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A minha alma gira em torno da minha obra literria - boa ou m, que seja, ou que possa ser.
Tudo o mais na vida tem para mim interesse secundrio."
Fernando Pessoa
ndice
Primeira Parte - Braso
I - Os CamposIII - As Quinas Primeiro/ O Dos Castelos Primeira/ D. Duarte, Rei de Portugal Segundo/ O Das Quinas Segunda/ D. Fernando, Infante de Portugal Terceira/ D. Pedro, Regente de PortugalII - Os Castelos Quarta/ D. Joo, Infante de Portugal Primeiro/ Ulisses Quinta/ D. Sebastio, Rei de Portugal Segundo/ Viriato Terceiro/ O Conde D. HenriqueIV - a Coroa Quarto/ D. Tareja Nunlvares Pereira Quinto/ D. Afonso Henriques Sexto/ D. DinisV - O Timbre Stimo (I)/ D. Joo O Primeiro A Cabea Do Grifo/ O Infante D. Henrique Stimo (II)/ D. Filipa De Lencastre Uma Asa Do Grifo/ D. Joo O Segundo A Outra Asa Do Grifo/ Afonso De Albuquerque
Segunda Parte - Mar Portugus
I - O Infante
II - Horizonte III - Padro IV - Mostengo
V - Epitfio De Bartolomeu Dias VI - Os Colombos
VII - Ocidente
VIII - Ferno De Magalhes
IX - Ascenso de Vasco Da Gama X - Mar Portugus
XI - A ltima Nau XII - Prece
Terceira Parte - O Encoberto
I - Os Smbolos
Primeiro/ D. Sebastio
Segundo/ O Quinto Imprio
Terceiro/ O Desejado
Quarto/ As Ilhas Afortunadas
Quinto/ O Encoberto
II - Os Avisos
Primeiro/ O Bandarra
Segundo/ Antnio Vieira
Terceiro
III - Os Tempos
Primeiro/ Noite
Segundo/ Tormenta
Terceiro/Calma
Quarto/ Antemanh
Quinto/ Nevoeiro
PrimeiraParteBraso
I- os campos
Primeiro/ O dos Castelos
Segundo/ O das Quinas
Primeiro / O dos Castelos
A Europa jaz, posta nos cotovelos: De Oriente a Ocidente jaz, fitando, E toldam-lhe romnticos cabelos Olhos gregos, lembrando.
O cotovelo esquerdo recuado;
O direito em ngulo disposto.
Aquele diz Itlia onde pousado;
Este diz Inglaterra onde, afastado,
A mo sustenta, em que se apoia o rosto.
Fita, com olhar esfngico e fatal, Ocidente, futuro do passado.
O rosto com que fita Portugal. 8-12-1928
Segundo/ O das Quinas
Os Deuses vendem quando do. Compra-se a glria com desgraa. Ai dos felizes, porque so S o que passa!
Baste a quem baste o que lhe basta O bastante de lhe bastar!
A vida breve, a alma vasta: Ter tardar.
Foi com desgraa e com vileza Que Deus ao Cristo definiu: Assim o ops Natureza E Filho o ungiu.
08/12/1928
II - Os Castelos
Primeiro/ Ulisses
Segundo/ Viriato
Terceiro/ O conde D. Henrique
Quarto/ D. Tareja
Quinto/ D. Afonso Henriques
Sexto/ D. Dinis
Stimo (I)/ D. Joo o Primeiro
Stimo (II)/ D. Filipa De Lencastre
Primeiro/ Ulisses
O mito o nada que tudo. O mesmo sol que abre os cus um mito brilhante e mudo - O corpo morto de Deus, Vivo e desnudo.
Este, que aqui aportou, Foi por no ser existindo. Sem existir nos bastou. Por no ter vindo foi vindo E nos criou.
Assim a lenda se escorre A entrar na realidade, E a fecund-la decorre. Em baixo, a vida, metade De nada, morre.
Segundo/ Viriato
Se a alma que sente e faz conhece S porque lembra o que esqueceu, Vivemos, raa, porque houvesse Memria em ns do instinto teu.
Nao porque reincarnaste,
Povo porque ressuscitou
Ou tu, ou o de que eras a haste - Assim se Portugal formou.
Teu ser como aquela fria
Luz que precede a madrugada, E j o ir a haver o dia Na antemanh, confuso nada.
22/01/1934
Terceiro/ O Conde D. Henrique
Todo comeo involuntrio.
Deus o agente.
O heri a si assiste, vrio E inconsciente.
espada em tuas mos achada Teu olhar desce.
Que farei eu com esta espada?
Ergueste-a, e fez-se.
Quarto/ D. Tareja
As naes todas so mistrios. Cada uma todo o mundo a ss. me de reis e av de imprios. Vela por ns!
Teu seio augusto amamentou com bruta e natural certeza O que, imprevisto, Deus fadou. Por ele reza!
D tua prece outro destino A quem fadou o instinto teu! O homem que foi o teu menino Envelheceu.
Mas todo vivo eterno infante Onde ests e no h o dia. No antigo seio, vigilante, De novo o cria!
24/09/1928
Quinto/ D. Afonso Henriques
Pai, foste cavaleiro.
Hoje a viglia nossa.
D-nos o exemplo inteiro E a tua inteira fora!
D, contra a hora em que, errada, Novos infiis venam,
A bno como espada, A espada como beno !
Sexto/ D. Dinis
Na noite escreve um seu Cantar de Amigo O plantador de naus a haver,
E ouve um silncio mrmuro consigo:
o rumor dos pinhais que, como um trigo De Imprio, ondulam sem se poder ver.
Arroio, esse cantar, jovem e puro, Busca o oceano por achar;
E a fala dos pinhais, marulho obscuro, o som presente desse mar futuro, a voz da terra ansiando pelo mar.
09/02/1934
Stimo (I)/ D. Joo o Primeiro
O homem e a hora so um s
Quando Deus faz e a histria feita. O mais carne, cujo p
A terra espreita.
Mestre, sem o saber, do Templo Que Portugal foi feito ser,
Que houveste a glria e deste o exemplo De o defender.
Teu nome, eleito em sua fama, , na ara da nossa alma interna, A que repele, eterna chama, A sombra eterna.
12/02/1934
Stimo (II)/ D. Filipa de Lencastre
Que enigma havia em teu seio
Que s gnios concebia?
Que arcanjo teus sonhos veio Velar, maternos, um dia?
Volve a ns teu rosto srio, Princesa do Santo Gral, Humano ventre do Imprio, Madrinha de Portugal!
26/09/1928
III - As Quinas
Primeira/ D. Duarte, Rei De Portugal
Segunda/ D. Fernando, Infante De Portugal
Terceira/ D. Pedro, Regente De Portugal
Quarta/ D. Joo, Infante De Portugal
Quinta/ D. Sebastio, Rei De Portugal
Primeira/ D. Duarte, Rei De Portugal
Meu dever fez-me, como Deus ao mundo.
A regra de ser Rei almou meu ser, Em dia e letra escrupuloso e fundo.
Firme em minha tristeza, tal vivi.
Cumpri contra o Destino o meu dever. Inutilmente? No, porque o cumpri.
26/09/1928
Segunda/ D. Fernando, Infante De Portugal
Deu-me Deus o seu gldio, por que eu faa
A sua santa guerra.
Sagrou-me seu em honra e em desgraa, s horas em que um frio vento passa Por sobre a fria terra.
Ps-me as mos sobre os ombros e doirou-me A fronte com um olhar;
E essa febre de Alm, que me consome, E este querer grandeza so seu nome dentro de mim a vibrar.
E eu vou, e a luz do gldio erguido d Em minha face clara.
Cheio de Deus, no temo o que vir, pois, venha o que vier, nunca ser Maior do que a minha alma.
21/07/1913
Terceira/ D. Pedro, Regente De Portugal
Claro em pensar, e claro no sentir,
E claro no querer;
Indiferente ao que h em conseguir Que seja s obter;
Dplice dono, sem me dividir, De dever e de ser -
No me podia a Sorte dar guarida Por no ser eu dos seus.
Assim vivi, assim morri, a vida, Calmo sob mudos cus,
Fiel palavra dada e ideia tida. Tudo o mais com Deus!
15/02/193
Quarta/ D. Joo, Infante De Portugal
No fui algum. Minha alma estava estreita
Entre to grandes almas minhas pares, Inutilmente eleita,
Virgemmente parada;
Porque do portugus, pai de amplos mares, Querer , poder s isto:
O inteiro mar, ou a orla v desfeita - O todo, ou o seu nada.
28/03/1930
Quinta/ D. Sebastio, Rei De Portugal
Louco, sim, louco, porque quis grandeza
Qual a Sorte a no d.
No coube em mim minha certeza; Por isso onde o areal est
Ficou meu ser que houve, no o que h.
Minha loucura, outros que me a tomem Com o que nela ia.
Sem a loucura que o homem Mais que a besta sadia, Cadver adiado que procria?
20/02/1933
Iv - A Coroa
Nunlvares Pereira
Nunlvares Pereira
Que aurola te cerca?
a espada que, volteando. Faz que o ar alto perca Seu azul negro e brando.
Mas que espada que, erguida, Faz esse halo no cu?
Excalibur, a ungida, Que o Rei Artur te deu.
'Sperana consumada,
S. Portugal em ser,
Ergue a luz da tua espada Para a estrada se ver!
08/12/1928
V - o Timbre
A cabea do Grifo/ O Infante D. Henrique
Uma asa do Grifo/ D. Joo o Segundo
A outra asa do Grifo/ Afonso De Albuquerque
A cabea do Grifo/ O Infante D. Henrique
Em seu trono entre o brilho das esferas,
Com seu manto de noite e solido,
Tem aos ps o mar novo e as mortas eras - O nico imperador que tem, deveras, O globo mundo em sua mo.
26/09/1928
Uma asa do Grifo/ D. Joo o Segundo
Braos cruzados, fita alm do mar.
Parece em promontrio uma alta serra - O limite da terra a dominar
O mar que possa haver alm da terra.
Seu formidvel vulto solitrio
Enche de estar presente o mar e o cu, E parece temer o mundo vrio
Que ele abra os braos e lhe rasgue o vu.
26/09/1928
A outra asa do Grifo/ Afonso De Albuquerque
De p, sobre os pases conquistados
Desce os olhos cansados
De ver o mundo e a injustia e a sorte. No pensa em vida ou morte, To poderoso que no quer o quanto Pode, que o querer tanto
Calcara mais do que o submisso mundo Sob o seu passo fundo.
Trs imprios do cho lhe a Sorte apanha. Criou-os como quem desdenha.
26/09/1928
Segunda Parte
Mar
Portugus
I - O Infante
II - Horizonte
III - Padro
IV - O Mostrengo
V - Epitfio De Bartolomeu Dias
VI - Os Colombos
VII - Ocidente
VIII - Ferno De Magalhes
IX - Ascenso de Vasco Da Gama
X - Mar Portugus
XI - A Ultima Nau
XII - Prece
I- O Infante
Deus quer, o homem sonha, a obra nasce. Deus quis que a terra fosse toda uma, Que o mar unisse, j no separasse. Sagrou-te, e foste desvendando a espuma. E a orla branca foi de ilha em continente, Clareou, correndo, at ao fim do mundo, E viu-se a terra inteira, de repente. Surgir, redonda, do azul profundo.
Quem te sagrou criou-te portugus.
Do mar e ns em ti nos deu sinal.
Cumpriu-se o Mar, e o imprio se desfez. Senhor, falta cumprir-se Portugal!
II - Horizonte
mar anterior a ns, teus medos Tinham coral e praias e arvoredos. Desvendadas a noite e a cerrao, As tormentas passadas e o mistrio, Abria em flor o Longe, e o Sul sidrio Splendia sobre as naus da iniciao.
Linha severa da longnqua costa -
Quando a nau se aproxima ergue-se a encosta Em rvores onde o Longe nada tinha; Mais perto, abre-se a terra em sons e cores; E, no desembarcar, h aves. Flores, Onde era s, de longe a abstracta linha. O sonho ver as formas invisveis Da distncia imprecisa, e, com sensveis Movimentos da esperana e da vontade, Buscar na linha fria do horizonte A rvore, a praia, a flor, a ave, a fonte - Os beijos merecidos da Verdade
III - Padro
O esforo grande e o homem pequeno. Eu, Diogo Co, navegador, deixei Este padro ao p do areal moreno E para diante naveguei.
A alma divina e a obra imperfeita.
Este padro sinala ao vento e aos cus
Que, da obra ousada, minha a parte feita: O por-fazer s com Deus.
E ao imenso e possvel oceano
Ensinam estas Quinas, que aqui vs,
Que o mar com fim ser grego ou romano: O mar sem fim portugus.
E a cruz ao alto diz que o que me h na alma E faz a febre em mim da navegar
S encontrar de Deus na eterna calma O porto sempre por achar.
13/09/1918
IV - O Mostrengo
O mostrengo que est no fim do mar Na noite de breu ergueu-se a voar; roda da nau voou trs vezes, Voou trs vezes a chiar, E disse, Quem ousou entrar
Nas minhas cavernas que no desvendo, Meus tectos negros do fim do mundo? E o homem do leme disse, tremendo, El - Rei D. Joo Segundo!
De quem so as velas onde me roo?
De quem as quilhas que vejo e ouo?
Disse o mostrengo, e rodou trs vezes,
Trs vezes rodou imundo e grosso,
Quem vem poder o que s eu posso,
Que eu moro onde nunca ningum me visse E escorro os medos do mar sem fundo? E o homem do leme tremeu, e disse, El - Rei D. Joo Segundo!
Trs vezes do leme as mos ergueu,
Trs vezes ao leme as reprendeu,
E disse no fim de tremer trs vezes,
Aqui ao leme sou mais do que eu:
Sou um Povo que quer o mar que teu;
E mais que o mostrengo, que me a alma teme E roda nas trevas do fim do mundo, Manda a vontade, que me ata ao leme, De El - Rei D. Joo Segundo !
09/09/1918
V - Epitfio de Bartolomeu Dias
Jaz aqui, na pequena praia extrema,
O Capito do Fim. Dobrado o Assombro, O mar o mesmo: j ningum o tema! Atlas, mostra o alto do mundo no seu
ombro.
VI - Os Colombos
Outros havero de ter
O que houvermos de perder. Outros podero achar O que, no nosso encontrar, Foi achado, ou no achado, Segundo o destino dado.
Mas o que a eles no toca a magia que evoca
O Longe e faz dele histria. E por isso a sua glria justa aurola dada Por uma luz emprestada,
02/04/1934
VII - Ocidente
Com duas mos - o Acto e o Destino - Desvendmos. No mesmo gesto, ao cu Uma ergue o facho trmulo e divino E a outra afasta o vu.
Fosse a hora que haver ou a que havia A mo que ao Ocidente o vu rasgou, Foi alma a Cincia e corpo a Ousadia Da mo que desvendou.
Fosse Acaso, ou Vontade, ou Temporal A mo que ergueu o facho que luziu, Foi Deus a alma e o corpo de Portugal Da mo que o conduziu.
VIII - Ferno De Magalhes
No vale clareia uma fogueira.
Uma dana sacode a terra inteira. E sombras disformes e descompostas Em clares negros do vale vo Subitamente pelas encostas, Indo perder-se na escurido.
De quem a dana que a noite aterra? So os tits, os filhos da Terra, Que danam da morte do marinheiro Que quis cingir o materno vulto - Cingi-lo, dos homens, o primeiro _ , Na praia ao longe por fim sepulto.
Danam, nem sabem que a alma ousada Do morto ainda comanda a armada, Pulso sem corpo ao leme a guiar As naus no resto do fim do espao: Que at ausente soube cercar A terra inteira com seu abrao.
Violou a Terra. Mas eles no
O sabem, e danam na solido;
E sombras disformes e descompostas, Indo perder-se nos horizontes, Galgam do vale pelas encostas Dos mudos montes.
IX - Ascenso De Vasco Da Gama
Os Deuses da tormenta e os gigantes da terra
Suspendem de repente o dio da sua guerra
E pasmam. Pelo vale onde se ascende aos cus
Surge um silncio, e vai, da nvoa ondeando os vus, Primeiro um movimento e depois um assombro. Ladeiam-o, ao durar, os medos, ombro a ombro, E ao longe o rasto ruge em nuvens e clares.
Em baixo, onde a terra , o pastor gela, e a flauta Cai-lhe, e em extase v, luz de mil troves, O cu abrir o abismo alma do Argonauta. 10/01/1922
X - Mar Portugus
mar salgado, quanto do teu sal So lgrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mes choraram, Quantos filhos em vo rezaram! Quantas noivas ficaram por casar Para que fosses nosso, mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena Se a alma no pequena.
Quem quer passar alm do Bojador Tem que passar alm da dor. Deus ao mar o perigo e o abismo deu, Mas nele que espelhou o cu.
XI - A ltima Nau
Levando a bordo El - Rei D. Sebastio, E erguendo, como um nome, alto o pendo Do Imprio,
Foi-se a ltima nau, ao sol aziago
Erma, e entre choros da nsia e de pressago Mistrio.
No voltou mais. A que ilha indescoberta Aportou? Voltar da sorte incerta Que teve?
Deus guarda o corpo e a forma do futuro, Mas Sua luz projecta-o, sonho escuro E breve.
Ah, quanto mais ao povo a alma falta, Mais a minha alma atlntica se exalta E entorna,
E em mim, num mar que no tem tempo ou spao, Vejo entre a cerrao teu vulto bao
Que torna.
No sei, mas sei que h a hora,
Demore-a Deus, chama-lhe a alma embora Mistrio
Surges ao sol em mim, e a nvoa finda: A mesma, e trazes o pendo ainda Do Imprio.
XII - Prece
Senhor, a noite veio e a alma vil. Tanta foi a tormenta e a vontade! Restam -nos hoje, no silncio hostil, O mar universal e a saudade.
Mas a chama, que a vida em ns criou, Se ainda h vida ainda no finda. O frio morto em cinzas a ocultou: A mo do vento pode ergu-la ainda.
D o sopro, a aragem - ou desgraa ou nsia -, Com que a chama do esforo se remoa, E outra vez conquistaremos a Distncia - Do mar ou outra, mas que seja nossa!
31/12/1921 - 01/01/1322
TerceiraParteO Encoberto
I - Os Smbolos
Primeiro/ D. Sebastio
Segundo/ O Quinto Imprio
Terceiro/ O Desejado
Quarto/ As Ilhas Afortunadas
Quinto/ O Encoberto
Primeiro/ D. Sebastio
Sperai! Ca no areal e na hora adversa Que Deus concede aos seus
Para o intervalo em que esteja a alma imersa Em sonhos que so Deus.
Que importa o areal e a morte e a desventura Se com Deus me guardei?
O que eu me sonhei que eterno dura Esse que regressarei.
Segundo/ O Quinto Imprio
Triste de quem vive em casa,
Contente com o seu lar,
Sem que um sonho, no erguer de asa Faa at mais rubra a brasa Da lareira a abandonar!
Triste de quem feliz! Vive porque a vida dura. Nada na alma lhe diz Mais que a lio da raiz -
Ter por vida a sepultura.
Eras sobre eras se somem No tempo que em eras vem. Ser descontente ser homem. Que as foras cegas se domem Pela viso que a alma tem!
E assim, passados os quatro Tempos do ser que sonhou, A terra ser teatro
Do dia claro, que no atro Da erma noite comeou.
Grcia, Roma, Cristandade, Europa - os quatro se vo Para onde vai toda idade. Quem vem viver a verdade Que morreu D. Sebastio?
21/02/1933
Terceiro/ O Desejado
Onde quer que, entre sombras e dizeres, Jazas, remoto, sente-se sonhado, E ergue-te do fundo de no-seres Para teu novo fado!
Vem, Galaaz com ptria, erguer de novo, Mas j no auge da suprema prova, A alma penitente do teu povo Eucaristia Nova.
Mestre da Paz, ergue teu gldio ungido, Excalibur do Fim, em jeito tal Que sua Luz ao mundo dividido Revele o Santo Gral!
Quarto/ As Ilhas Afortunadas
Que voz vem no som das ondas
Que no a voz do mar?
E a voz de algum que nos fala, Mas que, se escutarmos, cala, Por ter havido escutar.
E s se, meio dormindo,
Sem saber de ouvir ouvimos Que ela nos diz a esperana A que, como uma criana Dormente, a dormir sorrimos.
So ilhas afortunadas So terras sem ter lugar, Onde o Rei mora esperando. Mas, se vamos despertando, Cala a voz, e h s o mar.
26/03/1934
Quinto/ O Encoberto
Que smbolo fecundo
Vem na aurora ansiosa?
Na Cruz Morta do Mundo A Vida, que a Rosa.
Que smbolo divino Traz o dia j visto?
Na Cruz, que o Destino, A Rosa que o Cristo.
Que smbolo final
Mostra o sol j desperto? Na Cruz morta e fatal A Rosa do Encoberto.
21/02/1933 - 11/02/1934
II - Os Avisos
Primeiro/ O Bandarra
Segundo/ Antnio Vieira
Terceiro
Primeiro/ O Bandarra
Sonhava, annimo e disperso,
O Imprio por Deus mesmo visto, Confuso como o Universo E plebeu como Jesus Cristo.
No foi nem santo nem heri, Mas Deus sagrou com Seu sinal Este, cujo corao foi
No portugus, mas Portugal.
28/03/1930
Segundo/ Antnio Vieira
O cu strela o azul e tem grandeza. Este, que teve a fama e glria tem, Imperador da lngua portuguesa, Foi-nos um cu tambm.
No imenso espao seu de meditar, Constelado de forma e de viso, Surge, prenncio claro do luar, El-Rei D. Sebastio.
Mas no, luar: luz do etreo.
um dia; e, no cu amplo de desejo, A madrugada irreal do Quinto Imprio Doira as margens do Tejo.
31/07/1929
Terceiro
Screvo meu livro beira-mgoa. Meu corao no tem que ter. Tenho meus olhos quentes de gua. S tu, Senhor, me ds viver.
S te sentir e te pensar
Meus dias vcuos enche e doura. Mas quando querers voltar? Quando o Rei? Quando a Hora?
Quando virs a ser o Cristo
De a quem morreu o falso Deus, E a despertas do mal que existo A Nova Terra e os Novos Cus?
Quando virs, Encoberto, Sonho das eras portugus,
Tornar-me mais que o sopro incerto De um grande anseio que Deus fez?
Ah, quando querers voltando, Fazer minha esperana amor? Da nvoa e da saudade quando? Quando, meu Sonho e meu Senhor?
10/12/1928
III - Os Tempos
Primeiro/ noite
Segundo/ Tormenta
Terceiro/ calma
Quarto/Antemanh
Quinto/ nevoeiro
Primeiro/ Noite
A nau de um deles tinha-se perdido No mar indefinido.
O segundo pediu licena ao Rei De, na f e na lei
Da descoberta, ir em procura
Do irmo no mar sem fim e a nvoa escura.
Tempo foi. Nem primeiro nem segundo Volveu do fim profundo
Do mar ignoto ptria por quem dera O enigma que fizera.
Ento o terceiro a El-Rei rogou
Licena de os buscar, e El-Rei negou.
*
Como a um cativo, o ouvem a passar Os servos do solar.
E, quando o vem, vem a figura Da febre e da amargura,
Com fixos olhos rasos de nsia
Fitando a proibida azul distncia.
*
ContDi
Senhor, os dois irmos do nosso Nome - O Poder e o Renome -
Ambos se foram pelo mar da idade tua eternidade;
E com eles de ns se foi
O que faz a alma poder ser de heri.
Queremos ir busc-los, desta vil Nossa priso servil:
a busca de quem somos, na distncia De ns; e, em febre de nsia,
A Deus as mos alamos.
Mas Deus no d licena que partamos.
Segundo/ Tormenta
Que jaz no abismo sob o mar que se ergue? Ns, Portugal, o poder ser.
Que inquietao do fundo nos soergue? O desejar poder querer.
Isto, e o mistrio de que a noite o fausto... Mas sbito, onde o vento ruge,
O relmpago, farol de Deus, um hausto Brilha e o mar scuro struge.
26/02/1934
Terceiro/ Calma
Que costa que as ondas contam E se no pode encontrar
Por mais naus que haja no mar? O que que as ondas encontram E nunca se v surgindo? Este som de o mar praiar Onde que est existindo?
Ilha prxima e remota, Que nos ouvidos persiste, Para a vista no existe.
Que nau, que armada, que frota Pode encontrar o caminho praia onde o mar insiste, Se vista o mar sozinho?
Haver rasges no espao Que dem para outro lado, E que, um deles encontrado, Aqui, onde h s sargao, Surja uma ilha velada, O pas afortunado
Que guarda o Rei desterrado Em sua vida encantada?
15/02/1934
Quarto/ Antemanh
O mostrengo que est no fim do mar Veio das trevas a procurar
A madrugada do novo dia, Do novo dia sem acabar;
E disse, Quem que dorme a lembrar Que desvendou o Segundo Mundo Nem o Terceiro quer desvendar?
E o som na treva de ele rodar
Faz mau o sono, triste o sonhar, Rodou e foi-se o mostrengo servo Que seu senhor veio aqui buscar. Que veio aqui seu senhor chamar- Chamar Aquele que est dormindo E foi outrora Senhor do Mar.
08/07/1933
Quinto/ Nevoeiro
Nem rei nem lei, nem paz nem guerra, Define com perfil e ser
Este fulgor bao da terra
Que Portugal a entristecer-
Brilho sem luz e sem arder,
Como o que o fogo-ftuo encerra.
Ningum sabe que coisa quer. Ningum conhece que alma tem, Nem o que mal nem o que bem. (Que nsia distante perto chora?) Tudo incerto e derradeiro. Tudo disperso, nada inteiro. Portugal, hoje s nevoeiro...
a Hora!
Valete, Frates.10/12/1928
Biografia do autor
1888: Nasce Fernando Antnio NogueiraPessoa, em Lisboa.1893: Perde o pai.1895: A me casa-se com o comandanteJoo Miguel Rosa. Partem para Durban,frica do Sul.1904: Recebe o Prmio Queen MemorialVictoria, pelo ensaio apresentado no examede admisso Universidade do Cabo daBoa Esperana.1905: Regressa sozinho a Lisboa.1912: Estreia-se na Revista guia.1915: Funda, com alguns amigos, a revistaOrpheu.1918/21: Publicao dos English Poems.1925: Morre a me do poeta.1934: Publica Mensagem.1935: Morre de complicaes hepticas emLisboa