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Introduo Filosoa Moderna e Contempornea:Orientao sobre seus Mtodos
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Christian Iber
Introduo Filosoa Moderna e Contempornea:Orientao sobre seus Mtodos
Srie Filosoa - 216
Porto Alegre2012
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EDIPUCRS, 2012CAPA Rodrigo C. VallsREVISO DE TEXTO AutoresEDITORAO ELETRNICAAndressa Rodrigues
I12i Iber, ChristianIntroduo flosofa moderna e contempornea :
orientao sobre seus mtodos [recurso eletrnico] / ChristianIber. Dados eletrnicos. Porto Alegre :EDIPUCRS, 2012.
182 p. (Srie Filosofa ; 216)
Sistema requerido: Adobe Acrobat ReaderModo de Acesso: ISBN 978-85-397-0185-8
1. Filosofa. 2. Filosofa Moderna. 3. FilosofaContempornea. I. Ttulo. II. Srie.
CDD 190
TODOS OS DIREITOS RESERVADOS. Proibida a reproduo total ou parcial, por qualquer meio ou processo, especialmente por sistemas
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Sumrio
Prefcio .................................................................................................8
Lio 1 ...................................................................................................9O que losoa?
Lio 2 ................................................................................................ 16Determinao mais especca da tarefa da losoa:A questo acerca do a priori. Diferenciaes dosmtodos loscos conforme a compreenso do a priori
Lio 3 ................................................................................................ 25O mtodo fenomenolgico de Husserl (I):restaurao da losoa pela crtica de Frege e Hussel ao
psicologismo emprico
Lio 4 ................................................................................................ 31Prosseguimento com Husserl e transio losoaanaltica da linguagem
Lio 5 ................................................................................................ 39A losoa analtica da linguagem: Wittgenstein I e II:
regulamentao do pensar pelas regras da linguagem
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Lio 6 ................................................................................................ 53Prosseguimento com a losoa analtica da linguagem:
o objeto e as palavras, ou seja, os conceitos intencionaisrelacionados a um objeto (Tugendhat I)
Lio 7 ................................................................................................ 63De acordo com a losoa analtica da linguagem, as sentenasloscas so analticas ou sintticas? (Tugendhat II)
Lio 8 ................................................................................................ 71
O mtodo da losoa transcendental.O apriori sinttico em Kant
Lio 9 ................................................................................................ 82O problema da induo e a fundamentao do princpio dano-contradio: Tugendhat III. Crtica reduoemprica da losoa
Lio 10 ..............................................................................................92Crtica losoa analtica da linguagem. Um resumo
Lio 11 ............................................................................................101A doutrina da cincia de Fichte. A ideia de umametacincia de todo o saber humano
A lio 12 .........................................................................................115As teorias modernas do sujeito. O problema fundamental deuma teoria da subjetividade: a autorrelao sapiente do sujeito
Lio 13 ............................................................................................124A losoa fundamental de Hegel: a Cincia da Lgica.A justicao do mundo como racional
Lio 14 ............................................................................................139A crtica de Marx e Adorno losoa doesprito de Hegel
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Lio 15 ............................................................................................146Negativismo losco I: a partir do negativo do
mundo existente. O conceito negativismo-especco donegativo e do positivo
Lio 16 ............................................................................................157Negativismo losco II: O movimento dialtico pelo qualo negativismo passa do negativo ao positivo. Crtica aonegativismo losco
Referncias Bibliogrcas ..........................................................171
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Prefcio
A ideia do compndio Introduo Filosoa Moderna eContempornea: Orientao sobre seus Mtodos nasceu a partir de umaexperincia pessoal, de uma vivncia que eu mesmo tive como estudantede losoa. Nas universidades de todas as partes do mundo, os estudantesde losoa so confrontados com direes distintas e at mesmo opostasde fazer losoa. H a fenomenologia de Husserl e Merleau-Ponty, alosoa analtica da linguagem de Wittgenstein e Quine, a losoa
transcendental de Kant e Fichte, a dialtica de Hegel e Marx, a losoa daexistncia de Sartre e Heidegger, o estruturalismo de Lvinas e Foucaulte o ps-modernismo de Derrida e Deleuze. Contudo, um grande defeito,e isso engendra certo desnorteamento nos estudantes ou pesquisadores, oqual pode perpassar o estudo inteiro, que as diversas direes loscasse debruam mais ou menos apenas sobre si mesmas.
Quem frequentar ou ler cursos que versam sobre a losoa daexistncia no experimentar nada sobre a losoa analtica da linguagem
e, inversamente, quem frequentar cursos sobre a losoa analtica dalinguagem no experimentar nada sobre a dialtica. Os destinatriosde minhas lies, ou seja, do meu curso, so aqueles estudantes ou
pesquisadores necessitados de orientao, que querem adquirir umaviso de conjunto aprofundada sobre as diversas direes dominantesda Filosoa Moderna e Contempornea, que se fazem presentes tambmaqui na Faculdade de Filosoa e Cincias Humanas da PUCRS.
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Lio 1
O que losoa?
A lio inicial trata do esclarecimento da questo: O que losoa? Assim, tentarei levar essa questo pelo menos provisoriamente
a uma elucidao. Em relao ao meu procedimento deve ser dito oseguinte: estruturarei minhas lies em pargrafos. Esse modo de procedertem por objetivo facilitar a orientao dos leitores ou dos alunos1.
No momento, temos como tema a pergunta: o que losoa?
1 Acerca do tema do compndio Introduo FilosoaModerna e Contempornea: Orientao sobre seus Mtodos pode-se,em primeiro lugar, pr a seguinte questo: podemos, pois, em geral,falar da losoa? E existe tal coisa como os mtodos da losoa?
2 Nessa questo, podemos nos orientar a partir do quealguns grandes lsofos compreenderam ser a losoa. Nas suasMeditaes Cartesianas, 5, Edmund Husserl diz que a losoa acincia universal da fundamentao absoluta. Algo semelhante armaHegel, no incio de sua Enciclopdia, e Aristteles, no comeo de suaMetafsica. Hegel destaca que a losoa como cincia deve provaro ser e as determinaes de seus objetos (cf. Enc. I, 4, p. 81). EmAristteles, l-se que a sabedoria como cincia do universal a cincia
1 Para meus alunos dos seminrios, sobre o procedimento em geral, gostaria de declarar o seguinte: naprimeira metade da aula, falaremos sobre o tema da ltima lio, que vocs recebero por escrito. Nasegunda metade da aula, ento, darei a prxima lio. A tarefa dos participantes consiste em formular, porescrito, pelo menos trs questes acerca de cada lio. Atravs dessas questes formuladas por escrito,discutiremos, ento, a temtica da ltima lio. Juntos aprenderemos a fazer perguntas loscas de modo
preciso acerca de um texto losco. Meus textos reivindicam serem textos loscos. E no exageradodizer que o losofar comea precisamente com a formulao de questes de maneira precisa. Enm, depoisda lio, discutiremos livremente sobre o tema exposto. Na prxima aula, falaremos novamente sobre oassunto a partir das questes que vocs formularem por escrito.
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dos primeiros princpios e causas de todo o ser (Met., 982b8-10).Assim, de acordo com os trs grandes lsofos, caracterstico, para alosoa, o seguinte:
1. que a losoa uma cincia,
2. (conteudsticamente) que losoa trata de qualquer maneirado todo e
3. (metodicamente) que ela uma espcie excelente dafundamentao.
Kant distingue o conceito de mundo do conceito de escola dalosoa. Aquele o que interessa necessariamente a cada um que
losofa. No seu conceito de mundo da losoa (CdRp B, 855-68;Lgica, Introduo II), Kant diz que a losoa a cincia dos nsltimos, portanto, do bem. Aquele todo, ao qual a losoa se refere,aqui compreendido praticamente. Prtico signica: aquilo pelo qualo homem se orienta no seu agir. Kant diz: ele se orienta pelo bem. O
prtico , portanto, sempre ainda um momento da cincia da losoaque tem em vista o todo. Assim, tambm em outros autores, masespecialmente em Kant e Plato, a referncia ao bem tem prioridade.
3 Gostaria de fazer a sugesto de considerar o conceito delosoa como um conceito que, em sentido wittgensteiniano, um conceito de famlia (cf. Investigaes Filoscas, 66 s.): numconceito de famlia se sobrepem diversas determinaes. No h umadeterminao que tenha de ser comum ao todo assim denominado.
Se se aplicar essa considerao de Wittgenstein losoa, pode-se dizer, e assim eu proponho, que possvel inscrever as determinaescom a referncia ao todo, a fundamentao excelente e a referncia
ao bem como regies se sobrepondo parcialmente dentro do continentedo saber (ou do aspirar pelo saber).
4 A posio da losoa como conceito de famlia permite (i)no nos vincular de maneira demasiadamente apressada a uma escolaespecca, portanto, tornar-se intolerante frente s concepes loscasdeterminadas, e (ii) ver as diversas posies loscas possveis em suarelao uma com a outra. Podemos questionar se deveramos ampliaro conceito de losoa de modo que a cincia no seja constitutiva
incondicionadamente: por que ns no deveramos aceitar as diversasregies da losoa (portanto: a referncia ao todo e ao bem) no mdium
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da religio ou da arte? A questo, portanto, se no deve ser deixadaaberta a fronteira com a religio ou com a arte, ou seja, com a poesia.
Por exemplo, pode-se dizer que na determinao da losoa do
Heidegger tardio, a questo acerca do ser, que representa para ele otodo, desligada da questo da fundamentao. A losoa do ser doHeidegger tardio quase se assemelha poesia. Ora, em princpio, cadaum pode denir cada palavra at onde quiser. Assim, tambm a palavralosoa. Mas, no meu entender, h razes tericas e pragmticasfortes para demarcar nitidamente a losoa da religio e da poesia.
5 Em primeiro lugar, gostaria de deter-me mais detalhadamentena relao da losoa e da religio, ou seja, do mito. Uso a palavra
crena para a religio e para o mito. Tanto a crena como o saberso diferentemente da arte modos de considerar como verdadeiro,linguisticamente compreensveis, que se exprimem em proposiesdeclarativas. Diferentemente das proposies interrogativas ou
proposies que exprimem desejos, as proposies declarativas soproposies que sempre reivindicam a verdade. Podemos question-las, portanto, se so verdadeiras ou falsas. Por exemplo, esse livro azul uma proposio declarativa, da qual podemos perguntar se ela
verdadeira ou falsa.Para o considerar como verdadeiro caracterstico, em geral,
a diferena entre o opinar e o saber. O saber o opinar sucientementefundamentado. Para o considerar como verdadeiro pertence,constitutivamente, a possibilidade do duvidar de que poderia serdiferente. Falamos de saber se ns entendemos que essa possibilidadede duvidar est sucientemente resolvida.
O crer, num sentido mais amplo, o opinar. O crer em
sentido restrito, isto , em sentido religioso, um considerar comoverdadeiro, no qual se cona praticamente como num saber, mas semfundamentao, porm em razo da autoridade sagrada.
O que denominamos losoa resultou de uma suspensoda sujeio autoridade. Nesse contexto, gostaria de apontar para oconceito kantiano de maioridade no seu escrito Resposta pergunta:O que iluminismo ou esclarecimento?. Diz Kant: Iluminismoou esclarecimento a sada da menoridade por culpa prpria. Kant
prega o slogan: Serve-te do teu prprio entendimento. Na passagemBack to the Presocratics [Retorno aos Pr-socrticos] do seu escrito
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Conjectures and Refutations (Conjecturas e Refutaes), Karl Popperd explicaes pertinentes de como, nos primrdios da Grcia antiga, alosoa se emancipou da religio e do mito. Isso um processo histrico
singular que, por exemplo, no se realizou na China e na ndia.Essa emancipao do pensamento da religio, do mito e da
poesia responsvel pelo surgimento da losoa. A cultura dos gregostolerou-a e promoveu-a. Contudo, no se pode explic-la a partir dela.Os desenvolvimentos scio-econmicos e culturais dos gregos soapenas condies necessrias, mas de modo nenhum o fundamento parao advento da losoa. Condies semelhantes existiram no extremo-oriente, na China e na ndia, onde, porm, o pensar losco permaneceu
imerso na religio. Na Grcia, de condies semelhantes, originou-sealgo completamente novo. Aqui o pensar se emancipou da religio e domito, porque ps a questo acerca da justicao de suas declaraes.
Portanto, distingo a losoa da religio, ou seja, do mito, nopelo contedo do considerar como verdadeiro, mas sim pelo comodo considerar como verdadeiro. Nas sociedades mticas sempreexistiu um saber conforme o crer que se refere ao todo e ao bem, o qual,no iluminismo, deve ser substitudo pelo saber autnomo, quer dizer,
um saber fundado no mais autoritariamente, em conformidade com ospadres de fundamentao para o saber cotidiano vigentes tambm jnas sociedades mticas.
A losoa se gera no contexto da gnese do saber crtico,explicitamente procurado, portanto, com a cincia: as cincias
particulares e a losoa cam, portanto, sempre numa conexogentica imediata. A losoa deve referir os critrios crticos do saberreservados at agora ao domnio privativo da crena. Naturalmente,
levanta-se a questo se esse empreendimento da losoa no completamente inexequvel. E se isso no for um fundamento, nodeixaria aberta a fronteira com o mito?
A demarcao da losoa da crena religiosa mostra que oespecco para a losoa no simplesmente o saber, (i) porquetambm a crena praticamente considerada como um saber ou atuacomo um saber e (ii) porque tem que car aberto para o conceito delosoa se o saber de fato alcanvel ou se se deve car no amor
sabedoria, como Scrates armou, ou se se chega ao conhecimento deque no campo da losoa no pode haver um saber. O critrio no o
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saber, mas sim a atitude crtica em relao ao saber, o logon didonai[dar explicaes] socrtico, isto , a questo da fundamentao.
6 Como resultado se deixa reter: no se pode proibir ningum
de deixar aberta a fronteira entre a religio e a losoa. Mas melhorfech-la, j que se trata de duas atitudes inconfundveis. Visto quecompreendo sob os mtodos aqui os mtodos de fundamentaoe a crena, por denio, no questiona por fundamentao, a questodessa lio deixaria de existir se ns no circunscrevssemos a losoadessa maneira. Apenas se a losoa compreendida criticamente quea questo acerca do seu possvel mtodo tem sentido: como, em geral,a losoa possvel?
7 Ora, em que p est a relao da losoa com a arte, ouseja, com a poesia? Enquanto a losoa e a f cam numa relaode concorrncia, j que ambas so modos de considerar comoverdadeiro, a arte no um considerar como verdadeiro, mas simuma modicao da fantasia. As obras de arte nos mostram um mundoda fantasia. As proposies da poesia no so nem verdadeiras nemfalsas, mas sim harmnicas em si e entre elas ou no harmnicas.Elas so, portanto, nem fundamentveis nem necessitadas de
fundamentao. A arte da poesia depende da signicabilidade interna,no da relao referencial s coisas. Portanto, tambm aqui vale traaruma fronteira entre a losoa e a poesia, pois a questo acerca dosmtodos de fundamentao apenas pode ser posta na losoa. 8Portanto, a questo das lies desse curso pode ser assim formulada:que tipo de saber a losoa ambiciona? H modos de fundamentaolosca especiais? Quais representaes se tem tido quanto a isso,at agora, na histria da losoa moderna e contempornea?
A questo se a fronteira com as cincias particulares escorregadia, ao contrrio da demarcao frente religio e arte,deve car aberta. Visto que as cincias particulares com exceo damatemtica so cincias empricas, pe-se a questo se h um mbitodo conhecimento anterior ou para alm da experincia. Nesse contexto,levanta-se a suspeita que esse mbito poderia ser um remanescentesecularizado da provenincia religiosa da losoa.
A posio de David Hume e do positivismo lgico (cf. os artigos
de Moritz Schlick e Rudolf Carnap nos primeiros volumes da revistaconhecimento) de que h apenas a lgica e a matemtica, por um
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lado, e, de outro, as cincias empricas, tem suas diculdades, porque jessa prpria posio e o conceito de experincia no so, por sua vez,empricos. Contudo, levanta-se a questo se tambm essas questes
localizadas aparentemente antes de todas as cincias empricas nocaem na competncia das cincias empricas determinadas. A questoacerca da experincia poderia ser discutida na psicologia e na biologia,e a concernente ao bem na cincia emprica da cultura. Deve serinvestigado, portanto, se a losoa tem uma independncia frente scincias particulares e at que ponto.
O tema das lies ou do curso ser prioritariamente a discussocrtica das diferentes possibilidades de fundamentao losca.
Ser tratado o mtodo fenomenolgico (Husserl), o mtodo analticoda linguagem (do primeiro Wittgenstein, Russel, do segundoWittgenstein), o mtodo transcendental-losco (Kant e Fichte), omtodo dialtico (Hegel e Marx) e o mtodo do negativismo losco(Marx, Benjamin, Adorno, Kierkegaard e Sartre). Com isso, estaremos
bem ocupados o curso inteiro.
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Bibliograa
CARNAP, Rudolf. ber Protokollstze [Sobre sentenas protocolares]. In:Erkenntnis [Conhecimento]. R. Carnap, H. Reichenbach (Org.). Vol. 3. Livro2/3. Leipzig: Felix Meiner, 1932. p. 215-228.
HUSSERL, Edmund. Cartesianische Meditationen. Elisabeth Strker (Org.).3 Ed. Hamburg: Felix Meiner, 1995.
_______. Meditaes Cartesianas: Introduo Fenomenologia. Trad. deMaria Gorete Lopes e Sousa. Porto: Rs, s.d.
KANT, Immanuel. Beantwortung der Frage: Was ist Aufklrung. Vol. XI daKant Werke. Wilhelm Weischedel (ed.). Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1968.KANT, I. Resposta pergunta: O que iluminismo? Trad. de Artur Moro.http://ensinarlosoa.com.br/__pdfs/e_livors/47.pdf
_______. Kritik der reinen Vernunft I/II. Vol. III e IV da Kant Werke. WilhelmWeischedel (ed.). Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1968. KANT, Immanuel.Crtica da Razo Pura. 5 ed. Lisboa: Fundao Calouste Gulbenkian, 2001.
_______. Logik. Vol. IV da Kant Werke. Wilhelm Weischedel (ed.). Frankfurtam Main: Suhrkamp, 1968. KANT, Immanuel. Lgica (Excertos da)
Introduo. Trad. de Artur Moro. Covilh: Universidade da Beira Interior,2009.
POPPER, Karl. Conjectures and Refutations. London: Routledge, 1989.
WITTGENSTEIN, Ludwig. Philosophische Untersuchungen. Kritisch-genetische Edition. Joachim Schulte (Ed.). Frankfurt: WissenschaftlicheBuchgesellschaft, 2001. WITTGENSTEIN, Ludwig. InvestigaesFiloscas. Trad. de Jos Carlos Bruni. So Paulo: Nova Cultural, 1999.
SCHLICK, Moritz. ber das Fundament der Erkenntnis [Sobre o fundamento
do conhecimento]. In: Erkenntnis [Conhecimento]. R. Carnap, H. Reichenbach(Org.). Vol 4. Leipzig: Felix Meiner, 1934. p. 79-99.
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Lio 2
Determinao mais especca da tarefa da losoa:A questo acerca do a priori. Diferenciaes dos
mtodos loscos conforme acompreenso do a priori
Na presente lio, quero determinar um pouco maisespecicamente a tarefa da losoa. Mostrar-se- que aqui se trata datarefa tanto da parte terica quanto prtica da losoa. A lio 2 abrange
cinco pargrafos. 1 A losoa deve se ocupar de qualquer maneira com o todo mas, o todo de qu? Pode-se dizer com o todo da experincia cientcae, alm disso, com o todo do mundo da vida. Portanto, o todo abrangenosso inteiro fazer no mundo, seja ele prtico ou terico.
Ns temos sempre j uma pr-compreenso do que seja, porexemplo, espao, tempo, necessidade, casualidade, existncia, verdade,opinar, saber, querer, pedido, prometido, m, bem, liberdade, etc.
Esses so conceitos loscos bsicos. So conceitos dados a priori,diferente dos conceitos empricos. Essa distino Kant a faz na Crticada Razo Pura, no item sobre a doutrina do mtodo (B 755 s.). Osconceitos a priori so conceitos que no nascem da experincia, massim so produtos do pensar. Kant denomina os conceitos a priori, porum lado, de categorias ou conceitos do entendimento e, por outro, deideias da razo; Hegel os designa por determinaes do pensar.
caraterstico, para esses conceitos a priori, que ns sabemos o
que eles signicam no temos diculdades em empregar corretamenteos conceitos e que, porm, no os sabemos, isto , no podemosexplic-los. Precisamente dessa maneira Wittgenstein descreve, nas
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Investigaes Filoscas, 89, nossa situao em relao aos conceitosa priori. Santo Agostinho diz acerca do tempo: O que, portanto, otempo? Se ningum me pergunta, eu sei, se eu quero explicar a algum
que me pergunta, eu no sei1.Wittgenstein, no 89 das Investigaes Filoscas, esclarece
nossa situao em relao aos conceitos a priori atravs da citao deSanto Agostinho com as seguintes palavras: O que se sabe quandoningum nos pergunta, mas no se sabe mais se devemos explic-lo, algo de que se tem de recordar (e obviamente algo de que dicilmentese recorda por qualquer razo).
O conhecimento losco teria que ser compreendido como
um conhecimento que reete sobre aquilo que por ns j desdesempre compreendido, quer dizer, do compreendido a priori. JPlato, com sua doutrina das ideias, desenvolveu uma doutrina dascategorias. No livro V de sua Metafsica, Aristteles apresentou umacoleo dos conceitos loscos bsicos e desenvolveu igualmenteuma doutrina das categorias do ser. A reexo losca , portanto,a elucidao dos conceitos dados a priori. Contudo, com isso, no sedisse ainda quase nada, j que, agora, a questo : o que o mtodo
dessa reexo? 2 evidente que se trata de uma reexo sobre conceitos?
Surgem aqui duas dvidas:
1. Por que no se trata dos fenmenos ou das coisas ao invsdos conceitos? Por enquanto essa diferena no deve desempenharnenhum papel. Trata-se, em todo caso, do que as palavras singularesrepresentam, como quer que isso seja compreendido.
2. Deve-se distinguir estruturalmente entre conceitos edeclaraes. O que tema nas cincias, so fatos, portanto, a verdadedas declaraes; por exemplo, a verdade das declaraes-lei e suaexplicao. Em contrapartida, na losoa, as declaraes no parecemser o primeiro tema, mas sim os conceitos. E as declaraes surgemapenas na resposta questo acerca dos conceitos. Aqui, gostaria defazer duas restries a essa armao:
1 AUGUSTIN. Bekenntnisse, Buch XI, Kap. XIV. In: Kurt Flasch: Was ist Zeit? Augustinus von Hippo. Das
XI. Buch der Confessiones. Historisch-philologische Studie. Text - bersetzung - Kommentar. [SANTOAGOSTINHO. Consses, livro XI, cap. XIV. In: Kurt Flasch: O que otempo?Agostinho de Hippona.O livro XI das Consses. Estudo histrico-lolgico. Texto - traduo - comentrio]. Frankfurt am Main:Vittorio Klostermann, 1993.
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a) So excees o princpio da no-contradio e o princpioda induo, ou seja, as mximas da experincia de Kant, como, porexemplo, a sentena todas as aparncias so passveis de leis (KANT,CdRp, A 113 s. e mais detalhado B 198 s.). Aqui, temos, portanto,declaraes tambm na losoa, ou seja, declaraes-lei que devemser provadas de qualquer maneira; isto , sentenas dadas a priori, noconceitos dados a priori.
Trata-se, nessas leis, de uma espcie de super-leis ou meta-leis. Aqui no est dada a situao caracterstica da problemticalosca extraordinria, de que ns temos um saber pouco claro, deque compreendemos algo e, contudo, no o compreendemos (como
isso ocorre nos conceitos dados a priori, discutimos no 1). Entretanto,aqui subsiste um problema de prova. Como tais super-leis ou meta-leis
podem ser provadas?
b) Em certo sentido, tambm nos conceitos ns lidamos comsentenas. Visto que os conceitos, a partir dos quais a losoa reete,de fato sempre existem nas sentenas, como, por exemplo, em sentenascomo ns temos opinies, ns temos conscincia, ns temos umalinguagem etc., assim, todos os conceitos dados a priori abarcados no 1 pertencem a tais sentenas, como Ns somos entidades que....Mas, o problema que essas sentenas levantam no precisamente oque concerne sua verdade, j que essas sentenas so verdadeirasdesde o incio, mas sim a aclarao dos conceitos que se manifestam no
predicado dessas sentenas.Excurso: podemos substituir o ns por todos os homens?
Nesse caso, as sentenas mencionadas seriam sentenas empricas; etalvez elas, de fato, sejam sentenas empricas.
Insisto na forma do ns, porque acredito que o esclarecimentodesses conceitos apenas pode ocorrer na perspectiva interior do nossocompreender Hegel diria: da perspectiva interior do nosso pensar. Ens somos os que compreendem e pensam. Isso a losoa analtica dalinguagem denomina como a perspectiva da primeira pessoa.
A distino entre a perspectiva da primeira e da terceira pessoa importante para a avaliao correta dos impactos do conhecimento dacondicionalidade histrica dos conceitos, que, em primeiro lugar, nos
parecem dados a priori. Se dissermos que os conceitos que empregamosso historicamente condicionados, ento isso contradiz a suposio do
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seu ser dado a priori. Como se deixa dissolver a contradio entre o serdado a priori e a condicionalidade histrica dos conceitos bsicos?
O historiador tematiza os conceitos em orientao objetivante
na terceira pessoa. Ele chega ao conhecimento de que outros homenstm outros conceitos ou eles os compreendem diferentemente e quenossa compreenso depende de condies histricas determinadas.
Nessa relativizao ele ca parado. Aquele que losofa, o qual remetena sua referncia direta aos conceitos, pode apanhar os resultados dohistoriador, mas, eles conduzem, ento, ampliao do seu conceitoanterior, checado como relativo. Assim, resulta uma negao progressivada relativizao dos conceitos. Progressivamente, os conceitos so
retirados de sua condicionalidade histrica. Nesse caso, amplia-setambm o alcance do ns (como losocamente pensantes).
Na verdade, tenho diculdades se a dimenso histrica dosconceitos superestimada. Contra a mera historicidade dos conceitos,ns temos que nos reter numa aclarao losca dos conceitos. Issonaturalmente no deve signicar que a dimenso histrica no existe.A questo decisiva que se pe agora : a qual dimenso do nossocompreender ou reetir os conceitos a priori esto relacionados?
3 Embora sejam os conceitos que a reexo losca tematiza(por exemplo: O que saber?, O que verdade?, O que
justia?, O que o bem?), ela tem em vista sim declaraes, como,por exemplo, as seguintes: O saber isso e aquilo, A verdade issoe aquilo, A justia isso e aquilo, O bem isso e aquilo. E osmtodos loscos clssicos se distinguem conforme a posio queassumem acerca da essncia dessas declaraes, quer dizer, do modocomo elas so fundamentveis.
Parece estar seguro que essas declaraes tm que ser verdadeirasa priori. Uma declarao verdadeira ou falsa a priori se contradiz o seusentido de ser fundamentvel pela experincia, se, portanto, deve serfundamentada independentemente da experincia. Deve ser distinguido,
portanto, entre a aprioridade dos conceitos e a das declaraes.Podemos fazer declaraes com referncia aos conceitos
empricos que so a priori verdadeiras. Por exemplo: podemos dizercom referncia ao conceito emprico solteiro: todos os solteiros so
no-casados (todo quadrado tem quatro lados). Mas, tambm, asdeclaraes procuradas sobre os conceitos dados a priori tm que ser,
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com efeito, a priori verdadeiras se elas devem apenas explicitar o quens sempre j compreendemos.
Uma declarao pode ser verdadeira a priori ou em razo do seu
mero signicado, ento ela se chama analtica ou, de outra maneira, sinttica(sobre esses conceitos, cf. KANT, Crtica da Razo Pura, Introduo).Isso uma denio negativa do sinttico a priori. Esse conceitoadquire um sentido positivo quando se mostra como as declaraes queso a priori e, contudo, no analticas, mas so fundamentveis.
Anteriormente, nos detemos um pouco mais especicamente nadiferena entre analtico e sinttico. Uma declarao analtica quandoo conceito de predicado j est contido no conceito de sujeito. Por este
motivo, tais declaraes podem ser deduzidas a priori, sem experincia,apenas do conceito de sujeito. Eles podem ser formados somente pelarazo, isto , eles so possveis a priori. Por exemplo: Todos os corpos soextensos. O conceito de extenso j est contido no conceito de corpo;ele no acrescentado, mas sim somente destacado. Da se esclareceque as declaraes analticas no trazem nenhuma ampliao do nossoconhecimento. Eles so somente juzos de explicao ou tautologias (cf.a sentena mencionada acima: Todos os solteiros so no-casados).
Algo distinto ocorre com as declaraes sintticas. Essas so taisque o conceito de predicado ainda no est contido no conceito de sujeito.Antes pelo contrrio, elas acrescentam ao conceito de sujeito um conceitode predicado completamente novo. Por isso, possvel uma ampliaoreal do contedo do conhecimento; inclusive, as declaraes sintticas sechamam, em Kant, tambm juzos de ampliao. Por exemplo: Todosos corpos so pesados. Isso um juzo sinttico da experincia. Vistoque, a m de poder formar tal juzo, preciso da experincia; pois, com
efeito, sem experincia, no conheo o conceito novo. Essas declaraessintticas so, portanto, apenas possveis a posteriori.
Ora, consoante Kant, h tambm ainda as declaraes sintticasa priori. Elas so possveis se dois conceitos no contidos um no outroso ligados a priori um com o outro. Tais juzos sintticos a prioriexistem, de acordo com Kant, na matemtica. Por exemplo: a sentena,que arma que a linha reta entre dois pontos a mais curta, trata-sede um juzo sinttico a priori. Linha reta um conceito a priori da
qualidade, curto da quantidade e no contido naquele e, todavia,aquela sentena formada a priori. Para Kant, h, portanto, tambm
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declaraes sintticas a priori. Por exemplo, a sentena: Tudo o queacontece tem uma causa.
4 Ora, coloca-se, agora, a questo de como declaraes que
so a priori e, contudo, no analticas, portanto, sintticas a priori, sofundamentveis. Com referncia a essa questo, h posies diferentes:
a) Husserl (a fenomenologia) tem a posio: pela intuioda essncia.
b) Kant tem a posio: assim que elas so conhecidas comofundamento da possibilidade da experincia. Esse fundamento da
possibilidade a subjetividade transcendental.
c) A posio dialtica (Fichte e Hegel): pela transio imanentedos conceitos um no outro com respeito a um nico princpio dededuo. Em Fichte e em Hegel, a questo acerca do a priori adquireum sentido mais amplo: todos os conceitos devem ser deduzidos emordem de um nico princpio. Aqui a aprioridade do conhecimentosubsiste com respeito a esse princpio (em Fichte, o princpio o Eu;em Hegel, o princpio o Conceito).
d) A losoa analtica da linguagem negou frequentemente
as declaraes sintticas a priori e armou: h somente declaraesanaliticamente verdadeiras, todas as outras declaraes so sintticasa posteriori. Isso o mtodo analtico da linguagem? Assim, em todocaso, nas suas Lies para introduo losoa analtica da linguagem(p. 19-22), Ernst Tugendhat sustenta sua posio, uma posio que,todavia, considero como questionvel. Segundo ele, as declaraesda cincia se distinguem das da matemtica e da lgica, por um lado,que so analticas, e as das cincias empricas, que so to-somente
sintticas a posteriori. Essa posio a do empirismo lgico ou dopositivismo do crculo de Viena.Resumindo: nas declaraes sintticas a priori, portanto, os
espritos loscos se separam. Por um lado, existem os lsofos quearmam que h declaraes sintticas a priori; por outro, aqueles quese distinguem acerca da fundamentao dessas declaraes sintticasa priori e, de novo, outros que negam que haja, em geral, declaraessintticas a priori.
5 Suplemento: consideremos as seguintes sentenas:O calor um movimento extensivo, retardado e apoiando-senas partes menores (Francis Bacon).
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A vontade [] a autodeterminao do Eu, num pr-se comoo negativo de si mesmo, precisamente como determinado, restringido, e
permanecer em si, isto , na sua identidade consigo e universalidade e,
na determinao, reunir-se apenas consigo mesmo (Hegel).Como valores de troca, todas as mercadorias so apenas
medidas determinadas do tempo de trabalho cristalizado (Marx) (paramaiores detalhes sobre essas sentenas e o problema que originam, cf.SCHICK, 2005, p. 9-19).
Todos os trs juzos, os quais tomados por si provavelmenteainda no so compreensveis, comum que eles so universais. Elesno atribuem a um objeto singular concreto uma propriedade e eles no
se referem tambm a certo nmero de casos do conceito mencionadona expresso do sujeito diferente dos outros casos desses. Antes pelocontrrio, trata-se de denies da essncia, das denies da essnciade uma espcie de objetos. Tais determinaes da essncia de umaespcie de objetos so resultado de investigaes cientcas.
Para tais juzos caracterstico que eles no podem serclassicados na distino, por um lado, de analtico ou sinttico e,
por outro, de a priori ou a posteriori. Eles so analticos, porque no
predicado o prprio conceito de sujeito deve ser determinado, assim,o conceito de sujeito esmiuado nos seus elementos conceituais, ouseja, analisado. Eles so sintticos, porque o predicado vai alm doconceito de sujeito. O predicado no repete o conceito de sujeito nemcompletamente, nem parcialmente.
Por outro lado: em todos os trs juzos, no lugar do sujeito,ca um conceito que pode valer como conceito de experincia. Como conceito de sujeito, a denio da essncia se refere ao campo da
experincia. Ao mesmo tempo, na sua segunda parte, eles vo alm doconceito de sujeito na maneira necessitada de fundamentao.
Poder-se-ia assumir que se trata de hipteses empricas, quedevem ser fundamentadas a posteriori por uma srie de declaraesde observao pertinentes. Mas, se o predicado desses juzosdeterminar o conceito de sujeito naquilo que ele , ento se tratada relao de identidade denitria de ambos os lados do juzo. O
juzo reivindica, portanto, universalidade estrita e necessidade, e
essa exigncia no se deixa descontar na confrontao simples comcasos de calor ou de vontade ou de valor das mercadorias. luz
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da alternativa entre fundamentaes a priori e a posteriori parece,portanto, foroso classicar as denies da essncia no lado dasque devem ser fundamentadas a priori.
A exigncia de objetividade de tais juzos no est j descontada(ento, se se encontram, em geral, objetos singulares que cumpremo conceito de espcie denido), mas sim apenas quando o conceito
pressuposto da espcie correspondente est determinado. O resgate daexigncia da objetividade de tais juzos da essncia exige, portanto,aquela determinao da unidade da espcie em debate, a qual contm ofundamento da explicao dos caracteres da espcie.
A universalidade estrita e a necessidade dos juzos da essncia
se opem, portanto, posio moderna generalizada, segundo a qual asdeclaraes universais so ou necessrias ou um juzo emprico sobreobjetos reais, mas nunca ambos ao mesmo tempo. De acordo comessa posio, os juzos universais sobre a efetividade podem adquirirsomente universalidade emprica ou total (Allheit), mas nenhumauniversalidade necessria. Segundo essa posio, a universalidadenecessria deve ser adquirida apenas com o preo da desistncia doconhecimento orientado para o objeto.
A questo, portanto, se deve ser sustentada a separaoperpetrada epistemologicamente entre, por um lado, a universalidadeemprica, relativa coisa e, de outro, a universalidade estrita, masnegada do mundo.
Veremos que a excluso mtua do conhecimento real e danecessidade se faz valer, por um lado, no problema da induo e, poroutro, no problema da separao entre o analtico e o sinttico. Em geral,
portanto, pe-se a questo de como as exigncias da verdade dessa
espcie de juzos da essncia, os quais de fato so indubitavelmentearmados como resultado da cincia implementada, podem serlevantadas com sentido e ainda menos cumpridas (geschweige denneingelst werden knnen).
Mas, antes de examinar o mtodo analtico da linguagem, veremos,na prxima lio, o mtodo fenomenolgico de Edmund Husserl.
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sentido argumentativo, que ser tratado mais adiante. O mtodo dialticode Aristteles uma espcie de dilogo com propsito argumentativo.
2 A situao inicial da losoa analtica foi para Bertrand
Russel, na Inglaterra, e para Frege, Brentano e Husserl, na Alemanha,a mesma: as correntes dominantes do psicologismo emprico, por umlado, das concepes loscas construtivas, de outro negligenciaramas explicaes prvias dos conceitos.
O livro de Brentano, Psicologia do ponto de vista emprico, de1874, uma psicologia descritiva, o ponto de partida de Husserl;
por outro lado, temos a oposio de Frege ao psicologismo (cf. oprefcio para seu livro: Princpios fundamentais da aritmtica I, de
1893). Depois que a losoa, por volta do m do sculo XIX, caiusempre mais na dependncia das cincias empricas particulares, Fregee Husserl empreenderam novamente a tarefa de fundamentar a losoaem bases estritamente cientcas, na medida em que eles insistiram naaclarao prvia dos conceitos fundamentais.
3 Para todos os lsofos que introduziram a guinadadescritiva, isso esteve associado aclarao dos conceitos bsicosda lgica: eles partiram da necessidade de distinguir as leis lgicas
das leis psicolgicas. Assim, Frege fez uma distino ntida entre ospensamentos intersubjetivos e atemporais (os juzos em sentidolgico, o contedo proposicional da declarao) e as representaes.Em Husserl, as representaes se chamam vivncias.
4 As Investigaes lgicas de Husserl, de 1900: o volume I,com o ttulo Prolegmenos para a lgica pura, est dirigido exclusivae criticamente contra o psicologismo. Na introduo ao volume II, elefaz, em contrapartida, uma reviravolta psicolgica.
Embora o lgico se rera a algo no psicolgico, a saber, osignicado idntico da proposio, s pode ser esclarecido aquiloque ns respectivamente entendemos com os nossos conceitoslgicos se trouxermos primeiramente o entendido vagamente intuio e, com isso, precisamos reetir, de imediato, sobre asvivncias correspondentes , portanto, se adotarmos uma posiofenomenolgica. Essa espcie de investigao do signicado dosconceitos Husserl pe sob a rubrica: Retorno s prprias coisas.
5 Frege insiste que o elemento bsico do lgico no umarepresentao, que no algo psicolgico, mas sim em todos os homens
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o mesmo, a saber, o pensamento. O pensamento algo sem lugare tempo. Frege tambm denomina o pensamento como um estado decoisas, como juzo ou proposio em sentido lgico, isto , como o
contedo proposicional da proposio.A reviravolta psicolgico-fenomenolgica de Husserl um
retrocesso em relao a Frege ou um passo necessrio para alm dele? insuciente em Frege o fato de que ele se contenta em demarcaro mbito dos pensamentos frente ao psicolgico e ao fsico comoum terceiro reino e no esclarece como podemos nos referir aos
pensamentos. Frege diz simplesmente que ns conceitualizamos umpensamento. Husserl diz: essa relao deve ser compreendida como
uma relao conforme a conscincia, quer dizer, conforme a vivncia. 6 Na 5 Investigao lgica, Husserl distingue trs conceitos
de conscincia:
a) a unidade da corrente de vivncia, as vivncias ou os estadosde conscincia so estados de uma entidade para a qual caractersticoque a entidade que os tm est avistada neles.
b) o avistar desses estados pela percepo interior.
c) as vivncias intencionais, portanto, a conscincia no sentidoda conscincia de algo, de um objeto.H uma grande classe de estados de conscincia (conforme o item
a), para a qual essencial ser dirigida a um objeto. Perceber, desejar,amar, etc., esto dirigidos a um objeto. Mas, h, tambm, estados deconscincia que no so intencionais, como, por exemplo, sentimentos(frio e calor). Diz-se: estou com frio, estou com calor.
7 Husserl, com a apresentao das vivncias intencionais,
pde estabelecer uma relao positiva entre o psquico e o pensamentode Frege. Isso pressupe que o conceito de objeto, ao qual o conceitode intencionalidade se remete, est conceitualizado de modo to amploque ele abrange o fsico, o psquico e, tambm, os objetos abstratos(estados de coisas, conceitos e nmeros).
8 A tese adicional de Husserl : pode-se conceitualizar adiferena dessas regies diversas do objeto apenas intencionalmente,
portanto, recorrendo aos diversos modos de dadibilidade dos objetos.
9 Em Husserl, o conceito do modo de dadibilidade central. Aintencionalidade no uma magnitude xa, mas sim diferenciada em si.H modos diferentes de se referir intencionalmente a um e nico objeto,
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e inversa e correlativamente, o objeto est dado nos diversos modos dedadibilidade (cf. a 5 Investigao lgica, 10, 20). Assim, abre-se umadimenso fenomenolgica da descrio notico-noemtica correlativa
(para as expresses noesis e noema, cf. Ideias, 86 s.).Husserl denomina as atividades intencionais da conscincia
noesen (noesis vem do grego e signica intuio). Os objetosintencionais, ou seja, os contedos intencionais dessas noesen/intuiesele nomea de noemas. Cada intuio/noesis se correlaciona com umnoema, um objeto intudo. O psicolgico descritivo (o fenomenolgico)tem como correlato os modos de dadibilidade dos objetos.
Husserl adota a posio de que os conceitos dados a priori, dos
quais falamos na ltima lio, tanto os psicolgicos quanto os lgico-ontolgicos, devem ser explicados dentro dessa dimenso da conscincia.
10 Para a realizao dessa concepo preciso uma ampliaodo conceito de intuio da percepo dos objetos sensorialmentedados em todas as espcies de objetos. Husserl considera comobvio que h uma percepo interior e que em todas as objetividades(tambm nos objetos que no nos so sensorialmente dados) pode-sefalar de uma intuio.
11 Na 6 Investigao lgica, Husserl faz uma distino entre ainteno signicativa (mero entendo) e o cumprimento intuitivodessa inteno para toda a relao sobre o objetivo em geral.
a) Husserl distingue diversas formas do cumprimento intuitivodo entender de um objeto concreto: a representao da imagem, afantasia e a percepo. No ltimo caso, portanto na percepo de umobjeto concreto, Husserl fala da autoobjetividade originria do objeto.
b) Ao mesmo tempo, ele transfere essas formas do cumprimentointuitivo aos estados de coisas: tambm aqui h um mero entender e,
por outro lado, o credenciamento do entender. 12 A essa altura h que se tecer algumas consideraes crticas
para Husserl: o cumprimento intuitivo do entender dos objetos concretos(a) e o credenciamento do entender dos estados de coisas (b) no so,na realidade, anlogos. No primeiro caso (a), o credenciamento noconsiste numa intuio (categorial), mas sim se ancora, quando muito,numa percepo (sensorial) de um objeto concreto. No credenciamentodo entender dos estados de coisas (b), o cumprimento consiste numresultado sim-ou-no, ou seja, numa tomada de posio que considera o
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estado de coisas como verdadeiro ou falso, o que falta no cumprimentointuitivo do entender de um objeto concreto (a). Aqui apenas h aalternativa: perceber um objeto ou no perceb-lo.
Husserl associou sem razo as duas relaes: o cumprimentointuitivo do entender de objetos concretos (a) e o credenciamento doentender dos estados de coisas (b): ele fala tambm no cumprimentointuitivo do entender de objetos concretos (a) da verdade e tambm nado credenciamento do entender dos estados de coisas (b) da intuio.Ele interpreta erroneamente o credenciamento dos estados de coisasconforme o modelo da percepo de um objeto concreto.
Com certeza, pode-se conceitualizar o conceito de objeto, ou
seja, o conceito de algo, de modo to ampliado que sob ele caiamtambm estados de coisas. Mas, o que signica trazer um conceito intuio? Husserl diz: o ver imediato o nico fundamento, pordireito, de todo o conhecimento. Contudo, o entender de um objetoconcreto e o entender de um objeto abstrato, de um estado de coisas,so inconfundveis.
13 Antes que faamos, na prxima lio, a transio ao mtodoanaltico da linguagem, quero alegar uma complementao para Husserl:
no meu entender, tambm a transferncia do conceito de intuio paraos conceitos e sua explicao no sustentvel.
14 Em toda a crtica necessria, no se deve ignorar o produtivoem Husserl. O produtivo em Husserl que ele geralmente questiona adimenso na qual explicamos os conceitos. Contudo, nas Ideias, eleconsolidou dogmaticamente a tese sobre a correlao geral do objetoe da intuio e o ver como princpio de todos os princpios (cf.Ideias 3, 19 e 24).
15 Se se reprovar a concepo de Husserl como no sustentvel,h que se apresentar uma alternativa de como os conceitos podem serexplicados. Nas suas Investigaes Filoscas, Wittgenstein aventa atese de que nas explicaes dos conceitos tem que se mostrar como as
palavras so usadas. Sua tese bsica diz: O signicado de uma palavra seu uso na linguagem (Investigaes Filoscas, 43).
Na prxima lio, farei algumas observaes crticas sobre ateoria husserliana da intuio da essncia e, ento, a transio ao mtodo
analtico da linguagem.
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Prosseguimento com Husserl e transio losoaanaltica da linguagem
Na presente lio, farei, em primeiro lugar, uma retrospectivasobre a determinao da losoa e colocarei uma complementao aHusserl, antes de voltar a falar, na segunda parte da lio, da teoriahusserliana da intuio da essncia. Num terceiro momento, realizarei atransio losoa analtica da linguagem.
I. Retrospectiva e complementao
1 As suposies das quais parti foram as seguintes: a losoa argumentativa, por isso existe uma distino entra a losoa e outrostipos de atividades humanas como a religio, a arte, a poesia, etc.A losoa se ocupa com a explicao dos conceitos dados a priori,
portanto, dos conceitos que no nascem da experincia, mas nascem dopensar. Disso resultou, no nal da 2 lio, a diferenciao dos mtodos
conforme a compreenso do a priori.Em vez disso, no incio da 3 lio, surgiu outro princpio de
estruturao: a distino entre descritivo e explicativo. Isso permitecompreender o mtodo fenomenolgico e o analtico da linguagemcomo sendo respostas diversas mesma questo. Resultou a oposiode ambos a Frege, o qual deixou em aberto a questo de como ospensamentos (os estados de coisas) nos so dados, isto , acessveis,limitando-se a dizer que ns conceitualizamos um pensamento.
2 O fenmeno dos pensamentos mostra que minha instituioda explicao losca sobre conceitos dados no , em geral,
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sustentvel. Anal, pensamento e estado de coisas so expressesloscas articiais; esses conceitos no existem j pr-losocamente.
No obstante, aqui, reetimos sobre algo, a saber, o que ns j sempre
compreendemos. Portanto, o campo temtico da losoa deveria sercompreendido diferentemente, no somente como a rede dos conceitosdados, mas sim como a rede dos conceitos que nascem dela mesma.
Isso no precisa signicar que a losoa cria uma terminologiaarticial genuna. Frequentemente, ela recruta seu prprio vocabulriodas expresses lingusticas da linguagem ordinria, na medida em queela emprega as expresses lingusticas da linguagem ordinria de duasmaneiras: em primeiro lugar, ela opera com elas no seu signicado da
linguagem normal. Em segundo lugar, ele opera com as expresseslingusticas da linguagem ordinria num signicado especco atribudo
pela mesma. Nesse caso, trata-se dos termos tcnicos. Em muitos casos,determinar o signicado especco das expresses forma nada menosdo que o cerne da losoa.
Contudo, tambm ocorre que a losoa cria palavras loscasarticiais. Por exemplo, intencionalidade uma palavra loscaarticial. Portanto, a losoa inventa palavras, a m de destacar certos
elementos de nosso compreender e de nosso pensar. Contudo, seriafalso entender os fenmenos que so designados com pensamentose com intencionalidade como se originando apenas historicamentequando se reetiu sobre eles. Deixo em aberto a questo de se a reexosobre o contexto histrico do tornar-se atento pode contribuir algo parasua aclarao losca.
3 Foi assinalado o momento produtivo em Husserl. Tem que sever a exigncia legtima de Husserl:
a) qual o medium no qual ns trazemos elucidao acompreenso de uma palavra ou de um conceito?
b) Tem que se mostrar, quando se fala de algo como ospensamentos (estados de coisas) de Frege, como esses se tornamacessveis para ns: isso a questo acerca do modo de dadibilidadedos pensamentos.
A alternativa de um modo especco de dadibilidade de linguagemera, para Husserl, ainda inconcebvel, porque tradicionalmente osigno tem uma mera funo mediadora, e em toda parte igual, entre aconscincia e o objeto. Aqui parece haver somente duas possibilidades:
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o recurso ao falar ou a um ver (entendido amplamente) ou a um intuir(nous, intuitus). O pensar seria uma terceira alternativa na medida emque vai, por um lado, alm da mera intuio e da representao e, por
outro, s pode ser compreendido quando linguisticamente mediado. Emtodo caso, assim Hegel compreendeu o pensar.
Ao contrrio, aqueles que falam de um ver pensante se deparamcom o seguinte dilema: ou deixar isso totalmente indeterminado ouassimil-lo como um ver no metafrico, tico. O ltimo aconteceuem Husserl.
4 Anotao para o conceito de ideia: A palavra grega ideiaderiva da raiz indo-europeia id, que signica ver. Ideia a formao
nominal para o verbo idein, o qual, por sua vez, tem a mesma raiz e omesmo signicado que o verbo latino videre, ver.
Todo o ver tem dois aspectos; ver signica sempre ver algo. Opredicado exige gramaticalmente um objeto. Ver nada signica no verem absoluto. Faltando o objeto, mesmo que ao sujeito estejam presentesquaisquer imagens, ento esse alucina em vez de ver. Nesse sentido, over objetivo, mas no em qualquer sentido dessa palavra.
Porm, ao mesmo tempo, sempre algum que v, e nenhum
segundo observador capaz de ver uma coisa como um primeiro, porqueningum pode assumir, ao mesmo tempo, a mesma posio no espao.Se ele olha de uma outra posio no espao, assim ele v, sem dvida,a mesma coisa, contudo de um outro ngulo de viso. Mira ele maistarde do mesmo ngulo de viso, ento ele no v a coisa no primeiromomento, mas sim no segundo. Nesse sentido no em qualquersentido da palavra , o ver subjetivo. J na origem da ideia enquantoum visto reside, pois, o aspecto duplo do objetivo e subjetivo.
Que a ideia , em primeiro lugar, a coisa do olho, tambm Platono havia esquecido. As ideias, diz ele, so belas para serem olhadas(Protgoras, 316e). Contudo, ele no permanece nesse emprego da
palavra. Em Plato, no sentido mais abstrato, a ideia representa a formaou a espcie (Repblica 8, 544c). Na formao da metafsica platnica, aideia se torna, ento, no que verdadeiro, no eterno e imutvel.
Por este motivo, Plato no hesita em voltar sua ideia da ideiacontra a raiz dela, o ver: as ideias so pensadas, mas no vistas
(Repblica 5, 507). Contudo, no mesmo momento em que Platodesautoriza a visibilidade sensvel s ideias, ele atribui a elas uma
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visibilidade transcendente (Timeu 52a, Simpsio, 211 d, Fedro, 247cd).Com os olhos corporais no se capaz de avistar a ideia; todavia,
podemos v-la com os olhos do esprito.
Na verdade, sua provenincia do ver pondera as ideais com umproblema, a saber, no h nenhum ver sem ngulo de viso. Mas, como ngulo de viso h validez desse ngulo de viso, porm, nenhumauniversalidade vlida. Contudo, em Plato, as ideias deveriam ser ouniversal vlido. Elas encarnam o paradoxo de uma vista do todo e donada. Um paradoxo anlogo resulta em Husserl.
II. A teoria da intuio da essncia de Husserl
1 Nas Ideias, 2-3, Husserl diz: todo o individual temum contedo de realidade que, de acordo com sua essncia, poderiater sido to bom em qualquer outro lugar do tempo. Por exemplo:Husserl chega atravs da intuio abstraente de um tom individual cao contedo-essencial do tom c e, por m, essncia do tom em geral.Husserl arma que o encontrvel no prprio ser de um indivduo comoo seu o que (als sein Was) pode ser posto em ideias. Essa essncia
sempre ainda intuvel e, com efeito, na intuio da essncia. 2 Aqui dois pontos se sobressaem:
a) Que h uma intuio tambm da prpria essncia,
b) que Husserl conceitua, de sada, a relao do individual edo conceito universal de maneira totalmente determinada, de modoque ele parte, assim, de um contedo-essencial sensorialmente
perceptvel. Isso explica porque Husserl absorve uma intuio douniversal correspondente, j que aqui parece evidente que se pode
ter demonstrativamente defronte de si tal contedo-essencial comouniversal. Isso vale para todos os contedos-essenciais perceptveis,
por exemplo, para coisas perceptveis como casa, rvore ou carro. Ostatus de tal objeto o de um objeto perceptvel, um objeto abstrato queno obstante intuvel.
3 Husserl no viu que isso apenas vale para conceitosdeterminados. Por exemplo: o conceito prefeitura, sob o qual um prdiocai, no contm nenhum contedo-essencial sensorialmente perceptvel
correspondente. Tambm designamos algo de casa no porque tem umagura determinada, mas sim porque possui uma funo determinada.
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Husserl pressupe erroneamente que adquirimos todos osconceitos atravs da abstrao do sensorialmente dado. Assim, ele partedo individual ao invs dos conceitos universais, das palavras que so
conceitos universais. Ele assume, portanto, equivocadamente um aspectoessencial da teoria sensualista da abstrao de John Locke, que ele mesmocritica na 2 Investigao lgica. Chegamos diz ele essncia pelaabstrao ideante demonstrativa (VI. Investigao lgica, 52).
4 O que est entendido com a intuio da essncia tem,portanto, um sentido comprovvel, que, contudo, vale apenaslimitadamente. Ele vale somente para os contedos-essenciaissensorialmente perceptveis. Embora Husserl distinguisse nitidamente
a intuio da essncia da intuio sensvel, aquela para ele apenaspossvel no fundamento desta.
5 Que Husserl pde aceitar to facilmente que o mesmo tipode intuio da essncia tambm vale para os conceitos losocamenterelevantes, associa-se com o pressuposto adicional de que h uma
percepo interior analgica intuio exterior (cf. lio 3, 6 b). Seh contedos-essenciais sensveis dados demonstrativamente, pode-seigualmente colocar esses nas ideias como os da percepo exterior; e,
assim, Husserl se representa o mtodo fenomenolgico. Acrescentando-se a isso que os demais conceitos loscos so correlatos noemticosdo notico (cf. lio 3, 9); portanto, correlatos demonstrativos dasintuies. Assim, compreende-se como Husserl pde entender que huma intuio da essncia dos conceitos losocamente relevantes. Nalio 5 voltaremos a falar disso.
6 O tom c pode ser intudo numa intuio simples da essncia;a essncia do tom em geral apenas numa variao eidtica (cf.
Erfahrung und Urteil [Experincia e juzo], 87). Husserl diz: Vamos,na fantasia, de um tom para outro, passamos demonstrativamente
pela margem de ao inteira do conceito de tom. Nesse contemplarcomplicado da interferncia e da congruncia ativamente comparativa,o tom em geral vem intuio.
7 A doutrina da intuio da essncia poderia car losocamenterelevante somente se ela se tornasse o fundamento do conhecimento dasconexes essenciais. Isso tambm armado por Husserl e implementado
na 3 Investigao lgica. Exemplos: no h cor sem extenso, todotom tem tanto uma altura como uma fora/potncia. Se isso so leis da
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essncia, elas subsistem a priori, e se elas no se baseiam nas deniesanalticas, ento elas so, sem dvida, sintticas a priori.
Como conhecemos tais conexes? Husserl diz: pela variao
eidtica. Na variao conforme a fantasia, no podemos pensar nenhumcaso do tom 1 que no seja tambm um caso do tom 2. Para Husserl,no se deve, nesse caso, tratar apenas de uma necessidade subjetivado no-se-poder-representar-diferentemente, mas sim de um no-
poder-ser-diferente objetivamente. 8 O que deve ser dito acerca do pargrafo 7? Tais leis valem
realmente (como no h cor sem extenso e todo tom tem tanto umaaltura como tambm uma fora/potncia), e elas so efetivamente
sintticas a priori? Se elas valem somente nos contedos sensorialmenteperceptveis, o problema aparece apenas limitadamente interessante.
9 Pode-se generalizar a ideia de uma variao eidtica, namedida em que se lhe tenta tirar o aspecto demonstrativo/plsticoque ela tem em Husserl. Ento, ela parece relevante para todomtodo de explicao do conceito. Mas, no meu entender, limitadaa perspectiva de chegar, de modo plausvel, a um esclarecimento doconceito atravs da variao eidtica, porque ela no capaz de se
desembaraar do aspecto demonstrativo/plstico. Isso j reside naexpresso variao eidtica (cf. essa lio A, 4, anotao para oconceito de ideia).
Se realizo, agora, a transio losoa analtica da linguagem,por hora, me darei por satisfeito com anotaes preliminares.
III. Transio losoa analtica da linguagem. Preliminares
1 A losoa analtica inicial (Russel, Moore, o primeiroWittgenstein) ainda no estava orientada pela anlise da linguagem,embora ela tambm j estivesse fortemente marcada pela linguagem.De acordo com ela, designamos coisas, como nomes e fatos, com umasentena inteira. Aqui j se v a orientao de Wittgenstein pela linguagem.
Wittgenstein se orienta pelo conhecimento de Frege de que aspalavras tm somente um signicado na conexo de uma sentena inteira(cf. Fundamentos da Aritmtica, 60). No revestimento ontolgico,
isso ca manifestado no Tractatus de Wittgenstein, proposio 1.1. Lse diz que: O mundo a totalidade dos fatos, no das coisas. Nalosoa analtica da linguagem, a primazia da sentena conduz para
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que em lugar do esquema sujeito-objeto (conscincia-objeto) entre emcena o esquema compreender-sentena.
A partir do ponto de vista da losoa analtica da linguagem,
isso apenas aparentemente um menos (somente ainda a linguagem),mas, na realidade, um mais, porque a sentena contm elementosaos quais no corresponde nada de objetivo. Proposies declarativasdevem estar por estados de coisas e, se necessrio, por fatos. Tambma sentena d-me po! representa algo? Isso, no mnimo, temos quedeixar em aberto. Conforme a losoa analtica da linguagem, essaquesto deve ser respondida apenas depois que for esclarecido comons compreendemos tais sentenas, isto , pela anlise da linguagem.
2 O que se pode designar como losoa analtica dalinguagem uma concepo de losoa que compreende a tarefada losoa (portanto, a aclarao dos conceitos a priori dados) comoanlise semntica, isto , como anlise do signicado dos conceitos. Issovale, em especial, para o segundo Wittgenstein e os lsofos inglesesinuenciados por ele, como Ryle, Austin, Strawson, Hare e Kenny.
H pouca reexo explcita sobre o mtodo deste losofar(mas, cf. The Linguistic Turn [A guinada lingustica], R. Rorty (ed.),
e especialmente sobre isso o artigo de Strawson, Analysis, Scienceand Metaphysics [Anlise, cincia e metafsica], p. 321 s.). Tambma traduo da edio brasileira do Tractatus acompanhada de umexcelente estudo introdutrio da losoa analtica at o primeiroWittgenstein. Considero as consideraes sobre a explicao das
palavras e dos conceitos pelo apresentar do seu modo de uso, no incio doLivro Azul (Blaues Buch) de Wittgenstein, fundamental para questesmetodolgicas (cf. tambm as Investigaes Filoscas, 560).
Na prxima lio, veremos mais detalhadamente o mtodoanaltico da linguagem, com o que gostaria de lhes apresentar aabordagem metdica do primeiro e do segundo Wittgenstein.
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Bibliograa
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PINTO, Paulo Roberto Margutti. Iniciao Ao Silncio: Uma AnliseArgumentativa do Tractatus de Wittgenstein. So Paulo: Loyola, 1998.
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A losoa analtica da linguagem: Wittgenstein I e II:regulamentao do pensar pelas regras da linguagem
Na presente lio, ocupar-me-ei com uma apresentao crticada abordagem metdica do primeiro e do segundo Wittgenstein. Nom, resumirei meus pontos crticos acerca de Wittgenstein.
I. A abordagem metdica do primeiro Wittgenstein
1 De acordo com o primeiro Wittgenstein, toda losoa uma crtica da linguagem (Tractatus, 4.0031). Wittgensteingostaria de instituir clareza na disciplina de losoa. Ele considerouos problemas da losoa tradicional como uma espcie de doenamental, a qual ele quer afastar do mundo. No prefcio ao Tractatuslogico-philosophicus, ele escreve:
O livro pretende, pois, traar um limite para o pensar,ou melhor no para o pensar, mas para a expresso dospensamentos, para, com isso, traar um limite para o pensar [...].Portanto, o limite s poder ser traado na linguagem, e o queestiver para alm do limite ser simplesmente um contrassenso(Tractatus, prefcio).
Portanto, Wittgenstein critica uma srie de pensamentosloscos que ele considera como sendo sem sentido e quer demonstrarque eles devem ser erradicados. Mas, visto que ele no apresenta um ououtro pensamento para mostrar em que medida falso, ele mostra seu
ideal tomando como objeto de investigao a forma da linguagem, naqual os pensamentos so expressos: a linguagem deveria ser constituda
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de tal modo a evidenciar imediatamente se um pensamento verdadeiroou falso e correto ou incorreto; portanto, que decida a respeito do quese pode pensar ou no.
Com suas regras da linguagem, Wittgenstein no quer, pois,criticar o contrassenso losco, mas exclu-lo. Ele quer indicar uma
prescrio para o pensamento, que o preserve de se envolver em taisproblemas e, com isso, afaga um desejo fundamentalmente hostil aopensamento: o pensar deve seguir uma regra que exclua, desde o incio,a possibilidade de pensar um contrassenso. Com essa instituio assimeu armo o pensar , em geral, excludo.
2 Wittgenstein escreveu as regras que se deve seguir, se se
quiser excluir o contrassenso, no Tractatus logico-philosophicus. Ele seorienta numa estruturao com proposies numeradas. Em primeirolugar, ele trata o fundamento ontolgico das suas regras da linguagem.
Wittgenstein comea com a proposio:1 O mundo tudo aquilo que o caso.H de se partir de que Wittgenstein pensa o que ele diz. Os
estados de coisas existentes ele denomina fatos. Neles o pensardeve se ater. Os estados de coisas no existentes ele denomina de
fatos negativos (2.06). Reetir sobre esses conduz ao erro losco.Wittgenstein acredita ter indicado, com isso, algo como uma distinoentre pensamentos verdadeiros e falsos. Porm, ele no repara quetambm pensamentos falsos se relacionam com os fatos. Mesmo naideia de Deus, no se coloca a questo se ele existe, quando com essarepresentao os cristos se relacionam com o mundo. Ele precisamenteexiste na compreenso dos homens.
Depois, Wittgenstein nota na proposio 2.06: A realidade
existncia e inexistncia de estados de coisas.Para Wittgenstein existem, portanto, estados de coisas que no
existem de modo algum. Essa contradio advm da necessidade detraar um limite entre o que pertence ao mundo e ao transcendente,sobre o qual nada de exato se deixa dizer. Com essa delimitao,Wittgenstein cria precisamente o transcendente metafsico, que ele querafastar do mundo.
Para Wittgenstein, s se pode contar com os fatos, com o
robusto, com o sensorialmente dado. Com isso, todo o pensar se torna,para ele, algo metafsico. Wittgenstein parte de uma separao absoluta:
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o pensar e a realidade efetiva so mundos diferentes. Ele considera opensar como suspeito, porque no real. Nesse caso, no lhe ocorre que,com isso, ele exclui inversamente do pensar aquilo que ele considera
como convel e palpvel.Em vez disso, ele aventa o ideal hostil do pensar, segundo o qual
o pensar no deve ir alm do palpvel. Onde o pensar comea a averiguaro que algo, e esse algo no acessvel percepo, a ele devecessar. Ele deve conservar-se naquilo que lhe dado imediatamente.Contudo, precisamente, com isso, restringe sua capacidade.
3 Porm, visto que a linguagem obviamente consente que sepossa pensar qualquer contrassenso, enquanto se conserva em certa
medida na gramtica e no signicado da palavra por si mesma, alinguagem no probe sequer uma vez o leite preto do amanhecer dePaul Celan Wittgenstein, primeiramente, tem que adaptar a linguageme lhe atribuir uma qualidade que ela no tem de modo algum.
No propsito de fundar clareza no pensar, Wittgenstein reduzos pensamentos e sua expresso lingustica a guraes (imagens). O
pensar e a linguagem so cpias da realidade efetiva:2.1 Figuramos os fatos.
Sob isso tambm lhe caem os pensamentos:3 A gurao lgica dos fatos o pensamento.E as proposies:4.01 A proposio uma gurao da realidade. A proposio
um modelo da realidade tal como a pensamos para ns.O pensamento e a linguagem so, portanto, to-somente uma
gurao do mundo. Wittgenstein entende que se ns nos conservarmosnos fatos e deles somente zermos guraes, ento o pensar no pode
se equivocar e, nesse caso, no resulta nenhum embarao losco. Comcerteza, a posio do fazer espiritual/mental de guraes do mundo questionvel. Se a linguagem fosse uma gurao do mundo, assimdispensaria a questo de Wittgenstein se os pensamentos so verdadeirosou falsos, j que a gurao sempre uma gurao de algo, portanto,no pode ser questionada se ela tambm representa o que ela representa.Um retrato de Husserl que representa Wittgenstein no nenhum retratofalso de Husserl, mas exatamente um retrato de Wittgenstein.
Mesmo a teoria da cpia sendo to questionvel, seu propsito inconfundvel: Wittgenstein quer tirar a independncia do pensar.
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Por causa disso, chega gurao. Essa uma varivel dependente dooriginal. S ele quer deixar valer e permitir ela.
Num passo seguinte, Wittgenstein tenta compreender o pensar
como algo palpvel, sensorial e entende assegurar essa determinaona linguagem:
3.1 Na proposio, o pensamento se expressa perceptivelmentepelos sentidos.
Wittgenstein reduz as proposies e as palavras, o dito e o escrito, sua forma sensvel da aparncia e, com isso, nega precisamente queso os signos que signicam algo. Para ele, os signos no so maissignos, mas sim apenas algo que tambm existe.
2.141 A gurao um fato.Com isso, existem somente fatos em sua losoa.Por um lado, os signos e o signicado se comportam como fatos
distintos, que no tm nada a ver um com o outro. Aqui a srie de letrasou a cadeia de sons que no signicam nada, l as coisas restantes queno devem ser pensadas. Por outro lado, precisamente essa relao deveser conceituada como a entre a gurao e o original.
Com a sua teoria da linguagem como gurao do mundo,
Wittgenstein acredita ter resolvido todos os problemas loscos. Narealidade, ele esvaziou o pensar e deixou subsistir de forma acrticatudo o que losocamente problemtico.
4 Visto que Wittgenstein eliminou o contedo do pensamentoe o signicado das proposies, a distino entre o verdadeiro e o falsose torna, para ele, uma pura formalidade. Daqui em diante, a verdadeno est mais relacionada com a especicidade de um objeto sabido nos
pensamentos. Ele traa uma lgica sem sentido, isto , uma lgica das
proposies que no signicam nada. Verdadeiro e falso no so juzossobre o contedo de proposies, mas sim valores que so atribudoss proposies conforme as regras determinadas. Wittgenstein dizexplicitamente: 6.126 Sem nos preocuparmos com um sentido e umsignicado, constitumos a proposio lgica a partir de outras segundomeras regras notacionais.
Com suas tabelas dos valores de verdade, Wittgensteinconstri um mecanismo do qual resulta inequivocamente que h
diversas possibilidades de inferir proposies verdadeiras ou falsasa partir de uma premissa verdadeira. Ento, essas so corretas se elas
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observam as regras assentadas (festgelegt), prescritas pelo mecanismo.Visto que o contedo e o signicado das proposies esto eliminados,eles podem ser substitudos pelos caracteres variveis (p, q, etc.), que
so ligados um ao outro pelo conectivo de proposio (conjuno) e.Trata-se, portanto, da avaliao se uma conexo de duas
proposies quaisquer desconhecidas verdadeira. Visto que aconexo no resulta da relao lgica de ambas as proposies, poisde seu contedo foi, com efeito, abstrado, o que determinado/xado simplesmente se de um conectivo lgico resulta uma verdade, se ele
junta duas proposies verdadeiras desconhecidas, uma proposioverdadeira com uma proposio falsa ou uma proposio falsa com
outra proposio igualmente falsa. A tabela dos valores de verdade tem,ento, a seguinte estrutura:
p q p ^ qv v vv f ff v ff f fCom isso, ca claro: na lgica formal de Wittgenstein, no se
trata nem do conhecimento da realidade efetiva nem da verdade nosentido prprio da palavra, mas sim de uma verdade lgica distintadisso. A verdade consiste apenas no fato de que uma regra verte uma
proposio sem coliso, quer dizer, sem contradio com uma outra.Verdadeiro signica: na regra. O observar de uma regra identicadocom o verdadeiro. Se se sucede uma conexo sem coliso, portantosem contradio pela aplicao de um conectivo de proposio, comoWittgenstein entende no seu desvario da construo; ento, sua verdade
se deixa ler na sua correta aplicao do conectivo de proposio: umolhar sobre a tabela dos valores de verdade suciente e a verdade dadeclarao est examinada sem pensar.
Por outro lado, aqui o pensar contribui em nada para a decisosobre o verdadeiro e o falso. Decide-se com base num procedimentomecnico, o qual abstrai do contedo da declarao que deve seravaliada e, com isso, verte todas as declaraes, em igual medida, em
possivelmente verdadeiras e, com isso, igualmente em possivelmente
falsas. Qual possibilidade a correta permanece muito questionvel.Para uma proposio ser verdadeira, depende de ela ser verdadeira.
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E a este respeito decide, no melhor dos casos, a empiria. Se, pois, sesoubesse quais proposies so verdadeiras, ter-se-ia, em princpio,todas as proposies verdadeiras na pasta. Com isso, Wittgenstein tem
reunido, no condicional, tudo o que se pode saber sobre o mundo.Dessa maneira, o primeiro Wittgenstein desenvolveu uma crtica
do pensar que contesta todo o pensamento, cujo contedo poderia serobjetivo. Inversamente, probe-se toda a crtica aos pensamentos falsos,
porque tudo o que no segue ao esquema da lgica formal deve serretirado da avaliao como no decidvel racionalmente.
5 Wittgenstein, com seu Tractatus, acredita ter solucionadotodos os problemas loscos.
O que se pode em geral dizer, pode-se dizer claramente; e sobreaquilo de que no se pode falar, deve-se calar (Tractatus, Prefcio).
Wittgenstein simplesmente no viu mais nenhum problema.O que se pode dizer, no mais problema, porque se deixa dizerclaramente. E aquilo que no se deixa dizer, no nos diz respeito,
portanto, tambm no mais problema. Ele comea a criar clareza nadisciplina de losoa, na medida em que ignora a questo acerca do queconstitui a losoa.
Com efeito, ele constata que h algo losocamente enigmtico;na verdade, isso lhe aparece como algo real, mas no apreensvel.
6.522 H, contudo, o indizvel. Isso se mostra: o mstico.Todavia, os problemas loscos deixariam de existir se se
observasse a regra de ouro:6. 53 [] no dizer nada alm do que se pode dizer.Contudo, com base nesse critrio, no se decide nada. Anal,
os lsofos pronunciaram sobre problemas que Wittgenstein, com sua
regra, exclui da losoa. Ele no quer criticar esses problemas, massim exclu-los. O pensar deve seguir uma regra que, de sada, exclui a
possibilidade de pensar um contrassenso. E com essa instituio estexcludo o pensar em absoluto.
, pois, apenas consequente que Wittgenstein, em primeirolugar, tenha cessado com o losofar e se tornado um professor de escola
primria. Anos depois, contudo, amigos (Ramsey, etc.) animaram-nonovamente para o losofar. Por isso, temos a oportunidade de ocupar-
nos com a abordagem metdica do segundo Wittgenstein.
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II. A abordagem metdica do segundo Wittgenstein
1 Assim como o primeiro Wittgenstein se tornou clebre como
cofundador da lgica formal e da losoa da linguagem ideal, assimo segundo Wittgenstein se arma polemicamente contra a tentativa deinventar linguagens articiais e formais. O segundo Wittgenstein o
primeiro protagonista da losoa da linguagem ordinria, com o queele liga a crtica da linguagem com a reteno da linguagem popular.
Para Wittgenstein, a ordinary language philosophy se dedicou luta contra o enfeitiamento do nosso entendimento pelos meiosda nossa linguagem (Investigaes Filoscas, 108). Contudo, ela
resolve essa luta no mais com o auxlio da construo de linguagensideais. Antes pelo contrrio, se vira contra a construo de linguagensideais e suas queixas sobre a insucincia da linguagem, sem, porm,descobrir um dos seus dcits.
Tambm a losoa da linguagem ordinria se apresenta comoinimiga da metafsica, a qual, porm, no deve comparecer no emvirtude dos defeitos da linguagem ordinria, mas em razo do seu usoinapropriado. Seu objetivo proteger a linguagem ordinria de sua
mutilao. Wittgenstein diz:Ns reconduzimos novamente as palavras do seu emprego
metafsico sua aplicao/ao seu uso cotidiano (InvestigaesFiloscas, 116).
No centro do seu esforo, est a questo acerca do uso das palavras. 2 No Livro Azul (p. 15), Wittgenstein diz: O que o
signicado de uma palavra? Ns queremos aproveitar essa questo,na medida em que, em primeiro lugar, ns perguntamos o que
uma explicao do signicado de uma palavra; como aparenta ser aexplicao de uma palavra?.Por que, em geral, se faz a abordagem no signicado? Em Husserl,
ns vimos: afastar-se da compreenso vaga da palavra e retornar sprprias coisas!. , pois, pressuposto que as palavras representam ascoisas. Se no se acredita mais nisso, como o caso em Wittgenstein,est-se prximo de dizer: a palavra (e ns) est frente a seu signicado(objeto); esse seria o no-lingustico pertencente prpria coisa. Mas,
essa separao da palavra e do signicado pouco evidente, j que elaimplicaria, por um lado, as palavras sem signicado e, por outro lado, osignicado no-lingustico.
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O sentido das exposies de Wittgenstein o de tambm afastar dopensar o signicado como algo misterioso, que paira sobre a palavra.Por isso, vale: ns temos de nos afastar, conforme sua compreenso,
do substantivo signicado; ns temos que realizar um retorno aocontexto concreto do explicar e do compreender do signicado e, porm, decidir-nos pelo abandono completo da palavra signicado.
De fato, isso ocorre tambm na ltima proposio parcial dacitao mencionada: o signicado substitudo pela explicao de uma
palavra. Portanto, em seu lugar, entra em cena o compreender. E seexplicarmos a algum uma palavra, ns lhe mostramos, diz Wittgenstein,como ns a compreendemos. Assim, o compreender se torna explcito
no explicar de uma palavra, a qual no , para ele, nada mais do que umapresentar do seu modo de uso/aplicao.
3 A seguir, no Livro Azul (p. 15), arma: falso orientar-se pelos substantivos e entender que o signicado algo para o qualse possa indicar. Nas pginas seguintes, desenvolve a tese de que osignicado no uma imagem mental, portanto, no aponta nenhumadeterminidade universal. H, sem dvida, imagens da fantasia,mas nessas no reside o signicado das palavras. Acredita-se, diz
Wittgenstein, que os signos sem a imagem mental seriam mortos. E,ento, diz ele: Se ns, porm, devssemos denominar alguma coisaqualquer que constitui a vida do signo, assim ns teramos que dizerque o seu uso (p. 20).
Nas Investigaes Filoscas, 43, Wittgenstein arma: Parauma grande classe dos casos da utilizao da palavra signicado
mesmo que no para todos os casos da sua utilizao pode-seexplicar essa palavra do seguinte modo: o signicado de uma palavra
o seu uso na linguagem.O que se sobressai aqui o seguinte: no uso de uma palavra
seu signicado no usado, pois a partir do uso que deve resultar,primeiramente, o signicado de uma palavra, o que para os intrpretesde Wittgenstein levou questo crtica se Wittgenstein entendeu que ouso das palavras o mesmo que seu signicado. De fato, Wittgensteinidentica ambos reciprocamente sem explicitar efetivamente a suarespectiva relao.
4 A tese de Wittgenstein , pois, ao invs de questionar o queo signo representa questionar como ele usado. O que explicamos no
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signicado de uma palavra (cf. acima B, 3) o modo de uso/aplicaoda palavra. Sem dvida, o modo de uso/aplicao tambm se deixacompreender tradicionalmente (o signo utilizado para representar
uma imagem mental, uma representao universal), mas precisamentede maneira diferente. Assim, temos que nos perguntar o que oquestionvel nessa posio de Wittgenstein. Sem dvida, correto quea representao universal que o homem designa com palavras no est toa na paisagem tal como um pedao de madeira e uma pedra. Contudo,isso no signica que o signicado das palavras idntico ao seu uso.
5 O que Wittgenstein entende por modo de uso/aplicaode uma palavra? Isso se pode evidenciar atravs do exemplo
wittgensteiniano da or vermelha (p. 17 s.): para Wittgenstein, secompreendemos a palavra vermelha, ento, no precisamos denenhuma imagem mental correspondente, portanto, nada universal. decisivo como explicamos a palavra: por meio dos exemplos: isso vermelho, isso no vermelho. O outro a compreende se elea utiliza do mesmo modo. Para isso, de acordo com Wittgenstein,no preciso como disse ser postulada nenhuma imagem mental,nenhuma determinidade universal.
Isso no , ento, to parecido poder-se-ia questionar comoo condicionamento de um animal? Sim, diria Wittgenstein, nesseselementos mais simples de nossa linguagem, sobre esse fato biolgicoelementar, repousa a capacidade de apreender.
6 Pelo pargrafo 5 est dada, agora, uma alternativa clara frente concepo fenomenolgica de Husserl. Se ainda sempre se insiste emalgo interior, numa intuio interior ou numa representao, portanto,nas instncias cognitivas que fazem a mediao entre a palavra e a
sua aplicao/seu uso, isso agora ainda apenas um postulado vazio.Poder-se-ia questiona