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Controlo de Impedância Variável para Ortóteses AFO baseado em
Electromiografia e Modelos Músculo-Esqueléticos
Rui Pedro Palhais da Silva
Dissertação para a obtenção do Grau de Mestre em
Engenharia Mecânica
Júri
Presidente: Doutor João Rogério Caldas Pinto
Orientador: Doutor Jorge Manuel Mateus Martins
Co-Orientador: Doutor Miguel Pedro Tavares da Silva
Vogal: Doutor José Manuel Gutierrez Sá da Costa
Junho 2013
i
“Always do whatever’s next.”
George Carlin
“Action is the real measure of intelligence.”
Napoleon Hill
ii
iii
Resumo
Esta dissertação tem como objectivo a análise, simulação e controlo da articulação do tornozelo
durante o ciclo da marcha, quando esta é dotada de uma ortótese activa do tipo AAFO (Active Ankle-
Foot Orthosis) cujo controlador é baseado na dinâmica do sistema neuro-Músculo-Esquelético
humano. O objectivo fulcral deste trabalho é assim contribuir para o desenvolvimento de novos
sistemas de apoio para indivíduos com controlo motor reduzido da articulação do tornozelo. Para este
efeito, é estudada a anatomia, fisiologia e biomecânica do sistema locomotor ao nível do tornozelo,
resultando na implementação de um modelo Músculo-Esquelético que reproduz a dinâmica principal
e necessária para o desenvolvimento de controladores biomiméticos. A identificação dos parâmetros
do modelo é efectuada recorrendo a algoritmos de optimização dinâmica e dados experimentais de
sEMG (Surface Electromyography), cinemática de marcadores fiduciais dispostos em torno do
tornozelo, e forças de reacção medidas no contacto do pé com plataformas instrumentadas.
As especificações de desempenho para o controlador implementado são que este reproduza no
tornozelo patológico, a impedância mecânica observada no tornozelo saudável. Com este fim, são
primeiro identificados os parâmetros óptimos do modelo Músculo-Esquelético do tornozelo saudável,
e posteriormente efectuado o cálculo da rigidez e amortecimento dos músculos em função da
activação. A impedância em torno do tornozelo patológico é então adaptada por estes valores, que
variam em função da activação, e que por sua vez é estimada em tempo real a partir das medições
de electromiografia.
O modelo músculo-esquelético implementado, do complexo pé-tornozelo, permite simular no plano
sagital o movimento angular da articulação. As entradas no modelo são as leituras filtradas dos
sensores de sEMG e as forças de reacção, sendo o movimento da tíbia imposto cinemáticamente. No
modelo, o pé e a tíbia são considerados corpos rígidos, interligados por uma junta de revolução, e os
actuadores musculares são do tipo Hill, incorporando uma componente passiva e uma componente
contractil activa, e dispostos formando um par antagonista.
Por simulação do sistema de controlo foram alcançados resultados bastante promissores, revelados
através de amplitudes angulares próximas entre o tornozelo patológico controlado e o não patológico.
Numa implementação real, esta abordagem permitirá uma maior compatibilidade dinâmica entre a
ortótese e o utilizador, devido à interface contínua biologico-mecânica através de electromiografia.
Palavras-chave: Ortótese activa para pé e tornozelo, Electromiografia, Processamento de sinal,
Modelos músculo-esquelético, Simulação e controlo do conjunto pé - tornozelo, Controlo de
Impedância, Controlo Derivativo, Marcha Humana.
iv
v
Abstract
The objective of this dissertation is the analysis, simulation and control of an ankle joint during gait
cycle, when using a specific active orthosis device like AAFO (Active Ankle.Foot Orthosis), which is
control based on human neuromúsculoskeletal system dynamics. The main goal of this work is to give
a contribution to the development of new support systems for individuals with reduced ankle motor
control. With this in mind, the locomotor systems anatomy, physiology and biomechanics is studied at
the ankle level, resulting in músculoskeletal model wich reproduces the main and necessary dynamics
for the development of biomimetic controllers. The model parameters identification is achieved by
using dynamic optimization algorithms and lab data from sEMG (Surface Electromyography) signals,
kinematic markers placed on ankle, and reaction forces measured on force plates when the foot gets
in contact with the floor.
For the implemented controller, performance specifications are the ones that reproduce, in the
pathological ankle, the mechanic impedance observed in a healthy ankle. To this end, the optimal
parameters of the model are identified in first place, for one healthy ankle músculoskeletal model, and
after that, the stiffness and dumping muscle values are computed, function that is activation level
dependent. The impendance around the patholocial ankle is then adapted for this values, which varies
with the activation level, function levels that are stimated in real time with electromyography
acquisition devices.
The músculoskeletal implemented, for the ankle-foot complex, allows the simulation in the sagittal
plane of the angular joint movement. The model inputs are the sEMG signals filtered and the reaction
forces, and the shank movement imposed kinematically. In the model, the foot and shank are
considered rigid bodies, connected by revolution joints, the mucle actuators are Hill type, with a
passive component as well as a contractile one, disposed to form antagonist pair.
When simulating the control system, some promising results were achieved, revealed through the
close angular response between the patholocial and healthy ankle. For a real implementation, this
approach will allow a bigger dynamic compatibility between the orthosis and its user, due to the
continuous mechanical and biological interface updated through electromyography.
Keywords: Active Ankle-Foot Orthosis (AAFO), Electromiogaphy, Signal Processing, Muscle-Skeletal
Models, Ankle-Foot Simulation, Impedance Control, Derivative Control, Human Gait.
vi
vii
Agradecimentos
Em primeiro lugar quero agradecer ao meu orientador, Professor Jorge Martins, e co-orientador,
Professor Miguel Silva. O seu entusiasmo na passagem de conhecimento, num tema que agrega
diversas áreas científicas, ajudou-me a ultrapassar as dificuldades inerentes a um trabalho desta
complexidade sem nunca perder a motivação e a objectividade. Por todo o apoio e dedicação ao
longo da minha formação como engenheiro e pessoa, muito obrigado!
Quero agradecer também aos meus amigos e colegas que me deram sempre a força necessária para
concluir esta jornada, muito obrigado Hugo, Rúben, Gonçalo, Guilherme, Bruno, Yoan, Carlos, Paulo,
Sérgio, José Luis e Thomas.
Agradecer à minha namorada Sónia por todo o apoio, pela motivação incansável e valorização do
meu trabalho. Obrigado por toda a compreensão e amizade!
Por fim quero agradecer à minha família, especialmente à minha mãe e ao meu pai pelo apoio
incondicional em todos os momentos da minha vida académica, à Marta e ao Ricardo pela
compreensão e disponibilidade sempre que necessitei de ajuda.
Obrigado a todos!
Este trabalho foi desenvolvido no âmbito do projecto de investigação DACHOR – Multibody Dynamics
and Control of Hybrid Orthoses (FCT ref. MIT-Pt/BS-HHMS/0042/2008).
viii
ix
Para o meu avô Joaquim.
x
xi
Índice
Resumo ....................................................................................................................................... iii
Abstract ........................................................................................................................................ v
Agradecimentos ........................................................................................................................ vii
Índice ........................................................................................................................................... xi
Lista de Figuras ........................................................................................................................ xiii
Lista de Tabelas ...................................................................................................................... xvii
Nomenclatura ........................................................................................................................... xix
1 Introdução......................................................................................................................... 1
1.1 Motivação ................................................................................................................ 1
1.2 Revisão da Literatura............................................................................................... 1
1.3 Objectivos ................................................................................................................ 2
1.4 Estrutura da Dissertação ......................................................................................... 3
1.5 Contribuições ........................................................................................................... 3
2 Modelo do Tornozelo-Pé ................................................................................................. 5
2.1 Anatomia e Fisiologia dos Músculos Esqueléticos .................................................. 5
2.1.1 Anatomia dos Músculos Esqueléticos ......................................................... 6
2.1.2 Fisiologia dos Músculos Esqueléticos ........................................................ 8
2.2 Dinâmica do Tecido Muscular ............................................................................... 10
2.2.1 Dinâmica da Activação Muscular ............................................................... 11
2.2.2 Dinâmica da Contracção Muscular ............................................................ 11
2.3 Complexo Tornozelo-Pé ........................................................................................ 18
2.3.1 Cinemática da Passada Humana ................................................................... 20
2.3.2 Cinética da Passada Humana ........................................................................ 20
3 Electromiografia ............................................................................................................. 27
3.1 Aquisição de Sinais Electromiográficos ..................................................................... 27
3.2 Processamento de Sinais Electromiográficos ........................................................... 31
3.2.1 Componente Experimental da Aquisição Electromiografia .............................. 32
4 Simulação e Controlo do Complexo Tornozelo-Pé .................................................... 35
4.1 Sistema de Controlo .............................................................................................. 35
xii
4.2 Simulação do Complexo Tornozelo-Pé ................................................................. 35
4.2.1 Dados Antropométricos e da Passada Humana ............................................ 36
4.2.2 Modelo Simplificado do Tornozelo-Pé ............................................................ 42
4.2.3 Modelo Biomecânico do Tornozelo-Pé .......................................................... 42
4.3 Controlo P-D .......................................................................................................... 44
4.4 Controlo de Impedância ........................................................................................ 45
4.5 Estados da Marcha ................................................................................................ 48
5 Optimização e Resultados ............................................................................................ 50
6 Conclusões ..................................................................................................................... 57
6.1 Trabalho Futuro ..................................................................................................... 60
7 Bibliografia ..................................................................................................................... 62
8 Anexo A ........................................................................................................................... 64
Dados de Cinemática e Cinética da Marcha Humana ..................................................... 64
xiii
Lista de Figuras
Figura 2.1: Representação do ângulo de penação α entre as fibras musculares e os tendões [23]. .................... 6
Figura 2.2: Detalhe de uma fibra muscular [24]. .................................................................................................... 6
Figura 2.3: Junções neuromusculares com três níveis diferentes de detalhe [24]. ............................................... 7
Figura 2.4: Regulação do mecanismo contráctil pelo complexo troponina-tropomiosina, dependente do
nível da concentração do Ca2+ [24]. .............................................................................................................. 8
Figura 2.5: Passos da teoria das pontes cruzadas [24]. ........................................................................................ 9
Figura 2.6: Relação entre a frequência dos twitches e a força muscular efectiva [26], para um músculo de
resposta lenta. O twitch de um músculo de resposta rápida pode ter a duração de cerca de 80ms. .......... 10
Figura 2.7: Esquema da dinâmica dos tecidos musculares, modelo em serie da Dinâmica de Activação e
Dinâmica de Contracção [26]. ....................................................................................................................... 10
Ilustração 2.8: Sequência observável num osciloscópio, constituída por uma despolarização seguida de
uma repolarização e de uma hiperpolarização passageira de uma membrana plasmática de célula
excitável (neurónio ou célula muscular) (
http://cienciasdavidaedaterra25.blogspot.pt/2012/05/potencial-de-acao.html. 13/05/2013 21:32.24).......... 11
Figura 2.9: Modelos musculares do tipo-Hill [26]. ................................................................................................ 12
Figura 2.10: Relação força-comprimento do elemento passivo [26]. ................................................................... 13
Figura 2.11: Diagrama discreto de comprimento-tensão da contribuição contráctil de um único sarcómero
totalmente activado [25] (a) e a mesma relação escalada para todo o músculo [26] (b). ............................ 14
Figura 2.12: Relação força-velocidade [31]. ......................................................................................................... 14
Figura 2.13: Escala de activação: Relações de força-comprimento e força-velocidade para diferentes
níveis de activação muscular a(t) [31]. .......................................................................................................... 15
Ilustração 2.14: Diagrama de blocos das que representa um sistema biomecânico em dinâmica directa do
modelo muscular contráctil, adaptado de (Pereira, 2009). ........................................................................... 16
Ilustração 2.15: Modelo do sistema tornozelo-pé humano [34]. ........................................................................... 17
Figura 2.16: (a) Ossos e articulações dos membros inferiores (adapted from Whittle, 2007 p. 6), (b) Ossos
e articulações do pé – lateral view (Faller, et al., 2004 p. 183). .................................................................... 18
Figura 2.17: Articulações do pé e tornozelo de maior significado funcional durante a passada (áreas a
preto): talocrural, subtalar, midtarsal, and metatarsophalangeal (Perry, 1992 p. 69). .................................. 18
Figura 2.18: Músculos da perna: (a) Vista anterior, (b) Vista posterior (Whittle, 2007 p. 13). ............................. 19
Figura 2.19: (a) Posição anatómica com o sistema de coordenadas espaciais usado em toda a análise de
dados (adaptação do Whittle, 2007), (b) Localização dos marcadores e os ângulos das articulações
definidas segundo a convenção estabelecida (Winter, 2004)....................................................................... 20
Figura 2.20: (a) Convenção biomecânica para momentos (adaptado do Winter, 1991 p. 39), (b) Esquema
do pé durante a passada – diagrama de corpo livre mostrando o momento do tornozelo, peso do pé
(W_foot), e força de reacção do chão (FGRF) (Rose, et al., 2006 p. 5), (c) Ankle moment of force per
body mass during a gait cycle in normal cadence (Winter, 1991 p. 41). ...................................................... 21
Figura 2.21: Análise dinâmica, realizada no software QTM, apresentando a verde o rasto da força de
contato com o chão durante a passada, a vermelho as forças de reacção em cada placa no instante
demonstrado. ................................................................................................................................................. 21
Figura 2.22: Descrição do braço para cálculo do momento da força e o angulo respectivo, para o
referencial considerado. ................................................................................................................................ 22
Figura 2.23: Plano frontal do sujeito em estudo durante um teste de marcha. A região a verde representa o
grupo dorsiflexor, o azul o grupo flexor plantar e os pontos brancos são marcadores utilizados para
aquisição tridimensional de coordenadas. .................................................................................................... 22
Figura 2.24: Média e desvio padrão, de valores de activação muscular, dos ensaios realizado para cada
grupo antagonista (Medido por electromiografia, como descrito no Cap. 3). ............................................... 23
xiv
Figura 2.25: Valores médios das forças de reacção no chão. Fx e Fy. ............................................................... 23
Figura 2.26: Representação de dados cinemáticos utilizados no cálculo do binário resultante no tornozelo. .... 24
Figura 2.27: Representação dos níveis de activação muscular do grupos dorsiflexor e flexor plantar
juntamente com o binário no tornozelo resultante do contato com o chão. .................................................. 24
Figura 2.28: Representação dos níveis de activação muscular dos grupos dorsiflexor e flexor plantar
juntamente com o angulo entre a tíbia e o pé. .............................................................................................. 25
Figura 3.1: Relação entre os MUAPT e o sinal EMG (De Luca CJ and Erim Z. Common drive of motor units
in regulation of muscle force, 1994 p.299). ................................................................................................... 27
Figura 3.2: Localização do sensor, variação da amplitude do sinal de EMG (De Luca CJ. The use of
surface electromyography in biomechanics. Journal of Applied Biomechanics, 13: 135-163, 1997). .......... 28
Figura 3.3: Remoção da interferência da rede com a utilização de um eléctrodo diferencial simples (De
Luca CJ. The use of surface electromyography in biomechanics. Journal of Applied Biomechanics, 13:
135-163, 1997). ............................................................................................................................................. 29
Figura 3.4: Origem do sinal sEMG, cross-talk (De Luca CJ. The use of surface electromyography in
biomechanics. Journal of Applied Biomechanics, 13: 135-163, 1997). ........................................................ 30
Figura 3.5: Cross-Talk, contaminação do sinal (De Luca CJ. The use of surface electromyography in
biomechanics. Journal of Applied Biomechanics, 13: 135-163, 1997). ........................................................ 30
Figura 3.6: Medição de Cross-Talk (De Luca CJ. The use of surface electromyography in biomechanics.
Journal of Applied Biomechanics, 13: 135-163, 1997). ................................................................................. 31
Figura 3.7: Unidade principal de amplificação Bagnoli-16 (Delsys®). .................................................................. 32
Figura 3.8: Saídas analógicas do Bagnoli-16. ...................................................................................................... 32
Figura 3.9: Breakout board da placa de aquisição Humusoft (Humusoft®), para interface entre o Bagnoli-16
e o XPC-Target .............................................................................................................................................. 33
Figura 3.10: Montagem experimental de aquisição sEMG com sete canais e com acoplamento de
goniómetro. .................................................................................................................................................... 33
Figura 3.11: XPC-Host (computador portátil) em primeiro plano e em segundo plano o XPC-Target
juntamente com a unidade de aquisição e amplificação Bagnoli-16. ........................................................... 33
Figura 3.12: Representação dos níveis de activação dos grupos musculares dorsiflexores e flexores
plantares para a amplitude articular lida pelo goniómetro, ensaio com o pé em estado livre suspenso
no ar. .............................................................................................................................................................. 34
Figura 4.1: Esquema com as diferentes vistas do modelo simples da perna. Imagem retirada do software
OpenSim [72]. Apenas a imagem com a vista lateral possui os referenciais locais. .................................... 36
Figura 4.2: Esquema com a progressão relativa ao ciclo de passada, indicando a fase de apoio e de
balanço [74]. .................................................................................................................................................. 38
Figura 4.3: Esquema com posições dos marcadores e o sistema de eixos considerado. Presente na figura
está também a projecção das coordenadas dos marcadores no plano sagital e a orientação da
amplitude articular do tornozelo. ................................................................................................................... 38
Figura 4.4: Valores de deslocamento horizontal e vertical no plano sagital do Individuo, para
aproximadamente 2,5 segundos de marcha. ................................................................................................ 39
Figura 4.5: Valor de amplitude angular para as diferentes articulações do membro inferior, relativamente
ao plano sagital e para um período de aproximadamente 2,5 segundos de marcha. .................................. 39
Figura 4.6: Forças de reacção adquiridas por plataformas de força referentes ao plano sagital. ....................... 40
Figura 4.7: Valores do deslocamento horizontal e vertical do tornozelo, e as coordenadas do ponto de
pressão resultante do contacto do pé com a plataforma de forças. ............................................................. 40
Figura 4.8: Imagem que traduz as diversas posições do ponto de pressão durante o período de apoio. A
recta cor-de-rosa representa a tragetória média do ponto de pressão. ........................................................ 41
Figura 4.9: Binário computacional resultante da multiplicação das forças de reacção pela distância entre o
tornozelo e o ponto de pressão. .................................................................................................................... 41
Figura 4.10: : Esquema para o modelo multicorpo do tornozelo-pé e a cinemática de cada junta de
revolução. ...................................................................................................................................................... 43
xv
Figura 4.11: Modelo da estrutura músculoesquelética, considerando a inércia do pé e sem atrito de junta.
Modelo em anel aberto de um actuador baseado na dinâmica muscular. ................................................... 43
Figura 4.12: Diagrama de blocos de um controlador PID básico. ........................................................................ 44
Figura 4.13: Diagrama de blocos do controlador P-D em anel fechado do modelo simplificado do complexo
tornozelo-pé. .................................................................................................................................................. 45
Figura 4.14: O efeito desejado do controlador de impedância (CI) num sistema rotacional representado por
massa, mola e amortecedor. ......................................................................................................................... 46
Figura 4.15: Diagrama de blocos do controlador de impedancia implementado. ................................................ 47
Figura 4.16: Diagrama de blocos com a estratégia adoptada para o cálculo de Kpm e Kd
m do controlador
de impedancia. .............................................................................................................................................. 48
Figura 4.17: Quatro estados do ciclo completo de marcha (Vasconcelos, 2010). ............................................... 49
Figura 5.1: Níveis de activação dos grupos musculares dorsiflexores e flexores plantar, normalizados
relativamente à contracção máxima voluntária. ............................................................................................ 51
Figura 5.2: Comparação entre o binário de reacção e o binário resultante da actuação dos músculos
virtuais, durante um ciclo de marcha completa, desde o heel strike passando pelo push off e
terminando no heel strike da nova passada.................................................................................................. 51
Figura 5.3: Comparação entre o ângulo real, aquirido através dos marcadores, e o ângulo de simulação
resultante da activação muscular e do binário de reacção. .......................................................................... 51
Figura 5.4: Comparação entre os valores de amplitude articular do tornozelo, para dois modelos
optimizados para as mesmas condições de fronteira mas períodos de simulação diferentes. .................... 52
Figura 5.5: Apresentação dos resultados relativos ao binário de actuação. ........................................................ 52
Figura 5.6: Ângulo para o controlador de impedância.......................................................................................... 53
Figura 5.7: Gráficos referentes à evolução da força muscular para diferentes níveis de activação e dentro
da gama de valores de comprimento muscular presentes no ciclo de passada. (a) Variação da força
muscular para o grupo dorsiflexor. Variação da força muscular. .................................................................. 53
Figura 5.8: Curva da força muscular do grupo dorsiflexor para os parâmetros da 7ª optimização. .................... 54
Figura 5.9: Curva da força muscular do grupo flexor plantar para os parâmetros da 7ª optimização. ................ 54
Figura 5.10: Representação da evolução do valor de Kp e Kd consoante o valor de comprimento muscular
e velocidade muscular respectivamente. Ambas curvas estão dependentes do nível de activação. .......... 55
Figura 5.11: Curva da força do modelo bilinear, sujeito a um valor máximo de activação. ................................. 55
Figura 5.12: Comparação entre os estados definidos na subsecção 4.5 e o valor da amplitude articular
durante a marcha obtida laboratorialmente. .................................................................................................. 56
Figura 5.13: Dados Relativos à resposta cinética do controlador de impedância usando máquina de
estados. ......................................................................................................................................................... 56
Figura 5.14: Comparativo entre a amplitude articular obtida experimentalmente e a resposta cinemática do
controlador de impedância usando máquina de estados (Ângulo de Simulação). ....................................... 56
Figura 6.1: Simulação, fase “heel-strike”. ............................................................................................................. 58
Figura 6.2: Simulação, fase “stance”. ................................................................................................................... 58
Figura 6.3: Simulação, fase “toe-off”. ................................................................................................................... 58
Figura 6.4: Simulação, fase “pre-swing”. .............................................................................................................. 59
Figura 6.5: Simulação, fase “swing”. .................................................................................................................... 59
Figura 6.6: Simulação, fase “heel-strike”. ............................................................................................................. 59
xvi
xvii
Lista de Tabelas
Tabela 4.1: Tabela que apresenta as coordenadas locais que definem cada corpo rígido que constitui
a perna.............................................................................................................................................................. 37
Tabela 4.2: Tabela que contém os parâmetros geométricos e fisiológicos dos músculos responsáveis
pela dorsiflexão e flexão plantar. ...................................................................................................................... 37
Tabela 4.3: Excerto da Tabela 5.1, correspondente ao sétimo processo de optimização, Tabela 5.1. .......... 44
Tabela 5.1: Parâmetros do modelo músculo-esquelético resultantes do processo de optimização. .............. 50
Tabela 5.2: Parâmetros do modelo muscular bilinear. ..................................................................................... 55
xviii
xix
Nomenclatura
Acrónimos
AAFO Active Ankle Foot Orthosis
AAFOs Active Ankle Foot Orthoses
AFO Ankle Foot Orthosis
AFOs Ankle Foot Orthoses
CG Center of Gravity
COM Center Of Mass
COP Center Of Pressure
DACHOR Multibody Dynamic and Control of Hybrid Active Orthoses
DOF Degree Of Freedom
GC Gait Cycle
GRF Ground Reaction Force
IC Impedance Controller
PID Proportional Integrative Derivative
xx
Descrição de variáveis
Símbolo Unidade Definição
rad/s2 Aceleração angular
rad/s2 Aceleração angular do tornozelo
None Taxa de amortecimento
rad Angulo de referência do tornozelo
rad/s Velocidade angular de referência do tornozelo
rad Angulo do tornozelo
rad/s Velocidade angular do tornozelo
rad/s2 Aceleração angular do tornozelo
rad Angulo de referência do tornozelo
m/s Velocidade linear
N.m Binário
N.m Momento/Binário do tornozelo
rad/s Velocidade angular
rad/s Velocidade angular do tornozelo
rad/s Frequência natural
m/s2 Aceleração linear
N Força de reacção aplicada no pé pelo chão
kg.m2 Inercia de rotação
kg.m2 Inercia rotacional do tornozelo relativamente à massa do pé
Nm/rad Rigidez linear
None Ganho derivative do controlador PD
None Ganho proporcional do controlador PD
Kg Massa
N.m Momento de força do tornozelo
W Potência
m Posição do centro de massa relativamente ao tornozelo
m Posição do centro de pressão relativamente ao tornozelo
1
1 Introdução
1.1 Motivação
Nos últimos 30 anos muita investigação foi realizada em torno de equipamentos de reabilitação com
recurso a dispositivos robóticos. Contudo, as limitações tecnológicas não permitiram que o
desenvolvimento prático acompanhasse o conhecimento teórico. Neste momento pode-se afirmar que
existe um enorme potencial de crescimento nesta área de intervenção, tanto pela disponibilidade de
equipamentos mais baratos como da maior capacidade dos actuadores, sensores e das unidades de
processamento. É nesta lógica que as áreas da engenharia biomédica e mecânica se cruzam com o
propósito de desenvolver dispositivos activos de suporte à locomoção de indivíduos com limitações
motoras, tanto com patologias a nível dos membros superiores como, no caso deste projecto,
membros inferiores. A variante activa abre um novo desafio aos investigadores e à comunidade
médica, pela possibilidade de alavancar o potencial motor humano por meio de uma ortótese como
facilitador de movimento, recorrendo a meios avançados de aquisição de biosinais e de estratégias
de controlo inovadoras. Em suma, o importante é combinar as ferramentas desenvolvidas ao longo de
anos pela comunidade científica, nas diferentes áreas de actuação da engenharia, e dar o melhor
contributo possível para um projecto que visa melhorar a qualidade de vida de pessoas com
deficiência. É por todos estes motivos que este trabalho foi integrado numa iniciativa do programa
MIT Portugal - Projeto DACHOR – que visa contribuir para uma melhoria da marcha, reabilitação
muscular, aumento de autonomia, diminuição do consumo energético, tamanho e peso de um
dispositivo ortótico desenvolvido para auxiliar pessoas com deficiência ao nível da locomoção, mais
especificamente de patologias ao nível do movimento da articulação do tornozelo.
1.2 Revisão da Literatura
Apesar do potencial das próteses e ortóteses activas, tanto para membros inferiores como superiores
estar bem documentada, maior parte da actividade cientifica e comercial está mais focada no
desenvolvimento de dispositivos activos para membros inferiores [1]-[4]. Hoje em dia, a maioria das
ortóteses disponíveis comercialmente são completamente passivas e, consequentemente, as suas
propriedades mecânicas mantêm-se fixas para diferentes velocidades de marcha como para
alterações do terreno [6] [7]. Para além disso, alguns estudos indicam que uma das funções do
tornozelo humano é de proporcionar a energia adequada para a locomoção [6]-[8]. Pessoas
amputadas abaixo do joelho, que usam equipamentos protéticos passivos, apresentam padrões de
marcha assimétricos [5]. Porém, para ser possível imitar o movimento do tornozelo humano e
aumentar a simetria da passada assim como a eficiência na locomoção, é necessário encontrar
mecanismos activos de compensação, no caso de pacientes com paralisias a nível do membro
inferior, ortóteses que activamente controlam a impedância da articulação. As ortóteses como
dispositivo servem para auxiliar, de forma permanente ou transitória, um membro com insuficiências
funcionais, sendo que as próteses são direccionadas para a substituição total ou parcial de um
membro.
No momento de desenvolver uma ortótese activa para o tornozelo, o desafio chave que precisa de
ser tido em conta é de como medir e dar resposta à intensão do paciente. Durante algum tempo,
investigadores tentaram usar sinais electromiográficos (EMG), medidos no membro que representa
2
um desempenho deficitário, para controlar o dispositivo ortótico [9]-[13]. Contudo, a maioria destes
sistemas apenas disponibiliza níveis primários de controlo de movimento, enquanto a actividade
diária de um individuo, pela sua complexidade, necessita de um controlo de carácter adaptativo para
uma melhor resposta do dispositivo ortótico.
A maior dificuldade do uso de sinais EMG, como comando de controlo contínuo para ortóteses, são
as características não-lineares e não-estacionárias da informação que provém dos sensores de EMG
[10]. Alguns investigadores têm recorrido ao uso de redes neuronais para resolver este problema,
visto que este tipo de redes é frequentemente usada na aquisição e modelação de mapas de dados
não lineares [10]-[12]. Contudo, ao usar este tipo de abordagem, não é garantido que o dispositivo
venha a ter um comportamento, de alguma forma, comparável ao movimento natural de um membro
humano. Por esse motivo, alguns investigadores têm apostado no desenvolvimento de controladores-
EMG para próteses e exoesqueletos, com base em modelos de controlo neuromusculares dos
membros [13]-[15]. A comunidade científica tem argumentado que esta classe de controladores
permitirá às pessoas, com algum tipo de deficiência motora, um controlo subconsciente sobre o
membro protésico ou dispositivo ortótico, e consequentemente, o paciente não deverá necessitar de
tanto tempo para aprender a operar o dispositivo comparado com os modelos de controlo comuns,
que não modelam explicitamente a dinâmica do membro biológico.
Uma ortótese activa para o tornozelo-pé (AAFO - Active Ankle-Foot Orthosis) de impedância variável
é uma das soluções para um exoesqueleto que pretenda tratar uma patologia da marcha como o pé
pendente, uma deficiência motora causada pela paralisia total ou parcial do nervo peronial, músculo
tibial anterior ou todo o grupo peronial. Dois grandes problemas relacionados com o pé pendente são
o bater descontrolado do pé após contacto do calcanhar com o chão, e, o arrastar dos dedos no chão
na fase de balanço da perna. O tratamento convencional para tratar este tipo de lesão resulta numa
estrutura mecânica chamada de AFO (ortótese do tornozelo-pé). O uso destes equipamentos tem
vindo a apresentar um aumento de popularidade nos últimos 20 anos [16]. Apesar das AFO
demonstrarem um benefício biomecânico [17]-[21], continuam a mostrar algumas desvantagens.
Carlson et al. [19] descobriu que as AFO não aumentam a velocidade da passada ou o seu
comprimento em crianças com paralisia cerebral. Lehmann et al. [20] descobriu que apesar de uma
AFO de rigidez constante ser capaz de reduzir a ocorrência de contacto no chão dos dedos do pé,
durante a fase de balanço, em paciente com pé pendente, o dispositivo não reduz a ocorrência do
bater descontrolado do pé no momento de contacto entre o calcanhar e o chão.
1.3 Objectivos
O objectivo deste trabalho é desenvolver um controlador de impedância variável, para uma ortótese
do tornozelo, variando os seus parâmetros de controlo mediante a solicitação do paciente para
exercer uma dinâmica especifica ao conjunto tornozelo-pé. Para atingir essa meta é necessário
modelar a estrutura músculo-esquelética, e posteriormente ser possível prever uma rigidez geral da
ortótese que envolve o tornozelo.
O sistema de controlo será utilizado para assistir uma patologia do tornozelo denominada pé
pendente, onde o individuo tem pouca ou praticamente nenhuma capacidade para controlar a
dorsiflexão.
As características dinâmicas e estáticas de modelos musculares serão a base da estratégia de
controlo, sendo que, para isso seja necessário recorrer à aquisição em tempo real da actividade
muscular. A informação da actividade muscular, recolhida através de electromiografia superficial, será
utilizada como entrada num sistema não-linear que são as equações que regem o comportamento
das fibras musculares.
3
1.4 Estrutura da Dissertação
Esta dissertação é estruturada para ser possível ao leitor seguir os passos tomados no
desenvolvimento dos modelos neuromusculares necessários para a construção de um controlador de
impedância variável para uma ortótese do tornozelo-pé.
Capitulo 2: Anatomia e fisiologia dos músculos esqueléticos, a dinâmica dos tecidos e a
importância dos mesmos no complexo tornozelo-pé. Cinemática e cinética da passada
humana.
Capitulo 3: Princípios da electromiografia, a aquisição dos sinais electromiográficos e o
processamento de sinal necessários ao controlador.
Capitulo 4: Dados antropométricos da passada humana, usados para modelação e simulação
do complexo tornozelo-pé. Resultados das estratégias de controlo adoptadas e a sua
discussão.
Capitulo 5: Conclusões do trabalho realizado assim como discussão sobre futuros trabalhos.
1.5 Contribuições
As principais contribuições desta dissertação são as seguintes:
Implementação de um modelo multicorpo do complexo tornozelo-pé no SimMechanics, que
permite a optimização de parâmetros do modelo neuromuscular, recorrendo a dados
laboratoriais de cinemática e cinética da passada humana.
Desenvolvimento de uma estratégia de controlo de impedância variável, dependente dos
níveis de actividade neuromuscular.
Construção de um sistema de aquisição de sinais electromiográficos superficiais em tempo
real para realimentar o modelo de controlo neuromuscular.
Implementação de duas estratégias de controlo que reproduzem tanto a rigidez como
movimento da articulação do tornozelo (controlo proporcional-derivativo e controlo de
impedância variável)
4
5
2 Modelo do Tornozelo-Pé
A biomecânica do movimento humano pode ser definida como uma disciplina que descreve, analisa e
avalia o movimento humano (Winter, 2004 p. 1). Compreender o movimento humano é essencial
quando se pretende desenvolver sistemas capazes de assistir o corpo humano, o que requer um
estudo aprofundado da anatomia e fisiologia do mesmo. O estudo deste tema fornece rótulos
essenciais para estruturas músculo-esqueléticas, movimentos articulares e funções das diferentes
estruturas (Knudson, 2007 p.40).
Vários conceitos chave estão relacionados com a passada humana, que é o mais comum de todos os
movimentos humanos (Winter, 1991 p.1). Este capítulo propõe uma visão geral da biomecânica
envolvida na passada humana, começando pela secção 2.1, com conceitos básicos da anatomia e
fisiologia humana, posteriormente na secção 2.2 é focada a dinâmica do tecido muscular. A passada
humana é caracterizada na secção 2.3, onde a cinemática e cinética são apresentadas. Estas
importantes variáveis são fundamentais para a descrição do ciclo de passada. Para assistir uma
passada patológica, é necessário compreender inicialmente o seu normal funcionamento. Na secção
2.4 é apresentada a electromiografia e os seus princípios como factor importante na caracterização
do estado dos músculos durante as diferentes fases da marcha.
2.1 Anatomia e Fisiologia dos Músculos Esqueléticos
Quando excitados, os músculos esqueléticos geram momentos de força em torno de articulações
específicas. Quando exercidas de forma sincronizada, esses momentos podem resultar num
equilíbrio corporal ou num movimento. Um músculo pode ser uniarticular ou biarticular, quando
actuam sobre uma ou duas articulações [22].
Fibras musculares apenas conseguem produzir força contráctil, ou seja, elas apenas conseguem
puxar [22]. As forças de tracção produzidas pelos músculos são transmitidas através de tendões até
ao local onde estes estão ligados aos ossos – origem e inserção dos músculos. Devido a esta
característica, os músculos dispõem-se como pares antagonistas, que produzem movimentos
segmentais opostos. Por exemplo, nos membros inferiores, temos os músculos responsáveis pela
flexão plantar do pé, na articulação do tornozelo, e o seu par antagonista que são os músculos
responsáveis pela dorsiflexão. No corpo humano, para um determinado movimento articular, existe
mais do que um músculo que consegue produzir binário suficiente para prescrever o movimento em
questão, ou seja, existe um controlo redundante nos diversos graus de liberdade existentes. Contudo,
apenas um simples par antagonista possui infinitas combinações de forças musculares solicitadas
pelo SNC (Sistema Nervoso Central) para desempenhar uma rotação de junta, pois existe a
possibilidade de co-contração. Dá-se o nome de redundância muscular a esta situação, onde o
número mínimo de músculos necessários é ultrapassado.
6
2.1.1 Anatomia dos Músculos Esqueléticos
As fibras musculares estão agrupadas em paralelo e orientadas, face ao tendão, segundo um ângulo
agudo. Este ângulo é chamado de ângulo de penação [23]. Esta configuração está representada na
Figura 2.1.
Figura 2.1: Representação do ângulo de penação α entre as fibras musculares e os tendões [23].
As fibras musculares são compostas por miofibrilas, como apresentado na Figura 2.2, que na sua
constituição possuem combinações em serie de elementos unitários chamados de sarcómeros,
elementos estes que são estruturas fundamentais responsáveis pela contracção muscular. Uma
importante membrana cobre toda a fibra muscular, vital para suster o potencial eléctrico da
membrana – o sarcolema. Esta camada possui partes que passam através de estruturas internas das
fibras chamadas túbulos-T. O citoplasma das fibras musculares é conhecido como sarcoplasma.
Além de várias miofibrilas, também contém um núcleo, várias mitocôndrias associadas com elevadas
concentrações de ATP (Adenosina Trifosfato), e uma rede substancial de suaves retículos
sarcoplasmáticos, que armazenam Ca2+
. Estas estruturas estão ilustradas na Figura 2.2.
Figura 2.2: Detalhe de uma fibra muscular [24].
7
As fibras musculares são enervadas por um tipo de neurónios – os neurónios motores. O conjunto de
fibras enervadas por um neurónio motor, mais o próprio neurónio, é chamado de unidade motora
(UM). O número de fibras numa UM pode varia consideravelmente. Os músculos que são
responsáveis por movimentos precisos têm poucas fibras musculares por UM, mas um elevado
número de unidades motoras. Este exemplo contrasta com os músculos responsáveis pelo controlo
de movimentos pouco precisos, o número de UM será inferior mas cada um terá uma maior
quantidade de fibras musculares [24].
Os neurónios motores ramificam-se em vários axónios terminais que se aproximam da região do
sarcolema chamada placa motora, mantendo uma distância pequena – a fenda sináptica [24]. Esta
região é conhecida por junção neuromuscular, como apresentado na Figura 2.3.
Todas as estruturas descritas representam um papel fundamental no mecanismo de contracção, que
será descrito na subsecção seguinte.
Figura 2.3: Junções neuromusculares com três níveis diferentes de detalhe [24].
8
2.1.2 Fisiologia dos Músculos Esqueléticos
O mecanismo geral para a contracção muscular – conhecido como acoplamento excitação-
contracção – passa por várias etapas, começando pela progressão dos potenciais de acção desde o
sistema nervoso até ao sarcolema que contrai produzindo força muscular, como apresentado na
Figura 2.4 (a). Quando o potencial de acção que viaja através dos nervos motores mielinizados atinge
a sinapse (projecções terminais dos axónios motores), uma pequena quantidade de acetilcolina ou
ACh (neurotransmissor) é segredado à fenda sináptica. O ACh combina com os seus receptores num
canal localizado na placa motora, permitindo a difusão dos iões de Na+ no sarcoplasma, disparando
os potenciais de acção no sarcolema [25].
Assim que o potencial de acção ocorre, o mecanismo contráctil terá de ser activado, como
apresentado na Figura 2.4 (b). O potencial de acção descarregado irá percorrer o sarcolema e
difundir-se no núcleo das fibras através dos túbulos-T. Esse acontecimento levará à libertação de
quantidades significativas de Ca2+
vindas do reticulo sarcoplasmático. Os iões de cálcio irão
posteriormente ligar-se à troponina, alterando a forma do complexo troponina-tropomiosina e levando
à exposição activa de ligações de dupla hélice com as pontes cruzadas da miosina [25].
Figura 2.4: Regulação do mecanismo contráctil pelo complexo troponina-tropomiosina, dependente do nível da concentração do Ca2+ [24].
9
Figura 2.5: Passos da teoria das pontes cruzadas [24].
A contracção muscular acontecerá apenas na presença de ATP e Ca2+
. O processo de encurtamento
do sarcómero, que depende fundamentalmente destes dois componentes, pode ser explicado pela
teoria das pontes cruzadas, ilustrados na Figura 2.5, e os seus passos descritos seguidamente:
Passo 1 – Na forma relaxada, a cabeça da miosina catalisa a decomposição do ATP (sempre que
presente), aumentando a sua energia e tornando-se activa. Adenosina difosfato ADP (Adenosina
Difosfato) e os iões de fosfato resultantes desta clivagem permanecem ligados à cabeça da miosina.
Se existe a presença de Ca2+
(Passo 2), pelo mecanismo do potencial de acção já descrito, as pontes
cruzadas serão capazes de se ligar aos filamentos de actina numa configuração perpendicular,
perdendo o ião de fosfato (Passo 3). Passo 4 – Atingindo este passo, a energia armazenada irá
provocar o que é conhecido como curso de potência, isto é, as moléculas da cabeça da miosina
sofrerão uma modificação, alterando a sua orientação em direcção ao centro do sarcómero. Passo 5
– Um novo ATP liga-se desconectando o filamento mais espesso do mais fino. Passo 6 – Esta
molécula é clivada como no Passo 1, fazendo a cabeça recuar até à sua posição perpendicular
relativamente ao filamento e preparando a fibra para um novo curso de potência. Enquanto existir
disponibilidade iónica de cálcio (sem esquecer o ATP), a contracção das fibras irá ocorrer – Passo 7 –
realizando os passos mencionados, garantindo que as condições fisiológicas estão satisfeitas
(presença de ATP e Ca2+
, limites físicos do sarcómero e carga muscular suportável ([25] [24]).
Na ausência de um potencial de acção, o sarcoplasma demonstra níveis baixos de iões de cálcio.
Este facto resulta da membrana de transporte activo que armazena constantemente iões de Ca2+
no
reticulo sarcoplasmático dificultando a ligação da actina com a miosina que por sua vez inibem a
contracção muscular [25].
A força aplicada por um determinado músculo depende de vários parâmetros. A sua regulação é
definida pelo número de fibras musculares solicitadas e pela frequência de estimulação do sinal
neurológico. Se uma fibra muscular é estimulada pelo SNC acima de uma determinada magnitude, o
sarcolema será depolarizado e desenvolverá uma breve contracção, designado twitch, como resposta
10
ao potencial de acção. Um aspecto importante surge em termos da frequência de estimulação,
apresentado na Figura 2.6. Quando um intervalo de tempo entre sucessivos twitches se torna mais
curto do que a duração do próprio twitch, então o nível de contracção é amplificado pelo somatório de
todos os twitches sobrepostos. Com o aumento da frequência dos twitches, a força produzida será
igualmente maior até atingir uma saturação na frequência, onde é possível verificar que a contracção
muscular não se intensifica mais e mantém o seu valor num patamar – este nível é conhecido como
contracção tetânica.
Figura 2.6: Relação entre a frequência dos twitches e a força muscular efectiva [26], para um músculo de resposta lenta. O twitch de um músculo de resposta rápida pode ter a duração de cerca de 80ms.
2.2 Dinâmica do Tecido Muscular
Para ser possível implementar um modelo computacional que descreva o comportamento muscular, a
dinâmica do tecido muscular desempenha um papel vital na descrição de forças musculares
fisiologicamente válidas, e por sua vez na construção desse modelo. Existe alguns modelos
reducionistas [29,30] que descrevem as propriedades microscópicas introduzidas na Secção 2.1.
Estes modelos são normalmente baseados na teoria das pontes cruzadas e a sua elevada
complexidade e número de parâmetros leva a uma ineficiência nas rotinas computacionais que
provam não trazer vantagens. Estas desvantagens são especialmente evidentes quando são
consideradas várias estruturas mecânicas complexas. Para uma modelação computacional eficiente
e robusta, diversos autores [26,27,28,23] sugeriram uma abordagem macroscópica para o modelo
muscular.
Na modelação de tecidos musculares existem duas dinâmicas identificadas: Dinâmica da Activação
Muscular, presente na Secção 2.2.1, e Dinâmica da Contracção, presente na Secção 2.2.2, e
representada na Figura 2.7. A primeira descreve a conversão de um sinal neuronal do SNC u(t) num
estado de activação do tecido muscular a(t). O último relaciona a(t) com o desenvolvimento de força
muscular F(t).
Figura 2.7: Esquema da dinâmica dos tecidos musculares, modelo em serie da Dinâmica de Activação e Dinâmica de Contracção [26].
11
2.2.1 Dinâmica da Activação Muscular
Também conhecido como dinâmica de excitação-contracção, a dinâmica da activação muscular (DA)
modela a relação entre o sinal neurológico que chega ao neurónio motor u(t) e o nível de activação
muscular am(t), isto é, a proporção adimensional da activação das fibras musculares num determinado
instante t [31]. Incluindo um modelo da DA, é possível prever o sinal neurológico que disparou um
determinado padrão de activação muscular e por sua vez o movimento de um sistema biomecânico.
Fisiologicamente existe um atraso entre o sinal neurológico u(t) e a activação muscular
correspondente a(t), chamado de atraso electromecânico. O significado físico deste atraso está
associado à dinâmica do cálcio existente nos músculos [28,23], descrito na Secção 2.1.2. Da mesma
maneira que o modelo da dinâmica de contracção foi desenvolvido, pretende-se simplificar o nosso
modelo DA, representando o comportamento observado numa perspectiva macroscópica. A este
nível, DA é representada por um sistema de primeira ordem [26].
O potencial de acção aparece sempre que uma despolarização anterior fez atingir um valor limiar ao
potencial de membrana. No decurso de um potencial de acção, o potencial de membrana passa de -
70mV a +30mV, como demonstra a Figura 2.8, voltando depois ao seu valor inicial após uma breve
hiperpolarização. É a manifestação evidente do influxo nervoso. No entanto, nem todos os neurónios
apresentam potenciais de acção com esta amplitude.
Ilustração 2.8: Sequência observável num osciloscópio, constituída por uma despolarização seguida de uma repolarização e de uma hiperpolarização passageira de uma membrana plasmática de célula excitável (neurónio
ou célula muscular) ( http://cienciasdavidaedaterra25.blogspot.pt/2012/05/potencial-de-acao.html. 13/05/2013 21:32.24)
2.2.2 Dinâmica da Contracção Muscular
Para poder simular o comportamento activo dos músculos relativo a um movimento corporal, é
necessário implementar um modelo específico das estruturas contrácteis para estimar as forças
musculares. A dinâmica da contracção muscular será descrita nesta subsecção. Estes modelos irão
relacionar os valores da activação am(t) com a força muscular F
m(t).
Os primeiros modelos matemáticos usados na modelação de um tecido genérico, incluindo os
passivos (como os modelos de Maxwell e Kelvin-Voigt), são capazes de reproduzir de forma precisa o
comportamento de tecidos moles sujeitos a esforços de tracção ou compressão [26,31]. Contudo, na
ausência de um elemento activo, estes modelos são incapazes de representar a dinâmica das
12
estruturas musculares contrácteis. Archibald Hill introduziu uma adaptação do modelo de Kelvin,
incluindo um elemento contráctil adicional [32] que simula a acção macroscópica do ciclo das pontes
cruzadas descrito na Subsecção 2.1.2. Dadas estas características, os modelos do tipo Hill são
amplamente usados nas áreas da biomecânica de forma a reproduzir os comportamentos contrácteis
e passivos dos tecidos musculares, sendo que os mesmos possuem parâmetros acessíveis e são
computacionalmente tratáveis para sistemas com diversos músculos.
O modelo usado neste trabalho é o ilustrado na Figura 2.9(a). O mesmo é composto por um elemento
passivo (EP), que modela as características passivo-elásticas não-lineares dos tecidos musculares, e
por um elemento contráctil (EC) que considera tanto as estruturas contrácteis como as forças
viscosas produzidas por fluidos intracelulares e intercelulares, inclusos nos músculos [26]. Este
trabalho, de forma semelhante como nos trabalhos realizados por Silva [26] e Kaplan [28], não
considera o modelo de Hill standard – um modelo de Kelvin com um EC inserido em paralelo com um
elemento de dissipação (ED), como representado na Figura 2.9 (b). Também despreza o elemento
elástico em série (ES), que se relaciona com a rigidez das pontes cruzadas e que incluem o
comportamento do ED na expressão do EC. A expressão da força muscular produzida para o modelo
considerado neste trabalho é descrita como:
De acordo com Zajac [23] e Yamaguchi [31], existem três propriedades chave no tecido muscular. A
primeira, já mencionada neste capítulo, são os estados que apenas conseguem produzir forças de
tracção. As duas propriedades seguintes descrevem a força produzida num determinado estado
dependente do comprimento e velocidade muscular. A activação muscular é evidentemente tomada
em consideração nas expressões matemáticas correspondentes ao cálculo das forças musculares,
dado que a quantidade de força produzida por um músculo depende do número de unidades
musculares solicitadas.
(2.4)
(a) Modelo utilizado (b) Modelo original
Figura 2.9: Modelos musculares do tipo-Hill [26].
Relação Força-Comprimento
Diversos autores, como Hill [33] e mais recentemente Zajac [23], mostraram a evolução das forças
produzida por uma fibra muscular totalmente activada (am(t)=1) com o seu comprimento. Tem
ocorrido algumas evoluções relativamente aos valores de fronteira para a região em que o músculo
activo gera força. Os mais recentes estudos indicam que esta região, para um músculo de
comprimento Lm, está compreendido entre 0.5Lo
m< L
m<1.5Lo
m, onde Lo
m corresponde ao
comprimento, num estado de repouso (comprimento relaxado), das fibras musculares. O
comprimento muscular em repouso Lom, normalmente possui um valor próximo do qual o músculo
activado consegue atingir máximos de força em condições de contracção isométrica [23], chamado
comprimento muscular óptimo [31,23]. A força produzida para uma total activação muscular e para o
comprimento das fibras de Lm=Lo
m é designada por força isométrica máxima ou força óptima Fo
m
13
[26,31]. Este valor não corresponde à máxima força que o músculo consegue exercer, mas sim à
força activa máxima numa contracção isométrica. Como iremos ver, existe uma força passiva que é
adicionada à contribuição activa do músculo, ultrapassando o valor de Fom. O valor máximo para a
força isométrica pode ser estimado multiplicando a área de secção transversal média do músculo
pela tensão muscular específica máxima (aproximadamente 31.39N/cm2) [31].
Uma força passiva também emerge de uma evolução no comprimento das fibras musculares. Pensa-
se que esta força resulta da elasticidade das intrafibras. Para comprimentos musculares maiores que
comprimentos em repouso, esta tensão torna-se aparente, atingindo valores superiores a Fom como
observado na Figura 2.10.
Figura 2.10: Relação força-comprimento do elemento passivo [26].
Relação Força-Velocidade
A taxa à qual o comprimento muscular varia afecta a magnitude da força muscular obtida. Como está
ilustrado na Figura 2.11, para contracção concêntrica, existe um encurtamento do músculo activado,
a força por sua vez é inferior à observada numa contracção isométrica para um mesmo nível de
activação [26,23]. O oposto acontece em contracções excêntricas onde o músculo activado é
alongado. Empiricamente o comportamento muscular apresenta uma performance semelhante a um
fluido “amortecedor” [31], sendo descrito por Hill [46] como
(2.5)
Onde vm é a velocidade muscular, que corresponde ao valor simétrico da taxa de variação de
comprimento muscular (ou velocidade de contracção muscular). Uma especial atenção que deve
ser tomada em consideração é a relação ( , para ser possível relacionar os gráficos
apresentados com os valores das equações usadas. é positivo para contracções excêntricas e
negativo para as concêntricas.
A Figura 2.11 (a) descreve a sobreposição entre as fibras actinas e as fibras miosinas com a força
contráctil de uma fibra muscular totalmente activada. Esta sobreposição varia ao longo do
comprimento do sarcómero e terá influência na capacidade muscular para gerar força contráctil. Os
pontos A e D representam estados onde o músculo é incapaz de desempenhar a sua força máxima,
pelo posicionamento adjacente das miosinas com os discos Z e pela não sobreposição das actina-
miosina [25]. O pico da força contráctil surge quando são formadas o maior número de pontes
14
cruzadas. Reportando estes factos para todo o músculo, a curva obtida é semelhante à da Figura
2.11 (b).
(a) (b)
Figura 2.11: Diagrama discreto de comprimento-tensão da contribuição contráctil de um único sarcómero totalmente activado [25] (a) e a mesma relação escalada para todo o músculo [26] (b).
Os coeficientes a e b são valores que definem as assimptotas que geram a hipérbole na curva da
Figura 2.12. O intervalo observado para a taxa de variação do comprimento muscular é
,
onde é o valor máximo da velocidade contráctil, normalizada como sendo
[1].
Figura 2.12: Relação força-velocidade [31].
Apenas a contribuição activa dos músculos é afectada pela velocidade. As forças passivas,
mencionadas anteriormente, consideram-se as mesmas para qualquer velocidade muscular, isto é,
apenas dependem do comprimento do músculo, não possuindo dissipação.
15
Escala de Activação
No modelo considerado neste trabalho, as forças produzidas por um músculo são classificadas de
forças de elementos passivos e forças de elementos contrácteis. Ambos dependem do comprimento
das fibras musculares Lm, mas a última está também condicionada pela velocidade muscular
contráctil e pelo nível de activação . Assume-se que todas as fibras respondem a uma
activação neurológica da mesma maneira (o que não é completamente verdade, visto que se sabe
que existem vários tipos de fibras musculares com diferentes padrões de contracção) e por isso é
considerado que as curvas de força-comprimento e força-velocidade são linearmente escaladas pela
activação a(t) como pode ser observado na Figura 2.13 [23].
A força exercida pelo elemento contráctil é então composta por um factor dependente da relação com
o comprimentos muscular e a velocidade
.
Figura 2.13: Escala de activação: Relações de força-comprimento e força-velocidade para diferentes níveis de activação muscular a(t) [31].
Este factor é multiplicado por a(t) como indicado na Equação 2.6.
( )
( )
( )
(2.6)
O factor a multiplicar pela activação muscular am(t), corresponde à força muscular contráctil disponível
referida como e que está indicado na Equação 2.7.
( )
( )
(2.7)
Este termo representa um papel fundamental na descrição do modelo constitutivo muscular e
considerando independente o termo da activação pode-se escrever da seguinte forma:
(2.8)
Expressões Analíticas
Para ser possível descrever as características mais importantes do modelo da dinâmica de
contracção descrito anteriormente, as expressões matemáticas usadas são as desenvolvidas nos
trabalhos de Kaplan [28] e Silva [26]. Essas expressões têm em conta as propriedades atrás
mencionadas.
As relações de força-comprimento e força-velocidade do elemento contráctil, referidas na Equação
2.6. são descritas na Equação 2.9 e Equação 2.10.
16
( )
[[
(
)]
[ (
)]
]
(2.9)
( )
{
(
)
(2.10)
A Equação 2.10 é a expressão usada que corresponde à relação na Equação 2.5. A força do
elemento passivo apenas dependerá do comprimento muscular e a aproximação matemática
usada é:
( ) {
(2.11)
Ilustração 2.14: Diagrama de blocos das que representa um sistema biomecânico em dinâmica directa do modelo muscular contráctil, adaptado de (Pereira, 2009).
17
Modelo Bilinear
No processo de modelação da dinâmica muscular optou-se por construir um segundo modelo. Este
modelo resulta de um conjunto de equações lineares que têm como variáveis de entrada o
comprimento e muscular, a variação do comprimento muscular e um valor normalizado de activação.
O objectivo da construção deste modelo é para tornar possível a comparação das curvas de rigidez
entre um modelo bi-linear e um modelo não-linear.
A Figura 2.15 representa o modelo adoptado, sendo A1 e A2 as activações dos grupos musculares
flexores plantar e dorsiflexores respectivamente [34].
Ilustração 2.15: Modelo do sistema tornozelo-pé humano [34].
As equações que caracterizam este modelo são:
( ) (2.12)
Sendo que a equação dinâmica do sistema traduz-se por:
( ) (2.13)
Factores de amortecimento e rigidez relativos ao tornozelo respectivamente, devido às
propriedades passivas dos tecidos que envolvem o tornozelo.
18
2.3 Complexo Tornozelo-Pé
A perna e o pé fazem parte da unidade de locomoção, mais especificamente, do membro inferior. O
membro inferior livre está ligado à região pélvica pela articulação da bacia e consiste no osso da coxa
(fémur), a perna incluindo a tíbia e a perónio, e o pé, que consiste no tornozelo, metatarsos e dedos
Figura 2.16 (a).
A articulação do pé e do tornozelo é uma estrutura complexa, formada por várias articulações com
diferentes características, que estão envolvidas no movimento que ocorre entre o pé e a perna. Esta
estrutura suporta e propulsiona o corpo assim como absorve a energia de impacto que ocorre durante
a passada, enquanto permite a rotação necessária à adaptação em terrenos acidentados. O pé pode
também ser classificado em três elementos: antepé (cinco metatarsos e as falanges), mediopé
(navicular,cuboide e cuneiforme medial,intermédio e lateral) e retropé (calcâneo e talus), apresentado
na Figura 2.16 (b).
Figura 2.16: (a) Ossos e articulações dos membros inferiores (adapted from Whittle, 2007 p. 6), (b) Ossos e articulações do pé – lateral view (Faller, et al., 2004 p. 183).
As quatro principais articulações que compõem o complexo tornozelo-pé, são Figura 2.16 (b):
articulação superior do tornozelo, articulação subtalar, articulação transversa do tarso e articulação
metatarsofalangeanas. A articulação do tornozelo é formada pela tíbia, perónio e o talus, e os
movimentos nesta articulação são chamados de dorsiflexão e flexão plantar. Os movimentos na
articulação transversa do tarso, são os movimentos laterais, chamados de eversão e inversão (Faller,
et al., 2004 p.182).
Figura 2.17: Articulações do pé e tornozelo de maior significado funcional durante a passada (áreas a preto): talocrural, subtalar, midtarsal, and metatarsophalangeal (Perry, 1992 p. 69).
19
Pretendendo um modelo computacional mais simples da unidade locomotora, foi considerada e aceite
uma abordagem onde é quantificada a cinemática do pé e tornozelo durante a passada como
representação de todo o pé como um único corpo rígido, com uma junta de revolução no plano sagital
(Harris, et al., 2008 p.384). Pela mesma razão, a articulação lumbosacral foi considerada fixa. Desta
forma, apenas os movimentos que ocorrem no plano sagital serão considerados (Figura 2.17).
As forças musculares são os motores e travões do movimento humano. Os binários gerados pelos
músculos esqueléticos são coordenados com binários de forças externas, proporcionando um
movimento humano desejado (Knudson, 2007 p.49).
De acordo com o tema desta dissertação, os músculos de maior interesse são aqueles que geram
movimento na articulação do tornozelo (Figura 2.18). Sempre que a articulação do tornozelo se move
segundo o plano sagital, todos os músculos que controlam esse movimento são classificados de
dorsiflexores ou flexores plantares (Perry, 1992 p.55).
Figura 2.18: Músculos da perna: (a) Vista anterior, (b) Vista posterior (Whittle, 2007 p. 13).
O grupo responsável pela dorsiflexão e supinação do pé, é composto por quatro músculos: extensor
longo do halux, extensor longo dos dedos, peroneo longo e tibial anterior. Os primeiros dois músculos
inserem-se nos dedos, provocando a extensão dos mesmos. O músculo longo do perónio insere-se
nos ossos do tarso, levantando lateralmente o pé. O tibial anterior insere-se também nos ossos do
tarso, sendo o principal dorsiflexor e supinador do pé, enquanto os restantes são dorsiflexores mais
fracos.
A flexão plantar do pé é geralmente actuada por um grupo de sete a oito músculos: solear,
gastrocnémios, tibial posterior, flexor longo do halux, flexor longo dos dedos, perónio longo, perónio
curto e por vezes o plantar.
O grupo muscular mais forte no flexor plantar consiste em músculos superficiais, compostos
normalmente por dois ou três músculos: o solear, o gastrocnémio e por vezes o plantar. Eles
agrupam-se no tendão de Aquiles, que por sua vez se insere no calcâneo (Faller, et al.,2004 p.182).
Os outros cinco músculos actuam como flexores plantares fracos.
20
2.3.1 Cinemática da Passada Humana
Uma completa descrição das coordenadas espaciais e das convecções adoptadas é fundamental
quando se analisam variáveis cinemáticas (Figura 2.19a). Os ângulos são definidos no sistema de
referências espaciais usando o sentido contrário ao ponteiro dos relógios como positivo (Figura
2.19b). Também as velocidades angulares e as acelerações são positivas nessa direcção do plano do
movimento, o que é essencial para uma subsequente analise cinética consistente. A convenção para
os ângulos articulares (que são relativos) é assunto de discussão entre investigadores, havendo a
necessidade de clarifica-lo (Winter, 2004 p.54). Focando-nos no movimento ao longo da articulação
do tornozelo, a dorsiflexão causa uma amplitude articular positiva, enquanto a flexão plantar causa
valores negativos para a amplitude articular do tornozelo (Figura 2.19b). Nas figuras A.1 (a)-(c), em
anexo no apendix A, podem ser consultados os valores médios de posição, velocidade e aceleração
angulares para diferentes velocidades de marcha.
Figura 2.19: (a) Posição anatómica com o sistema de coordenadas espaciais usado em toda a análise de dados (adaptação do Whittle, 2007), (b) Localização dos marcadores e os ângulos das articulações definidas segundo a
convenção estabelecida (Winter, 2004).
2.3.2 Cinética da Passada Humana
A cinética da passada humana representa as forças e momentos que provocam o movimento do
corpo humano (Harris, et al., 2008 p.133), onde as forças internas e externas são incluídas. As forças
internas surgem da actividade muscular, ligamentos ou fricção nos músculos, enquanto as forças
externas vêm do contacto com o chão ou carregamentos externos (Winter, 2004 p.10).
Comparativamente à cinemática, a cinética é mais difícil de avaliar, sendo que existem muitas
combinações possíveis para forças musculares que resultam no mesmo padrão de movimento
(Winter, 1991 p.35), e a medições não podem ser directamente observadas (Rose, et al., 2006 p.53).
O cálculo das diferentes variáveis tal como momentos intersegmentais, trabalho, energia mecânica,
potência, implica o uso das leis de Newton (Tipler, et al., 2004 p.85) e a lei da conservação da
energia (Tipler, et al., 2004 p.183), de forma a ser possível interpretar o que acontece em cada fase
da passada (Winter, 1991 p.35).
Neste trabalho, o foco principal é na análise cinética relacionada com os momentos gerados nas
articulações do tornozelo. A convenção para os momentos no plano da progressão está ilustrado na
Figura 2.20a. Os momentos com sentido contrário ao do ponteiro dos relógios são considerados
positivos, enquanto no sentido do ponteiro dos relógios são negativos.
21
Figura 2.20: (a) Convenção biomecânica para momentos (adaptado do Winter, 1991 p. 39), (b) Esquema do pé durante a passada – diagrama de corpo livre mostrando o momento do tornozelo, peso do pé (W_foot), e força de reacção do chão (FGRF) (Rose, et al., 2006 p. 5), (c) Ankle moment of force per body mass during a gait cycle
in normal cadence (Winter, 1991 p. 41).
Focando no momento gerado no tornozelo, a dorsiflexão gera momentos negativos no pé, enquanto a
flexão plantar gera momentos positivos. Numa passada normal, a amplitude articular não atinge
limites extremos, resultando do facto do momento nominal ser fruto apenas da combinação das
forças musculares. Olhando para a cinética da articulação do tornozelo, o diagrama de corpo livre
representado na Figura 2.20b exibe as forças aplicadas durante o ciclo de passada. Dessa forma, o
momento a actuar na articulação do tornozelo ( ) é:
(2.12)
Onde é a inercia rotacional do tornozelo, a aceleração angular, e os vectores posição
do centro de massa (COM) e o centro de pressão (COP) relativo ao centro de rotação da articulação,
respectivamente. Geralmente, as forças de reacção do chão e o centro de pressão, que variam no
tempo, são medidos usando sensores específicos para o efeito. Nas figuras A.1 (d) e A.1 (e), em
anexo no Apêndice A, é possível analisar valores médios de binário e potência em torno do
tornozelo durante diferentes velocidades de marcha.
Para efeitos de modelação e posterior simulação, foi necessário proceder a um conjunto de ensaios
laboratoriais para obter dados cinemáticos e cinéticos da marcha, e, paralelamente o registo da
actividade muscular dos músculos em estudo.
Figura 2.21: Análise dinâmica, realizada no software QTM, apresentando a verde o rasto da força de contacto com o chão durante a passada, a vermelho as forças de reacção em cada placa no instante demonstrado.
22
Figura 2.22: Descrição do braço para cálculo do momento da força e o angulo respectivo, para o referencial considerado.
Figura 2.23: Plano frontal do sujeito em estudo durante um teste de marcha. A região a verde representa o grupo dorsiflexor, o azul o grupo flexor plantar e os pontos brancos são marcadores utilizados para aquisição
tridimensional de coordenadas.
23
Foram realizados um conjunto de testes – 10 ensaios de marcha - para dar significado estatístico à
informação e para consequentemente ser usada na simulação. Os dados apresentados nas Figuras
2.24-2.28 são relativos ao plano sagital.
Figura 2.24: Média e desvio padrão, de valores de activação muscular, dos ensaios realizado para cada grupo antagonista (Medido por electromiografia, como descrito no Cap. 3).
Figura 2.25: Valores médios das forças de reacção no chão. Fx e Fy.
24
Figura 2.26: Representação de dados cinemáticos utilizados no cálculo do binário resultante no tornozelo.
Figura 2.27: Representação dos níveis de activação muscular do grupos dorsiflexor e flexor plantar juntamente com o binário no tornozelo resultante do contacto com o chão.
25
Figura 2.28: Representação dos níveis de activação muscular dos grupos dorsiflexor e flexor plantar juntamente com o angulo entre a tíbia e o pé.
26
27
3 Electromiografia
3.1 Aquisição de Sinais Electromiográficos
A Figura 3.1 ilustra a forma como o sinal EMG é gerado ao mesmo tempo que aumenta a excitação
celular. Verifica-se que com o aumento da excitação, maior número de unidades motoras são
recrutadas e a frequência dos disparos de todas as unidades motores activas aumenta
simultaneamente. Para contracções sustentadas a níveis elevados de força, o efeito de acumulação
de fadiga pode causar uma flutuação em torno do valor nominal de excitação, então as unidades
motoras de amplitudes relativamente altas são recrutadas e dispensadas causando o aumento da
variação do sinal EMG (e na força).
A sequência temporal dos disparos de uma unidade motora é referida como Motor Unit Action
Potencial Train (MUAPT).
Figura 3.1: Relação entre os MUAPT e o sinal EMG (De Luca CJ and Erim Z. Common drive of motor units in regulation of muscle force, 1994 p.299).
A qualidade e fidelidade do sinal sEMG (Surface Electromiography) detectado determinam a utilidade
da informação extraída do sinal de sEMG. Maus dados levam a resultados contaminados e
interpretações comprometidas. Os factores dominantes são: localização do sensor, características do
sensor, ruido, interface eléctrodo-pele e interferência de outros músculos (cross-talk). O único esforço
que pode ser feito pelo utilizador é o de tentar maximizar a qualidade do sinal adquirido. Isso é
conseguido através do uso de equipamento de alta qualidade, aplicando o sensor de sEMG e o de
referência correctamente na pele, e, mais importante, colocando o sensor na região central do
músculo. Esta última acção melhora significativamente o cross-talk e reduz o efeito do ruído, e
contribui mais para um sinal de sEMG de alta qualidade, do que qualquer outro procedimento.
A localização do sensor na superfície do músculo faz variar significativamente as características do
sinal de sEMG. É importante ter em conta que na proximidade da origem dos tendões, zonas de
enervação e do perímetro do músculo os sensores emitem um sinal de amplitude mais reduzida. As
fibras na região central do músculo possuem maior diâmetro do que as fibras na periferia do músculo
ou perto da origem dos tendões. Como a amplitude do potencial de acção das fibras musculares é
proporcional ao diâmetro da fibra, a amplitude do sinal de EMG será maior na região central do
músculo. Um sensor colocado na zona de enervação irá detectar o cancelamento dos potenciais de
acção que viajam na direcção oposta, originando um sinal de menor amplitude.
28
A localização ideal será sempre longe dessas fronteiras, de encontro à região central das superfícies
do músculo, Figura 3.2.
Figura 3.2: Localização do sensor, variação da amplitude do sinal de EMG (De Luca CJ. The use of surface electromyography in biomechanics. Journal of Applied Biomechanics, 13: 135-163, 1997).
Existem também diversas fontes de ruído que têm de ser tomadas em conta. Ruído fisiológico, ruído
do ambiente, ruído de base e ruído proveniente do movimento.
O ruído fisiológico tem origem noutros tecidos que geram sinais eléctricos, como EKG, EOG,
músculos respiratórios, etc. É possível reduzir esta perturbação colocando o sEMG o mais afastado
possível da fonte desse ruído ou rodando o sensor para que os eléctrodos se alinhem com o plano
equipotencial.
O ruído ambiente (ruído de fontes de tensão ou movimento de cabos eléctricos) resulta de radiação
electromagnética presente em qualquer ambiente. O ruído das fontes de tensão (50 ou 60Hz), não
são normalmente uma preocupação, por causa dos amplificadores diferenciais tecnologicamente
mais avançados. O artefacto dos cabos eléctricos normalmente aparece quando os cabos que ligam
os eléctrodos ou sensores ao amplificador passam por um campo electromagnético que pode gerar
um potencial suficientemente grande que pode ficar registado na leitura dos sensores. A tecnologia
mais moderna de EMG usa agora sensores que possuem um primeiro estágio de amplificação fora ou
a centímetros da localização dos sensores. A saída desse primeiro estágio de amplificação tem uma
impedância baixa, resultando numa praticamente inexistente geração de um artefacto proveniente do
movimento dos cabos.
O ruído de base tem origem na electrónica do sistema de amplificação e na interface entre a pele e o
eléctrodo. Pode-se observar esse efeito quando o sensor está fixo na superfície da pele e o músculo
está completamente relaxado. A troca iónica entre o metal no eléctrodo e os electrólitos nos sais da
pele (também conhecida por interface electrólito-eléctrodo) gera um ruído electroquímico. A
magnitude deste ruido é proporcional à raiz quadrada da resistência na superfície do eléctrodo
[Huigen et al., 2002]. Contudo, é possível reduzir esse efeito aumentando a área do eléctrodo e
limpando a superfície do eléctrodo, mas não pode ser eliminada. O ruido térmico, por sua vez, é
gerado no primeiro estágio do amplificador e é resultado de uma propriedade física dos
semicondutores. Ambos os ruídos são referidos como ruídos de 1/f, com a amplitude do espectro de
frequência superior a 0 Hz e decrescente continuamente com o aumento da frequência [Huigen et al.,
2002]. De acordo com Fernandez e Pallas-Areny [2000] o ruído electroquímico é geralmente superior
ao ruído térmico.
O ruído ambiente e o de base podem ser substancialmente reduzidos até ao nível em que se tornam
uma contaminação insignificante do sinal usando tecnologia mais moderna, pela preparação efectiva
da pele que está em contacto com sensor sEMG, e pelo uso apropriado dos eléctrodos de referência.
29
O ruído proveniente do movimento também tem origem na interface eléctrodo-pele. Esta perturbação
é a que requer mais atenção, e surge normalmente de duas fontes. A primeira ocorre quando um
músculo contrai e relaxa causando uma alteração no alongamento do músculo e na sua área de
secção. Esta transformação volumétrica estica e relaxa a pele que por sua vez altera o balanço
electroquímico na interface pele-eléctrodo, causando uma variação temporal da tensão que atravessa
os dois eléctrodos. A outra fonte, muito mais significativa, surge quando a força impulsiva com origem
no músculo, ou de origem externa ao membro como no caso do impacto do calcanhar no chão, é
transmitida para os eléctrodos. Este fenómeno é consideravelmente amplificado na presença de um
gel hidrofilico que é muitas vezes colocado entre o eléctrodo e a pele [Roy et al., 2007]. É difícil
reduzir e praticamente impossível eliminar este tipo de ruído.
Figura 3.3: Remoção da interferência da rede com a utilização de um eléctrodo diferencial simples (De Luca CJ. The use of surface electromyography in biomechanics. Journal of Applied Biomechanics, 13: 135-163, 1997).
Como é possível verificar na Figura 3.3, cada sensor possuí dois eléctrodos que detectam dois
potenciais diferentes (v1 e v2, que na figura estão representados como tensões) em relação a uma
referência que se encontra a uma distância significativa do sensor sEMG. Estes potenciais são
causados pelas correntes iónicas que viajam através das fibras musculares sob os eléctrodos. Ambos
os potenciais são contaminados por outras fontes de ruído mencionadas anteriormente.
O ruído ambiente, representado na Figura 3.3 por (n), tem origem em fontes muito mais distante dos
sensores (radiação de linhas de potência de 50 ou 60 Hz e radiação de alta frequência resultante de
sistemas de comunicação electrónicos, estações de rádio, estações de televisão, etc.) e chegará aos
eléctrodos praticamente ao mesmo tempo, ou “em fase”. Este ruído é normalmente conhecido como –
sinal modal. Contudo, como o sinal de EMG viaja a velocidades compreendidas entre 2.5 a 5 m/s, os
sensores “vêm” apenas a diferença de potencial resultante da actividade muscular. Pela razão focada
anteriormente, na subtracção dos dois potenciais, o ruído ambiente é removido e a diferença (v1 – v2)
é detectada como um sinal de sEMG.
Para o uso apropriado e preciso do sEMG, o utilizador tem de ter em conta a origem do sinal. Se um
sensor é colocado num local particular por cima de um grupo de músculos, então o sinal sEMG
detectado resulta do estímulo eléctrico de todos os músculos na proximidade. A informação nesse
sinal é limitada à activação de todo o grupo muscular e à contribuição para a força de todos os
músculos envolvidos.
Se o pretendido consiste em fazer leituras mais precisas, o sensor deve então ser colocado por cima
do músculo que se pretende analisar, como na Figura 3.4. Se a intensão é comparar a performance
de um músculo respectivamente a outro ou comparar o desempenho de um músculo específico em
diferentes indivíduos, então o cross-talk proveniente de outros músculos torna-se problemático.
30
Figura 3.4: Origem do sinal sEMG, cross-talk (De Luca CJ. The use of surface electromyography in biomechanics. Journal of Applied Biomechanics, 13: 135-163, 1997).
O uso de sensores, com uma área dos eléctrodos e um espaçamento, entre eles, muito grande, leva
à detecção de cross-talk que é muitas vezes mal interpretado como actividade do músculo
monitorizado.
Os dados do exemplo da Figura 3.5 foram obtidos durante um ciclo da passada de um individuo
normal, com uma configuração dos sensores como a apresentada no canto superior direito da
imagem.
Figura 3.5: Cross-Talk, contaminação do sinal (De Luca CJ. The use of surface electromyography in biomechanics. Journal of Applied Biomechanics, 13: 135-163, 1997).
Notar que o sinal de cor vermelha representa cross-talk, um sinal com origem noutro músculo. Com
sensores de menor espaçamento entre eléctrodos e com a área dos mesmos mais reduzida, a
perturbação proveniente do cross-talk será substancialmente inferior, como é possível verificar na
Figura 3.6.
31
Figura 3.6: Medição de Cross-Talk (De Luca CJ. The use of surface electromyography in biomechanics. Journal of Applied Biomechanics, 13: 135-163, 1997).
3.2 Processamento de Sinais Electromiográficos
O propósito do processamento do sinal sEMG consiste em determinar um perfil de activação para
cada músculo. Um sinal de sEMG em bruto é adquirido em forma de tensão e pode ser tanto negativo
como positivo, contudo a activação muscular é expressa numa gama de valores entre 0 e 1, que
posteriormente é filtrada de acordo com a relação que se pretende entre o EMG e a activação
muscular.
A primeira tarefa consiste em processar o sinal de sEMG em bruto tal que, após manipulação, possa
ser usado para estimar uma activação muscular. Para atingir este objectivo, o primeiro passo é
remover qualquer offset resultante da interferência da corrente continua ou de ruído de baixa
frequência. Com amplificadores de baixa qualidade ou movimento dos eléctrodos, é possível ver o
valor médio do sinal sEMG em bruto a variar no tempo. Este fenómeno não é bom porque é um
artefacto, não fazendo parte do sinal proveniente do músculo. Pode ser corrigido pelo uso de um filtro
passa-alto no sinal de sEMG onde se elimina o ruído de baixa frequência (permitindo a passagem
dos componentes de alta frequência). Este procedimento deve ser efectuado antes de se rectificar o
sinal e a frequência de corte deve situar-se num intervalo entre 100-120 Hz, dependendo do tipo de
filtro e eléctrodos usados. Este filtro pode ser implementado em software e, caso seja possível, o
mesmo deverá ter atraso nulo (por exemplo um filtro compensador de avanço ou atraso de
Butterworth de 4ª ordem), para que a filtragem não provoque uma desfasagem no tempo do sinal de
sEMG. Assim que o filtro é implementado, é seguro rectificar o sinal e retirar os seus valores
absolutos em cada ponto, resultando num sinal de sEMG rectificado.
A forma mais simples de transformar um sinal sEMG rectificado em activação muscular é
normalizando o mesmo, que é feito dividindo o mesmo pelo valor máximo encontrado no sinal de
sEMG rectificado, obtido numa contracção voluntária máxima (CVM), e aplicando depois um filtro
passa-baixo no sinal resultante. Normalizar o sinal pode ser muito complicado, pela simples razão de
que é muito difícil definir a verdadeira CVM. É sugerido que os valores máximos sejam adquiridos
separadamente para cada músculo. Se isto for feito, torna-se irrelevante se o binário na articulação
se encontra num pico de activação quando as aquisições são feitas porque o binário na articulação é
uma função da actividade de todos os músculos. Assegurando que determinado músculo está no
máximo da sua curva comprimento-força, irá ajudar a garantir que esse mesmo músculo produzirá a
máxima força durante a contracção.
32
O sinal de sEMG rectificado deve ser filtrado com um filtro passa-baixo porque o músculo age
naturalmente como um filtro e pretende-se que esse efeito se mantenha na transformação EMG-
força. Isto é, apesar do sinal eléctrico passar, através dos músculos, a uma frequência acima dos 100
Hz, a força gerada pelos músculos tem frequências muito mais baixas. Essa característica é típica em
todos os motores mecânicos. Nos músculos existem vários mecanismos que causam esta filtragem,
por exemplo, a dinâmica do cálcio, a quantidade limitada de tempo na transmissão, os potenciais de
acção ao longo de todo o músculo e a viscoelasticidade do conjunto músculo e tendão. Sendo assim,
para poder correlacionar o sinal de sEMG com a activação muscular, é importante filtrar os
componentes de alta frequência. A frequência de corte irá variar dependendo do tipo de filtro usado,
mas será assumido um valor na ordem dos 3 a 10 Hz (Buchanan et al., 2006).
3.2.1 Componente Experimental da Aquisição Electromiografia
No presente trabalho houve a necessidade de se proceder a uma aquisição em tempo real, ou seja,
que os dados provenientes dos sensores electromiográficos fossem processados e utilizados no
controlador em tempo real. Para isso, no laboratório de robótica recorreu-se a uma placa de aquisição
ligada a um XPC-Target (Simulink), tendo como objectivo o aproveitamento da leitura analógica
proveniente do amplificador Bagnoli-16 e convertendo-a em sinal digital capaz de ser processado
pelo XPC-Target. Nas figuras seguintes estão representados os equipamentos utilizados para a
aquisição de sinal, desde o dispositivo de aquisição e amplificação de sinal Bagnoli-16 (Figura 3.7-
3.8), a placa de aquisição que faz a ligação ao XPC-Target (Figura 3.9), os sensores de
electromiografia (Figura 3.10), e o XPC-Target (Figura 3.11).
Figura 3.7: Unidade principal de amplificação Bagnoli-16 (Delsys®).
Figura 3.8: Saídas analógicas do Bagnoli-16.
33
Figura 3.9: Breakout board da placa de aquisição Humusoft (Humusoft®), para interface entre o Bagnoli-16 e o
XPC-Target
Figura 3.10: Montagem experimental de aquisição sEMG com sete canais e com acoplamento de goniómetro.
Figura 3.11: XPC-Host (computador portátil) em primeiro plano e em segundo plano o XPC-Target juntamente com a unidade de aquisição e amplificação Bagnoli-16.
34
A importância desta componente experimental prende-se com o facto do controlador de impedância,
que se pretende implementar, dependa dos sinais electromiográficos. Por isso, é fundamental que
seja possível aceder a essa informação em tempo real. O goniómetro serve para ter uma medida
aproximada da amplitude articular em sincronização com a variação dos sinais Electromiográficos
adquiridos. Na Figura 3.12 está ilustrado um ensaio em estado livre, ou seja, sem contacto com chão
ou quaisquer outras forças externas.
Figura 3.12: Representação dos níveis de activação dos grupos musculares dorsiflexores e flexores plantares para a amplitude articular lida pelo goniómetro, ensaio com o pé em estado livre suspenso no ar.
35
4 Simulação e Controlo do Complexo
Tornozelo-Pé
Quando um sistema passivo está munido de componentes activos, é necessário garantir uma
estratégia de controlo que produza o comportamento desejado. Quando se pretende dotar uma
ortótese com um actuador que assista patologias ao nível do tornozelo, diversas estratégias de
controlo podem ser implementadas.
Quando se está a desenvolver um controlador, é necessário criar um esquema de controlo onde são
definidas as variáveis manipuladas e controladas. Na secção 4.1 são apresentadas as estratégias de
controlo que se pretendem implementar. Definindo o esquema de controlo, é necessário conhecer o
comportamento dinâmico dos fenómenos físicos envolvidos, que podem ser compreendidos pelo
estudo das suas descrições matemáticas. Equações matemáticas, tipicamente diferenciais, são
usadas para descrever o comportamento de processos e para prever a sua resposta a diferentes
entradas (Antasaklis et al., 2006). Para o controlo de um dispositivo biomecânico, como uma ortótese
do tornozelo, é importante ter um modelo do mesmo onde o movimento, as forças e momentos que
actuam através do sistema tornozelo-pé possam ser obtidas. Por esta razão, a secção 4.2 apresenta
a simulação do movimento do pé para o modelo proposto.
4.1 Sistema de Controlo
O objectivo principal deste trabalho é garantir o controlo de um dispositivo biomecânico que pretende
assistir no movimento do tornozelo. Para este efeito são propostos dois controladores, um do tipo
proporcional derivativo P-D, e outro de impedância variável. O controlador P-D tem como função
garantir o posicionamento da ortótese, para impor ao utilizador um determinado movimento
consoante a fase da passada em que se encontra. Como é expectável, este destina-se a um
ambiente de reabilitação, onde o pé oscila livremente. Por outro lado, para imitar o controlo humano
dos membros é proposto também um controlo de impedância. Esta estratégia visa copiar o
comportamento biológico do tornozelo fazendo variar a sua rigidez e amortecimento durante as
diferentes fases da caminhada, recorrendo para isso à activação muscular, dos membros acoplados à
ortótese, registados pelo sistema de aquisição de sEMG.
4.2 Simulação do Complexo Tornozelo-Pé
A construção de um sistema de controlo para uma ortótese requer o uso de modelos matemáticos
como forma de tentar reproduzir a realidade. Um modelo é geralmente a simplificação do sistema que
se pretende compreender, permitindo que acções longas e complexas possam ser executadas de
forma mais segura, económica e rápida.
Desde que se optou por um actuador de força para o sistema de controlo, foi necessário desenvolver
um modelo dinâmico do complexo tornozelo-pé que estabeleça as relações entre os binários e as
forças do actuador e as posições, velocidades e acelerações das juntas. Na Secção 4.2.1 é fornecida
a informação relativa aos dados biomecânicos necessários para a modelação e posterior simulação.
Durante o ciclo de passada, o complexo tornozelo-pé está sujeito a diversos estados, onde ocorrem
movimentos, a nível da articulação do tornozelo, com uma gama vasta de amplitudes e forças
externas aplicadas no pé, caracterizando o sistema como não-linear. Um modelo simplificado está
36
representado na Secção 4.2.2, onde o complexo tornozelo-pé é aproximado a uma junta de revolução
com uma inércia associada. Este modelo é aceitável para o período de balanço livre, mas muito
limitado para a fase de apoio. O período de apoio é muito mais complexo, visto estar sujeito a forças
externas que vão actuar no pé. Necessitando de um modelo mais realista, na Secção 4.2.3 é
apresentado um modelo multicorpo do tornozelo-pé. Este modelo biomecânico considera a inércia
dos membros assim como a existência dos músculos e tecidos que pertencem aos mesmos, de forma
a ser possível simular um certo tipo de interacção passiva entre os membros e a ortótese.
4.2.1 Dados Antropométricos e da Passada Humana
Os dados usados na modelação e controlo computacionais, do modelo do tornozelo-pé, foram obtidos
a partir de aquisições realizadas no laboratório de biomecânica do Instituto Superior Técnico. Os
dados da passada englobam forças de reacção no chão e dados da captura do movimento de
aproximadamente 2 segundos de caminhada, a uma taxa de 100 imagens por segundo. Os
marcadores foram colocados nas extremidades do sistema locomotor, dedos, quinto metatarso,
calcanhar, malelo lateral (tornozelo), cabeça da fíbula e epicôndilo da tíbia (joelho). O sistema de
coordenadas dos dados da passada corresponde ao sistema apresentado na Figura 4.1.
Quando se desenvolve um modelo biomecânico, é importante considerar a massa dos segmentos
que constituem os membros, a localização do centro de massa (CM), o comprimento dos segmentos,
os centros de rotação e os momentos de inércia. Um modelo realista depende tanto da cinemática e
cinética como da qualidade e de quão completas são as medidas antropométricas (Winter, 2004 p. 9).
Para os modelos biomecânicos apresentados nas subsecções seguintes, os parâmetros foram
obtidos da tabela antropométrica disponível em (Winter, 2004 p. 63). Em particular, o momento de
inercia médio do tornozelo, , calculado através dos dados antropométricos, foi de 0.012 kg m2.
Para o sistema de controlo é necessário recorrer a parâmetros que se prendem com as propriedades
geométricas e fisiológicas dos músculos envolvidos na passada, ou mais especificamente, com a
cinemática e cinética do tornozelo. No modelo biomecânico adoptado, a estrutura músculo-
esquelética é constituída apenas pelo conjunto tíbia e pé, assim como pelos músculos responsáveis
pela dorsiflexão e flexão plantar. Na Tabela 4.1 estão definidos os sistemas de coordenadas para
cada elemento que constitui o sistema multicorpo.
Figura 4.1: Esquema com as diferentes vistas do modelo simples da perna. Imagem retirada do software OpenSim [72]. Apenas a imagem com a vista lateral possui os referenciais locais.
37
Coordenadas Proximais Coordenadas Distais
Elemento bn ξ [m] η [m] ζ [m] ξ [m] η [m] ζ [m]
Tronco 1 - - - - - -
Coxa 2 0.00 0.00 0.215 0.00 0.00 -0.219
Canela 3 0.00 0.00 0.151 0.00 0.00 -0.288
Pé 4 -0.04980 0.00 0.06882 0.07529 0.00 -0.03042
Tabela 4.1: Tabela que apresenta as coordenadas locais que definem cada corpo rígido que constitui a perna [26].
O conjunto de músculos escolhidos para a predição da força muscular, responsáveis pela dorsiflexão
e flexão plantar, estão representados na Tabela 4.2 respectivamente.
Tibial Anterior
ξ [m] η [m] ζ [m]
603 5 0.098 0.223 3 3 0.0185 -0.0119 -0.1674
3 0.0339 0.0182 -0.4073
4 0.0571 0.0224 -0.0239
Solear
ξ [m] η [m] ζ [m]
2839 25 0.03 0.268 2 3 -0.0025 -0.0073 -0.158
4 -0.0439 0.0026 -0.0108
Gastrocnémio Medial
ξ [m] η [m] ζ [m]
1113 17 0.045 0.408 3 2 -0.0137 0.0254 -0.4246
2 -0.0273 0.0281 -0.441
3 -0.0224 0.0304 -0.0502
Gastrocnémio Lateral
ξ [m] η [m] ζ [m]
488 8 0.064 0.385 4 2 -0.0167 -0.0119 -0.1674
2 -0.0303 0.0182 -0.4073
3 4
-0.0249 -0.0439
-0.0242 -0.0026
-0.0496 -0.0108
Tabela 4.2: Tabela que contém os parâmetros geométricos e fisiológicos dos músculos responsáveis pela dorsiflexão e flexão plantar [26].
O ciclo da passada humana é predominantemente o resultado do movimento dos membros inferiores
de um indivíduo enquanto caminha, e que é composto por duas fases: A fase de apoio (período onde
o membro, neste caso a perna direita, está em contacto com o chão) e a fase de balanço (período
onde o pé não está em contacto com a superfície do chão), como descrito na Figura 4.2.
38
Figura 4.2: Esquema com a progressão relativa ao ciclo de passada, indicando a fase de apoio e de balanço [74].
A fase de apoio começa com o contacto inicial do calcanhar, contacto conhecido como Hell Strike
(HS). Iniciando-se um período de duplo apoio que resulta num patamar de resposta à carga. Por volta
dos 20% do ciclo de marcha, o dedo do membro oposto deixa de fazer contacto com o chão, dando
inicio ao que denomina por Opposite Toe Off (OTO). O corpo vai então avançando enquanto a perna
direita suporta o peso do indivíduo, passando para a fase média de apoio a cerca de 30% do ciclo. A
fase final deste período acontece quando o membro inicia o movimento de balanço, mesmo antes do
contacto do calcanhar oposto com o chão, Opposite Heel Strike (OHS). Quando o OHS surge
(aproximadamente nos 50% da passada), inicia-se um novo período de duplo suporte, e a fase de
pré-balanço começa.
As aquisições realizadas no laboratório permitiram a aquisição de dados cinemáticos e cinéticos
relativamente à marcha. Segundo o protocolo adoptado, a disposição dos marcadores para a
detecção da trajectória dos membros em estudo, foram colocados na disposição apresentada na
Figura 4.3.
Figura 4.3: Esquema com posições dos marcadores e o sistema de eixos considerado. Presente na figura está também a projecção das coordenadas dos marcadores no plano sagital e a orientação da amplitude articular do
tornozelo.
39
Usando o referencial apresentado na Figura 4.3, o deslocamento da cabeça do fémur e os valores da
amplitude articular da bacia, joelho e tornozelo estão apresentados na Figura 4.4 e Figura 4.5
respectivamente.
Figura 4.4: Valores de deslocamento horizontal e vertical no plano sagital do Individuo, para aproximadamente 2,5 segundos de marcha.
Figura 4.5: Valor de amplitude angular para as diferentes articulações do membro inferior, relativamente ao plano sagital e para um período de aproximadamente 2,5 segundos de marcha.
Para ser possível fazer a análise cinética da marcha, tendo em vista o binário de reacção na
articulação do tornozelo, foi necessária a aquisição de dados referentes a força de reacção (Figura
4.5) assim como as coordenadas do tornozelo e do ponto de pressão (Figura 4.6) para posterior
cálculo do binário.
40
Figura 4.6: Forças de reacção adquiridas por plataformas de força referentes ao plano sagital.
Figura 4.7: Valores do deslocamento horizontal e vertical do tornozelo, e as coordenadas do ponto de pressão resultante do contacto do pé com a plataforma de forças.
Para se proceder ao cálculo do binário resultante das forças de reacção, é necessário recorrer a uma
simplificação. Assume-se que o ponto de pressão apenas se desloca no plano sagital e nunca em
direcções transversais a este, ou seja, que todas as forças aplicadas no pé por meio de um ponto de
contacto nunca resultam num binário que não seja perpendicular ao plano sagital. Para se tomar essa
premissa como plausível, recorreu-se a uma plataforma de pressão que determina o trajecto do ponto
de pressão no plano transversal como descrito na Figura 4.7.
41
Figura 4.8: Imagem que traduz as diversas posições do ponto de pressão durante o período de apoio. A recta cor-de-rosa representa a trajectória média do ponto de pressão.
Pelas características da trajectória do ponto de pressão, ilustrado na Figura 4.8, pode-se assumir que
todo o deslocamento se realiza no plano sagital, dessa forma o binário resultante, usando como braço
a distância entre o tornozelo e o ponto de pressão, é o apresentado na Figura 4.9.
Figura 4.9: Binário computacional resultante da multiplicação das forças de reacção pela distância entre o tornozelo e o ponto de pressão.
42
Está representado na Figura 4.9 o valor do binário gerado, pelo contacto do pé com o chão, na
articulação do tornozelo, usando para esse efeito os valores gerados na plataforma de forças, as
coordenadas do centro de pressão e as coordenadas do tornozelo. As coordenadas espaciais servem
essencialmente para calcular o braço do momento da força e saber o sentido do binário gerado, se
positivo ou negativo face ao referencial usado.
4.2.2 Modelo Simplificado do Tornozelo-Pé
A abordagem que foi tomada quando se pretendeu obter o modelo simplificado do tornozelo-pé,
resultou num compromisso entre a simplicidade do próprio modelo e a precisão dos resultados,
considerando que era necessário ignorar algumas das não linearidades inerentes ao sistema real,
facilitando a sua implementação. O objectivo principal era obter um modelo que conseguisse
reproduzir o comportamento fundamental do sistema físico. A aproximação para o modelo
simplificado do tornozelo-pé aplicando a segunda lei de Newton para um movimento rotacional
(Tipler, et al., 2004 p.287), com o binário do tornozelo, , é dado por:
(4.1)
onde é a inércia de rotação do pé relativa à massa do pé, e , a aceleração angular do tornozelo.
Esta equação pode ser escrita como função transferência usando a transformada de Laplace,
resultando:
(4.2)
A função transferência final representa um sistema de segunda ordem, instável, caracterizado por
dois polos na origem. Como simplificação, este modelo exclui viscosidade, que no entanto é conferida
pelo actuador muscular.
4.2.3 Modelo Biomecânico do Tornozelo-Pé
Foram desenvolvidos diversos modelos dinâmicos, com diferentes entradas e saídas para a
simulação do movimento humano. Parte das simulações têm em conta o ciclo completo da passada,
para tentar recrear da melhor forma possível o modelo dos membros inferiores, enquanto nas
restantes se foca apenas a fase de apoio para ter em conta um período específico da passada
humana para efeitos de optimização. Neste trabalho foi dada prioridade aos elementos do aparelho
locomotor abaixo do joelho. O objectivo foi de criar um modelo biomecânico onde a cinemática do
joelho e da perna fossem totalmente prescritas, deixando livre a articulação do tornozelo para
movimentos resultantes da acção da gravidade no pé e o binário resultante da acção dos músculos e
das forças de reacção do chão. Não foi criado qualquer modelo de contacto com o chão, para isso foi
adicionada uma perturbação ao sistema do complexo tornozelo-pé, com os valores do binário
resultante do contacto com o chão. Esses dados foram obtidos por meio de ensaios laboratoriais
recorrendo a plataformas de força e marcadores para aquisição de dados cinemáticos. O modelo
multicorpo do tornozelo-pé está representado na Figura 4.10.
43
Figura 4.10: : Esquema para o modelo multicorpo do tornozelo-pé e a cinemática de cada junta de revolução.
O modelo de simulação consiste num acoplamento entre a estrutura apresentada na Figura 4.10 e
um actuador de junta. Este actuador funciona como um músculo virtual, onde a lei de actuação
resulta da Equação 2.8. A cada bloco estão associadas equações não-lineares, cujos parâmetros
estão associados às características geométricas e fisiológicas dos músculos da Tabela 4.2. A Figura
4.11 apresenta o esquema de simulação em anel aberto, onde as entradas do sistema são as
activações musculares, comprimentos dos músculos, velocidade de alongamento dos músculos e o
binário de reacção do chão. As saídas do sistema são a amplitude articular e a velocidade angular do
modelo músculo-esquelético.
Figura 4.11: Modelo da estrutura músculo-esquelética, considerando a inércia do pé e sem atrito de junta. Modelo em anel aberto de um actuador baseado na dinâmica muscular.
44
Escolheu-se como o melhor conjunto de parâmetros apresentados na Tabela 4.3.
Dorsiflexor Flexor Plantar
136 0.1014 3300 0.0568
Tabela 4.3: Excerto da Tabela 5.1, correspondente ao sétimo processo de optimização, Tabela 5.1.
4.3 Controlo P-D
O controlo PID é o controlador mais usado (Levine,W., 2000 p. 216). A forma básica de um PID
consiste em três formas de actuação sobre o erro entre o sinal de referência e a saída do sistema. O
primeiro termo, P, representa o acção de controlo proporcional ao erro, ou seja, quanto maior o erro
maior acção de correcção. O segundo é o termo integral, I, que representa o integral do erro no
tempo, onde a correcção considera o tempo em que o erro este presente, isto é, quando mais tempo
o erro persiste, maior a correcção. O terceiro é o termo do erro derivativo, D, onde a acção de
correcção está relacionada com a derivada do erro no tempo, ou seja, quanto mais rápidas as
variações no erro, mais intensa a acção de correcção (Bishop, 2008 p. 3-8). A Figura 4.12 apresenta
um diagrama de blocos de um controlador clássico PID.
Figura 4.12: Diagrama de blocos de um controlador PID básico.
O objectivo do controlador apresentado nesta secção, é de controlar a saída do sistema por forma a
ser possível seguir uma referência que é variável no tempo, e que neste caso é igual ao ângulo do
tornozelo durante a marcha. Para o sistema modelado, é expectável que se possa atingir uma
performance satisfatória no seguimento da referência.
Têm vindo a ser desenvolvidas várias estratégias de controlo baseadas no controlador PID (Ogata,
2002 p. 700), onde a aplicação das diferentes estratégias depende do sistema ou nas características
pretendidas pelo utilizador. Quando se pretende escolher uma estratégia PID para implementar no
controlo da articulação do tornozelo, é necessário ter em conta que o ciclo de marcha é um
movimento periódico sujeito a perturbações. Como a intensão é de ter um controlo rápido e estável o
termo de integração foi desprezado, resultando numa estrutura PD.
No sistema básico de controlo PID (Figura 4.12), quando o sinal de entrada é um degrau unitário, a
presença do termo derivativo na acção de controlo envolve uma função de impulso conhecida por
kick derivativo (Ogata, 2002 p.700). O kick derivativo é um fenómeno que geralmente leva à
instabilidade do sistema, ou possivelmente a dano de componentes. Para evitar esse efeito negativo,
é necessário operar a acção de derivação apenas na realimentação, para que a diferenciação ocorra
no sinal realimentado e não no sinal de referência. O esquema de controlo desenvolvido para este
trabalho é chamado de controlo P-D. A Figura 4.13 mostra o controlo P-D implementado no sistema,
onde a entrada do sistema é representada pelo ângulo de referencia do tornozelo, , a saída do
45
sistema é o ângulo do tornozelo, , e a acção de controlo é o binário no tornozelo, , o termo
proporcional é , e o termo derivativo .
Figura 4.13: Diagrama de blocos do controlador P-D em anel fechado do modelo simplificado do complexo tornozelo-pé.
Considerando a função transferência do modelo simplificado do tornozelo-pé que foi apresentado na
subsecção 4.2.2,
(4.3)
resulta a seguinte função transferência em anel fechado do sistema com o controlador P-D,
(4.4)
sendo que a função transferência em anel fechado do controlador P-D num sistema de segunda
ordem,
O processo de escolher os parâmetros do controlador, que correspondam às especificações de
performance desejadas, designa-se por tuning do controlador, e é baseado nas características do
sistemas ou pelo know-how do utilizador.
O principal objectivo do controlador P-D, no âmbito deste projecto, é de garantir um seguimento
efectivo da referência (ângulo do tornozelo durante a marcha).
Apesar da dinâmica do actuador e da ortótese não terem sido consideradas na função transferência
em anel fechado, foi tomada em consideração uma dissipação, proporcional à velocidade angular, no
modelo de simulação. Esta dinâmica adicional pode ser considerada como uma característica do
sistema à qual o controlador terá de ter capacidade de se adaptar.
4.4 Controlo de Impedância
Em situações de contacto homem-máquina, a estratégia de controlo mais comum é o controlo de
impedância (CI) (Vukobratovic, et al., 2009). Durante a interacção de um sistema robótico e o meio
envolvente, o meio impõe restrições na trajectória que o robot poderá seguir. Por esse motivo, o uso
de controladores de posição como os descritos na secção 4.3 não são tão recomendados, a não ser
que a trajectória do sistema robótico possa ser extremamente bem planeada e que o controlo
assegure a perfeita monitorização dessa trajectória. Para tal, modelos precisos do sistema robótico e
do ambiente (geometria e características mecânicas) são necessárias (Dombre, et al., 2007 p.257),
mas na ausência de modelos do ambiente, é necessário implementar controladores que não sejam
controladores de posição “puros”. Uma estratégia de controlo alternativa é o controlo de impedância,
onde o objectivo principal é de realizar o seguimento da referência de um modelo alvo, pela
especificação da interacção desejada entre o sistema robótico e ambiente que o rodeia. A
especificação principal para a performance do controlador de impedância é dada pela capacidade do
46
controlador em atingir o modelo alvo, enquanto sistemas de controlo convencionais são analisados
pelas suas capacidades de seguir sinais de entradas temporais (Vukobratovic, et al., 2009 p.256). O
controlo de impedância actua mais como um limitador de movimentos do que concretamente uma
estratégia de controlo, sendo que a ideia básica é a de obter um sistema de controlo em anel fechado
cuja dinâmica possa ser descrita pela equação seguinte (para sistemas rotacionais):
(4.5)
Onde and representam a inercia de rotação, amortecimento e rigidez do respectivo sistema, é
o binário de junta do sistema, enquanto, , são as coordenadas generalizadas e, , as coordenadas
de referência. Os parâmetros para a interacção do sistema podem ser escolhidos de acordo com os
vários objectivos de uma determinada tarefa. É escolhido um valor alto para o parâmetro da rigidez
sempre que o meio envolvente é complacente e existe a necessidade de elevada precisão no
seguimento de referências, enquanto valores mais baixos de rigidez são seleccionados nas direcções
onde a manutenção de forças de interacção não têm um papel preponderante. O parâmetro de
amortecimento, , possui uma proporcionalidade positiva com a dissipação de energia, enquanto a
inercia, , é usada para garantir um comportamento transiente suave na resposta do sistema durante
o contacto. (Vukobratovic, et al., 2009 p. 19-20). Para o modelo músculo-esquelético, a representação
do controlo de impedância é dado, pela Figura 4.14.
Figura 4.14: O efeito desejado do controlador de impedância (CI) num sistema rotacional representado por massa, mola e amortecedor.
O CI é por isso uma estratégia que se adapta a um possível dispositivo ortótico com o objectivo de
reproduzir os movimentos do tornozelo durante a passada. Existem diferentes tipos de abordagens
para obter o comportamento presente na equação 4.5. Para esta estratégia de controlo, foi
considerado que o binário de controlo não necessita da quantificação do binário resultante da
aplicação de forças externas, como também não é tida em conta a energia do sistema (Dombre, etc
47
al., 2007 p.257). A lei de controlo foi aproximada a um sistema mola-amortecedor rotacional, com
rigidez e amortecimentos variáveis ao longo do tempo. O sistema linear rotacional de mola-
amortecedor é descrito pela seguinte equação:
( ) (4.6)
Onde é o binário do tornozelo, o deslocamento angular de referência do tornozelo, e o
deslocamento angular do tornozelo. Usando a transformada de Laplace, esta função pode ser escrita
como função transferência, assumindo que a diferença entre os deslocamentos angulares, ,
é a entrada e o binário do tornozelo, , é a saída.
(4.7)
A diferença entre as duas abordagens reside na forma como os controladores são usados. No
controlador P-D, a cinemática de junta resulta da variação de no tempo, com amortecido critico
e valores elevados de rigidez. Pelo outro lado, no controlador de impedância, a cinemática de junta
resulta do uso de ganhos do controlador baixos mantendo constante.
Figura 4.15: Diagrama de blocos do controlador de impedância implementado.
Os valores de rigidez que são usados no controlador, apesar de serem integrados na forma
convencional como demonstrado na equação 4.7 numa estrutura base de um P-D, são obtidos por
meio de uma derivação das equações não-lineares que modelam o comportamento muscular
apresentadas na subsecção 2.2. Essa derivação é realizada para cada uma das equações
paramétricas e apenas em função do comprimento muscular, , representando a relação entre a força
resultante da activação e do comprimento actual do músculo como se pode verificar na equação 4.8.
( )
(4.8)
A rigidez, , acaba por ser dependente do nível de activação muscular e do comprimento actual do
músculo. Faria sentido calcular o ganho derivativo, , usando o mesmo conceito mas derivando
neste caso em ordem a , dando a relação entre a força produzida pela músculo e a variação de
comprimento do mesmo. Essa abordagem não foi no entanto implementada por ser difícil estabelecer
entre os dois ganhos, uma relação que desse garantias de estabilidade em toda a gama de valores.
Dessa forma, a solução escolhida foi proceder ao cálculo do usando como base o valor de
48
obtido em tempo real, e tendo uma estimativa da inércia do pé, estabelecer uma relação proporcional
que garanta uma resposta sobre amortecida do sistema como é possível verificar na Figura 4.16.
Figura 4.16: Diagrama de blocos com a estratégia adoptada para o cálculo de Kpm e Kd
m do controlador de
impedância.
As equações que estão na base do cálculo do ganho derivativo são as seguintes:
√
(4.9)
(4.10)
√
(4.11)
O amortecimento, , neste caso é considerado unitário pois é pretendido que se obtenha um
comportamento sobreamortecido do sistema. A presença da variável garante a conversão de rigidez
longitudinal para rigidez angular.
4.5 Estados da Marcha
Durante o ciclo de marcha, a articulação do tornozelo está sujeito a uma vasta gama movimentos e
esforços, que caracterizam o sistema como não-linear. Consequentemente, é preferível linearizar o
sistema ao definir diferentes estados para o ciclo de marcha, facilitando o seguimento de referência.
Foram definidos quatro estados para o ciclo de marcha: estado 1 como aceitação da carga, estado 2
como fase de apoio, estado 3 como pré-balanço e estado 4 como balanço. A divisão nos quatro
estados foi baseada no contacto do pé com o chão e nas posições extremas.
Para o caso de estudo em concreto optou-se por ter dois estados distintos. O estado P corresponde
ao intervalo entre o início e o fim do push off, representados na Figura 4.17 como sendo o intervalo
entre o mid-stance e o pré-swing e correspondendo a um valor de amplitude angular entre a tíbia e o
pé de 100º. O estado N corresponde a todas as outras fases da marcha que se situam fora do
intervalo do estado P, tendo como valor de referência a amplitude articular de 80º como é possível
verificar na Figura 5.11.
49
Figura 4.17: Quatro estados do ciclo completo de marcha (Vasconcelos, 2010).
50
5 Optimização e Resultados
Os resultados da simulação, apresentados nas Figuras 5.1-5.3, estão conjugados com os dados
obtidos na marcha descrita nas Figuras 4.4-4.9. O intervalo de 0 a 100% do ciclo de marcha
corresponde ao intervalo entre o primeiro e o segundo heel strike das Figuras 4.4-4.9. Os valores
utilizados para os parâmetros dos músculos foram os encontrados no processo de optimização. Essa
optimização foi conseguida recorrendo a uma toolbox de optimização do Matlab, tendo sido utilizadas
diferentes técnicas de procura e diferentes condições de fronteira como é possível verificar na Tabela
5.1.
Dorsiflexor Flexor Plantar
Optimização F0 [N] L0 [m] F0 [N] L0 [m]
1 3000 0.2708 13600 0.0755
2 3000 0.2717 15000 0.0768
3 261 0.1803 6578 0.0667
4 384 0.0658 1004 0.0238
5 3000 0.2458 8056 0.0685
6 2788 0.2690 15000 0.0785
7 136 0.1014 3300 0.0568
8 449 0.1728 3680 0.0568
Tabela 5.1: Parâmetros do modelo músculo-esquelético resultantes do processo de optimização.
Inicialmente foram realizadas quatro optimizações distintas, onde se fez variar o tipo de algoritmo de
optimização e as condições de fronteira do problema, ou seja, a gama de valores para e . Os
tipos de algoritmo escolhido foram o Latin Hipercube e Genéticos, acessíveis através da toolbox de
optimização do Matlab e o período de simulação ficou limitado à fase de contacto com o chão, por ser
o período, onde as condições iniciais de velocidade e aceleração, menos influencia têm sobre o
sistema inercial do complexo tornozelo-pé. A gama de valores, para os parâmetros fisiológicos e
geométricos dos músculos começaram por ser o mais abrangentes possível, sendo depois limitadas a
um intervalo mais refinado como é possível verificar na Tabela 5.1. No segundo grupo, foram feitas
novamente quatro optimizações, tendo por base as mesmas condições que as anteriores, à excepção
do tempo de simulação, que deixou de ser apenas referente à fase de apoio na marcha, e passou a
todo o ciclo da passada como mostra a Figura 5.4.
51
Figura 5.1: Níveis de activação dos grupos musculares dorsiflexores e flexores plantar, normalizados relativamente à contracção máxima voluntária.
Figura 5.2: Comparação entre o binário de reacção e o binário resultante da actuação dos músculos virtuais, durante um ciclo de marcha completa, desde o heel strike passando pelo push off e terminando no heel strike da
nova passada.
Figura 5.3: Comparação entre o ângulo real, adquirido através dos marcadores, e o ângulo de simulação resultante da activação muscular e do binário de reacção.
52
Figura 5.4: Comparação entre os valores de amplitude articular do tornozelo, para dois modelos optimizados para as mesmas condições de fronteira mas períodos de simulação diferentes.
No seguimento dos pressupostos da subsecção 4.4 os resultados após implementação do
controlador de impedância estão nas Figuras 5.5-5.6:
Figura 5.5: Apresentação dos resultados relativos ao binário de actuação.
53
Figura 5.6: Ângulo para o controlador de impedância.
Para os parâmetros associados aos resultados da Figuras 5.5-5.6, corresponde uma variação de
comprimento muscular para cada um dos grupos musculares modelados. Essas variações e a força
associada a cada um dos músculos para um nível de activação máximo são apresentadas na Figura
5.7.
Figura 5.7: Gráficos referentes à evolução da força muscular para diferentes níveis de activação e dentro da gama de valores de comprimento muscular presentes no ciclo de passada. (a) Variação da força muscular para o
grupo dorsiflexor. Variação da força muscular.
54
Figura 5.8: Curva da força muscular do grupo dorsiflexor para os parâmetros da 7ª optimização.
Figura 5.9: Curva da força muscular do grupo flexor plantar para os parâmetros da 7ª optimização.
As curvas que representam rigidez e amortecimento do modelo muscular, para os parâmetros
encontrados na 7ª optimização, face ao comprimento e variação do comprimento muscular estão
presentes na Figura 5.10.
55
Figura 5.10: Representação da evolução do valor de Kp e Kd consoante o valor de comprimento muscular e velocidade muscular respectivamente. Ambas curvas estão dependentes do nível de activação.
Na Figura 5.11 está representada a curva de força resultante de um modelo bilinear, comprovando
que para a gama de valores de amplitude articular, representada pela faixa verde nas figuras
anteriores, o comportamento é muito semelhante. Os parâmetros utilizados na Equação 2.12 e na
Equação 2.13, que definem o modelo bilinear, estão presentes na Tabela 5.2.
Parâmetros Valores Unidades
k 21 N/m
k0 7692 N/m
b 172 Ns/m
b0 215 Ns/m
xeq 0.03 M
α 1 N.A
Tabela 5.2: Parâmetros do modelo muscular bilinear.
Figura 5.11: Curva da força do modelo bilinear, sujeito a um valor máximo de activação.
56
Na Figura 5.12 estão representados duas amplitudes articulares distintas. A primeira (Ângulo Real)
corresponde ao valor de amplitude obtido na aquisição laboratorial, a segunda (Estados_Y) apresenta
os dois estados definidos na subsecção 4.5.
A resposta do controlador de impedância, usando a máquina de estados, resulta no comportamento
cinético e cinemático apresentados na Figura 5.13 e na Figura 5.14 respectivamente.
Figura 5.12: Comparação entre os estados definidos na subsecção 4.5 e o valor da amplitude articular durante a marcha obtida laboratorialmente.
Figura 5.13: Dados Relativos à resposta cinética do controlador de impedância usando máquina de estados.
Figura 5.14: Comparativo entre a amplitude articular obtida experimentalmente e a resposta cinemática do controlador de impedância usando máquina de estados (Ângulo de Simulação).
57
6 Conclusões
Neste trabalho foi desenvolvido um controlador de impedância variável, com base num modelo
músculo-esquelético, como forma de controlo de uma ortótese activa.
No desenvolvimento deste controlador foram implementados modelos Músculo-Esqueléticos que
estruturam toda a estratégia de controlo. A modelação dos mesmos passou pela caracterização dos
parâmetros fisiológicos e geométricos dos músculos envolvidos na cinética e cinemática do tornozelo.
O modelo fisiológico está dependente da activação muscular, tendo sido desenvolvido um sistema de
aquisição de sinais electromiográficos de superfície em tempo real, para que fosse possível garantir o
input necessário às equações não-lineares que definem a dinâmica muscular.
A modelação dos grupos dorsiflexor e flexor plantar passou por definir que músculos iriam intervir em
cada um deles, quais as forças máximas de contracção e onde seriam as inserções. Esse processo
foi complexo e moroso na sua construção, pelo facto de que um sistema sem restrições cinemáticas e
cinéticas estar sujeito a binário resultante de grupos musculares antagonistas assim como forças de
perturbação.
O setup experimental desenvolvido, com o objectivo de adquirir sinais electromiográficos em tempo
real, acabou por revelar-se uma fase importante deste trabalho. Os dados obtidos acabaram por ser
pouco precisos face à qualidade de sinal que se consegue no laboratório de biomecânica. As razões
dessas perturbações prendem-se fundamentalmente com as interferências dos equipamentos
electrónicos presentes no local, visto que o sistema usado de transmissão de dados é feito através de
cabos BNC ligados a uma placa Humusoft, enquanto o dispositivo Delsys do laboratório de
biomecânica funciona por wireless num ambiente isolado, eliminando grande parte do ruído.
Na fase seguinte, correspondente ao processo de optimização, foi necessário fazer um levantamento
exaustivo de dados cinemáticos e cinéticos para que fosse possível controlar o maior número de
variáveis do processo e deixar o algoritmo de optimização encontrar quais os valores que melhor se
se encaixam no modelo de forma a resultar numa dinâmica desejada. As variáveis que se pretendiam
optimizar eram os parâmetros fisiológicos dos músculos, as forças máximas de contracção e
comprimento óptimo de contracção, sendo que seriam precisos valores cinemáticos do complexo
tornozelo-pé, da tíbia-joelho, fémur-bacia e as forças de contacto com o chão durante a marcha. A
análise destes dados resultou num modelo de contacto com o chão que se reflecte num binário de
actuação na articulação do tornozelo, tendo em consideração o centro de pressão do pé nas
diferentes fases da passada. A cinemática dos outros elementos, como o joelho, serviram
essencialmente para tornar mais fiável o modelo de teste visto que as acelerações na articulação e o
binário resultante no tornozelo estão intrinsecamente ligados à dinâmica dos outros elementos. Os
resultados da optimização, presentes na Tabela 5.1, demonstram que num modelo de pares
antagonistas não existe um resultado que pareça coerente face aos valores tabelados para L0 e F0,
apresentados na Tabela 4.2. O motivo dessas alterações podem resultar do facto de o processo de
optimização ficar por limitado a um mínimo local podendo levar a um distanciamento dos parâmetros
ideais, para os grupos antagonistas, dentro da resposta pretendida. De acordo com os resultados
apresentados na secção anterior, é possível verificar que o modelo neuromuscular que se obteve
através da optimização resultou numa curva de rigidez, Figuras 5.8-5.9, muito semelhantes à curva
obtida por um modelo bilinear apresentada na Figura 5.11.
Relativamente à estratégia de controlo escolhida, nas Figuras 5.5-5.6 é possível verificar que a
resposta ao angulo de referência é bastante boa, sendo que, o valor de binário resultante da
compensação, feita pelo controlador para manter essa resposta, chega a atingir frequências elevadas
podendo comprometer a implementação prática devido a limitações dos actuadores.
58
O modelo de simulação resultou num modelo multicorpo alimentado por inputs fisiológicos e sujeito a
forças de perturbação resultantes do contacto do pé com o chão. O controlo de impedância variável
permitiu que a rigidez do sistema se adaptasse de forma continua e aos diversos estados que
caracterizam a marcha. Inicialmente o sinal de referência do controlador foi tido como o ângulo entre
a tíbia e o pé no decorrer da passada como mostra a Figura 5.6, tendo sido feito um teste para dois
estados como demonstra a Figura 5.13. Quando a referência é continua, a eficiência do controlador é
muito boa, tendo pouco esforço a nível de binário de controlo como mostra a Figura 5.5. No controlo
para dois estados distintos a resposta não é tão efectiva sendo muito aceitável na fase de balanço e
não tão boa na fase de apoio, especificamente na fase de “push-off” onde o controlador não
consegue atingir o pico de binário necessário para se aproximar da resposta ideal. Esta resposta
poderá ser resultado da optimização, visto que o modelo foi optimizado para as condições
apresentadas na Figura 5.5 e 5.6. No entanto também poderá estar directamente relacionado com os
níveis de activação que também foram adaptados ao modelo de dois estados. Das Figuras 6.1-6.6
está a resposta dinâmica do modelo na simulação feita no Simulink, face a inputs de activação
(gráfico superior), binário resultante do contacto do pé com o chão (gráfico central) e referência
angular (gráfico inferior). No lado direito de cada figura está uma representação 2D do modelo e do
seu comportamento, para que seja possível identificar as fases da marcha em que se encontra a
simulação.
Figura 6.1: Simulação, fase “heel-strike”.
Figura 6.2: Simulação, fase “stance”.
Figura 6.3: Simulação, fase “toe-off”.
59
Figura 6.4: Simulação, fase “pre-swing”.
Figura 6.5: Simulação, fase “swing”.
Figura 6.6: Simulação, fase “heel-strike”.
É importante salientar que usando modelos Músculo-Esqueléticos, desenvolvidos fundamentalmente
numa óptica de força resultante, mas que neste trabalho foram alteradas computacionalmente para
fornecer rigidez variável, levou a um problema grave ao nível da estratégia de controlo. Como o
sistema funciona com o princípio de massa-mola-amortecedor, com propriedades intrinsecamente
não-lineares, é possível concluir que calculando a rigidez da forma como está apresentada na
Equação 4.8 o valor poderá atingir valores negativos em determinadas condições de simulação.
Quero com isto dizer que, a rigidez que representa o declive da curva da Figura 2.13 pode em certos
momentos apresentar um declive negativo, resultando na instabilidade do controlador.
60
6.1 Trabalho Futuro
As áreas para trabalho futuro podem ser dividias nas seguintes categorias: Modelação, Controlo e
Processamento de Sinais.
Relativamente ao processo de modelação da estrutura músculo-esquelética seria interessante
adicionar mais informação sobre outros músculos que constituem os grupos dorsiflexores e flexores-
plantar, nomeadamente a introdução da dinâmica do tendão, para uma melhor aproximação das
forças produzidas pelos músculos durante a marcha e facilitar a optimização dos parâmetros do
modelo músculo-esquelético.
Para o controlo e a estratégia adoptada, é certamente oportuno continuar a apostar num sistema de
espaço de estados aliado a um controlador de impedância variável. A questão prende-se com a forma
como se pode tornar mais robusta a mudança desses estados, possivelmente através dos sinais
electromiográficos como forma de prever uma intensão de movimento ou co-contração.
Por fim, deverá ser tido em conta a evolução no processo de aquisição e processamento dos sinais
electromiográficos que, no modelo músculo-esquelético adoptado, são determinantes pela sua
participação na variação da rigidez do sistema que controla a dinâmica do tornozelo. Esse
investimento terá como foco a possibilidade de tornar mais autónoma e portátil a aquisição desses
sinais e, por sua vez, o processamento em tempo real do mesmo.
61
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8 Anexo A
Dados de Cinemática e Cinética da Marcha Humana
Figura A.1: Cinemática e Cinética do tornozelo durante um ciclo da passada, para três velocidades de marcha: (a) angulo do tornozelo, (b) velocidade angular do tornozelo, (c) aceleração angular do tornozelo, (d) momento da força do tornozelo (binário) por unidade de massa corporal, (e) potência do tornozelo por unidade de massa
corporal (Winter, 1991).