Post on 25-Jun-2015
Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro
Quarta Câmara Cível
Apelação Cível
nº 00244800-78.2010.8.19.0001
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Apelação Cível – Processo nº 0244800-78.2010.8.19.0001
Apelante: DANIEL VALENTE DANTAS
Apelado: PAULO HENRIQUE DOS SANTOS AMORIM
Relator: DES. Antônio Iloízio Barros Bastos
APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE
CIVIL. NOTÍCIA VEICULADA NA INTERNET.
EXERCÍCIO DO DIREITO DE OPINIÃO E DE
CRÍTICA JORNALÍSTICA. LIBERDADE DE
EXPRESSÃO E INFORMAÇÃO. GARANTIA
CONSTITUCIONAL. FATOS AMPLAMENTE
DIVULGADOS EM TODAS AS MÍDIAS, QUE
VERSAM SOBRE ILÍCITOS COMETIDOS POR
CONHECIDO BANQUEIRO, INVESTIGADO
NA OPERAÇÃO “SATIAGRAHA”. AUSÊNCIA
DO DEVER DE INDENIZAR. SENTENÇA
MANTIDA. Reportagem jornalística que não
extrapola o caráter informativo quanto a fatos de
interesse público que justificam ampla divulgação,
pautada pela objetividade e “animus narrandi”,
sem distorção da realidade, não dá margem ao
reconhecimento de ofensa à honra. A livre
expressão do pensamento encontra na Carta
Magna o ditame principal em seu art. 5º, IV, IX e
art. 220. Logo, se a manifestação não ultrapassa a
barreira da crítica e não agride a veracidade dos
fatos, então não se pode reconhecer contrariedade à
lei. Resultados favoráveis ao autor, em outras
demandas de indenização por danos morais, não
vincula a turma julgadora em novo processo.
Acertada a sentença que julgou o pedido
improcedente. Desprovimento do recurso.
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Vistos, relatados e discutidos estes autos de apelação cível,
processo nº 0244800-78.2010.8.19.0001, onde figura como apelante DANIEL
VALENTE DANTAS e como apelado PAULO HENRIQUE DOS SANTOS
AMORIM,
ACORDAM os integrantes desta Quarta Câmara Cível, em
sessão realizada nesta data e por unanimidade de votos, em conhecer e negar
provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator.
VOTO
Presentes os pressupostos de admissibilidade do recurso.
Relatório nos autos que integra o presente.
Cinge-se a controvérsia em verificar a ocorrência ou não de dano
à imagem e à honra do autor em decorrência das informações veiculadas pelo réu
em reportagens jornalísticas em seu site na internet.
Como de sabença, o direito à imagem recebeu tutela expressa no
artigo 20 do Código Civil. Por sua vez a Constituição da República assegura a
inviolabilidade da imagem no seu artigo 5º, incisos X e XXVIII, alínea “a”.
É igualmente assegurada a livre manifestação do pensamento, a
criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo,
sem qualquer restrição, de acordo com o artigo 220, §§ 1º e 2º e 221, I, do texto
da CF.
No entanto, como visto, a liberdade de informação encontra
limites e condicionantes, não podendo ser exercida de modo a infringir ou violar
direitos de personalidade cuja proteção igualmente emana da Carta Federal.
Uma imprensa livre e responsável, consciente da relevante
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função social que desempenha, constitui pilar indispensável à concretização dos
ideais democráticos e à livre divulgação do pensamento, oportunizando o acesso
de todos às fontes de informação.
JOSÉ AFONSO DA SILVA salienta que:
“A liberdade de informação não é simplesmente a liberdade
do dono da empresa jornalística ou do jornalista. A liberdade
destes é reflexa no sentido de que ela só existe e se justifica
na medida do direito dos indivíduos a uma informação
correta e imparcial. A liberdade dominante é a de ser
informado, a de ter acesso às fontes de informação, a de obtê-
la. O dono da empresa e o jornalista têm um 'direito
fundamental' de exercer sua atividade, sua missão, mas
especialmente têm um dever. Reconhece-lhes o direito de
informar ao público os acontecimentos e idéias,
objetivamente, sem alterar-lhes a verdade ou esvaziar-lhes o
sentido original, do contrário, se terá não informação, mas
deformação”. (SILVA, José Afonso da. Curso de direito
constitucional positivo. 13ª ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p.
240).
Esse aparente conflito entre o direito de liberdade de imprensa e
informação e o direito de personalidade, deve ser resolvido pelo critério da
ponderação de interesses.
Assentadas tais premissas, cumpre incursionar nos aspectos
relevantes do caso concreto sob exame, para verificar se houve excesso ou abuso
do direito de informar.
Não vejo no caso concreto fundamentos para impedir que o réu,
através de seu blog, refira-se aos fatos, comente-os, e efetue crítica sobre os
acontecimentos e seus personagens, mormente porque é livre a manifestação do
pensamento.
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As observações críticas, por mais acérrimas que sejam, se estão
dentro dos limites da realidade fática, não podem ser consideradas contrárias à
lei, principalmente porque, no caso, têm elas notório interesse público.
Na hipótese, restou claro que as reportagens veiculadas pela
internet no blog “Conversa Afiada” de autoria do Apelado (doc. 10 a 13 – peças
eletrônicas nºs 108, 115 e 118) não extrapolaram os limites do dever de informar,
tendo em vista que as matérias refletiam os fatos que, por sua extrema relevância
no contexto do País naquele momento, eram de conhecimento da população e
reiteradas em diversos meios de comunicação, sendo de cunho jornalístico crítico
não obstante a utilização de uma linguagem bem peculiar.
A despeito do caráter insólito dos fatos noticiados, da sua
divulgação não se infere lesão a direitos da personalidade ou à honra subjetiva e à
imagem do autor. Cuidava-se de fatos públicos e notórios, envolvendo o autor,
Daniel Dantas, banqueiro preso na conhecida operação “Satiagraha”, deflagrada
pela Polícia Federal. Não foi uma crítica gratuita, mas sim a análise de fatos
concretos que geraram indignação na população brasileira.
Nessa direção, como bem lançado na sentença: “(…) Como bem
ressaltado pelo réu, a reportagem publicada em 15.04.2010 (f. 112/113) reproduziu
declarações feitas pelo Sr. João Paulo, líder do MST, sobre questão de repercussão nacional.
Configura-se, tão somente "animus narrandi" na publicação dos fatos, o que se dessume,
inclusive, do próprio título da matéria "MST suspeita que Dantas 'organizou' invasão à
fazenda que grilou no Pará". (…) No que tange às reportagens publicadas em 05.06.2010 (f.
115) e em 08.07.2010 (f.119/120), tenho que não denotam o propósito de ofender ou macular a
honra do autor, mas apenas de divulgar e criticar, ainda que em formato não convencional,
fatos de relevante interesse para a sociedade, corno referentes ao papel do autor na
campanha eleitoral de 2010 (f. 115) e sobre detalhes e consequências da operação Satiagraha
(f. 199/122). (…) Ora, não atenta contra os direitos individuais do cidadão a divulgação, pela
imprensa, de fato jornalístico ou imagens, cuja intenção é de esclarecimento à opinião
pública, ainda que a matéria tenha natureza crítica e estilo linguístico peculiar, como na
espécie(…)”
Nesse diapasão, colaciono julgado desta Corte de Justiça em
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caso análogo:
0107793-88.2003.8.19.0001 – APELACAO - DES. MARIO
ASSIS GONCALVES - Julgamento: 31/08/2012 - TERCEIRA
CAMARA CIVEL Reparação de danos morais. Matéria
jornalística que divulgou a preocupação do governo e do
comando da Câmara de Deputados com a Comissão de
Fiscalização e Controle da Câmara sobre a existência de uma
quadrilha na comissão, montada para chantagear
empresários, onde um trio da bancada deste estado tem
apresentado frequentes requerimentos de convites a
empresários, especialmente multinacionais da área de
petróleo. Direitos personalíssimos. Direitos e deveres da
imprensa. Art. 5º, incisos IV, IX e XIV, e 220 e seguintes da
Lei Magna. Ausência de qualquer intenção de denegrir a
reputação e a honra de deputado federal. Cumpre assinalar
que não se pode descurar que a livre manifestação do
pensamento e de expressão seja direito garantido pela
Constituição da República, de onde se extrai, contrapondo-se
ao caso em comento, que a empresa jornalística de ampla
circulação (Jornal "O Globo"), mantido pela ré (Infoglobo),
atua sob a proteção legal do direito ao exercício, dentre
outros, da crítica e da divulgação de fatos. O objetivo da
imprensa deve ser o de informar e divulgar fatos verídicos,
funcionando, principalmente, como um veículo de
disseminação da cultura e divulgação séria e fidedigna dos
acontecimentos em todos os níveis. A liberdade de
manifestação do pensamento e, portanto, de imprensa, só
deve ser limitada quando esbarrar no direito de terceiro. Se
uma empresa jornalística divulga fatos que não
correspondem à verdade, ou envolve cidadão sem averiguar a
procedência de suas fontes e a veracidade das informações,
inclusive junto às autoridades competentes, levando os
expectadores ou leitores a concluírem pela participação de
cidadão, como teria ocorrido com o autor em esquema como
retratado acima, haveria evidente responsabilidade passível
da obrigação de indenizar por danos morais suportados pela
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vítima se lhe tivesse imputado a prática de atos ilícitos e
emitido conclusões falsas e denegridoras. No caso em
comento, entretanto, houve a publicação da reportagem
focando principalmente o que seria uma preocupação "do
governo e do comando da Câmara de Deputados", o que
restou comprovado, não tendo a empresa jornalística ré,
contudo, emitido por ocasião das publicações qualquer
conceito, afirmação ou crítica com viés denegridor. Não há
que se imputar responsabilidade civil e consequente
obrigação de indenizar àquele que age em exercício regular
de um direito, senão quando ficam evidenciados fatos que
caracterizam exorbitância na atividade do titular desse
direito. Afinal, não atenta contra os direitos individuais do
cidadão a divulgação, pela imprensa, de fato jornalístico,
cuja intenção é de esclarecimento à opinião pública, eis que a
missão de informar constitui exercício legal de direito. À
míngua de prova eficiente de que tenha havido qualquer
deturpação do direito da imprensa em detrimento do direito
personalíssimo em questão, deve a sentença de
improcedência quanto ao pedido indenizatório ser mantida.
Inclusive no que tange a condenação pela litigância de má-fé,
consistente na inserção de afirmação inverídica na exordial
Recurso a que se nega seguimento.
De resto, a manifestação jornalística, eivada de animus
criticandi, não pode ser considerada descabida pelo simples fato de o alvo a que
vai dirigida dela discordar.
Não se olvide, também, que a Lei n. 5.250, art. 27, VII1, exclui,
expressamente, a imputação de abuso no exercício da liberdade de manifestação
do pensamento e de informação, quando a crítica ou informação for inspirada
pelo interesse público.
1 Art. 27. Não constituem abusos no exercício da liberdade de manifestação do
pensamento e da informação:
VIII - a crítica inspirada pelo interesse público;
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E mais. Para o reconhecimento da ilicitude do proceder do
requerido, nos termos do postulado na exordial, imperiosa se faz a comprovação
no sentido de ter o autor do texto agido com abuso de direito, dolo, e mesmo má-
fé ou leviandade, o que não ocorreu na hipótese em comento.
Ora, de fato qualquer cidadão pode discordar e criticar o
procedimento de pessoa notória como o demandante/apelante em razão de seus
atos públicos e, portanto, sujeita ao crivo da mídia e da sociedade, sem que a
atitude configure ato ilícito por si só.
Nessa seara, do lastro probatório não há como se extrair, de
forma induvidosa, a responsabilidade civil do apelado e a consequente obrigação
de indenizar, buscando a atividade jornalística informar e atualizar a opinião
pública.
Assim, frente à ausência de abuso do direito constitucional de
informar2, não há se falar em dano moral indenizável.
Voto, pelo exposto, no sentido de negar provimento ao recurso,
mantendo a bem lançada sentença vergastada.
Rio de Janeiro, 28 de maio de 2014.
Antônio Iloízio Barros Bastos
DESEMBARGADOR
Relator
2 Art. 5°, IX, da CF - É livre a expressão da atividade intelectual, artística,
científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;
Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob
qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta
Constituição.
§ 1º - Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena
liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto
no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.
§ 2º - É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.