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Fundação Oswaldo Cruz Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães Departamento de Saúde Coletiva
Mestrado em Saúde Pública
Distribuição espacial de focos de esquistossomose através de Sistemas de
Informações Geográficas – SIG, Ilha de Itamaracá, Pernambuco
Recife, 2004
Karina Conceição Gomes Machado de Araújo
KARINA CONCEIÇÃO GOMES MACHADO DE ARAUJO
DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DE FOCOS DE ESQUISTOSSOMOSE ATRAVÉS DE
SISTEMAS DE INFORMAÇÕES GEOGRÁFICAS – SIG, ILHA DE ITAMARACÁ,
PERNAMBUCO
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Saúde Coletiva do NESC, do Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães – CPqAM, da Fundação Oswaldo Cruz como parte dos requisitos para obtenção do grau de Mestre em Saúde Pública.
Orientadora: Prof. Drª. Constança Simões Barbosa
RECIFE 2004
Catalogação na fonte: Biblioteca do Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães
616.995.122A663e Araújo, Karina Conceição Gomes Machado de.
Distribuição espacial de focos de esquistossomose através Sistemas de Informações Geográficas-SIG, Ilha de Itamaracá, Pernambuco/ Karina Conceição Gomes Machado de Araújo. — Recife, 2004. 73 p.: il., figuras, mapas.
Dissertação (Mestrado em Saúde Pública)-Departamento de Saúde Coletiva, Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães, Fundação Oswaldo Cruz, 2004. Orientadora. Constança Simões Barbosa.
1. Esquistossomose Mansoni. 2. Sistemas de Informação Geográfica. 3. Distribuição espacial 4. Epidemiologia. I. Barbosa, Constança Simões. II. Título.
CDU 616.995.122
DEDICATÓRIA
A o m estre, F rederico S im ões B arbosa, que hoje se encontra em outra dim ensão, dedico os m éritos dessa conquista.
AGRADECIMENTOS
A DEUS, símbolo de bondade e perfeição, que guia todos os meus passos e está presente
em todas as minhas realizações. Obrigada Senhor!
Aos meus pais, Gerson e Conceição, que se doaram inteiros e renunciaram aos seus sonhos
para que pudesse realizar o meu. A vocês, ofereço essa vitória e agradeço pelo amor e
dedicação.
Ao meu esposo, Kalasas, cujo amor, carinho, dedicação e compreensão foram suficientes
para fortalecer nossa união durante esta jornada.
Aos meus irmãos, Toninho, Gersinho e Netinho, que me incentivaram e acreditaram na
minha vida profissional.
Aos meus familiares, que estiveram sempre presentes nos meus pensamentos apesar da
distância.
À orientadora e pesquisadora Constança Simões Barbosa que compartilhou comigo os seus
conhecimentos no campo da Saúde Pública e abriu horizontes rumo à satisfação plena dos
meus ideais profissionais e humanos. É, sem dúvida, uma pessoa especial!!!
A professora Lucilene (Deptº. de Engenharia Cartográfica) que me deu apoio e incentivo
no aprendizado de uma tecnologia inovadora no campo da Saúde Pública.
A companheira Carol (Deptº. de Engenharia Cartográfica) que esteve comigo em todas as
etapas da construção do aplicativo mostrando-se sempre interessada em me ensinar cada
passo dado.
Aos pesquisadores Otávio Pieri e Tereza Favre pelo entusiasmo que sempre tiveram com
esta pesquisa.
A companheira Paula sempre pronta a me ajudar nos momentos que precisei.
Ao mais novo amigo Constantino que contribuiu na pesquisa sem medir esforços.
Aos colegas de turma, Carol, Cristina, Érika, Erlene, Fábio, Geisiane, Luciana, Marinalda,
Odaléia, Sálvea e Sandra, pela inesquecível companhia durante a nossa jornada.
Aos professores do Mestrado pelos conhecimentos transmitidos durante as aulas. Em
especial, ao professor Djalma Agripino.
Aos funcionários do Serviço de Referência para Diagnóstico em Esquistossomose/CPqAM
pela colaboração durante a coleta de dados. Em especial, a Sebastião, Lúcia, e Robson.
Aos funcionários do NESC pela atenção dada em todos os momentos que precisei de
ajuda.
A FIOCRUZ por ser uma renomada instituição fomentadora de conhecimentos.
Aos amigos, companheiros indispensáveis da vida.
A todos que direta ou indiretamente colaboraram com esta pesquisa. Meus sinceros
agradecimentos!
“ N o anseio da luz, sentei-m e aos pés de
m estres, consultei livros de sabedoria,
visitei lugares santos e busquei por toda
parte. E ncontrei um a seta que
apontava para m im m esm a e quando a
busquei em m eu íntim o – onde sem pre
havia estado à m inha espera – ali a
encontrei! Só depois desta
autodescoberta passei a ver a luz nos
instrutores, nos livros e em todos os
lugares.”
James D. Freeman
RESUMO
Os casos de infecção aguda de esquistossomose que vêm ocorrendo em localidades do
litoral de Pernambuco são decorrentes de exposições acidentais provocadas por vários
distúrbios ambientais. A ocupação populacional desordenada da Ilha de Itamaracá criou as
condições ambientais favoráveis para o surgimento de inúmeros criadouros dos moluscos
vetores em locais propícios para a infecção humana. Os SIGs têm se revelado um instrumento
eficaz para mapear os focos de doenças e fazer o seu monitoramento, conduzindo mais
rapidamente a informação local às esferas de decisão. O presente estudo pretendeu
desenvolver um aplicativo empregando SIG para identificação e localização dos focos de
esquistossomose e descrever espacialmente um potencial agravo à saúde, identificando grupos
expostos ao risco de infecção e contribuindo para a vigilância e o monitoramento da saúde de
populações específicas. As praias do Forte e Enseada dos Golfinhos foram eleitas por terem
registro de ocorrência e freqüência de vetores infectados e casos de pessoas contaminadas pelo
parasito. A partir da aquisição dos dados espaciais gráficos e descritivos foi construída a base
cartográfica, georreferenciando a posição espacial do foco ao número de caramujos coletados
e positivos, bem como à taxa de infecção para S. mansoni nas áreas de estudo. Utilizou-se o
programa Autocad 2000 para transformação, para pontos, de cada par de coordenadas
capturadas pelo Sistema de Posicionamento Global (GPS). A disponibilização dos dados foi
realizada por meio de um sistema de consulta com base em SIG, que armazenou todos os
dados espaciais para manipulação e ligação dos atributos descritivos às feições gráficas,
permitindo a visualização, a análise espacial e, principalmente, a atualização desses dados no
sistema. O programa utilizado para esse fim foi o Arcview versão 3.2, onde os resultados
sairam sob forma de mapas temáticos e tabelas. A análise espacial foi realizada através do
programa SPRING 4.0 para geração de grade retangular e aplicação do método de
interpolação através de média ponderada. No período de 1998 a 2002, foram coletados 767
moluscos Biomphalaria glabrata na Enseada dos Golfinhos e 5009 na Praia do Forte, sendo
que 9,5% e 12,2% deles estavam positivos para S. mansoni, respectivamente. Na primeira
localidade, observou-se apenas uma área com foco de esquistossomose mansônica, enquanto
na segunda foram identificados 27 focos da doença em áreas de maior ou menor risco
ambiental. Os mapas temáticos indicam o logradouro, posição espacial de cada foco, número
de caramujos coletados e positivos, taxa de infecção para S. mansoni e os sítios com maior
risco de transmissão da doença. A análise espacial dos focos permitiu a visualização de áreas
expostas a diferentes graus de risco. Os resultados da pesquisa possibilitam oferecer, aos
serviços municipais de saúde, um instrumento que facilita o monitoramento dos focos da
esquistossomose na Ilha de Itamaracá.
Palavras-chave: esquistossomose mansônica; Sistema de informação geográfica (SIG); focos
de transmissão; análise espacial.
ABSTRACT
The cases of acute schistosomiasis infection that are occurring in coastal localities of
Pernambuco results from accidental exposure caused by several environmental disorders. The
disorderly populational occupation of Itamaracá Island created environmental conditions that
favours the outcome of numberless breading places for the vector mollusks in propitious sites
for human infection. The GIS (Global Information Systems) have been an effective
instrument to map the disease foci and to make their monitoring, conveying faster information
to the decision making level. This study aimed to develop an applicative utilizing GIS for
identification and localization of the schistosomiasis foci and to describe spatially a potential
loss of the health, identifying groups exposed to infection risk and contributing for the
surveillance and the monitoring of the health of specific populations. The beaches named
Praia do Forte and Enseada dos Golfinhos were selected because of the records of occurrence
and frequency of infected snails and people contaminated by the parasite. A cartographic base
was built from descriptive and spatial graphic data, georeferencing the spatial position of the
transmission foci with the number of collected and positives snails, as well as the infection
rate for Schistosoma mansoni in each area of study. The Autocad 2000 program was utilized
for transformation, in points, of each coordinate pair captured through Global Position System
(GPS). The data were made available by a GIS-based consultation system that stored all
spatial data for manipulating and linking the descriptive attributes to the graphic features. This
enable the visualization, the spatial analysis and, mainly, the up-date of the data in the system.
For that purpose there was used the Arcview 3.2 program, where the results were showed
through thematic maps and tables. The spatial analysis was carried out through the SPRING
4.0 program to create a rectangular grid and to apply the interpolation method through
weighed average. Between 1998 and 2002, 767 Biomphalaria glabrata snails were collected
in the Enseada dos Golfinhos and 5,009 in the Praia do Forte. Of these totals, 9.5% and 12.2%
were positives for S. mansoni, respectively. In the former locality, only one area with
schistosomiasis foci was identified, while in the latter 27 disease foci were identified in areas
of varying environmental risks. The thematic maps indicate the street name, the spatial
position of the transmission foci, the number of collected and positives snails, the infection
rate for S. mansoni and the sites with greater risk of disease transmission. The spatial analysis
of the transmission foci permited the visualization of sites subject to different degrees of risk.
The results of this work will provide an instrument for the municipal health services that will
facilitate the monitoring and control of transmission sites of schistosomiasis on Itamaracá
Island.
Key words: schistosomiasis mansoni; geographic information system (GIS); transmission foci;
spatial analysis.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1. Localização da área de estudo
Figura 2. Sistema de Posicionamento Global
Figura 3. Modelo de superfície gerada por uma grade retangular
Figura 4. Mapa temático da Enseada dos Golfinhos
Figura 5. Lagoa Constança na Enseada dos Golfinhos
Figura 6. Mapa temático da Enseada dos Golfinhos mostrando a relação dos dados descritivos
com o sistema viário
Figura 7. Mapa temático de localidades da Praia do Forte
Figura 8. Foco de esquistossomose peridomiciliar na Praia do Forte
Figura 9. Mapa temático de localidades da Praia do Forte mostrando a relação dos dados
descritivos com o sistema viário
Figura 10. Potencial de risco para transmissão da esquistossomose mansônica na Praia do
Forte – Ilha de Itamaracá em 1998
Figura 11. Potencial de risco para transmissão da esquistossomose mansônica na Praia do
Forte – Ilha de Itamaracá em 1999
Figura 12. Potencial de risco para transmissão da esquistossomose mansônica na Praia do
Forte – Ilha de Itamaracá em 2000
Figura 13. Potencial de risco para transmissão da esquistossomose mansônica na Praia do
Forte – Ilha de Itamaracá em 2001
Figura 14. Potencial de risco para transmissão da esquistossomose mansônica na Praia do
Forte – Ilha de Itamaracá em 2002
Figura 15. Potencial de risco para transmissão da esquistossomose mansônica na Praia do
Forte – Ilha de Itamaracá entre 1998 e 2002
LISTA DE TABELAS
Tabela 1. Proporção (%) de Biomphalaria glabrata positivos (POS) para S. mansoni entre os
coletados (COL) no período climático pós-chuvas de acordo com os logradouros. Praia do
Forte e Enseada dos Golfinhos, Itamaracá, PE, set. a dez. de 1998 a 2002.
SUMÁRIO
RESUMO
ABSTRACT
LISTA DE FIGURAS
LISTA DE TABELAS
1 – INTRODUÇÃO 14
1.1 – A Esquistossomose Mansônica 14
1.2 – A Esquistossomose Mansônica em Pernambuco 17
1.3 – Esquistossomose e Ambiente 20
1.4 – Os sistemas de informação geográfica e o controle das doenças endêmicas 22
1.5 – Modelos computacionais para controle da esquistossomose 27
1.6 – Análise espacial 28
1.7 – Justificativa 30
2 - OBJETIVOS 31
2.1 – Geral 31
2.2 – Específicos 31
3 – PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS 32
3.1 – Área de estudo 32
3.2 – Desenho do estudo 33
3.3 – Coleta de dados do inquérito malacológico 33
3.4 – Análise dos dados do inquérito malacológico 35
3.5 – Análise e processamento dos dados espaciais 36
4 - RESULTADOS 42
5 - DISCUSSÃO 59
6 - CONCLUSÕES 64
7 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 65
14
1 – INTRODUÇÃO
1.1 - A Esquistossomose Mansônica
A esquistossomose mansônica afeta cerca de 200 milhões de pessoas em várias
regiões do mundo. Seu agente etiológico é o Schistosoma mansoni um parasita
trematódeo digenético. A distribuição geográfica de S. Mansoni no Continente
Americano é ampla, sendo encontrado em Porto Rico, República Dominicana, Santa
Lúcia, Guadalupe, Martinica, St. Kitts, Suriname, Venezuela e Brasil.
No Brasil, a doença é considerada endêmica e apresenta cerca de 8 milhões de
indivíduos parasitados (SOUZA; LIMA, 1990). Sua distribuição é observada na faixa
litorânea que compreende desde a região Norte até a região Sul, apresentando-se como
endêmica em vários estados do Nordeste e como áreas focais em alguns estados da
região Sudeste.
A gravidade que assume a doença - em muitos casos - e o déficit orgânico que
produz fazem da esquistossomose um dos mais sérios problemas de saúde pública no
mundo. No Brasil, a doença é conhecida popularmente por “xistossomose”, “xistosa” ou
“doença do caramujo”, assim como por “barriga d’água”, devido à ascite que
acompanha as formas mais graves, com fibrose hepática (REY,1991). As maiores
prevalências são encontradas em populações de áreas rurais e nos grupos sociais
subempregados e desempregados, em geral, com baixos níveis de escolaridade
(LOUREIRO, 1989).
A introdução da esquistossomose no Brasil é explicada pela vinda de escravos
negros trazidos da África já infectados com S. mansoni para trabalhar nas lavouras
15
canavieiras do Nordeste e nos plantios de café no Sudeste do Brasil. Nestas regiões, o
agente etiológico encontrou hospedeiros suscetíveis e um ecossistema adequados para a
transmissão da parasitose (SILVA, 1985).
O homem é o hospedeiro definitivo principal, embora alguns roedores,
marsupiais, carnívoros, silvestres e ruminantes já tenham sido encontrados naturalmente
infectados no Brasil. As três espécies de moluscos vetores responsáveis pela
transmissão no Brasil são Biomphalaria glabrata, B. straminea e B. tenagophila (REY,
1991). B. glabrata é a principal hospedeira do S. mansoni e sua distribuição geográfica
coincide em grande parte com a da área de ocorrência de esquistossomose. B. straminea
tem ampla distribuição geográfica no país, sendo a principal hospedeira de S. Mansoni
na região Nordeste e em focos isolados no Pará (Fordlândia e Belém) e Goiás (Goiânia),
embora apresente taxas de infecção natural consideradas baixas se comparadas as de B.
Glabrata. B. Tenagophila é hospedeira do S. mansoni responsável pelos focos de
transmissão encontrados nos estados do Rio de Janeiro; Santa Catarina; São Paulo (no
Vale da Paraíba) e em Minas Gerais (nos municípios de Jaboticatubas, Itajuá e Belo
Horizonte) (SOUZA; LIMA, 1990).
Os ovos do S. mansoni são eliminados pelas fezes do hospedeiro definitivo
(homem). Na água, estes eclodem, liberando uma larva ciliada denominada miracídio
que infecta o caramujo vetor. Após 4 a 6 semanas, os moluscos infectados começam a
eliminar uma quarta forma larvária – cercárias – que nada ativamente em busca do
hospedeiro definitivo. O contato humano com águas infectadas pelas cercárias é a
maneira pela qual o indivíduo adquire a esquistossomose (M.S. FNS/CENEPI, 1998).
Admite-se, geralmente, que cada fêmea do S. mansoni produz em torno de 300 ovos
16
diários. Destes, estima-se que cerca de 25 a 30% são eliminados nas fezes, o restante
ficando retido nos tecidos, particularmente, nos intestinos (grosso e delgado) e no
fígado, onde são destruídos (COUTINHO; DOMINGUES, 1993).
A transmissão da doença depende da contaminação fecal em ambientes
aquáticos e da existência de pessoas infectadas que apresentam contato freqüente com
as coleções de água doce colonizadas por moluscos vetores suscetíveis (PIERI, 1995).
A expansão da doença está ligada à distribuição geográfica do caramujo hospedeiro
intermediário e a sua compatibilidade com as diferentes linhagens do parasita
(HAGAN; GRYSEELS, 1994).
As principais formas clínicas da doença são devidas aos ovos do parasita presos
no fígado causando hepatomegalia e patologia associada (BERGQUIST, 1995). A
infecção, na maioria dos pacientes em áreas endêmicas, dá-se na infância, mas não é
acompanhada de sintomas importantes, passando sem diagnóstico. O curso da doença
depende do tipo de reações ocorridas na fase de invasão, das mudanças provocadas pelo
amadurecimento dos vermes e pela oviposição que se segue, bem como da maneira que
o organismo do paciente reage à presença dos ovos de Schistosoma (REY, 1991;
TANABE et al., 1997).
A doença esquistossomótica evolui no hospedeiro definitivo de acordo com a
idade em que ocorreu a primeira exposição, a freqüência de exposições, a intensidade da
infecção e o estado imunológico do indivíduo, permitindo classificar os pacientes de
acordo com as seguintes formas clínicas da esquistossomose mansônica: intestinal,
hepatointestinal e hepatoesplênica (DOMINGUES; DOMINGUES, 1994).
17
1.2 – A Esquistossomose Mansônica em Pernambuco
As prevalências mais elevadas da doença encontram-se na região Nordeste,
sendo que 15,2% correspondem ao Estado de Pernambuco (KANO, 1992). Nesse estado
a esquistossomose é historicamente endêmica na região rural em localidades onde as
taxas de infecção humana variam de 12% - 82%. A prevalência e a intensidade da
infecção nas comunidades de Pernambuco afetadas pela doença estão condicionadas à
práticas culturalmente moldadas como: atividades econômicas, de lazer ou domésticas,
peculiares em cada localidade (BARBOSA, 1998; GONÇALVES et al., 1990; PIERI et
al., 1998).
Recentemente, casos humanos de infecção aguda têm sido detectados em praias
onde a doença está sendo introduzida devido à ausência de planejamento social e
econômico na ocupação desses espaços. A falta de opção de trabalho para o homem do
campo vem levando a um crescente êxodo rural por melhores condições de vida,
direcionado aos centros urbanos e pólos turísticos litorâneos. Deste modo, indivíduos
infectados pelo parasito acabam por contaminar os criadouros de moluscos existentes no
litoral. Este fato tem sido comprovado através de focos de vetores da esquistossomose
encontrados em localidades litorâneas do Estado, além de novos sítios de transmissão
ativa da doença detectados em praias de turismo e veraneio de classe média alta
(BARBOSA et al., 1996, 1998, 1998 a, 2000, 2001).
Como conseqüência, vem se notando uma mudança no perfil epidemiológico
desta endemia, em Pernambuco. Em áreas rurais, a esquistossomose se apresenta
predominantemente sob a forma crônica, incidindo na classe social de baixa renda e
18
tendo como vetor B. straminea. No litoral, a doença é representada por casos agudos
em pessoas de classe média e alta, sendo o vetor B. glabrata (BARBOSA et al., 2001).
Resultados preliminares de levantamentos malacológicos realizados em
municípios do litoral pernambucano apontam 12 novos focos de esquistossomose em
localidades praianas do Estado (BARBOSA et al., 2003). O mais importante evento
epidemiológico relacionado à esquistossomose ocorreu na praia de Porto de Galinhas
por ocasião de uma epidemia de esquistossomose aguda em setembro de 2000, com 410
casos agudos registrados. O fato foi decorrente de distúrbios ambientais acidentais
causados pela ação humana e por inundações (BARBOSA et al., 2001).
A exploração crescente dessas zonas de veraneio e lazer vem atraindo um
contingente considerável de turistas, além dos habitantes locais. A expansão da endemia
para o litoral de Pernambuco decorre do crescimento e da ocupação populacional
descontrolada desses espaços urbanos com conseqüentes distúrbios ambientais. A
população dessas localidades, formada por moradores permanentes e por veranistas, não
costuma ter contato obrigatório com os focos, uma vez que é servida por sistema
público de abastecimento de água ou por poços artesianos. Os casos de infecção aguda
que vêm ocorrendo em localidades do litoral são decorrentes de exposições acidentais
causadas por distúrbios ambientais de diversas ordens (BARBOSA et al., 2001).
Um exemplo desta situação é a Ilha de Itamaracá, situada ao norte do Estado,
distante apenas 42km da cidade do Recife. Nesta Ilha, áreas pantanosas ou de
manguezais foram destruídas e aterradas para a construção de condomínios residenciais
e de veraneio, sem que antes fossem construídos sistemas que permitissem o
escoamento das águas pluviais. Por ocasião da construção dos condomínios, as lagoas
19
de água doce que abrigavam o molusco transmissor foram contaminadas pelas fezes dos
trabalhadores da construção civil oriundos de áreas rurais endêmicas. Atualmente, nos
meses chuvosos, essas lagoas transbordam e os moluscos vetores invadem ruas e
quintais, infectando pessoas sadias (BARBOSA et al., 2000).
20
1.3 – Esquistossomose e Ambiente
No processo saúde-doença os fatores ambientais são fundamentais para a
ocorrência de diversas doenças. O conhecimento da variação espacial e temporal da
incidência das doenças concomitantemente com situações ambientais especificadas é
importante para o planejamento de ações de prevenção e controle das mesmas
(MEDRONHO, 1995).
O espaço é “entendido como um conjunto indissociável, solidário e também
contraditório, de sistemas de objetos e sistemas de ações, não considerados
isoladamente, mas como o quadro único no qual a história se dá” (SANTOS, 1996).
A Saúde Pública e o ambiente estão intrinsecamente influenciados pelos padrões
de ocupação do espaço. Não basta descrever as características das populações, mas é
necessário localizar o mais precisamente possível onde estão acontecendo os agravos,
que serviços a população está procurando, o local de potencial risco ambiental e as áreas
onde se concentram situações sociais vulneráveis (CARVALHO et al., 2000).
As relações entre saúde e ambiente podem ser evidenciadas através da análise de
características epidemiológicas das áreas próximas às fontes de contaminação e pela
identificação de fatores ambientais adversos em locais onde há concentração de agravos
à saúde. Além disso, é possível monitorar ações de saneamento e tendências das
doenças preveníveis após ações do meio e melhoria da qualidade de vida em função de
obras realizadas (ELIAS; TINEM, 1995).
Freqüentemente, por estratégia de sobrevivência, as populações marginalizadas
são obrigadas a realizar modificações ambientais e a apresentar comportamentos que
21
acarretam riscos individuais e coletivos. A obrigatoriedade de acesso a algumas poucas
coleções de água e a ausência de destino adequado dos dejetos têm resultado na
presença de transmissão da esquistossomose nas periferias de diversas cidades e,
mesmo, em regiões metropolitanas (SABROZA et al., 1992).
Atualmente, recomenda-se que o controle da esquistossomose seja baseado em
medidas integradas; dentre estas, o combate aos hospedeiros intermediários é
considerado imprescindível, destacando-se, para esse fim, o uso de modificações
ambientais (GIOVANELLI et al., 2001).
O encaminhamento de soluções para problemas de habilitação, trabalho,
saneamento e saúde, e novos modelos de participação comunitária, de relações com o
ambiente, de organização política e de serviços públicos nas áreas urbanas são da maior
prioridade. Assim, modelos adequados de organização de serviços de proteção à saúde e
ao ambiente e o desenvolvimento de novas estratégias de financiamento e controle
social da utilização dos recursos são indispensáveis (SABROZA; LEAL, 1992).
Desde a recente reforma sanitária, os serviços municipais de saúde são a
instância responsável pelo controle dos agravos à saúde na população local, incluindo a
esquistossomose, cujo controle está relacionado ao manejo ambiental e saneamento
básico. Para este fim, é de suma importância para o município o conhecimento sobre a
localização exata dos focos de transmissão da doença e do seu espaço de atuação. Desta
forma, os gestores de saúde e ambiente poderão planejar e operacionalizar as ações de
controle.
22
1.4 – Os Sistemas de Informação Geográfica e o Controle das Doenças
Endêmicas
O conhecimento detalhado das condições ambientais de saúde da população
pode ser feito através de mapas que permitam observar a distribuição espacial de
situações de risco e dos problemas de saúde (CARVALHO et al., 2000).
A origem dos estudos da geografia médica remonta à antiguidade, iniciando-se
talvez com a própria história da medicina. A primeira obra referente ao tema, publicada
em torno do ano 480 a.C., é atribuída a Hipócrates e denomina-se “Ares, Águas e
Lugares”. Hipócrates analisou com minúcias os principais fatores geográficos e
climáticos que influíam na ocorrência de endemias e epidemias (ANDRADE, 2000).
Há mais de um século epidemiologistas e outros cientistas médicos começaram a
explorar o potencial de mapas para o entendimento da dinâmica espacial das doenças.
Um dos estudos pioneiros sobre uso de mapas na ciência médica foi realizado por John
Snow, entre 1849 a 1854, na área do Soho, em Londres, no clássico “On the Mode of
Communication of Cholera in London, 1855” (SNOW, 1999).
Snow descreveu a mortalidade por cólera ao longo do Rio Tâmisa onde
conseguiu identificar que as áreas que recebiam a água transportada das partes mais
baixas do rio, por uma das companhias, eram as mais afetadas (OPAS, 2002). Partindo
da hipótese que a cólera era transmitida através da água, Snow usou mapas para mostrar
a distribuição geográfica das mortes pela doença na região de Soho em Londres,
demonstrando uma associação espacial entre mortes por cólera e suprimento de água
(MEDRONHO, 1995).
23
O desenvolvimento histórico da geografia médica, incluindo pesquisas
aplicadas, torna evidente a importância deste campo. As questões espaciais relacionadas
ao processo saúde-doença têm sido objeto de estudos de grupos de geógrafos de vários
países. No Brasil, observa-se uma tendência ao incremento de pesquisas, mesmo de
forma isolada, entre alguns geógrafos e epidemiologistas (ANDRADE, 2000).
Um importante instrumento a ser utilizado na descrição e análise da situação de
saúde subsidiando as ações de gestão em saúde é o Sistema de Informação Geográfica –
SIG (OPAS, 1996). O SIG é uma tecnologia computacional poderosa que possibilita a
análise de grandes quantidades de informação dentro de um contexto geográfico (VINE
et al., 1997). Os SIG são estruturas de processamento eletrônico de dados que permitem
a captura, armazenamento, manipulação, análise, demonstração e relato de dados
referenciados geograficamente (SANSON et al., 1991).
O marco conceitual dos SIG consiste em entrada, armazenamento,
processamento e saída. As entradas (inputs) incluem a coleta de dados geográficos ou
espaciais e dados de atributo ou características relacionadas com a população ou área
geográfica e o seu entorno. A coleta de dados pode ser feita por levantamento de campo
diretamente ou acessando diferentes bancos de dados ou, ainda, mediante métodos
remotos, como por satélites. O armazenamento em forma digital dos dados é feito em
bancos de dados para sua posterior utilização. Em seguida, procede-se a sua
recuperação, transformação, análise e, finalmente, os dados são transformados em
informação na forma de mapas, gráficos e tabelas para sua apresentação e interpretação
(saída ou resultado – output) (OPAS, 2002).
24
Os SIG proporcionam facilidades na execução de atividades, como
planejamento, análise, gerenciamento e monitoração, sobretudo quanto à manipulação
de dados gráficos e não-gráficos. Os dados gráficos são dados associados a fenômenos
do mundo real em relação aos quais se privilegia, para fins de análise, seus atributos de
localização e extensão sobre uma representação gráfica. Os dados não-gráficos são
dados que privilegiam as características temáticas dos fenômenos do mundo real de
forma a permitir sua identificação, classificação e o estabelecimento de relações
relevantes (NAJAR; MARQUES, 1998).
As ferramentas gráficas que melhor se adaptam às necessidades do SIG são os
sistemas CAD – Computer Aided Design. O SIG baseado em CAD possui
características como (CÂMARA; DAVIS, 2000):
• Gerenciamento de dados gráficos feito por um pacote de CAD, geralmente
externo ao SIG;
• Gerenciamento de dados alfanuméricos feito por um gerenciador de bancos de
dados relacional externo, geralmente padrão de mercado, externo ao SIG;
• Possibilidade de manipulação direta dos arquivos gráficos utilizando o sistema
CAD “por fora” do SIG.
O programa ARC/VIEW – interface gráfica do ARC/INFO para Windows
(CARVALHO et al., 2000) possui características como (CÂMARA; DAVIS, 2000):
• Gerenciamento em separado de dados gráficos e tabelas;
• Armazenamento de gráficos em estruturas proprietárias;
• Armazenamento de dados alfanuméricos em banco de dados relacional;
• Capacidade de processar dados vetoriais, grades e imagens.
25
A principal característica de um SIG é focalizar o relacionamento de
determinado fenômeno da realidade com sua localização espacial (MEDRONHO,
1995). Os avanços na tecnologia da informação e a facilidade do SIG em integrar
grandes bancos de dados e produzir mapas de forma dinâmica têm contribuído para sua
ampla difusão em diversas áreas de estudo, inclusive, na saúde pública (OPAS, 2002).
Porém, a aplicação dos SIG em epidemiologia e saúde pública ocorreu apenas
recentemente. As razões para o atraso da aplicação do SIG em saúde são (OPAS, 2002):
� Conhecimento limitado dos métodos, técnicas e processos dos SIG;
� Falta de ferramentas computadorizadas simplificadas para a análise
epidemiológica.
Os SIGs surgiram na Saúde Pública para melhorar as possibilidades da descrição
e análise espacial das doenças em grandes conjuntos de dados georreferenciados. A
capacidade de executar múltiplos questionamentos sobre o conjunto de dados, junto
com o uso de alta resolução gráfica, tem facilitado a obtenção de informações relevantes
(MEDRONHO, 1995). Dentre as aplicações do SIG no campo da Saúde Pública,
destacam-se (OPAS, 1996):
• Descrição espacial de um evento de saúde;
• Identificação de riscos ambientais e ocupacionais;
• Análise de situação de saúde em uma dada área geográfica;
• Análise dos padrões ou diferenças na situação de saúde em diversos níveis de
agregação;
• Geração de hipóteses de pesquisas operacionais e novas áreas de estudo;
• Planejamento e programação de atividades em saúde pública;
26
• Avaliação de intervenções em saúde.
27
1.5 – Modelos Computacionais para controle da Esquistossomose
Em 1998, foi criada a Regional Network on Asian Schistosomiasis (RNAS) em
Wuxi, República da População da China, com capacidade para facilitar a transferência
de conhecimento a respeito de pesquisa, vigilância, controle e outras informações
relacionadas com a esquistossomose asiática. Esta rede possui website disponível nas
versões inglesa e chinesa com endereço URL: http://www.rnas.org . Uma sub-rede
sobre o uso de sistemas de informação geográfica (GIS) e sensoriamento remoto (RS)
para vigilância, prevenção e controle da esquistossomose foi produzida para acesso no
website RNAS a fim de trocar informações e experiências sobre atividades de pesquisa
com GIS/RS (ZHOU et al., 2002).
Em 2000, uma rede global que utiliza SIG para o controle de doenças veiculadas
por moluscos foi criada por um grupo que envolve a Organização Mundial da Saúde
(WHO), Organização de Agricultura e Alimentos (FAO), Universidade do Estado da
Louisiana (LSU) e o Laboratório Dinamarquês de Bilharziasis (DBL). O site de Internet
www.GnosisGIS.org ( Rede global em infecções veiculadas por molusco com referência
especial para Esquistossomose utilizando SIG) foi iniciado para permitir interação dos
pesquisadores como um “grupo de pesquisa virtual” (MALONE et al., 2001).
28
1.6 – Análise Espacial
A cartografia computadorizada, utilizada desde a década de 60 e intensificada
nas décadas seguintes, possibilitou o refinamento na interpretação dos dados e o uso de
novas técnicas de análise. Técnicas sofisticadas da estatística e da cartografia vêm sendo
incorporadas, em particular técnicas multivariadas que objetivam explorar as
associações ambientais, sociais e físicas com as doenças (ANDRADE, 2000).
O estudo dos padrões de distribuição geográfica das doenças e suas relações com
fatores sócio-ambientais de risco, constituem-se no objeto do que hoje chama-se de
Epidemiologia Geográfica, que tem se constituído em campo de aplicação de métodos
de análise cada vez mais sofisticados na área da estatística (SHIMAKURA et al. 2001).
A noção de dependência espacial parte do que se convencionou chamar de
primeira lei da geografia: “todas as coisas são parecidas, mas coisas mais próximas se
parecem mais que coisas mais distantes”. A dependência espacial está presente em todas
as direções e fica mais fraca na medida em que aumenta a dispersão na localização dos
dados (CÂMARA et al., 2000).
As técnicas de análise espacial são orientadas pela natureza dos dados coletados.
Existem diferentes técnicas para proceder à análise quando os dados estão disponíveis
como: informações sobre fatores ambientais de caráter contínuo; informações sobre
fluxo e acesso; dados relativos à localização precisa de eventos no espaço; dados
relativos a áreas (BAILEY, 2001).
29
A análise espacial é composta por um conjunto de procedimentos encadeados
cuja finalidade é a escolha de um modelo inferencial que considere explicitamente o
relacionamento espacial presente no fenômeno (CÂMARA et al., 2000).
As questões espaciais relacionadas ao processo saúde-doença – alocação dos
serviços de saúde e distribuição das doenças – têm sido objeto de estudos de grupos de
geógrafos de vários países. No Brasil, observa-se uma tendência ao incremento de
pesquisas, mesmo que de forma isolada, entre alguns geógrafos e epidemiologistas
(ANDRADE, 2000).
30
1.7 – Justificativa
A relevância desse estudo está baseada na descrição espacial de um potencial
agravo à saúde, identificando grupos expostos ao risco de infecção e, desta forma,
contribuindo para a vigilância e o monitoramento da saúde de populações específicas.
31
2 - OBJETIVOS
2.1 - Geral
Desenvolver um aplicativo empregando Cartografia e SIG para identificação e
localização dos focos de esquistossomose, construindo mapas de risco ambiental.
2.2 - Específicos
Empregar Cartografia para identificar a posição espacial da ocorrência dos focos
da esquistossomose;
Circunscrever, espacialmente, as áreas de riscos biológicos e ambientais destes
focos;
Observar a evolução temporal das áreas de risco em determinada localidade;
Contribuir para o planejamento das ações de controle da esquistossomose.
32
3 – PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
3.1 – Área de estudo
As áreas de estudo, Praia do Forte e Enseada dos Golfinhos, estão localizadas na
Ilha de Itamaracá (Figura 1), situada no litoral Norte de Pernambuco, que possui
extensão territorial de 67 km2 com população estável de 15.854 habitantes, sendo
12.930 correspondente à zona urbana e 2.924 à zona rural (FIDEM, 2001). A ilha está
localizada a 47,5 km da cidade do Recife e possui os seguintes limites: norte (Goiana);
sul (Igarassu); leste (Oceano Atlântico) e oeste (Itapissuma). No verão, as praias da ilha
são freqüentadas por veranistas e turistas.
Figura 1. Localização da área de estudo
33
Inquéritos malacológicos, realizados pela equipe do Centro de Pesquisas Aggeu
Magalhães (CPqAM) da FIOCRUZ entre 1998 a 2002 nessas localidades, identificaram
criadouros de moluscos vetores, com exemplares de B. glabrata naturalmente
infectados, caracterizando a ocorrência de transmissão ativa da doença. Casos humanos
agudos da doença ocorreram na Ilha (GONÇALVES et al., 1992), cuja infecção ocorreu
devido às modificações ambientais realizadas na área.
O critério de eleição dessas áreas foi o fato de ambas serem localidades onde
existem registros recentes de ocorrência de caramujos infectados e detecção de casos
humanos da doença (BARBOSA et al., 2000).
3.2 – Desenho do Estudo
Trata-se de um estudo epidemiológico descritivo, de corte transversal, a partir de
dados primários resultantes de inquérito malacológico.
3.3 – Coleta de Dados do Inquérito Malacológico
As seguintes etapas foram realizadas para o inquérito malacológico:
� Eleição das localidades para o estudo
As duas localidades do estudo foram elegidas por terem tido
ocorrência de “casos índices”, ou seja, pessoas contaminadas pelo
parasito que procuraram o Serviço de Referência para
34
Diagnóstico em Esquistossomose do CPqAM/FIOCRUZ
tiveram diagnóstico parasitológico positivo para S. mansoni e
foram definidas como casos autóctones da doença.
� Elaboração dos croquis das localidades
Foram elaborados croquis das localidades do estudo onde
constavam todas as coleções hídricas disponíveis (perenes ou
temporárias), ruas e residências aglomeradas por quadras.
� Coleta dos moluscos
Em cada coleção hídrica identificada como criadouro – pela
presença do molusco vetor – foram demarcadas estações de coleta
para captura dos caramujos. Foram definidas coleções hídricas
perenes e não perenes cujo volume de água variava de acordo
com os índices pluviométricos anuais: lagoas perenes, charcos
sazonais em terrenos alagadiços, valas e poças nas ruas. Os
caramujos foram coletados pelo método de OLIVIER &
SCHNEIDERMAN (1956) observando a técnica de
homem/minuto/conchada.
� Identificação dos caramujos
Os caramujos coletados foram conduzidos ao laboratório do
Serviço de Referência para Diagnóstico em Esquistossomose
para a identificação da espécie através da Técnica de Dissecção
do Aparelho Genital (DESLANDES, 1951).
� Diagnóstico parasitológico do vetor
35
A verificação da infecção dos moluscos para S. mansoni foi realizada através da:
• Técnica clássica de exposição à luz para estimular a eliminação de cercárias de
S. mansoni (SOUZA et al. 1990) conforme descrição:
Os moluscos são lavados e colocados individualmente em vidros
pequenos, com cerca de 3ml de água e expostos a foco de luz (lâmpada
de 60w), durante 30 a 40 minutos. Decorrido o tempo de exposição, a
água dos frascos é examinada com auxílio de lupa para verificar a
presença ou não de cercárias. A taxa de infecção do lote de moluscos é
dada pelo número de indivíduos positivos para S. mansoni encontrados
em relação ao total de moluscos examinados.
3.4 – Análise dos dados do Inquérito Malacológico
Nas fichas de malacologia resultantes desse inquérito foram incluídos dados
referentes ao número de caramujos – coletados e positivos para S mansoni – por ano e
por estação de coleta. Cada criadouro com moluscos positivos foi considerado como
foco de transmissão da doença. A unidade de análise desse estudo foi o foco de
transmissão identificado, com sua localização e posição espacial. As variáveis de
inclusão foram: o número de caramujos coletados e o número de caramujos positivos
para S. mansoni nos anos de 1998, 1999, 2000, 2001 e 2002.
36
3.5 – Análise e Processamento dos Dados Espaciais
Para criação da base cartográfica, adquiriu-se os dados gráficos, em meio digital,
junto à Fundação de Desenvolvimento Municipal – FIDEM. Esses dados são compostos
pela Carta de Nucleação Norte da Região Metropolitana do Recife (1997), escala de
1:20.000, e pelas Plantas Cadastrais Topográficas – PCT do Projeto UNIBASE, escala
de 1:1.000, de números: 94/77:00, 94/75:05, 93/77:00 e 93/77:05.
A Carta de Nucleação Norte foi a base cartográfica preliminar para a localização
das áreas em estudo e por conseqüência a localização da numeração das PCTs. A base
final é composta pela junção das quatro PCTs, onde contém: quadras, lotes, edificações
e as toponímias (nome do logradouro e número das edificações).
Os dados descritivos (logradouro, posição espacial dos focos, número dos
caramujos examinados e positivos) foram adquiridos parte em pesquisa de campo e
parte por dados preexistentes do Serviço de Referência para Diagnóstico em
Esquistossomose no período de 1998 a 2002. Para a localização espacial dos focos, foi
utilizado método absoluto com o posicionamento instantâneo de um ponto, coletado
através de um receptor GPS (Global Positioning System) de navegação GARMIN, cuja
captura das coordenadas geográficas foram feitas em sistema de projeção UTM e de
referência elipsoidal SAD69. Esses atributos foram tratados e organizados em uma
planilha do Microsoft Excel 2000.
O Sistema de Posicionamento Global, conhecido por GPS (Global Positioning
System) ou NAVSTAR-GPS (Navigation Satellite with Time And Ranging), é um
37
sistema mundial de rádio-navegação desenvolvido pelo Departamento de Defesa dos
Estados Unidos da América (DoD-Department Of Defense).
A concepção do sistema permite que um usuário, em qualquer local da
superfície terrestre, tenha a sua disposição, no mínimo, quatro satélites que podem ser
rastreados. Este número de satélites permite o posicionamento em tempo real (Figura 2).
Figura 2. Sistema de Posicionamento Global
A idéia básica do princípio de navegação consiste da medida das chamadas
pseudo-distâncias entre o usuário e quatro satélites. Conhecendo as coordenadas dos
satélites num sistema de referência apropriado, é possível calcular as coordenadas da
antena do usuário com respeito ao mesmo sistema de referência dos satélites
(CEUB/ICPD, 2000).
38
Além das coordenadas geográficas (latitude e longitude), a maioria das cartas de
grande e média escalas, em nosso País, também é construída com coordenadas plano-
retangulares. Estas coordenadas formam um quadriculado relacionado à Projeção
Universal Transversa de Mercator (UTM).
O espaço entre as linhas do quadriculado UTM é conhecido como eqüidistância
do quadriculado e será maior ou menor de acordo com a escala da carta. O sistema de
medida usado é o linear em metros, cujos valores são sempre números inteiros, sendo
registrados nas margens da carta.
Assim, o quadriculado UTM está estreitamente relacionado à projeção com o
mesmo nome, a qual divide a Terra em 60 fusos de 6° de longitude cada um. O
quadriculado, se considerado como parte integrante de cada fuso, tem sua linha vertical
central coincidente com o Meridiano Central (MC) de cada fuso.
A origem das medidas do quadriculado é o cruzamento do MC com o Equador,
ao qual foram atribuídos arbitrariamente os seguintes valores: para o Meridiano Central,
500.000mE, determinando as distâncias em sentido Leste/Oeste, e para o Equador,
10.000.000m para o Hemisfério Sul, e 0m, para o Hemisfério Norte (CEUB/ICPD,
2000).
Na fase de processamento dos dados, realizado no programa Autocad 2000,
seguiram-se as seguintes etapas: transformação, para pontos, de cada par de
coordenadas capturadas pelo GPS; edição das feições das PCTs para a eliminação
duplicada das entidades; transformação dos segmentos de linhas em polígonos
39
fechados; homogeneização dos layers (planos de informações) e correção da toponímia
da base cartográfica.
A disponibilização dos dados foi realizada por meio de um sistema de consulta
com base em SIG, que armazenou todos os dados espaciais para manipulação e ligação
dos atributos descritivos às feições gráficas, permitindo a visualização, a análise
espacial e, principalmente, a atualização desses dados no sistema. O programa utilizado
para esse fim foi o Arcview 3.2, onde os resultados sairam sob forma de mapas
temáticos, tabelas e relatórios.
A análise espacial foi realizada através do programa SPRING versão 4.0 para
geração de grade retangular. A grade retangular ou regular é um modelo digital que
aproxima superfícies através de um poliédro de faces retangulares (Figura 3). Os
vértices desses poliedros podem ser os próprios pontos amostrados, caso estes tenham
sido adquiridos nas mesmas localizações xy que definem a grade desejada.
Figura 3. Modelo de superfície gerada por uma grade retangular
40
A geração de grade regular ou retangular deve ser efetuada quando os dados
amostrados na superfície não são obtidos com espaçamento regular. Assim, a partir das
informações contidas nas isolinhas ou nos pontos amostrados, gera-se uma grade que
representa de maneira mais fiel possível a superfície. Os valores iniciais a serem
determinados são os espaçamentos nas direções x e y de forma que possam representar
os valores próximos aos pontos da grade em regiões com grande variação. Ao mesmo
tempo, devem reduzir redundâncias em regiões quase planas.
O espaçamento da grade, ou seja, a resolução em x ou y, deve ser idealmente
menor ou igual a menor distância entre duas amostras com cotas diferentes. Ao se gerar
uma grade muito fina (densa), com distância entre os pontos muito pequena, existirá
um maior número de informações sobre a superfície analisada, porém necessitará maior
tempo para sua geração. Ao contrário, considerando distâncias grandes entre os pontos,
será criada uma grade grossa, que poderá acarretar perda de informação. Desta forma
para a resolução final da grade, deve haver um compromisso entre a precisão dos dados
e do tempo de geração da grade.
Uma vez definida a resolução e consequentemente as coordenadas de cada ponto
da grade, pode-se aplicar um dos métodos de interpolação para calcular o valor
aproximado da elevação.
Média Ponderada - o valor de cota de cada ponto da grade é calculado a partir da
média ponderada das cotas dos 8 vizinhos mais próximos a este ponto, porém atribui-se
pesos variados para cada ponto amostrado através de uma função que considera a
distância do ponto cotado ao ponto da grade.
41
d = ((x - x0)2 + (y - y0)
2)1/2 d = distância euclidiana do ponto interpolante ao vizinho i
w(x,y) = (1/d)u=1 u = 1 = expoente da função de ponderação
onde:
w(x,y) = função de ponderação
f(x,y) - função de interpolação
Este interpolador produz resultados intermediários entre o interpolador de média
simples e os outros interpoladores mais sofisticados, com tempo de processamento
menor.
42
4 – RESULTADOS
Inquérito Malacológico
Os resultados do inquérito malacológico realizado pelo
SRDEM/CPqAM/FIOCRUZ nas duas localidades estudadas no período climático pós-
chuvas (SET-DEZ) encontram-se na Tabela 1. No período de 1999 a 2002, foram
coletados 767 caramujos na Enseada dos Golfinhos, sendo que 9,5% estavam positivos
para S. mansoni. Dos 5009 caramujos coletados no período de 1998 a 2002, na Praia do
Forte, 12,2% apresentaram positividade para S. mansoni.
De acordo com a tabela 1, verificou-se que, no ano 2000, foram coletados 2784
caramujos na Praia do Forte e 570 na Enseada dos Golfinhos, sendo que a positividade
para S. mansoni correspondeu a 289 e 54 caramujos, respectivamente.
Na Enseada dos Golfinhos, o vetor Biomphalaria glabrata foi encontrado numa
lagoa perene e ocasionalmente em poças temporárias na principal rua da localidade. Por
outro lado, na Praia do Forte, a mesma espécie vetora estava presente em duas lagoas de
água doce, em charcos sazonais em terrenos alagadiços, valas e poças temporárias nas
ruas.
Considerando-se os logradouros de ambas as localidades, observa-se que a taxa
de infecção natural variou de 4,3% a 28,8% durante o período de estudo.
43
44
Mapas Temáticos
As bases de dados das localidades Enseada dos Golfinhos e Praia do Forte
compreenderam dados gráficos e descritivos, sendo que estes foram inseridos na tabela
do ARCVIEW. Nas duas localidades foram mapeados 28 focos de esquistossomose,
correspondendo estes a sítios de transmissão ativa da doença.
Na Enseada dos Golfinhos (Figura 4), observou-se apenas uma área com foco de
esquistossomose mansônica, a qual foi representada por um par de coordenadas
capturadas por GPS.
Figura 4. Mapa Temático da Enseada dos Golfinhos
45
A Lagoa Constança (Figura 5) está localizada dentro de um lote de terreno na
Praia Enseada dos Golfinhos o qual possui uma edificação. Esta área corresponde ao
maior foco em extensão desse estudo, onde são encontradas densas populações de
Biomphalaria glabrata.
Figura 5. Lagoa Constança na Enseada dos Golfinhos
46
A Figura 6 mostra a relação dos dados descritivos representados pelo número de
caramujos coletados e positivos no período de 1999 a 2002, pela taxa de infecção para
S. mansoni e o sistema viário representado pela Rua Eduardo Spinelli Carneiro Pinto.
Esta rua é a principal via de acesso da Enseada dos Golfinhos e dela pode-se observar o
foco de esquistossomose situado numa lagoa.
Figura 6. Mapa Temático da Enseada dos Golfinhos mostrando a relação dos
dados descritivos com o sistema viário
47
Na Praia do Forte (Figura 7), foram identificados 27 focos de esquistossomose
com coordenadas, sendo observados em vários tipos de feições gráficas: sistema viário e
quadras (foco peridomiciliar), edificações (foco intradomiciliar), lagoas. Nesta
localidade, os dados descritivos podem ser visualizados no aplicativo (SIG) através do
sistema viário, o qual contém informações sobre o número de caramujos coletados e
positivos e a taxa de infecção para S. Mansoni em cada ano estudado.
As principais vias de acesso à praia correspondem às ruas: Araras, Coqueiros,
Dr. Walter C. Jatobá, Pastor Ulisses e Lauras; e às avenidas Passidônio José de Lima e
Engenheiro Paulo Sá Leitão. A maioria dos focos está situada nas quadras, as quais se
relacionam com um determinado logradouro, porém alguns deles localizam-se no
próprio sistema viário.
48
Figura 7. Mapa temático de localidades da Praia do Forte
49
A Figura 8 representa um charco sazonal e poças temporárias de água na rua
transversal à Rua Araras. Observa-se que o volume de água das coleções hídricas se
estende até as calçadas e muros das casas, caracterizando o foco peridomiciliar.
Figura 8. Mapa temático com foco de esquistossomose peridomiciliar na Praia do
Forte
50
A Figura 9 mostra o relacionamento entre dados descritivos e gráficos através do
sistema viário da Praia do Forte, no qual pode-se identificar o nome da rua e a
quantidade de caramujos coletados e positivos no período de 1998 a 2002. Nesta figura,
as quadras de 1 a 11 estão relacionadas com a Rua Araras, porém as áreas de maior
risco ambiental correspondem às quadras 5, 7 e 10; cada uma contendo 3, 1 e 2 focos,
respectivamente, sendo caracterizados como peri e intradomiciliares. Estas informações
podem, também, serem observadas nas principais vias de acesso à praia, variando
apenas quanto ao número e tipo de foco, posição espacial e ao número da quadra.
Figura 9. Mapa temático de localidades da Praia do Forte mostrando a relação dos
dados descritivos com o sistema viário
51
Análise Espacial
Com base nos atributos descritivos (positividade para S. mansoni) relacionados
com cada foco de esquistossomose representado na Praia do Forte, foi estimado um
modelo de dependência espacial que permitiu a interpolação da superfície apresentada
nos mapas correspondentes aos anos 1998, 1999, 2000, 2001, 2002 e em todo período
de estudo (1998_2002). A superfície interpolada mostra um padrão de distribuição das
áreas com potencial de risco para transmissão de esquistossomose mansônica que varia
de leve a intenso.
Observou-se, através dos mapas das figuras 10 e 11, que nos anos de 1998 e
1999 houve predominância de risco moderado para transmissão da doença por quase
toda localidade da Praia do Forte, seguido do risco intenso em duas pequenas áreas ao
norte e ao sul, excetuando-se o centro, havendo pouca concentração de focos de
esquistossomose o que caracteriza o risco leve.
No ano 2000 (Figura 12), apesar do incremento do número de caramujos
coletados e positivos, o potencial de risco variou entre leve e moderado na área de
estudo. Nos anos 2001 e 2002 (Figuras 13 e 14), houve um aumento substancial da
positividade para S. mansoni ao sul e ao norte, respectivamente, caracterizando o
potencial de risco intenso para transmissão da esquistossomose mansônica.
Comparando-se cada ano de estudo (Figuras 10 a 14), observa-se uma
distribuição desigual da endemia caracterizada pela presença de focos descontínuos,
intercalados por áreas onde ocorrem apenas casos isolados. No entanto, ao sobrepor as
informações contidas no período de 1998 a 2002 (Figura 15), verifica-se que o potencial
52
de risco moderado predomina na maior parte da Praia do Forte, seguido do risco
intenso, não havendo áreas com potencial de risco leve. Esta figura aponta uma
paisagem epidemiológica para risco específico na transmissão de esquistossomose
mansônica na Praia do Forte.
53
Figura 10. Potencial de risco para transmissão da esquistossomose mansônica na
Praia do Forte - Ilha de Itamaracá em 1998
54
Figura 11. Potencial de risco para transmissão da esquistossomose mansônica na
Praia do Forte - Ilha de Itamaracá em 1999
55
Figura 12. Potencial de risco para transmissão da esquistossomose mansônica na
Praia do Forte - Ilha de Itamaracá em 2000
56
Figura 13. Potencial de risco para transmissão da esquistossomose mansônica na
Praia do Forte - Ilha de Itamaracá em 2001
57
Figura 14. Potencial de risco para transmissão da esquistossomose mansônica na
Praia do Forte - Ilha de Itamaracá em 2002
58
Figura 15. Potencial de risco para transmissão da esquistossomose mansônica na
Praia do Forte - Ilha de Itamaracá entre 1998 e 2002
59
5 – DISCUSSÃO
Dos resultados
Os resultados do inquérito malacológico mostram que a taxa de infecção de
Biomphalaria glabrata, em ambas localidades, sofreu variação anual de 9,5% a 28,6% e
por logradouro de 4,3% a 28,8%, caracterizando o potencial ambiental de risco para a
transmissão da esquistossomose, principalmente nos meses de verão quando a
densidade populacional aumenta devido à entrada de turistas e veranistas na ilha.
Em estudo epidemiológico realizado na Ilha de Itamaracá em 1997, Barbosa et
al. (2000) relataram que a taxa de infecção natural variou de 7,9% a 20,5% e na época
de veraneio 18,6% dos moluscos coletados em poças situadas nas ruas de acesso à praia
estavam positivos para S. Mansoni. Os autores afirmaram que esses resultados
mostraram que a transmissão da esquistossomose na ilha não está restrita a um período
climático, ocorrendo ao longo de todo ano. Assim, os riscos de infecção são maiores na
época da seca e pós-chuvas.
No presente estudo, constatou-se que a maior quantidade de caramujos
recuperados em todos os criadouros, nas duas localidades, correspondeu ao ano 2000,
representando mais de 50% do total de caramujos coletados e quase 50% dos positivos.
O conjunto de investigações realizadas no período de 1998 a 2002 ressaltou a
importância do peridomicílio como fator de risco na transmissão da esquistossomose na
Ilha de Itamaracá, já que a maioria dos focos tinha localização peri ou intradomiciliar.
60
O comportamento do padrão de distribuição espacial indica que a dinâmica das
duas localidades da ilha não pode ser analisada apenas a partir do lugar onde elas se
encontram, sendo necessário situá-las no contexto da região onde está inserida
ressaltando a importância da produção social do espaço onde a transmissão se
materializa.
Segundo Barbosa et al. (2000), a ocupação desordenada do espaço na Ilha de
Itamaracá, além de destruir o ecossistema original, criou as condições ambientais ideais
para o surgimento de inúmeros criadouros dos moluscos vetores de esquistossomose em
locais propícios para a infecção humana, estabelecendo a transmissão da doença.
Um aspecto importante da ilha é a topografia do terreno que favorece a
manutenção do criadouro durante todo o ano sofrendo influência apenas no período de
chuvas onde as chances de infecção são menores, fato este observado por Barbosa et al.
(2000). O encontro de Biomphalaria glabrata, nas localidades estudadas, é comum e
decorre da urbanização ineficiente nessas áreas, onde são encontrados charcos,
córregos, valas, poças e lagoas abrigando populações desse molusco.
A identificação e localização espaço/temporal de áreas onde acontecem
diferentes graus de risco para transmissão de esquistossomose mansônica, na Praia do
Forte, pode ajudar a orientar as decisões de planejamento para intervenções em saúde.
Os locais de maior concentração de focos, onde a densidade de domicílios é também
maior, estão na área de risco moderado, o que mostra a necessidade de reforçar o
sistema de vigilância naquelas áreas.
A categoria espaço tem valor intrínseco na análise das relações entre saúde e
ambiente e no seu controle onde o conhecimento da estrutura e dinâmica espacial
61
permite a caracterização da situação em que ocorrem eventos de saúde (BARCELLOS
& BASTOS, 1996).
Segundo dados do IBGE (1998) sobre saneamento da Ilha de Itamaracá, 34,5%
dos domicílios possuem abastecimento de água inadequado e 100% deles apresentam
esgotamento sanitário precário. Assim, a presença do molusco hospedeiro em algumas
coleções hídricas (a exemplo de córregos que recebem água de esgoto não tratado)
existentes em áreas da ilha não totalmente urbanizadas, reflete uma preocupação quanto
à possível ocorrência de novos focos de esquistossomose. Contudo, os dados do
presente trabalho não permitem estimar o surgimento de novos focos, e sim, monitora-
los através do SIG, anualmente, mantendo as informações sempre atualizadas para a
vigilância epidemiológica da esquistossomose.
Nesse contexto, estudos ecológicos mais aprofundados sobre a dispersão e
proliferação dos caramujos para outras áreas são necessários para melhor compreender
as associações entre ambiente e saúde, podendo lançar mão de métodos de análise
espacial para investigação do padrão de distribuição dos eventos localizados
pontualmente.
Particularmente no campo da esquistossomose, Bergquist (2001) afirma que o
desenvolvimento de modelos de SIG para predizer impactos de saúde, através de
projetos que envolvem variações climáticas e escoamento de água, contribui para uma
melhor documentação, facilitando decisões que poderiam evitar o aumento da
transmissão, bem como o surgimento de epidemias em áreas previamente não
endêmicas.
62
A localização dos focos, orientada pelos vários tipos de criadouros (permanentes
e temporários) do molusco vetor, contribuiu para a distribuição desigual da
esquistossomose mansônica, evidenciada pela presença de unidades espaciais com
riscos diferenciados.
Através da observação visual dos mapas representados nas figuras 10 a 14, nota-
se que o potencial de risco moderado para transmissão da esquistossomose predominou
nos anos de 1998 e 1999. No entanto, em 2000, houve um incremento do número de
caramujos coletados e positivos (tabela 1) devido aos altos índices pluviométricos
atingidos neste ano, acarretando o surgimento de novos criadouros e conseqüentemente
de novos focos de transmissão. Apesar desse fato, a proporção de Biomphalaria glabrata
positivos para S. mansoni entre os coletados no ano 2000 correspondeu a 10,4%,
estando abaixo dos valores obtidos nos outros anos de estudo, porém representando o
ano de maior importância epidemiológica.
Do método
Dentre as dificuldades encontradas na metodologia empregada está a falta de
atualização das bases digitais, as quais são produzidas a partir de cartas resultantes de
fotografias aéreas que, por seu elevado custo, não são renovadas com a periodicidade
desejada. Ao observar as Figuras 4 e 7, constata-se inúmeras coleções hídricas,
principalmente, na Enseada dos Golfinhos, uma vez que as bases digitais utilizadas
representam a realidade de 1997. Atualmente, o panorama das duas localidades é outro
63
devido às alterações provocadas no ecossistema ao longo dos anos, fator este que exerce
influência no processo de urbanização da esquistossomose.
Apesar de se ter utilizado as plantas topográficas cadastrais do projeto
UNIBASE, nas duas localidades, houve dificuldade em relacionar os logradouros das
bases digitais com aqueles encontrados no trabalho de campo. Além disso, as
coordenadas capturadas por GPS do foco encontrado na Enseada dos Golfinhos não
foram localizadas na quadra que continha a Lagoa Constança, e sim, na quadra em
frente.
No que se refere à construção dos mapas temáticos referentes à Praia do Forte,
optou-se por relacionar os dados descritivos ao logradouro e não a cada foco
encontrado, pois, no levantamento de campo, a maior parte das estações de coleta dos
caramujos, foi associada ao logradouro. Contudo, este fato dificultou a análise da
distribuição espacial dos focos, uma vez que o logradouro é sempre representado por
uma linha na base cartográfica, sendo necessário a transformação de linha em pontos
para que os dados descritivos fossem inseridos ao longo de toda rua. Apesar disso, os
mapas temáticos produzidos representam claramente o potencial de risco de transmissão
da esquistossomose mansônica em cada ano considerado.
64
6 - CONCLUSÕES
O SIG mostrou-se como instrumento de grande importância na caracterização da
localização geográfica dos focos de esquistossomose na Enseada dos Golfinhos e Praia
do Forte.
As áreas de riscos biológicos e ambientais ocupam toda a localidade da Praia do Forte,
configurando-se microáreas de risco leve, moderado ou intenso para transmissão da
esquistossomose mansônica a depender do ano de estudo.
Os dados obtidos na pesquisa possibilitam oferecer, aos serviços municipais de saúde,
um instrumento que facilita o monitoramento dos focos de esquistossomose na Ilha de
Itamaracá.
65
7 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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