Post on 20-Feb-2016
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PREFÁCIO
O INFERNO DO AMOR PATOLÓGICO
“O amor é um crime que não se pode realizar sem cúmplice.”
(Charles Baudelaire)
O amor patológico caracteriza-se pelo comportamento de
excesso de cuidados e atenção, totalmente desprovido de
controle em um relacionamento amoroso.
A sociedade humana se depara com inúmeros casos como explica
Platão, em O Banquete, que difere o amor possessivo como aquele
que persegue o outro, atormenta até devorá-lo, daquele que é o amor
divino, que liberta o indivíduo do sofrimento.
Talvez o caso mais conhecido na mitologia grega seja o amor
de Ares (Marte) e Afrodite (Vênus), que geraram Eros (Cupido), o
deus do amor, da paixão desenfreada. Essa paixão condiz de inúme-
ras formas com o que é identificado por amor patológico. Em certos
momentos é uma forma pura, inocente e alentadora, e, em outros,
destrutiva, vingativa e cega, desprovida de senso verdadeiramente
amoroso. Quem é “flechado” pelo Cupido fica cego de amor.
Podemos, em algumas situações, dizer que há realmente uma
obstinação ou uma cegueira, contrastando com a verdade oculta que
existe nas necessidades da verdadeira troca em uma relação.
10 TATY ADES
Em ambos os aspectos, o masculino e o feminino, existem pa-
drões comportamentais que podemos, sem dúvida, atribuir a uma
herança genética, mas a evolução da sociedade tem demonstrado e
exposto cada vez mais um acirramento emocional que se perde entre
as diversas patologias. Mas o amor patológico é causa ou efeito? Ou é
mito nomeado para resolver as simples carências humanas?
Aqui vemos o tratamento direcionado ao universo masculino
que, no fundo, não pode ser desvencilhado do feminino. Somos ambas
as coisas, embora a dualidade tenha realmente dado conta de nossa
história emocional.
Podemos falar do amor masculino apenas debatendo a mulher,
pois tudo que ela representa, enfim, é a humanidade criadora. Deixada
de lado, sem direitos, sem poder para votar, liderar, com raras exceções
que viraram história, a mulher é a matriz do universo masculino, pois
não há uma matriz masculina para o universo.
O homem não herdou conscientemente da sociedade ou de sua
genética a sutileza feminina, e talvez essa falta de exercício seja a causa
de tantos desvios criados pela tradição masculina de ser um homem, o
provedor, o caçador ou o patriarca. A sexualidade masculina tornou-se
um padrão obrigatório, parte da cultura, legado social e até mesmo
uma obrigação moral, que é o modelo-padrão para todas as crianças,
jovens e adultos.
A forma de tratamento daqueles que foram forjados por essas
condições pode e tem causado distúrbios nos relacionamentos, mas,
na grande maioria das vezes, poucos casos são realmente tratados em
vista da quantidade: é toda uma população.
Não podemos dizer que as relações amorosas estão fadadas ao
fracasso, pelo contrário, existem milhares de casos que são exemplos
a serem seguidos. A grande questão é se o homem, dentro de uma
realidade criada pelo mito, pode realmente se transformar ao perceber
tais desequilíbrios.
Aqui temos uma investigação dentro de uma perspectiva ampla,
abrangendo diversos sintomas e coexistindo com a própria natureza
feminina, sem a qual não é possível fazer qualquer análise. Podemos
CAPÍTULO 1
DEPOIMENTO DE UMA MADA (mulher que ama demais anônima)
Q uando Tatiana Ades perguntou se alguma de nós gostaria de
prestar um parecer quanto à ideia de fundar um HADES,
levei dois choques: primeiro, a indignação ao saber que o
privilégio de sermos (nós, mulheres) mártires de nossa capacidade
de amar deveria ser dividida com os homens (os vilões das nossas
histórias!); segundo, a compreensão de que, se o comportamento
(das MADAS) existe, é porque é reforçado e gratificado para o ego
de certos homens amados.
Ora, pensei, se o macho, alvo de nossas flagelações e histerismo,
fosse sadio, com certeza não aceitaria, nem por um dia, o nosso so-
frimento e consequentes atitudes em nome de um amor destrutivo,
mas classificado por nós, MADAS, e justificado por eles, homens, por
ser intenso e único.
Comecei a me perguntar o porquê de não existirem HADES
(nome sugerido pela autora Tatiana Ades para sua proposta): MA-
CHISMO, puro machismo.
Tenho que reconhecer que Tatiana Ades teve uma visão crítica,
objetiva e corajosa em perceber esse fato e quanto sofrimento poderia
ser evitado pela proposta por ela apresentada.
Lembro de mim, alguns anos atrás: sofrida e sofrendo. Humi-
lhada, pisoteada, perdida e, o pior de tudo, culpada!
14 TATY ADES
Sentindo-me muito culpada, pois sabia que estava destruindo um
relacionamento que poderia ser bom se não fosse tão ruim. E, se estava
ruim, a culpa, devo confessar, em grande parte era minha. Lembro,
com alguma dor, como me sentia desorientada e, graças a um acaso,
fiquei sabendo que existia uma esperança: o MADA.
No início, relutei. Relutei, pois não me considerava doente.
Relutei por preconceito. Relutei por medo de perder o meu amor se
eu sarasse. Relutei por não acreditar que simples comparecimentos
em reuniões anônimas pudessem devolver minha autoestima. Qual
foi minha surpresa, ao enfrentar o meu preconceito e comparecer
na primeira reunião de um núcleo MADA, ao perceber que eu não
era única... Que várias mulheres, anônimas, abriam seu coração,
despindo-se de seu sofrimento e batalhavam para “mais 24 horas”.
Hoje, graças a esse processo, sou gente, de novo. Amo-me, respeito-
me, não me humilho mais. Aceitei que estou doente e, como qualquer
doença, devo ser tratada para sempre, sem vacilar.
Tatiana Ades, propondo a formação de HADES (Homens que
Amam Demais), esta sabiamente sugerindo que a responsabilidade de
um relacionamento seja dividida. Existem homens doentes também, e
que podem e devem se beneficiar através dessa aceitação, participando
de grupos anônimos que os levariam a conhecer o quanto é bom se
sentir sadio, que não há vergonha em se aceitar doente. Vergonha é
não querer se tratar. Essa negação gera muito sofrimento.
Como MADA, agradeço a autora Tatiana Ades por tentar alertar
a população masculina sobre o quanto é importante – e nada vergo-
nhoso – querer se cuidar para poupar a si mesmo e a quem ama.
CAPÍTULO 2
O HADES MODERNO E O MITOLÓGICO
Q uando para você, homem, amar uma mulher é sinônimo de
sofrimento e desespero, você esta amando demais. Quando
amar significa colocá-la a frente de tudo e esquecer-se de
si mesmo, você esta amando demais. Quando você percebe que o seu
trabalho, amizades e qualquer tipo de contato que não venha dela
estão sendo prejudicados e você se sente cada vez mais desamparado e
inseguro, necessitando o tempo todo da afirmação dela e da presença
dela para que a sua vida não pare, você esta amando demais – e, nesse
contexto, amar demais significa amar de forma patológica.
A sociedade machista, em geral, coloca os homens em uma
situação complicada, uma vez que cultura, mídia e literatura afir-
mam que apenas as mulheres amam demais, e expõem aos homens
patologias ligadas ao sexo sem entrar no campo afetivo e emocional,
tornando esses homens reféns de uma sociedade em que precisam
provar a qualquer preço que são os caçadores insensíveis, os Deuses
do Olimpo rodeados por semideusas e enxergando o sexo como forma
de aprovação.
Pretendo, com este livro, mostrar que os homens também sofrem
da patologia de amar demais da mesma forma que as mulheres e que
eles não são apenas indivíduos sexuais prontos para o coito a qualquer
momento. Os homens, assim como as mulheres, sofrem de forma
16 TATY ADES
acentuada quando amam demais, tornando as suas vidas um verda-
deiro caos e, justamente por não terem a ajuda necessária, acabam não
entendendo os mecanismos que fazem com que isso aconteça e o final
dessas histórias, infelizmente, nem sempre é agradável.
Para expor o amor patológico dos homens, conversei com diver-
sos profissionais de saúde, psiquiatras, psicólogos, neurocirurgiões, e
o mais importante: conversei com diversos homens de classes sociais
e culturais diferentes. Mas notei uma característica comum: o amor,
para eles, é sinônimo de sofrimento e destruição de suas vidas e as
mulheres que eles tanto dizem amar se tornam objetos de devoção,
obsessão e de uma necessidade de conquista doentia. Esses homens
não amam para acrescentar e receber o mesmo retorno, até porque não
percebem que estão doentes. Dessa forma, amam para podar a pessoa
amada, controlá-la e, às vezes, até chegar à submissão total, entrando
em um processo perigoso, compulsivo e muito destrutivo.
Conversando com diversos homens que amam demais, percebi
que todos eles possuem padrões de comportamento obsessivo com-
pulsivo, repetindo em sua vida adulta cenas que vivenciaram quando
crianças, e geralmente possuem laços familiares muito complicados e
figuras maternais extremamente simbióticas ou ausentes demais.
No decorrer do livro, com as histórias desses homens, iremos
desmembrar o passado deles para que o leitor consiga enxergar em
suas próprias histórias o surgimento da sua angústia, dor e por que
esta repetindo a sua história diversas vezes, já que ela é dolorida e
apenas o faz sofrer.
Denominei os homens que amam demais como ‘HADES’,
pela necessidade de termos um nome em comum, o que facilitará a
montagem de grupos, assunto que trarei também no final do livro,
explicando a necessidade desses grupos de ajuda em suas vidas. Ou-
tro motivo do nome foi a comparação com Hades, o deus impiedoso
mitológico, soberano do mundo dos mortos, do inferno, poderoso e
tão contemplado e temido por todos, irmão do poderoso Zeus, que
acabou por perder-se em excesso de amor quando se apaixonou por
Perséfone. Esta, sem aceitá-lo, foi raptada por ele em uma carruagem
CAPÍTULO 3
CARACTERÍSTICAS DE UM HADES
F elicidade, essa doce ilusão...
Será ilusão ser feliz no amor? Alguns dizem que sim! Alguns
dizem que ser feliz no amor é utopia.
Você, o que acha?
Acredito que a maior ilusão de nossa vida seja acreditar que amar
é utopia. Estamos aqui elucidando amores patológicos justamente
para que você reflita e faça de seu amor – seja com a mesma pessoa
que esta, ou outra – um amor sereno e feliz.
Veja as características de um homem que ama demais e um
homem que ama a si próprio:
I – HADES:
1. Ama demais, pois se ama de menos (característica de quem teve
um lar desajustado na infância);
2. Comportamentos de autoflagelo;
3. Envolve-se em relacionamentos doentios e sustenta-os;
4. O seu mundo gira em torno da pessoa amada;
5. Sensação de humilhação constante;
6. Perda de memória e concentração, dores físicas;
22 TATY ADES
7. Possibilidade de depressões e ansiedade, pânico;
8. Pode perder casa, amigos, sente-se pequeno e sem ação;
9. Sensação constante de fragilidade, abandono;
10. Comportamento submissivo ou dominador para conseguir
alívio emocional.
II – HOMEM QUE AMA A SI PRÓPRIO:
1. Ama demais, pois se ama demais, ao ponto de saber quem quer
– tem limites;
2. Comportamento que coloca limites, sabe dar e receber;
3. Envolve-se em relacionamentos saudáveis;
4. Seu mundo gira em primeiro lugar em torno de si próprio;
5. Sensação de autocontrole, dignidade;
6. Concentração em outras áreas de sua vida que não apenas a
pessoa amada;
7. Possibilidade de angústias pela perda da pessoa amada, mas
dentro dos limites normais;
8. Constrói a sua vida para ganhar sempre, e não perder;
9. Sensação de força interior, amor próprio;
10. Comportamento no amor no qual arca com 50% das respon-
sabilidades e a parceira com os outros 50%.
Caso deseje iniciar-se no processo real da cura, saiba que todo
este processo é doloroso, mas você deixará de ser um homem que ama
para sofrer para se transformar em um homem que se ama o suficiente
para crescer junto à sua parceira, dividir e ser feliz!
QUAL O VERDADEIRO SENTIDO DE AMAR DE FORMA SAUDÁVEL:
– Você admira a sua parceira pelo o que ela é, e não pelo fato de
ela estar submissa às suas vontades.
– Você tem de sua parceira o reconhecimento pelas suas atitudes
boas, ela sabe ouvi-lo e também dizer o que sente, não guardando
segredos para si própria que explodirão futuramente.
CAPÍTULO 4
JÁ PASSEI PELO INFERNO DE HADES
O QUE EU TENHO A VER COM A DOR DE VOCÊS?
“É doloroso ser ímpar Sempre preferi ser par Até perceber que o par
Era sem eu notar A forma mais amarga
De ser o âmago do ímpar.”(TaTy ades)
D urante dez anos, vi-me em uma encruzilhada de relaciona-
mentos complicados, jogos, autoflagelo, sensação de perda,
vazio, angústia. Fui uma mulher que amou errado e não
tenho medo ou vergonha de expor o meu passado, pois sei que dessa
forma estarei ajudando milhares de pessoas.
Muitas mulheres encontram-se perplexas ao saberem que meu
alvo de autoajuda seria os homens. Alguns deles acham besteira reti-
rar a máscara e outros começam a despir-se de um terno grudado ao
corpo por tanto tempo.
Amor é amor: não há sexo, há sentimentos que devemos com-
preender e analisar. Mas o amor à mulher é permitido pela sociedade
26 TATY ADES
e o sofrimento aos homens é negado, o que acredito causar mais e
mais sofrimento.
A certeza da recuperação da autoestima me faz querer comparti-
lhar com vocês um pouco do que passei. Nunca poderia imaginar que
sofria por amor. Sempre fui independente e extrovertida demais para
admitir que as minhas atitudes estivessem me levando ao caos. Escolhi
o jogo patológico como forma de vida, até de sobrevivência, e nessa
empreitada a codependência veio para mim em um vendaval tempes-
tuoso e inexorável, forte, acolhedor, mas terrivelmente amargo.
Quando me dei conta das minhas atitudes perante o amor, eu já
havia me envolvido com todo tipo de homem problemático possível e,
em uma tentativa estranha de lidar com eles, eu precisava modificá-los e
salvá-los de algo que nem eu entendia direito. Hoje olho para trás e percebo
o tamanho da minha insensatez na época e em tantas outras situações de
limites e risco eu me coloquei para provar a mim mesma que o controle
dessas pessoas e a vontade de transformá-las estava em minhas mãos.
Ah, quanta pretensão a minha! Como somos egoístas quando
“amamos demais” a nós mesmos sem enxergarmos em nós defeitos e
problemas, e colocamos nos outros as nossas responsabilidades de dor
e frustrações por uma vida de medo, ausência e dor. Na codependên-
cia, o outro é a chave mestra para a nossa felicidade e rigorosamente
entramos em jogos de poder com o parceiro, ora dominando, ora
submetendo-nos a situações e sensações além do que o nosso corpo,
mente e alma são capazes de aguentar.
O amor vinha fácil para mim e ia também muito fácil. Facilmente
era também trocado por outro que me traria sensações ínfimas de
prazer, serotonina ao corpo, paz de espírito por breves e turbulentos
minutos, meses, até a separação ser mais uma vez sentenciada e a re-
posição ser feita, como se eu fosse um robô me alimentando de outros
seres humanos, fazendo deles peças importantes para tapar minhas
carências e buracos negros da alma.
Envolvi-me com homens doentes e amorais, mas, na época, não
me causavam medo nenhum, ao contrário, me preenchiam de vida
e de um sentimento de “falso amor”. Eu os buscava sem perceber.