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Bernardo Almeida
Achados e Perdidos
© 2005 Bernardo Almeida
É permitida a reprodução parcial ou total desta obra, desde que citada a fonte.
Foto (capa): Bernardo Almeida
Editoração eletrônica: Bernardo Almeida
Edição e Distribuição: Bernardo Almeida
Contato: almeida.bernardo@gmail.com www.bernardoalmeida.jor.br
Em um mundo onde tudo vira produto e o ser humano é visto, na maioria das vezes, como mero consumidor, é importante que algumas coisas sejam oferecidas sem preço, taxa ou imposto. Que este pequeno gesto seja entendido como um sinal de resistência, uma prova de que o desenvolvimento de novos valores, assentados em bases mais sólidas e humanas, ainda é possível.
Bernardo Almeida
Índice
1. Devoção 01
Poema Página
3. Carne, osso e memórias 02
5. Anônimo 03
7. Deveras, homem! 06
9. Atemporal 07
11. Novo de novo 08
13. Retorno 10
15. Crença e aparência 11
17. Leito 13
19. Amor perdido 14
21. Abalo sísmico 16
23. Despedida 18
25. É 19
27. Perdedor 20
29. Imundo 22
31. Menina 24
33. Beijo amargo 25
35. Incógnita 26
37. Sem destino 28
39. Plyocte Rhar 29
2. Sem sentidos 01
4. Perda 03
6. Fruto apodrecido 05
8. À venda 06
10. Segredos 08
12. O escolhido 09
14. Dez integrado no infinito 11
16. A chuva e o absurdo 12
18. Despretensão 14
20. Cuspe 15
22. Desagrado 17
24. Devassa 18
26. Envolva-me 20
28. Falibilidade 21
30. Ladrão de percevejos 23
32. Adeus 24
34. Dez encontros 25
36. O resto 27
38. Pacífico 28
Índice
40. Precipício 30
Poema Página
42. Vira folha 31
44. Aquele 33
46. Imperceptível 34
48. Palavra 36
41. Recolher 30
43. Sensibilidade 32
45. Descoberta 34
47. Inadequado 36
Se com mil toques pudesse agraciar a sua beleza
Se com mil palavras pudesse definir suas curvas
Se com mil passos pudesse percorrer entre seus mistérios
Se entre mil pessoas o seu olhar fosse somente meu
Se com mil orgasmos pudesse presenteá-la
Se de mil paixões pudesse abastar seu peito
Se mil amores eu pudesse renunciar
Se com mil sons, pudesse cantar sua carne
Se ao meu amor terno estivesse tu entregue
Beberia mil jarras do seu sorriso
Se em mil versos pudesse ler a sua alma
Se em mil encarnações pudesse entregar-lhe a minha
Se com mil destinos tivesse escolha
Minha rota seria seu caminho
Se em mil sonhos, apenas você
Se em mil sensações, suas mãos
Se em mil delírios, seus lábios
Se em mil crenças, devoção a você
Se em mil desejos, suas fantasias a realizar
Se em mil perfumes, seu aroma
Se em mil tentações, a sua presença
Que inebria e irradia vida
Que ilumina e salva
Desperta e liberta
Amém, amém!
1. Devoção
Lampejos de alegria
Minutos de mágoa
Quando não dói
Apenas machuca
Rios sem correnteza
Uma maré mansa
Uma lágrima que cai
Em fundo raso descansa
2. Sem sentidos
01Achados e Perdidos - Bernardo Almeida
Personalidade sem cadência
Outra máscara de demência
Grandiosa inteligência
Não disfarça a soturna carência
Esconder a sua vergonha
O seu caráter frágil em vida fútil
O extremo entre a aprovação e a não aceitação
Uma ordem sem pedido de cancelamento
Vil é a disputa
Que acirra entre os homens
Seus caminhos absurdos
Suas glórias e suas posturas
Diluiu em pecados
O que um dia foi santo
Sacrificado o eterno em prol do agora
Mundano e estreito
Externo e profano
Corpo exposto
Alma fraca
Lágrimas e silêncios
Novos prantos
Gritos de sinceridade
Uma história mal contada
Difícil de decifrar
Um passado de fugas
Um presente omisso
Você não se reconhece
Nem que apodreça em frente ao espelho
Admire suas falhas
Bem de perto, profundamente
Você ainda consegue se questionar sem se sentir vazio?
Anos luz separam você de você mesmo
E não há nada além disso
Carne, osso e memórias
3. Carne, osso e memórias
02Achados e Perdidos - Bernardo Almeida
As lâminas da paixão
Fatiaram o meu coração
Que sangra e pára
Não bate, não vibra, não late
Assumirei os suspiros
Os erros e os acertos
Assumirei meus rumos
Os corretos e os falsos
As mudanças em minha mão
Ela leu, mentiu e descumpriu a missão
As promessas desse verão
Foram todas abandonadas no porão
Vítima sem súplicas e sem deslizes
Primários sentimentos e algumas cicatrizes
Uma vez ferido, sempre em fuga
Uma vez pecador, sempre culpa
Mais temido do que desejado
Mais esquecido do que lembrado
Naquele dia em que te conheci
Olhei para os lados e nunca mais te vi
4. Perda
5. Anônimo
Brincadeiras à parte
Em parto de meia luz
Banheiras secas e chão molhado
Taco e vestido velho
Trapos e lembranças
Lágrimas, manchas de sangue e inocência
Contrações despidas de sentido
Lanterna sem lâmpada e em curto
03Achados e Perdidos - Bernardo Almeida
Circuito de mentiras e despejos
Limites exaustivos e defeitos irreparáveis
Nas sombras da sua crença
O tempo perdeu sua face
Uma máscara e uma criança
Lado a lado com a avareza e o egoísmo
Este e não outro é o mundo
Esta e aquela são as qualidades
Desqualificadas como tal
Impregnadas de miséria
Você, você, mil vezes você
Condicionado e obediente
Marcha soldado, sempre em frente
Brinquedos de uma armadilha maior
Controle, remoto, controle, remorso
Radares, pontes e lanternas
Ao menos uma brilha, pisca e some
Um sinal de vida
Um vestígio de raiva
Suas prioridades e falta de compaixão
Sem evidências de respeito
Some com pesos no peito
Em agonia fala sobre escolhas
Sexo, drogas e gatilho
Pinta um mapa de liberdade
Mal criado pelo ódio
Orientado pela televisão
Um retrato da deformidade
Um sonho informal de excesso de informação
Um projeto fracassado
De um tiro que saiu pela culatra
04Achados e Perdidos - Bernardo Almeida
Um final sem cura, paz ou grandes méritos
De joelhos pelo próprio orgulho
Seu fim, enfim, sem palavras
Sem adeus nem preces
Às pressas fecham-se as cortinas
Desse ato falho final
6. Fruto apodrecido
A maturidade é cômica
Uma piada mal contada
Estranhamente sem graça
Corrupta e absurda
A maturidade é uma armadilha
Quando passa do ponto
Põe um rei em cada barriga
E atira pedra em cada diferença
A maturidade dá frutos podres
Transmite o vírus da hipocrisia
Que limita a visão propositadamente
Para criticar imprudentemente
A maturidade sentir não consegue
Seu próprio cheiro
Que a nada agrada
Além do seu próprio nariz
A maturidade tem o seu caminho
Que julga único e correto
De horizonte estreito e anacrônico
Que a tudo desdenha em tom irônico
Mas não confunda a maturidade
Com a sua prima sapiência
Que não vira as costas para o seu oposto
05Achados e Perdidos - Bernardo Almeida
Nem se incomoda diante da diferença
Não confunda a sabedoria
Com a unilateral maturidade
Que tudo sabe para si
Em sinônimo de perniciosa vaidade
7. Deveras, homem!
Ah, como difícil é ser um homem
Em um mundo tão machista e feminista
Ah, como é difícil sorrir sem ser julgado
Como é difícil chorar sem ser censurado
Ah, como difícil é ser um homem
Em um mundo tão feminino e masculino
Onde os contrários se igualam
E as verdades se anulam
Ah, como é difícil
E você nem sabe do meu esforço
Você nem quer saber
Como é difícil sobreviver entre seus preconceitos de homem
Como é difícil não padecer aos seus padrões tão femininos
Como difícil é ser um macho
Daqueles com M maiúsculo
Que chora, ama e pede colo
8. À venda
Comercialize o sexo
Seu corpo, sua nudez
Exponha o seu personagem
Três, duas ou uma vez
Seja uma garota perversa
Rime comigo
Na cavalgada viril
Revele-me o destino
Massageando o seu corpo quente
Apresento-lhe o prazer
06Achados e Perdidos - Bernardo Almeida
Venha comigo de uma vez
Você sabe o que fazer
Sua imagem sedutora
Neste ritmo veloz
Não tema a pureza
O prazer é libertino e feroz
Pode virar paixão
Que pode virar amor
Sentimento de puta não dá nó
É direto e cumpre o que promete
A felicidade já pregava
Amor de puta não degrada
Eleva e consagra
Diluo o tempo
Torno-o esparso
Vago e disperso
Fragmento meus pensamentos
Em milhares de partículas
Sopro-as e as lanço ao vento
Sem direção
Numa frequência não linear
Tão caótica e deformada
Quanto o meu próprio ego
Sem chegar a lugar algum
Toca o nada
Percebe a sua existência
E ultrapassa essa barreira
Descobre a verdade
Além das fronteiras
Que a mente humana impõe
9. Atemporal
07Achados e Perdidos - Bernardo Almeida
E esse indigesto sentimento
Que invade a minha alma
Abala o meu corpo julgando a vida
E joga fora o que é mel
E transforma a água em rocha
E corrói, corrói
Por dentro o que era casca
Agora apenas é pesadelo
Cenas fortes de um filme
Sem censura
Você está no papel principal
Mas não desce do muro
O medo fala mais alto
Então foges da verdade
Mas que outra haveria de ser senão a sua (própria)?
Uma mentira torna-se verdade desde que seja acreditada (será?)
As coisas mudam de lugar tão rapidamente
Não há mais tempo para acompanhar
Os seus passos ficaram tão tristes, lentos e confusos
Na indecisão você encontrou o alívio
Mas tudo passa, passa
Mas tudo volta, volta
Mesmo que não seja para ficar
Entre mais um segredo
Confiado a mim
Confinado em você
10. Segredos
11. Novo de novo
Da cópia
Surge a cópia da cópia
Cada vez mais distante do original
O atual é o antigo esquecido
A fonte não mais traduz o novo
Apenas reproduz
Cria o que já existe
08Achados e Perdidos - Bernardo Almeida
Como um ciclo
Torna-se repetitivo
E quando parece ter mudado
Apenas alternou de lugar
O novo é a idéia que ainda não foi publicada
A sua majestosa novidade
Já foi concebida em alguma cabeça abastada
Mas você não sabe
E forjará o novo
De novo
Como se houvesse criatividade
Em falar o que já foi dito
E em pensar o que já foi pensado
12. O escolhido
O lenço caiu das suas mãos pela última vez
O sol se pôs
A vida escureceu
Os lamentos ficaram para trás
Seis ou sete anos de penúrias
Azares de um espelho quebrado
Amparos momentâneos
Maior parte sente teu beijo
Ainda doce, mesmo que já amargo
Em minha boca escorre
O seu mel
Minha alma entreguei a ti
Pobre de mim
Fiz da sua ferida, minha cicatriz
Só por que lamentei?
A fúria dos deuses pode ser muito mais feroz
Suas leis, muito mais severas
Mas eu?
Pobre de mim
Por que escolhido dentre tantos?
Nunca tive aptidão para a dor
Mas serei a sua personificação
09Achados e Perdidos - Bernardo Almeida
Sua imagem e semelhança resplandece em um semblante triste
Banhado de sangue
Derramado impiedosamente
Por um Cristo que cala
Diante da mentira
Por um Cristo que fala
Diante da esperança
13. Retorno
Na sombra ensurdecedora
De um quarto de cabaré
Meia noite é a hora dos anjos libertinos
Das camélias e das mudanças de destino
É a hora do alerta
É a hora da vida
As prostitutas esperam por dinheiro
Esperamos pelo retorno das nossas vidas
O que a rotina não dá e o amor esconde
O puteiro aponta
Sem pudor, sem vergonha
Nossas carnes, nosso sexo
Puro e simples
Manda quem pode
Obedece quem tem juízo
Ou dá ou desce
Nesse jogo de andarilhos
O zelo vem do gozo
Do prazer e da luxúria
A lascívia e a malícia
Ela grita e grita
Mesmo em farsa
O que há muito sentia-se morto, agora reanima
10Achados e Perdidos - Bernardo Almeida
Por um descuido acreditei
Que não estava mais aqui
Pensei ter desintegrado
Nem do resto, nem do pó
Flutuei e sumi
Não havia tempo
Não havia nada
Nem o tudo, nem o talvez
A certeza também falta não fazia
E não havia ninguém
Não havia som, nem silêncio
Nem pressão, nem volume
Apenas eu
Destituído de sentidos
Desnudo da matéria
Apenas o ser
Solto no infinito
Também extinto
E como que com a força de uma explosão
Na velocidade de um momento
Pisquei de novo e retornei
Em carne e pensamento
14. Dez integrado no infinito
15. Crença e aparência
Quem crê no amor e nunca chorou
Dificilmente amou
Quem crê no amor e nunca sofreu
Dificilmente amou
Quem crê no amor e nunca perdoou
Dificilmente amou
Mas quem ainda crê no amor?
O amor foi reduzido a desejo
Passageiro, ligeiro
Um sem número de parceiros
Companheirismo é piegas
11Achados e Perdidos - Bernardo Almeida
Amar alguém é tão brega
A sinceridade está de braços cruzados
A cumplicidade tirou férias
E o compromisso se aposentou
Mas quem ainda crê no amor?
Livre de interesses materiais
Repleto de saudades e lembranças
Os corações estão trancados
Protegidos contra danos
Todo mundo é tão sério e prudente
Falta coragem para amar
É mais fácil possuir do que se entregar
Mas quem ainda crê no amor romântico?
O que era sentimento verdadeiro
Não passa hoje de um jogo entre parceiros
A morte já não separa os casais
O amor morre muito antes
O vinho é transformado em água
Sem sabor, gosto ou cheiro
Sem emoções e sem feições
Quem veio ao mundo e nunca amou
Falar sobre a vida não pode
Porque nada sabe
Porque nada aprendeu além de futilidades
Porque nada sentiu além do trivial
Porque nada entendeu além do óbvio
Porque, ainda que vivo, nunca viveu
16. A chuva e o absurdo
E eu que sou tão pobre, fraco e envergonhado
Sou aquele que tem medo do espelho
Mas nunca admite
E eu que sou tão baixo e retrógrado
Tão louco, difuso e passional
Se fosses minha, saberia...
Eu sou o absurdo mais inconcebível da humanidade
Sou cinzas e tristezas
12Achados e Perdidos - Bernardo Almeida
Sou frustrações e decepções
Sou noites em claro
Sou a ferida que não cura
Sou aquele que ama calado
Sou a décima xícara de café
E eu que sou tão parvo
Que choro escondido e peço segredo
Que sofro as decepções da humanidade
Ainda que tente firme esquivar-me
E eu que sou tão medonho
Em meio a este sonho insólito e enfadonho
Que durmo de luzes acesas
Não quero ser a sombra de ninguém
Mas como viverei daqui adiante?
A sobrevivência guarda para mim o fracasso?
Não quero saber o que me reservam os dias
Por meio tempo sou a vida que nunca quis
Sou o ano mais longo
A aventura menos fantástica
O livro mais chato
A solidão e o infortúnio de um canto de parede
Sujo e mal iluminado
E eu que me encontro neste dia de chuva
Cubro meu corpo nu
Enquanto escuto calmo a chuva cair
17. Leito
Em terreno árido, o homem padece.
Em disputas vãs, o homem se degrada.
Em dias cinzas, o homem perde a graça.
Em seu sorriso ameno, o homem encontra a paz.
Em vozes autoritárias, o homem perde a compaixão.
Em mãos agressivas, o homem perde o amor.
Em dogmas, o homem perde a liberdade.
Em seus seios, o homem conquista o direito de existir.
13Achados e Perdidos - Bernardo Almeida
A esperança morreu primeiro
Que este corpo, calado e penoso
Incrédulo, descontente e desdenhoso
Contemplo a incerteza
Do próximo segundo, da mesa farta
Da vida longa e do perdão
O amor a mim destinado, escapou
Entre os dedos, ao menos resta o seu perfume
A lembrança de que já sorri um dia
Ainda assim, vivo do momento presente
Empurro longe a saudade de tempos outros
Que não voltarão, nem deveriam
Na despreocupada busca por nada em especial
Chego, ao acaso, em qualquer lugar
E, sem pestanejar, faço aí nova morada
18. Despretensão
19. Amor perdido
O amor não fez sentido
Nesse mundo mesquinho e sem graça
Talvez porque seja ele a presa e não o predador
Não vale um latão
O amor está fora de moda
Quase ninguém o veste mais
O amor não é incentivado
E quem ama vive a ser crucificado
Quem ama é taxado de besta, otário
Sofredor, masoquista, palhaço
Muito mais fácil é não envolver-se
Usar maquiagens para disfarçar-se
14Achados e Perdidos - Bernardo Almeida
O amor que falta no mundo
Sobra em mim, sobrecarga
Mas o que isso importa
Se não encontro outros corações para reparti-lo?
O amor está velho, impotente
Está cansado e carente
O amor sente falta dos encontros
Do descompromisso nunca omisso e dos sonhos a dois
O amor sente falta do romantismo
O amor sente falta da paixão
O amor sente falta da saudade
O amor sente falta da falta que ele faz
O amor anda sozinho e chuta latas
Frequenta diariamente os becos escuros e as ruas sem saída
Esconde a sua esperança no bolso
E transita sem chamar atenção
O amor embriaga-se para esquecer a rejeição
O amor não chora para mostrar que ainda é forte
O amor está rouco e evita expressar-se
O amor está louco, a ponto de suicidar-se
20. Cuspe
Cuspo sim
Sete vezes no prato em que comi
Importa-me apenas o alimento
Da próxima vez, comerei de mão
E não dar-te-ei o prazer de humilhar-me
A sua caridade foi desmascarada
Subitamente, um olhar malicioso se forma
Sobrancelhas capciosas
Usastes da minha fraqueza para se fortalecer
15Achados e Perdidos - Bernardo Almeida
Mas em seu nutriente egoísta
Encontrarás o veneno que te espera
E sentirás a dor, mesmo que inconsciente
Como uma peste sem cura
Esta é a minha praga
Por sete gerações
E não verás a luz
Mesmo que enxergue
E sentirás a cruz
Não terás alegrias
Mesmo que insistas em sorrir
E não encontrarás a felicidade
Não terás conhecimento
Mesmo que tenhas informação
Serás um eterno ignorante
Não se sentirás acompanhado
Mesmo que cercado de centenas de pessoas
Serás a solidão e o esquecimento
Desejo-te agora boa sorte
E cuspo mais sete vezes no prato em que comi
Para que mantenha o mesmo nojo
E não volte a repetir este maldito erro
21. Abalo Sísmico
Deixei-me abater
Foram quinhentos quilos de tristezas
E mil dias de incertezas e agonias
Ofereci a ti o que me cabia
Alma, corpo e vida
Vento fresco, mimos e alegrias
16Achados e Perdidos - Bernardo Almeida
Quando jurei amor eterno, fui sincero
E nas manhãs seguintes
Confirmava com beijos e suspiros tal despautério
Mas olhando para trás
Vejo o quão fui inocente
Apaixonado, tolo e inconsequente
Entreguei-me sem as cautelas e os medos
Que separam o peito dos sentimentos
Sem conserto, sou um amante de berço
Mas continuo a vagar
Desligado, sofrendo, desolado
Sozinho, à caça de um coração para habitar
Porém o que encontro são novas desilusões
Pessoas machucadas, que agora se guardam
Para que não repitam o erro de amar
Por que se apoderar de tamanho desapego?
A indiferença e a superficialidade
Roubaram o espaço dos grandes sentimentos
Como sobreviverei se vivo de amores e poesias?
Se bato na sua porta, não me deixas entrar!
E, ao deixar, pouco tempo depois estás a me despejar
22. Desagrado
Seus lábios têm poder de fogo
E, seu peito, poder de fuga
Um gostar cínico e ardente
Despropositado e inconsequente
"As emoções são controláveis", você me diz
Sem carinho, sem consideração
Sinto-me impuro, infiel
Incapaz de manter-te comigo
17Achados e Perdidos - Bernardo Almeida
A beleza traz o gosto da felicidade passageira
Deixa saudades ao partir rumo à lembrança
Tão cruel e tão mundana, fugaz
Um dia sou
Outro, gostaria de ainda ser
Um dia tenho
Outro, gostaria de ainda ter
Um dia espelhos
Outro, distância deles
Um dia convites
Outro, esquecimento
Um dia excesso de exposição
Outro, clausura
Um dia rouba a atenção
Outro, repele olhares
Um dia orgulho
Outro, vergonha
Um dia exuberante
Outro, não mais
23. Despedida
24. Devassa
Devassa e carinhosa
Será esse o motivo pelo qual amo-te tanto?
Se para uns causas espanto, para mim, este é o seu encanto
Meus valores definharam
Mas em que eram baseados?
Para te ter, esqueço o que é certo e faço tudo errado
Sua boca sabe por onde descer
Sua língua bem sabe o que fazer
Corpo em chamas, tem doutorado em prazer
18Achados e Perdidos - Bernardo Almeida
Seu ser exala a paixão pelo que é
E, sendo, mantém a fórmula em segredo
Para não vulgarizar-se
A luz que sai de ti
É sábia e profana, rica e artística
Preenche o meu vazio
Do amor és o verdadeiro caminho
E quem carrega coragem para trilhá-lo
Mesmo sob olhares de reprovação
Não se arrepende, nem conhece tristezas
25. É
Vontade é não morrer
Desejo é amar
Pressa é não chegar
Preguiça é trabalhar
Tempo é inovar
Trilha é desviar
Velho é reciclar
Vento é navegar
Conhecer é renascer
Partilhar é cooperar
Amizade é confiar
Surpresa é desafiar
Sono é sonhar
Acordar é realizar
Tentar é persistir
Conseguir é acreditar
19Achados e Perdidos - Bernardo Almeida
Envolva-me mais uma vez
Suas mentiras me adormece
Como uma cantiga suave
Como um conto infantil
Preciso do seu bem
Necessito do seu mal
Faço parte daquela que tenta partir
E faz das minhas alegrias, prantos
Não reclamo, fique comigo
Suplico que não me abandone
Troco de lado, cozinho e lavo
Mas não me deixe
Os seus erros não precisam de perdão
Acolho todos, com graça
Seja na abundância, seja na desgraça
Rogo que fique, por favor! Não me maltrate mais
26. Envolva-me
27. Perdedor
Eu perdi
E perco quase sempre
Por opção
Mas o fracasso traz um gosto
Ao qual me familiarizo facilmente
A perda é ridícula perto da lição
Do erro faço novas escolhas
E das escolhas, encontro novas opções
Toda correção exige tempo
20Achados e Perdidos - Bernardo Almeida
Não tenho pressa
A persistência é o aprendizado
O aperfeiçoamento é constante
Sem desanimar
Vejo o quanto tudo é fútil
Sutilmente apressado e finito, solitário
Senta só este pobre
Ainda sonha, ilude-se
Vive desta crença e melhora
Um coitado aos olhos elitistas
Um forte, um bravo
Vigoroso em seus ideais
O soco contra a covardia
O arroto diante da boa educação
A revolta, a espontaneidade, a graça
Um papel, só um bilhete
Anunciando o próximo encontro
Já não será tão breve
Está de pé, ainda
Inabalado e coerente
O tal quebra-correntes
Corre a todo o tempo
Do tempo que lhe foi imposto
E não desiste
Queimando panos e papéis
Jamais se curva, jamais entoa hinos
E à autoridade oferece seu repúdio
28. Falibilidade
21Achados e Perdidos - Bernardo Almeida
Andarilho livre
Que se nega a aceitar presentes, suborno
E bebe da fonte, não do copo
Vejam, estão limpos
Mas fazem questão em rolar na lama
Gostam de emporcalhar-se
Espíritos asfaltados
Nu e cru, vasto e fértil
Um dia falecerão todos de fome
A ganância de uns
A ambição de outros
E a morte da maioria
Em resposta, a disposição em dizer não
Bater sem as mãos
E ainda assim agredir
Ferir, desagradar e continuar a sorrir
Violar, destruir, destronar
Para distribuir felicidade entre os injustiçados
Mundo vil
Cheio de seres não menos desprezíveis
Sob o comando do Imperador Egoísmo
Estão todos os condenados à existência
Mundo degradante
Extremamente frustrante é ver
As desigualdades tão frequentes
Na mão de quem pede e no bolso de quem paga
29. Imundo
22Achados e Perdidos - Bernardo Almeida
Mundo fétido
Corrompido pela ambição e pela disputa
Onde cresce a violência e o ódio
E a vida bela e pura pede para perder a inocência
Mundo catastrófico
Em que a vingança anda solta pelas ruas
E tudo é permitido desde que seja comercializável
Financeiramente multiplicável, rentável
Mundo decadente
Espera teu futuro um tanto óbvio
Da abundância à precariedade
Da vida à extinção da humanidade
Sou o palhaço
Que beija os seus lábios no escuro
Sou o mistério que invade o seu mundo
O mascarado, o descarado
Desconfiado e afiado
Que desafia e desperta ilusões
Atrás do muro deixo as malas
Para viagens futuras
Mas não derreto ao sol
Corro seguro de mim
Malabarista, circense e arredio
Roubo sorrateiro as maçãs do pé
E fujo sem tomar um tiro, sem dar um pio
30. Ladrão de percevejos
23Achados e Perdidos - Bernardo Almeida
A essa boca juvenil ofereci o pecado
A esse corpo pueril dei o prazer
A esses olhos carentes trouxe vida
A esse peito vazio apresentei o amor
A cada olhar, um novo convite
A cada dia, um novo mundo
A cada ida, um novo retorno
A cada volta, uma nova saudade
Toques libidinosos, uma sinfonia
Poesia recitada, excitação e euforia
Calafrios, tremedeiras e sonhos
Outra vez, cama, mesa e banho
O que guardava até de mim
Já não faz mistério a ninguém
E já não sou o mistério, subcutâneo
Trago na face a tradução do meu coração
31. Menina
32. Adeus
Minha inspiração
Deita morta à sete palmos do chão
Junta aos vermes que aceleram minha decomposição
O corpo, um dia célebre
Agora fede, apodrece
Não fala, não pensa, perece
Sirvo-me da companhia das criaturas subterrâneas
Que sobrevivem da fatalidade alheia
Tal qual o invejoso, de caráter desfalcado
Funesta realidade, triste sinceridade
Guarda a conclusão angustiante de um ciclo
Que se basta sem desejar mais tempo
24Achados e Perdidos - Bernardo Almeida
Não me esquecerei de você
Mesmo que implore
No entanto, não te seguirei
Devo continuar a minha vida
Por mais dolorida e irremediável
Que seja esta ferida
Abaixei a guarda
Joguei fora as minhas armas
Indefeso, tornei-me presa dos seus abusos
Suas mentiras bateram em meus ouvidos
Mais uma vez você poderia ver-me de joelhos
Com os olhos vermelhos e o peito cansado
Mas tenho que prosseguir
Duvido não poder conseguir
Procuro a volta dos dias claros e vibrantes
Aos frangalhos, ainda resta-me uma esperança
A desforra, a vingança
O reencontro futuro
E, nesse momento infame
Ao beijar a sua cautelosa mão
Sentirei o cheiro azedo e o sabor amargo do arrependimento
33. Beijo amargo
34. Dez encontros
Nossos encontros renderam-me quinze poesias
Mas isso é tudo, preciso ir-me sem titubear
Se queres que suma, assim o farei
Pude escolher entre dizer adeus por bem ou por mal
Entre sair amando triste ou com raiva
Chorando de ódio ou de alegria
25Achados e Perdidos - Bernardo Almeida
Vi o amor começar a surgir em seu olhar
Nem tinha pedido, nem tinha forçado
Percebi seu esforço inútil para tentar controlá-lo
Então a noite chegou, não para nos acolher
E as estrelas atestaram muito bem suas palavras
Nem motivos, nem nada, apenas "Não quero mais ver-te"
Fui julgado, injustamente visto como culpado
Minhas emoções foram menosprezadas
Ao rastejar, perdi a última coisa que me sobrava
Volta e meia penso em escrever-te algo
Sei que nunca estarei completamente curado
Do infortúnio do esquecimento, duro fardo da separação
Perseguirei sem fim o seu cheiro
Em qualquer mecha loira que cruzar-me a vista
Tornar-me-ei um ser mesquinho, não oferecerei além do mínimo
E quando, ao acaso, acreditar sentir a sua presença
Ainda que não faça mais diferença
Estou certo de que passarei uma semana sem dormir
A vida, então, não valerá a pena
Até que a sua voz serena volte a massagear-me
Fazendo ecoar notas sublimes em musicalidade e amor
O que tenta dizer-me esse olhar
Profundamente misterioso
Que se esconde por detrás
Dessa placa de gelo e vidro
Talvez diga que me ama
Mas poderia também zombar
Dos meus elogios óbvios
Da minha solicitude exagerada
35. Incógnita
26Achados e Perdidos - Bernardo Almeida
Quero dar o que te falta
Mas, afinal, o que te falta?
Seus olhos saltam de espanto
Escondem respostas e choram
Quem dera tivesse eu desenvolvido
Os dons espirituais da mediunidade
Atravessaria seus pensamentos
E, em meio ao veneno, encontraria o antídoto
Mas tudo o que me cabe
É sentar ao seu lado
E partilhar o silêncio cúmplice
Da incógnita dos seus sentimentos
Dias tristes
Seguem-se um após o outro
Noites chuvosas e manhãs secas
No bar, deposito as minhas incertezas amorosas
Atrás de ti, não me reconheço
Ao seu lado sou completo
Mas meus versos não rimam com o seu nome
Sou andarilho, sou permissivo
Vejo seu corpo e cobiço-o
Mesmo que finja não enxergar-me
Em punho, outro poema
Para cantar a desilusão
Os desencontros e as armadilhas
Em princípio, sou o fim
E coloco-me a sua disposição
Sempre alheio aos acontecimentos
Bata em minha face
Derrame sobre mim a mais fria água
E desperte-me deste sonho inoportuno
36. O resto
27Achados e Perdidos - Bernardo Almeida
O vento é frio e a noite tão acolhedora
Solitária e nublada como minha sorte
Leste, oeste, sul e norte
Uma bússola quebrada, desvairada
Aponta para o nada e diz tudo
Envia-me ao caminho menos oportuno
Como um beijo derradeiro inalcançado
Ou a cartada que precede a derrota
Fora de contato, escondo segredos
Que anuncio apenas à minha sombra
E nem mesmo dela guardo confiança
Quantas vezes não me traiu com certezas dúbias?
Serei o penúltimo cavalheiro
Aquele que leva as flores
Mas nunca termina com a dama
Estou fadado às despedidas e prêmios de consolação
Serei então os restos do perdão
Os ossos por trás de qualquer beleza
A segunda-feira, a ressaca, as súplicas
A humilhação, a tristeza, o medo de perder-te
Mas diziam que o amor eleva?
Conheci do paraíso às trevas
E resido na instabilidade sem prescrição
Tão perigosa quanto a própria vida
37. Sem destino
Explode dentro de mim
A necessidade de encontrar-te
Fraco e fértil, eis minha condição
38. Pacífico
28Achados e Perdidos - Bernardo Almeida
Dei as coordenadas
Para que navegasse pelo Pacífico
No entanto, preferistes a rota alternativa
Marcada por tormentas e aflições
Ondas fortes, aventuras e naufrágios
Enquanto brincas, meu peito falece de amor
Estou entre a corda, o medo e a queda
A embarcação ameaça partir
Dessa vez, de vez
Mas sou um teimoso risonho
Medonho e apaixonado
Atracado sem grandes ambições no cais da vida
Desacordado, fui raptado
Viajei pelo tempo através do espaço
Conheci novas formas e dimensões
Fiz contato com outras civilizações
Deixava um rastro por onde passava
A comunicação era telepática
Não se podia esconder intenções
Não se podia esconder pensamentos
Não fui bem recebido em algumas áreas
Por ter nascido no planeta Terra
Muitos o taxavam de agressivo, banal
De evolução lenta, por vezes, retrógrado e negativo
Indaguei sobre o futuro
Não obtive respostas
"Eu sou a resposta", pensei
Fui deportado
E quando retomei esta consciência
O dia ainda não tinha raiado
E não estava cansado
Como se poderia supor
39. Plyocte Rhar
29Achados e Perdidos - Bernardo Almeida
Fui impedido de amar-te pela razão
Esta deformidade fria e obtusa
Que faz com que carregues o peito na cabeça
E anule sentimentos e desejos
Tens medo do inexplicável
E isto é o que faz de ti ser vulnerável
Mesmo com este denso envoltório
Que promove tamanha impermeabilidade sensorial
Queres dinheiro, queres prestígio
Pusestes uma meta limite
E até lá estarás correndo em direção ao precipício
Achando que acharás, enfim, a chave da felicidade
Renegas o abstrato pelo mensurável
Mas um dia a verdade estará ao alcance dos seus belos olhos
Aí, talvez, será tarde para perceber
Que aquilo que ofereço-te é amorfo e infinito
Porém o que buscas, é regrado, insípido e mesquinho
40. Precipício
41. Recolher
Sonhar tornou-se pecado
Deita-te sob a lama que se forma
E conforma, resignação que me traz ânsia
Enojo-me dos seus beijos
Seu hálito é fétido
Diz-me que a vida é assim
Não quero entender seus propósitos
Você não tem alma
E ainda resta-me o direito de manter a minha
30Achados e Perdidos - Bernardo Almeida
Abaixo da terra, sua dignidade
Acima dela, suas futilidades
Faço parte daquilo que foges
Imagens de pedaços de nada
Que juntas sem porquê
No entanto, continuas a recolher
Papéis aos montes
Como um catador de lixo
Abutre mórbido
Comes a carniça
E a vida que conhece e prova
Vem da morte alheia
Seu corpo está deformado
E ainda consegues sentir-se belo
A soberba é a bala que carregas na testa
Se soubesses da minha dor
Falarias de forma suave
Sua voz aguda é uma gafe
Permita-me dizer
Que não mereço tal desprazer
Mesmo assim ainda desejo você
Olhe-me de frente
Estou lhe pedindo perdão
Mas que erro cometi?
Estou me humilhando
Matando sem dó o orgulho
Residente neste ser vaidoso
42. Vira folha
31Achados e Perdidos - Bernardo Almeida
Se soubesses da minha dor
Falarias de forma suave
Sua voz aguda é uma gafe
Permita-me dizer
Que não mereço tal desprazer
Mesmo assim ainda desejo você
Olhe-me de frente
Estou lhe pedindo perdão
Mas que erro cometi?
Estou me humilhando
Matando sem dó o orgulho
Residente neste ser vaidoso
Coloque-se no meu lugar
E deixe os velhos pecados para trás
Vivo em busca de femininos lábios, prazer voraz
Penteie os fios do ciúme tecidos em lã
E não mais traga a sua irmã
Senão desse amor outra vez me apoderarei
Sinto um certo cansaço
Estou opaco, denso e exausto
Por buscar e não encontrar
A sensibilidade do mundo
Mas ao seu lado
Passo a crer que tudo é possível
E desisto de desistir
Mesmo quando dói prosseguir
43. Sensibilidade
32Achados e Perdidos - Bernardo Almeida
33Achados e Perdidos - Bernardo Almeida
Seu brilho me transmite
A esperança que um dia carreguei
Os sonhos que abandonei
E as vitórias que não alcancei
Se sou mil, inconstante
Serei um, em amor
Se fujo demais, ligeiro
Lançarei uma âncora em seu peito
Traga-me o que perdi
Demais não é pedir
A quem não conhece o impossível
E concentra a sensibilidade que o mundo esqueceu
44. Aquele
Não sou do físico e estático degrau
Não sou da terra e do superficial
Sou sim dos sonhos e das ilusões
Sou dos encantos e das paixões
Vagueio simples entre caminhos
Que não levam a lugares concretos
Entre rumos e rumores sigo sincero
Obedecendo à vontades próprias
Sentindo o fogo queimar
Dentro de um peito que ama e relaxa
Que deságua e goza
Não sou das normas cretinas
Não sou das velhas rotinas
Sou mais das estrelas que perambulam em um céu infinito
Sou mais das ruas com seus segredos distintos
Não sou do vento que bate
Sou do ar que acaricia
Não sou do sol que queima
34Achados e Perdidos - Bernardo Almeida
Mas da luz que irradia
Não sou da lua que, por ser de prata
Desperta a ganância dos egos vorazes
Mas sim do seu brilho
Que alimenta paixões e
Estremece corações
45. Descoberta
Hoje não é um dia qualquer
Poderia ser o último
Poderia ser o único
Poderia eu chorar
Sofrer a perda de alguém
Ou clamar por clemência
Mas hoje pode ser uma oportunidade
Nova demais para ser certa
E velha demais se houver demora
Porque tudo é passageiro
Basta estar vivo
Para mudar
De sangue para vinho
Na ceia do pecado
No seio da perdição
Ou no cálice caloroso do amor
Que um dia me visitou
E fez-me descobrir
O que é viver
46. Imperceptível
Era tão bom quando tudo era simples
Percebo que era mais fácil e sincero
Mais louco, intenso e incerto
Hoje vejo todos os meus amigos crescerem
E tenho que aceitar esse fardo na minha vida também
Tento crescer pela metade
Manter o peito aberto
A alma viva
35Achados e Perdidos - Bernardo Almeida
Mas rapidamente percebo
As pessoas já não são as mesmas
Há muita maldade
Salve-se quem puder
Tento agarrar-me em algo
Não posso desesperar-me
Mas tudo o que encontro são paredes longínquas
Tão distantes que o meu braço
Não as consegue alcançar
Olho e fico perdido, atônito
Como se o tempo fosse o mesmo de antes
Como se não tivesse nada a perder
Como se tempo não fosse dinheiro
Tudo está resumido à rentabilidade
Egoísmo e, se deixar
Falta de sensibilidade
Sofro sem limites
Quando percebo as limitações
Que a vida adulta trouxe para o meu coração
Sei que sempre estarei novo demais para lamentar-me
Mas o que fazer se conheci cedo a dor?
Urgentemente preciso descobrir como esse feitiço se desfaz
Estou em lágrimas
Escrevo em prantos
Nem por isso ganho prêmios
Nem por isso magnânimo
Apenas continuo tentando sobreviver ao próximo segundo
Em um mundo que faz de tudo para que você sucumba
Sei das falhas
Mas sei dos acertos
Fiz a pólvora
Hoje sou a explosão
Resultado único de uma tentação
Mau correspondida
Sim, aparento decadente
Mas posso afirmar
Que mesmo em meio à desgraça
Persisto
Apesar de não entender o sentido
Mantenho-me aqui
36Achados e Perdidos - Bernardo Almeida
Eu não nasci para essa vida banal
Uma rotina e um emprego convencional
Isso me soa marasmo
Faz tudo que é belo
Se tornar igual e chato
Nada é mais estático
Do que esse pobre padrão
Que cria a cada dia um novo lunático
Ou um perigoso ladrão
Sou volátil como o álcool que bebo
Sou daqui e dali
Posso querer ser o mar
E, em segundos, desistir
Sou da vida
Sou da natureza
Sou sem pudor
Sou no frio, o calor
Sou do amor
Sou do amor
47. Inadequado
48. Palavra
Uma palavra pode ser proferida
E esquecida com o tempo
Outra pode ser aquecida e sentida
Além da eternidade
Uma palavra pode ser mantida
Pode ser vencida
Pode ser transformada
Pode ser omitida
Pode ser deturpada
Pode ser lembrada
Uma palavra
Afasta o homem da ignorância
Aponta a saída do labirinto
Fantasiosa ou realista
Carrega vida em seu sentido
37Achados e Perdidos - Bernardo Almeida
Uma palavra
Quando lançada
Não tem rumo
Não tem caminho certo
Trilha ao impulso do vento
E na velocidade do pensamento
Segue firme, vaga e veloz
Como uma flecha
Pode destronar uma certeza
E como uma chama
Pode transformar corações em brasa
Uma palavra
Simples e inútil
Pode mudar o mundo
Pode ultrapassar uma crença
Pode desatar nós e preconceitos
Pode vencer uma guerra
Aquela mesma palavra
Esquecida em meio a tantas outras
Na página amarelada de um livro qualquer
Pode ser a salvação
Ou a perdição
Na vida de alguém
Uma simples e imperfeita
Palavra