Post on 14-Apr-2016
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O Tomismo é incompatível com o marxismo
Conferência proferida pelo
Professor Dr. Alexandre Correia,
no Colégio Pedro II.
Professor Emérito da Universi·
dade de São Paulo e tradutor da Suma Teológica, de Santo Tomás de Aquino. ,
CONFERI!NCIA DO PRQF. ALEXANDRE CORREIA
Prezadíssimos ouvintes:
A muita amizade, a velha amizade que nos prende ao eminente Diretor-Geral desta Casa, Professor Vandick Londres da Nóbrega- teve o condão de nos trazer de São Paulo para termos o prazer de conviver convosco durante alguns rápidos momentos.
Conheço-o há mais de trinta anos e nele sempre vimos o mesmo homem reto, o mesmo católico, que aplica na administração os princípios do cristianismo. E precisamente por isto tem sido ele combatido, rude e injustamente atacado e até caluniado p:;los �ue vêem na sua presença um empecilho à disse o do comumsmo e aos que azem os co res pu 1cos uma onte de riqueza.
Por isto, não poderíamos recusar o convite que ele nos fez para refutar a série de impropriedades contidas numa conferência proferida, na Universidade de Chicago, pelo Arcebispo de Olinda e Recife sobre "o que faria Santo Tomás de Aquino diante de Karl Marx"
Como a nossa despretenciosa palestra pode contribuir para esclarecer a juventude, tão envenenada pelos inimigos do cristianismo e pelos materialistas e pode ajudar o ilustre Diretor-Geral na sua corajosa e patriótica luta em defesa de nossas instituições cristãs, do atual regime, lutando às vezes sozinho porque lhe faltam o apoio e o estímulo de algumas autoridades, que se deixam seduzir por infâmias urdidas para afastar da linha de combate um valoroso batalhador, resolvemos suspender o nosso retiro em nossa biblioteca, em São Paulo, e aqui estamos para atender ao convite, que, nas condições atuais do País, recebemos como uma convocação patriótica.
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Queríamos agradecer as autoridades presentes, como o Diretor-Geral já agradeceu, e, em particular, ao Senhor Bispo, que representa sua Eminência o Cardeal Dom Eugênio Sales a quem pedimos tenha a bondade de apresentar nossos agradecimentos.
Não vamos fazer uma conferência, senão apenas ter convosco, por alguns instantes, uma conversa amistosa. Por isso mesmo não escrevemos o que vos iremos dizer, ficando assim mais livre na expressão do nosso pensamento .
Infelizmente é algo de desagradável o assunto que nos trouxe à vossa presença: opor, a pedido do nosso grande e muito prezado Prof. Vandick da.Nóbrega, eminente DiJ;etor-ÇXeral deste Colégi<;>, uma -e<?ntradita a uma confer�nc�a- do Senhor Arce.}?ispo: _de O linda e Recife, aparecido num 9rgão de publicida�e.
Na exteriorização das suas idéias duplamente se manifesta subversivo o seu autor: contra o seu superior hierárquico, o Papa Paulo VI e contra a nossa autoridade civiL Pois manifesta-se nesse artigo o Arcebispo como; simpatizante de idéias comunistas-marxistas. Ora, no atinente aos seus superiores eclesiásticos, não só ao·.�ant� Padre Paulo VI, càmo aos Pontífices que o
antecederam,. é·formal a condenação do comunismo materialist� e ateu, sob qualqu�:c forma, que se manifeste. Permitam-nos indicar-vos aqui algumas dessas condena-:-
-çoes.
Leão XIII diz do comunismo, que é ·"uma peste moral, que atáca a medula''mesma da espécie humana, com o fito-·cte·:anfqúilá�ra� haüct praetermi�'imus ·zethijeram pestem, qüáe·per artu$.in�i11iós humanae soc{etatis serpit eaftüjue. in: · eJ;tfeinu.m dtscrimen adducit - Enc. Quod apostolici de�2'8'/f2/1878 .. -
·
"i�_• ' I
Pio XI, na alocução .ao mundo inteiro de 10/12/24; na encíclica Miserentissimus Redemptôf de 8/5/28: na encíclica de Pio XI Quadragesimo anno de 15/5/31; na
'·
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encíclica Oaritate Christi de 3/5/32; na encíclica Acerba I
animi de 29/10/22; na encíclica Dilectissima nobis de 3/6/33, e sobretudo na encíclica Divini Redemptor·is de 19/3/37. Em 1949, sob o pontificado de Pio XII, um decreto do Santo Ofício tomava medidas disciplinares contra católicos que praticavam certos atos em relação com o comunismo. Na encíclica Divini Redemptoris se lê: "o comunismo é por natureza anti-religioso e considera a religião ópio do povo, porque os princípios religiosos referentes à vida de além túmulo impedem o proletário de buscar, nesta terra, a religião do paraíso soviético".
Ora, o senhor arcebispo de Olinda e Recife manifesta-se em rebeldia subversiva contra a doutrina da Igreja e dos Pontífices tanto passados como o atual, que condenam abertamente, ·como acabamos de demonstrar, o comunismo materialista e ateu. E isso se colhe pela simpatia incisiva pelo marxismo, como ressuma de todo o artigo da referida tevi�ta'. E essa simpatia vai a ponto de querer uma efetiva colaboração entre o comunismo materialista de Marx. e a filosofia de Santo Tomás de Aquino. Referindo-se aos festejos realizados pela Universidade de Chicago (onde fez uma conferência cujo transunto está no referido artigo) para comemorar o sétimo centenário da morte do Doutor Angélico, chega a escrever o seguinte: "Já que (note-se expressão depreciativa já que e· logo no início do artigo já havia dito, com mesmo pouco caso: A primeira v'ista não é fácil entender e aceitar que nos Estados Unidos, em ple1i"o· século XX, a Universidade de ChicagO' u gaste· tempo'� (o grifo é nosso) para comemorar o 7.0 centenário da morte de Santo Tomás de Aquino)". Acha portanto que já. não vale a pena estar a gente a perder tempo" ocupando-se com o pensamento do mestre medieval. E entretanto logo a seguir, na seqüência do período se contradiz, dizendo: "No entanto vossa Universidade tem razão: Santo Tomás tem lições imo:-
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portantíssimas a transferir aos homens de hoje e aos homens de todos os tempos". Destrói na segunda parte do período o que afirmava na primeira! Tal é o homem.
A sua simpatia pelo comunismo materialista de Marx toma-o, o irrequieto arcebispo nordestino, também subversivo contra o governo de nossa Pátria, que é aberta e declaradamente anticomunista, como se sabe.
O artigo, depois de uma tiraQ.a semi-lírica das misérias do mundo presente, concernente à má distribuição �as riquezas e dos bens materiais (o que não é novidade para ninguém ... ) desfecha nisto: "temos o direito de sugerir-lhe (à Univ. de Chicago) que como a melhor das maneiras de comemorar o centenário do autor da Suma Teológica e da Suma contra os gentios, tente fazer, hoje, com Karl Max o que Santo Tomás fez com Aristóteles" Ora o que foi que Santo Tomás fez com Aristóteles? Aqui o engano do arcebispo semimarxista é total. Pensa ele que Santo Tomás "não teve medo" (como se em filosofia se pudesse falar em medo: ) "teve a coragem" (em filosofia não há coragem nem falta de coragem! ) de lidar com Aristóteles, considerado em seu tempo (seu de quem? de Aristóteles? ... de Santo Tomás? ... ) "como um pagão, um pensador perigoso" (estranha linguagem: em filosofia não há perigos e nem são os filósofos, uns perigosos e outros "não perigosos"), "amaldiçoado" {por quem? ... ). Santo Tomás foi um "corajoso" (para usar a expressão arcebispal) porque teses fundamentais do pensamento aristotélico contraditavam pontos essenciais do Cristianismo" - Aqui, na linguagem do artigo, pululam as inexatidões, resultantes ou da má-fé ou da ignorância. Para não nos alongarmos demasiado enumeran1os resumidamente.
1 - Santo Tomás é teólogo antes de tudo; basta ver o esquema da Summa Theologica, a mais importante de suas obras, para nos convencermos da nossa afirmação. Como teólogo, a sua intenção é expor o dogma, fun-
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dado na Revelação. Ora, tal não faz, é claro, sem raciocinar. Não que Santo Tomás queira erigir o dogma em um conjunto de ensinamen� racionais; longe � . O que ele pretende é servir-sé de princípios füosóficos que o ajudem a ·esclarecer a dogmática cristã. Para isso serviu-se de verdades filosóficas, não só de· Aristóteles, mas ainda de Platão, de Santo Agostinho e até de filósofos árabes (p. Ex. Avicena) e judeus (p. ex. Moisés Mai.mônides). Quanto a Aristóteles (de que ele muito se
serviu) é cheio de inexatidões o chamar-lhe o arcebispo um "pagão" (que queria ele que Aristóteles fosse? ... ), um "materialista?"; como poderia Aristóteles deixar de cair em certos erros - como p. ex. a matéria eterna e outros dos quais só a R�velação poderia tê-lo livrado? Pois hoje não vemos Marx, o predileto do arcebispo em plena Revelação cristã, afirmar-se brutalmente materialista? Aliás, a teoria do conhecimento, entre muitos ensinamentos de Aristóteles, nada tem de materiali�mo. O articulista acoima Aristóteles de "pensador perigoso e maldiçoado" Engraçado! quais os perigos que há no estagirita? ... Quem o "amaldiçoou"? Algum Papa? Também não sabemos em que se apóia o articulista para afirmar que Santo Tomás enfrentou "combates terríveis e maldições''. Maldições- de novo - de quem? Que houve lutas é certo, &em nada de "combates terríveis"; oposições sempre as haverá entre pensadores adeptos de sistemas filosóficos diversos, sem nenhumas "terribilidades" Tomás envidou todos os esforços pela verdade, "que andava", segundo parece, "prisioneira e até enlouquecida": Já se viu tal coisa! A verdade "presa e\louca'": Hoje, articula o autor, "não faltam pensadores que representam desafios (o grifo é nosso) , no gênero de Aristóteles... olhem só: Aristóteles metido em "desafios" ... Marx também desafia "porque é materialista, ateísta militante, agitador, subversivo, anti-cristão". Ainda bem que o eclesiástico nordestino o proclama. � se felicita, porque hoje "a Igreja não tem mais poperes contra os hereges e os anti-cristãos"
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Já não há a inquisição, nem já o Santo Ofício condena obras anti-religiosas e anti -cristãs.
Liberdade completa dentro da Igreja! Cada bispo é senhor soberano d_entro de sua diocese, onde nem mesmo é obrigado a p_ermanecer continuadamente; pequeno Papa, pode sair a correr o mundo como um nababo sem levar em conta o elevado preço das viagens. Mas não condenem esses prelados itinerantes: ora aqui, ora acolá, falando; conferenciando, democratizando, marxistizando ... São apóstolos, receberam do alto a graça do apostolado, angariando, nos quatro ventos do mundo, auxílio para os indigentes de regiões desoladas das suas dioceses, que continuam sempre cada vez mais· pobres . . � Mas tenham confiança, porque o prelado viajante não os esquece ... , administrantes, lá diz São Paulo, sicut boni dispensatores multiformes gratiae dei !Vias nas suas andanças tais pontífices I embram -se sempre de uma possível aliança de Santo Tomás com Marx. No tomismo descobrem - como em Marx - uma direita e uma esquerda, que os tomistas até agora ignoram. "Para a direita, observa o ínclito eclesiástico, Tomás era um traidor de Cristo e da Igrejá. Para a esquerda. era um tímido, que parava no meio do caminho po� preconceitos e por medo da Igreja" . Viram? ... Novidade essa que sem dúvida será introduzida nas futuras histórias da filosofia medieval..· Compreende-se pois que São Boaventura ditasse acursos contra Santo Tomás" I Por certo esse grande e santo teólogo, amigo íntimo e inseparável de Tomás era·-.. . "da direita" e andava de candeia às avessas com seu amigo.
Não'· se saóia desse antagonismo ; descoberta valiosa que alterará pará o futuro a exposição da teologia �de Boaventura . . . Se E. Gilson tivesse sabido, ele qu� escreveu um 'grosso volume sobre S. Boaventura . . .
� \.. .
A-cha .o articulista que os erros de Aristóteles s_ã.e '�conseqüência de insegurança no uso da razão" ;·-mas·
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que "a visão ·aristotélica da· realidade dava para assustar (o grifo é nosso) sem·contat" na impropriedade da expressãó-: "assuslar"; quem?, Más enfim�Santo Tomás longe de assustar-se "apanhou os princípios de Aristóteles (tão inseguros . . . ) aprofundou-os e superou-os .. .' -."Diàrite ae Aristóteles, Tomás není tomou a posiÇão ·de desconfiança impotente, nem de adesão irrespon.sá vel e desmedida"; não se assustou·. . . E faz o autor um ligeiro apanhado cheio de inexatidões do aristotelismo para afinal chegar a Marx que' também, como Aristóteles dá para assustar. . .
·
Sem dúvida o prelado é assustadiço . . . ; e Marx com o seu ateísmo radical" aflige (grifo é nosso) os filósofos_ ·criStãos" '�pesar de haver verdade a redescobrir e:-a valorizar rio"·marxismo, não obstante considerar a religião '"c·omo forÇa alienada e alienante'·'; mas não há lugar para ''sustos", porque "há pontos do sistema de Marx que sã:o ver�ades cr1stãs"; .porque o·marxismo ''parece intrinsecamente anti.;;.religivso e anticristão"; parece, mas não é, pois "o próprio ·método marxista de prax-is foi vivido, por antecipaçâo, por Santo Tomás"; viram?! Pois já antes de Marx, Santo Tomás era marxista ... De tudo isso (e ainda de outras inexatidões de que pulula o artigo em apreço) conclui o homem que "já que" (note-se o tom depreciativo como já observam) já que a Universidade de Chicago assumiu a responsabilida�e de festejar o 7.0 centenário de Santo Tomás de t\q�jnq, t�mos o direito de sugerir-lhe que, com a melhot' das maneiras de comemorar o Centenário do Autor da Suma Teológica e dá "Suma contra os gentios", a
Univ�rsiq�çl,� te.nte fazer, hoje, com Karl l\4arx, o que Sài)tq Toq1ás fez com Aristóteles". Ora, o que foi que San.to Tomã.s fez com Aristóteles? Detenhamo-nos neste '' ' ' .. , I ' � r·�. I ' : r " • • '
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porito e vej�fn:Õs Si; .é po�sível conciliar· o Aquinense com o materialista· Karl Marx.
Santo· TomáS é· ·antes de tudo teologo; mas para explicar o ·-dj)gllla tinhàrheée·ssídatlé dé �récor�� "·a argumentos de·· natureza rfilosófica,· e·, esses argumentos ele
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os estribou em várias doutrinas de Aristóteles, que se prestavam, pelo bom senso que as caracteriza, à sua intenção; mas não tinha ele nenhum fito de cristianizar a filosofia do estagirita como pensa o articulista.
Santo Tomás teólogo é filósofo per accidens, como poderíamos dizer; e há mesmo grave risco de, separando o pensamento filosófico da sua teologia, falseá-lo na suaaplicação à teologia . E Gilson pôs isso bem em evidência quando tratou da noção de Philosophie Chréti
enne.
Aliás, como já assinalamos, Santo Tomás não se
apóia em Aristóteles, mas ainda em Santo Agostinho, nos árabes Avicena e Averróis e no judeu Moisés Maimônides. É pois uma idéia muito falsa a de supor que Sant.o Tomás cristianizava a Aristóteles. Mas, suposta essa errônea afirmação, pretende o conferencista de Chicago que se cristianize, ou melhor que se tomistize (digamos assim) Marx. Isso é o mesmo que querer um
círculo quadrado, porque, no tomismo, não há lugar para filosofia que lhe é diametralmente oposta. Pois, ao passo que o tomismo é por essência espiritualista e cristão, Marx é materialista ateu. Como encaixar num tomismo o pensamento marxista que lhe é totalmente oposto? Senão vejamos.
Para o comunismo, marxista, leninista ou_ sob qualquer forma, que se manifeste, adverte a encíclica Divini Redemptoris, que só há uma realidade, a matéria com suas forças cegas: a planta· o animal, o homem, !"e&ultados da sua fatal evolução. A sociedade outra coisa não é senão uma aparincia ou uma forma da matéria que evolve segundo suas leis próprias; por uma necessidade inelutável ela tende, através de um perpétuo. conflito de forças, para a síntese final: uma sociedade sem classes (cf. a excelente obra de Jean Ives Calvez, La Pensée de Karl Marx. Paris, Éditions du Seuil, 1956, págs. 584-5). Assim, não há, evidentemente, Deus, nem criação, nem ordem divina do mundo: s6 há a ma-
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téria eterna. Basta isso para se concluir a impossibilidade visceral de um tal monstruoso sistema ter entendimento com o tomismo. O fato de encontrarmos em Marx certas e ocasionais afirmações de algumas verdades de puro bom senso cristão, em nada infirma o que acabamos de diz er. Vejamos, pois, para pôr em evidência a oposição radical entre essas duas atividades d� pensamento, uma rápida síntese do pensamento tomista.
A matéria, elemento puramente passivo, não é eterna como pretende Marx; mas que o mundo começou, começando com ele o tempo, não o sabemos senão pela fé.
Mundum non semper juisse sola jide tenetur, et demonstrative probari non potest (S. Th. I. 46, a, 2, c. ) Não devemos recorrer ao modo de falar errôneo e sem sentido, que Deus "criou o mundo do nada", pois, do nada nada se faz. A expressão correta é: Deus, eterno, cria eternamente o mundo; o que não significa seja a matéria eterna. Deus é o criador do mundo e o governa. O governo divino do mundo é o ao que Santo Tomás chama a lex aeterna, a lei eterna que ele assim definê: lex aeterna nihil aliud est quam ratio divinae sapientiae, secundum quod est directio omnium actuum et motionum (Ia IIae p. XCII a. I c�· f).
Da lex aeterna deriva a lei natural ou o direito natural, que não é mais que uma participação da lei eterna pela criatura racional: participatio legis aeternae in rationali creatura lex naturalis dicitur (S. Th. 1. 2 g. 1. 2 . c o ) o Ora como é possível inserir estas noções, que são fundamentais no tomismo, numa doutrina que, sendo por essência materialista, exclui, não só Deus,
'
mas qualquer conceito de uma lei espiritual a que o uni-verso, material e humano está sujeito?
ALEXANDRE CORREIA
Mas .não é só, .o_ .. as.pecto anti-divino do marxismo; no comunismo de Marx não há lugar para as noções de propriedade e de família.
A PROPRIEDADE PRIVADA - A leitura menos ; f
atenta de alguns ltW;ares isolados da obra de Santo To-más poderia conduzir à conclusão, que ele não admite a propriedade privada dos bens materiais como instituição de direito natural. Mas um exame aprofundado levará ao contrário.
Em síntese, a questão pode resolver-se do modo seguinte . Consideradas as coisas materiais em si mesmas e absolutamente, na própria essência delas, não sendo criação nem feitura do homem e, portanto, não mantendo com ele qualquer adequação natural, nenhuma razão há de pertencerem antes a um que a outro. Que direito assiste a um, com exclusão de outro,' de se apropriar de um campo e dizer�: é meu? Debaixo· desta razão, pois, não podemos· corisidérar de direito nàtural a propriedade privada. d�s- bens deste munÇio : sec'lj,ridum ius
,. t .. " ' . ' . � �-� ... A naturale rton est distinctio possessionum·.- -Todos _tem,
. . .. , r- A • -· , 1ndistintament�,. direito ao uso deles; a· comu:{lidaq� dos bens é á postúlàda pelo dir�ito ·natural .. �q�él�,. _pqis, que em imin��t� perigo de vida, � apód�r�s� .manifes-
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ta. ou ocultamente de coisas a:tpe�as, ,CQin,G ,supremo e único meio de salvação, não cometeríã. ·furto 'nem roubo - nec '4oc proprie habet t:ationetn jurti vel rapinae. A n�essid�e coqstitui ·nos.so:o de·.que nos apropriamQs para.
·manutenção da -vida·-.. � E nisso o homem
procede �QllÍ.O:·qualqu.et�·a:tÍimal ·irracional. Ora, é precisamente · � · ea..mwUdade· .de :natureza;� .que. o assimila
. .
ao bruto, o· fun_d�!Jlento�.do ._direite: na.t;ural � quiJd, �na .. tura otnnia antmal� docUit·;; E�_Santo:Tmnárço�lui: quanto ao uso das coisas .-exteriores· o:-. homem não as deve possUir como -próprias, mas, como· co�uns: 1&0ft
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debet homo habere res· exteriores ut proprias, sed ut communes1•
Mas, adverte, a comunidade de bens o direito natural a institui antes de modo negativo, que positivamente: não dita que tudo deva ser possuído em comum
•
e nada em particular; mas, não introduzindo discrimi--nações de propriedades, deixa-as ao uso comum . A comunidade de bens é natural, ·no mesmo sentido em que dizemos ser o homem nu, por natureza, porque esta não instituiu o vestuário, invento da civilização e da arte. É natural ainda, como o é a liberdade: a natureza não consagrou a escravidão, contrária à liberdade, nem a
propriedade particular, contrária à com unidade de bens.
A propriedade privada não é, assim, contrária ao direito natural-non est contra ius naturale, mas não tendo sido instituída por ele, s6 o·pode ter sido pelo direito positivo�secundum huinanum conditu;ni, ... . quod pertinet ad ius positivum. Só este· justifica o· poder de aquisição e de disposição, que o homem tem sobre as causas materiais. Pois considerado um campo em si mes�o, não há razão para ser propriedade de um, com exclusão de· outro; mas, quanto à oportunidade de cultivá-lo e ao seu uso pacífico, haverá certa razão propo.rcional de pertencer a este e não àqueÍe' .- secundum hoc habet quamdam commensurati,oncm ad hoc quod sit unius et non alter{us. � é funç�o do direito posit�vo - per ad�nve�tionem ratjonis humanae - estabelecer essa commensuratio, verdadeiro acréscimo feito ao d�r��t.o nattiral .. -. iuri naturáli superadditur •.
Tiustraç.ão ao que já· dissemos,_ quando, tratando do direito natur�l, explicamos como' Santo Tomás, com admirável senso da realidade, admite-lhe variações já pol'
(1) Tudo o que ficd afirmado se funda nos lugares seguintes, conforme a ordem da exposição supra: S. Th. 2.2. 66. 1. c; 2.2.57. 3.c; 2. 2. 66. 2. c e ad lum, .ad 2um.; Poltt. U lect 4 e 8; S. Th., 2. 2. 88. 7. c. e ad lum.; 2. 86. 2. c.
(2) S. Th., 1. 2. 94. 5. ad Imo..; 2.2. 86. 2. c.; .2. 2. 57. 3. c.
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subtração, já por acréscimo. Este último é comparável, em relação à lei natural, ao vestuário, em relação à nudez primitiva.
Quando porém Santo Tomás se refere à propriedade privada como instituição da convenção humana - humanum condictum, i. é. do direito positivo, não é o direito civil, no sentido do direito romano, que tem em vista, mas o direito das gentes, ius gentium, na acepção de Gaio. Pois, conforme já elucidámos, considera o ius gentium e o ius civile subdivisões do ius positivum'
Ora, o ius gentium se diferencia do ius naturale, segundo vimos, por ser este na expressão do jurisconsulto romano, aceita por Santo Tomás, omnibus animalibus commune; e aquele solis hominibus inter se. O ius gentium é, como também já o sabemos, o direito natural especificamente humano: quod naturalis ratio inter omnes homines constituit, diz Gaio.
Ora, para Santo Tomás o direito das gentes, confonne deixamos explanado, deriva por umas quase conclusões, do direito natural. Isto é, por via de comparação, cousa de que o animal é incapaz. Por onde, a propriedade privada, ius procurandi et dispensandi, e não a comunidade de bens, é que é de direito positivo, embora, imediatamente, de direito natural. Nem há mister qualquer especial instituição do legislador, non indiget ali'qua speciale institutione, porque as instituições do direito das gentes, ea quae sunt iuris gentium, é a própria razão natural que as dita - ipsa naturalis ratio ea institut 4• Lesam, portanto, um direito natural humano toc;las as legislações que suprimem a propriedade privada.
(3) S. Th., 1.2.95. 4. c.: dl.tdttur lua postttvum In lua PDtlum et lUB clvlle, secundum duoa modoa qUlbua aUquld derln.tur a lege naturae. ·
(4) 8. Th., 2. 2. 57. S. ad 3um.
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Mas isto não 'impede consideremos as couaaa ma
teriais como, de certo modo, de uso comum - quod /ill/t&t communes aliquo modo quantum ad usum. O exemplo da extrema necessidade, supra aduzido, bem o fará compreender. Determinar outros casos semelhantes pertence à providência do bom legislador - 1uJc pertinet providentiam bani legi8latoris •.
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Como se poderá conciliar tudo isto cqm a eliminação completa da propriedade privada, esse direito inalienável do homem, imprescindível à sua vida sobre a terra, impedindo usufrua o fruto .do seu trabalho? para nos referirmos unicamente a esse justo título da propriedade. Talvez o ínclito arcebispo nordestino no-�o possa explicar e estabelecer um diálogo marxista-tomista.
Da negação da propriedade privada resulta por via de inevitável consequência a destruição �família. Senão atente o leitor à doutrina tomista.
A ORGANIZAÇAO DA F AMILIA: - O matrimônio dará lugar a um$ segunda aplicação da teoria tomista do direito natural. �Duas questões relativas a ele se impõem ao nosso exame: se é de direito natural; se de�e ser monogâmico, poliândrico ou poligâmico.
(5) Cf. S. Th. me. e Suppl. 65. ad 4um. Polit. 4 - ct sobre toda esta matéria: LOTI'IN: Lol morale etc; id., pgs. 45. 57 CATHREIN, Moralphilosophie, n pg. 17 e segs; DEPLOIGE COsflet ...
355-8. Adverte DEPLOIOE muito a propósito que na sua preferência pela propriedade privada, ao comunismo dos bens, ce qui est essenttel 4 retenir, c'esl d'abord que satnt THOMAS ne se prononce en tavear d'un régi� économtque qu'à raison de ses avantages à la méthode 'observatton (grifo é nosso). Boa refutação do comunismo de bens, em Polftic. IIlect 2, 3; Zect. 4.,:1!: interessante o seguinte lugar na Summa. Theologica (Ifl., 9. 98 1:... ad 3um, subordinado à epígrafe: Utrum in statu fnnocenttae fuisset generatw): ad tertfum dicendum quod in sata statu tsto, màltfpZicatts ãominf.s, necesse est ttert devtaWnem ut Phtlosophus dicit tn 2 Poltt, caJ). 3. Sed tn statu tnnocenttae ju.issent voluntates hominum sfc ordinatae, quod absque omnt pertcuzo dtscordia.e oommuntter Uri jVJissent, secundum quod untcutque eorum competeret, rebus quoe eorum domtnio subdebclntur, cum hoc ettGm modo apud multGi bonos vtroa C?bsenatur.
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O matrimônio é, antes de tudo, de direito naturál, strictissimo modo, no sentido de Ulpiano - quod omnia animalia docuit '. Mas além disso, no sentido pleno da expressão, é de direito natural humaho, pois se o homem é um animal politico, mais verdadeiramente ainda poderíamos denominá-lo animal conjugal7• A sociedade doméstica é a primeira onde se encontra, e é por isso anterior à sociedade civil, e mais necessária que esta 8•
r Mas como, no sentido humano, lex naturalis est aliquid per rationem constitutump, e o homem tem uma inclinação natural a proceder racionalmente -
naturalis inclinatio cuilibet homini ad hoc quod agat secundum rationem 10, conforme já vimos, busca á. sociedade conjugal, não somente por um ato instintivo, mas ainda refletido. E a esta luz o matrimônio é de direito natural humano: et hoc modo matrimonium est naturale
I
(6) Polit. I 1: Inventtur aliquid in hom�ne quod'est commune et et 4Zfts et hutus e8t #merare. Hoc compettt ei secundum ratfonem com munem stb!i et antmaltbus et et'iam plantis. - s. 'i'h. lllea Suppl .. communem siõt et antmalibus et etfam plantis. - S. Th.lllea Suppl .. natura hoc animalfa docutt. - :1 a segunda das lncllnações naturais ao homem a que visa a conservação da espécie: Secundo tnest homtni tncztnatfo cut altqua magi8 speciali4 secundum hoc dicuntur et esse nctturaU quae natura omnw animalia d.Ocuit, ut est comtctio marlJB et teminae et educatfo ltberoru.m est simüia. - s. Th., 1. 2. 94. 2 .
Ct. ainda: Id. 3ae. sup. 65. 1; EthJic. vm, 12; $ent. IV, d. 33. 9. 1. a 1.
(7) Ethic., Vttl, 12: Homo est animal naturaliter politicum; et multo magia est in natura hominf-8 q1.10d. 8it animal conjugctle.
(8) Id . fb. : sooietas domestica est prior. quam societas civUts. Est etiam magis necessaria quta societCZ�s domesttca ordinatum a4 actus necess4rios vitae, 18'fcflfcet generatfonem et nutrttionem.
(9) S. T�. 1. 2. 94. 1. I
(10) Id. ib., 94. 3. �. interessante o -segundo lugar da Summa 'l'heologica {ll�to, p. 98 a. 1 ad 3um. subordinado à epigrafe: Utrum f1r. statu. tnnocenttae /'fl.isset genercttúJ): Ad tertium dfcendum quod tn ttatu. tsto, multtpUcatis d.omints, nece&se est !feri diV'tsionem possesatonum; quia commun#as possess1oni.s e est occ481o cltscorttii;Je, ut P1&1í148ophus, dfctt tn 2 Polit." �ap. 3. Sed stcr.tu innocentia.e t�ent
Ent4tes homlnum Bic ordlnattJe, tl1UHf ablque omni perlculD tUscor
. ...... oommunft� usi fuluent, secundf.i.m quod unfcufque eorum com. , rebus quae eorum domtnium subdebantur, · cum hoc ettcJm
modo ��� ..muztôs bónos �ríls observetut;.
TOMISMO INCOMPAT1VEL COM O MARXISMO 35
quia rtit-io tuiturali& ad ipsum inclinat 11• Incliilaçid eS�Ífica da ·naturezà htrmana, diStinta assim da pti
meira, puramente animal e genérica 12•
Tem duplo fim: um principal - a procriação e a
educação, o bem da prole, educatio, bonum prolis; outro secundário- a sociedade conjugal,viri ad mulierem associatio u. Procriação, educação �os filhos, sociedade conjugal- tal é a tríplice finalidade imposta pela natureza. ao matrimônio. A primeira:, totalmente comum ao homem e aos animais; a segunda, enquanto criação, também participa dessa comunidadé; mas já como educação é, com a terceira, especificamente humana 14•
J Como se coordenará isto com a doutrina marxista?
- Destruição da família, negação da propriedade privada, a luta de classes, base da ditadura absoluta do proletariado, como todas essas aberrações do marxismo poderão enxertar-se no monolito espiritualista do to
mismo, de que tocamos aqui apenas em alguns pontos fundamentais?
Sobre a questão social e as vindicações da classe operária, nada há de bQm o marxismo comunista que
--·---
(11) 3ae. sup'. 41. 1. c.
(12) Id. ib., ad 1um.
(13) Id. tb. c. - Ethtc. vm, 12: amricitta contugalis tn hom4-ntbus � solum est naturalis sicut 'in alifs animaltõus� utpote ordfnata a4 opus na.turae quoã est generatw� seã etiam est ecomonica, utpote ordinata, ad Ofl'ltB naturae quod generatw, ser etfttm eit econom.icti, utpote ardinatia ad suffi,ctentfam vUae domesttcae -
s. Th. 3ae. sup. 41. e. : matrimonium ut naturale. . . primo qucznf:lml. a4 prlncif'� efus finem. qui· est bonum proZis. Nem �tm tt�tendU natura solum generatfonem prOlfs, sed dfam traducHonem etPromotfonem üs'crue ,. pdlectum status. . . ,ecundO, quontum dd aecundtuium finem matrtmonti� qu� est mutuu.m obsequiu li!M G comugt� bu8 in rebus � lmpenns. - Cf. Id., 1b., 61 1 e 85; za,., 49 21; In P,.ole non .duM tntellltjttur ptocreaffo prolts, sed etiam educo� t1o tpsifl48 . tb' 59 . 2 - lb . 1 . 98. � �
_(14) wnt . . 3ae. 8up. 88. 1: Jrl4trtmonium lutbet pro ttne secundarto .tn ho?itmtbu.s JOJiB commu� operum qua.e sunt/ ne-tfo ipnu., 1b 59. 2,- lb. 1. 98. 1. ·
38 ALE�DRE CORREIA
já não tenha sido ensinado o magistério da Igreja. Demasiado longo seria expor agora o que os Sumos Pontffices teriam ensinado em inúmeras encíclicas. Aqui nos cingimos apenas à imortal encíclica de Leão xm sobre a condição dos operários, a magistral Rerum 00-varum; de 1891; citamos o texto da tradução portuguesa publicada em S. Paulo em 1932 pelas Escolas Profissionais Salesijlnas.
Começa o Pontífice por expor como. as transformações sociais dos últimos séculos que tiveram repercussão profunda na ordem econômica onde a alteração das relações entre operáriQS e patrões, a afluência das riquezas nas mãos de um pequeno número ao -lado da indigência da multidão .. . sem falar na corrupção dos costumes, tudo isso deu em resultado um terrível conflito; e, pouco a pouco os trabalhadores isolados e sem defesa, têm-se visto com o decorrer do tempo, entregues à mercê de senhores e à cobiça de uma concorrência desenfreada . . . Uma usura voraz veio agravar ainda o mal de homens ávidos de ganância e �uma insaciável ambição . A riaueza concentrada nas mãos de um pequeno número de ricos e de opulentos impõe "um jugo quase servil à imensa multidão dos proletários'·'
�
Os socialistas - cqmunistas - marxistas pretendem a abolição de todas as propriedades privadas, tor!. nadas comuns, como remédio às injustiças sociais que vitimam o proletariado. Ora, semelhante teoria, longe de auxiliar, prejudicaria, posta em prática, o operariado por ser sumamente injusta, por violar_ os direitos legítimos dos proprietários vicia as funções do Estado e tende a subverter completamente o edifício social. Teoria falsa, como é fácil compreender, por desconhecer o trabalho como fonte do direito de propriedade; pois o operário usa o fim imediato de possuir como próprio o resultado de seu trabalho - um bem imóvel - um terreno, uma casa, ou um .bem móvel, que lhe torne possível uma vida humana e digna. Não vê, ou. não quer ver
TOMISMO INCOYPATfVEL COII O MARXISMO 3'1
o marxismo, que neg8ndo a propried�e p�vada a pretexto de qtJe tudo é de tódos (já vimos antes eomo Santo Tomás responde a esse desvario mental), despoja o homem do fruto do seu trabalho. "Ora pergunta a encíclica que vamos analisando - a justiça sofreria que um estranho viesse então atribuir-se esta terrà baI)hada pelo suor de quem a cultivou?"- Assim, o direito de propriedade, como já o vimos em Santo Tomás, se funda proximamente na lei civil que, por sua vez, se radica na lei natural e esta na eterna, cou� todas essas que colidem diametralmente com o marxismo materialista. Destruindo a propriedade uri_vada. do� bP.n� materiais, o marxismo comunista logic.amente, destrói também a família, como já deixamos assinalado.
Ensina, além disso, o marxismo como condição especial para seu triunfo a desbragada luta de classe.s, produto aliás do materialismo-ateu.
O erro capital na questão presente, continua a encíclica "é julgar que os ricos e os pobres são classes destinadas a se digladiarem mutuamente". A essa Observação opõe a verdade de simples bom senso: a da harmonia e a coadjuvação das duy classes- o patrão e o operário. "Elas têm \imperiosa necessidade uma da outra: não pode haver capital sem trabalho ne� trabalho sem capital. E a Igreja, com toda a economia das verdades religiosas, de que é guarda e intérprete, é de natureza a aproximar e reconciliar os ricos e os pobres lembrando-lhes os seus deveres próprios e, princlp�mente os derivados .da justiça. O operário deve fornecer integral e fielmente todo o trabalho a que livremente se obriga, não devendo lesar o patrão nem nos seus bens nem na sua pessoa; as suas reivindicações devem ser isentas de vio�cia. "Quanto aos ricos e aos patrões, não devem tratar o operário como escravo, mas respeitar nele a qignldade de homem realçada ainda pela a de cristão: é pois desumano usar do operário como vil instrumento de lucro. O dever primordial do patrão é
38 AL�lCANDRlt CORR�U.
d8.1" a cada um dos sens operários· um salário adequadq à jU$ta remuneração do trabalho prestado. ''De maneira geral não esqueçà o rico p�trão que explorar a pobres: �- • ,miséria e 'especular com a indigência sãO coisas ig\lalrp�n� :r�provadas pelas leis divinas e humanas" Deve �bster-se de toda manobra usur�ia que atenta CQn�ra � e<;onomia do pobre. Ri�os e pobres, segundo � 4��t�a <la �greja, não somente·devem entender-se, mas 1mir-se por mútuas relações e amizades. A ·luta de claSses proclamada pelo marxistno é uma aberração, nem é possív�l énxertar esse grito de guerra no corpo da filosOfia tomista, essencialme;nte pacífica, como pretende o prelado de Recife.
A desigualdade social resulta da natureza mesma do homem; é impossível lima utópica igualdade; mas desigualdade não é sinônimo de luta, ' deve redundar
· em beneficio de todos, pois a vida social requer um organismo mui variado e funções diversas. Mas não basta a simples amizade entre patrões e operários; "se .. se obedecer aos preceitos do cristianismo será no amor fraterno que a união se operará; união fundada na comum filiaç�o divina de todos os homens base da fraternidade humana". A Igreja desenvolve e desenvolveu sempre grande atiyidade em tratar das almas e em proporcionar auxílio aos miseráveis; múltiplas instituições cristãs coHmam o- objetivo de dirimir a pouco e pouco até eXtingui-lo de todo, os conflitos entre ricos e proletários. Elfl emprega todos' os esforços em- arrancar a cla8se dos trabalhadores· à miséria e possibilitando-lhes uma sor� amena. Comprime "o desejo excessivo das riquezas e a sede dos prazeres, esses dois flagelos que frequentes vezes lançam a amargura e o desgosto no seio mesmo da opulência.
Al�qt disso a Igreja provê t3nlbém diretamente à "'Uci�e 4as cl�Uj&eS deser4adas �._ função de insti�çõp próprias *" all$,1--Ule,s a �;, � �ess.e teor �·� IJQ���o fi� � ��p que Ql • pi"ÓJ}riol � �,·1Ji� "têDl dfr,d.p ��QIJ�.
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TOMISMO. INCOMPA'J'IVEL COM Q MARXISMO 2ft
Surge agora a questáp de saber-se qual qeva ser a ip�rv�pç�� t:l9 ��o �e�ta IU��ritl,
· �t��4�P4D-� ppr Estado "tpdo goveru.o qUe corresponde aos pr�eitos da razão natural e dos ensinos divinos, .ensinos que nós Ple�J�os expusemps en1 a nPSSa. Carta Enc.íclica sobre a constituição cristã das sociedades". Por onde, "entre os graves e numerosos deveres dos governantes, que querem prover, como convém, ao bem público, o principal dever que domina todos os outros, consiste em cuidar igualmente de todas as cl� de cidadãos, observando rigosamente as leis da justiça chaníada distributiva"Ora, uma sociedade harmonicamente constitUída não pode subsistir sem, de c�rto modo, a riqueza de beJUJ exteriores; e a fonte fecunda e necessária de todos os bens é principalmente o trabalho do operário, o trabalho dos campos ou da oficina. Mais a�da: nesta ordem de cousas, o trabalho tem tal fecundidade e eficácia que se pode afirmar sem receio de engano, que ele é a fonte única donde procede a riqueza das nações. A equidade manda pois que o Estado se preocupe dos
\ trabalhadores, .e proceda de modo qqe de todos os bens, que eles proporcionam à sociedade, lhes seja dada uma parte razoável, como habitação e vestuário, e que possam viver à custa de menores penas e privações.
Donde result$, que o Estado deve favorecer tudo o que de perto ou de longe pareça de natureza a melhorar a sorte deles. Esta solicitude,. longe de prejudicar algqém, tornar-se-á ao con4'ário em proveito de todos, pQrque importa SQ]:)er�ente à nação que homens, que �o para ela o princípio de bens tã9 indispensáveis, não se encontrem contín�amente a b�açQS com os horrores da miséria!
:JmpQ� �'r' q�e ��o faça reinar por toda a � a·Qr4�JP �·, r•�· que tudo seja regulado segundo os· mandamentos 43 lei 4� Deus e da lei natural; que, peJá Juati�; �49 -.. ·��ÇIL '�'!'� ��� �� a outra . Seridp riecelllirio, p �o ��rrerá à f�
40 ALEXAND�E CORREIA
contra as greves que subvertem a tranquilidade púbUea, -� impedir os patrões de esínagarem os trabaJbadores sob o peso de· ônus iníquos impondo-lhes trabalhos excessivos superiores ao que a idade e o sexo podem suportar. Todavia na proteção dos direitos particulares deve o Estado preocupar-se de maneira especial dos fracos e dos indigentes"
"A classe rica faz das suas riquezas uma espécie de --baluarte e tem menos necessidade de tutela pública. A classe indigente, ao contrário, sem riquezas que a ponham a coberto élas injustiças conta· principalmente com a proteção do Estado. Que o Estado se f�ça pois, sob um particularíssimo título, a providência dos trabalhadores, q�e em geral pertencem à classe pobre." É dever do Estado garantir ao operário o repouso dorilinical e férias fundadas em leis, num limite razoável, subtraindo o poder operário "à desumanidade de ávidos especuladores que abusam, sem nenhuma discrição das pessoas como das cousas", embrutecendo o operário pelo excesso de fadiga .
Voltando à questão do salário, combinado entre as partes, não deve pensar-se que o patrão, pagando-o, c�priu todos os seus compromissos e a mais não está obrigado; como o operário não estará obrigado senão a prestar estritamente serviço a que se obrigou. Só se as partes não cumprirem o pro�etido, então o Estado intervirá . Este modo de ver é errôneo por não encarar todos os aspectos da questão e omite um deveras impor-tante. O trabalho se apresenta sob duplo cunho: é
soal e ,por propr1e a e e quem o exerce· e nec o ao sus n o a Vl a. ra, encar o o salário: apenas_jiêlo seu iãdo pessoal�,..não há dúvi� que o operário pode estabelecer a seu talento a quantia a lhe ser paga. Mas a questão 8.SS11IDe outro aspecto se, ao seu caráter pefiS08l ajuntarmos o da sua necessidade; façam pois as partes os ajustes como entenderem, acima da vontade de ambos está uma lei de' justiça natural,
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TOMISIIO INCOMPATIVEL COJI O IIARXISMO 41 /
mais elevada e mais antiga, a saber, que o salário não deve ser insuficiente para assegurar a subsistência do operário sóbrio e honrado". E assim, é sofrer uma vio-lência contra a qual a justiça protesta se, pelas duras contingências da sua vida, não pode o operário deixar de aceitar as extorsivas condições impostas pelo patrão. E se em tais casos seja inoportuna, por motivos particulares a intervenção do Estado, o remédio preferível seria que as dificuldades inerentes ao caso fossem resolvidas por corporações ou sindicatos, mesmo com o auxilio e apoio do poder público. Mas seja qual for a solução dada, a presente dificuldade não poderia ser eficazmente resolvida se se não começasse por estabelecer como princípio fundamental a inviolabilidade da propriedade particular. Importa, pois, que as leis favoreçam o espírito de propriedade, e o reanimem e desenvolvam tanto quanto possível entre as -massas populares . Uma vez obtido este resultado, seria ele a fonte dos mais preciosos benefícios e, em particular, de uma repartiçãó dos bens mais eq�itativa . A violência das revoluções políticas dividiu o corpo SQCial em duas partes, e cavou entre elas um abismo, de um lado a onipotência da opulência, uma facção que, senhora absoluta da indústria e do comércio, torce o custo das riquezas e faz correr para o seu lado todos ps mananciais; facção que aliás tem na S'Qa mão mais de um motor de administração pública. Do outro, a fraqueza da indigência : uma multidão com a alma ulcerada, sempre pronta para a desordem . Dai, as vantagens da concórdia entre patrões e operários . Antes de tudo dessa concórdia resulta a maior produtividade do solo trabalhado por operários que têm cada um uma parcela do mesmo, �is o homem é assim feito, que o pensamento de que trabalha em um terreno que é seu redobra o seu ardor e a sua aplicação . Mas para o aumento da produção é também necessário não seja a proprtedade particular esgotada por um excesso de en�gos e de impostos; o Estado obra contra a justiça quando, sob o nome de impostos, sobrecarrega desmedidamente os bens dos particulares.
A encíclica reconhece, continuandp, que são de grand�ima vantag�m as a,9Sociações de mútuo socorro destinadas a prover à$ necessidades nos infortúnios, das viúvas e dos filhqs; igualmente, as instituições de patropatos par� meninos e meninas, e de proteção para WOÇQS e veÍbos. Principalmente são recomendáveis as assOciações operárias, livremente consentidaa e que não devem ser governadas por chefes ocultos, hostis aO- nome
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criStao e que - "D�pois de terem açambarcado t�das as empresas, se há operários que se recusem a entrar em seu seio, fazem-nos expiar a sua recusa pela miséria. Nem deve o Estado intrometer-se no �governo interior d� associações, desde que não colidam com a ordem públlca e a legislação vigente. Nem devemos esquecer -.. premente necessidade visada pela Igreja, de costumes cristãos de que se �evem rev�tir os operários, sem o que �os os outros recurs«?S para alcançar a desej ada cooperação entre operários e patrões lograrão pouco ou nenhum efeito" E enfim, terminando, recomenda o Pontífice aos sacerdotes estimulem em todos, além dos deveres de justiça, os da caridade, "a rainha de todas as mais virtudes"
Tal a visão da ordem social que ressalta da imortal encíclica Rerum novarum do grande e sempre lembrado Leão XIII, o Papa por excelência da questão social .
Os Pontífices que se lhe seguiram inspiraram-se na ��m� ordem de pensamentos; por ocasião do 40.0 �versário da encíclica Rerum novarum (15 de maio de 1931) , Pio XI renovou-lhe e completou-lhe os ensinamentos na notável encíclica Quadragesimo anno "spbre "' :ft$tauração da ordem social, em plena conformidade com os preceitos do ·Evangelho'\· E ai se acentua a ab-101� impoasibilidade de coopera�o çom o comunismo
·, o sP,Cia]jsmo. !fão há, pois, nenhtima necessidade, p� .� ·ae�� da questão, social, de recorr�r ao marxismo -� e ateu, neJll t:le tentar, enten<Ume�to entre li�_
_ . e o �é1.1cP Dou_ tor cpm.p é ��jo do mo�tàélo prelado· �deDJe.