros.
Lembrei também que quando muito jovem / ia quase todos os domingos aquele lugar e me / divertia bastante após as missas. Porém, hoje vejo / tão poucas pessoas no centro da cidade e doi fico / pensando como seria bom se a maioria das pessoas / pudessem encontra-se com mais freque- / cia na praça.
Depois de tanto tempo foi ótimo poder sentar / no banco da praça e imaginar os muitos momen- / tos ali vividos. Ao mesmo tempo, não posso / deixar de lamentar que a grande maioria dos / jovens não tenham mais tanto interesse nem / tempo de ir a praça, momentos maravilhosos / que o tempo jamais poderá apagar eles, não teram chance de registrar.
126
(lembrei que quando muito jovem...); no quarto parágrafo, o retorno à
realidade e a constatação das mudanças no comportamento dos
principais frequentadores da praça (... não posso deixar de lamentar que
a grande maioria dos jovens não tenham tempo...).
d) Propósito comunicativo – a relação entre presente e passado dá a tônica
da produção, esclarecendo quanto à escolha do aluno na breve
descrição que faz do cenário da praça: possibilitar uma reflexão a partir
da comparação entre as saudosas memórias e a dinâmica do presente.
e) Esquema de composição: tipo e gênero – a crônica predominante
narrativa, traz em sua construção outros elementos característicos do
gênero como: cena do cotidiano para construção da sequência, uso de
verbos de ação e modalizadores espaciais para desenvolvimento do
tema.
f) Relevância informativa – não são apresentadas grandes novidades no
decorrer da narrativa, porém, o leitor poderá ser atraído pelo saudosismo
que o texto traz, estabelecendo uma conexão com as próprias memórias,
pelo menos na parte inicial da produção, apesar de ao longo dos
parágrafos o aluno não conseguir se desprender da situação visualizada
e desenvolver marcas de autoria, o que poderá causar certo desinteresse
no leitor.
g) Relações com outros textos – a intertextualidade que ocorre é de ordem
geral, em que nossas produções estão sempre dialogando com outros
textos.
127
5.2.3 Produção final de Wei
Figura 38 - Produção final de Wei
Fonte: Arquivos da pesquisa (2015)
a) Universo de referência – a produção remete ao mundo real e, mesmo
apresentando sequência muito curta, se materializa em torno de um fato
que aconteceu em determinado espaço, apresentando personagens –
filha e mãe – e um ligeiro conflito: a resistência da criança em ir para
casa. No final da exposição, o narrador insere-se no texto, retomando
uma cena da infância, inserindo um rápido diálogo com sua mãe, de
forma inusitada e interessante.
b) Unidade semântica – o texto se desenvolve em torno das brincadeiras de
criança como em outras produções, e acaba trazendo à tona lembranças
da infância do aluno, nesse caso, sem lamentações, pois o narrador
observador até se divertia visualizando a cena.
c) Progressão do tema – o tema avança à medida que vão sendo dados os
detalhes da brincadeira, a resistência das crianças em ir embora e a
inusitada lembrança do passado.
d) Propósito comunicativo – além do principal propósito, atender a
orientação didática para o processo de produção, essa reelaboração tem
como preocupação envolver minimamente o leitor, tendo em vista que
fará parte de uma coletânea.
e) Esquema de composição do texto: tipo e gênero – há uma sequência
narrativa, perceptível a partir do uso de verbos que demarcam as ações
(fui, presenciei, lembrei) com episódios de descrição que podem ser
atestados, entre outros fatores, pelo uso do imperfeito do indicativo
Naquele dia em que fui à praça / fiquei surpreso com a cena que presenciei/ e ao mesmo tempo lembrei da minha infância. criança brincavam, correndo de / um lado para O outro, mexiam com / areia e ficavam empurravam umas às / outras, tudo na maior algazarra, Elas se divertiam, tanto que nem / percebiam suas mãe, chamando para / ir embora. Lembrei da minha / mãe fazendo a mesma coisa. _ Ei, mínimo, venha sembora pra casa! _ Já vou, mãe. Respondia e fazia carreira pra casa.
128
(brincavam, mexiam, empurravam, divertiam, percebiam) e se insere no
gênero crônica, pelas razões já evidenciadas em outras análises como
temática voltada para o cotidiano das pessoas.
f) Relevância informativa – as relações estabelecidas entre a cena e a
infância do narrador podem ser um fator de relevância para os possíveis
leitores.
g) Relações com outros textos – insere-se no plano da intertextualidade
ampla que, segundo Antunes (2010), está inserida em qualquer ação de
linguagem.
5.2.4 Produção final de Ain
Figura 39 - Produção final de Ain
Fonte: Arquivos da pesquisa (2015)
a) Universo de referência – a crônica de Ain tem como elemento referencial
a cena de pai e filhos em um momento de lazer e descontração.
b) Unidade semântica – o tema se desenvolve a partir da descrição da
brincadeira entre duas crianças, o que desencadeia toda a narrativa.
c) Progressão do tema – após a introdução do texto, o tema avança com o
momento em que, longe dos olhos do pai, as crianças se distraem o que
Um Acontecido na Praça
No dia 15/09/14, logo que cheguei na / praça parei e observei um pai e
duas / crianças que estavam brincando com / a bola. Pouco tempo depois o pai saiu para /
comprar um lanche e as crianças com- / tinuam brincando. De repente Paulinho correu para / pegar a bola, que tinha parar no / parar
do outro lado da rua. Sua irmã ficou apavorada e gritou: – Paulinho, olhe o carro!
O menino se assustou com o carro,/ que quase / o atropelou. Começou a chorar / e chamar pelo pai aos prantos:
O pai não sabendo de nada que / aconteceu ao encontrar Marília e Paulinho chorando, nervoso perguntou:
_ O que aconteceu? A menina respondeu ainda ofegante: _ O carro quase atropelou Paulinho.
_ O pai muito abalado ainda sem / acreditar no que tinha acontecido,/ pegou as crianças e voltou para casa..
129
vai gerar todo o conflito que a narrativa envolve, a partir do qual terá
continuidade.
d) Propósito comunicativo – o relato de um fato configura o principal
propósito comunicativo dessa produção.
e) Esquema de composição do texto: tipo e gênero – composição do gênero
crônica, organizada, sobretudo, em torno de uma sequência narrativa,
situando um fato em determinado tempo (dia 15/09/2014), espaço
(praça), personagens (pai, Paulinho e Marília) conflito (corrida para pegar
a bola no meio da rua), clímax (quase atropelamento) e desfecho (fim
antecipado do programa entre pai e filhos; retorno para casa). Os verbos
de ação no pretérito perfeito são outra materialização do tipo textual.
f) Relevância informativa – a exemplo das produções anteriores,
novamente a relevância dessa crônica não se enquadra, a priori, na
propriedade estabelecida por Antunes (2010, p. 46) segundo a qual “a
relevância informativa do texto tem a ver com sua maior ou menor
novidade, seja ela expressa pela forma, seja ela expressa pelo
conteúdo”, mas, considerando-se as condições de produção, torna-se
relevante pelo projeto inicial da atividade escritora.
g) Relações com outros textos – pela questão da falta de proficiência, não
há relação imediata com outros textos, embora isso esteja previsto no
plano de elaboração, levando-se em consideração as leituras realizadas
de crônicas diversas.
130
5.2.5 Produção final de Delta
Figura 40 - Produção final de Delta
Fonte: Arquivos da pesquisa (2015)
a) Universo de referência – o referencial para a construção desse texto é
um momento feliz, segundo a aluna inserida no contexto da praça,
portanto do mundo real que resultou de uma “missão” como atesta no
início do texto: “Cheguei aqui com a missão de escrever sobre qualquer
cena”. A linguagem utilizada é simples e os destinatários imediatos são
pessoas do círculo de convivência do próprio narrador.
b) Unidade semântica – o tema para a produção é uma aula de ginástica,
que chama a atenção do narrador pelas pessoas envolvidas e o
entusiasmo que demonstram.
c) Progressão do tema – tendo como ponto de partida a “missão” recebida,
a descrição da cena, do perfil das pessoas envolvidas e do sentimento
que provoca na narradora, vão encadeando as ideias e o avanço do
tema.
d) Propósito comunicativo – o texto tem o propósito de narrar e descrever
uma cena e, ao mesmo tempo, chamar a atenção do leitor para
valorização dos momentos simples.
e) Esquema de composição do texto: tipo e gênero – o texto é elaborado
com trechos narrativos, especialmente nos dois primeiros parágrafos,
“ENCONTRO NA PRAÇA”
Cheguei aqui com a missão de es- / crever sobre qualquer cena que me
cha- / masse a atenção e de cara não pu- / de deixar passar esse momento tão / feliz: colegas que não via há tempos estavam aqui na minha frente, se exercitando com uma turma que parecia muito bacana.
Gostei de ver como elas são dedica- / das, pois trabalham o dia inteiro e / ainda acham tempo e disposição para cuidar do corpo e da mente, sempre / com aquele sorriso estampado no rosto, / felizes com o que estavam fazendo.
Me vi alí com elas praticando ginás- / tica, sorrindo muito, curtindo uma / música animada e mandando toda / a tristeza, dores, mau humor e cansaço / do dia a dia embora.
Queria continuar nesse banco / de praça a observar tudo, ou como diria / o escritor e jornalista “GERSON LUIZ” que conheci outro dia, / “a escrevinhar”, mas tenho que voltar, meu / tempo acabou, preciso agora melhorar minha / estória.
131
que podem ser comprovados pelo uso dos tempos verbais seguido de
trechos descritivos em que o narrador emite opinião sobre o
comportamento dos personagens envolvidos.
f) Relevância informativa – levando-se em conta a situação sociodiscursiva,
a produção torna-se relevante pela possibilidade de despertar o olhar do
leitor para os espaços de convivência, muitas vezes esquecidos pela
dinâmica dos tempos atuais.
g) Relações com outros textos – Irandé (2010, p. 77) adverte que “a
intertextualidade está intrinsecamente presente em cada evento de
linguagem” por isso, mesmo implicitamente esse texto se relaciona de
alguma forma com outros textos a que a aluna teve acesso durante os
momentos leitores de crônicas que traziam reflexões sobre a importância
das coisas simples como em “A última crônica” de Fernando Sabino.
5.2.6 Produção final de Alya
Figura 41 - Produção final de Alya
Fonte: Arquivos da pesquisa (2015)
a) Universo de referência – a definição referencial de Alya faz parte do
mundo real, ao apresentar a cidade como um local agradável para viver,
cuja praça é utilizada como espaço de lazer e de diversão que revela a
dinâmica de uma cidade pequena, tornando-se o ponto de encontro.
Dessa forma, Alya argumenta para convencer o leitor da assertiva. Pelas
mesmas razões citadas em análises anteriores, apresenta uma
O desejo de ser feliz
Vivemos em uma cidade bastante agradável. / À noite, as pessoas
costumam sair para / se divertir, levando as crianças para a / praça e aproveitando para se / distrair um pouco. E assim, enquanto algumas / passeam, outras simplismente observam / o que acontece ao redor.
As aulas de educação física são uma / outra opção de diversão, principalmente / para o pessoal da terceira idade que, / com muita disposição aproveita para / cuidar da saúde.
Quando a música toca nem parece / que sentem dores ou que tem qualquer / outra preocupação, a não ser aproveitar / o momento e tentar entrar no ritmo / da música. Naquele instante, o que / importa é somente o desejo de ser feliz.
132
linguagem simples, característica do meio social em que a aluna está
inserida, tendo como públicos-alvo familiares, amigos e comunidade
escolar.
b) Unidade semântica –, apesar de a autora intitular a produção como “O
desejo de ser feliz”, o tema é a cidade e o seu atrativo principal: a praça.
c) Progressão do tema – o desenvolvimento do texto parte do cenário de
satisfação que se delineia especialmente na aula de educação física
vivenciada pelos idosos, um indicativo da busca pela felicidade, ilustrada
com a presença das crianças e transeuntes que procuram aquele lugar
com esse mesmo objetivo, deduz o narrador: encontrar na praça
momentos de descontração, alegria e bem-estar.
d) Propósito comunicativo – apresentar os elementos que fazem com que a
cidade seja um local agradável, bom de viver, a partir da descrição da
praça como um espaço de entretenimento.
e) Esquema de composição do texto: tipo e gênero – a tipologia do texto é
predominantemente descritiva, em que os objetos de referência, segundo
Antunes (2010, p. 74), “apresentam-se parados, estáticos, sem remissão
a uma progressão temporal, a uma mudança de tempo” o que justifica as
escolhas de verbos no presente ou no perfeito do indicativo, como é
possível identificar desde o primeiro parágrafo: “Vivemos em uma
cidade...”; como também no início do segundo e terceiro parágrafos, além
das ocorrências no interior do texto: “As de educação física são uma
outra...”; “Quando a música toca...”.
Em relação ao gênero, traz também as características da crônica, o que
se deduz com a escolha da temática, uma cena do cotidiano. O narrador
um mero espectador, avalia de modo geral o comportamento das
pessoas e, no final do texto, chega à conclusão que a busca pela
felicidade é o elemento motivador para a presença delas na praça.
f) Relevância informativa – Antunes (2010) lembra que o status de bom
texto deve ser conferido a uma produção tendo em vista que o grau de
informatividade que possa proporcionar, considerando as circunstâncias
em que a produção irá circular. Diante do exposto, levando-se em conta
o projeto no qual se insere, o contexto de circulação, através desse texto,
133
as pessoas poderão refletir sobre o lugar onde moram, a importância de
valorizá-lo, e sobre o sentido da felicidade. .
g) Relações com outros textos – embora não traga marcas diretas de
intertextualidade, é provável que a produção da aluna mantenha relações
com crônicas lidas nos momentos promovidos em sala de aula.
5.2.7 Produção final de Sirius
Figura 42 - Produção final de Sirius
Fonte: Arquivos da pesquisa (2015)
Apesar de essa produção não resultar do processo de reescrita dos textos
anteriores de Órion, o grau de importância dentro da intervenção no que diz respeito
aos impactos causados nas práticas de escrita está no fato da disposição em tentar
escrever uma crônica seguindo as orientações iniciais, tendo em vista que desde o
início o aluno se recusara a vivenciar a experiência utilizar a praça como cenário
para sua prática escritora. Ao mesmo tempo, reforça a enorme dificuldade
demonstrada no processo de reescrita em que não conseguiu fazer nenhuma
intervenção sobre a primeira produção, limitando-se à copiá-la durante a proposta de
reescrita.
a) Universo de referência – como os demais textos analisados, o texto tem
como unidade de referência um elemento que traz marcas do psicológico
boas Recordações
Era noite de domingo. cheguei / à praça Aproniano Pereira, do bairro / Paizinho Maria, onde há muito tempo / não vinha, mas todos os dias passo / rapidamente em frente, quando vou ou venho de / algum lugar, mas naquela noite / Apresentava um clima muito / agradável e sentei em um banco para / observar momente e as pessoas que / ali se encontravam e avistei varias / crianças brincando tão inocentente / com um sorriso estampado no rosto. / a alegria que contagiava todos aõ / redor. Comecei a imaginar o quanto que / já brinquei com meus amigos / na naquele lugar Frequentemente. / brincadeira que hoje as crianças não / brincam mais, são lembranças boas / de um tempo maravilhoso da minha / inFância que recordei naquele /momento. nas que são aPenas / lembranças que Ficaram no / Passado. Pois hoje a realidade de / é outra. São raro momento / que você ver uma criancia / brincar com segurança.
134
afetivo, o saudosismo dos tempos de criança em que a praça era o
principal espaço das brincadeiras, demonstrando ainda o distanciamento
que o tempo provocara entre o narrador e aquele espaço de
entretenimento, embora afirme: “todos os dias passo rapidamente
quando vou ou venho de algum lugar”. Pertence ao domínio do
jornalismo, é uma crônica e, como as demais, escrita em linguagem
simples devido ao próprio conhecimento enciclopédico e linguístico do
aluno.
b) Unidade semântica – o texto se organiza em torno da descrição da
dinâmica da praça, pessoas circulando, crianças brincando, o que leva o
narrador a estabelecer uma comparação das brincadeiras do passado,
ao ar livre, e a frequência com que são realizadas atualmente pelas
crianças, atribuindo essa impossibilidade, ainda que de forma discreta, a
questões ligadas à segurança.
c) Progressão do tema – o encadeamento de ações a partir de marcadores
temporais acionados desde a chegada à praça garante a progressão do
tema: “Era noite de domingo...”; “quando cheguei à praça...” e continua
sendo ampliado com a descrição das ações do narrador em relação ao
cenário que se delineava: sentar no banco, avistar crianças, comparação
das cenas atuais com vivências do passado, momento em que assume
uma atitude saudosista, reflexiva, até o fechamento do texto.
d) Propósito comunicativo – como Antunes (2010) reforça ao descrever
esse critério, nenhum texto acontece desprovido de objetivo,
independente do gênero, do autor, se é principiante ou um escritor
proficiente, há sempre uma intenção, que nesse caso se aproxima do
relato de uma cena, comparando-a com situações do passado, fazendo
uma possível avaliação das circunstâncias atuais.
e) Esquema de composição do texto: tipo e gênero – a materialização das
ideias se dá de forma híbrida, com trechos descritivos (“era noite...”;
“...apresentava um clima agradável...”) alternados por sequências
narrativas (“...cheguei a praça...”; “...sentei em banco...”; “...avistei várias
pessoas...”). O gênero crônica se torna evidente pela elaboração do texto
em torno de questões do cotidiano.
135
f) Relevância informativa – o texto “Boas recordações” torna-se relevante
por permitir ao leitor um encontro com o passado, refletindo sobre a
dinâmica dos dias atuais e a importância de retomar alguns hábitos que
possibilitam momentos agradáveis, embora sejam comuns, simples.
g) Relações com outros textos – o texto não recupera ou faz menção
imediata a outras produções, mas pode-se afirmar que sofre influência de
várias leituras de crônicas realizadas em sala de aula, a partir das quais
foram mobilizados conhecimentos que permitiram essa elaboração.
136
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A educação ou ação cultural para a libertação, em lugar de ser aquela alienante transferência de conhecimento, é o autêntico ato de conhecer, em que os educandos – também educadores – como consciências “intencionadas” ao mundo ou como corpos conscientes, se inserem com os educadores – educandos também – na busca de novos conhecimentos, como consequência do ato de conhecer o conhecimento existente. (FREIRE, 2006, p. 117)
Aprender a ler e escrever compreende um ato de cidadania em que homens
e mulheres consolidam sua compreensão de mundo e passam a dizê-lo a partir do
uso crítico e reflexivo da linguagem, assegura Freire (2006), de modo que “dizer a
palavra, em um sentido verdadeiro, é o direito de expressar-se e expressar o mundo,
de criar, de decidir, de optar.” (FREIRE, 2006, p.59). Entretanto, o processo de
exclusão a que o aluno muitas vezes é submetido retira-lhe esse direito e ao retornar
à escola, não se sente usuário da palavra por direito, mas por dever, para atender
comandos, responder e fornecer respostas que satisfaçam as expectativas de
ensino-aprendizagem da escola.
Nesse contexto, a aplicação da sequência didática foi marcada por
momentos de intensa reflexão, um conjunto de sentimentos contraditórios que
consolidavam as vivências escritoras dos alunos, na medida em que as oficinas de
produção textual e de reescrita iam acontecendo. Não é exagero afirmar que tudo
naquela forma de aprender a elaborar o texto era diferente para os alunos, o que
acabava tornando o desafio ainda maior.
Desde a apresentação da sequência, estabelecemos um diálogo em torno
da tarefa de escrever e vários depoimentos atestavam as principais dificuldades.
Nessas conversas, um dos alunos confessou que, por medo de errar, tinha vergonha
de falar e de registrar por escrito os pontos tratados durante as reuniões da empresa
onde trabalhava o que fez com que sentisse necessidade de estudar e aprender a
escrever, outra dizia que as ideias estavam todas na cabeça, mas não conseguia
registrá-las adequadamente.
Assim um quadro de dúvidas e inseguranças pairava no ar, como uma
sombra que não queria se dissipar, por isso, propor práticas de escrita causou muita
inquietação e receio à turma. Dessa forma, a proposta da oficina de produção em
que os alunos se deslocaram para uma praça da cidade e tiveram a oportunidade de
137
elaborar textos a partir de situações reais, tornando a tarefa menos abstrata,
evidenciou o primeiro impacto da intervenção. A experiência permitiu ainda um
retorno ao passado, pois, apesar de haver outras praças na cidade, os alunos
escolheram a que costumavam frequentar nos finais de semana quando eram mais
jovens o que, pelos depoimentos, já não faziam com a mesma ou quase nenhuma
frequência. Esse saudosismo foi retratado em grande parte das produções.
O fato de os alunos saberem que haveria um produto final, a publicação dos
textos produzidos, alcançando assim outros leitores, deixou-os motivados, de modo
a enfrentar seus medos e participar de diversas práticas de escrita. A elevação da
autoestima, de acordo com a andragogia, é um dos grandes motivadores para o
processo de ensino aprendizagem. Isso pôde ser observado no texto de uma aluna
que afirmava “me sinto quase escritora”.
Durante a aplicação dos módulos, surgiram algumas dificuldades que
acabaram proporcionando um dinamismo diferente do que fora planejado. Um
desses fatores era a frequência irregular dos alunos, que obrigava a retomada
frequente de atividades além do prazo estabelecido. Outro aspecto era a falta de
tempo dos alunos para realizar algumas propostas de atividades em casa, por isso,
todo o processo de escrita, reescrita e revisão ou tarefa de qualquer outra natureza
tinha de ser feita em sala de aula.
Essas instabilidades, aliadas a fatores de readequação de calendário
escolar, como suspensão de aulas e antecipação do término de ano letivo, fizeram
com que houvesse inúmeros momentos de tensão e incertezas e que a pesquisa
transcorresse num misto de apreensão e incertezas quanto aos possíveis
resultados.
De igual modo, não era fácil assumir o papel de pesquisadora na própria
sala de aula devido à necessidade de cumprimento do currículo e ao mesmo tempo
de gerar dados a partir de um olhar investigativo sobre a própria prática, tarefa que
às vezes se tornava confusa, quase inconciliável. Entretanto, continuava convicta da
necessidade de instigar e orientar os alunos a trilhar novos caminhos para um
aprendizado em que pudessem ser coautores e, ao mesmo tempo, perceber a
escrita como realização do cotidiano e, por isso, uma prática social.
Apesar desses percalços, o desenvolvimento dos módulos com vistas à
vivência de escritas individuais e coletivas permitiu que os alunos desenvolvessem a
prática de voltar aos textos para avaliar a organização das ideias, refletir e intervir
138
nas próprias produções, a partir dos processos de reescrita e revisão. A abertura
para o diálogo, embora de forma tímida, se consolidou em cada roda de leitura e de
conversa realizada e o discurso do “sou muito ruim de escrever” foi amenizado e
substituído por “antes eu não conseguia, hoje estou melhor”, “antes eu tinha mais
dificuldade de falar, agora, melhorei um pouco”. Na fala dos alunos, tornou-se
perceptível um processo de mudança lenta, porém contínua.
No início da intervenção, alguns discentes cogitaram desistir da disciplina
por não se acharem capazes de produzir um texto, atitude seguida de reclamações e
lamentações, embora não se recusassem a realizar as propostas de produção. Ao
término da intervenção, as atividades de escrita já eram realizadas com
naturalidade, embora demonstrassem medo e vergonha de errar, de não conseguir
pontuar adequadamente, enfim, insegurança diante do desafio da escrita.
Dois momentos foram extremamente significativos nessa trajetória: a oficina
na praça, em que os alunos deram significado à escrita, não pelo fato de estarem na
praça, mas por ter a oportunidade de escrever a partir de um projeto que envolvia
práticas situadas, permitindo-lhes refletir sobre as funções e usos da língua. A outra
atividade foi a realização de uma roda de conversa com jornalista e escritor local,
cujo contato motivou ainda mais os alunos e culminou em uma produção coletiva
para publicação na revista coordenada pelo entrevistado, demonstrando o efeito da
atividade prática para dar visibilidade à função social da escrita.
Durante o processo de produção, reescrita e elaboração versão final das
produções coletivas e individuais, se estabeleceu um diálogo contínuo para que os
alunos pudessem refletir sobre a elaboração e reelaboração de seus textos, de
modo a enxergar a escrita na perspectiva processual.
Antunes (2009) lembra que, a construção das habilidades leitoras e
escritoras é um processo que se consolida por essa tomada de consciência de cada
indivíduo “que pode assumir a condição de interlocutor, com autoria e poder de
participação” e, assim agir com mais autonomia, nos diversos mundos em que a
linguagem se faz presente.
Essa trajetória revela que os impactos das práticas de letramentos se
evidenciaram de várias formas: na primeira produção, em que motivados pelo
cenário externo que a atividade, a princípio, aconteceria, os alunos escreviam sem
maiores lamentações como ocorria em outros momentos que antecederam a
pesquisa. Na elaboração coletiva de textos significativos como o ofício à Secretaria
139
Municipal de Ensino requerendo o ônibus escolar, o convite para o jornalista e a
elaboração da crônica coletiva para a revista.
Os impactos das práticas de letramento se fizeram notar ainda na produção
coletiva de uma crônica publicada no facebook da escola e em outras situações
após o encerramento da pesquisa, que requeriam a prática da escrita, como a
elaboração de um documento solicitando à direção da escola um professor para a
disciplina de matemática, ou seja, os alunos compreenderam a função social da
escrita, e que cada situação requer a utilização de um gênero, daí a importância em
estudar e compreender os diversos gêneros.
Quanto às implicações do uso de sequência didática, sua aplicação permitiu
que os alunos participassem mais ativamente do desenvolvimento dos módulos,
visto que requeria um compromisso constante da turma, embora tenhamos utilizado
mais tempo que o previsto inicialmente, devido às dificuldades apresentadas pela
turma, principalmente, no cumprimento de atividades extraescolares.
Ao mesmo tempo, a sequência didática se revelou dinâmica, de modo que
um determinado módulo funcionava como motivador para elaboração de módulos
seguintes. A roda de conversas com o jornalista e escritor é um exemplo desse
dinamismo impresso pelo uso da sequência didática em que, a partir da estratégia
de leitura de crônicas publicadas em uma revista de circulação local, surgiu a ideia
para realização do evento.
O gênero crônica, por sua vez, se mostrou um elemento facilitador desde as
primeiras práticas, pois como costumava falar para os alunos, tudo pode acabar em
crônica, e assim surgiram inúmeras situações para exploração desse gênero, como
a organização de um caderno volante, como estratégia de escrita, além das demais
situações descritas nos módulos.
Embora o alvo da pesquisa tenha sido as práticas escritoras dos alunos, e
agora abro uma exceção para falar em primeira pessoa, inquieta-me omitir os
impactos dessa intervenção sobre minha prática pedagógica e o olhar em torno do
aprendizado do aluno, cujo rigor e as questões em torno do ensino da EJA me
impediram, por muitas vezes, de enxergar suas habilidades e os possíveis caminhos
para criar situações de ensino em que o aluno pudesse ampliar seu conhecimento,
desempenhando um protagonismo nesse processo.
Faltava-me ainda o olhar de pesquisadora para tratar com mais
profundidade as questões acerca do trabalho com o texto, com vistas ao
140
aprendizado da língua, pautado em práticas situadas que tornem o sujeito ciente do
papel de agente, que pode e deve exercer sobre o próprio aprendizado. Com esse
olhar aprimorado, tenho certeza de que as inúmeras situações desafiadoras servirão
para a busca de práticas que sejam capazes de tornar essas situações superáveis,
de modo que a aprendizagem seja cada vez menos abstrata para alunos, em
especial para o público da EJA.
141
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APÊNDICES
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APÊNDICE 1
FICHA DE ENTREVISTA
CURRAIS NOVOS, _______/________/________
DADOS PESSOAIS:
Nome completo: _____________________________________________________
Data de nascimento: ____/_____/____ Naturalidade: _______________________
Endereço: ___________________________________________________________
Bairro: _________________________________ Fone: ___________________
Estado civil: ( ) solteiro ( ) casado
QUESTIONÁRIO
Você tem filhos? Quantos? _________________________
Incluindo você, quantas pessoas moram na sua casa? _________________
Sua casa é: própria ( ) alugada ( ) cedida ( )
Profissão: ____________________
Em que trabalha atualmente? _______________________
Você trabalha de: ( ) carteira assinada ( ) sem carteira assinada
( ) é profissional liberal ( ) não trabalha
Em média, qual a sua renda mensal? ________________________________
Quantas pessoas trabalham na sua casa, incluindo você? _________________
Você ou alguém que mora na sua casa participa de algum programa do governo
federal? Qual?
_______________________________________________________________
Em relação à escola:
Você já passou algum tempo afastado da escola? Quanto tempo foi? Por que isso
aconteceu?__________________________________________________________
___________________________________________________________________
Há quanto tempo você estuda na modalidade de educação de jovens e adultos?
___________________________________________________________________
Sobre a disciplina de Língua Portuguesa:
O que imagina estudar na disciplina? _____________________________________
___________________________________________________________________
147
O que espera aprender?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
Qual a utilidade da língua portuguesa para a sua vida?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
O que mais gosta de estudar em Português? Por quê?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
O que mais tem dificuldade de aprender em Português? Por quê?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
Sobre a leitura e a escrita:
O que você pensa sobre o hábito de ler e escrever? Justifique sua resposta.
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
O que você costuma ler, seja em casa, na escola ou no trabalho, ou em outros
ambientes?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
O que você costuma escrever, seja em casa, na escola ou no trabalho, ou em outros
ambientes?
___________________________________________________________________
148
APÊNDICE 2
TERMO DE AUTORIZAÇÃO
Declaro para os devidos fins que se fizerem necessários que eu,
__________________________________________________________________,
portador da identidade de n° ________________ autorizo a publicação de fotos,
vídeos ou gravações, para fins acadêmicos, gerados durante a aplicação de
sequência didática para o ensino do gênero crônica, nas aulas de Língua
Portuguesa da professora Francisca Aldenora Moreno Fernandes.
____________________________________________________________
Ciente
Currais Novos, ______/______/______.
149
APÊNDICE 3
Revisando a produção textual: elementos da narrativa
1) O texto foi narrado em qual pessoa do discurso: 1ª ou 3ª?
___________________________________________________________________
2) Qual o título de seu texto? Por que você escolheu esse título?
___________________________________________________________________
3) Sua história tem personagens? Quais são?
___________________________________________________________________
4) Se na sua história há personagens, elas dialogam entre si?
___________________________________________________________________
5) Em que pessoa do discurso sua produção textual foi escrita: 1ª (você participa da
história) ou 3ª (apenas narra a história, sem nenhuma participação). Transcreva do
texto uma passagem que confirme isto.
__________________________________________________________________
___________________________________________________________________
6) A crônica surge a partir da observação de um fato do cotidiano. Qual fato lhe
motivou a escrever sua crônica?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
7) O seu texto se encontra no discurso direto ou indireto?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
150
APÊNDICE 4
Como todo texto, a crônica é feita para alguém ler, por isso, o escritor procura
escrever um texto atrativo. Com essa mesma preocupação, considerando ainda as
principais características do gênero crônica, leia novamente a sua produção e faça a
versão final. Lembre-se que seu texto será publicado e encontrará vários leitores.
Que tal conquistá-los com uma boa história?
___________________________________________________________________
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151
ANEXOS
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ANEXO 1 – CRÔNICA COLETIVA PUBLICADA EM REVISTA
153
ANEXO 2 – CAPA DO LIVRO
154
ANEXO 3 - TEXTOS PARA COLETÂNEA
Vitrine
Estava sentada no banco da praça. Em frente, havia uma loja de
equipamentos eletrônicos. Pela calçada ia passando uma jovem com seus dois
filhos. O menino parou e ficou olhando os aparelhos e a mãe não percebeu que ele
ficou para trás. Logo que sentiu sua falta voltou e chamou o garoto:
- Vamos, filho, está tarde e eu estou com sono, amanhã a gente volta.
O menino começou a chorar porque queria uma guitarra. A mãe continuou insistindo
para irem embora, mas ele não queria acordo. Nesse momento, sua irmãzinha
começou a chorar, pedindo também uma guitarra.
Com muita paciência, a mãe convenceu as crianças, se comprometendo a voltar no
dia seguinte. Assim, mesmo chorando, os irmãos foram para casa sem conseguir a
tão cobiçada guitarra.
Será que iria voltar mesmo ou apenas inventou aquela história para convencê-los a
ir?
Brincadeiras de criança
Naquele dia em que fui à praça, fiquei surpreso com a cena que presenciei.
Ao mesmo tempo lembrei de minha infância. Crianças brincavam, correndo
de um lado para o outro, mexiam com areia e ficavam empurrando umas às
outras. Tudo na maior algazarra.
Elas se divertiam tanto que nem percebiam suas mães chamando para ir
embora. Lembrei de minha mãe fazendo a mesma coisa no terreiro lá de
casa:
- Ei, menino, venha simbora!
- Já vou mãe – respondia esbaforido e fazia carrêra pra casa.
155
Boas recordações
Era noite de domingo. Cheguei à praça Aproniano Pereira, bairro Paizinho
Maria, onde há muito tempo não vinha, apesar de todos os dias passar rapidamente
em frente, quando estou indo ou voltando de algum lugar.
Naquela noite, o clima estava muito agradável e resolvi sentar em um banco
para observar o movimento e as pessoas que ali se encontravam e vi várias crianças
brincando inocentemente, com um sorriso estampado no rosto. Uma alegria que
contagiava todos que estavam ao seu redor.
Comecei a imaginar o quanto já havia brincado com meus amigos naquele
lugar. Brincadeiras que as crianças de hoje, geralmente, não brincam. Lembranças
boas de um tempo maravilhoso da minha infância que recordei, naquele momento.
Na verdade, são apenas lembranças. Hoje a realidade é outra e são raros os
momentos em que você ver uma criança brincar com segurança.
Desejo de ser feliz
Vivemos em uma cidade bastante agradável. À noite, as pessoas
costumam sair para se divertir, levando as crianças para a praça e
aproveitando para se distrair um pouco. E assim, enquanto algumas
passeiam, outras simplesmente observam o que acontece ao redor.
Na praça, as aulas de educação física são outra opção de diversão,
principalmente para o pessoal da terceira idade que com muita disposição
aproveita para cuidar da saúde.
Quando a música toca e os idos começam a se movimentar, nem
parece que sente dores ou que têm qualquer outra preocupação a não ser
aproveitar o momento e tentar entrar no ritmo da música.
Naquele instante, o que importa é somente o desejo de ser feliz.
156
Em família
No dia quinze de setembro de dois mil e catorze, logo que cheguei na praça parei e
observei um pai e duas crianças brincando com uma bola. Pouco tempo depois, o
pai saiu para comprar um lanche e as crianças continuaram brincando. De repente,
Paulinho correu para pegar a bola que foi jogada do outro lado da rua, sem perceber
o perigo. Sua irmã gritou:
- Paulinho, olhe o carro!
O menino se assustou com o grito e carro que quase o atropelou, começando a
chorar e, aos prantos, a chamar pelo pai:
- Painho... Painho...
Quando o pai voltou, sem saber o que tinha acontecido, ao ver Marília e Paulinho
chorando, ficou muito nervoso. Então perguntou:
- O que aconteceu?
A menina respondeu, ainda ofegante:
- O carro quase atropelou Paulinho.
O pai, muito abalado, ainda sem acreditar no que tinha acontecido, pegou as
crianças e voltou para casa.
Encontro na praça
Hoje fui à praça do centro de Currais Novos, cidade onde moro desde os cinco anos.
Chegando lá, dei algumas voltas, depois sentei em um dos bancos e fiquei olhando
para todos os lados. Logo vieram boas lembranças, como da adolescência: na praça
comecei o primeiro namoro.
Lembrei também que quando muito jovem ia quase todos os domingos àquele lugar
e me divertia bastante após as missas. Porém, hoje há tão poucas pessoas no
centro da cidade que chega a doer de saudades e fico pensando como seria bom se
as pessoas se encontrassem como mais frequência na praça.
Não posso deixar de lamentar que a grande maioria dos jovens não tenha mais tanto
interesse nem tempo de vir à praça. Mesmo assim, depois de tanto tempo, foi ótimo
poder sentar no banco da praça e imaginar os muitos momentos ali vividos,
momentos maravilhosos que o tempo jamais poderá apagar.
157
Infância
Ao sentar-me em um banco da praça, algo me chamou a atenção. Muitos
gritos, risadas, uma correria só, resumindo: crianças. Pude ver a inocência nos olhos
de meninos e meninas que sorriam, corriam, caiam e choravam. Lá no fundo, dava
para ouvir dois rapazes cantando. Logo me veio à cabeça que eles também já foram
crianças e talvez, nessa mesma praça correram e brincaram muito.
Meu pensamento foi interrompido quando, de repente, um menino de dois
anos, aproximadamente, começou a bater numa menina mais velha, enquanto a
mãe do garoto, muito “ocupada”, provavelmente falando da vida alheia, não percebia
o que acontecia.
Mais atenta, a mãe da menina rapidamente afastou a filha e falou:
_ Por que você não bateu nele também, Ruth?
_ Ele é menor do que eu, mamãe, não achei justo.
_ Mas em seu irmão, que também é mais novo, você bate! _ Respondeu a
mãe, irritada.
Nesse momento, o movimento ao redor continuava intenso, outras crianças
se divertiam, podia-se perceber demonstração de carinho entre amigos, sem
preconceitos, nem preocupações. Como seria bom se fôssemos mais verdadeiros,
se tivéssemos mais da sinceridade e inocência de uma criança.
Linda praça
Num certo dia, à noite, fomos passear na praça e me chamou atenção a
beleza da praça. Além disso, também tinha uma animada aula de aeróbica. Muita
gente aproveitava para fazer caminhada e algumas crianças, acompanhada dos pais
andavam de bicicleta.
Havia também alguns barzinhos em que os amigos se encontravam para
conversar e se descontrair. Era noite de quinta-feira, mas a praça estava muito
movimentada.
Sentei em um banco para melhor observar tudo que acontecia e vieram as
lembranças da minha adolescência, quando estuda no Capitão Mor Galvão e
sempre sentava por ali para conversar e passar o tempo. Lembrei também das
festas maravilhosas que participei com minhas amigas nessa linda praça de Currais
Novos.
158
Lição de vida
Todas as noites, um senhor de pele morena, baixinho e bem velhinho vai com seu
humilde carrinho de confeito para a praça do centro de Currais Novos. Creio que seu
sustento vem daquele pequeno carro. Sentado em seu banquinho, fica à espera de
alguém que venha comprar algo.
Às vezes fico imaginando o quanto ele passa frio toda noite, em que fica ali até
tarde, esperando algum trocado cair para levar para casa: quem sabe se todo
sustento da família não seja tirado somente dali. O mais impressionante é sua
disposição, pois com aquela idade deveria estar em casa descansando, mas está ali
todas as noites no mesmo local, pegando no trampo.
Ainda assim, aquele senhor aparenta ser feliz da maneira que vive e deve se
orgulhar de seu pequeno negócio, do seu trabalho honesto, embora que algumas
vezes não ganhe nada. Ele é um exemplo de vida, um guerreiro, um trabalhador.
Tenho certeza que Deus sempre estará lhe protegendo em todas as noites, ao sair e
ao voltar.
A família deve sentir muito orgulho daquele grande homem que com sua força de
vontade e coragem serve de exemplo para muitas pessoas que vivem de cara pra
cima, sem fazer algo de útil. Uma lição de vida para mim e outras pessoas, nos
mostrando que é possível vencer as batalhas da vida com garra e determinação.
Creio que Deus vive e reina na vida desse senhor e de sua família.
Momentos
Estava sentada em um banco na praça vendo as crianças brincarem, eram muitas
delas.
Elas corriam brincando de tica, o que fez com que lembrasse da minha
infância. Outras brincavam em seus velocípedes ou em suas motos elétricas.
Alguns comiam pipoca, tomavam sorvete e até água para espantar o calor,
sempre acompanhadas pelos olhares atentos dos pais.
Enquanto estava envolvida com as brincadeiras de criança, um menino
galego foi se chegando até começar a conversa, puxar assunto, mas sua mãe logo
veio buscá-lo, interrompendo aquele momento tão bom, em que fui notada e recebi a
atenção de uma criança pura e inocente.
O menino se foi, mas continuava a me observar: o que será que se passava
pela sua cabeça? Eu permaneci ali por algum tempo da mesma forma, sentada e
vendo as crianças brincarem.
159
O homem do carrinho de confeito
Quando cheguei na praça, naquela noite linda e espetacular, lá estava Zé pretinho
com um chapéu preto, camisa azul, calça marrom, sandálias nos pés. Sentado numa
cadeira de ferro, forrada com espumas ao lado de seu carrinho de confeito e com um
lindo sorriso no rosto como sempre.
Então aproximei-me e perguntei:
- Olá Zé Pretinho, como vai você?
- Vou bem! Respondeu com aquela simpatia de sempre.
- Zé, como está sua família? E o seu trabalho? Voltei a indagar.
- Minha família vai bem! E o trabalho tem dia que é mais movimentado e dia com
menos movimento, mas mesmo assim estou feliz.
Zé Pretinho olhava de um lado para o outro daquele lugar, observando cada
cena daquele lugar, com cara de quem se sentia realizado. O homem parecia
satisfeito com a vida simples e humilde que levava. Afinal de contas há muito tempo
era ali que trabalhava para retirar o sustento de sua família.
Apesar de enfrentar muitas dificuldades, Zé Pretinho demonstrava ser, de fato, um
homem feliz, que nunca desistia de lutar por aquilo que queria, sem maiores
lamentações.
O tempo não para
Em uma noite de quarta-feira na praça Cristo Rei, sentada em um daqueles tantos
bancos de uma das praças de minha cidade, eu observava as pessoas que
gastavam alguns momentos de sua vida naquele lugar.
Velhinhos conversando, davam risadas, parecia que estavam lembrando coisas da
vida. Ao mesmo tempo uma garota falava ao celular e a conversa parecia estar
muito divertida, pois a menina ria o tempo todo.
Em outros lugares da praça, era possível ver crianças correndo, brincando com suas
motocicletas elétricas, meninos trocando figurinhas da copa enquanto outras
pessoas tocam violão e cantavam, tornando o ambiente ainda mais agradável.
Todo tempo passavam carros, motos e as pessoas continuavam aproveitando os
ares da aconchegante praça. Tudo aquilo estava muito divertido, contagiante, pois
todos que estavam na praça pareciam muito alegres.
160
Passeios
Noite de quinta-feira, sai de casa e fui andar; passei pelo centro e parei na
praça Cristo Rei, bem conhecida cidade. Passeavam por ali mulheres, crianças,
além de jovens e adolescentes.
Alguns meninos se juntaram e começaram a brincar de esconde-esconde.
Para surpresa de muitos, no meio deles havia um rapaz que participava da
brincadeira. Ele se comportava como uma criança e era o centro das atenções
porque parecia com Bob Marley. Foi muito engraçado, o rapaz corria para lá e para
cá, sempre com as crianças correndo atrás dele.
Depois de algum tempo fui à sorveteria e encontrei uns colegas, mas
continuei observando aquele rapaz que chamou muito a atenção.
De volta à praça, sentei no banco e fiquei resenhando, sempre prestando
atenção àquela brincadeira. Assim foram aqueles momentos da minha ida à praça
Cristo Rei.
Recantos
Estava na praça passeando com minha professora e alguns colegas de sala.
Também estavam conosco a filha e a irmã da professora. Enquanto passeavam,
fiquei observando o movimento. De frente ao banco em que estava tinha uma
lanchonete.
Dois casais e mais duas moças apareceram, juntaram as mesas e começaram a
conversar. O garçom chegou na mesa, entregou o cardápio. Sorridentes, fazem o
pedido. Três minutos depois o garçom voltou com o pedido, fiquei impressionado
com a rapidez.
Nesse instante, dois rapazes chegaram, sentaram em um banco próximo e
começam a conversar sobre o quanto trabalhavam para sobreviver. Mais adiante a
filha e a irmã da professora conversavam descontraidamente.
Depois de um tempo, fomos à sorveteria e ficamos conversando sobre a atividade, e
quando recomeçariam as aulas depois das férias enquanto tomávamos um delicioso
sorvete.
Após o sorvete, retornamos para a praça e lá estava um rapaz trocando
violão. Todos ficamos encantados, admirados e passamos alguns momentos
observando ele cantar. Quando parou, nós aplaudimos muito. Então, alguns colegas
resolveram ir embora, enquanto outros preferiram permanecer um pouco mais. Eu
peguei uma carona com a professora até a lan house para, de lá, pegar um outro
transporte e ir para casa.
De fato, aquela foi uma noite muito agradável, cheia de surpresas e pequenas
emoções.
161
Recordações
Naquela noite de quarta-feira, pude ir à praça Cristo Rei. De onde estava, observei
uma menina falando ao celular, ela estava bem alegre, parecia que tinha recebido
uma boa notícia, algo de muito bom deveria ter acontecido para deixa-la tão feliz
como demonstrava. Fiquei um pouco curiosa. O que teria sido?
Para mim também aquele era um momento muito especial, pois há muito
tempo não saia de casa para ir na praça. Essa noite foi uma das mais felizes para
mim.
Aproveitei para andar, conversar com os amigos e observar o movimento. Fazia
muito tempo que não conversava assim com eles, apesar de continuar observando o
movimento na praça.
As crianças brincavam muito numa espécie de pátio da praça, elas pareciam felizes
brincando com seus brinquedos legais. Tinha também famílias reunidas,
conversando, desfrutando da companhia uns dos outros.
Na sorveteria, a turma se reencontrou para tomar um sorvete, onde ficamos
conversando e compartilhando as horas de descontração que vivemos ali.
Aprendemos que ainda é possível ser feliz desfrutando de momentos simples como
aquele que tínhamos vivido.
Reencontro
Cheguei aqui com a missão de escrever sobre qualquer cena que me
chamasse a atenção e de cara não pude deixar passar esse momento tão feliz:
colegas que não via há tempos estavam aqui na minha frente, se exercitando com
uma turma que parecia muito bacana.
Gostei de ver com eram dedicadas, pois trabalhavam o dia inteiro e ainda
achavam tempo e disposição para cuidar do corpo e da mente, sempre com aquele
sorriso estampado no rosto, felizes com o que estavam fazendo. Me vi ali com elas,
fazendo ginástica, sorrindo muito, curtindo uma música animada e mandando toda a
tristeza, dores, mau humor e cansaço do dia a dia embora.
Queria continuar nesse banco de praça a observar tudo, ou como diria o escritor e
jornalista Gerson Luiz que conheci outro dia, a escrevinhar, mas tenho que voltar,
meu tempo acabou. Espero rever as amigas em outra oportunidade. Pra gente jogar
conversa fora.
O mais importante é que consegui cumprir minha missão e achar algo interessante
para escrever. Adorei a experiência, é muito bom me sentir quase escritora.
162
Sonhos
Numa bela noite, quando estava passeando no centro da cidade, me deparei
com uma loja muito bonita. O que mais chamou a atenção foi uma vitrine muito
estilosa, em que manequins eram vestidos com belos looks. Um dos manequins
tinha um vestido muito brilhante.
Eu fiquei parada admirando esse vestido por muito tempo, imaginando se
algum dia iria usar um desses.
- Claro que sim! - Respondi pra mim mesma. – Por que não?
Pensei mais alto.
Não só posso ter um vestido desses, como posso, no futuro, ser dona de uma loja
dessas, pois nada é impossível para quem sonha, tem força, capacidade para lutar e
acima de tudo, muita fé para conquistar aquilo que quer e Deus realizará nossos
sonhos.
Trabalho na praça
Eu fui à Praça Cristo Rei fazer um trabalho escolar. Chegando lá me deparei
com várias pessoas: umas caminhando, se exercitando, e outras trabalhando. Na
sorveteria, o garçom circulava de um lado para o outro, atendendo aos pedidos.
Do outro lado, um casal de namorados conversava, crianças brincavam e
meus colegas de classe estavam todos concentrados no mesmo trabalho. Havia
também muitas outras pessoas que me conheciam.
Aquele lugar me trazia também boas lembranças. Recordei ainda o quando
trabalhei de garçom num barzinho em frente à praça, onde o tempo parecia não
passar jamais.
Cena de Perigo
Uma bela tarde quando estava passeando na rua, me deparei com uma cena
muito perigosa em que uma família, o pai, a esposa e três filhos, passavam em cima
de uma moto.
Nesse momento, me perguntei: “Será que esse pai tem noção dos riscos que
corre? Riscos de perder o equilíbrio ou até mesmo se envolver em um acidente mais
grave!”
Será que esse pai não tinha noção que as leis de trânsito?
Mesmo que fosse o único meio de transporte da família, ele acabava
colocando a vida de toda família e a própria vida em perigo, pois não usavam sequer
capacete.
163
Casal apaixonado
Era noite de uma quinta-feira, cheguei à praça Cristo Rei de Currais Novos. Não
sabia ao certo, mas fazia muito tempo que não ia aquele lugar, apenas passava
rapidamente, nos afazeres cotidianos.
Aquela noite se apresentava com uma cara alegre. Resolvi sentar em um banco
para melhorar apreciar uma linda estátua luminosa do Cristo Rei. Logo observei um
casal de namorados: ela era alta, loira e de olhos azuis, vestia calça jeans e
camiseta básica, ele usava bermuda jeans e camiseta regata.
Os dois prenderam minha atenção enquanto conversavam e se beijava
apaixonantemente. Meu pensamento começou a divagar nas lembranças daquele
lugar que tanto frequentei na minha juventude.
Aos domingos sempre ia à missa na Matriz de Sant‟Ana. Ali ficava resenhando, e
muitas vezes surgiam aquelas paqueras para apimentar a noite. Mas eram apenas
lembranças que ficaram num passado maravilhoso, que veio à memória ao observar
aquele lindo casal que parecia tão feliz.
Desabafo de um Cidadão
No lixão trabalham muita gente vivem catando coisas que são consideradas lixo por
várias pessoas, mas que para eles eram oportunidades de trabalho e sustento. De lá
podiam tirar seu alimento, trabalhando de forma digna, mesmo que em condições
precárias.
Os catadores tentavam conseguir com os representantes da cidade providências
para melhorar seu ambiente de trabalho, mas, infelizmente essa realidade estava
longe de acabar.
Com a esperança de mudar de vida, muitos continuavam chegando de outras
cidades para tentar a vida na baixada e, por falta de experiência e oportunidade,
acabavam indo para os lixões buscar um meio de sobrevivência, levando toda a
família, inclusive as crianças.
Assim dia após dia o trabalho que realizavam não só ajudava na sobrevivência
daqueles trabalhadores mas acabava sendo uma lição de cidadania.
164
Feira livre
Tudo acontecia em uma feira livre. Muitas pessoas comprando, outras
passeando e no meio de tantas barracas com roupas e manequins, pessoas
conversavam, enquanto as crianças ficavam só olhando os pais fazerem compras.
No entanto, ninguém prestava muita atenção em um senhor deficiente que
estava no meio da rua e que, com uma vasilha na mão, ficava pedindo esmola.
Inesperadamente, um jovem saiu do meio da multidão, parou alguns instantes
perto daquele homem e deu uma contribuição para aquele sujeito deficiente.
Depois disso, demonstrando curiosidade, uma mulher aproximou-se, parecendo
disposta a ajudar também.
No trânsito
Hoje o Garcia não acordou bem. O despertador quebrou e saiu às pressas para o
trabalho.
O porteiro do prédio ao vê-lo apressado, disse:
– Dormiu demais hoje, né, seu Garcia?
Ele deu um sorriso irônico enquanto o porteiro folgado abria o portão.
Muito apressado e preocupado em não levar repreensão do chefe, acelerou
bastante, mal sabendo que o trânsito do Rio de Janeiro naquele treze de setembro
estaria mais uma vez um verdadeiro caos.
Ao se deparar com aquele monte de carros congestionados, o pobre homem
tentou pegar um atalho e acabou batendo no carro do João. O João, indignado com
o acontecido, saiu do carro estressado, gritando:
– Você está louco? Não me viu aqui?
O Garcia também saiu do carro aos berros:
– Cara, a culpa é sua que deu ré sem olhar no retrovisor.
Nesse momento, eles se encararam, como touros bravos prestes a se
enfrentar. O silêncio tomou conta dos dois, mesmo em meio ao barulho intenso
provocado pelas buzinas e pelo trânsito intenso.
João olhou mais profundamente para o Garcia e seu semblante mudou, a
expressão de raiva se transformou em um sorriso, e ele indagou:
– Garcia, você aqui?
– Pois é, João. Respondeu, meio sem graça, também reconhecendo o colega. Que
momento para nos reencontrar...
165
No lixão
Certo dia enquanto caminhava, resolvi parar e observar a natureza, quando me
deparei com um lixão. Lá, estava uma menina, catando lixo, com um aspecto de
tristeza, suja e com ar de faminta.
Naquele local, muitas famílias catavam lixo para reciclagem. Aquele lixo
coletado era o sustento de muitas famílias carentes, inclusive daquela pobre menina.
Provavelmente, aquela triste garota tinha sonhos: sonhos de estudar, ser uma
pessoa bem-sucedida, podendo ajudar seus pais e a outros que precisassem. Será
que o lixo iria mudar o destino daquela pobre criança?
Legalizar?
Uma turma de amigos se reuniu na praça para um protesto. Utilizando vários
cartazes e balões e demonstravam muito ânimo, mostrando a que vieram.
Cláudia, a líder do grupo estava superconcentrada na organização, sempre à
frente com suas ideias e lutando por causas em que acreditava, passava segurança
para todos que a seguiam.
Diferente dela havia várias pessoas que só observavam como se não
entendessem ou não se importassem com o que estava acontecendo. A moça, no
entanto, não se importava e continuava distribuindo os cartazes entre os colegas.
Esse protesto tratava-se de legalizar ou não a maconha para fins medicinais,
pois segundo alguns estudos, em alguns casos essa droga poderia ser usada e
ajudar na recuperação dos pacientes. Por isso, a moça acreditava que, mesmo a
longo prazo, a mobilização de um grande número de pessoas iria despertar
interesse político e sensibilizar a população em relação ao problema.
Certa de que conseguiria realizar seu protesto com sucesso, não se abatia
com especulações, pois era uma pessoa determinada. Sinceramente, espero que
ela e seus colegas consigam realizar o protesto com sucesso, sem nenhum tipo de
violência.
166
Tempos de criança
Quando vi muitos meninos e meninas reunidos e brincando, senti saudades dos
meus tempos de criança. Em toda minha infância fui um garoto muito feliz. Hoje,
nem sempre as crianças podem brincar nas ruas como antigamente.
Mesmo assim, quando vejo crianças brincando, fico imaginando se todos fossem
meus filhos.
Não sei porque, mas gostaria de ser pai de pelo menos sessenta filhos ou
mais, chego até a achar que seria muito mais feliz. Chego a imaginar que o céu está
cheio delas e um belo dia irei brincar com todas.
Acho que no fundo, bem no fundo, ainda sou uma criança muito, muito feliz.
Vovó no Parque
Numa tarde bem alegre, Esther, uma menina linda, foi ao parque, muito ansiosa para
encontrar sua vó. Quando a viu chegar, deu-lhe um grande abraço e falou:
- Vovó, estou muito feliz em lhe ver!
A avó respondeu:
- Eu também, querida. Que saudades!
Além da menina, no parque havia várias crianças brincando e se divertindo muito,
fazendo coisas que toda criança adora.
Esther, radiante de alegria, não largava a avó pois há muito tempo não a via.
Por isso, passaram várias horas brincando e matando a saudade. A avó, inundada
por um sentimento de amor, demonstrava muita felicidade por estar com sua neta.
Então, a avó prometeu à neta e a si mesma que nunca mais ficaria tanto
tempo sem vê-la.
167
Um amor por acaso
Em uma tarde como outra qualquer, no parque da cidade do Rio de Janeiro,
dois jovens, por sinal muito bonitos, treinavam na pista de skate: um rapaz de nome
Miguel, e uma bela moça de nome Renata. Por azar, Miguel esbarrou em Renata e
ela, com muita raiva, falou:
– Você não olha por onde anda?
Miguel levantou o olhar e disse:
– Desculpa, sou assim mesmo, todo atrapalhado!
A moça, desconcertada com aquela resposta, meio envergonhada, com jeito mais
dócil, perguntou:
– Você vem sempre aqui?
Miguel respondeu:
– Quase sempre.
Naquele instante, começou uma paquera entre os eles.
Então passaram a se ver todos os dias no parque, naquele mesmo horário e
nasceu um grande amor. Miguel e Renata namoraram por muito tempo, participaram
de vários campeonatos de skate e numa desses campeonatos, por obra do destino,
tiveram que competir um contra o outro. O prêmio seria nada mais, nada menos do
que uma viagem para realizar um treinamento fora do país, sem direito a
acompanhante. Eles nunca imaginaram que o esporte que os uniu agora poderia
separá-los.
Um dia antes da competição, o casal se amou intensamente, foram muitos beijos e
longos abraços apertados, parecia até que estavam pressentindo algo. Na manhã
seguinte, se encontraram na pista de skate, como sempre faziam, dessa vez para
competir um contra o outro.
Ansiosos, após o término das exibições, finalmente chegou o momento de
conhecerem o grande vencedor. Entre tantos outros skatistas, ouviram os juízes
anunciarem que o jovem Miguel tinha vencido aquela competição. Agora, o rapaz
teria que escolher entre o treinamento fora do país e seu grande amor.
Renata parou e naquele momento ficou se perguntando “Será, Deus, que o meu
grande amor vai deixar para trás todos os momentos bons que vivemos? Será que
vai embora e escolher o esporte ao invés de nós?” E assim ela deixou o local sem
se despedir de ninguém.
Ao anoitecer, Miguel ligou e a convidou para jantar. Durante o encontro, ele
disse:
- Não posso deixar passar essa oportunidade, por isso farei a viagem. Será
uma experiência boa e poderá abrir outras portas para nós. Mas, não iremos
terminar, pois eu amo você e é com você que quero ficar.
Passaram-se seis meses e a moça finalmente também foi morar nos Estados
Unidos, onde casaram e tornaram-se skatistas profissionais. Um casal que continuou
unido pelo esporte e pelo amor.