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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALICENTRO DE EDUCAÇÃO DE SÃO JOSÉCURSO DE DIREITO
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA BUROCRÁTICA E SUA PASSAGEM PARA O MODELO DE GESTÃO: Reflexos e conseqüências na organização
administrativa brasileira
GUILHERME BOEING OURIQUES
São José, maio de 2008.
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALICENTRO DE EDUCAÇÃO DE BIGUAÇUCURSO DE DIREITO
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA BUROCRÁTICA E SUA PASSAGEM PARA O MODELO DE GESTÃO: Reflexos e conseqüências na organização administrativa brasileira
GUILHERME BOEING OURIQUES
Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito parcial à obtenção
do grau de Bacharel em Direito.
Orientador: Professor Dr. Luiz Henrique Urquhart Cademartori
São José, maio de 2008.
AGRADECIMENTOS
Reconheço o incentivo que tive para terminar o estudo em tela.
Por esta razão, agradeço profundamente a todos aqueles que
me ajudaram a realizar este trabalho.
Ao meu pai e minha mãe, por todo o empenho que tiveram em
me auxiliar.
Ao meu irmão e irmã, por sempre me incentivar.
Enfim, agradeço especialmente a toda a minha família, que me
deu apoio sempre que precisei de ajuda.
Agradeço ao Professor Luiz Henrique Urquhart Cademartori,
pelo auxílio às atividades e discussões sobre o
desenvolvimento deste Trabalho de Conclusão de Curso.
Agradeço também a todos os meus amigos, por sempre se
disporem a me ajudar, e pela compreensão que tiveram
comigo nos momentos em que necessitei de sua ajuda.
Agradeço a todas as pessoas que contribuíram de uma forma
ou de outra para a realização do presente trabalho, como os
diversos mestres que tive ao longo do tempo por estimularem a
formação da idéia e caminho para produzir o trabalho em
questão, bem como de meus colegas por compartilharem as
mesmas dificuldades e pressões durante a vida acadêmica.
DEDICATÓRIA
Este trabalho é dedicado para todos aqueles que acreditam que a
ciência deve ser utilizada para melhorar o mundo no qual vivemos,
não deixando de se atrever a dizer e fazer aquilo que muitos
julgam impossível, e a todos aqueles cujo interesse pela ciência os
trouxe até essas páginas, principalmente para os apaixonados
pela causa da busca do aperfeiçoamento científico no ramo do
Direito.
TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte
ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do Itajaí, a
coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de toda e qualquer
responsabilidade acerca do mesmo.
São José, maio de 2008.
Guilherme Boeing OuriquesGraduando
PÁGINA DE APROVAÇÃO
A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, elaborada pelo graduando Guilherme Boeing Ouriques, sob o título Administração Pública Burocrática e sua passagem para o Modelo de Gestão: reflexos e conseqüências na organização administrativa brasileira, foi submetida em 18 de junho de 2008 à banca examinadora composta pelos seguintes professores:
São José, maio de 2008
Professor Dr. Luiz Henrique Urquhart CademartoriOrientador e Presidente da Banca
Professora MSC. Elizabete Wayne NogueiraResponsável pelo Núcleo de Prática Jurídica
SUMÁRIO
Resumo
Abstract
Introdução
Capítulo 1
1.0MODELO ADMINISTRATIVO BUROCRÁTICO
1.1 Administração Pública segundo a concepção doutrinária brasileira.........................
1.1.1 Diferenciação entre Governo e Administração..........................................................
1.2.2 O conceito weberiano de dominação.........................................................................
1.2.1 O conceito weberiano de dominação legal................................................................
1.3 O Modelo Burocrático de Organização Administrativa de acordo com
Weber......................................................................................................................................
1.3.1 Conceito de Administração Burocrática segundo Weber........................................
1.3.2 Características da Administração Burocrática descrita por Weber........................
1.3.2.1 O Quadro Administrativo..........................................................................................
1.3.2.2 O papel dos funcionários no aparato administrativo ............................................
1.4 Pressupostos sociais e econômicos da Administração Burocrática conceituados
por Weber...............................................................................................................................
1.5 Aspectos históricos da consolidação do Modelo Burocrático de organização
estatal......................................................................................................................................
1.6 Administração Pública Burocrática no Brasil...............................................................
1.6.1 Crise do Sistema Administrativo Burocrático brasileiro..........................................
1.6.2 Momento de transição para um novo sistema de Administração Pública...............
Capítulo 2
2.0 A REFORMA ADMINISTRATIVA BRASILEIRA E O MODELO
ADMINISTRATIVO GERENCIAL
3.1 Reformulação do Sistema Burocrático de Administração..........................................
3.2 Governança e Governabilidade: Aspectos gerais e diferenciação.............................
3.3 A Proposta de Bresser para a reforma do Estado brasileiro.......................................
3.3.1 Reforma de Estado.......................................................................................................
3.3.2 Reforma Do Aparelho Do Estado................................................................................
3.3.3 Contrato De Gestão......................................................................................................
3.3.4 Privatização...................................................................................................................
3.3.5 Propriedade Pública Não-Estatal................................................................................
3.3.6 A Reforma Constitucional ...........................................................................................
3.3.7 Previdência Pública......................................................................................................
3.3.8 Projetos Fundamentais no âmbito da Reforma Administrativa...............................
3.3.8.1 Descentralização dos Serviços Sociais...................................................................
3.3.8.2 Agências Executivas.................................................................................................
3.3.8.3 Profissionalização do Servidor................................................................................
3.3.8.4 Agências Reguladoras..............................................................................................
3.4 A Reforma Gerencial da Administração No Brasil.......................................................
Capítulo 3
3.0 ASPECTOS CRÍTICOS DA REFORMA ADMINISTRATIVA
4.1 Os problemas encontrados na redação da Emenda Constitucional nº 19 de
1998.........................................................................................................................................
4.2 Autarquias especiais ou sob regime especial e as distorções que este instituto
apresentou em sua aplicação no Estado brasileiro...........................................................
4.3 Agências executivas e o instituto do contrato de gestão analisados sob um
enfoque crítico.......................................................................................................................
4.4 A problemática do terceiro setor....................................................................................
4.5 Análise crítica do instituto da desestatização presente no Estado
brasileiro.................................................................................................................................
4.6 Aspectos críticos, teóricos e históricos da reforma de Estado no Brasil e na
América Latina.......................................................................................................................
Considerações finais...........................................
Referências das fontes citadas.....................................................
RESUMO
O Presente trabalho tem por pretensão demonstrar as distorções no processo de reforma
administrativa feita no Brasil, quando da passagem de um Modelo Burocrático de
Administração como descrito por Max Weber, para o Modelo Administrativo Gerencial. Com
este propósito o trabalho faz uso do método dedutivo, utilizando-se a pesquisa teórica e
prescritiva. Como procedimentos metodológicos foram utilizados: o histórico, o jurídico e o
bibliográfico. Para a demonstração das distorções encontradas no processo de reforma feita
no Brasil é construída uma análise, através de uma visão histórica e descritiva da passagem
do Modelo Burocrático para o Modelo Gerencial de Administração. O Modelo Burocrático é
aquele descrito por Max Weber, que prezava a racionalidade administrativa, buscando uma
maior eficácia técnica para as funções de gestão e a concentração dos poderes decisórios.
O Modelo Gerencial por sua vez, é analisado neste trabalho a partir da reforma
administrativa proposta por Luiz Carlos Bresser Pereira, Ministro da Reforma do Estado
durante o governo de Fernando Henrique Cardoso. A reforma buscava o rompimento com o
Modelo Burocrático de Administração por sua baixa eficácia em uma sociedade mais
estratificada, propondo assim a descentralização do poder estatal e uma série de reformas
com o intuito de tornar a atuação do Estado mais ágil. Esta análise se presta a finalidade de
buscar uma compreensão abrangente do processo de reforma, entender a necessidade de
sua existência e como foi feita sua aplicação, além de uma discussão sobre sua própria
noção e conceito.
Palavras-Chave: Reforma Administrativa – Modelo Administrativo Burocrático – Modelo
Administrativo Gerencial
ABSTRACT
The present paper has the intention of showing the distortions on the process of
administrative reform made in Brazil, as of the moment of passage from a Bureaucratic Model
of Administration as described by Max Weber, to the Managing Administrative Model. With
this finality, the paper utilizes the deductive method, using theoretical and prescriptive
research. The research procedures that were utilized were: the historical, the juridical, the
monographic and the bibliographic. For the demonstration of the distortions found in the
process of reform done in Brazil an analysis is built, upon an historical and descriptive view, of
the passage from the Bureaucratic Model to the Managing Model of Administration. The
Bureaucratic model is the one described by Max Weber, which favors the administrative
rationality, striving for higher technical efficacy for the functions of management and the
concentration of the powers of decision. The Managing Model is analyzed in this paper from
the administrative reform proposed by Luiz Carlos Bresser Pereira, Minister of the State
Reform during the government of Fernando Henrique Cardoso. The reform was made in
order to break the bonds with the Bureaucratic Model of Administration for its lack of efficiency
in a more diversified society, proposing the decentralization of State power and a series of
reforms with the intention of making the State performance more agile. This analysis is set to
find a large scope comprehension of the reform process, understand the need of its existence
and how it was utilized, and also a discussion about its own notion and concept.
Keywords: Administrative Reform – Bureaucratic Model of Administration – Managing Model
of Administration
INTRODUÇÃO
A organização administrativa de um Estado é o fundamento de sua atuação para
suprir as demandas sociais. A renovação cíclica destes métodos administrativos se dá em
conjunto com as mudanças na sociedade. O trabalho aqui apresentado se dispõe a uma
análise do Modelo Administrativo Burocrático, como foi descrito por Max Weber, e a
passagem, no Estado brasileiro, para o Modelo Gerencial de Administração.
Pretende-se demonstrar neste trabalho, as falhas que ocorreram nos instrumentos
administrativos criados pela reforma que introduziu a administração gerencial no Brasil,
analisando uma série de críticas feitas a estes institutos, buscando ainda uma compreensão
geral de como as reformas administrativas estatais são feitas em âmbito sócio-político.
O método de abordagem utilizado nesta pesquisa é o dedutivo, pois parte da premissa
maior de análise da passagem do Modelo Burocrático para o Modelo Gerencial de gestão
estatal, para a premissa menor, o estudo das distorções no aparato estatal pela má aplicação
da reforma administrativa que introduziu o Modelo Gerencial de Administração no Estado
brasileiro. Os métodos de procedimento abordados são: Histórico, Jurídico, Monográfico e o
Bibliográfico.
No primeiro capítulo faz-se uma análise do Modelo Administrativo Burocrático como
descrito por Max Weber. O autor foi utilizado por ser um clássico, cujo estudo da burocracia é
impar e de importância magna para a sociologia. No capítulo é visto a configuração do
Modelo Burocrático de acordo com o analisado por Weber, e como este foi implantado e se
deu no Brasil, discorrendo sobre o momento histórico do país, e as principais estruturas
burocráticas presentes neste, além dos problemas que este eventualmente apresentou e o
momento de transição para o novo modelo administrativo trazido para a administração
estatal brasileira, o Modelo Gerencial.
No segundo capítulo é tratada a reforma gerencial no Brasil, usando principalmente a
obra de Luiz Carlos Bresser Pereira, que foi Ministro da Reforma do Estado durante o
governo de Fernando Henrique Cardoso, ou seja, foi uma peça chave na elaboração da
reforma, cuja contribuição foi fundamental para que a mesma acontecesse. No capítulo são
vistas as principais mudanças propostas pela reforma gerencial e como esta foi aplicada no
Brasil.
O terceiro capítulo é dedicado a uma análise crítica da reforma administrativa
executada no Brasil, comentando aspectos críticos da redação da Emenda Constitucional nº
19 de 1998, das autarquias sobre regime especial, das agências executivas e do instituto do
contrato de gestão, da noção de terceiro setor, das privatizações, e por fim uma crítica geral
de como as reformas estatais são encaradas e colocadas em práticas no Brasil e na América
Latina.
O trabalho em tela busca, através de uma construção histórica social e política do
momento que antecedeu a reforma administrativa, do momento desta e dos resultados
atingidos por ela, apontar os problemas que foram encontrados no aparato estatal pós-
reforma, fazendo uma crítica relevante e procurando apontar aonde e como foram
implantadas as inovações feitas na organização administrativa do Estado, e as eventuais
distorções que estas aplicações, nem sempre ideais, implicam.
1 O MODELO ADMINISTRATIVO BUROCRÁTICO
1.1 Administração Pública segundo a concepção doutrinária brasileira
O presente estudo tem como objeto primacial de análise a Administração Pública, não
pretendendo esgotar os seus meandros. Assim sendo, torna-se necessário definir seu
significado antes de explanar a respeito do Modelo Burocrático de Estado. Como o conceito
de o que é a Administração Pública possui tom eminentemente doutrinário, é prudente definir
qual é o entendimento moderno da doutrina brasileira referente a esta. De acordo com Odete
Medauar, Administração Pública significa, em seu aspecto funcional:
[...] um conjunto de atividades Estado que auxiliam as instituições políticas de cúpula no exercício de funções de governo, que organizam a realização das finalidades públicas postas por tais instituições e que produzem serviços, bens e utilidades para a população [...] 1
E define seu aspecto organizacional como sendo:
Administração Pública representa o conjunto de órgãos e entes estatais que produzem serviços, bens e utilidades para a população, coadjuvando as instituições políticas de cúpula no exercício das funções de governo. 2
Hely Lopes Meirelles, por sua vez, define Administração Pública como:
Em seu sentido formal, é o conjunto de órgãos instituídos para a consecução dos objetivos do Governo; em sentido material, é o conjunto das funções necessárias aos serviços públicos em geral; em acepção operacional, é o desempenho perene e sistemático, legal e técnico, dos serviços próprios do Estado ou por ele assumidos em benefício da coletividade.3
Como demonstrado, os entendimentos sobre o assunto não divergem, filiando-se este
trabalho a estas descrições, que resolvem a idéia principal de um aparato estatal que busca
articular as atividades governamentais, ou seja, cuja atuação envolve funções de gerência e
administração do país, necessárias para o estabelecimento de um ambiente onde se torne
possível o desenvolvimento de uma sociedade organizada.
1 MEDAUR, Odete. Direito administrativo moderno: de acordo com a EC 19/98. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 432 MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno: de acordo com a EC 19/98. p. 443 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 32ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 64
1.1.1 Diferenciação entre Governo e Administração
É importante observar que Governo e Administração são dois conceitos distintos. O
primeiro é atividade política, discricionária e independente, e o segundo trata de atos neutros,
vinculados a normas técnicas, e hierarquizado. 4 São atividades distintas, principalmente no
que diz respeito ao mérito técnico empregado. A análise que se apresenta nos itens
seguintes diz respeito a idéias relacionadas à Administração, que, apesar de sua
interdependência ao Governo dentro da gestão pública, tem alcance e efeito diferente deste,
se fazendo necessário então, o estudo individualizado da matéria, mais precisamente um
estudo acerca da organização administrativa do Estado, a partir da análise a respeito da
burocracia, efetivada por Weber.
1.2O conceito weberiano de dominação
Max Weber enquadra o Modelo Burocrático de Organização Administrativa como um
tipo de dominação legal. Para ele dominação é exercer poder de obediência sobre um grupo
de pessoas. Presume-se por este conceito muito mais que uma idéia ligada ao governo de
uma nação; nele estão abrangidas todas as relações que envolvem um mandante e aqueles
dispostos a obedecer ordens deste. Além disto, Weber ensina que a dominação exige a
crença em sua legitimidade, nisto ela se diferencia do poder, que não é necessariamente
legítimo nem leva a obrigatoriedade da obediência.5 A dominação por sua vez, pode ser de
caráter: racional – também chamada dominação legal, aquela instaurada pelo direito;
tradicional – mantida pela crença na santidade da tradição; ou carismático – inspirada na
figura do líder. Para o estudo ora apresentado apenas interessa a dominação dita legal. É
dentro do conceito deste tipo de dominação que é definido o quadro administrativo
burocrático. 6
4 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. p. 65.5 ARON, Raymond. As Etapas do Pensamento Sociológico. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 8076 WEBER, Max. Economia e Sociedade: Fundamentos da sociologia compreensiva. Tradução de Régis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa. 1 v. 4ª. ed. São Paulo: UNB, 2004.p. 139-141
1.2.1 O conceito weberiano de dominação legal
Primeiramente, para a compreensão do assunto abordado neste estudo, é necessário
saber do que se trata a dominação legal, dentro do modelo descrito por Weber. Ela irá se
caracterizar pela prestação contínua de funções oficiais, exercidas observando um conjunto
pré-determinado de regras, dentro de determinada competência. Weber dá o nome de
Autoridade Institucional a este exercício permanente prestado. Por competência deve-se
entender um espaço delimitado, onde são distribuídos serviços e no qual são aplicáveis
regras de mando, as quais podem ter seu cumprimento exigido por meios coercitivos. 7 Além
disto, Weber categoriza como racional a dominação legal que é estabelecida juridicamente,
sem se apoiar em argumentos morais para sua instauração. A força que legitima a
dominação legal é a lei, não a fé nas tradições ou o carisma de um líder político. 8
Também é importante a idéia de obediência às regras e não à pessoa, ou seja, o real
detentor do poder são as normas, e não uma figura política. As normas que irão reger o fazer
e o não fazer, e é a elas que é devida a obediência: as próprias pessoas que estão em
cargos de mando têm que obedecer a regras para fazê-lo. Conseqüentemente, é necessário
que, para que se configure dominação legal, uma série de idéias normativas, aplicadas a
uma associação de pessoas que se dispõe a segui-las. Estas idéias basicamente são: todo o
direito deve ser estatuído de modo racional e respeitado pela associação, dentro do território
em que esta se encontra; o direito é um universo de regras abstratas, a judicatura é
aplicação destas regras, a administração visa a manutenção da associação observando as
normas jurídicas e princípios ideológicos desta; ao fazer seus ordenamentos, o superior não
pode deixar de observar e se guiar pelas regras estabelecidas e que a obediência é devida
ao direito, e exercida impessoalmente, ou seja, por um membro da associação para a
associação. 9
7 WEBER, Max. Economia e Sociedade: Fundamentos da sociologia compreensiva. 1 v. p. 142.8 DUARTE, Francisco Carlos; CADEMARTORI, Luiz Henrique Urquhart; CADEMARTORI, Sérgio Urquhart. Governança Sustentável: nos paradigmas sistêmico e neoconstitucional. Curitiba: Juruá, 2008. p.449 WEBER, Max. Economia e Sociedade: Fundamentos da sociologia compreensiva. 1 v. p. 142.
Por fim, dentro conceito de dominação legal, são obedecidos os seguintes princípios:
o princípio da hierarquia oficial, o qual rege que as autoridades institucionais subordinadas
têm o direito de apelação às superiores, através de instâncias fixas de controle e supervisão;
o princípio da qualificação profissional das pessoas participantes do quadro administrativo,
que recebem por seu trabalho em dinheiro, ao invés de serem os donos meios
administrativos e de produção pelo princípio da separação absoluta, que também define que
o local em que ocorre este trabalho é especialmente designado, não sendo o mesmo da
moradia do trabalhador, por este princípio, o patrimônio da instituição também deve ser
separado do patrimônio privado; e o princípio da documentação dos processos
administrativos, através da utilização de documentos se busca maior organização e eficiência
por parte da administração. 10
1.3 O Modelo Burocrático de Organização Administrativa de acordo com Weber
Para Weber, Administração Burocrática significa exercer a dominação através do
conhecimento. Neste sentido, a burocracia é um meio de atingir maior racionalidade dentro
da administração, racionalidade que seria demonstrada através de um exercício mais técnico
e menos político da dominação, permitindo maior eficiência e qualidade nos serviços
prestados. Para exercer a administração burocrática, é necessário observar o conceito de
“sine ire et studio”, sem ódio e sem paixão, ou seja: para bem administrar é necessário ser
impessoal, agir sem colocar a emoção em plano, apenas com eficiência técnica. Isto posto,
vale salientar que o Modelo Burocrático descrito por Weber é um modelo administrativo. As
normas propostas por ele servem tanto para a organização de um ponto comercial, quanto
do Estado. Porém, como indica o tema do estudo, o foco deste estudo é a Administração
Pública nos modelos que foi utilizada no Estado brasileiro. 11
1.3.1 Características da administração burocrática segundo Weber
10 WEBER, Max. Economia e Sociedade: Fundamentos da sociologia compreensiva. 1 v. p. 143.11 WEBER, Max. Economia e Sociedade: Fundamentos da sociologia compreensiva. 1 v. p. 147.
Para a configuração da administração burocrática ideal, Max Weber cita que é
necessário que seja encontrado algumas características, relacionadas a posição,
organização e atuação dos funcionários no aparato administrativo, estas características
serão descritas nos itens a seguir.
1.3.1.1 O quadro administrativo
O principal meio para atingir a eficiência e qualidade administrativa propostas por
Weber é a mudança proposta no quadro administrativo, ou seja, no quadro de pessoas que
irão executar as funções próprias da administração. Para a organização deste quadro
administrativo, deve se observar o princípio da hierarquia de cargos e da seqüência de
instâncias, que estabelece a existência de um cargo inferior, subordinado e fiscalizado por
um cargo superior. O poder de mando é sempre vertical e descendente. Este sistema permite
que seja formalmente possível ao dominado apelar dos atos de uma instância inferior para
uma superior, a fim de preservar seus direitos. A administração burocrática encontra sua
forma hierárquica mais desenvolvida na monocracia, ou seja, o funcionário individualmente
ocupando um cargo, em oposição à organização de colegiado, onde há múltiplos
funcionários12 ocupando um cargo. 13
1.3.1.2 O papel dos funcionários no aparato administrativo
Toda a atividade oficial, aquela exercida pela administração, deve ser documentada
por via de atas, mantendo guardados os originais, para fins de registro de como e quando se
deu a atividade. O local onde estão guardados estes documentos, onde trabalham os
funcionários, e onde estão os objetos que estes utilizam para executar suas funções é
chamado por Weber de escritório. Para Weber, em uma organização administrativa
burocrática deve haver separação do escritório e da moradia privada, acentuando a
separação da atividade profissional e da vida privada do funcionário. Os funcionários, por sua
12 O termo funcionário, ao tratar-se de agentes do poder público, foi substituído por Servidor no ordenamento jurídico brasileiro, pela Emenda Constitucional nº 19 de 1998.13 WEBER, Max. Economia e Sociedade: Fundamentos da sociologia compreensiva. 1 v. p. 144.
vez, devem ser obedientes apenas àquilo que é referente a seu cargo, sua função é limitada
ao que é previsto (legalmente e por contrato) que devem fazer. A administração destes
funcionários dá-se por regras gerais, abstratas, relativamente fixas e abrangentes. Estas
poderão e deverão ser aprendidas por aqueles que são regidos por elas. O cargo dentro da
Administração Pública Burocrática é função especializada que requer, além de uma intensa
instrução na matéria, o emprego da plena força de trabalho do funcionário. Weber não deixa
de prever que o tempo passado no escritório deve ser limitado, porém este emprego pleno
da força de trabalho vai ao contrário do trabalho anteriormente realizado apenas de forma
acessória. A ocupação do cargo, na análise Weberiana, é uma troca entre empregado e
empregador, este deve fidelidade ao seu emprego, enquanto o outro garante a estabilidade
deste em seu cargo. O serviço que exerce no cargo é seu dever; sua relação de fidelidade ao
cargo diverge da idéia feudalista, da relação entre vassalo e soberano. O dever não é mais
ligado a uma pessoa: passa a ser impessoal, objetivo.14
Estes são alguns dos motivos para Weber teorizar que o cargo em que o funcionário é
investido é uma profissão. Além dos motivos supracitados, Weber define que para configurar
o exercício de uma atividade como uma profissão, são requeridos exames pré-designados
para verificar a qualificação do funcionário, como pressupostos a sua nomeação. O
funcionário estará investido no cargo por mérito próprio, e não por quaisquer outros motivos,
como laços sanguíneos, por exemplo. A eleição do funcionário também é um processo que
macula o tipo puro de administração burocrática. Apresenta-se como motivo o fato do
processo de eleição envolver pessoas não necessariamente preparadas para escolher quem
é tecnicamente mais capaz para ocupar um cargo. Também existe o problema do eleito se
ver preso àqueles que o elegeram, possuindo laços de fidelidade com estes. A nomeação do
funcionário deve sempre ser feita por uma instância superior a ele. A eleição inverte esta
regra: a investidura do funcionário no cargo acaba se dando de baixo para cima. Além disto,
os funcionários estão ligados à Administração Pública por força de um contrato dois pontos: é
este instrumento que oficializará a nomeação ao cargo, e também definirá as competências
funcionais a qual estará sujeito o funcionário.15
14 WEBER, Max. Economia e Sociedade: Fundamentos da sociologia compreensiva. Tradução de Régis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa. 2 v. 4ª. ed. São Paulo: UNB, 2004. p. 201-202.15 WEBER, Max. Economia e Sociedade: Fundamentos da sociologia compreensiva. 1 v. p. 144-145.
A vitaliciedade do cargo também é vislumbrada para que o sistema burocrático de
administração garanta que o funcionário consiga atuar em seu maior nível de rendimento
profissional, já que esta garante uma possível estabilidade financeira e proteção contra uma
eventual despedida arbitrária por parte de um superior. Um funcionário nesta posição tem
muito mais liberdade para sua atuação. Porém, não existe um direito de posse do funcionário
em relação ao cargo; este ainda poderá ser demitido se houver necessidade. Cabe também
comentar que a vitaliciedade pode vir a ocasionar uma ocupação de cargo por um
funcionário que passe a não possuir mais as qualidades técnicas necessárias, diminuindo a
chance de pessoas mais competentes serem investidas à função, fato que vai contra as
idéias principais da Administração Burocrática. A remuneração do funcionário é composta
pelo salário e por uma pensão que receberá para ajudá-lo na velhice. O salário deverá ser
preferencialmente fixo, com seu cálculo baseado de acordo com a tarefa desempenhada, e a
natureza da função, ou seja, a importância que o cargo representa perante a Administração.
Quanto mais importante, maior o salário. O mesmo vale para o tempo de serviço, que
também é levado em conta. Quanto maior o tempo de serviço, maior a remuneração. No tipo
mais puro de Administração Burocrática este salário deve ser pago em dinheiro.16
Investido em seu cargo, o funcionário passa a percorrer, durante seu tempo de
serviço, as hierarquias que compõe a Administração, indo de um estágio inferior, com um
respectivo salário inferior, até as posições superiores e mais bem pagas, em um regime de
progressão de cargos. O funcionário por sua vez ocupa o cargo, e exerce sua função, como
atividade principal em sua vida. O agente burocrático típico necessita de toda sua força de
trabalho direcionada à função, para que se atinjam os ideais de eficiência pretendidos por tal
modelo administrativo. 17
16 WEBER, Max. Economia e Sociedade: Fundamentos da sociologia compreensiva. 1 v. p. 203-204.17 WEBER, Max. Economia e Sociedade: Fundamentos da sociologia compreensiva. 1 v. p. 145.
1.4 Pressupostos sociais e econômicos da Administração Burocrática conceituados
por Weber
Para se instaurar uma administração burocrática efetiva, é necessário que o Estado
possua algumas características que permitirão que este modelo se sustente no âmbito
econômico e social. Possuir uma economia monetária desenvolvida é um importante aspecto
para que a Administração Burocrática subsista. Esta não é necessariamente fundamental
para sua criação, mas sem ela é difícil a criação da estrutura burocrática ideal. Dentro deste
sistema, o pagamento de um salário em dinheiro aos funcionários do Estado evita que seja
necessário atribuir receitas em espécie, ou permitir a exploração de fontes de renda para
onerar o funcionário, uma vez que estes tipos de pagamentos dão menos garantias ao
trabalhador, devido a oscilação natural destes valores. A falta destas garantias abala o poder
hierárquico, já que tornarão os funcionários menos suscetíveis a obedecer às ordens dadas,
e a ter uma visão positiva do poder estatal. Um Estado necessitará de constante fluxo de
renda para a manutenção de um firme aparato burocrático. Assim sendo, é preciso dispor de
um sistema de impostos bem estabelecido. Uma economia monetária desenvolvida é
pressuposto para o bom funcionamento deste sistema. 18
Para uma autêntica consecução burocrática da administração faz-se necessário um
desenvolvimento específico das tarefas administrativas. Isto implica em seu desenvolvimento
quantitativo, ou seja: quanto maiores as necessidades e conflitos que o Estado tiver de
resolver, maior será a necessidade de aumentar suas atribuições e homogeneizar sua gestão
interna. Porém não se deve ampliar apenas quantitativamente as tarefas do Estado, mas
qualitativamente também. É da natureza da Administração burocrática sempre buscar tornar
o serviço do Estado mais eficaz, através da superioridade puramente técnica de seus
funcionários. É também parte da estrutura burocrática que os meios de serviço materiais
estejam nas mãos do senhor. No caso do Estado, este é quem provém toda aparelhagem
para que os funcionários possam exercer suas funções, regulamentando e controlando seu
emprego. Faz-se necessário, além disto, que a Administração Burocrática seja implantada
sobre as bases de um nivelamento econômico e social, para que, atraves do uso de regras
18 WEBER, Max. Economia e Sociedade: Fundamentos da sociologia compreensiva. 2 v. p. 204-208.
abstratas, se tenha uma igualdade jurídica entre os dominados, o que acarretará o seu
funcionamento ideal. É necessária esta equalização, pois dificulta a existência de desvios de
interesse dentro da Administração, como privilégios e resoluções diferentes a um mesmo
problema. A natureza da própria existência histórica do Modelo Burocrático é ligada a esta
idéia.19
1.5 Aspectos históricos da consolidação do Modelo Burocrático de organização estatal
Para uma melhor análise das idéias desenvolvidas por Weber, é necessário entender
que na época em que ele viveu e teceu suas idéias – especialmente de 1888 a 1918, na
Alemanha de Guilherme II, líder que foi duramente criticado por Weber por seu autoritarismo
e incompetência na gestão do Estado-, seu alinhamento político era considerado nacional-
liberal, ou seja, para o sociólogo alemão acima de tudo deveria estar a grandeza e o poder
do Estado. Weber acreditava na necessidade de liberdades individuais, porém era avesso a
idéia de democracia, pregava a parlamentarização da Alemanha apenas por acreditar que tal
meio de governo aprimoraria seus líderes.20
O sistema de administração burocrático surgiu pelas novas necessidades e anseios
dentro do âmbito econômico-social, que apareceram com a expansão do capitalismo e o
avanço tecnológico dos meios de transporte e informação. Não havia mais como os sistemas
de gestão do passado suprir a demanda que se criou por maior eficiência, estabilidade e
velocidade de resolução dos meios administrativos. Conceitos como o de “sine ira et studio“
refletem a lógica do Mercado21 que surgia, tornando a relação do trabalhador dentro da
administração cada vez mais parecida como uma engrenagem dentro de uma máquina,
buscando a perfeição no serviço e a impessoalidade do ocupante do cargo ao exercê-lo. O
sistema burocrático proposto por Weber, baseado na administração do exército prussiano,
19 WEBER, Max. Economia e Sociedade: Fundamentos da sociologia compreensiva. 2 v. p. 212 - 219.20 ARON, Raymond. As Etapas do Pensamento Sociológico. p. 821-822.21 A definição do termo Mercado utilizado nesta monografia é a seguinte: “[...] 6 ECON concepção das relações comerciais baseada essencialmente no equilíbrio das compras e vendas segundo a lei da oferta e da procura [...] 8 ECON conjunto de consumidores que absorvem produtos e/ou serviços; o meio consumidor [...] 9 ECON conjunto de transações econômicas entre vários países ou no interior de um país [...]” HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles; FRANCO, Francisco Manuel de Mello. Hoaiss de língua portuguesa. Rio de Janeiro, 2001. p. 1897
vai de encontro principalmente às idéias do patrimonialismo, onde não existe distinção clara
entre o político e administrador público; o público e o privado; não existe separação entre o
titular do cargo e os meios de administração, possuindo uma gerência com monopolização
de cargos e constituindo um Estado que criava privilégios específicos a certas classes. 22
Weber também observa que a Administração Burocrática, aplicada em um sistema
democrático, gera uma problemática relacionada à eficácia do controle e da participação
direta por parte de leigos na gestão governamental. Como as tarefas administrativas
necessitam de um alto grau de especialização e complexidade, a democracia não parece ao
autor um meio ideal de atingir uma otimização funcional. 23 Quando teceu suas idéias e
reflexões acerca da Administração Burocrática, Weber vivia em um período inicial de
transição dos modelos estatais. No início do século vinte o Estado Liberal, caracterizado por
uma gestão representativa, porém oligárquica, entrava em crise, não mais respondendo aos
anseios do povo, que passa a conclamar mais direitos e segurança estatal. Tal busca tornaria
por se concretizar, nos países mais desenvolvidos, através da criação do Estado Social,
também chamado de “Welfare State”, que coloca o Estado como organizador econômico-
social da nação, agindo através de políticas intervencionistas. 24
1.6 Administração Pública Burocrática no Brasil
No Brasil a administração burocrática clássica foi implantada com a reforma de 1936,
idealizada por Maurício Nabuco e Luís Simões Lopes. As idéias apresentadas por Weber
foram trazidas para buscar maior eficiência na gerência do Estado Novo brasileiro, como foi
chamado o governo no período de 1937 a 1945 no Brasil. Nesta época Getúlio Vargas estava
no poder. Seu governo se caracterizava pela centralização e autoritarismo ditatorial, além do
uso da propaganda para propagação de seus ideais e intervenção direta do Estado na
economia. A primeira reforma administrativa no país, como meio de concretizar a reforma
estatal, e trazer à tona os princípios centralizadores e hierárquicos da burocracia clássica, foi
22 WEBER, Max. Economia e Sociedade: Fundamentos da sociologia compreensiva. 2 v. p. 233.23 BENTO, Leonardo Valles. Governança e governabilidade na reforma do Estado: entre eficiência e democratização. São Paulo: Manole, 2003. p. 83.24 DUARTE, Francisco Carlos; CADEMARTORI, Luiz Henrique Urquhart; CADEMARTORI, Sérgio Urquhart. Governança Sustentável: nos paradigmas sistêmico e neoconstitucional. p. 82-83
a criação do DASP, o Departamento Administrativo de Serviço Público. O órgão foi previsto
pela Constituição de 1937 e criado em 30 de julho de 1938, diretamente subordinado ao
presidente da República. Sua atividade se pautava nos moldes daquilo previsto pela
Administração Burocrática, buscava a gestão pública racional, buscando a integração dos
vários setores da atividade pública, utilizando o sistema de mérito profissional para seleção
dos ocupantes de cargos públicos. Inicialmente era incumbido ao DASP fazer a fiscalização
orçamentária e a elaboração da proposta de orçamento do Estado, porém isto acabou não se
concretizando. 25
1.6.1 Crise do Sistema Administrativo Burocrático brasileiro
Apesar da valorização do instituto do concurso público e do treinamento sistemático
dos funcionários da Administração Pública brasileira, esta não conseguiu aplicar a gestão
burocrática idealmente. A crise do sistema burocrático de administração se deu, pois, como
explica Luiz Carlos Bresser Pereira, o regime militar vigente na época preferiu o
recrutamento de administradores pelas empresas estatais ao invés de investir e reforçar o
sistema de concursos públicos. Esta opção acabou por minar a força que a burocracia
poderia trazer para o país. Não foi possível buscar os ideais propugnados por Weber, já que
a base de seu sistema era buscar o máximo em qualidade do serviço prestado. O
recrutamento não se dá pelo caráter cuidadoso e criterioso do concurso, trazendo para a
administração funcionários sem requisitos técnicos mínimos e méritos profissionais para
ocupação de seus cargos. Além disto a Administração no Brasil não conseguiu extinguir
completamente o Patrimonialismo, instituição arcaica a qual a burocracia pretende fazer
contraponto. O Coronelismo26, forma regional de Patrimonialismo que perdia forças perante a
25 PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Crise Econômica e Reforma do Estado no Brasil: Para uma nova interpretação na América Latina. São Paulo: Editora 34, 1996. p. 271 - p. 273.26
Coronelismo, na definição do dicionário Michaelis é a: “Influência dos coronéis na política. ECON Tipo social do grande proprietário rural de comportamento despótico e patriarcal que, por força do consenso geral de um sistema de obrigações e favores, confunde em sua pessoa atribuições de caráter privado e público”. SILVA, Adalberto; et all. Michaelis: moderno dicionário de língua portuguesa. São Paulo: Companhia melhoramentos, 1998. p. 591.
Administração Pública, apenas deu lugar ao clientelismo27 e ao fisiologismo28. Outro
problema que acometia o sistema Burocrático era que a centralização dos poderes acabava
impedindo maior articulação do poder público. O poder retido exclusivamente a um órgão se
tornou um atraso, pois, não dava conta de atingir todos os focos problemáticos que surgiam.
Houve tentativas de descentralização do poder público, porém a Constituição de 1988 trouxe
consigo um enrijecimento extremo da Administração Burocrática no país. 29
1.6.2 Momento de transição para um novo sistema de Administração Pública
A transição da antiga burocracia para a administração gerencial do país se tornou
necessária para a aplicação das novas idéias sobre gestão administrativa estatal:
[...] a atual Administração Pública não corresponde mais ao modelo puramente weberiano de administração racional, centrada na continua mediação temporal e sob um prisma de legitimidade da atividade política e administrativa baseada na legalidade. Estas características, paulatinamente vão sendo substituídas por diretrizes que determinam que a Administração de fins políticos deve separe-se da Administração dos meios burocráticos, ao contrário do modelo descrito por Weber, o qual tendia a tornar coerentes os meios burocráticos e os fins políticos.30
As primeiras tentativas de um novo sistema de Administração Pública surgiram no final
dos anos sessenta. O Decreto Lei 200 de 1967 visava superar a rigidez burocrática que
assolava a gestão pública. Idealizado por Amaral Peixoto e Hélio Beltrão, o Decreto 200/67
tinha como principal diretriz a descentralização, através de uma administração indireta. Com
isto, pretendiam que a Administração Pública se tornasse mais eficiente, atendendo com
27 Clientelismo, de acordo com o dicionário Houaiss é a: “Prática eleitoreira de certos políticos que consiste em privilegiar uma clientela (‘conjunto de indivíduos dependentes’) em troca de seus votos; troca de favores entre quem detêm o poder e quem vota [...]” HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles; FRANCO, Francisco Manuel de Mello. Houaiss de língua portuguesa. p. 170.
28 Fisiologismo, segundo a definição do dicionário Aurélio é: “[...] Atitude ou prática (de políticos, funcionários públicos, etc...) caracterizada pela busca de ganhos ou vantagens pessoais em lugar de ter em vista o interesse público [...]” ANJOS, Margarida dos; FERREIRA, Marina Baird. Aurélio Século XXI: O Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. p. 909.
29 PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Crise Econômica e Reforma do Estado no Brasil: Para uma nova interpretação na América Latina. p. 271 – 273.30 DUARTE, Francisco Carlos; CADEMARTORI, Luiz Henrique Urquhart; CADEMARTORI, Sérgio Urquhart. Governança Sustentável: nos paradigmas sistêmico e neoconstitucional. p. 137-138
maior capacidade ao crescente número de demandas dos mais variados setores da
administração e da sociedade. O Decreto em questão também trazia como princípios o
planejamento e orçamento, a coordenação, a delegação de competência e controle de
resultados, focalizando sua essência descentralizadora. O regime empregatício preferido
pelo Decreto Lei 200/67 era o celetista, através da contratação direta, sem concurso público,
dos funcionários. Acreditava-se que adotando esta medida propiciar-se-ia maior flexibilização
para a Administração Pública, cujas empresas estatais e fundações passavam por um
período de crescimento. Porém, esta prática apenas levou ao prolongamento das práticas de
fisiologismo e clientelismo que permeavam o sistema. Além disso, por deixar de desenvolver
carreiras dentro da administração, houve um déficit no núcleo estratégico do Estado. Estes
fatores, aliados a crise política do regime militar, agravavam a situação da Administração
Pública. Estes agravantes, unidos às novas necessidades do Estado, vieram a trazer uma
falência quase completa do meio pelo qual o país vinha sendo gerido. A partir daí torna-se
necessária a criação de novos meios para gerir a Administração Pública. A transição para o
regime democrático trouxe de volta os ideais burocráticos da década de trinta: a
centralização, a burocracia e a hierarquia. Buscou-se através da burocracia uma
administração menos maculada por problemas como o populismo e o fisiologismo, que
representaram um atraso ao país nas décadas anteriores. A burocracia é procurada com
resposta para a falta de estabilidade e credibilidade da Administração Pública.31
Porém, o excesso de rigidez com que os instrumentos burocráticos que foram
implantados na constituição de 1988, não suplantaram a ineficácia que permeava a
Administração Pública. Pelo contrário, tornou-a mais ineficaz. A Administração Pública que
veio junto da nova constituição dava prioridade absoluta a crase administração direta,
renegando a descentralização, pois a via vinculada com os problemas que surgiram no país,
ao invés da solução para os problemas que haviam surgido. A aplicação do sistema
burocrático tinha como bases: o regime único, para todos os servidores públicos da
Administração Pública direta, das autarquias e fundações; estabilidade rígida como meio de
proteção dos servidores; maior rigidez nos concursos públicos, inclusive limitando o número
31 PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Crise Econômica e Reforma do Estado no Brasil: Para uma nova interpretação na América Latina. p. 273-274.
de vagas para funcionários já existentes; a eliminação da autonomia de que desfrutavam as
autarquias e fundações públicas e a criação de rigorosos privilégios para a aposentaria dos
servidores e para pensionistas do poder público. Bresser traz como motivos para o uso da
antiquada burocracia uma série de fatores políticos, sendo eles: o pensamento que o grupo
democrático que se instalou no poder após a derrubada da ditadura militar tinha, de que a
descentralização do poder público foi um dos fatores que acarretou a crise estatal em que o
país se encontrava; as alianças feitas por este novo grupo político dominante com o
patrimonialismo; o ressentimento daqueles que carregavam os ideais burocráticos perante o
tratamento recebido pela administração centralizada pelo regime militar e a crença de que
era o momento de se estabelecer novamente uma unidade forte e pura de governo; e por fim
a campanha pela desestatização que acompanhou o processo de transição democrática, e
veio retirar parte da autonomia alcançada pelas empresas estatais com o Decreto-Lei 200 de
1927.32
Eventualmente, o Modelo Burocrático não supriu as necessidades da Administração
Estatal no país. Como resposta para a decadência da burocracia, o Brasil vem a adotar um
novo método administrativo, o da Administração Pública Gerencial que, de acordo com Luiz
Carlos Bresser Pereira:
[...] sem ser ingênua, parte do pressuposto de que já chegamos a um nível cultural e político em que o patrimonialismo está condenado, que o burocratismo está condenado, e que é possível desenvolver estratégias administrativas baseadas na ampla delegação de autoridade e na cobrança a posteriori de resultados.33
Este novo modelo adotado pelo Brasil depois da passagem pela fase burocrática será
discutido no próximo capítulo.
32 PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Crise Econômica e Reforma do Estado no Brasil: Para uma nova interpretação na América Latina. p. 275-276.33 PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Crise Econômica e Reforma do Estado no Brasil: Para uma nova interpretação na América Latina. p. 272.
2 A REFORMA ADMINISTRATIVA BRASILEIRA E O MODELO ADMINISTRATIVO
GERENCIAL
2.1 Reformulação do Sistema Burocrático de Administração
Falar de modelos Estatais de Administração demanda algumas considerações sobre
um aspecto político atinente ao regime democrático sob o qual se organiza o aparato
administrativo estatal como no caso do Brasil. A democracia34 constitui-se em um regime
político hoje consolidado como o único meio para trazer legitimidade a um governo. Este,
garantido pela representação da vontade do povo impressa na escolha de seus governantes,
que por sua vez, são escolhidos com base naquilo que prometem aos seus eleitores, através
de um projeto político. Quanto mais se estratifica esta base eleitoral, surgem mais demandas
e necessidades diversificadas dentro do povo, além de que, quanto mais complexas as
relações políticas, maior a necessidade de agentes externos envolvidos no sistema.
Isto faz com que o sistema político se torne excessivamente aberto para grupos de
pressão exercer suas influências em busca de seus interesses, tornando cada vez mais difícil
a aplicação de políticas públicas, como pretendia a forma burocrática de administração.
Assim sendo, acaba-se enfraquecendo o ponto chave do sistema burocrático, que segundo
Weber, era sua objetividade na tomada de decisões. Os primeiros analistas a estudar este
problema, concluiriam que a solução a ser tomada era a de ampliar a divisão da política com
a administração, tentando assim tornar o sistema administrativo fechado a interesses de
grupos isolados. Já em uma análise posterior, inverteu-se esta lógica, considerando
inevitáveis as reivindicações de grupos com interesses particulares, sendo que a
Administração Pública deveria moldar-se de acordo com a esta realidade. Esta segunda
geração de analistas acreditava na força legitimadora trazida pelo pluralismo que permeia a
democracia, e esta legitimidade serviria de sustentação para a aplicação dos programas
34 Não ignorando a importância da idéia e conceito do que hoje se entende por democracia, para fins práticos do estudo apresentado, optou-se por não delongar-se no tema, já que este seria motivo para a elaboração de um estudo próprio exclusivo sobre o assunto. Salientando-se também que os modelos administrativos discutidos independem do regime governamental adotado.
governamentais. 35 A reforma viria então para adaptar o Estado a novo configuração da
economia mundial, deixando de lado seu caráter interventor, e cedendo espaço às iniciativas
de capital privado.36
A partir destas idéias, não bastariam apenas bons instrumentos de governo, pessoas
bem preparadas para a gestão pública e a busca apenas por eficiência. A Administração
passa a ser eficaz quando leva os aspectos político-sociais em conta, como explica Leonardo
Valles Bento:
O êxito das políticas governamentais requer não apenas a mobilização de instrumentos institucionais técnicos, organizacionais e de gestão, controlados por burocratas, mas também de estratégias políticas, de articulação e de coalizões que dêem sustentabilidade e legitimidade às decisões, o que deverá ser feito por quem quer que ocupe o poder, independente do grupo ou partido ou extração ideológico a que se vincule.37
As mudanças que foram feitas para a melhor Administração Pública são melhor
compreendidas quando analisadas sobre a ótica dos conceitos de Governança e
Governabilidade.
2.2 Governança e Governabilidade: Aspectos gerais e diferenciação
Governança e Governabilidade são conceitos que tratam da gestão pública.
Governança é o aspecto instrumental do exercício do poder, trata da aparelhagem estatal
utilizada com fins técnicos, de tomada de ação, com eficiência, efetividade e participação
democrática, de todo aquele instrumento voltado para efetuar os programas públicos, ou
seja, trata-se da capacidade do governo operar a máquina estatal para efetuar a gestão
estatal. Governabilidade é o aspecto material do exercício do poder, diz respeito às
condições do momento político, social e econômico, em que a gestão pública atua ou vai
atuar, trata da análise de aspectos desde o a legitimidade dos governos, a sua credibilidade
e imagem perante o povo. Dá-se o nome de reforma do Estado para a mudança que visa 35 BENTO, Leonardo Valles. Governança e governabilidade na reforma do Estado: entre eficiência e democratização. p. 8436 DUARTE, Francisco Carlos; CADEMARTORI, Luiz Henrique Urquhart; CADEMARTORI, Sérgio Urquhart. Governança Sustentável: nos paradigmas sistêmico e neoconstitucional. p 8237 BENTO, Leonardo Valles. Governança e governabilidade na reforma do Estado: entre eficiência e democratização. p. 85
melhorar área da Governabilidade através de alterações no modelo operacional estatal,
referente às funções exercidas no governo, aos padrões de intervenção e relacionamento
econômico-social e entre os três poderes, Executivo, Legislativo e Judiciário. Já a reforma do
aparelho do Estado é a mudança na Governança, trata de reformular o Modelo Burocrático
administrativo e a prestação de serviços do Estado, buscando soluções que visam atingir
resultados mais satisfatórios na implantação de políticas estatais.38
É preciso observar que a burocracia estatal ideal analisada por Weber nunca se
configurou em Estado algum em que foi aplicada. Sempre surgiam variações imprevisíveis
dentro da organização, que levavam a inevitáveis distorções dentro do sistema, que por sua
vez colocavam em cheque a eficácia do modelo de administração. 39 Alguns autores
entendem a crise do método burocrático de gestão como uma crise governabilidade,
colocando os aspectos políticos no primeiro plano, Este pensamento que difere daquele
trazido por Bresser Pereira, que diz que a crise no sistema burocrático brasileiro foi uma crise
de governança, já que o país possuía as condições necessárias de governabilidade. O que
ocorria é que com o aspecto instrumental de aplicação das políticas públicas ineficaz, a
governabilidade era abalada. Bresser Pereira categoriza a crise do Estado brasileiro em:
crise fiscal, crise do modo de intervenção econômica e social e crise da forma burocrática de
administração.40
2.3 A Proposta de Bresser para a reforma do Estado brasileiro
Estando demonstrada a falência do antigo Modelo Burocrático de Gestão Pública, a
partir da proposta de Luiz Carlos Bresser Pereira, então Ministro da Reforma do Estado
durante o Governo Fernando Henrique Cardoso, passa-se a analisar uma série de idéias a
serem aplicadas no âmbito da administração estatal. A reforma proposta trouxe mudanças
para o Estado em geral, no aparelho Estatal e do seu pessoal. Os objetivos da reforma eram
38 BENTO, Leonardo Valles. Governança e governabilidade na reforma do Estado: entre eficiência e democratização. p. 85-8639 DUARTE, Francisco Carlos; CADEMARTORI, Luiz Henrique Urquhart; CADEMARTORI, Sérgio Urquhart. Governança Sustentável: nos paradigmas sistêmico e neoconstitucional. p. 4440 BENTO, Leonardo Valles. Governança e governabilidade na reforma do Estado: entre eficiência e democratização. p. 87
inicialmente: em curto prazo, facilitar o ajuste fiscal e, em médio prazo, tornar mais eficiente e
moderna a Administração Pública. Além disso, o autor deixa claro que estas mudanças
estruturais na gestão do país necessitariam de uma mudança na constituição. 41
2.3.1 Reforma de Estado
O ajuste fiscal tinha por prioridade exonerar funcionários, particularmente em estados
e municípios, devido ao excesso de quadros; definir o teto remuneratório dos servidores;
modificar o sistema de aposentadorias para exigir mais tempo de serviço, idade mínima, e
tempo mínimo de exercício no serviço público, além de tornar o valor da aposentadoria
proporcional à contribuição. Bresser propôs, como método de alcançar a meta das
exonerações dos funcionários, que se instaure um plano de incentivo ao desligamento do
cargo, ou seja, uma remuneração seria oferecida aos servidores que voluntariamente
demonstrassem vontade de sair de seus empregos. Ele acreditava que diante a oferta da
dispensa imediata e do valor oferecido, vários servidores iriam aderir ao plano. A
modernização, por sua vez, era vista como sinônimo de aumento da eficiência da
Administração Pública, buscada através de uma reforma profunda, executada a médio prazo,
que tinha por finalidade fortalecer a Administração Pública direta e implantar um sistema
descentralizado de Administração Pública. Esta descentralização seria realizada através de
agências executivas e de organizações sociais, estas sendo ligadas por um contrato de
gestão, definido e controlado pela administração direta e executado pelas agências e
organizações sociais. Por estes meios Bresser pretende diferenciar a sua reforma das outras
já feitas no país, inclusive da descentralizadora ocorrida em 1967.42
A descentralização, um dos grandes focos do Estado gestor, seria a delegação de
poderes anteriormente de exclusividade do Estado para terceiros, executados respeitando
uma série de marcos regulatórios. Atividades como saúde, educação, previdência e
assistência social seriam ainda fiscalizados por este, por via de autarquias especialmente
41 PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Crise Econômica e Reforma do Estado no Brasil: Para uma nova interpretação na América Latina. 28242 PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Crise Econômica e Reforma do Estado no Brasil: Para uma nova interpretação na América Latina. 282-283
criadas para este fim ou agências reguladores, que observariam se estes marcos
regulatórios estavam sendo cumpridos, garantindo ao Estado um meio de interferir na
atividade para garantir sua efetiva prestação caso se torne necessário. 43
2.3.2 Reforma Do Aparelho Do Estado
A reforma do aparelho do Estado proposta considera quatro setores dentro deste: O
núcleo estratégico do Estado que, em nível federal, é composto pelo presidente da
República, ministros de Estado e a cúpula dos ministérios cuja função é de definir leis e
políticas públicas; as atividades exclusivas do Estado que dizem respeito aquelas em que o
poder de legislar e tributar é exercido; os serviços não exclusivos ou competitivos, que são
aqueles julgados de grande importância para os direitos humanos ou envolvendo economias
externas, são executados ou subsidiados pelo Estado, mesmo não envolvendo o uso do
poder Estatal; e a produção de bens e serviços para o mercado que diz respeito às
atividades das empresas de economia mista. Bresser julga necessário também, considerar
qual o tipo de propriedade e o tipo de Administração Pública mais adequado para cada setor.
No núcleo estratégico a forma de propriedade considerada ideal é a Estatal, a forma de
administração seria um misto da burocrática e da gerencial, considerando carreiras e
concursos como instituições estratégicas. Nas atividades exclusivas é priorizada a
propriedade Estatal, administração gerencial, e dado destaque as agências executivas. Para
os serviços não-exclusivos busca-se a publicização da propriedade, em rumo a idéia do
público não-estatal, com administração gerencial, e com valorização das organizações
sociais. Por sua vez, na produção para o Mercado, é sugerida a privatização da propriedade,
com administração gerencial e as empresas privadas tidas como instituições estratégicas.44
43 DUARTE, Francisco Carlos; CADEMARTORI, Luiz Henrique Urquhart; CADEMARTORI, Sérgio Urquhart. Governança Sustentável: nos paradigmas sistêmico e neoconstitucional. p. 140-14144 PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Crise Econômica e Reforma do Estado no Brasil: Para uma nova interpretação na América Latina. p. 283-284
2.3.3 Contrato De Gestão
Contrato de Gestão, na análise de Celso Antônio Bandeira de Mello, é uma expressão
utilizada para tratar de dois tipos distintos de situação legal. Uma destas situações trata
daqueles contratos travados com pessoas jurídicas do próprio aparelho administrativo do
Estado e outra daqueles com pessoas alheias a este (o caso das organizações
administrativas).45 Na reforma proposta por Bresser a figura do contrato de gestão aparece
como um instrumento utilizado pelo núcleo estratégico do Estado que tem por fim definir os
objetivos das entidades executoras estatais (as agências executivas e as organizações
sociais) e os respectivos indicadores de desempenhos, e garantir os meios com os quais
estas entidades vão exercer suas funções. As agências executivas, também chamadas de
agências autônomas, deverão ter um dirigente nomeado por ministro, este tem o encargo de
negociar o contrato de gestão, estabelecendo objetivos e indicadores de desempenho,
quantitativos e qualitativos. Este dirigente ainda terá controle sobre a administração do
orçamento recebido e sobre os funcionários da agência, decidindo sobre admissão,
demissão e pagamento. Também poderá fazer compras, desde que obedeçam as regras de
licitação. 46
2.3.4 Privatização
Clarissa Sampaio Silva em sua obra Legalidade e Regulação observa a existência de
seis sentidos que podem ser atribuídos a palavra privatização, seriam estes:
a) privatização da regulação administrativa da sociedade, mediante a qual o Estado reduz ou suprime sua intervenção reguladora sobre determinado setor, envolvendo tanto uma desregulação quanto a auto-regulação, ou seja, regulação pelos próprios interessados;b) privatização do direito regulador da Administração, representando uma fuga para o direito privado, vale dizer, uma substituição de formas jurídicas públicas de atuação por formas privadas, como seria o caso da substituição das relação estatutárias dos servidores públicos por relações laborais; c) privatização das formas organizativas da Administração, que acarreta a transformação de uma entidade de direito público em pessoa jurídica de direito privado; d)
45 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 24ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 219 46 PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Crise Econômica e Reforma do Estado no Brasil: Para uma nova interpretação na América Latina. p. 284-285
privatização da gestão ou exploração de tarefas administrativas, designando a técnica pela qual deforma precária é atribuída a particulares a execução de determinadas tarefas administrativas, mantendo, todavia, o Estado a responsabilidade pela atividade, e) privatização como acesso a atividade econômica e que designa à abertura à iniciativa privada de setores dantes vedadas, como era o caso daqueles exercidos em regime de monopólio; f) privatização do capital social, importando a alienação, total ou parcial da participação societária do Estado em empresas públicas e sociedades de economia mista. 47
Em uma análise básica do termo pode-se entender que se trata da passagem de
responsabilidades e poderes exclusivos do Estado a terceiros. A privatização é a meta que a
reforma propôs para a forma de propriedade no setor de produção para o Mercado. O
fundamento de tal projeto partiu do pressuposto de que a administração privada traria maior
eficiência para as atividades relacionadas ao mercado, e que as atividades reguladas por
este deveriam se tornar independentes do Estado, que por sua vez, já sem a capacidade de
realizar poupanças forçadas para investir nas empresas estatais devido a crise fiscal, teria
vantagens econômicas nas privatizações. Bresser ainda complementa o caráter da
privatização como meio de reforma, afirmando que o modelo de Estado que prevalecerá no
século XXI será o do Estado regulador e transferidor de recursos, a ação pública se
concentraria naquilo que seria essencial a ela, limitando sua ação no mercado a situações
isoladas em casos de necessidades especiais. 48
2.3.5 Propriedade Pública Não-Estatal
Para os serviços não exclusivos do Estado foi destinada a forma de propriedade
pública não-estatal, também chamada de terceiro setor, ou seja, aquela que não está
inteiramente nas mãos do Estado, mas sim de um terceiro que não se encontra inserido no
Mercado como agente econômico. Enquadrar-se-ia neste caso, por exemplo, iniciativas
privadas, atuando fora do mercado, perseguindo fins sociais, públicos ou corporativos sem
fins lucrativos, como organizações não-governamentais, instituições de caridade, entre
outros. Bresser situa a propriedade pública não-estatal como um dos três tipos de
47 SILVA, Clarissa Sampaio. Legalidade E Regulação. Belo Horizonte: Fórum, 2005. p. 15-1648 PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Crise Econômica e Reforma do Estado no Brasil: Para uma nova interpretação na América Latina. p. 285
propriedade relevantes, junto a propriedade privada e a pública, afirmando que o público não
se confunde com o estatal, por aquele ser mais amplo que este.49
Inicialmente a privatização era vista como único método para a resolução de certas
crises estatais. É possível afirmar que a privatização é eficaz quando o Mercado pode
assumir a função anteriormente estatal, sem acarretar ônus para a sociedade, porém,
quando esta pode ser prejudicada, a propriedade pública-não estatal parece ser a melhor
solução. Os serviços não exclusivos do Estado não devem ser estatais, pois não tratam de
atividades que necessitam de poderes exclusivos de Estado para serem exercidas, também
não serão privadas porque pressupõe transferências do Estado Possuem caráter público no
que diz respeito a recebimento de subsídios governamentais recebidos, e é pública não-
estatal no que tange o controle de sua atividade, executado pelo Estado, através de
conselhos de administração constituídos pela sociedade, em conjunto com o Mercado, que
tratará da cobrança dos serviços. Como exemplo de serviços não exclusivos de Estado
Bresser cita as universidades, as escolas técnicas, os centros de pesquisa, os hospitais e os
museus. A reforma visa transformar estas entidades em organizações sociais, qualidade que
se refere a celebração de um contrato de gestão com o Poder Executivo, integrando-as ao
orçamento público. Esta proposta seria executada por meio de um programa de publicização,
onde as entidades manteriam seu aspecto público e financiamento estatal, porém ainda
teriam caráter de direito privado, com isto existiria maior autonomia financeira e
administrativa para estas entidades. Outro processo proposto pela reforma para que as
organizações sociais não sejam consideras entidades estatais é que fossem extintas aquelas
já existentes para que as novas fossem criadas por pessoas físicas. Assim estariam evitando
que estes entes ficassem restritos às regras da administração estatal. Esta nova organização
receberá por cessão precária os bens da sociedade que sucedeu; terá a sua disposição os
servidores da entidade extinta; possuirá orçamento global; seus novos funcionários serão
contratados com base no regime da Consolidação das Leis do Trabalho; suas compras
estarão sujeitas às regras de licitação pública ou a regime próprio; será feito contrato de
49 BENTO, Leonardo Valles. Governança e governabilidade na reforma do Estado: entre eficiência e democratização. p. 235
gestão para lidar com o controle de recursos estatais que a organização poderá dispor, estes
também fiscalizados pelo Tribunal de Contas e órgãos de controle interno. 50
2.3.6 A Reforma Constitucional
Como método para superar a rigidez do sistema vigente, Bresser trouxe em sua
reforma a necessidade de uma mudança constitucional, seria prioritária a alteração para fins
administrativos e políticos pois:
À medida que suas principais propostas – a flexibilização da estabilidade, o fim do regime jurídico único, o fim da isonomia como preceito constitucional, o reforço dos tetos salariais, a definição de um sistema de remuneração mais claro, a exigência de projeto de lei para aumentos de remuneração os três poderes – sejam aprovadas, ao apenas se abre espaço para a Administração Pública gerencial, mas também a sociedade e seus representantes políticos sinalizam seu compromisso com uma Administração Pública renovada, com um novo Estado moderno e eficiente.51
A dificuldade que se têm para a demissão52 dos servidores do poder público é atacada
por Bresser, protegidos por sua estabilidade, estes agentes públicos só podiam ser demitidos
através de processo administrativo que comprovasse falta grave. Na prática só eram
demitidos sem nenhum direito, aqueles que comprovadamente incorreram em condutas de
furto, ofensa grave e pública ou abandono de emprego. Apesar do rol de faltas graves ser
maior que este Bresser argumenta que raramente outras infrações levariam a demissão,
fosse por falta de provas ou cumplicidade dentro da própria Administração Pública. A
proposta de reforma adotou o sistema gradualista naquilo que tange a estabilidade. Similar a
algumas empresas do setor privado, os critérios utilizados para demissão seriam, além da
falta grave, a demissão pela insuficiência de desempenho e a exoneração por excesso de
quadros. Estes dois novos motivos para desligamento do servidor de um cargo não o
50 PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Crise Econômica e Reforma do Estado no Brasil: Para uma nova interpretação na América Latina. p. 286-28751 PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Crise Econômica e Reforma do Estado no Brasil: Para uma nova interpretação na América Latina. p. 287.52 Para esclarecimentos sobre os termos demissão e exoneração retira-se da lição de Celso Antônio Bandeira de Mello: “Demissão é o desligamento do cargo com caráter sancionador. [...] Exoneração é o desligamento sem caráter sancionador e tanto pode ter lugar “ a pedido” do servidor quanto ex officio [...]” MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. p. 297
privariam de todos direitos, envolvendo uma indenização, pequena para o caso de
ineficiência e maior no caso de excesso de quadros, pela falta de ligação da atitude do
servidor com a causa da exoneração.53
O agente público desligado por falta de resultados teria seu caso estudado
individualmente, seria submetido a processo de avaliação formal, com direito a contestar seu
processo administrativo. Esse mecanismo de demissão seria um método punitivo que teria
como função criar a possibilidade de cobrança de resultados dos servidores, procurando a
maior participação destes no cumprimento das metas da administração. Como incentivo a
produção positiva, seriam oferecidos chances de promoção e aumento salarial para aqueles
mais dedicados em suas funções. A exoneração por excesso de quadros teria caráter
impessoal, voltado para a demissão em grupos. A Administração Pública buscaria através
deste meio a redução dos quadros para se adequar a sua real necessidade e capacidade,
evitando onerar excessivamente o Estado - e eventualmente a população através da carga
tributária - com um quadro de servidores excessivo e de funcionalidade deficiente. A
impessoalidade deste método se resolve na forma de escolha daqueles a serem desligados,
que devem ser um grupo escolhido por critérios gerais (como por exemplo, critérios de
antiguidade, servidores sem dependentes, etc.), afim de não caracterizar a perseguição
política, buscando assim evitar recursos na justiça por decisões subjetivas, que acabariam
inviabilizando os desligamentos. Além disso a proposta do governo era da extinção dos
cargos pertencentes aos servidores exonerados, durante o período de quatro anos, para
reforçar a idéia de que não estaria se fazendo perseguição política.54
Por estes métodos Bresser acredita também em uma elevação moral do cargo
público, cuja imagem foi manchada pelo desinteresse, ineficiência e mau atendimento de
alguns de seus agentes públicos. Estabelecendo um nível maior de rigidez para os padrões
da atividade pública, estaria assim beneficiando a cidadania, aumentado o valor do trabalho
do servidor do Estado, estimulando a sua maior competência e sua busca por realização
pessoal no âmbito profissional. Estas propostas não descartam a existência da garantia da
53 PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Crise Econômica e Reforma do Estado no Brasil: Para uma nova interpretação na América Latina. p. 287-28854 PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Crise Econômica e Reforma do Estado no Brasil: Para uma nova interpretação na América Latina. p. 288
estabilidade do servidor, porém em uma forma mais flexível, só podendo ser expulso do
serviço público nos termos da lei. Caso o processo da demissão tenha sido maculado e uma
injustiça tenha sido cometida com o agente público, este tem o direito de reaver judicialmente
seu cargo, diferente do setor privado onde mesmo sem motivo a demissão pode ocorrer,
apenas penalizando o empregador com uma indenização. A segurança de estar legalmente
investido no cargo é uma das características do emprego público, ela é uma garantia que
permite o exercício de atividades técnicas sem interferência de pressões políticas nas
atividades ligadas ao setor público. Também, de acordo com Bresser, a estabilidade respeita
o perfil da pessoa que procura o emprego público, que busca maior estabilidade em seu
serviço e menor ambição em relação ao seu padrão de vida. A este fim é que deve atender a
estabilidade, e não para a proteção de funcionários ineficazes ou de quadros de servidores
excessivamente lotados. 55
2.3.7 Previdência Pública
A crítica por parte de Bresser a previdência pública pré-existente a reforma, é que o
sistema de pensões não cumpria seu papel ideal. O sistema previdenciário é inclusive
considerado um dos grandes causadores da crise-fiscal, pois, vinha sendo utilizado de forma
que, ao invés de garantir a subsistência daqueles que trabalharam e contribuíram toda uma
vida e estão sem condições de fazê-lo ao chegar à velhice, estava sendo utilizado por
pessoas ainda em condições de trabalho, que tratavam a aposentadoria como um segundo-
salário. Para gerenciar a aposentadoria dos funcionários públicos é mais aceito que seja
utilizada a administração feita por um sistema de repartição, onde o pagamento da
aposentadoria é feito pelos servidores ativos aos passivos. A alternativa deste sistema
costuma ser o método de capitalização, onde o participante do fundo depende diretamente
da rentabilidade deste. Este método é preterido ao de repartição, pois o Estado é
considerado geralmente um mau gestor de fundos de capitalização. 56
55 PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Crise Econômica e Reforma do Estado no Brasil: Para uma nova interpretação na América Latina. p. 28956 PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Crise Econômica e Reforma do Estado no Brasil: Para uma nova interpretação na América Latina. p. 289-290
Um dos fatores necessários para a manutenção do sistema de repartição é o equilíbrio
do número daqueles que pagam e aqueles que recebem a aposentadoria, no Brasil anterior a
reforma gerencial a aposentadoria de agentes públicos poderia acontecer até antes dos 50
anos em alguns casos, recebendo proventos integrais. Este benefício foi visto como um
possível motivo que futuramente desencadearia uma crise no sistema previdenciário. O
sistema previdenciário privado, com as taxas de natalidade diminuindo e a idade média e
expectativa de vida do brasileiro aumentando, eventualmente entraria em colapso dentro do
sistema que estava vigente. O sistema previdenciário público, por sua vez, para conseguir
cobrir as altas despesas que decorriam dele, já não conseguia utilizar apenas as
contribuições dos servidores e a contribuição que recebia do Estado, era necessário o que o
Tesouro pagasse a diferença. Esta situação afetava diretamente o sistema fiscal, já que dois
por cento do produto interno bruto do país eram dedicados exclusivamente a sustentar a
aposentadoria dos servidores públicos, criando uma situação injusta para os contribuintes.
Como resolução destes problemas, Bresser sugere a tomada de duas medidas principais
pela previdência pública e privada, a aposentadoria feita por idade, corrigida por tempo de
serviço, e o valor da aposentadoria ser baseado nas últimas remunerações recebidas e
proporcionais ao que foi contribuído, e não mais em valor integral. Estas duas propostas
seriam aplicadas em médio prazo, com a intenção de tornar o sistema previdenciário viável
de acordo com a realidade do país, não descartando que o Estado deve garantir a
aposentadoria de seus agentes públicos. O cálculo feito para chegar ao valor dos proventos
que serão recebidos da aposentadoria também foram discutidos na reforma, chegando a
conclusão que estes girariam em torno de oitenta por cento dos últimos salários recebidos
pelo servidor. 57
57 PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Crise Econômica e Reforma do Estado no Brasil: Para uma nova interpretação na América Latina. p. 290 - 291
2.3.8 Projetos fundamentais no âmbito da reforma administrativa na acepção de
Luiz Carlos Bresser Pereira
Entre os projetos da reforma administrativa para a implantação do Modelo Gerencial
de Administração no Estado brasileiro alguns são destacados por Luiz Carlos Bresser Pereira
como sendo fundamentais. São estes: a descentralização dos serviços sociais; as agências
executivas e a profissionalização do servidor, descritos em seus conceitos básicos nos itens
abaixo.
2.3.8.1 Descentralização dos serviços sociais
A descentralização do setor público, como classicamente entendida pelo Direito
Administrativo brasileiro, dá-se pela criação de um ente diferenciado do Estado que atuaria
em certas atividades, sem vínculos de hierarquia e subordinação (diferenciando-se assim da
desconcentração58 da atividade Estatal), este ente seria regulado pelo Estado que agindo
através de um controle finalístico, tem por interesse a supervisão das atividades deste
terceiro.59 Um dos projetos fundamentais para aproximação pela gerência Estatal de maior
eficiência e prestação efetiva de serviços sociais necessários é a criação de organizações
sociais, já abordadas anteriormente neste estudo. Mover a administração de universidades,
escolas técnicas, hospitais, museus, centros de pesquisas, o sistema previdenciário, entre
outros, para o setor público não-estatal foi um meio tido pela reforma proposta por Bresser
como ideal na busca de um maior controle social e parceria com a sociedade. Através do
programa de publicização seria evitado deixar que instituições sociais de tamanha
importância ficassem totalmente nas mãos de interesses privados, porém garantindo
autonomia maior que aquelas possuídas por entes públicos, flexibilizando sua administração. 60
58Celso Antônio Bandeira de Mello define desconcentração como a divisão interna da competência descisória de um órgão, feito em razão de grau ou matéria. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. p. 146.59 SILVA, Clarissa Sampaio. Legalidade E Regulação. p. 38-3960 PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Crise Econômica e Reforma do Estado no Brasil: Para uma nova interpretação na América Latina. p. 292
Busca-se o fim da atuação linear do Estado, baseada na lógica da função pública
exercida como meio para atingir uma finalidade púbica, e a implantação de ações
multifuncionais e diferenciais, que venham a ter um estudo da situação social do grupo que
pretende atingir. O Estado passaria a ter maior autonomia para suprir as necessidades da
sociedade, interagindo através de acordos e atos unilaterais feitos diretamente com a
sociedade.61
2.3.8.2 Agências Executivas
As agências executivas - também já discutidas anteriormente – são parte fundamental
da reforma proposta por Bresser. Sua função principal seria dar maior autonomia e buscar
um maior controle dos resultados dentro da Administração Pública. As autarquias e
fundações que exercem atividades exclusivas do Estado seriam transformadas em agências
executivas, que têm amplo controle dos recursos humanos e financeiros, dentro de seu
orçamento global. Esta reforma seria aplicada em duas frentes, a legal, buscando criar os
mecanismos jurídicos que possibilitariam a criação destas agências, e a aplicação dos
princípios norteadores deste projeto, em autarquias já existentes, como experiência para as
vindouras mudanças.62 As atividades a que se dedicariam estas agências seriam a de
arrecadação tributária, segurança pública, e previdência social básica.63
2.3.8.3 Profissionalização do Servidor
A profissionalização do administrador é outra meta fundamental da reforma.
Sua idéia parte do princípio que já existem vários cargos de carreira dentro do setor público
que estão bem estruturados e funcionais, porém, os cargos de alta administração ainda não
são assim. Para a criação desta carreira, seriam tomadas como modelo as carreiras de
61 DUARTE, Francisco Carlos; CADEMARTORI, Luiz Henrique Urquhart; CADEMARTORI, Sérgio Urquhart. Governança Sustentável: nos paradigmas sistêmico e neoconstitucional. p. 13862 PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Crise Econômica e Reforma do Estado no Brasil: Para uma nova interpretação na América Latina. p. 29363 DUARTE, Francisco Carlos; CADEMARTORI, Luiz Henrique Urquhart; CADEMARTORI, Sérgio Urquhart. Governança Sustentável: nos paradigmas sistêmico e neoconstitucional. p. 163
Gestores Governamentais, Analista de Finanças e Controle e de Analistas do Orçamento,
criados no final dos anos 80. As medidas para implantação destes cargos seriam a criação
de concursos públicos em que os candidatos precisariam atender o requisito de serem pós-
graduados em Economia, Administração Pública ou Ciência Política. Estes altos
administradores preencheriam cargos superiores em toda Administração Pública, exercendo
função de administradores generalistas, administradores financeiros e de controle e
administradores do orçamento e programação econômica. 64
2.4 Agências Reguladoras
Outro importante instituto introduzido com a reforma gerencial foram as agências
reguladoras. Com a criação de um modelo estatal voltado a descentralização e terceirização
de funções antes exclusivamente estatais, surgem para verificar eventuais problemas na
qualidade e idoneidade da prestação destes serviços as agências reguladoras, entes estatais
cuja finalidade é controlar e disciplinar estas atividades.. As Agências Reguladoras agem
com independência do órgão gestor e do governo, afim de que se preserve o caráter rígido
da atividade de fiscalização. Este conceito simples é colocado desta forma neste trabalho
para simples compreensão geral do que se trata tal instituto, que será abordado mais
profundamente no terceiro capítulo. 65
2.5 A Reforma Gerencial da Administração No Brasil
No ano de 1995 foi aprovado pela Câmara de Reforma de Estado o Plano Diretor da
Reforma do Estado, feito pelo Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado,
trazendo o sistema gerencial de administração ao país. Neste mesmo ano a Comissão de
Justiça aprovou a emenda constitucional proposta pelo governo, com algumas alterações.
Desta emenda a grande maioria das propostas apresentadas pelo governo foram mantidas,
porém o que dizia respeito a estabilidade dos servidores foi mantido em suspenso. Até a
64 PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Crise Econômica e Reforma do Estado no Brasil: Para uma nova interpretação na América Latina. p. 29365 SILVA, Clarissa Sampaio. Legalidade E Regulação. p. 32
metade do ano de 1996 ainda não havia sido votada a reforma administrativa, pois o governo
sofria pressões e estava enfraquecido depois da reforma previdenciária. As reformas que
buscavam a descentralizam das atividades governamentais, por sua vez, vinham sendo
aplicadas. A redução dos custos da administração federal, o fortalecimento do núcleo
estratégico, a implantação de agências executivas e das organizações sociais, vinham sendo
executados enquanto a reforma constitucional era aguardada. A criação de organizações
sociais porém, encontrou algumas barreiras, principalmente nas universidades federais, já
que funcionários e professores se mostraram contrários a reforma, por acreditar que esta era
um meio de privatização do patrimônio Estatal.66
As privatizações foram instituídas pela Lei nº 8.031, de 12.04.90, no chamado
Programa Nacional de Desestatização, que apesar de estar operante nos anos de 1990 a
1994, ganhou força e maior relevância nos planos do governo durante o mandato
presidencial de Fernando Henrique Cardoso, a partir de 1995. A consolidação de vários
outros aspectos da reforma vieram a se concretizar por via da Emenda Constitucional nº
19/98, cujos tópicos principais podem ser divididos em três grupos de acordo com a análise
de Diogo de Figueiredo Moreira Neto: aqueles voltados a redução de custos e à eliminação
do déficit público; os voltados a eficiência administrativa; e aqueles condizentes à
transparência e à participação. Porém, apesar das tentativas de modernizar e melhorar a
Administração Pública brasileira a reforma não foi tão eficaz quanto o planejado, as
mudanças trazidas sofrem de defeitos como a prolixidade, casuísmo, assistematicidade,
ambigüidade e inefetividade, enquanto os modelos organizacionais importados de
legislações e experiências estrangeiras não conseguiram ser aplicados com a mesma
efetividade no Brasil. É deste assunto que se trata o próximo capítulo.67
66 PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Crise Econômica e Reforma do Estado no Brasil: Para uma nova interpretação na América Latina. p. 29467 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Apontamentos Sobre A Reforma Administrativa. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 31-33, 127-128
3 ASPECTOS CRÍTICOS DA REFORMA ADMINISTRATIVA
3.1 Os problemas encontrados na redação da Emenda Constitucional nº 19 de 1998
Como visto nos capítulos anteriores a gestão pública brasileira passou por uma
mudança historicamente recente, do Modelo Estatal Burocrático analisado por Weber, aquele
que prezava a eficiência estatal por via de métodos centralizadores de poder para atingir
seus fins, para um modelo de Estado gerencial pretendido pela reforma administrativa
realizada, cujos princípios são focados na ramificação, descentralização e desestatização do
poder. Esta mudança se deu com intuito de atender as novas necessidades da sociedade, já
que a prestação igualitária de serviços a que se prestava a burocracia ficava a mercê de
grupos de pressão e seus interesses individuais, a descentralização do Estado gerencial
seria a solução para atender a sociedade em toda sua diversidade, abrindo espaço de
atividades anteriormente exclusivamente estatais para a iniciativa privada.A concretização de
grande parte da reforma administrativa no Brasil se deu por via da Emenda Constitucional nº
19/98, que tinha o interesse de modernizar as estruturas falidas da Administração Pública
brasileira, levando a atividade estatal a um novo patamar em eficácia e eficiência, porém, em
uma análise crítica das mudanças trazidas pelo dispositivo supracitado, pode-se ver que
vários dos institutos e trazidos para a reforma administrativa não se mostram eficazes ou
eficientes como idealmente planejados, especialmente os institutos trazidos de experiências
estrangeiras tiveram sua aplicação distorcida ao se adaptarem a realidade brasileira.
As críticas a Emenda Constitucional nº 19/98 se iniciam na própria redação, Diogo de
Figueiredo Moreira Neto68 critica a formulação jurídica da emenda por sofrer dos defeitos de
prolixidade, casuísmo, assistematicidade, ambigüidade e inefetividade. No que tange a
prolixidade sua crítica faz referência ao excesso de normas constitucionais adicionadas –
totalizando quarenta e cinco novas regras - a Constituição pátria, já criticada por possuir
dispositivos demais, também é criticada a redundância e má técnica aplicada a redação da
Emenda, que se torna repetitiva em mencionar exigências processuais em diversos
68 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Apontamentos Sobre A Reforma Administrativa. p. 127-139.
momentos de seu texto. O casuísmo aparece na forma do detalhismo exacerbado a que se
ativeram os legisladores para certos temas que não possuíam relevância suficiente para
serem elevados a nível constitucional, como por exemplo a inclusão do instituto
remuneratório do subsídio, mencionado vinte vezes ao longo da Emenda; a distinção entre
cargos em comissão e funções de confiança; o nível de detalhes contidos nas exigências
para o conteúdo dos contratos de gestão e a criação de um fundo fiscal. O problema da
assistematicidade surge quando se tenta harmonizar e compatibilizar os novos institutos
trazidos pela Emenda, e acaba-se encontrando informações confusas e termos mal
aplicados que podem levar a interpretações equivocadas. A ambigüidade aparece na opção
do legislador de tentar tornar possíveis interpretações amplas para certos assuntos, que
acabam por tornar sua resolução jurídica incerta, e dependo da interpretação que se faz dos
dispositivos, até oposta. A inefetividade dá-se, por sua vez, devido ao fato que, das noventa e
cinco normas da Emenda Constitucional nº 19 de 1998, mais de um terço delas tem sua
aplicação vinculada a leis para ser aplicada, isto apenas demonstra o excesso cometido ao
constitucionalizar uma série de normas que deveriam ser abordados por meios de lei
ordinária e a banalização do texto constitucional, transformado em um verdadeiro Código
Constitucional.69
3.2 Autarquias especiais ou sob regime especial e as distorções que este instituto
apresentou em sua aplicação no Estado brasileiro
Inicialmente, autarquias especiais era o nome dado para as Universidades, para
diferenciá-las no quesito de independência administrativa que possuíam em comparação a
outras autarquias, afim de reforçar a idéia de pensamento livre que deve vigorar em uma
instituição de ensino. Com o advento da Reforma Administrativa proposta pelo Estado
brasileiro, a denominação autarquia especial ou sob regime especial passou a ser utilizada
para outro tipo de instituição, as agências reguladoras, cuja finalidade resume-se a aplicar o
controle finalista nas atuações de certas entidades estatais, mais especificamente, disciplinar
e controlar: o controle de serviços públicos propriamente ditos, como o faz a Agência
69 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Apontamentos Sobre A Reforma Administrativa. p. 127-139.
Nacional de Telecomunicações – ANATEL - ; atividades de fomento e fiscalização de
atividade privada, como por exemplo a Agência Nacional do Cinema – ANCINE -; atividades
exercitáveis para promover a regulação, a contratação e a fiscalização das atividades
econômicas integrantes da indústria do petróleo, competência no território brasileiro de
Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis – ANP- ; atividades que o
Estado também protagoniza, mas que, paralelamente, são facultadas aos particulares,
regulada por exemplo pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA -; e por fim
àquelas que regulam o uso do bem público, como a Agência Nacional de Águas – ANA -. O
fato de elas serem chamadas de autarquias sob regime especial leva a questionar o que é de
fato especial sobre o regime, já que única diferença marcante entre estas e as autarquias
comuns é o fato que os dirigentes das autarquias especiais são selecionados pelo Presidente
da República, necessitando de aprovação do Senado, para exercerem mandado por tempo
determinado. Além disso, não podem ultrapassar o período do governo do Presidente que fez
a nomeação, com a finalidade de evitar que o próximo governo possua gestores estatais
ainda ligados ao governo anterior, contrariando a vontade pública de renovação pelo voto
dos ocupantes de cargos políticos de gestão das atividades Estatais. O fato das autarquias
especiais possuírem autonomia hierárquica, administrativa, financeira, funcional, patrimonial,
da gestão de recursos humanos e de decisões técnicas não as diferencia das autarquias
comuns, já que estas também possuem estas características.70
A característica chave das Agências Reguladoras seria sua independência em relação
ao poder público, afinal de contas, é esperado que esta atividade seja exercida com
imparcialidade e que promova o interesse público. A inspiração para criação destas
entidades reguladoras veio do direito norte-americano, fato que gera um certo problema, na
medida em que as raízes do direito brasileiro advém da corrente romano-germânica,
enquanto os norte americanos seguem a corrente anglo-saxônica. As Agências Reguladoras
nos Estados Unidos fazem parte intrínseca de seu Direito Administrativo, sendo que sua
importação para o direito brasileiro teve severos problemas em sua adaptação já que possui
características incompatíveis com o que regra o ordenamento jurídico brasileiro, como por
exemplo sua capacidade de definir conflitos, que se choca com o princípio constitucional da
70 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. p. 165-172.
inafastabilidade da tutela jurisdicional. Existe também a crítica feita as autarquias sob regime
especial no que diz respeito ao abalo que poderiam causar na democracia, já que acabam
concentrando certo poder decisório nas mãos de elites especializadas que agiria como um
quarto poder. Tal discussão foi levantada também no direito norte-americano, onde existe o
princípio da indelegabilidade das funções do Congresso, e a solução encontrada foi a criação
de padrões legislativos definidos pelo Congresso, que deviam ser observados pelas agências
reguladoras ao exercer seu poder decisório, o chamado princípio inteligível.71
Bandeira de Mello cita que o principal problema das agências reguladoras é o limite da
sua competência, ou seja, até onde podem exercer seu poder de regular sem invadir a esfera
do poder legislativo. Para responder este questionamento deve ser observado que, no
ordenamento jurídico brasileiro, não pode advir inovação jurídica de atos inferiores, assim
sendo, as determinações normativas que são feitas pelas agências reguladoras devem
versar sobre aspectos estritamente técnicos, nos casos de envolver concessionários ou
permissionários de serviço público podem expedir normas de acordo com que está abrangido
pela supremacia especial. Devem enfim, observar o princípio da legalidade, sendo que suas
disposições devem ser amparadas em lei, sem ter contradições, distorções ou conflitos de
interpretação com aquilo que está previsto no ordenamento jurídico brasileiro, lembrando de
agir com razoabilidade, dentro dos limites de extensão e intensidade que convém ao caso,
afim de proteger o bem jurídico em questão. Resta claro assim que as agências reguladoras
brasileiras não possuem o mesmo poder que àquelas dos Estados Unidos, seus poderes são
limitados e devem agir consoantes a estas imposições, regradas àquilo que a lei permita que
elas façam. 72
No Estado moderno, disposto a alcançar tanto a eficiência plena quanto a
satisfação pública, existe espaço para as agências reguladoras, fundamentais também para
regular a atividade dos entes estatais privatizados, cuja função é muitas vezes essencial a
população. Porém para estabelecer legitimamente tal entidade é necessário observar os
meios e a forma pela qual esta regulação é exercida e sua real independência, tanto
71 SILVA, Clarissa Sampaio. Legalidade E Regulação. p. 31-42.72 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. p. 168-169.
administrativa quanto política e social. Clarissa Sampaio Silva cita como fatores que devem
existir para legitimar as agências reguladoras os seguintes:
a) a excelência técnica, a credibilidade profissional não apenas dos seus membros, mas também do restante de seus servidores, aliada ao estabelecimento de formas de controle da presença de tal requisito; b) neutralidade e imparcialidade do regulador em relação aos regulados, sob pena de a livre concorrência não lograr realização; c) a busca de procedimentalização e transparência de suas atividades, de modo a propiciar não apenas o seu controle pela sociedade, mas a efetiva participação dos administrados, mormente mediante a ouvida de seus interesses nos processos de tomada de decisões regulatórias, evitando-se, portanto, a impermeabilização de suas atividades e a criação de feudos administrativos. [...] d) o exercício do poder normativo [...]. com respeito ao princípio da separação de poderes. 73
Estabelecendo sua legitimidade solidamente no Estado brasileiro as agências
reguladoras poderiam passar a gozar de maior prestígio perante seus críticos, não apenas
isso, mas dado seu papel fundamental na Reforma Administrativa, o próprio Estado se
beneficiaria com um controle finalístico mais ativo de sua atuação, atingindo maior eficácia e
transparência.
Outro problema inerente às agências reguladoras é pertinente ao instituto da licitação.
A limitação da necessidade da licitação às agências reguladoras é vista por seus críticos
como um meio pelo qual o Executivo busca fugir do instituto da licitação, devido aos
mecanismos moralizadores por este empregados. Esta fuga ocorre por via de sub-refúgios
legais, como dar a algumas agências o poder de legislar sobre suas regras de licitação,
limitar a licitação a apenas alguns tipos de aquisição de bens ou serviços, e a criação dos
institutos licitatórios do pregão e da consulta. O pregão, regulado pela Lei 10.520 de 10 de
agosto de 2002, é modalidade de licitação para aquisição de bens e serviços comuns,
qualquer que seja o valor estimado da contratação, em que a disputa pelo fornecimento é
feita por meio de propostas e lances em sessão pública. A distinção do que são bens e
serviços comuns não é deixado claro pela referida lei, apenas citando que estes padrões
devem ser objetivamente definidos por edital por via das especificações usuais do mercado.
A consulta por sua vez não possui ainda uma solidificação no ordenamento jurídico, sendo
inicialmente prevista para a Agência Nacional de Telecomunicações – e posteriormente para
todas outras agências reguladoras federais - como meio licitatório cabível nas hipóteses
73 SILVA, Clarissa Sampaio. Legalidade E Regulação. p. 44-45
onde não se pode utilizar o pregão, e foi caracterizada pela Resolução 5 de 15 de janeiro de
1998, que aprovou como modalidade de licitação em que aprovou o regime de contratações
da Agência Nacional de Telecomunicações e desenvolveu a previsão da consulta, como o
modo licitatório em que ao menos cinco pessoas, físicas ou jurídicas, de elevada
qualificação, serão chamadas a apresentar propostas para fornecimento de bens e serviços
não comuns.74
4.3 Agências executivas e o instituto do contrato de gestão analisados sob um
enfoque crítico
Para uma autarquia ou fundação ganhar a qualificação de agência executiva, dada
pelo Presidente da República, deve ter um plano estratégico de reestruturação e de
desenvolvimento institucional em andamento e celebrar contrato de gestão com o respectivo
ministro supervisor, o Executivo por sua vez, assegurará a autonomia de gestão e
disponibilidade de recursos para a agência executiva por meio de medidas de organização
de medidas administrativas específicas, afim de que cumpram as metas previstas no contrato
de gestão. As duas características que definem as agências executivas não contém um
conteúdo condizente com a criação de uma novo instituto organizacional, o primeiro requisito
o de ter um plano estratégico de reestruturação e de desenvolvimento institucional em
andamento, não parece específico suficiente para ensejar uma nova denominação para as
autarquias e fundações, sendo inclusive discutível o caráter do que deve-se constituir este
plano, a segunda característica, de possuir um contrato de gestão firmado com a
Administração Pública necessita explicação mais aprofundada.75
O Contrato de Gestão foi incluído na constituição com fins de ser um meio pelo qual o
poder público e os órgãos da administração direta e indireta celebram um acordo com o
interesse de tornar o cumprimento das metas de desempenho desses últimos mais simples,
cedendo para estes uma maior autonomia gerencial, orçamentária e financeira.76 Porém esta
autonomia encontra seu próprio limite nestas metas, sendo que por este motivo Celso
74 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. p. 174-176.75 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. p. 177-178.76 SILVA, Clarissa Sampaio. Legalidade E Regulação. p. 38.
Antônio Bandeira de Mello vem chamar os contratos de gestão de “contratos de arremedo”77
e “pseudocontratos”78. Este fato gera o entendimento de que as autarquias ou fundações que
vêm buscar maior autonomia por meio de um contrato de gestão, se tornando agências
executivas, ainda estão presas por força de lei ao cumprimento de programas de atuação,
cujas metas são definidas pelo poder público, com critérios para avaliação que se não
cumpridos ensejam sanções ao presidente da autarquia ou fundação. Por estes motivos fica
difícil enxergar uma diferenciação relevante entre autarquias e fundações e as agências
executivas, o único ponto que demonstra maior separação destas é o fato de que as
agências executivas, por força da Lei nº 9.648 de 27 de maio de 1998, são isentos do dever
de licitar, um ponto que é severamente criticado, já que esta isenção parece uma tentativa da
organização pública de evitar a licitação por sua idoneidade.79
4.4 A problemática do terceiro setor
Terceiro setor – também chamado de setor público não-estatal - é o nome dado para
organismos não peretencentes ou diretamente vinculados ao Estado, que operam fora da
lógica de Mercado, atuando sem fins lucrativos, como exemplo das organizações não-
governamentais e instituições de caridade. O conceito inicialmente surgiu a partir de análises
do Estado de Bem-estar, criticando o modo massificado e excessivamente burocrático pelo
qual o Estado prestava os serviços de integração social para a população, buscando como
resposta uma interação maior entre o Mercado e o Estado, aonde estes órgãos que
pertenceriam ao terceiro setor existiriam para superar estas deficiências estatais. Os
argumentos neoliberais80, por sua vez, adotaram o conceito do público não-estatal como uma
77 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. p. 17878 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. p. 17879 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. p. 174-179.80 Neoliberalismo pode ser explicado como: “A palavra neoliberalismo é sem dúvida uma das mais ambíguas, tanto no vocabulário político quanto no vocabulário econômico. Não há dúvida, no entanto, quanto ao seu fundamento no chamado "liberalismo clássico", que teve origem com o economista clássico inglês Adam Smith (século XVIII). Entre as várias interpretações emprestadas ao termo neoliberalismo está aquela que considera o Estado como agente responsável pela gestão de apenas alguns aspectos da estrutura política, econômica e social. Conhecida como “estado mínimo”, propõe retirar das mãos do Estado e passar à iniciativa privada o controle do funcionamento da economia, das instituições financeiras e de alguns serviços até pouco tempo considerados estratégicos, como infra-estrutura de transportes, energia e telecomunicações. Nesta visão o Estado só exerceria poder em sistemas básicos de funcionamento da nação, como saúde e segurança pública.
solução para diminuir em número as atribuições do Estado, tornando menor as demandas
públicas feitas a este, transferindo esta responsabilidade a terceiros, afim de facilitar a
gerência estatal, além de cortar os custos das políticas públicas de distribuição, ou seja, o
foco da idéia de terceiro-setor ser algo benéfico a população muda para beneficiar o
maquinário do Estado. Sendo assim o terceiro-setor passa a buscar não apenas a eficiência,
mas também uma democratização e politização dentro de suas atividades, necessitando que,
para seu funcionamento ideal dentro do contexto social, ajam com transparência e que seus
atos sejam passíveis de responsabilização. Os organismos do setor público não-estatal
devem se manter fiéis a sua concepção, agindo com interesses diversos tanto do Mercado
quanto do Estado, se guiando por valores sociais de humanidade, solidariedade, cooperação
voluntária, integração social e identidade, afim de gerar uma real mudança nos paradigmas
sócio-políticos e não prorrogar a situação de descaso e oportunismo vigente. É também
necessário que não exista a colonização do terceiro setor pela burocracia estatal, ou seja,
não se pode permitir que as instituições públicas não-estatais tenham seu funcionamento
engessado pelo Estado tratar estas instituições como um dos seus órgãos descentralizados,
sem respeito a sua autonomia, nem que ocorra a delegação das responsabilidades sociais
do Estado para estas instituições.81 O que ocorre porém, na análise de Leonardo Valles
Bento, é que:
O que a Administração Pública gerencial propõe é uma inversão de paradigma: em vez de o Estado prestar direitos sociais sob fiscalização da sociedade, da opinião pública, da esfera pública política, como tradicionalmente, pretende-se que organizações sociais prestem tais direitos sob fiscalização do Estado. Não é papel das organizações não governamentais primariamente prestar serviços suprindo as omissões do poder público, mas sim estimular formas alternativas de solidariedade, participar na construção de um sentido de comunidade, forjar identidades sociais.82
Mesmo a educação básica e de ensino superior passaria para o controle de instituições privadas.” CADEMARTORI, Fernanda Lopez. Reflexões sobre a atuação da mídia no novo contexto da América Latina. 2007. Trabalho de conclusão de curso. Centro Universitário de Brasília - Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas – FASA, Brasília, 2007.
81 BENTO, Leonardo Valles. Governança e governabilidade na reforma do Estado: entre eficiência e democratização. p. 235-242.82 BENTO, Leonardo Valles. Governança e governabilidade na reforma do Estado: entre eficiência e democratização. p. 242.
Sob este ponto vista, torna-se claro que o terceiro setor não pode ser utilizado como
uma muleta pelo Estado, mas sim como uma ferramenta da sociedade para a busca de seus
direitos, uma ferramenta que deve ser norteada por valores sociais, e não de necessidade
(ou muitas vezes oportunismo) Estatal ou de Mercado.
4.5 Análise crítica do instituto da desestatização presente no Estado brasileiro
O processo de privatização, iniciado no Brasil com o programa nacional de
desestatização no governo de Fernando Collor de Mello, com a lei nº 8031, de 12 de abril de
1990 e foi consolidado na sua forma mais abrangente no governo Fernando Henrique
Cardoso pela lei nº 9.491 de 9 de setembro de 1997, e de acordo com esta lei, em seu Artigo
2ª, §1º, a desestatização é considerada:
a) a alienação, pela União, de direitos que lhe assegurem, diretamente ou através de outras controladas, preponderância nas deliberações sociais e o poder de eleger a maioria dos administradores da sociedade;
b) a transferência, para a iniciativa privada, da execução de serviços públicos explorados pela União, diretamente ou através de entidades controladas, bem como daqueles de sua responsabilidade.
c) a transferência ou outorga de direitos sobre bens móveis e imóveis da União, nos termos desta Lei.83
Porém, tal prática não deixa de suscitar uma série de problemas e questionamentos. A
privatização é uma medida que gera resultado positivo a curto prazo para o Estado, que por
sua vez abre mão de uma renda orçamentária que a longo prazo seria mais benéfica. Esta
problemática se acentua se a análise feita para a efetuação da desestatização tem
fundamentos casuísticos ou precipitados, o que segundo alguns estudos, pode gerar um
dano irreversível ao patrimônio estatal. A experiência da Inglaterra com a privatização correu
neste sentido, e o mesmo pode se dizer da brasileira, já que é evidente o prejuízo no caso da
privatização da Companhia do Vale do Rio Doce (não delongando sobre os aspectos
específicos do caso que não são objetivamente o objeto de estudo deste trabalho), aonde a
83 BRASIL. Lei nº. 9.491 de 9 de setembro de 1997. Altera procedimentos relativos ao Programa Nacional de Desestatização, revoga a Lei n° 8.031, de 12 de abril de 1990, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9491.htm>. Acesso em 21 de maio de 2008.
entrega de recursos naturais irrecuperáveis na mão da iniciativa privada por um valor aquém
do devido foi um movimento do Estado que gerou muito mais prejuízos que benefícios. Esta
alienação por parte do Estado se torna um problema principalmente quando feita para grupos
estrangeiros, já que um ente inicialmente estatal, cujo funcionamento se prestava
unicamente a interesses internos, passa a ser controlado por organizações que tem
interesses diversos, usualmente voltados para o mercado estrangeiro. A privatização também
faz com que passe a imperar a lógica de mercado dentro das empresas desestatizadas, o
que pode vir a gerar uma defasagem nos serviços menos rentáveis, mas não menos
necessários a população. 84 85
4.6 Aspectos críticos, teóricos e históricos da reforma de Estado no Brasil e na
América Latina
Para uma análise crítica efetiva da reforma estatal que o poder público busca efetuar é
necessário lembrar de onde surgiram os questionamentos e problemas que afetam o Estado
atualmente. A configuração do Estado Moderno ocorreu durante o século XIV, distinguindo-se
do regime político anterior – o feudal -, e dentre as novas características do fenômeno estatal
moderno pode-se citar a separação entre: a esfera pública de e a esfera privada; o poder
político e o poder econômico; e das funções administrativas e políticas. Assim entende-se
que no Estado Moderno a Administração Pública é chamada burocrática. Ao longo do tempo
este modelo estatal se divide em dois tipos diferentes de organização: o Estado Liberal, que
aparece durante as revoluções burguesas dos séculos XVIII e XIX, e o Estado Social,
surgido durante o fim do século XIX até século XX. O Estado Liberal é caracterizado pelo
desenvolvimento do Capitalismo, da limitação da intervenção estatal delegando as atividades
de cunho econômico e social exclusivamente para a esfera privada, buscando defender os
direitos individuais do cidadão, legitimando a ação do Estado através da monopolização de
84 CARRION, Raul K. M.; VIZENTINI, Paulo G. Fagundes. Globalização, neoliberalismo, privatizações: quem decide esse jogo?. In: RIBEIRO, Luiz Dário. Privatizações na Grã Bretanha. Porto Alegre: Universidade/UFRGS, 1998. p. 99-104. p. 99-104.85 CARRION, Raul K. M.; VIZENTINI, Paulo G. Fagundes. Globalização, neoliberalismo, privatizações: quem decide esse jogo?. In: VIDAL, Bautista. Entregar a Vale é traição. Porto Alegre: Universidade/UFRGS, 1998. p. 202-209. p. 202-209.
meios coativos físicos e jurídicos. O Estado Social por sua vez surgiu para remediar a falta
de auto-regulação das relações sociais em um Estado pós-revolução industrial, aplicando a
intervenção do Estado nos domínios econômicos e sociais, afim de atingir um “Estado de
Bem-Estar”, buscando tomar para si o dever de resolver as demandas dos grupos e dos
cidadãos. A crise do modelo de Estado Moderno veio com o advento da globalização86. As
relações travadas pelo Estado tornaram-se muito mais complexas, interna e externamente,
as demandas se tornaram cada vez mais difíceis de satisfazer, a necessidade de uma nova
definição de alianças internacionais, a mundialização da economia, a internacionalização do
Estado e até o Direito Internacional que passa a ter uma função muito mais importante neste
novo momento, passam a ser fatores que exigem mudança. O Estado se vê enfraquecido em
sua soberania e autonomia, a distância daquilo que ele pretende com aquilo que ele
consegue executar vai se tornando cada vez maior, ocorre aí uma crise de legitimidade
Estatal. Durante a passagem dos anos 80 para os anos 90, o mundo se viu diante de uma
reformulação em sua configuração política como há tempos não se via, como por exemplo
pode-se citar a democratização dos países da América Latina e o rompimento de vários
países com o Socialismo geraram uma nova problemática dentro dos mesmos: entender qual
o papel que o Estado deveria exercer. Buscou-se então uma redefinição do setor público,
através da parceria entre entes públicos e privadas e o posicionamento do Estado como
mecanismo de regulação e controle, com o intento de acompanhar o processo veloz no qual
mudava o cenário Econômico mundial.87
Na América latina emergiu um novo contexto com o qual o Estado teve que lidar. Com
a democratização surgiram em ritmo acelerado novas demandas sociais e culturais por parte
do mercado e da sociedade, o Estado passou a enfrentar problemas de administração e
86 De acordo com texto retirado da obra Governança Sustentável: “Segundo Petras, as concepções de ser um argumento-chave dos neoliberais e o de ser vista como produtos das inovações realizadas no campo tecnológico e da “revolução nas informações” constituem noções que abrangem pontos falhos. Ele coloca a globalização como processo dinâmico e que para compreendê-lo “é preciso realizar uma análise do Estado e das suas relações com o capital, tanto no mundo imperialista como no terceiro mundo”. Aponta que a fase atual da globalização possui sua base na mudança da correlação as forças de classe dentro do Estado, da sociedade e do mercado de trabalho. PETRAS, James. Os fundamentos do neoliberalismo. In: RAMPIELLI, Waldir José Ourives (Org.). No Fio da navalha: críticas das reformas neoliberais. 2000.” apud DUARTE, Francisco Carlos; CADEMARTORI, Luiz Henrique Urquhart; CADEMARTORI, Sérgio Urquhart. Governança Sustentável: nos paradigmas sistêmico e neoconstitucional. p. 149.87 FARIA, José Eduardo. Direito e Globalização Econômica: implicações e perspectivas. In: ROTH, André-Noël. O Direito em Crise: Fim do Estado Moderno. São Paulo: Malheiros, 1996. p. 15-27. p. 15-19.
reforma diferentes daqueles já conhecidos. A mudança da noção de Setor Público, agora não
mais vinculado a teoria clássica de separação entre administração e política, e dos princípios
de atuação com objetiva e racional calcada em aspectos técnicos e especializados da
burocracia, passa a dar ênfase aos conflitos e bloqueios do processo de decisão, deixando
para trás o caráter restrito e relativo da racionalidade administrativa. A necessidade do
Estado neste primeiro momento é de se adaptar ao panorama moderno imposto, buscando
novos conceitos político-sociais para fundamentar sua reforma e buscar meios de superação
dos velhos modelos administrativos. As reformas trouxeram inovações do constitucionalismo
europeu do pós-guerra, como no caso do Brasil, como algumas inovações no sistema de
controle de constitucionalidade – como por exemplo, o mandado de injunção e a ação
declaratória de constitucionalidade - , a reorganização dos poderes judiciais via conselhos
superiores da magistratura, a consagração de uma ampla gama de novos direitos
fundamentais junto com soluções a problemas culturais locais, reforçando o modelo
presidencialista. Porém as reformas constitucionais feitas não conseguiram alcançar os
maiores ideais reformadores buscados, já que o privilégio ainda parece ser dado a posições,
idéias e teorias individuais, que se fizeram valer mediante um jogo de poder, ao invés de
prezar unicamente aquelas idéias benéficas a coletividade. Também entram em choque as
expectativas dos dirigentes e das expectativas da sociedade para a reforma, com a
democratização e o surgimento de diversas novas figuras políticas buscando poder e espaço
dentro de um novo cenário político, acabando assim por tornar os problemas do cotidiano
distantes ou secundários. 88
A reforma é tomada pelos entes políticos num âmbito de apenas adaptação, não
necessariamente tomando atitudes mais presentes perante a problemática que insurge. O
Estado não é analisado como um ente abstrato ou teórico, mas sim visto apenas naquilo que
diz respeito a aparelhagem administrativa, e é a esse aparato a que a reforma acaba sendo
dedicada, como Zuleta Puceiro coloca:
O modelo a transformar é, antes de tudo, o de um Estado ineficiente como produtor, regressivo e desigual como distribuidor, árbitro interessado e tendencioso de disputas intersetoriais e
88 FARIA, José Eduardo. Direito e Globalização Econômica: implicações e perspectivas. In: PUCEIRO, Zuleta. O Processo de Globalização e a Reforma do Estado. São Paulo: Malheiros, 1996. p. 105-126. p. 105-115
interrupções constantes da legalidade constitucional. Um tipo de “absolutismo ineficaz”, revelador da debilidade de uma sociedade corporativizada, incapaz de cumprir sua função de mediação social e administração da complexidade.89
Uma das medidas tomadas como solução em momentos de crise Estatal são as
políticas de ajuste, medidas que tem por fim regularizar alguma deficiência grave no setor
econômico, principalmente a inflação excessiva, através de métodos de intervenção e
regulação de mercado, paralisando assim variáveis fundamentais da economia. O
congelamento de preços e salários, as mudanças na moeda ou os regimes econômicos de
emergência são exemplos destas práticas. As medidas de reforma estrutural diferem destas
políticas de ajuste com caráter emergencial, buscando mudanças sócio-econômicas
definitivas, através de processos mais elaborados e geralmente irreversíveis, como as
políticas de privatização, desregulação e abertura da economia. Estas duas medidas levam a
correntes opostas de pensamento reformista, aquelas em direção a liberalização política e
outra que pretende suprir as condições emergenciais demandadas pela sociedade com o
intuito de buscar estabilidade. A liberalização política pretende a sua legitimação por via dos
procedimentos e instrumentos democráticos, busca alcançar consensos, assim necessitando
de ampla participação das suas partes, pretende a descentralização das decisões, a divisão
de poderes, preza as garantias individuais através das liberdades fundamentais e dos
direitos políticos e sociais, busca o devido processo formal e substancial, além da
transparência de atuação do poder público, na esfera política pretende evitar a bipolarização
feita pelos grandes partidos, dando espaço para que organizações minoritárias políticas e
sociais tenham participação efetiva nas negociações e poder de veto sobre questões
fundamentais. Já as reformas emergenciais buscam uma concentração de poder nas mãos
do Executivo a fim de criar condições de governabilidade, aonde existem as figuras do
segredo de Estado e o enfraquecimento das barreiras da divisão dos poderes, imperam
então a unilateralidade, e os instrumentos deste tipo de reforma são a legislação delegada,
os decretos de necessidade e urgência e as medidas provisórias. 90
89 FARIA, José Eduardo. Direito e Globalização Econômica: implicações e perspectivas. In: PUCEIRO, Zuleta. O Processo de Globalização e a Reforma do Estado. p. 116.90 FARIA, José Eduardo. Direito e Globalização Econômica: implicações e perspectivas. In: PUCEIRO, Zuleta. O Processo de Globalização e a Reforma do Estado. p. 116-120.
A democratização de um Estado se realiza, dentre outras razões, para que a
sociedade tutelada por este ente político assuma maior voz ativa perante o governo que vai
reger e administrar a máquina estatal. A vontade e necessidade do povo deve pautar as
ações da Administração Pública, porém estas demandas sociais são em sua maioria
diferentes e muitas vezes divergentes. A reforma estatal se torna necessária para que seja
possível criar um Estado que consiga prestar eficazmente o máximo de sua tutela a
sociedade. A questão que paira sobre estes aspectos reformistas é, em que medida os meios
utilizados para alcançar a estabilidade são legítimos perante uma sociedade democrática, ou
seja, se o Estado consegue atingir a estabilidade sem manter para si características
autoritárias e de concentração de poder não condizentes com os princípios da democracia.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho se prestou a análise de dois modelos administrativos de Estado
distintos, a Burocracia e o Gerencialismo. A primeira, com sua busca pela maior eficácia das
atividades estatais, trazendo para seu quadro de funcionários apenas aqueles com maior
capacitação, concentrando o poder decisório para que este não se desvirtue, não se mostrou
capaz de atender as exigências de uma sociedade com demandas cada vez mais variadas e
distintas. Dentro da Administração Pública brasileira, o Modelo de Gestão Burocrático como
solução a esta estrutura centralizada e concentrada de administração buscou-se a reforma
gerencial, com intuito de descentralizar o poder do Estado, tornando-o mais capaz de atuar
em vários níveis, suprindo assim as necessidades do povo com maior eficiência.
Porém, analisando a implantação desta reforma, o que ela pretendeu trazer para o
Estado brasileiro, e o que ela eventualmente trouxe, percebe-se que a distância daquelas
idéias inovadoras e a realidade é agravante. São vários os fatores que influem na reforma,
mudanças estruturais na sociedade, economia e política que pedem uma nova configuração
estatal para a adequação e evolução aos novos tempos. Porém muitas vezes o que acontece
é o desperdício do momento da mudança para a manutenção do poder de poucos em
detrimento do bem da sociedade em geral.
É possível concluir então, que a discussão acerca da reforma não pode ser limitada a
discussão sobre o método administrativo do Estado em um aspecto exclusivamente
tecnicista. Os dois métodos neste trabalho estudados possuem pontos fortes, e em uma
aplicação ideal, talvez pudessem ser utilizados como base para a administração de qualquer
Estado. Porém o que na maioria dos casos é o problema não é o aspecto técnico, e sim o
humano, político e social, que age para a implantação desta reforma e na operação estatal.
Uma reforma administrativa que acontecesse sem casuísmos políticos seria um passo
adiante para a cíclica busca de um Estado que possa, cada vez mais, fazer seu papel ideal
de Estado.
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