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Comrades Marathon: a máxima obstinação de um
maratonista
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Junho de 2012.
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Prof. Ricardo Sartorato
(CREF: 012828 G/RJ) ricardo@equipefdv.com.br
A Figura ao lado é o símbolo da prova Comrades, tendo em seu centro o desenho de Hermes, o mensageiro dos Deuses gregos e patrono das estradas. Por ser uma prova tradicional, este símbolo se manteve inalterado desde sua criação, em 1921.
Introdução
Comrades é a maior e mais antiga ultramaratona do mundo. O termo ultramaratona se refere a qualquer distância
maior que maratona, ou 42,2 km, mas, no caso desta prova, são aproximadamente 90 km. Esta distância é percorrida
entre duas cidades da África do Sul, Pietermaritzburg e Durban, sendo a primeira situada a 650m de altitude e a
segunda ao nível do mar. A cada ano a direção da prova se alterna entre a subida a Pietermaritzburg ou a descida
rumo a Durban. Além disso, sua distância altera ligeiramente de 87 km, nos anos de subida, a 89 km nos anos de
descida.
A – Pietermaritzburg, cidade na serra e B – Durban, ao nível do mar.
A ultramaratona Comrades teve início em 24 de maio de 1921, no feriado do dia do Império (celebração festiva em
homenagem ao orgulho de participar do império britânico), sendo interrompida apenas durante a Segunda Guerra
Mundial. Até 1994, o dia de realização desta prova era o feriado da República, em 31 de maio, sendo substituído
pelo Youth Day, feriado em 16 de junho para celebrar a luta contra o regime da Apartheid. A data da prova nos dias
de hoje pode sofrer pequenas variações com o calendário de grandes eventos, como a Copa do Mundo entre outras.
No ano de 2012 ela foi realizada no dia de 3 de junho, domingo, marcando a 87ª edição deste evento que teve mais
de 320.000 corredores que já a completaram.
Provas ao longo dos tempos
A primeira edição da Comrades, com apenas 34 corredores, foi de descida rumo a Durban. Seu primeiro ganhador,
Bill Rowan, completou o percurso em 8h59, dando origem à medalha que recebe seu nome, para aqueles que fazem
a prova entre 7h30 e 9h.
Arthur Newton foi o maior ganhador dos anos 20, conseguindo impressionantes 6h56 em 1923, ano de descida.
Neste ano também marcou a primeira participação de uma mulher no evento, Francis Hayward, que correu
oficiosamente, completando-a em 11h35. Na ocasião, este tempo não dava direito à medalha e, em 1928, a prova
passou a ter 11h oficialmente. A duração só foi novamente alterada, para 12h, em 2000, quando os finalistas
passaram a receber uma medalha especial denominada Vic Clapham, em homenagem ao fundador da Comrades.
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Origem
Comrades é uma palavra de origem francesa, camarade, que significa aliado ou
camaradas. Seu uso remete à Revolução Francesa, que aboliu o uso dos pronomes de
tratamento Monsieur e Madame, passando a utilizar apenas citoyen, para homens, e
citoyenne, para mulheres. Ambos significavam apenas cidadãos, tornando-se a inspiração
quando o movimento socialista ganhou força na Alemanha em 1875, escolhendo a
palavra comrade como forma de tratamento entre seus partidários. Logo, a ideia em
torno desta palavra denota a igualdade entre seus pares.
A maratona Comrades foi idealizada por Vic Clapham, um veterano da primeira Guerra
Mundial. Ele fez parte da infantaria Sul Africana enviada para combater tropas
germânicas no leste africano, marchando sob o forte sol das estepes áridas por mais de
2.700 km. Após o fim da guerra, como forma de homenagear os soldados mortos, ele
concebeu uma prova em que a resistência fosse colocada à prova. Inicialmente sua
proposta foi rejeitada, mas Vic Claphan insistiu, alegando que se uma pessoa comum
poderia ser retirada de sua vida ordinária, lhe dada um rifle e uma mochila de 30 kg, e
ainda assim conseguir marchar por toda a África, certamente atletas preparados
poderiam sobrepujar os 89 km entre as cidades de Pietermaritzburg e Durban. Assim
nascia a corrida que se tornaria a ultramaratona mais famosa do mundo, mantendo até
os dias de hoje o clima decoroso de sua criação.
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Busto de Vic Clapham
Lembrado após sua morte, Arthur Newton faz parte da galeria dos heróis da Comrades
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Hardy Ballington foi o maior ganhador nos anos 30 com quatro vitórias. Nos anos 40
houve a interrupção devido à Segunda Guerra, entre 1941 e 1945. Em 1948, iniciou a
tradição do canto do galo, imitação realizada por Max Trimborn. Seu grito foi gravado
(ele morreu em 1985) e até hoje é tocado antes do famoso tiro de canhão que dá início
à largada. Wally Hayward foi o grande nome nos anos 50, ganhando, após 21 anos (sua
primeira vitória havia sido em 1930), mais três títulos em 1951, 53 e 54. Além disso, ele
ainda se tornou o corredor mais idoso a fazer a Comrades em 1989 com 80 anos (aos 79
anos, correu em 9h44).
A década seguinte marcou o crescimento da Comrades, que tinha apenas 104
corredores em 1960, atingindo 703 em 1969. Por conta do aumento do número dos
participantes, foram introduzidos cut-offs (pontos de corte para aqueles que não o
atingem no tempo esperado). Foi apenas em 1962 que houve a participação de
estrangeiros na prova, com uma pequena delegação de atletas da Inglaterra. Em 1967
houve a corrida com o final mais emocionante de todos os tempos, com Manie Kuhn
ultrapassando Tommy Malone, que caiu com câimbras nos últimos 15m da prova. Nos
anos 70, a Comrades atingiu mais de 3.000 participantes, passando a ser transmitida
por rádio e televisão. Apenas em 1975, a prova foi aberta oficialmente a negros e
mulheres, sendo Vincent Rakabaele, o primeiro vencedor negro no emblemático ano. O
maior ganhador desta década foi Allan Robb com quatro títulos e a quebra do recorde
de descida para 5h29.
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Wally Haward, cinco vezes
campeão da Comrades
Foto que lembra Max Trimborn no momento do grito do canto do galo Alan Robb, primeiro corredor sub 5h30
Bruce Fordyce, o maior campeão de todos
A década de 80 foi marcada pelos nove títulos da maior lenda da Comrades, Bruce Fordyce, conquistando ainda
o recorde de subida com 5h27. A década seguinte demonstrou uma explosão no número de participantes,
atingindo a impressionante cifra de 14.000. Somente a partir de 1995 foi oferecido prêmio em dinheiro ao
ganhador da prova, o que ajudou a atrair mais corredores estrangeiros. Os anos 2000 marcaram o recorde de
participantes, entrando para o exclusivo Guinness Book com a maior quantidade de corredores que finalizaram
uma ultramaratona (2010): 14.343.
Em 2012 a prova teve 19.547 inscrições (3/4 de homens) realizadas no site do evento, porém, na largada,
compareceram cerca 13.500. Destes, exatos 11.952 a completaram no tempo permitido, ou quase 89% dos que
largaram em Pietermaritzburg. O prêmio oferecido ao primeiro colocado deste ano foi de cerca de R$
85.000,00. Setenta países foram representados, sendo a maioria esmagadora de sul-africanos, perfazendo
quase 17.000 das inscrições. Os brasileiros inscritos totalizaram 116 (nove Filhos do Vento), sendo a quarta
maior delegação. Entre estrangeiros, os Estados Unidos estavam em maior número, com 223 corredores.
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Largada da maior ultramaratona do mundo, que tem como maioria de seus participantes homens
na faixa dos 30 a 50 anos
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Regras
Todo participante deve ter mais de 20 anos. Curiosamente há poucos jovens na faixa dos 20-30 anos. É comum ver pessoas com mais de
40 e até 60 anos. Apesar da dificuldade extrema da prova, isso não parece inibir aqueles que já não têm mais a juventude a seu favor.
A partir de 1975, para participar da Comrades os corredores devem apresentar um atestado de participação em provas de 42,2 km até
100 km (estando incluso a maratona do Ironman). O tempo de chegada nestes eventos é usado como referência para a baia de largada,
codificadas de A a H. O corredor concluinte da Comrades não precisa apresentar este atestado, caso corra no ano seguinte à sua
primeira realização.
Os corredores devem realizar o percurso de subida ou descida em menos de 12h, passando a tempo pelos cinco cut-offs (marcos para
tomada de tempo dos corredores) ao longo percurso. Caso contrário, deve abandonar a prova, entrando nos ônibus de resgate que
levam à chegada, mas eliminando a possibilidade de receber medalha.
Para o registro dos tempos oficiais é utilizado um chip preso ao tênis, que registra o momento exato em que o corredor passa pelos cut-
offs e na chegada. Graças ao uso deste dispositivo é possível encontrar os vídeos exclusivamente feitos durante a prova.
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Medalhas
A medalha da Comrades permaneceu igual em tamanho e design desde sua concepção,
em 1921. Apesar de pequena (29 mm), quando comparada com as modernas medalhas
de maratonas famosas, como Nova Iorque e Berlim, ela é extremamente apreciada por
sua tradição. No centro da medalha está Hermes, o mensageiro dos deuses gregos.
Atualmente, as medalhas são dadas de acordo com o tempo de término, conforme a
sequência:
Ouro – para os primeiros 10 corredores masculinos e femininos. Wally Hayward – da posição 11 até sub 6h. Prata – 6h a 7h30. Bill Rowan – 7h30 a 9h. Bronze – 9h a 11h. Vic Clapham – 11h a 12h. Há ainda as medalhas adicionais de back to back, para aqueles que completam a prova em anos consecutivos de descida e subida.
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Medalha de ouro
Medalha de Wally Haward
Medalha de prata
Medalha Bill Rowan
Medalha de bronze
Medalha de Vic Claphan
Acima, a medalha back to back e a comparação de seu tamanho com medalhas de outras
tradicionais maratonas
Clube Green Number
Criado em 1972 para dar exclusividade aos corredores que tenham experienciado uma relação especial
com a Comrades, contando hoje com quase 9000 associados. Para entrar neste seleto grupo é necessário
ter: ou três vitórias ou cinco medalhas de ouro ou mais de 10 medalhas (de qualquer tipo). Quem é
agraciado como membro recebe um número de peito perpétuo, convites para encontros especiais, além
de ser habilitado a comprar o exclusivo material esportivo alusivo do clube (é proibida a entrada de não
associados nas sessões de roupas Green Number). Correr ao lado de um Green Number durante a
Comrades é uma grande honra e sua explicita presença (só eles têm um número de peito verde, daí o
nome Green Number) enche de orgulho aqueles que, por alguns segundos, podem compartilhar o mesmo
momento da prova com estas “lendas” vivas.
O ano de 2012 marcou a entrada do primeiro norte americano neste grupo. O Brasil já possui um corredor
Green Number, Nato Amaral, que também é o embaixador voluntário da Comrades para brasileiros.
Percurso
Em ano de descida, a largada é dada em Durban, cidade ao nível do mar, com
chegada em Pietermaritzburg, situada a 650 m. O percurso muda para subida
em anos alternados e sua distância se altera ligeiramente de 89 km, nos anos
de descida, para 87 km, nos anos de subida. Entre a chegada e a largada
existem as Big Five (alusão aos cinco maiores animais da África, mas, no caso
da prova, às montanhas no percurso), Cowies, Field’s, Botha’s, Inchanga e
Polly Shorts. A sequência descrita refere-se ao ano de subida, mas é invertida
nos anos de descida, tornando esta prova única em dificuldade pela variação
altimétrica. Muitos corredores voltam no ano seguinte com a intenção de
participar da prova no sentido oposto, o que lhes confere uma medalha
especial, a back to back, conquistada em 2012 pelos corredores da equipe
Filhos do Vento, Cláudia Lacerda e Josué Netto.
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Recordes
O atual detentor do recorde masculino da prova é o russo Leonid Shvetsov, com incríveis
5h20 (3min36s/km ou 16,6 km/h) no ano de descida e 5h24 no ano de subida
(3min44s/km ou 16 km/h). O recorde feminino de descida foi estabelecido por Frith
Merve, sul africana, em 5h54 (3min59s/km ou 15,1 km/h) e por Elena Nurgalieva, russa,
com 6h09 (4min15s/km ou 14,1 km/h) no ano de subida. É válido ainda destacar o maior
ganhador individual da prova, Bruce Fordyce (nove títulos), e os maiores ganhadores de
medalhas (números de provas) Dave Rogers, 44, e Clive Crawley, 42.
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Crawley possui 42 medalhas
O ano de 2012 foi de descida e vemos neste mapa de perfil a diferença de altitude entre a largada e a chegada
Shvetsov detém os recordes tanto de subida como de descida
Rogers e suas incríveis 44 medalhas
Quer ver um mapa bem detalhado e interativo? Clique aqui! Outra opção de mapa com informações condensadas aqui!
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O muro da honra é uma das preciosidades encontradas no percurso da prova. É um
longo muro construído com blocos de concreto, no vale Thounsand Hills, que comemora
as vitórias de diversos corredores da Comrades. Quem completa o percurso,
independente do tempo final, também pode comprar seu bloco perpétuo (cerca de R$
85,00), que conterá seu nome, número de peito e vitórias. Porém, neste muro, também
encontramos homenagens ao fundador da prova, aos principais ganhadores e a outros
já falecidos. Este muro é uma demonstração física da tradição e da honra que envolve
esta prova, servindo de exemplo e inspiração para os que correm diante dele.
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Equipe Filhos do Vento
Todos os anos, milhares de corredores são atraídos para este grande evento e, somente no ano de 2010, a equipe Filhos do Vento teve seu
primeiro representante, Augusto Vaz, a superar esta difícil prova, no ano de descida. Em 2011, a equipe aumentou com Cláudia Larcerda,
Aline Carvalho, Pedro Henrique Custódio, Marco Bigatello e Josué Netto, que enfrentaram a subida para Pietermaritzburg. Já este ano de
2012, a equipe continuou a crescer, sendo representada pelos mesmos corredores de 2011, com exceção de Aline Carvalho. Uniram-se a
eles Miguelon Bravo, Marcos Salomão, Carlos Maciel, Magda Andrade e Ricardo Sartorato. Ílson e Frós, corredores da Equipe Speed, se
juntaram a nós, no dia que antecedeu a prova.
Muro da honra
Da esquerda para direita: Carlos, Josué, Ílso, Marcos, Bigatello, Cláudia, Ricardo, Miguelon, Magda e Frós (faltou apenas Pedro Palmeira)
Ricardo, Magda, Cláudia e Bigatello, num dos muitos treinos longos realizados nos finais de semana de 2012 (este foi em 8 de abril)
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Até a Comrades
A ultramaratona Comrades é uma dessas provas que você não vai ouvir falar até que
finalmente tenha se tornado um corredor. Apesar de sua grandiosidade, pouco se fala
sobre ela, a não ser em revistas especializadas e em conversas com corredores mais
experientes. A primeira vez que ouvi sobre esta prova foi em 2003, quando conheci
Alexandre “Mickey”, corredor com muita estrada, que já tinha realizado três vezes esta
prova. Realmente quando escutamos a respeito da distância pela primeira vez, a reação
imediata é pensar: impossível! Ao ouvir ele dizer que havia feito tamanha façanha me
fazia pensar que estava diante de um super homem, que detêm algum segredo que o
tornou capaz de correr por tanto tempo. Naquela ocasião eu sequer havia corrido uma
maratona, sendo 21 km minha prova preferida. Mas, aos poucos fui entendendo que,
para fazer uma prova como essa, é necessária muita experiência e planejamento. E
demorou um bocado para eu tomar a decisão de enfrentar esta ultramaratona.
O projeto para a Comrades só foi possível em minha vida muitos anos mais tarde,
começando em 2011 novamente o desejo de realizá-la. Até este ponto, havia ganho
muita experiência em provas de longa distância, seja como treinador ou corredor. Pude
experimentar correr 15 maratonas e mais duas ultramaratonas, uma de 50 km, em
Friburgo, e 60 km, na Volta à Ilha de Florianópolis, porém, intermitentemente. Já
acumulava experiência em treinar corredores para diversas provas de distâncias
superiores à maratona, inclusive a própria Comrades. Logo, a distância de 89 km era
terreno desconhecido como corredor, mas sabia que precisaria me preparar menta e
fisicamente.
Os treinos para Comrades envolvem ter que realizar uma maratona para conseguir a
prova do tempo para efetivar a inscrição. A prova que usei como base foi à maratona de
Berlim, em 2011. Mas os treinos específicos para a Comrades começariam apenas em
2012, janeiro, quando iniciaríamos o assustador aumento do volume. Digo assustador,
pois na semana de pico de quilometragem para a prova, cerca de um mês antes, o longo
era de 60 km, com direito a muitas ladeiras. Até chegar a 60 km passaríamos por 55 km,
50km, 45km e 40km. Porém estes aumentos no volume não eram semanais. Nosso corpo
precisa de uma a duas semanas de recuperação depois de fazer um volume maior que o
habitual. Em janeiro, depois da maratona da Disney, meu volume estava na faixa de 20
km no longo. Fomos subindo lentamente o volume até o carnaval, quando chegou ao
patamar de 30-35 km. A partir daí, como cada novo treino tinha um aumento muito
grande de volume (5 km ou mais de 10% em relação ao treino da semana anterior),
demos duas semanas de recuperação antes de fazermos cada novo longo.
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Para treinar um grande volume é necessário preparação. Primeiro porque o Rio de
Janeiro, até antes de maio é sempre quente e úmido. Isso quer dizer que treinos com
mais de três horas de duração podem se tornar incrivelmente difíceis, até mesmo com
um ritmo leve. Por isso, é fundamental dormir cedo, para acordar cedo no dia do
longão. Claro que nem sempre era possível... além disso, quando a duração do treino
excede uma hora é importante usar reposição de carboidratos. Usamos gel de
carboidratos e Gatorade até os 40 km, mas, em seguida, começamos um novo estilo de
alimentação e reposição, que envolvia batatas, biscoitos, refrigerantes e energéticos.
Isso ajudava a incrementar a quantidade de calorias, a cada vez que nos alimentávamos.
Mas nem sempre encontramos esses alimentos pelo caminho e, portanto, sempre
tínhamos alguém dando apoio seja com bicicleta, ou com carro. Quando não havia
apoio, levávamos tudo que seria usado em nossos carros, fazendo pit-stops regulares
quando passávamos em frente a ele.
Durante os treinos, é fundamental simular o terreno e o percurso da prova. Uma rápida
olhada no que enfrentaríamos mostrava que seria bem complicado. Correr em asfalto
não seria um problema, mas simular o percurso sim. Pietermarizburg está situada a 650
m de altitude. Passaríamos por um pico de 820m, na rodovia Umlaas, e somente após o
km 50 haveria a longa descida rumo a Durban. Quase todos os treinos que realizamos
foram na orla ou nas Paineiras. O problema da primeira é que era 100% no plano e o da
segunda é que era 100% com inclinação, muitas vezes superior a da prova, mas com
clima muito mais favorável. Não existe em nossas proximidades um percurso similar ao
que enfrentaríamos. O mais perto que existe é a rodovia BR 040, em Itaipava, mas, por
motivos de segurança, esta ideia foi abandonada. Além disso, apesar de serem pouco
lembrados, num treino que leva horas, os banheiros são indispensáveis. Nossa orla é
repleta, mas as Paineiras não. A solução encontrada foi alternar um longo com
inclinação das Paineiras e outro sem. Nas semanas de recuperação, os longos de menor
volume seriam realizados totalmente no plano. Assim, o estresse físico foi minimizado e
não deixamos de correr em ladeiras.
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Pausa para reposição e alimentação. Treinar em grupo foi muito melhor que sozinho.
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Na medida em que a prova se aproximava a tensão e as dificuldades iam aumentando e
os comradeiros (aqueles que iriam fazer a Comrades) se uniam nos treinos para dar força
e ajuda um ao outro. Outro fantasma que enfrentamos foram às lesões. Desde pequenas
bolhas, unhas perdidas, até mais importantes que poderiam ter nos tirado da prova. No
meu caso, enfrentei uma fascite plantar exatamente após o último longo de 60 km.
Minha última lesão havia sido em 2002, a mesma fascite plantar contraída por teimar em
correr após uma torção de tornozelo. Só que a deste ano foi causada por um motivo
diferente, o uso de um calçado diferente exatamente no dia do treino mais longo e duro.
Este treino foi feito metade nas Paineiras e metade na orla e Lagoa. Seria essencial estar
com meus tênis já amaciado e exaustivamente testado. Porém, na semana anterior, havia
participado da Volta à Ilha, prova de terrenos variados como lama, areia, terra batida etc.
Com a melhor das intenções minha empregada lavou meus preciosos e amaciados tênis
na quarta-feira, não tendo tempo hábil para secar até sábado. O resultado foi que corri
com um tênis de mesmo modelo, porém de geração anterior, gerando a lesão. Mais uma
lição aprendida: não teste nada novo. Mas este nem foi meu caso, já que fui pego de
surpresa. Felizmente, o incômodo melhorou bastante até a prova, período em que o
volume dos treinos só cai e fiz uso de gelo para reduzir a dor e inflamação. Isso mostra o
quão importante é esta fase de diminuição da quilometragem dos treinos, já que sem ela
o corpo não teria tempo para se recuperar.
Superado os obstáculos do treinamento, as noites mal dormidas, o cansaço nos pós-
treinos e as incipientes lesões, estávamos prontos. Mas não devo esquecer de uma ajuda
essencial que tivemos ao longos destes últimos seis meses. A Comrades é uma prova que
se faz com muito apoio familiar. Pense no quanto mudam os programas de final de
semana e a rotina em casa e no trabalho. Por isso faço aqui um agradecimento especial a
muitos que indiretamente ou diretamente nos apoiaram. Para muitos, o principal
apoiador é o técnico, mas, no meu caso, o auxílio da minha esposa, Ana Karina, foi
fundamental. Ela esteve ao meu lado nos principais longos, percorrendo de bicicleta,
mesmo nos 40 km realizados debaixo de muita chuva e vento. Obrigado a todos vocês,
pois sem esse suporte não seria possível.
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Sem suporte adequado o treinamento para a Comrades seria muito mais difícil
A empresa Dufry foi a grande incentivadora dos
corredores Marcos Salomão, Cláudia Lacerda,
Pedro Custódio, Carlos Maciel e Miguel Bravo.
Inclusive, graças ao apoio prestado, foi possível
haver o acompanhamento do prof. Alexandre
Lima diretamente na África. Além disso, o
projeto, já vitorioso no ano passado, acrescentou
mais três novos corredores além de Cláudia e
Pedro. Destaque para Carlos Maciel que
completou a Comrades abaixo das 9h, ganhando
a medalha Bill Rowan. Saiba mais aqui!
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Feira
Chegamos a Durban após longas 12 horas de voo, saindo do Rio de Janeiro a São Paulo
e, em seguida, a Johanesburgo para, finalmente, chegar ao destino final. Fomos à feira
logo assim que fizemos o check in, num carro alugado no aeroporto (detalhe da mão
inglesa). Na verdade, era uma van, pois seríamos sete para dividir a conta. Nosso hotel
era próximo à chegada, cerca de 1 km do estádio de rúgbi Sahara Kigsmead, tendo
ainda uma bela vista do estádio de futebol Moses e da orla de Durban. Estavam no
mesmo quarto comigo Magda e Bigatello. Pedro Palmeira e Luise se juntariam neste
mesmo hotel (Blue Waters), no dia seguinte, e os demais estavam hospedados a cerca
de 1 km (Sunshine Hotel).
A feira era próxima do hotel, menos de dois quilômetros, num espaço que lembra um
pavilhão do Rio Centro. Tinha diversos expositores das grandes marcas de
equipamentos esportivos, além de revendedores locais. Não deixava nada a dever para
uma grande feira de maratonas renomadas, talvez até melhor que a maioria delas. A
organização era o ponto forte e logo encontramos o setor para atletas estrangeiros. Era
preciso apresentar o chip para receber o kit da prova, contendo diversos produtos,
revistas, além da camisa e boné do evento. A Reebok foi a patrocinadora oficial do
material esportivo e logo fomos na loja com produtos exclusivos. Apesar dos preços
salgados, valeu a pena a visita e não voltamos de mãos vazias. Um detalhe interessante
do evento eram os testes cardiológicos e sanguíneos realizados gratuitamente, com fins
de pesquisa. Pude conferir que meu colesterol anda em dia. Havia ainda testas de
glicose e coração para os interessados.
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Vista do quarto em Durban.
Feira da Comrades: organização e inovação foram seus pontos fortes.
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Foi na feira que compramos a passagem para o translado de Durban a Pietermaritzburg
no domingo de manhã. O horário, nada convidativo, tinha saída às 2h e custou menos de
20 reais. Mas valeu a pena, pois a diferença para quem dormiu em Pietermaritzburg era
de apenas uma hora a mais de sono. Além disso, os ônibus eram bastante confortáveis e
deixavam praticamente na área de largada, sem o problema de atrasos e risco de se
perder.
Na feira ainda nos deparamos com uma galeria histórica sobre a prova. Lá encontramos
os troféus da prova, fotos de grandes corredores e momentos históricos. Entre esses as
historias esquecidas da Comrades (forgoteen Comrades). Consta uma sobre o ano que
dois irmãos gêmeos que tentaram burlar a prova, trocando quem corria durante uma
parada num banheiro no meio da prova. A farsa só foi descoberta graças ao uso do
relógio de pulso em braços diferentes, denunciando que não era o mesmo corredor. Há
quem já tenha pego taxi para poder chegar entre os 10 primeiros colocados, mas
obviamente também descoberto.
Entretanto, o mais importante desta sessão, são as referências às participações dos
primeiros negros e mulheres na competição. Inclusive no museu da Comrades há duas
placas comemorativas logo na entrada que celebram a primeira participação de negros
não oficialmente (em 1935, Robert Mtshali). Há ainda uma referência da luta contra a
discriminação liderada por Bernard Fridman, em 1974, um corredor branco que decidiu
não se inscrever como solidariedade a seus companheiros de corrida negros que não
tinham permissão para correr oficialmente por conta da Apartheid. Na ocasião ele
completou a Comrades em 6h30, o que daria direito a uma medalha de prata. Apenas em
2010 que os organizadores do evento decidiram corrigir esta injustiça e, em uma
cerimônia especial, deram a merecida medalha a Bernard Fridman.
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Organizadores da Comrades corrigem e lembram erros do passado. Homenagem a Mtshali e Friedman na luta pela integração de negros e mulheres
Friedamn, ao centro, recebe a medalha de prata diretamente das mãos do Chairman Dave Dixon (esquerda)
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Por fim, mas não menos importante, voltamos à feira sábado, para pegar uma camisa
que o Bigatello havia pedido especialmente para bordar. Quando menos esperávamos,
ao passar pela entrada da feira nos deparamos com o próprio Bruce Fordyce, que
gentilmente permitiu que tirássemos uma foto com ele. Mesmo nos dias de hoje, com
56 anos, ele continua correndo forte abaixo de 8h. Incrível...
Dia anterior à prova
Este dia começou com uma surpresa. Os mesmos organizadores do evento realizaram
uma prova de 5 km e 10 km no sábado, mas com um percurso na própria Durban, que
passava em frente ao nosso hotel. Estávamos no café da manhã vendo esta cena
quando atentamos a um detalhe; estas duas provas eram cheias de crianças, muitas
correndo até mesmo descalças. Sabemos da fama que os africanos têm em participação
em eventos de corrida, mas isso era a prova viva que a tradição por lá começa cedo.
Comparando com o Brasil, provas de distâncias similares normalmente são
frequentadas por corredores de academia tentando fugir do sedentarismo. Portanto,
ver a alegria das crianças sul-africanas que corriam, seja por brincadeira ou incentivo de
seus pais, foi bastante engrandecedor.
Hora de conhecer o percurso e visitar o museu da Comrades. Sim, esta prova é tão
especial e tradicional que tem uma casa dedicada a sua memória (Comrades Marathon
House). Nela encontramos uma maquete em escala muito bem feita do percurso, com
todos os detalhes da altimetria, além dos principais marcos e explicações em áudio. Era
possível, ao mudar o lado de observação da maquete, ver o percurso do ano de subida
ou de descida. Nesta sala, também encontramos objetos e fotos de figuras históricas,
como Mandela, corredores históricos e matérias em jornais. Na sala ao lado, vimos um
quadro com todos os recordes ao longo dos tempos, uma sala especialmente para
relembrar os heróis do passado, além de muitos artigos doados por corredores, como
os tênis que usaram em provas em que foram campeões e muitas medalhas e troféus.
Vimos uma sala exclusiva para os corredores Green Number e ainda tinha uma loja (no
melhor estilo gift shop americano) nos fundos. Valeu a pena!
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Entrada do museu da Comrades Detalhe do ponto mais alto da prova na maquete
Camisa assinada por Mandela, no dia em que visitou a Comrades e, à direita, dez das 12 medalhas de ouros ganhas por Alan Robb
Neste quadro estão todos os
recordes desde 1921
Esta maquete de vários metros de comprimento mostra todo o percurso em detalhes
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Dali, realizamos o complicado trajeto da prova, procurando seguir as placas “Comrades
Route”, presa a postes para indicar que a rodovia estaria fechada ao trânsito no domingo.
Porém, apesar de bem sinalizada, o trajeto vai aos poucos se tornando confuso.
Conseguimos passar por locais emblemáticos como o pico da prova, acima de 800 m, a
metade da distância, logo após a montanha Inchanga, o “Arthur’s Seat” (local em que o
legendário Arthur Newton, ganhador por cinco vezes da Comrades, se sentou para
descansar) e o muro da honra. Neste último, fizemos uma longa parada para fotos e
encontramos as placas de corredores memoráveis. Mais adiante, entramos em Pinetown,
cidade entre Durban e Pietermaritzburg. Suas ruas sinuosas e cheias nos fizeram perder o
caminho da prova e acabamos por desistir de acompanhar o final do percurso de carro.
Melhor assim, pois deixaria a curiosidade para ser desvendada no dia seguinte.
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Magda segura umas das placas utilizadas para sinalizar o percurso da prova. Ao lado, típica paisagem da prova
O trajeto da prova é marcado por ter um asfalto em excelente condição e inúmeras subidas e descidas
Placas como esta são encontradas pelo caminho, avisando sobre os pontos relevantes da prova, como sua metade, muro da honra, Arthur’s Seat e as montanhas Big Five (Inchanga, no caso desta placa)
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Preparação
Na sexta, já começamos a preparar nosso material para a prova. Já sabíamos que a
temperatura enfrentada na madrugada de Pietermaritzburg seria baixa, em torno de 5°
C. No ápice do dia superaria 20° C, tornando a esfriar até o final da tarde. Podíamos
levar uma pequena mochila que seria levada até Durban pela organização do evento.
Nossa opção foi de ir bem agasalhado e largar com roupa de frio, calças e camisa de
mangas compridas, além de luva. Por baixo, a camisa especialmente feita pela equipe
para a prova, com o número de peito e de costas, que, além da identificação numérica,
ainda continha nossos nomes e um alerta para que os fotógrafos soubessem que
queríamos ser fotografados.
Por baixo da calça, vestia uma bermuda especial com muitos bolsos. Lá eu levei 18 géis,
barra de proteína, sódio em capsulas, mp3 etc., tudo que já havia sido previamente
testado nos treinos. Como o prof. Alexandre estaria em outra van, oferecendo suporte
em diversos pontos pelo caminho, poderíamos deixar nossas roupas de frio com ele, na
medida em que o dia fosse avançando e a temperatura subindo. Mal sabíamos o que
nos esperava...
Para acordar à 1h da manhã teríamos que dormir às 17-18h, de sábado. Com o cansaço
do fuso horário achávamos que seria fácil. Realmente, tenho facilidade para dormir
bem, mas soube de diversos corredores que ficam acordados sob tensão. Afinal de
contas, são muitos detalhes a não serem esquecidos e a própria insegurança perante o
tamanho da distância a ser vencida. Tudo deu certo e lá fomos nós rumo a
Pietermaritzburg na madrugada de domingo.
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Bermuda com bolsos utilizada
O suporte contava com diversos alimentos calóricos Exemplo do número de peito, com nome e número de emergência
Suplementação de cápsulas de sódio utilizadas Corredores e apoio prestam atenção na preleção
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A prova
Chegamos a Pietermaritzburg bem cedo, as 3h30-4h. Teríamos quase duas horas de
espera pela frente, debaixo de frio e vento. No dia anterior, comprei um cobertor, que
usei para me proteger do frio e do vento, neste período de espera até o horário da
largada. Eram 18.000 inscritos este ano, mas compareceram à largada menos de 17.000.
A rua em que esperamos para largar tinha seu acesso controlado apenas para quem
estivesse inscrito, não havendo espaço para espectadores assistirem. Para largar junto
com Magda e Bigatello, decidi largar na baia H, a última. O problema de sair mais atrás é
que o tempo que se leva para passar pela largada não é computado, mesmo com o uso
do chip.
Enquanto aguardávamos pela largada, pudemos ver os demais corajosos que estavam
presentes, muitos deles nativos sul-africanos. Inclusive, este povo muito interessante e
simpático, adora o Brasil e estão sempre sorridentes. Vimos os responsáveis pelos
“ônibus”, espécie de grupo de corredores que segue um experiente líder, que dita o
ritmo da corrida e caminhada e ainda o momento de alongar e a hora de comer. Apesar
do conceito ser legal, a estratégia de prova depende do líder, que pode, inclusive, optar
por caminhar numa descida leve ou correr numa forte subida. Era melhor não arriscar
seguindo uma estratégia desconhecida, pois já tinha em mente que caminharia nas
subidas fortes e tentaria compensar nas descidas, que sempre foram meu ponto forte.
Minha meta era chegar antes de 11h, almejando a medalha de bronze.
Depois da longa espera sentados em frente à entrada da baia H, finalmente chegou a
hora. Antes da largada, iniciou-se o tradicional ritual que era composto pelo hino sul-
africano, a música Shosholoza (de origem Zimbábue, mistura das línguas Zulu e Ndebele,
conhecida como segundo hino sul-africano, cuja tradução de seu título significa “vá
adiante”), a música inteira de “Carruagens de Fogo”, o canto do galo (eternizada pela
gravação da imitação do canto do galo feita por Max Trimborn) e, finalmente, um tiro de
canhão. Ainda estava escuro e sem poder correr pela quantidade de pessoas à frente,
caminhamos até a largada, demorando cerca de 9 min. Finalmente, iniciamos a prova!
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Clique aqui para ver o vídeo da largada deste ano
Links interessantes:
- Corredores cantam hino Shosholoza
- Vídeo com entrevistas, a rota da prova e a largada vista de perto
- Vídeo promocional explicando o que é Comrades
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Ainda de noite, com muitos corredores pela frente, frio e se acostumando com o ritmo de
corrida, íamos adiante. Sabíamos que com menos de 8 km iniciaríamos a primeira forte
subida, rumo ao ápice da prova, cerca de apenas 170 m acima do local da largada (para
efeito de comparação, seria um pouco mais que sair da primeira cancela das Paineiras a
sua segunda cancela, inclusive, com inclinação similar). Mas antes descemos as Polly
Shorts, ainda com as pernas frescas e uma multidão à frente. Foi neste momento que o
sol começou a raiar e pudemos ver as primeiras pessoas saindo de suas casas, ao longo
da rodovia para acompanhar e incentivar de perto os corredores.
Passamos ao lado de parques e fazendas e, neste ponto, as subidas ainda eram pouco
íngremes e era possível prosseguir sem caminhar. Até aqui, o vento contra era frio e
constante. O suporte sistemático com água, Energade (bebida energética) e Pepsi
tornavam a reposição bem confortável, praticamente a cada 2 km. A esta altura, já estava
usando um gel a cada 5 km, frequência estabelecida para reforçar a entrada de calorias.
Encontrei com o Alexandre, Luise e Isabela no km 16, mas sem necessidade de suporte
ainda. Passamos, em seguida, pelo ponto mais alto da prova, restando cerca de 70 km
para a chegada. Um detalhe interessante da prova é que as placas de quilometragem são
ao inverso, mostrando o quanto falta para a chegada e sempre acompanhadas de
palavras positivas, como coragem, honra, companheirismo, força etc.
Passados 30 km de prova, meu corpo começou a se acostumar com o ritmo que vinha
empregando, cerca de 6min30/km no plano, 6min/km nas descidas e 8min30/km nas
subidas. Na verdade, a referida diferença na subida era porque eu a esta altura já estava
caminhando na maior parte das subidas, como forma de me recuperar e poupar energia
para a segunda metade da prova. Já estava usando capsulas de sódio a cada duas horas e,
por enquanto, sem grandes sinais de fadiga. O clima começava a esquentar e eu já
desejava jogar fora a camisa de mangas cumpridas e a calça. Já havia retirado as luvas e
aguardava apenas por encontrar com o suporte do Alexandre para me desfazer destas
peças. Acabei não o encontrando no segundo ponto de suporte, já que depois fiquei
sabendo que haviam quebrado o vidro de sua van, furtando seu laptop, passaporte,
carteira de motorista, cartões de crédito, dinheiro e celular. Por conta disso, foi
necessário fazer queixa na antiquada delegacia de Pietermaritzburg, o que levou tempo,
prejudicando, em especial, o suporte de Miguel que não havia levado todos os seus géis
consigo.
.
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Corredores de todas nacionalidades levam suas bandeiras. Ao lado, espectadores aguardam, mesmo de madrugada
Muitos corredores correm juntos em “ônibus”
A russa, Elena Nurgalieva, liderou a prova feminina
Água e energético em saquinhos fáceis de usar
Para a maioria chegar bem é necessário caminhar
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Adiante, em minha opinião, vinha a pior subida, Inchanga. Apesar de não ser tão íngreme,
era longa e precedia a metade da prova, que eu ansiosamente esperava por chegar. O
clima esquentava e a população começava a lotar os arredores dos pontos de suporte.
Muitos gritavam palavras de apoio “looking good”, como diria Bigatello. Realmente
estava ficando divertido e sem grandes sinais de fadiga. Resolvi até ligar o mp3, que até
então estava desligado, na longa descida que vinha após Inchanga.
Rumo à terceira montanha, Botha’s Hill, passei pelo muro da honra e, quase sem
perceber, pelo Arthur’s Seat, que só vi de relance (diz a lenda que se deve dizer “bom dia
senhor” ao se passar ao lado deste ponto, como forma de obter uma segunda metade
mais forte). Por aqui vimos crianças de escolas especiais que se enfileiram, apenas para
dar o seu apoio. Além disso, passamos por pequenas bandas, djs e tudo mais que se pode
esperar de uma grande maratona. A descida da Botha’s é forte e o ritmo acelera.
Segui adiante passando pelo km 50, sabendo que em breve iniciaria uma longa descida de
22 km de extensão e 550 m de altura. Certamente aqui foi meu melhor momento, sem
estar fadigado e bastante animado com o desenrolar da prova, com suas novidades pelo
caminho. Próximo ao km 60, encontrei Alexandre e Luise, quando fiquei sabendo do furto
ocorrido. Ele ainda me disse que Cláudia estava apenas 1 km a minha frente, o que me
animou a acelerar para encontrá-la. Finalmente, também deixei minha roupa de frio e
pude continuar com mais leveza e conforto.
Confesso que estava animado, e saber que já estava na descida me ajudava ainda mais.
Não estava encarando a prova como 89 km, mas sim como quatro meias maratonas.
Sabia que em breve completaria a terceira meia maratona e a vitória de chegar começava
a passar pela cabeça. Por outro lado, a descida continuada ajuda a ganhar velocidade,
mas pulveriza a musculatura, que começou a sentir o peso dos 60 km. Além disso, a
sensação de estar pisando em terreno desconhecido (primeira vez que passava de 60 km)
e, que ainda faltavam 29 km, era angustiante.
18 “Ônibus” sub 9h correm nas ladeiras de Inchanga e, ao lado, Mamabolo lidera a prova do início ao final
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Um pouco mais adiante, em Fields Hill, é possível ver Durban a cerca de 25 km. Lembro
que, neste ponto, as dores começaram a se intensificar. Felizmente, também foi logo
adiante que encontrei com Cláudia, quando pude correr acompanhado por alguns
quilômetros, antes que viesse a próxima subida e eu desistisse de correr lado a lado
(Cláudia gosta das subidas e, de preferência, correndo).
Perto dos 80 km, veio para mim o pior momento. Apesar de estarmos passando por
dentro de Pinetown, quando muitos moradores vão às ruas para dar apoio de todas as
formas possíveis. Há quem faça e distribua sanduíches para os corredores, levam bebidas,
oferecem churrasco e tudo mais que se possa imaginar. Sem a camisa de mangas
compridas que estava sobre a de mangas curtas com meu nome escrito no número de
peito e Brasil silcado logo acima em letras garrafais, ouvi mais de uma centena de vezes
gritos de apoio como: “Go Ricardo”, “Brasillll”. Graças a esses anônimos incentivadores, a
desistência é quase impossível. Apesar disso, a sensação de empanzinamento é notória.
Se houvesse uma opção de terminar por ali mesmo, eu escolheria. Mas não tinha e é para
frente que se corre.
Cheguei aos 80 km com tontura, mas sem saber ao certo o que estava qual a causa. Podia
ser falta de açúcar no sangue ou baixa pressão. Como estava preocupado com esta
situação, preferi caminhar para não correr o risco de procurar ajuda médica (caso isso
ocorresse estaria fora da prova). Resolvi tentar tudo que poderia para reverter aquela
situação. Não aguentava mais pensar em gel e lembrei que tinha uma Halls no bolso.
Peguei três pastilhas de uma só vez e, mais adiante pelo caminho, havia uma pessoa
distribuindo sal. Junto com o açúcar, que havia ingerido da bala, melhorei rapidamente e
pude voltar a correr. Logo em seguida, no km 82 encontrei novamente Alexandre e Luise,
que nada devem ter entendido quando ataquei a batata Pringles que estavam levando.
Estava com fome, mas não dava mais para parar. O tempo perdido com a caminhada
podia me fazer perder a tão desejada medalha de bronze, para aqueles que terminam em
menos de 11h. Dois ônibus de sub 11h haviam me ultrapassado e não tinha mais forças
para acompanhá-los.
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Visão animadora: Ao passar por esta estrada, em Fields Hill, pode-se ver Durban, quase que confunde-se ao mar, cerca de 25 km de distância ainda
Ajuda de todos ao longo do
caminho
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O final é exaustivo. Com as pernas doloridas, cada pisada é sentida de formas diferentes
pelos músculos fadigados. Algo inédito até então me ocorreu; tive uma intensa fadiga na
musculatura que mexe os braços para frente e para trás, quando corremos. A técnica de
corrida desta reta final é “a que dá”. Os músculos respiratórios também estão em fadiga
e até mesmo a inspiração profunda pode sugerir o início de câimbra. Seguimos por uma
rodovia dentro de Durban, mas sem a emoção da multidão dando apoio. Num
determinado momento, eu, tentando dar o máximo que podia correndo, sou
ultrapassado por um caminhante! Seria um triste final, se não fosse pela fantástica
chegada no Estádio Sahara.
Inacreditavelmente, depois de 88 km rodados, vi finalmente o estádio. A sensação de dor
simplesmente é ofuscada pelos gritos incansáveis da multidão. O ritmo forte e solto volta
naturalmente e finalmente tenho a certeza de que consegui chegar. Cruzo a linha de
chegada em 10h54, dentro do prazo para a medalha de bronze. Feliz e ainda sem
acreditar que consegui correr 89 km, compartilhei este momento de felicidade com
muitos outros corredores anônimos que também chegaram antes das 11h. Este
sentimento nem mesmo nas maratonas havia visto.
Após receber minha aguardada medalha, me juntei aos demais corredores na sessão de
atletas internacionais. Pude ver a chegada da Magda e o tiro que simboliza o fim do
evento. É muito triste ver que muitos corredores não conseguem completar a prova,
apesar dos muitos meses de preparação e do extremo esforço. Mesmo em nossa equipe,
bem informada e organizada, tivemos três desistências entre os nove participantes. Isso
demonstra a dureza e a imprevisibilidade da conclusão. Mas isso não quer dizer que
saíram derrotados. Apenas a vitória é que foi adiada.
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Espectadores assistem a chegada dentro do Estádio Sahara, prova liderada e vencida pelo sul-africano Mamabolo, à direita
O clima de felicidade é muito grande entre os terminam a prova Aperto de mão entre anômimos que compartilharam as dificuldades do percurso
Links interessantes:
- tiro de término das 12h aqui! (este é de 2010)
- chegada de Mamabolo aqui!
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Atenção aos detalhes
Comrades é uma prova que se diferencia das demais pelos inúmeros detalhes. Em
primeiro lugar sua tradição e longevidade são incríveis. Não havia uma pessoa com
quem conversamos pelas ruas de Durban que não soubesse o que é a Comrades. Basta
comparar com a maratona do Rio, a maior prova que temos na cidade, onde mal sabem
os habitantes que uma maratona tem 42,2 km. Além disso, Comrades mantém sua
memória viva, em um museu e mesmo na feira, onde se via a questão que seus
organizadores fazem de lembrar suas histórias. A atrativa sequencia das medalhas
também é bastante estimulante para quem apenas vai até lá para completar e não
disputar. Vi que mesmo os simples ajudantes que estão dispostos nos 48 postos de
reidratação e suporte ao longo do caminho trabalham motivados e sempre sorridentes.
Isso é resultado de anos de tradição e do orgulho que eles têm por esta prova.
Pelo caminho havia oito estações de fisioterapia, quatro para diabetes e duas para
atendimentos médicos que necessitam de UTI. Na chegada, uma grande estação de
atendimento emergencial realiza desde pequenos atendimentos a até mesmo casos
mais graves. Felizmente neste ano parece que só houve um caso de maior gravidade,
mas que foi revertido.
Após a chegada, quando todos os corredores fazem uma análise do “estrago” causado
pela distância, é comum vermos macas para cima e para baixo, levando os mais
debilitados ao setor de emergência. Magda foi um desses corredores e, por conta de
uma queda na pressão, foi levada a tenda de atendimento médico. Acostumados com
as frequentes emergências que esta prova requer, presenciei a excelência no
atendimento pré-hospitalar realizado. Havia cerca de 60 leitos (todos ocupados) na
tenda em que entramos, sendo quase que na totalidade eram corredores tomando soro
para equilibrar o ambiente sanguíneo tão castigado pela desidratação e perda de
nutrientes. Foi este o caso da Magda, mas o cuidado deles foi além, realizando exames
de sangue para excluir problemas mais graves. Felizmente não havia sido nada grave e
logo foi liberada, saindo andando e sem problemas (só as muitas pequenas dores
causadas pela própria corrida). E tudo isso sem filas, sem estresses, mantendo sempre a
atenção e preocupação com o paciente. Nota 10.
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A medalha é motivo de orgulho e um grande diferencial Corredores chegam como podem e muitos precisam de atendimento médico
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O manual da prova continha muitas informações médicas, que do meu ponto de vista,
são negligenciadas pela maioria dos eventos de longa distância. Há uma clara
preocupação com a hidratação, clima, uso de medicamentos e alimentação, tudo isso
explicitado numa sessão intitulada “o que todo corredor deveria saber”. É sempre
enfatizado para que em caso de problemas o corredor procure assistência médica da
prova, evitando maiores danos. Vi também que eles deixam bastante explícito quem
forma o comitê organizador, algo desconhecido por nós cariocas quando entramos nos
eventos daqui. Eles também exaltam quem são os corredores favoritos e deixam mapas
detalhados da prova e dicas para quem assistirá como espectador, seja ao longo do
percurso ou no estádio Sahara.
No pós prova os cuidados não acabam. Durante o evento muitos fotógrafos registram
cada momento e as fotos podem ser compradas “online”. Vendem ainda quadro de
medalhas, álbum especial para guardar as medalhas e certificados, pen drive com fotos
do evento, vídeos da prova em alta definição. Os resultados com todos os tempos
parciais são exibidos num programa disponível na internet para amigos e familiares
acompanharem a evolução. Ou ainda podem ser recebidos por SMS do celular, tudo em
tempo real. Todas as 12 horas do evento são televisionados (lembrando que o primeiro
deste ano chegou com 5h31), dando ênfase aos corredores participantes. No dia
seguinte as notícias sobre a prova eram manchete principal nos jornais e o nome,
tempo e classificação saíram num caderno especial sobre a prova.
Todos estes cuidados tornam esta prova especial em vários sentidos e, como observado
pela comradeira Cláudia Lacerda, “é a Disneylândia do corredor”. Outra observação
pertinente foi feita por Marco Bigatello, que num determinado momento comentou:
“esta é a única prova em que se falam horas sobre ela e ainda têm assuntos a serem
discutidos”. Realmente, concordo com ambos.
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Quem trabalha na Comrades da exemplo de profissionalismo e simpatia Do início ao final: Comrades é televisionada em suas 12h de duração
Detalhe do mapa da prova nas costas da camisa recebida no kit da prova. Ao lado, os muitos itens que compunham este kit
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Tópico especial sobre saúde
Saúde é um termo complexo de difícil definição. Certamente não é tão simples quanto
não ter doenças, como pensado pela maioria das pessoas. Segundo a Organização
Mundial de Saúde (OMS), seria o completo bem estar biopsicossocial, algo praticamente
inalcançável em nossa sociedade. Instituições que pesquisam sobre saúde e atividade
física, como o Colégio Americano de Medicina Esportiva (ACSM), lançam, de tempos em
tempos, protocolos que visam nortear a quantidade e a qualidade de exercícios que
buscam a manutenção e ganho de saúde. Sua publicação mais recente propõe que
atividades físicas deveriam ser praticadas praticamente todos os dias, sendo duas a três
vezes com maior intensidade. Não há nada ali dizendo que é necessário correr ou muito
menos fazer uma maratona ou ultramaratona.
Fazer uma prova de longa distância (entenda longa distância como qualquer
quilometragem superior a 5 km) exige preparação física individualizada, alimentação
especial, repouso sistemático e acompanhamento médico. A Comrades é um grande
desafio para o corpo e, na busca de realizar tamanha façanha, podemos perder saúde
neste processo. O resultado mais provável da perda de saúde é o surgimento de lesões,
muito comuns para quem corre, porém bem menos frequente para quem simplesmente
caminha. Portanto, se o desafio é grande, os cuidados também deveriam ser. É
necessário uma equipe multidisciplinar com professor de Educação Física, médicos,
nutricionista e fisioterapeuta, para se chegar com maior segurança ao resultado final, a
conclusão bem sucedida da prova e sem lesões.
Desde que terminei a Comrades, fiquei com dores nas pernas até a quinta-feira (quatro
dias) e com sensação de peso durando até sábado (seis dias). Aparentemente, com uma
semana, estaria pronto para o próximo desafio. Contudo, o corpo não funciona apenas
na base da percepção subjetiva. Prova disso é o artigo publicado por Hagemaann, Rijke
e Corr, intitulado: “os joelhos sobrevivem a Comrades?” Para testar, foram realizados
exames de ressonância magnética (RM) em 10 participantes que completaram a
Comrades entre os anos de 1997 e 2002. Em todos estes corredores foi encontrado
aumento do fluido articular (indicativo de estresse na articulação) prévio a corrida,
sendo que em 50% destes houve piora do quadro depois da prova. Mesmo depois de
um mês, cinco corredores ainda demonstravam aumento do fluido articular.
Apesar destes resultados soarem desconfortavelmente, nenhum dos indivíduos
pesquisados teve problemas nos meniscos, ossos ou superfícies cartilaginosas da
articulação do joelho, que pudessem estar associados à Comrades. Então, sim,
aparentemente os joelhos sobrevivem a esta dura prova, mas não tão rapidamente
quanto minha percepção enganosamente me tende a fazer pensar. E isso, sem contar
que ainda temos muitas outras articulações envolvidas na corrida e, some a isso,
aspectos psicológicos que sequer podem ser mensurados de maneira tão precisa
quanto a RM faz.
Então a reflexão que fica é que este desafio requer preparo, é para poucos e precisa de
uma recuperação prolongada após a prova, para que nossa saúde e fisiologia normais se
restabeleçam. Aceite e respeite seus limites e tenha saúde por toda sua vida como
corredor.
Fonte: Artigo com resumo no Pubmed. Clique aqui!
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"Veni Vidi Vici" (vim, vi, venci)
A ultramaratona Comrades é uma prova única. Sua história, tradição, percurso e orgulho
são únicos. Mais do que relembrar os soldados mortos na primeira Guerra Mundial, esta
prova, para mim é a reinvenção da superação dos meus limites. Acostumado a correr
maratonas nos últimos seis anos, não vinha sentindo mais o gosto da vitória que esta
prova propiciou. Porém, como toda meta de difícil alcance, ela tem um preço. O
investimento físico e emocional são altos, tanto para um atleta profissional quanto ao
último colocado. Basta ver que o vencedor deste ano, Ludwick Mamabolo, com 5h31,
caiu assim que cruzou a linha de chegada.
Meu tempo final, 10h54, foi a posição de 7714 na classificação geral, 6513 na categoria
masculina e 2536 na categoria de faixa etária. Minha média de ritmo foi de 7min20/km,
praticamente constante do início ao final. Porém, a média dos corredores não mantém
seus ritmos constantes, perdendo velocidade na medida em que se aproximam do final.
Analisando os resultados vi que, mesmo mantendo a mesma velocidade média,
ultrapassei 2000 corredores desde que saiu minha primeira parcial, em Camperdown,
com apenas 27 km. Como foram 11.952 corredores que completaram este ano e, ainda
restavam apenas uma hora e cinco minutos para acabar a prova depois que cheguei, isso
significa que cerca de 35% dos finalistas chegaram na última hora. Mais uma prova da
dificuldade desta prova.
Quo vadis? (para onde vai?)
Do primeiro ao último esta prova coloca sua resistência à prova, como assim desejava seu
idealizador Vic Clapham. Uma experiência única, repetida por muitos colegas corredores,
mas que resistirei à tentação de fazê-la no ano que vem. O motivo é que descobri que a
medida certa de meu desafio, no presente momento, não está na Comrades, mas na
maratona. Esta se encaixa bem em minha rotina, sem cobrar um alto preço, oferecendo
um bom retorno em troca. Além disso, o mundo está cheio delas e metas não faltarão.
Mas, como corredor não tem memória de longo prazo, não posso afirmar que nunca mais
a farei. Desejo boa sorte aos que têm a coragem e determinação de perseguir novamente
este desafio. Shosholoza!
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Na pele: Cláudia Lacerda é uma dessas que repetem a prova sem pensar duas vezes. Corajosa...
Links interessantes:
- encontre fotos de corredores na prova aqui!
- fotos no Flickr aqui!
- vídeos dos corredores durante a prova aqui! (meu número foi 31061)
- veja os resultados detalhados do evento aqui!
Dedico minha conclusão vitoriosa na Comrades a todos os participantes da equipe Filhos do Vento, fontes eternas de inspiração, orgulho, coragem e dedicação. Mais do que camaradas, nesta equipe, somos uma família. Meus sinceros agradecimentos!
Principais fontes pesquisadas:
http://www.ngulunews.co.za/uploads/File/April2010/skexpr008.pdf
http://www.comrades.com
http://en.wikipedia.org/wiki/Comrades_Marathon
http://comrades.mapservice.co.za/
http://www.comrades.com/getattachment/c8ce2b9d-96a4-43cd-a6a1-131e0c6059c9/RouteMap.jpg.aspx
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Direitos reservados © 2000-2012
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