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Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro
Justiça Pacificadora e Mediação no Judiciário
Luiza Maria Gray Novaes
Rio de Janeiro 2012
LUIZA MARIA GRAY NOVAES
Justiça Pacificadora e Mediação no Judiciário
Artigo Científico apresentado como Exigência de conclusão de Curso de Pós-Graduação Lato Sensu da Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro. Professores Orientadores: Mônica Areal Nelson C. Tavares Júnior Néli Luiza C. Fetzner
Rio de Janeiro 2012.
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JUSTIÇA PACIFICADORA E A MEDIAÇÃO NO JUDICIÁRIO
Luiza Maria Gray Novaes
Graduada em Direito pela Universidade Estácio de Sá do Rio de Janeiro. Advogada.
Resumo: Nesse momento de crescente judicialização das relações sociais, faz-se necessário uma reflexão sobre formas de alcançar uma solução eficaz para os conflitos levados ao judiciário, com a participação direta dos antagonistas na construção desta solução, através da mediação. A eficácia da solução construída seria alcançada através do direcionamento das partes por juízes capacitados na mediação, estimulando, dentro de processo já instaurado, práticas de resolução consensual de conflitos.Focando na gestão da prestação jurisdicional eficiente como forma de garantir rapidez, é necessário apontar para uma realidade – a de que não basta uma justiça célere, mas sim aquela almejada pela sociedade, qual seja, célere, justa e pacificadora, com função integradora. O trabalho discute a possibilidade de inclusão da mediação dentro de um processo contencioso, cabendo aos magistrados identificar quais litígios se beneficiariam com a adoção de sessões de negociação conjunta, suspendendo o processo até homologação de acordo ou, em caso de insucesso, retomando o feito até decisão final. Um dos objetivos é promover a reflexão sobre a influência direta do judiciário na formalização de procedimento alternativo que visa ao resgate da responsabilidade pessoal dos envolvidos pelo litígio, com a correspondente participação destes na solução.
Palavras-chave: Justiça. Pacificação. Mediação. Processo.
Sumário: Introdução. 1. Formas de composição dos conflitos. 2. Diferenças entre práticas conexas:mediação e negociação. 2.1 Mediação e conciliação. 2.2 Mediação e Arbitragem. 2.3 A Mediação: conceito e objetivos. 2.4 Princípios definidores da Mediação. 2.5 Técnicas de Mediação. 2.6 A Mediação no Judiciário. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
As sociedades modernas compartilham a experiência da expansão crescente da
judicialização dos conflitos. Na maioria dos países democráticos, tribunais e juízes,
independentemente de sua história, tradição jurídica e sistemas normativos particulares,
enfrentam a sobrecarga de trabalho pelo incremento de demandas postas à sua apreciação.
Esse fenômeno pode ser entendido sob dois enfoques: se por um lado indica uma
maior facilidade de acesso à Justiça como instituição pacificadora dos conflitos sociais, de
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outro, demonstra a falta de responsabilidade pessoal dos cidadãos em resolver pacificamente
eventuais conflitos de ordemprivada. O resultado negativo desta aparente incapacidade social
de autocomposição é o grande volume de processos ameaçando o eficaz funcionamento da
Justiça, podendo levar, em longo prazo, auma perigosa desconfiança em relação ao Poder
Judiciário e, consequentemente, ao Estado de Direito. A questão da morosidade da Justiça
constitui – ou deveria constituir – preocupação fundamental de uma democracia participativa.
Para enfrentar essa questão, há de se cogitar a possibilidade de, entre outras medidas,
transformar os métodos alternativos de resolução de conflitos em instrumentos de atuação
específica dentro do Poder Judiciário. Através da ativa participação e integração de
magistrados, psicólogos, psicanalistas, assistentes sociais e advogados, além de outros
profissionais de áreas pertinentes, na criação dauma cultura de uso rotineiro desses métodos
de pacificação social dentro do judiciário, com a elaboração de diretrizes e procedimentos
específicos, de forma a alcançar uma efetiva mudança social. Sob o manto do judiciário, em
tese, maior seria a aceitação e adesãodos litigantes na construção de uma solução de eventual
conflito que, em última análise, surge de interesses próprios e divergentes e cuja solução,
imposta ou acordada, afetará seu cotidiano diretamente.
O sistema processual judicial se estrutura em escopos de três categorias: sociais,
políticos e jurídicos. Os escopos sociais tendem à realização efetiva da pacificação social
esperada de um ordenamento jurídico – direcionam-se, portanto, a eliminar conflitos por
meio da aplicação de critérios justos na resolução do litígio. Outra orientação do escopo social
é a educação como missão que o exercício continuado e eficiente da jurisdição deve cumprir
perante a sociedade na medida em que conscientiza os seus integrantes acerca de seus direitos
e obrigações1.
A se entender possível e desejável essa proposta, os mecanismos específicos de
mediação precisam ser integrados ao trabalho diário dos magistrados, dentro do processo
judicial, como canais alternativos de exercício da função jurisdicional, concebida nos mais
latos e elevados termos. Não podem ser encarados como ferramentas estranhas à atividade
jurisdicional e, muito menos, como atividade profissional subalterna. Os magistrados e
demais operadores do direito, devem entender que fomentar uma mediação efetiva é tarefa
tão, ou mais, essencial e nobre que dirigir processos ou expedir sentenças.
1AZEVEDO, André Gomma de. Estudos de Arbitragem Mediação e Negociação. V. 2. Perspectivas metodológicas do processo de mediação: apontamentos sobre a autocomposição no direito processual., e DINAMARCO, Cândido Rangel. A Instrumentalidade do Processo, São Paulo: Malheiros, 8. ed., 2000. (disponível em: http://www.arcos.org.br/livros/estudos-de-arbitragem-mediacao-e-negociacao-vol2/segunda-parte-artigos-dos-professores/perspectivas-metodologicas-do-processo-de-mediacao-apontamentos-sobre-a-autocomposicao-no-direito-processual. Acesso em 23.09.2012 às 19h22m).
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Nesse sentido, caberia ao Judiciário disponibilizar a sociedade outros modos de
resolução de disputas, além do meio tradicional de produção de sentenças, por vezes lento e
custoso dos pontos de vista material e psicológico e, quase sempre, de resultados nulos no
plano das lides sociológicas subjacentes às processuais. Para agentes sociais que
legitimamente anseiam por soluções rápidas, justas e profundas do ângulo de suas raízes pré-
jurídicas e da dinâmica da sociedade, pode ser extremamente frutífero tentar resolver os
conflitos de modo pacífico, mediante consensos que surgem do diálogo e das disposições dos
próprios interessados, sujeitos e senhores das disputas.
A fim de analisar a pertinência temática do instituto da mediação como técnica de
pacificação social, necessário se faz sua contextualização histórica, assim como salientar suas
características e diferenças com outras formas de composição de litígio, em especial a
conciliação.
1. FORMAS DE COMPOSIÇÃO DE CONFLITOS
Medidas alternativas de solução de conflitos não são práticas recentes e decorrentes da
modernidade, e sim técnicas utilizadas em maior ou menor escala por todos os povos, em
diferentes momentos de sua história. Na República Popular da China, por exemplo, o uso da
arbitragem como forma de resolução de conflitos sempre foi aceito, considerando sua
identidade com os valores e princípios de Confúsio, em especial a convicção de que uma
litigância formal rompe o princípio fundamental dos negócios: que as partes envolvidas
devem se beneficiar na relação. Ressalte-se que arbitragem é mais vantajosa quanto mais
complexamente inconsistente for o sistema judicial vigente no local.
A mediação baseia-se na arte da linguagem para permitir a criação ou recriação da
relação. Implica a intervenção de um terceiro neutro, imparcial e independente, o mediador
que desempenha uma função de intermediário nas relações. Em resumo, o mediador
operacionaliza a qualidade da relação e da comunicação entre as partes cujos interesses
divergem a ponto de instaurar-se uma situação litigiosa.
No âmbito da resolução de conflitos, a mediação é considerada uma abordagem
multidisciplinar ou uma disciplina no seu todo. Trata-se de uma abordagem que reforça a
liberdade individual, ou que permite preservá-la. Consequentemente, em relação à área do
direito que representa uma via de abandono pela pessoa da sua capacidade de decidir, de
tomar a palavra, de procurar uma solução, a mediação aparece como um modo natural, ainda
que considerada como forma alternativa, de resolução de conflitos.
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Estruturada como processo, foi reinventada na década de 70, nos EUA, tendo-se
valido precipuamente das técnicas de negociação apregoadas pela Escolade Negociação de
Harvard.À medida que o instrumento passou a ser utilizado em áreas mais delicadasdos
relacionamentos interpessoais, como nos conflitos de família, foi incorporandooutros pilares
teóricos, humanizando-se e objetivando não somente a buscado direito a ser aplicado ao
conflito, prevalecendo sempre o enfoque nos conflitantes,e não na contenda.
Atualmente, a mediação acha-se presente não só nos EUA, mas também no Canadá,
ealguns países da Europa, como Grã-Bretanha, Escócia, Espanha, Itália e Portugal.De fato, no
Reino Unido, o uso de Alternativas de Resolução de Conflitos (Alternative Dispute
Resolution - ADR), é ativamente promovido, tanto por sua legislação, como pelo judiciário e
o governo. Seu sistema de regras processuais civis (Civil Procedure Rules) contém expressa
previsão legal objetivando a justa resolução de casos que lhe são postos a decidir,
autorizando, inclusive, a suspensão do processo para tentativa de solução do conflito através
de mediação ou arbitragem. Analisando o regramento processual inglês, especificamente a
regra de n. 1.4 (2) (e)2, percebe-se que ao magistrado cabe o gerenciamento ativo do processo,
com o dever de propor o uso de técnicas alternativas de resolução de conflitos, dentre outras
obrigações, sempre no intuito de alcançar a justa solução ao litígio.
Na Argentina há a Lei Federal 24.573, de 04.10.95, instituindo a mediaçãoobrigatória,
e exigindo a criação de cursos de formação para mediadores, cujocertificado possibilita o
credenciamento no Registro de Mediadores, do Ministérioda Justiça, como exigência para o
exercício da função, sendo que o profissionaltem que ser advogado.
Na mesma linha, constatamos que a Constituição Federal3, em seu preâmbulo,
preconiza:
Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia
2 Civil Procedure Rules – Regras de Processo Civil The overriding objective – Do objetivo primordial Court’s duty to manage cases – Dos deveres do juiz na condução do processo 1.4 (2) Active case management includes: - A condução ativa do processo inclui: (…) (e) encouraging the parties to use an alternative dispute resolution(GL)procedure if the court considers that appropriate and facilitating the use of such procedure; (encorajar o uso de técnicas alternativas de resolução de conflitos sempre que o juízo considerar adequado, facilitando o acesso a tais procedimentos) (disponível em: http://www.justice.gov.uk/courts/procedure-rules/civil/rules/part01#IDA0PXKC. Acesso em 22.08.2012 às 18h49m). 3 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF:Senado, 1988.
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social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil.
A partir da análise do primeiro preceito da Magna Carta, pode-se deduzir tratar-se de
um dever de toda a sociedade, inclusive o judiciário, fomentar a utilização de meios que
possam pacificar a sociedade, de maneira a torná-la mais digna, para o exercício plenoda
cidadania.
O Ministério do Trabalho foi percussor na busca de possibilidades extrajurídicas para
resolver os conflitos, procurando assim solucionar as causas não atendidas pela justiça
trabalhista. Citamos a Lei n. 10.101, de 19 de dezembro de 2000 - prevendo a participação
dos trabalhadores nos lucros e resultados da empresa -, que em seu artigo 4º apresenta como
soluções extrajudiciais dos conflitos a Mediação e a Arbitragem.
Ainda no Brasil, merece especial menção o Tribunal de Justiça do Estado de Santa
Catarina, cuja resolução nº 11/2001 dispõe sobre a instituição do Serviço de Mediação
Familiar. O serviço da mediação encontra-se disponível em alguns Fóruns de justiça e Casas
da Cidadania do Estado e possui uma equipe de atendimento composta por mediadores
familiares das áreas de serviço social, psicologia e direito, além de estagiários das respectivas
áreas.
Destaca-se, também, o Setor de Conciliação em São Paulo. Criado em 2003 pelo
Provimento n. 796 do Conselho Superior da Magistratura do Estado de São Paulo, foi
posteriormente revogado e substituído pelo Provimento n. 953, de 09 de agosto de 2005. O
Provimento n. 953/2005 eliminou o caráter provisório do Setor e estendeu o procedimento
para as comarcas e foros de todo o Estado de São Paulo.
O Setor procura solucionar uma aparente dificuldade em cumprir a norma insculpida
no caput do artigo 331 do Código de Processo Civil4, que indica que o juiz tem o dever de
tentar conciliar as partes a qualquer tempo, fato apontado por Kazuo Watanabe5 ao destacar
que os juízes não desempenham tal papel ativo, com alguns chegando a descumprir
abertamente a norma legal. O Setor também tem por objetivo resolver demandas de forma
mais rápida do que a justiça comum, prevenindo litígios antes do ajuizamento da ação
4 Código de Processo Civil, Art. 331: Se não ocorrer qualquer das hipóteses previstas nas seções precedentes, e versar a causa sobre direitos que admitam transação, o juiz designará audiência preliminar, a realizar-se no prazo de 30 (trinta) dias, para a qual serão as partes intimadas a comparecer, podendo fazer-se representar por procurador ou preposto, com poderes para transigir. 5 WATANABE, Kazuo. Cultura da sentença e cultura da pacificação, in YARSHELL, Flávio Luiz e MORAES, Maurício Zanoide de. Estudos em homenagem à professora Ada Pellegrini Grinover. São Paulo: DPJ, 2005. p. 687.
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(conciliação pré-processual) ou extinguindo-os por meio de acordo entre as partes em
qualquer fase do processo judicial (conciliação processual).
Ainda quanto à regulamentação das ADRs (ou MASCs – Métodos Alternativos de
Solução de Conflitos), tramitam dois Projetos de Lei no Congresso Nacional, para
regulamentar a Mediação. O primeiro de autoria da Deputada Zulaiê Cobra, é o Projeto de Lei
n. 4.827, de 1998, que institucionaliza e disciplina a Mediação como Método de Prevenção e
Solução Consensual de Conflitos. De forma concisa e clara, o Projeto de Lei n. 4.827/98,
conceitua a Mediação (art. 1º), define quem pode ser mediador (art. 2º), diferencia Mediação
judicial e extrajudicial (art. 3º), institui a Mediação endoprocessual (art. 4º), estabelece o
acordo como título executivo judicial (art. 5º), disciplina a Audiência de Tentativa de
Conciliação (art. 6º) e a publicação da lei (art. 7º).
O segundo projeto proposto em 2001, do Instituto Brasileiro de Direito Processual,
presidido pelos juristas Kazuo Watanabe e Ada Pelegrini Grinover, e contando com amplo
apoio da Ordem dos Advogados do Brasil, institui e disciplina a Mediação paraprocessual
como mecanismo complementar de solução de conflitos no Processo Civil. Previa o projeto
de lei em questão que os mediadores seriam obrigatoriamente advogados, com pelo menos
dois anos de experiência, formados e selecionados pela Ordem dos Advogados do Brasil. Tais
profissionais receberiam honorários fixados segundo o valor atribuído à causa e pagos pelo
autor. A razão da exigência de formação acadêmica e profissional deve-se ao fato de que o
projeto inaugura no Brasil a ideia de uma mediação paraprocessual, ou seja, procedimento
envolvido no processo e dentro do judiciário, inspirado como o foi pela experiência argentina.
Contudo, está em vias de aprovação, o Projeto de Lei que tramita no Congresso
Nacional: o Substitutivo (PLC n. 94/02), de autoria do Senador Pedro Simon (PMDB-
RS), que institui a Mediação como método de prevenção e solução consensual de conflitos na
esfera civil. Trata-se, na realidade, da fusão das duas propostas já existentes: o Projeto de Lei
n. 4.827/98 e o Projeto do Instituto Brasileiro de Direito Processual, considerando que
primeiro procura oficializar e instituir a Mediação no Brasil de forma genérica, ao passo que o
outro pretende instituir e disponibilizar a Mediação nos Tribunais, prévia ou incidentalmente.
Apesar do longo período de tramitação, ainda não foi aprovada pelo Congresso
qualquer uma das leis acima referidas, o que significa que não havia, até o ano de 2010,
regulamentação sobre o instituto da Mediação como alternativa à solução judicial dos
conflitos. Entretanto, no ano de 2010, o Conselho Nacional de Justiça6, no uso de suas
6 BRASIL. Conselho Nacional de Justiça – CNJ. Órgão do Poder Judiciário, conforme artigo 92, inciso I-A, da Constituição Federal (1988), acrescentado pela Emenda Constitucional n. 45, de 8 de dezembro de 2004.
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atribuições administrativas, editou a Resolução n. 125 disciplinando e regulamentando o
instituto para a implementação gradual do método dentro do judiciário.
Reforçando a ideia da necessidade de se fomentar e incrementar o uso dos meios
alternativos de solução de disputas, a Resolução do CNJ n. 125 afirma, no parágrafo único do
artigo primeiro7, que incumbe aos órgãos judiciários disponibilizar ao cidadão mecanismos
alternativos de composição das controvérsias.
Tratando-se de Métodos Alternativos de Solução de Conflitos, deve-se fazer uma
breve conceituação de cada instituto, comparando os diferentes modos de autocomposição
com a Mediação para uma melhor compreensão do potencial renovador desse método de
resolução de litígio que se distingue pela ativa participação dos próprios envolvidos no
conflito.
2. DIFERENÇAS ENTRE PRÁTICAS CONEXAS: MEDIAÇÃO E NEGOC IAÇÃO
Embora as duas sejam formas de autocomposição desenvolvidas segundo o modelo
consensual, a diferença entre mediação e negociação é simples: o negociador é parte
envolvida. Representa os interesses de um dos participantes, geralmente seu cliente. Isto
implica que o negociador vai procurar alcançar uma solução que satisfaça a parte que
representa. Ao contrário, na mediação o mediador não se encontra envolvido. Acompanha a
reflexão de todos os envolvidos diretamente no conflito, permitindo-lhes encontrar um
acordo. Tal acordo é definido de várias formas, ou seja, baseando-se das abordagens da
negociação ou, como acima indicado, de forma que seja o mais satisfatório possível entre as
duas (ou mais) partes envolvidas.
2.1 MEDIAÇÃO E CONCILIAÇÃO
Entre a mediação e a conciliação, há duas diferenças básicas. Embora muito
semelhantes, a conciliação se mostra mais produtiva nas relações de trato único, a saber,
aquelas estabelecidas por um evento único, decorrente de uma relação jurídica não habitual
entre os sujeitos participantes. Decorre dessa característica a segunda grande distinção entre
7 Res. n. 125/2010 do CNJ, Art. 1º. Fica instituída a Política Judiciária Nacional de tratamento dos conflitos de interesses, tendente a assegurar a todos o direito à solução dos conflitos por meios adequados à sua natureza e peculiariedade. Parágrafo único. Aos órgãos judiciários incumbe, além da solução adjudicada mediante sentença, oferecer outros mecanismos de soluções de controvérsias, em especial os chamados meios consensuais, como a mediação e a conciliação, bem assim, prestar atendimento e orientação ao cidadão.
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as formas e técnicas dos métodos de composição: o papel do terceiro interveniente.
Basicamente, na mediação, o terceiro apoia as partes na sua reflexão conjunta e na sua
decisão, ou seja, faz emergir umasolução construída em conjunto pelos próprios mediandos,
privilegiando a continuidade da relação. Já na conciliação, o terceiro conciliador propõe uma
solução imediata às partes, visando o encerramento célere do procedimento da forma menos
gravosa aos envolvidos, porém sem a necessidade do aprofundamento nas causas subjacentes,
eis que, em regra, as partes não mais terão contato após o término do procedimento. Saliente-
se que o modelo da composição é também consensual, porém há uma participação mais
limitada dos envolvidos no conflito na construção de eventual decisão, que geralmente fica
limitada à aceitação conjunta da proposta do conciliador.
2.2 MEDIAÇÃO E ARBITRAGEM
A participação do árbitro implica em decidir a questão em análise, decisão esta que é
imposta às partes que optaram pela arbitragem. Trata-se, na realidade, de uma
heterocomposição de conflitos sob o modelo adversarial, tal qual a solução judicial. A
voluntariedade reside na escolha conjunta do árbitro e no consenso em acatar a decisão do
terceiro, numa solução imposta e sem a participação ativa dos envolvidos. Os interessados
apresentam ao terceiro (árbitro ou juiz togado) a lide, e este determina a solução com base nos
costumes e leis (arbitragem) ou no ordenamento jurídico formal (juiz). Aqui o objetivo é
vencer, o que só será alcançado pela derrota da parte contrária, segundo a lógica do “ganha-
perde”. A decisão, portanto, será percebida como justa tão somente pelo o vencedor, o que,
em tese, pode frustrar a finalidade precípua do processo (judicial ou extrajudicial), qual seja, a
pacificação social pela justa composição de litígios.
Uma prática ainda marginal desenvolveu-se nos Estados Unidos, (no âmbito das ADRs
- Alternative Dispute Resolution, ou métodos alternativos de resolução de conflitos),
associando a intervenção de um mediador que, quando não consegue fazer emergir uma
solução, pode tornar-se árbitro através de convenção prévia ou com o acordo das partes, às
quais o propõe ou pedem que decida por eles. Este método é então nomeado med-arb8.
Ainda com relação às diferenças entre os métodos alternativos de prevenção e solução
de conflitos, no que tange ao mediador, é importante destacar que se trata de um facilitador do
8 FLAKE, Richard P. The MED/ARB Process: a view from the neutral’s perspective (O Procedimento MED/ARB: visão sob a perspectiva do neutro). American Arbitration Assotiation. ADR Currents - The Newsletter of Dispute Resolution Law and Practice: June Edition. Published: © 1998.
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processo de retomada do diálogo. Diferentemente do árbitro (judicial ou extrajudicial), ou do
conciliador, ele não interfere diretamente, limitando-se a auxiliar as pessoas que se encontram
em situação de disputa para que elas mesmas encontrem uma alternativa que lhes convém.
Dessa forma, a mediação promove a integração social e a responsabilidade pessoal dos
envolvidos no cumprimento das condições acordadas, propiciando a retomada da
autodeterminação de pessoas em relação às suas vidas.
Ressalte-se que ao mediador não cabe tratar das pessoas em conflito, mas sim tratar os
conflitos entre as pessoas.
2.3 A MEDIAÇÃO: CONCEITO E OBJETIVOS
Segundo Juan Carlos Vezzulla9, mediação é uma técnica de resolução de conflitos,
não adversarial, que sem imposições de sentenças ou de laudos, e com um profissional
devidamente formado, auxilia as partes a acharem seus verdadeiros interesses e a preservá-los
num acordo criativo em que as duas partes ganhem.
André Gomma de Azevedo, em seu Manual de Mediação Judicial10 utiliza o conceito
de Douglas Yarn11, que define mediação como “sendo um processo autocompositivo segundo
o qual as partes em disputa são auxiliadas por uma terceira parte, neutra ao conflito, ou um
painel de pessoas sem interesse na causa, para auxiliá-las a chegar a uma composição”. Trata-
se de uma negociação assistida ou facilitada por um ou mais terceirosna qual se desenvolve
processo composto por vários atos procedimentais pelosquais o(s) terceiro(s) imparcial(is)
facilita(m) a negociação entre pessoas em conflito, habilitando-as a melhor compreender suas
posições e a encontrar soluções que se compatibilizam aos seus interesses e necessidades.
Já Garcez12 simplifica o conceito, entendendo a mediação como sendo uma fórmula
não adversarial de solução de conflitos na qual um terceiro, imparcial, auxilia as partes, por
elas próprias, a chegarem a um acordo entre si, através de um processo estruturado.
Em definitiva, percebe-se que através da mediação, as partes são aproximadas e
auxiliadas na compreensão de seus problemas, tornando-se autoras das decisões, preservando, 9 VEZZULLA, Juan Carlos. Teoria e prática da mediação. Curitiba: Instituto de Mediação, 1995. p. 15. 10 AZEVEDO, André Gomma (org.). 2009. Manual de Mediação Judicial. (Brasília/DF: Ministério da Justiça e Programa das Nações Unidas para o desenvolvimento – PNUD). 2010, 2. ed., p. 37. Disponível em: http://www.tjpe.jus.br/concilia/publicacoes/2011-10-18-14-4-livro%20Mediacao%20MJ%202ed %20Internet%2018102011.pdf. Acesso em: 18.09.2012, às 18h13m.) 11 YARN, Douglas E. Dictionary of Conflict Resolution. São Francisco: Jossey-Bass Inc., 1999. p. 272; in AZEVEDO, André Gomma de (Org.). Estudos em arbitragem, mediação e negociação. Brasília: Grupos de Pesquisa, 2004. v. 3. p. 313. 12 GARCEZ, José Maria Rossani. Negociação, ADRs, Mediação, Conciliação e Arbitragem. 2. ed. ampl. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2003. p. 35.
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assim, sua autonomia e liberdade individual, ainda que com intermediação do terceiro. Esse
resgate da autonomia fortalece as relações sociais, primando pela valorização das pessoas e
promovendo verdadeira pacificação social, na medida em que enseja a percepção da
adequação e justiça da solução do conflito, resultado da convergência de vontades e da livre
pactuação.
Para que seja efetiva, a mediação deve ser capaz de promover um diálogo franco entre
os envolvidos, desarmado das hostilidades que impedem a compreensão da situação alheia. O
objetivo final do processo é alcançar um acordo benéfico para as partes; busca-se o “ganha-
ganha”, por meio de um procedimento sem perdedores, possibilitando a transformação da
cultura de conflito em cultura do diálogo. Saliente-se que a visão positiva do conflito é
considerada um ponto importante. O conflito, normalmente percebido como algo negativo, é
encarado pela mediação como natural e necessário, por ser instrumental ao crescimento e
promover mudanças.
O sucesso da mediação depende da adequada capacitação dos intervenientes –
mediadores, a fim de instruir de maneira adequada os participantes sobre o procedimento, a
forma de desenvolvimento do programa, as técnicas passíveis de utilização no caso concreto e
informar sobre os parâmetros legais a serem respeitados. Ressaltar os benefícios e não
minimizar as dificuldades potenciais é sempre uma forma de garantir a lisura do processo,
bem como a adesão e confiança das partes. Quando bem conduzido, o processo de mediação,
por suas peculiaridades, torna-se um meio de solução eficiente e adequado a conflitos que
versem sobre relações continuadas, evitando-se, assim, a crescente judicialização dos
problemas de convívio social.
São vários os seus objetivos, dentre os quais a prevenção dos conflitos, a inclusão
social por meio de uma maior conscientização de direitos e deveres, e o acesso à justiça.
A mediação, sendo um meio de resolução que requer a participação efetiva das
pessoas para que solucionem os problemas, ao forçar o diálogo e a reflexão sobre as
responsabilidades pessoais, os direitos e obrigações recíprocos, incentiva uma expansão da
percepção do indivíduo, com a compreensão da realidade alheia. Promove, em definitiva,
uma responsabilidade pessoal nas relações interpessoais.
Dessa forma, e em sendo um mecanismo simples de solução das controvérsias
exigindo, ainda, um procedimento diferenciado, trata-se de valioso instrumento de inclusão e
de pacificação social.
2.4 PRINCÍPIOS DEFINIDORES DA MEDIAÇÃO
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Os princípios da mediação podem variar de país para país, entretanto parece haver
consenso quanto a alguns deles, adotados no Brasil, a saber, a liberdade das partes, a não
competividade e poder de decisão das partes.
A liberdade das partes implica em que elas devem livremente administrar o conflito,
tomando decisões durante todo o procedimento, desde a opção pela mediação, passando pela
escolha do mediador em quem depositarão sua confiança, até a finalização e encerramento do
procedimento, seja pela desistência de uma das partes, seja pela conclusão de uma solução
construída consensualmente, a ser homologada pelo judiciário.
A mediação admite duas formas: mandatória e voluntária, esta dependendoda vontade
das partes ab initio, somente elas podem iniciar e desenvolver o processo de mediação.
Saliente-se que a liberdade das partes não significa dizer, necessariamente, forma voluntária
de mediação, uma vez que o início da mediação pode se dar por ordem judicial ou por
cláusula contratual de livre adesão impondo-se, inicialmente, uma possível solução mediada.
Entretanto, e a despeito de a mediação dita mandatória não ter início de forma voluntária, o
conflito só será solucionado através deste processo por vontade das partes, preservando-se,
assim, a sua liberdade na mediação, que, caso não seja frutífera, se resolverá com o parecer
técnico do mediador enviado ao judiciário, dando continuidade ao processo judicial, ou
iniciando-o, conforme o caso.
Quanto aos princípios especificamente dirigidos à atuação dos mediadores, o CNJ, na
já mencionada Resolução 125/2010, editou o Código de Ética de Conciliadores e Mediadores
Judiciais, elencando-os em seu art. 1º e conceituando-os nos respectivos parágrafos. São eles:
confidencialidade, competência, imparcialidade, neutralidade, independência e autonomia,
respeito à ordem pública e às leis vigentes.
A confidencialidade é o dever de manter sigilo sobre todas as informações obtidas na
sessão, salvo autorização expressa das partes, violação à ordem pública ou às leis vigentes. O
mediador está impedido de ser testemunha do caso e de advogarpara qualquer um dos
envolvidos. Já a competência exige a qualificação do mediador, nos termos da própria
Resolução, com capacitação anterior à sua habilitação profissional junto aos Tribunais e
formação continuada. A imparcialidade é o dever de agir com ausência de favoritismo, sem
preconceitos. Impõe, também, que jamais seja aceito qualquer espécie de favor ou presente.
Neutralidade – dever de manter equidistância das partes, respeitando seus pontos de vista.
Atuar com independência e autonomia significa o dever de atuar com liberdade, sem pressões
interna ou externa. Consequentemente, confere ao mediador o poder de recusar, suspender ou
interromper a sessão quando entender ausentes as condições necessárias para o desempenho
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da atividade. Por fim, respeitar a ordem pública e as leis é evitar acordos ilegais ou
potencialmente nocivos à ordem pública.
2.5 TÉCNICAS DE MEDIAÇÃO
No âmbito jurídico, utiliza-se a expressão Mediação, “derivada da linguagem
diplomática, para indicar a função do auxiliar do juízo encarregado de aproximar as partes
litigantes na procura de pontos em que os interesses sejam convergentes, buscando a
conciliação entre elas”13. O mediador, portanto, é quem se coloca entre duas pessoas, para que
elas se aproximem e realizem um negócio, um acordo. Sua função não é a de propor ou impor
soluções ou condições, e sim de direcionamento e condução, facilitando o diálogo para que os
interessados possam resolver suas avenças pessoalmente e em conjunto, de forma não
contenciosa.
Para tanto, é necessário que o mediador - terceiro facilitador do diálogo, seja pessoa
qualificada, com formação técnica nas diversas formas de mediação, podendo utilizar uma ou
mais técnicas ao longo do processo, conforme sentir a necessidade.
Atualmente existem 3 (três) escolas clássicas para orientar as diferentes formas de se
trabalhar com a mediação: Modelo Tradicional-Linear de Harvard, o Modelo Transformativo
de Bush e Folger, e o Modelo Circular-Narrativo de Sara Cobb.
O Modelo Tradicional-Linear de Harvard (Escola de Direito de Harvard), indica serem
necessários cinco estágios para o desenvolvimento do procedimento de mediação. Vale
ressaltar que sua base é a mediação passiva, ou seja, não existe a intervenção direta do
mediador, que apenas exercerá o papel de facilitador do diálogo entre as partes, utilizando-se
de técnicas para alcançar o objetivo principal da mediação Tradicional-Linear, que é a
construção do acordo. Fundamenta-se na teoria e compreensão do conflito, e tem como
característica a diferenciação das pessoas do problema criado, o foco nos interesses ocultos, a
identificação de opções viáveis e mutuamente benéficas com critérios objetivos, finalizando
com a escolha da melhor alternativa possível.
No primeiro estágio, denominado de contracting, o mediador estabelece o contato
entre os interessados, explicando-lhes as regras, parâmetros e limites do procedimento da
mediação. Sua intenção é trazer segurança e esclarecimento sobre as vantagens e
desvantagens de se trabalhar em uma via diversa da judicial.
13 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Atualizadores: Nagib Slaibi Filho e Gláucia Carvalho. 26. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 903.
14
O segundo momento (developing issues, ou elaborando as questões), é quando o
mediador identifica as questões relevantes às partes, tanto os interesses expressados por suas
manifestações externas, quanto os interesses ocultos, subjacentes à causa aparente. Neste
caso, o mediador deverá trabalhar com a técnica da escuta.
Prosseguindo, o Mediador faz uma série de perguntas aos mediandos e, conforme a
resposta obtida reformula a questão (rephrasing), ou dentro de um contexto diferente
(reframing, ou reenquadramento), até que o próprio interessado consiga externar seu
verdadeiro propósito. Esta é uma fase lenta que necessita de paciência e habilidade,
principalmente pelo fato das partes serem chamadas a refletir sobre as questões centrais, o que
gera discussões e desentendimentos. Essa fase, denominada de Looping, permite uma análise
e melhor compreensão das atitudes de cada um dos participantes, facilitando a inserção de
outras técnicas destinadas a amenizar o conflito e, consequentemente, incentivar a concreta
percepção de consenso pelos mediandos. Insta salientar que, nas questões relacionais, a
Escola de Harvard recomenda atenção com a percepção, emoção e a comunicação, não sendo
adequado buscar concessões de ordem material para resolver esse tipo de questões.
Na quarta fase (brainstorming, ou tempestade de ideias), o mediador facilita a
organização das ideias, levando os participantes a estabelecerem alternativas razoáveis para a
resolução da controvérsia. Nesse momento, utilizam-se as informações relevantes obtidas
durante a aplicação das técnicas do Looping, para que o diálogo possa fluir com mais
tranquilidade e eficiência. Observa-se que é o momento onde as partes, conhecendo a
realidade do outro, terão a possibilidade de oferecer propostas eficazes e que preencham suas
reais necessidades. Há intensa troca de idéias, criações livres e, inicialmente,
descompromissadas com um acordo, porém, passíveis de adesão e consenso.
Na quinta e última etapa, uma vez obtido o consenso, o Mediador lavra o acordo
segundo a decisão dos mediandos, adequando a manifestação de vontade às normas do direito
positivo.
Essa técnica – proveniente da Escola de Harvard, é a base do modelo de mediação
satisfativa, objetivando a construção de um acordo objetivo, segundo critérios previamente
estabelecidos.
Já o modelo Circular-Narrativo, embora derivado do modelo tradicional de Harvard,
não tem como objetivo primordial um acordo. Trata-se de um processo de criação focado na
comunicação. É pela conversa que as pessoas se comunicam, e a mediação, aqui, é concebida
como processo conversacional, onde comunicação analógica (não verbal) e digital (verbal) se
integram, formando as histórias individuais.
15
Na mediação, é necessário criar espaços onde se possam contar as histórias, incluindo
as vozes daqueles que não podem falar e então criar uma nova história que deixe de lado a
violência semântica e acolha a condição complexa de ser humano. A partir dessa narrativa é
que o acordo será construído. Nesse sentido, os mediadores funcionam como escritores, pois
recombinam as narrativas.
O modelo criado por Sara Cobb14- modelo circular-narrativo -, se utiliza de algumas
ferramentas conhecidas dos terapeutas familiares: perguntas circulares, conotação positiva,
reenquadramento, dentre outros. Algumas premissas da técnica são: a mediação não é terapia,
mas é terapêutica; pode começar com sessões conjuntas ou privadas e não termina com a
redação do acordo, mas sim com o meta-acordo; trabalha com as histórias “más” ou
problemáticas e não o problema em si (esse só existe em função do que é contado, não como
um fato isolado); os mediadores não são neutros e sim multi-parciais (são responsáveis por
dar voz a cada um dos participantes da mediação); os mediadores são responsáveis não só
pelo processo, mas também, sobre o conteúdo da história melhor formulada; os mediadores
devem estar conscientes do poder que exercem e dos juízos que fazem15.
A mediação transformativa foi um modelo elaborado por Robert A. Bush, teórico da
negociação, e Joseph P. Folger, teórico na comunicação. Este modelo criado, aplicado e
adaptado em todo mundo, tem como objetivo situar o acordo como uma possibilidade,
concentrando-se na revalorização pessoal e no reconhecimento do outro. Busca aumentar o
“eu” e a sensibilidade mútua, qualquer que seja o modo de resolver o problema, numa visão
relacional em oposição à visão individualista. A mediação transformativa reconhece os
conflitos como oportunidades de crescimento, sendo instrumento apto a aproveitar o conflito
de forma positiva.
Se o modelo harvardiano tem o acordo como principal objetivo, o modelo
transformativo visa trabalhar os interesses e necessidades das partes e não somente a posição
cristalizada do conflito.
Observa-se que a transformação na relação entre os litigantes viabiliza uma
reconstrução dos laços afetivos e, consequentemente, promove o acordo. No modelo
transformativo o mediador tem como foco a mediação passiva, ou seja, não existe a 14 COBB, Sara. Uma perspectiva narrativa de lamediación: hacialamaterialización de la metáfora del narrador de histórias. In: FOLGER, Joseph P.; JONES, Tricia F. Nuevasdirecciones em Mediación: investigacion y perspectivas comunicacionales. Buenos Aires: Paidós, 1997. In: MORAIS, José Luis Bolzan de; SPENGLER, Fabiana Marion. Mediação e Arbitragem, Alternativas à Jurisdição! 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 143. 15 Conforme programa internacional O Modelo Circular Narrativo e os Sistemas Familiares, resumo disponível em http://www.fundacaonacionaldemediacao.com.br/A-Media%C3%A7%C3%A3o-Ajudando-a-Contar-Novas-Hist%C3%B3rias.php. Acesso em: 01.10.2012, às 16h16m.
16
intervenção direta do mediador, que se utiliza de técnicas de negociação para facilitar o
diálogo entre as partes, para que juntas e de forma autônoma, possam construir uma decisão
através do diálogo. O empowerment, ou fortalecimento das partes, é de suma importância
para que as mesmas solucionem por si só o conflito. Registra-se que este modelo trabalha o
conflito na sua integralidade, ou seja: o aspecto emocional, afetivo, financeiro, psicológico e
legal. É valido ressaltar que na mediação transformativa, o ideal é que o conflito seja
trabalhado por uma comissão multidisciplinar.
Essas escolas básicas não são as únicas técnicas de mediação atualmente
desenvolvidas. Podemos citar também o modelo desenvolvido por Kimberlee K. Kovach16,
além do procedimento de mediação criado por Haynes e Marodin17, muito utilizado na
mediação familiar. O ponto em comum das diversas técnicas é o desenvolvimento da
mediação em um processo estruturado, composto de estágios demarcados, com cada estágio
sendo trabalhado com um propósito específico, possibilitando a construção da relação de
confiança entre o mediador e os mediandos, a identificação dos problemas subjacentes e
descobrimento de eventuais pontos em comum entre as partes, finalizando com o acordo
baseado no consenso, sempre que possível.
Em definitiva, tem-se que a mediação oferece vantagens relevantes, dentre as quais
podemos citar a tranquilidade proporcionada às partes ao se utilizarem de procedimento mais
célere, em que seus interesses e expectativas são sopesados e considerados igualmente, sem
prevalência de uns sobre outros, a garantia do sigilo do procedimento, e porque não, os
benefícios financeiros, já que as despesas são rateadas entre os interessados, sendo os custos
muito inferiores ao de um julgamento. Relevante, também, o benefício trazido pelo resgate da
autonomia da vontade dos indivíduos que participam da mediação, mesmo quando mandatória
inicialmente, uma vez que não haverá imposição de um acordo, sendo de construção
voluntária e participativa dos próprios interessados e diretamente afetados.
Não se pode, entretanto, desconsiderar que nem sempre a mediação será capaz de
conciliar os interesses em conflito. Ainda que em tese, uma solução mediada é sempre
possível, não se pode impor tal solução àqueles que se recusam a pactuar entre si. A boa-fé
dos participantes é essencial, assim como a sincera vontade em resolver pacificamente os
problemas apontados. Para que o acordo alcançado tenha força jurídica e seja exigível, é
16 KOVACH, Kimberlee K. Mediation: principles and practice. St. Paul, Minnesotta, EUA: West Publishing, 1994. p. 23-39. 17 Para uma visão mais abrangente das diferentes escolas e técnicas utilizadas na mediação familiar, bem como o método específico dos autores citados, ver: HAYNES, John M.; MARODIN, Marilene. Fundamentos da Mediação Familiar. Tradução de Eni Assumpção e Fabrizio Almeida Marodin. Porto Alegre: ArtMed, 1996.
17
também indispensável que seja levado à homologação judicial, tornando-o instrumento formal
oponível contra terceiros. Incentiva-se, dessa forma, à tomada de decisões consciente por
parte dos mediandos, e o compromisso futuro de cumprir o acordo, que não mais poderá ser
discutido, após passar pelo crivo do judiciário. Isso em nada altera a voluntariedade do
processo de mediação, ao contrário, parece promover e fortalecer a responsabilidade pessoal
daqueles que dela participaram.
2.6 A MEDIAÇÃO NO JUDICIÁRIO
Embora a Resolução 125 de 2010 do CNJ tenha disposto de forma regulamentadora a
respeito da mediação e conciliação, nosso sistema judicial é carente de legislação federal que
discipline os referidos mecanismos.
O projeto de lei18 que visa instituir o novo Código de Processo Civil atribui maior
importância à conciliação e mediação, além de trazer dispositivos tendentes a sistematizar
esses mecanismos em todo o território nacional. O anteprojeto apresentado no Senado Federal
prevê, inclusive, a instauração do processo de mediação e/ou conciliação durante o curso do
processo, conforme leitura do artigo 135 do anteprojeto:
Art. 135. A realização de conciliação ou mediação deverá ser estimulada por magistrados, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.
De acordo com o projeto de lei em apreço, permite-se que os tribunais criem setores
de conciliação e mediação destinados a estimular a autocomposição (artigo 134). Além disso,
ressalta a importância do estímulo à realização de conciliação e mediação por todos os
magistrados, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público. Traz, ainda,
disposições relativas à atividade inerente aos conciliadores e mediadores. Nesse sentido,
prescreve que os conciliadores terão a atribuição de sugerir soluções para o litígio, sendo
vedada a utilização de qualquer tipo de constrangimento ou intimidação para que as partes
conciliem. De outro lado, ao mediador compete auxiliar as pessoas interessadas para que
compreendam as questões e os interesses envolvidos de forma que possam, por si mesmas,
identificar as melhores alternativas tendentes a pacificar a relação e solucionar o conflito.
18 BRASIL. Código de Processo Civil: Anteprojeto. Comissão de Juristas Responsável pela Elaboração de Anteprojeto de Código de Processo Civil. Brasília: Senado Federal, Presidência, 2010. (Disponível em: http://www.senado.gov.br/senado/novocpc/pdf/Anteprojeto.pdf. Acesso em: 13.11.2012, às 21h23m).
18
O projeto do novo diploma legislativo reconhece a efetividade dos meios alternativos
de composição e busca a sistematização dos institutos da mediação e conciliação.
A realidade revela que as soluções tradicionalmente utilizadas, tais como o aumento
de cartórios dentro dos Fóruns, de Câmaras nos Tribunais, secretarias, a redistribuição de
competência entre os órgãos jurisdicionais, o aumento de previsões orçamentárias destinadas
ao Poder Judiciário; as alterações dos códigos processuais e a informatização da justiça não
têm oferecido à sociedade os resultados esperados, de modo a possibilitar uma reversão da
situação vivenciada. A percepção das dificuldades e obstáculos se torna mais acentuada com o
passar dos anos, sendo necessária a criação de novas fórmulas que vislumbrem a melhoria da
justiça e promovam a ruptura do sentimento de insegurança instaurado frente às instituições
públicas.
J. E. Carreira Alvim19 escreve que:
[...] em todo lugar, independentemente da forma de Estado e do sistema de Governo, as instituições funcionam mal, o povo não confia nelas, e, para fortalecê-las, busca-se uma forma de controlá-las, na certeza de que o controle do poder pelo próprio poder (le pouvoir arrête le pouvoir) faliu e já não atende à sociedade do limiar do Século XXI. (...) Neste contexto, adquire relevância as alternativas para uma maior eficácia da prestação jurisdicional, como antídoto de uma justiça 'lenta cara, complicada, burocratizada e inacessível até para os conflitos tradicionais', alternativas estas que têm sido buscadas, sobretudo, na reestruturação dos processos, através da simplificação dos procedimentos.
Numa mudança de paradigma, o cidadão passa a ocupar um novo espaço no processo
de administração da justiça, assumindo função ativa frente ao acesso à justiça e diante da
composição de conflitos, deixando de ser mero espectador para tornar-se agente ativo e
responsável na composição de seus problemas com o outro. A mediação favorecerá a
participação do próprio litigante na administração da justiça por meio da manifestação de
vontade quanto à composição do conflito, na identificação da melhor solução para o conflito e
no restabelecimento do equilíbrio e da paz social.
A inserção da conciliação e da mediação de forma expressa no projeto do novo
Código de Processo Civil dota o sistema processual de uma maior efetividade quanto ao
acesso à justiça, algo que, em outros países há anos vem sendo implementado. Entretanto, não
será suficiente se não houver um trabalho de conscientização dos operadores do direito, bem
como da própria sociedade acerca das facilidades, de eventuais vantagens econômicas, sociais
19 ALVIM, J. E. Carreira. Alternativas para uma maior eficácia da prestação jurisdicional. Revista de Processo, São Paulo, ano 21, n. 84, p. 175, out./dez., 1996.
19
e emocionais de se promover a composição dos conflitos com base na manifestação de
vontade das partes, extinguindo-se o conflito por meio da conciliação ou da mediação, e não
pela imposição de uma decisão judicial.
Seguindo esse raciocínio, o Conselho Nacional de Justiça vai encaminhar à Câmara
dos Deputados nota técnica de apoio à aprovação do novo Código de Processo Civil (Projeto
de Lei 8046/2010), com propostas de ajuste no capítulo que trata da conciliação e da
mediação. O texto aprovado em sessão plenária do Conselho sugere que o novo código
obrigue os tribunais a criarem núcleos e centros de conciliação, conforme já prevê a
Resolução 125/2010 do CNJ, além de tratar a tentativa de acordo amigável como meio
prioritário para solucionar os conflitos judiciais20.
“A tentativa de conciliação e mediação deve ter cunho obrigatório no desempenho da
atividade jurisdicional a ser perseguida em todo o processo”, sugere a nota técnica elaborada
pela Comissão Permanente de Articulação Federativa e Parlamentar, presidida pelo
conselheiro Bruno Dantas, e aprovada por unanimidade pelo plenário.
CONCLUSÃO
Meios estão sendo oportunizados; há muito tempo inúmeras reformas do Código de
Processo Civil foram realizadas, de modo a promover a conciliação e o acesso à justiça. As
formas alternativas de composição não são mais percebidas apenas como meio alternativo
extrajudicial de composição, mas, também, como um meio dentro do próprio processo,
enquanto instrumento eficaz de concretização da justiça. É neste contexto que se inserem a
conciliação e a mediação judiciais. No entanto, exige-se um constante esforço quanto à
divulgação e conscientização da população, de forma a aumentar sua aceitação e efetiva
adoção dessas técnicas por aqueles que se encontram, temporariamente, em uma situação de
conflito.
REFERÊNCIAS
ALVIM, J. E. Carreira. .Alternativas para uma maior eficácia da prestação jurisdicional. Revista de Processo, São Paulo, ano 21, n. 84, p.175, out./dez., 1996.
20 Artigo/notícia: CNJ aprova nota técnica de apoio ao novo Código de Processo Civil. Jornal do Brasil–Brasília. (Disponível em: http://www.jb.com.br/pais/noticias/2012/10/02/cnj-aprova-nota-tecnica-de-apoio-ao-novo-codigo-de-processo-civil/ Acesso em: 08.10.2012, às 20h30m.)
20
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