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2. Complexos Modelo com Ligandos N-heterocíclicos
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2. Complexos Modelo
com Ligandos N-heterocíclicos
2. Complexos Modelo com Ligandos N-heterocíclicos
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2.1. Introdução
Como mencionado brevemente no capítulo introdutório, os ligandos do tipo pirazolo-
diamina (pz*NN) actuam como agentes quelantes tridentados que estabilizam de modo eficiente
a unidade fac-[M(CO)3]+ (M = Re, 99mTc).75-77 Além disso, pela sua natureza, este tipo de
ligandos permite uma funcionalização versátil com uma grande variedade de biomoléculas,
como exemplificado na figura 2.1, tendo sido já explorados para acoplar a unidade fac-
[M(CO)3]+ (M = Re, 99mTc) a péptidos biologicamente activos (ex. análogos da bombesina e
péptidos com a sequência Arg-Gly-Asp (RGD)) com afinidade para receptores sobreexpressos
em células tumorais. Os complexos resultantes foram obtidos com elevada actividade
especifica, são resistentes à reoxidação e/ou transquelação in vivo e nalguns casos apresentaram
um comportamento biológico favorável, em termos da biodistribuição e farmacocinética, em
modelos animais com tumores induzidos.77, 88, 89 Assim, os ligandos pirazolo-diamina surgiram
como óptimos candidatos para estabilizar complexos catiónicos de Re(I)/99mTc(I) dirigidos ao
núcleo de células tumorais, como era objectivo deste trabalho, tendo sido utilizados para
funcionalização com fragmentos com afinidade para o DNA, como se verá no capítulo seguinte.
NN
M
COCOCOR
R NH
NH2
BM
BM
Figura 2.1 – Diferentes possibilidades de funcionalização com biomoléculas (BM) de complexos do tipo
fac-[M(CO)3(pz*NN)]�(M = Re, 99mTc).
Neste trabalho também se pretendiam preparar dioxocomplexos catiónicos de
Re(V)/99mTc(V) funcionalizados com fragmentos com afinidade para o DNA, esperando-se
dessa forma avaliar o efeito da presença de centros metálicos com diferente polaridade (trans-
[O=M=O]+ vs fac-[M(CO)3]+) na afinidade e modo de interacção dos compostos com o DNA.
Decidiu-se utilizar ligandos tetradentados do tipo pirazolo-triamina (pz*NNN) para estabilizar a
unidade trans-[O=M=O]+ (M = Re, 99mTc), tendo em conta o comportamento favorável dos
congéneres tridentados pz*NN já explorados no Grupo de Química Inorgânica e
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Radiofarmacêutica (QIR) do ITN. A escolha dos ligandos pirazolo-triamina para estabilizar a
unidade trans-[O=M=O]+ (M = Re, 99mTc) teve ainda em consideração a capacidade bem
documentada dos derivados de pirazolo para estabilizar oxocomplexos de Re(V) ou Tc(V). No
entanto, importa referir que quando se iniciou o trabalho que deu origem a esta tese, a maior
parte dos compostos deste tipo descritos na literatura se apresentavam estabilizados por ligandos
com carácter tridentado e tripodal (figura 2.2).90 - 94
NN
NN
NN
Cl
Cl
NN
NN
NN
Cl
Cl
O
HC
Re
+
NN
NN
Cl
Cl
O
M = Tc, Re
M
B
O
H
O
HC
Re
O
Figura 2.2 – Exemplos representativos de oxocomplexos de M(V) (M = Re, Tc) com ligandos tripodais
contendo pirazolo como grupo coordenante.90-92
As tetraminas lineares revelaram-se nos últimos anos ligandos bifuncionais muito
eficientes para marcar péptidos com a unidade trans-[O=99mTc=O]+ (figura 2.3), tendo
conduzido a metalo-péptidos com comportamento biológico muito favorável que nalguns casos
entraram em ensaios clínicos como radiofármacos para diagnóstico de tumores.95 – 97
Figura 2.3 – Estrutura de um dioxocomplexo de 99mTc(V) estabilizado com uma tetramina linear
funcionalizada com octreótido, um péptido análogo da somatostina.
Os resultados promissores descritos na literatura para dioxocomplexos de 99mTc(V) com
tetraminas lineares levaram-nos a considerar que a combinação do pirazolo com aminas
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alifáticas deveria conduzir a ligandos tetradentados do tipo pz*NNN adequados para estabilizar
a unidade trans-[O=M=O]+ (M = Re, 99mTc) (figura 2.4a). Esperava-se que a presença do anel
N-hereocíclico conferisse maior rigidez aos complexos e, consequentemente, contribuísse para
aumentar a sua estabilidade cinética e termodinâmica.
Tanto para os ligandos tridentados (pz*NN) como para os ligandos tetradentados
(pz*NNN) contendo pirazolo como função coordenante comum, pretendia-se ainda avaliar o
efeito da substituição das aminas alifáticas por grupos tioéteres (ligandos pz*SS e pz*SSS, ver
figura 2.4) na afinidade e modo de interacção dos complexos com o DNA. As funções amina
apresentam uma maior capacidade para estabelecer pontes de hidrogénio e ligações
electrostáticas com os grupos polares presentes nas biomoléculas que existem na célula,10 sendo
portanto de esperar que a sua presença contribuísse para incrementar a afinidade para o DNA.
Os átomos de enxofre podem aumentar a lipofilia das moléculas que os incorporam, facilitando
a respectiva entrada na célula por transporte passivo, pelo que a sua presença poderia facilitar a
chegada dos complexos de Re e Tc ao núcleo das células como se pretendia no projecto que deu
origem a esta tese. Como proposto na figura 2.4, esperava-se que os ligandos pz*SS e pz*SSS
pudessem estabilizar, respectivamente, complexos de Re(I)/99mTc(I) e Re(V)/99mTc(V), análogos
aos complexos com os ligandos congéneres do tipo pz*NN e pz*NNN. Ao alargar o nosso
estudo a ligandos contendo tioéteres como grupos coordenantes tivemos em conta que o Re e o
Tc têm grande afinidade para doadores de enxofre, sendo conhecidos complexos destes metais
de transição com tioéteres nos estados de oxidação M(I) e M(V).98 - 106
Figura 2.4 – Complexos modelo de M(V) com ligandos pz*NNN (a) e pz*SSS (b); complexos modelo de
M(I) com ligandos pz*SS (c).
Neste capítulo descreve-se a síntese e caracterização de novos ligandos potencialmente
tetradentados do tipo pz*NNN e pz*SSS e potencialmente tridentados do tipo pz*SS, avaliando-
M
OR
NN
NHNH2
NH
R
R'
O
M
OR
NN
SSR''
S
R
R'
O
+ +
R
N
N M
CO
S
OC CO
SR''
R
R'
+
a) pz*NNN b) pz*SSS c) pz*SS
M = Re, 99mTc
2. Complexos Modelo com Ligandos N-heterocíclicos
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se ainda a sua capacidade de coordenação face a centros metálicos de M(V) e M(I) (M = Re, 99mTc). Com este estudo pretendia-se verificar se este tipo de ligandos permitia estabilizar,
respectivamente, complexos modelo contendo as unidades trans-[O=M=O]+ e fac-[M(CO)3]+
(figura 2.4) que apresentassem os requisitos necessários para posterior funcionalização com
fragmentos com afinidade para o DNA.
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2.2. Síntese e Caracterização de Ligandos Tetradentados
N-heterocíclicos e Estudo da sua Química de Coordenação em Centros
Metálicos de Re(V)
2.2.1. Síntese de Ligandos Tetradentados N-heterociclicos
Ligando do tipo pz*NNN
A síntese do ligando potencialmente tetradentado do tipo pz*NNN foi efectuada por
reacção de um derivado 2-tosiletilpirazolo com excesso da triamina adequada, uma metodologia
já explorada por Alves S. et al. na preparação dos congéneres tridentados pz*NN.75 Como
indicado no esquema 2.1, a reacção de N-(2-p-toluenosulfoniletil)-3,5-dimetil-1H-pirazolo (b)
com um grande excesso de dietilenotriamina (dien) permitiu obter o ligando pretendido 3,5-
Me2pzNNN (L1). A síntese do intermediário b foi realizada por tosilação do correspondente 2-
hidroxietilpirazolo, de acordo com métodos descritos na literatura.107,108
NN OTos
O O
NN OH
NH2 NH
OH
NN N
NH2
NH2
NN NH
NH
NH2
L1
SO
OCl
i ii
iii
+
a b
dien (20:1)
c
Esquema 2.1 - Síntese do ligando L1 por reacção do precursor tosilado com excesso de dien: i) EtOH,
1h, t.a.; ii) acetona, H2O, NaOH, 1h, t.a.; iii) refluxo, 4h
Na via de síntese apresentada no esquema 2.1, utilizou-se excesso de dien com o
objectivo de minimizar a probabilidade de ocorrer a alquilação simultânea dos diferentes átomos
de azoto da dietilenotriamina e a alquilação sucessiva das aminas primárias já que as aminas
L1
2. Complexos Modelo com Ligandos N-heterocíclicos
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secundárias apresentam em geral um carácter nucleofílico superior ao das correspondentes
aminas primárias.109 Através desta via de síntese o composto L1 foi obtido com um rendimento
de 48%, após purificação por cromatografia em coluna. Este rendimento relativamente baixo
deve-se em parte à formação do composto c, resultante da alquilação da amina central da dien.
Para evitar a formação deste composto secundário e obter L1 com um rendimento global mais
favorável, explorou-se alternativamente a via de síntese representada no esquema 2.2. Esta via
de síntese alternativa envolveu a prévia preparação do intermediário
H2N(CH)2N(BOC)(CH2)2NHBOC (f) que apresenta uma das aminas terminais e a amina central
protegidas com terc-butiloxicarbonilo (BOC). O estudo desta via de síntese foi ainda motivado
pela possibilidade de utilizar selectivamente a função amina não protegida do composto g para
posterior derivatização com biomoléculas e/ou com fragmentos com afinidade para o DNA.
NH
NH22HN NH
NH2HNC(O)CF3
NH N NHCOCF3
NH N NH2
NN NH
N NH
NN OTos
NN NH
NH
NH2
v
CF3COOEt (BOC)2O
BOC BOC
BOC
i
iii
BOC
ii
BOC BOC iv
de
f
g
b
L1
Esquema 2.2 - Síntese do ligando L1 por reacção do precursor tosilado com dien protegida com BOC i)
CH2Cl2 seco, < 0ºC, 2h.; t.a., 1h.30min.; ii) CH2Cl2, t.a., 24h; iii) MeOH/H2O, K2CO3, refluxo, 2h,
pH=13; iv) refluxo, 24h; v) CH2Cl2, TFA, t.a., 2h.
A síntese da dien protegida com BOC (composto f) foi efectuada utilizando métodos
descritos na literatura, mas introduzindo algumas alterações.110,111 Como indicado no esquema
2.2, essa protecção envolveu a formação inicial de um derivado trifluoroacetamida (composto
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d), obtido por reacção de umas das aminas primárias com trifluoracetato de etilo mediante
controlo da temperatura e da estequiometria. A reacção do composto d com di-terc-butil-
dicarbonato permitiu introduzir dois grupos protectores BOC como pretendido, com formação
do composto e; a hidrólise básica da função trifluoracetamida deste composto conduziu à
obtenção do intermediário f que apresenta uma única função amina terminal não protegida. A
reacção de f com N-(2-p-toluenosulfoniletil)-3,5-dimetil-1H-pirazolo (b), utilizando quantidades
equimolares dos reagentes, permitiu obter um precursor protegido do ligando L1 (composto g).
A reacção dos compostos b e f é acompanhada pela formação de produtos secundários, o que
explica que o composto g tenha sido isolado com um rendimento relativamente baixo (31%)
após purificação por cromatografia em coluna. Finalmente, a remoção dos grupos BOC do
composto g por reacção com TFA permitiu obter L1 de forma praticamente quantitativa. A
recuperação de L1 foi relativamente simples e envolveu a neutralização da mistura reaccional,
seguida da remoção do solvente sob vácuo e extracção de L1 com metanol. No entanto, o
rendimento global com que se obteve L1 por esta via de síntese não foi superior ao rendimento
da síntese efectuada por reacção directa com dien em excesso, na forma não protegida.
O composto L1 é um óleo amarelo, solúvel em água e nos solventes orgânicos polares
mais comuns, cuja caracterização foi efectuada por RMN de 1H e 13C (figura 2.5).
Os dados de RMN obtidos para L1 confirmaram a presença de um fragmento N-
etilpirazolo acoplado a uma cadeia alifática do tipo dietilenotriamina (dien). A presença do anel
de pirazolilo foi confirmada pela observação no espectro de RMN de 1H de um singuleto a 5.83
ppm devido ao protão H(4) e de dois singuletos a campo mais alto (2.14 e 2.18 ppm) devidos
aos grupos metilo nas posições 3 e 5 do mesmo anel. O espectro de RMN de 1H de L1 mostrou
ainda a presença de ressonâncias devidas aos 12 protões metilénicos da cadeia alifática. Como
pode ser constatado no espectro apresentado na figura 2.5, as ressonâncias devidas aos quatros
grupos CH2 da cadeia terminal do tipo dien apresentam-se ocasionalmente sobrepostas entre
2.67 e 2.77 ppm. Pelo contrário, os protões CH2 da cadeia etilénica que liga o anel de pirazolilo
ao fragmento dien originam dois tripletos, bem individualizados, a 4.08 e 2.97 ppm. O tripleto
que aparece a campo mais baixo corresponde aos protões CH2 adjacentes ao anel de pirazolilo.
A maior blindagem destes protões CH2 reflecte o carácter electroatractor do anel aromático e a
sua atribuição foi facilitada pela comparação com os desvios químicos dos protões
correspondentes de ligandos tridentados similares do tipo pz*NN.75
2. Complexos Modelo com Ligandos N-heterocíclicos
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Figura 2.5 - Espectros de RMN de 1H e de 13C do ligando 3,5-Me2pzNNN (L1) em CD3OD e CDCl3,
respectivamente.
O espectro de RMN de 13C obtido para L1 também é compatível com a formulação
proposta para o composto, mostrando a presença de três ressonâncias na região aromática
(104.8-147.4 ppm) para os átomos de carbono do anel de pirazolilo e duas ressonâncias a campo
mais alto (11.0 e 13.4 ppm) devidas aos respectivos grupos CH3 nas posições 3 e 5. Os carbonos
metilénicos da cadeia alifática originam cinco sinais entre 41.3 e 51.6 ppm, devido à
sobreposição ocasional de dois desses sinais a 48.1 ppm.
NN NH
NH
NH2
a b c d e f
L1
3 5
4
CH3
H(4)-pz
CH3
CH2
(a)
CD3OD
CH2
(b)
4 CH2
(c+d+e+f) H2O
C(4)-pz
CDCl3
CH2
C(3/5)-pz
CH3 CH3
2. Complexos Modelo com Ligandos N-heterocíclicos
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Ligando do tipo pz*SSS
Por razões de estratégia de síntese e perspectivando uma posterior funcionalização com
intercaladores, estudou-se a possibilidade de preparar um ligando do tipo pz*SSS contendo uma
função éster terminal: 3,5-Me2pzSSS-CH2CO2Et (L2). Como indicado no esquema 2.3, na
síntese de L2 partiu-se do precursor tosilado b já utilizado na síntese de L1. A reacção do
precursor b com 2-mercaptoetanol permitiu obter o intermediário 3,5-Me2pz(CH2)2S(CH2)2OH
(h), utilizando metodologias descritas na literatura.112 A reacção do composto h com PBr3
conduziu à síntese de um derivado bromado (composto i) que foi utilizado na síntese do ligando
final (L2) por reacção com HS(CH2)2SCH2CO2Et (j).
Esquema 2.3 - Síntese do ligando L2: i) H2O, NaOH, THF, refluxo, 3h.; ii) CHCl3, refluxo, 24h.,
NaHCO3 ; iii) MeOH, Et3N, sob N2, 24h.; iv) NaOEt, 1 noite, t.a.
A síntese do intermediário HS(CH2)2SCH2CO2Et (j) foi efectuada por reacção de 2-
mercaptoacetato de etilo com sulfureto de etilo na presença de trietilamina, de modo a aumentar
NN O S
O
O
SH OH
NN S OH
NN S Br
HS S CO2Et
HSCO2Et
S
NN S S S CO2Et
i
iiPBr3
iiiiv
L2
b
h
i
j
2. Complexos Modelo com Ligandos N-heterocíclicos
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o carácter nucleofílico do enxofre e a tornar mais eficiente a abertura do anel. A reacção do
composto j com etóxido de sódio levou à formação do respectivo tiolato que reagiu em seguida
em etanol com o composto i, deslocando o brometo e levando à formação do ligando final L2
(esquema 2.3). Após remoção do solvente reaccional, o composto L2 foi recuperado com um
rendimento relativamente baixo (17 %) por extracção com clorofórmio, seguida de lavagem
com água e posterior evaporação da fase orgânica. L2 é um óleo amarelo claro que é solúvel nos
solventes orgânicos usuais mas que, ao contrário de L1, é insolúvel em água. A caracterização
de L1 foi efectuada unicamente por RMN de 1H (figura 2.6).
Figura 2.6 - Espectro de RMN de 1H de 3,5-MepzSSSCH2CO2Et (L2) em CD3OD
Como se pode observar na figura 2.6, o espectro de RMN de 1H obtido para L2 é
compatível com a formulação proposta para o composto. A atribuição dos diferentes sinais foi
facilitada pela comparação com o espectro do ligando congénere do tipo pz*NNN, L1, atrás
descrito. No caso de L2 há a assinalar a sobreposição ocasional do quarteto devido aos protões
CH2 da função éster com o tripleto dos protões metilénicos adjacentes ao anel de pirazolilo (Ha).
NN S S SO
OCH2CH3
L2
a b c d e f g h i
3
4
5
pz-CH3
H(4)
pz-CH3
2 CH2 (a+h)
CH2 (b)
4 CH2 (c+d+e+f)
H2O
CH2 (g)
CH3 (i)
2. Complexos Modelo com Ligandos N-heterocíclicos
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2.2.2 Estudo da Química de Coordenação em Centros Metálicos de
Re(V)
Reacções dos materiais de partida [ReOCl3(PPh3)2] (1) e trans-[ReO2(py)4]Cl (2) com
3,5-Me2pzNNN (L1)
O complexo [ReOCl3(PPh3)2] (1) tem sido largamente utilizado como material de
partida para a síntese de oxocomplexos de Re(V), já que se trata de um composto facilmente
obtido a partir de rénio metálico e que apresenta uma elevada estabilidade face à hidrólise e/ou
oxidação, seja no estado sólido ou em solução.113a Por outro lado, os ligandos cloreto e PPh3
podem ser facilmente substituídos por doadores de N ou S de denticidade variável, conduzindo
à formação de novos oxocomplexos de Re(V) com os centros metálicos [Re=O]3+ ou trans-
[ReO2]+.114 - 117 A obtenção de cada um destes centros metálicos depende fortemente da carga e
características electrónicas dos ligandos estabilizadores que se fazem reagir com 1. Em
particular, encontra-se descrito na literatura que as reacções de 1 com tetraminas (L), cíclicas ou
lineares, permitem obter complexos do tipo trans-[ReO2(L)]+ em que estes ligandos doadores N4
se apresentam coordenados equatorialmente.116,117 Assim, considerámos que o uso do composto
1 como material de partida deveria permitir a síntese de dioxocomplexos de Re(V) com o
ligando 3,5-Me2pzNNN (L1), pelo que decidimos estudar reacções deste oxotricloreto de Re(V)
com L1.
Inicialmente, as reacções de [ReOCl3(PPh3)2] (1) com L1 foram estudadas em
clorofórmio, utilizando uma razão equimolar dos reagentes e na ausência de agentes
desprotonantes. Após 24 h de agitação à temperatura ambiente, obteve-se uma solução límpida
de cor verde. Ao fim deste tempo, evaporou-se o solvente da mistura reaccional e lavou-se o
resíduo obtido com diclorometano. A análise por RMN de 1H em CD3OD do sólido insolúvel
em CH2Cl2 mostrou que estávamos em presença de um complexo maioritário que, no entanto, se
apresentava contaminado com formas protonadas, não coordenadas, de L1. Fizeram-se
diferentes lavagens e tentativas de recristalização com o objectivo de eliminar a contaminação
com ligando protonado. Apesar dos esforços efectuados, não foi possível eliminar essa
contaminação.
Para evitar a protonação de L1 e garantir uma purificação mais eficiente do complexo a
reacção foi também conduzida na presença de trietilamina. No entanto, nestas condições obteve-
2. Complexos Modelo com Ligandos N-heterocíclicos
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se uma mistura de compostos e, praticamente, não se detectou a formação do composto
pretendido, ou seja o complexo maioritário formado na ausência de NEt3.
Os dados de RMN de 1H obtidos em CD3OD para o complexo maioritário obtido na
reacção de 1 com L1 mostraram-se claramente compatíveis com a coordenação do ligando.
Observou-se uma ressonância relativamente alargada a 6.36 ppm para o protão H(4) do anel de
pirazolilo, francamente desviada para campo baixo comparativamente à ressonância do protão
correspondente no ligando livre L1 (δ = 5.83 ppm). A forte desblingadem dos protões H(4) é
consistente com a coordenação do anel de pirazolilo ao centro metálico de Re(V), tal como o
desvios para campo baixo dos protões CH3 dos substituintes metilo nas posições 3 e 5 do anel
de pirazolilo que aparecem a 2.48 e 2.44 ppm no complexo e a 2.25 e 2.15 pm no ligando. O
espectro de RMN de 1H apresenta ainda uma série de multipletos relativamente alargados, entre
2.73 e 4.57 ppm, que é indicativa da presença de protões metilénicos diastereotópicos devido à
coordenação das funções amina da cadeia alifática de L1.
Nas reacções de 1 com L1 na ausência de NEt3, a detecção por RMN de 1H de ligando
protonado sugere que ocorreu libertação de HCl, provavelmente como resultado da
desprotonação do L1 que se coordenou ao metal. Assim, L1 actua muito provavelmente como
ligando aniónico e não como ligando neutro, devendo neste caso favorecer a formação de
monoxocomplexos de Re(V) como alternativa aos esperados dioxocomplexos de Re(V). No
entanto, não foi possível confirmar esta hipótese uma vez que não se identificaram no espectro
IV da mistura reaccional bandas atribuíveis a uma vibração de extensão ν(Re=O) que, no caso
de monoxocomplexos de Re(V), aparece usualmente na região 900-1000 cm-1.118
As dificuldades encontradas nas reacções de [ReOCl3(PPh3)2] (1) com L1, levaram-nos
a estudar a possibilidade de utilizar trans-[ReO2(py)4]Cl (2)113b como material de partida
alternativo. Assim, estudou-se a reacção do composto 2 com L1, utilizando metanol como
solvente e uma razão equimolar dos reagentes. Após 4 h de refluxo, obteve-se uma solução
límpida de cor verde que foi analisada por RMN de 1H, após remoção do solvente sob vácuo
(figura 2.7). A análise por RMN mostrou que se tinha formado um complexo maioritário cujo
espectro apresentava sinais com desvios químicos e um padrão de desdobramento praticamente
coincidentes com os atrás descritos para o complexo obtido na reacção de 1 com L1.
2. Complexos Modelo com Ligandos N-heterocíclicos
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Figura 2.7. - Espectro de RMN de 1H da mistura reaccional do ligando 3,5-Me2pzNNN (L1) com o
material de partida trans-[ReO2(py)4]Cl (2), em CD3OD (* representa a impureza H2O do metanol).
A análise por RMN de 1H permitiu ainda verificar que a reacção de 2 com L1 foi
acompanhada pela formação de cloreto de piridínio, sugerindo mais uma vez que muito
provavelmente L1 se coordenou ao metal como ligando aniónico. Assumiu-se que o complexo
formado tinha carácter catiónico e, por isso mesmo, procedeu-se à sua purificação por
recristalização de metanol na presença de tetrafenilborato de sódio. Após vários dias à
temperatura ambiente, formaram-se monocristais que foram analisados por difracção de raios-X
de cristal único. Este estudo estrutural mostrou que se estava em presença do composto
[ReO(OMe)(3,5-Me2pzNNN)]BPh4 (3) (esquema 2.4), um oxo-metóxido de Re(V) com carácter
catiónico cuja estrutura molecular será discutida a seguir. Infelizmente, o material cristalino
obtido só permitiu a realização da análise por difracção de raios-X, não tendo sido possível
estudar o composto 3 por outras técnicas.
Esquema 2.4 – Síntese do complexo [ReO(OMe)(3,5-Me2pzNNN)]BPh4 (3)
Re
OR
NN
NNH2
NH
R
R'
OMe
+ BPh4-
+
Re
O
O
1) L1, MeOH, reflux, 4h
2) NaBPh4, MeOH
32
py
pypy
py
Cl-
Re-pz-H(4)
Re-pz-CH3 CD3OD
*
2. Complexos Modelo com Ligandos N-heterocíclicos
61
Face a este resultado, decidiu-se estudar a reacção de trans-[ReO2(py)4]Cl (2) com L1
em meio aquoso, com o objectivo de evitar a formação de compostos do tipo oxo-metóxido e
verificar se nessas condições se poderiam estabilizar dioxocomplexos de Re(V). A reacção do
precursor 2 com L1, na razão molar 1:1 e utilizando água destilada como solvente, conduziu à
obtenção de uma solução límpida de cor laranja, após 1 h de aquecimento a 80 ºC. A análise da
mistura reaccional por RMN de 1H, após remoção do solvente sob vácuo, mostrou que ainda
havia composto 2 por reagir, apesar de totalidade do ligando livre (L1) ter sido consumida.
Como se pode observar no espectro apresentado na figura 2.8a, verificou-se a formação de um
complexo maioritário cujo espectro em D2O tem um padrão semelhante ao obtido para os
complexos formados nas reacções do composto 1 com L1 em metanol: i) desvio para campo
alto da ressonância devida aos protão H(4) do pirazolo (δ = 6.11 ppm para o complexo vs δ =
5.74 ppm para o ligando livre; ii) presença de um conjunto de multipletos devidos aos protões
metilénicos na região 2.7-4.1 ppm.
Procedeu-se à análise por espectroscopia de infravermelho do resíduo sólido obtido na
reacção de 2 com L1, após tratamento adequado. Como se pode constatar pela análise do
espectro obtido (figura 2.8b) não se observam bandas de intensidade assinalável na região 900-
1000 cm-1, sendo observadas bandas de fraca e média intensidade a cerca de 840 e 800 cm-1,
respectivamente, que poderiam ser atribuídas a vibrações de extensão νas(O=Re=O).117-120 Estes
dados espectroscópicos poderiam indicar que se estava na presença de um dioxocomplexo de
Re(V) estabilizados pelo ligando L1. Não foi possível associar de forma clara estas bandas ao
complexo formado uma vez que ainda existia material de partida, trans-[ReO2(py)4]Cl (2), por
reagir. Foram realizadas várias tentativas para purificar este complexo, nomeadamente
precipitação com NaBPh4 em meio aquoso ou orgânico. As tentativas efectuadas revelaram-se
infrutíferas, não tendo sido possível confirmar de maneira inequívoca se a reacção de 2 com L1
em H2O tinha conduzido ou não à formação de dioxocomplexos de Re(V).
2. Complexos Modelo com Ligandos N-heterocíclicos
62
Figura 2.8 – Espectro de RMN de 1H em D2O (a) e espectro IV (b) do resíduo obtido após evaporação do
solvente da solução resultante da reacção do composto 2 com L1 em H2O.
Em suma, os estudos efectuados para L1 mostram que este ligando doador de azoto,
potencialmente tetradentado, apresenta capacidade para se ligar a centros metálicos de Re(V).
No entanto, foram encontradas algumas dificuldades para isolar as espécies formadas e o
composto [ReO(OMe)(3,5-Me2pzNNN)]BPh4 (3) foi o único complexo isolado e identificado.
Em parte, as dificuldades encontradas podem estar relacionadas com a possibilidade de L1
poder actuar como ligando neutro ou aniónico. Esta possibilidade, conjugada com a eventual
protonação dos ligandos oxo e/ou com a labilidade dos ligandos em posição trans relativamente
H(4)
trans-[ReO2(py)4]+
CH2
CH3
� cm-1
a)
b)
H(4)
D2O
2. Complexos Modelo com Ligandos N-heterocíclicos
63
ao grupo Re=O, pode facilitar a interconversão entre oxocomplexos de L1 com os centros
metálicos [Re=O]3+ e trans-[ReO2]+, como proposto no esquema 2.5. Outros autores
encontraram um comportamento semelhante para oxocomplexos de Re(V) estabilizados com
um ligando tetradentado do tipo dipiridina-diamina, tendo isolado e caracterizado
monoxocomplexos com a dipiridina-diamina coordenada na forma monoaniónica e um
dioxocomplexo estabilizado pelo ligando na forma neutra.121
Re
ONN
NNH2
NH OH
+
Re
ONN
NHNH2
NH O
++
Re
O
O
Re
ONN
NNH2
NH OH2
+
Re
ONN
NNH2
NH OMe
+
CH3OH
+ H2O
2
py
pypy
py L1
H+
- H2O
3
Esquema 2.5 – Proposta de um possível mecanismo para a formação do oxo-metóxido 3 a partir do dioxocomplexo 2.
2. Complexos Modelo com Ligandos N-heterocíclicos
64
Caracterização estrutural do composto [ReO(OMe)(3,5-Me2pzNNN)]BPh4 (3)
Como referido anteriormente, foi possível obter cristais do complexo 3 a partir de
soluções concentradas do composto em metanol. A estrutura cristalina de 3 é definida pelo
arranjo espacial de catiões [ReO(OMe)(3,5-Me2pzNNN)]+ e aniões BPh4- que não estabelecem
entre si contactos intermoleculares. Na figura 2.9 apresenta-se o diagrama ORTEP do catião e
na tabela 2.1 indicam-se as distâncias e ângulos de ligação mais significativos.
Figura 2.9 - Diagrama ORTEP de [ReO(OMe)(3,5-Me2pzNNN)]BPh4 (3).
A geometria de coordenação em torno do metal no complexo 3 corresponde a um
octaedro ligeiramente distorcido. As posições apicais encontram-se ocupadas pelos ligandos oxo
e metóxido, enquanto os átomos de azoto do ligando L1, que actua como monoaniónico e
tetradentado, ocupam as posições equatoriais. O ângulo O(1)-Re-O(2), que envolve os átomos
de oxigénio dos ligandos oxo e metóxido, é de 157.8(3)º e encontra-se portanto fortemente
desviado da linearidade.
A distância Re-O(1) (1.708(6) Å) está no limite superior do intervalo em que aparecem
usualmente as distâncias Re=O em compostos de Re(V).118 O alongamento desta ligação
reflecte provavelmente a competição do grupo metóxido com o ligando oxo na interacção com
as orbitais dπ do metal. Esta competição justifica também certamente a distância Re-O(2)
(1.948(6) Å) relativamente curta encontrada para o ligando metóxido.122
Re
O1
O2
C7
C8
C11 C12
C13
C9
N2
N1
C1
C2N3
C3C4
N4
C5
C6
N5
2. Complexos Modelo com Ligandos N-heterocíclicos
65
Tabela 2.1 – Comprimentos (Å) e ângulos de ligação (graus) mais significativos para [ReO(OMe)(3,5-
Me2pzNNN)]BPh4 (3)
Comprimentos de Ligação
Re – O(1) 1.708 (6) Re – N(4) 2.101 (8)
Re – N(3) 1.913 (8) Re – N(5) 2.299 (8)
Re – O(2) 1.948 (6) O(1) – C(7) 1.408 (11)
Re – N(1) 2.090 (8)
Ângulos de Ligação
O(1) – Re – O(2) 157.8 (3) N(1) – Re – N(4) 167.8 (3)
N(3) – Re – O(2) 94.5 (3) O(1) – Re – N(5) 83.4 (3)
O(1) – Re – N(1) 98.7 (3) N(3) – Re – N(5) 159.6 (3)
N(3) – Re – N(1) 89.6 (4) O(2) – Re – N(5) 74.5 (3)
O2 – Re – N(1) 86.5 (3) N(1) – Re – N(5) 106.4 (3)
O(1) – Re – N(4) 92.8 (3) N(4) – Re – N(5) 78.9 (3)
N(3) – Re – N(4) 83.1 (4) C(7) – O(2) – Re 125.2 (6)
O(2) – Re – N(4) 84.5 (3)
Relativamente à coordenação do ligando L1, as distâncias Re-N encontradas para o
átomo de azoto do pirazolo e das funções amina podem ser consideradas comparáveis às
distâncias análogas descritas para outros complexos de Re(V) estabilizados por ligandos do tipo
pirazolo 92,123 ou do tipo poliamina. 121,124 Em particular, a distância encontrada para a ligação
Re-N(3) (1.913(8) Å) mostra que essa ligação tem um certo carácter duplo, o que reflecte o
carácter sp2 do átomo de azoto da cadeia alifática mais próximo do anel de pirazolilo e é
coerente com a sua coordenação ao metal na forma desprotonada.124
2. Complexos Modelo com Ligandos N-heterocíclicos
66
Reacções dos materiais de partida [ReOCl3(PPh3)2] (1) e trans-[ReO2(py)4]Cl (2) com
3,5-Me2pzSSSCH2CO2Et (L2)
Estudaram-se também reacções dos materiais de partida 1 e 2 com o ligando 3,5-
Me2pzSSS-CH2CO2Et (L2), potencialmente tetradentado e doador NS3, utilizando condições
reaccionais similares às atrás descritas para o ligando 3,5-Me2pzNNN (L1).
No caso da reacção com ReOCl3(PPh3)2] (1), conduzida em clorofórmio e com uma
relação molar 1:1 dos reagentes, formou-se uma mistura de complexos que não foi possível
purificar e caracterizar. Também não foi possível isolar ou caracterizar nenhum complexo com
o ligando 3,5-Me2pzSSS-CH2CO2Et (L2) quando se usou trans-[ReO2(py)4]Cl (2) como
material de partida e se conduziu a reacção em metanol sob refluxo. Neste caso, o dímero
[ReOCl2(py)2]2(�-O) foi o único composto que foi possível isolar, após evaporação do solvente
e recristalização do resíduo obtido em diclorometano/éter. A formação deste composto dimérico
foi confirmada pela análise por difracção de raios-X dos cristais de cor verde-esmeralda que se
formaram durante a recristalização, já que se determinou para o material cristalino analisado
uma malha idêntica à descrita previamente na literatura para este composto.125 Este
comportamento reflecte a estabilidade térmica limitada do material de partida trans-
[ReO2(py)4]Cl (2) e mostra que o ligando L2 apresenta uma cinética de coordenação a centros
metálicos de Re(V) muito pouco favorável.
2. Complexos Modelo com Ligandos N-heterocíclicos
67
2.3. Síntese e Caracterização de Ligandos Tridentados do Tipo
Pirazolo-Ditioéter. Estudo da Respectiva Química de Coordenação em
Centros Metálicos de Re(I) e 99mTc(I)
2.3.1. Síntese e Caracterização dos Ligandos
Sintetizaram-se os ligandos 3,5-Me2pzSS-R (CH2CH3 (L3), CH2CO2Et (L4), CH2CO2H
(L5)) que têm uma estrutura comum mas apresentam substituintes diferentes no átomo de
enxofre terminal (esquema 2.6). No caso de L4 e L5, a introdução das funções éster ou ácido
carboxílico teve em conta a sua utilidade potencial para uma posterior funcionalização com
biomoléculas ou com fragmentos com afinidade para o DNA. Ao sintetizar L3 pretendemos
comparar o seu modo de coordenação em complexos com a unidade fac-[M(CO)3]+ (M=Re, 99mTc) com o apresentado pelos ligandos L4 e L5, uma vez que a função carboxilato poderia
competir com o anel de pirazolilo na ligação àquela unidade organometálica.
Esquema 2.6 - Síntese dos ligandos L3, L4 e L5: i) NaOEt, 1 noite, t.a; ii) NaOEt, 1 noite, t.a.; iii)
NaOH, THF/H2O, 1 noite, refluxo.
NN S Br
HSNN S S
HSCO2Et
NN S S CO2EtNN S S CO2H
L3i
L4L5
i
ii
iii
2. Complexos Modelo com Ligandos N-heterocíclicos
68
Os ligandos L3 e L4 foram preparados a partir do intermediário i que, como visto atrás,
já tinha sido utilizado na síntese do ligando congénere 3,5-Me2pzSSS-CH2CO2Et (L2). A
substituição nucleofílica do átomo de bromo do composto i por etanotiolato ou 2-
mercaptoacetato de etilo conduziu, respectivamente, à formação de L3 e L4. Estes compostos
foram isolados com rendimentos moderados, respectivamente de 66% e 62%, após purificação
por cromatografia em coluna. A hidrólise básica da função éster de L4 permitiu obter o
respectivo ácido carboxílico (L5) com um rendimento de 62%. A purificação de L5 foi
efectuada por neutralização da mistura reaccional, seguida de evaporação do solvente e lavagem
do resíduo oleoso obtido com água destilada.
Os ligandos L3 e L4 foram recuperados na forma de óleos amarelos, enquanto L5 é um
óleo branco. Tratam-se de compostos que são estáveis ao ar e na presença de água, sendo
solúveis na maioria dos solventes orgânicos polares, tais como os álcoois e o acetonitrilo. Ao
contrário dos ligandos análogos do tipo pirazolo-diamina, L3-L5 apresentam uma solubilidade
reduzida em H2O. A caracterização de L3-L5 foi efectuada por RMN de 1H e de 13C e por
espectroscopia de infravermelho e no caso de L3 e L4 também pela análise de C,H,N. Os dados
espectroscópicos obtidos e os resultados da análise elementar mostraram-se compatíveis com as
formulações propostas para os diferentes compostos. A titulo exemplificativo, apresentam-se na
figura 2.9 os espectros de RMN de 1H e 13C do ligando L3.
No espectro de RMN de 1H de L3 (Figura 2.10), o singuleto que aparece a campo mais
baixo (5.68 ppm) é devido ao protão H(4) do anel de pirazolilo; os dois grupos metilo nas
posições 3 e 5 do mesmo anel originam dois singuletos a 2.16 e 2.10 ppm. O espectro apresenta
ainda uma série de tripletos e multipletos entre 2.45 e 4.03 ppm que são devidos aos protões
metilénicos da cadeia alifática. O tripleto que aparece a campo mais baixo (4.03 ppm) foi
facilmente atribuído aos dois protões do grupo CH2 vizinho ao anel pirazolo, pois apresenta o
desvio característico desse tipo de protões nos derivados de pirazolo que têm vindo a ser
discutidos nesta tese. Observa-se ainda um tripleto a campo mais alto (1.14 ppm) para os
protões do grupo CH3 terminal que, como seria de prever, apresentam uma maior blindagem.
Relativamente ao espectro de RMN de 13C de L3 observa-se a presença das ressonâncias
previstas, nomeadamente três sinais referentes aos átomos de carbono do anel de pirazolilo a
campo mais baixo (104.5-147.4 ppm) e 6 sinais entre 14.4 e 48.3 para os carbonos dos grupos
CH2 e CH3 da cadeia alifática. A campo mais alto (13.1 e 10.8 ppm) observam-se os sinais
devidos aos grupos metilo nas posições 3 e 5 do pirazolo.
2. Complexos Modelo com Ligandos N-heterocíclicos
69
É de referir que, em termos de desvios químicos e padrão de desdobramento, os
espectros de RMN de 1H e de 13C dos compostos 3,5-Me2pzSS-R (CH2CO2Et (L4), CH2CO2H
(L5)) são muito semelhantes aos descritos para L3, se exceptuarmos os sinais associados aos
grupos substituintes do átomo de enxofre terminal.
Figura 2.10 - Espectros de RMN de 1H e de 13C em CDCl3 do ligando 3,5-Me2pzSS-Et (L3).
NN S S3
4
5
a b c d e
L3
CH3
H(4)
CH3
CH2
(a)
CH2
(b)
3 CH2
(c+d+e)
CH3
3 CH3 CH2
C(4)pz
C(3,5)pz
C(3,5)pz
3 CH2
CH2
CDCl3
2. Complexos Modelo com Ligandos N-heterocíclicos
70
2.3.2. Síntese e Caracterização dos Complexos de Re(I)
Síntese dos complexos 6-8
Procedeu-se ao estudo de reacções dos ligandos 3,5-Me2pzSS-R (CH2CH3 (L3),
CH2CO2Et (L4), CH2CO2H (L5)) com os compostos de partida [Re(CO)5Br] (4) e
(NEt4)2[Re(CO)3Br3] (5). Como indicado no esquema 2.7, estas reacções levaram à formação
dos complexos catiónicos fac-[Re(CO)3(3,5-Me2pzSS-R)]Br (CH2CH3 (6), CH2CO2Et (7),
CH2CO2H (8)).
Re
CO
Br
OC Br
BrOC
2-
Re
CO
CO
OC CO
BrOC
N
NS
SRe
COOC CO
COOH
N
NS
SRe
COOC CO
COOEt
N
N
SS
Re
COOC CO
+ Br-
+ Br-
+ Br-
MeOH/refluxoL4
L3
L5
7
MeOH/refluxo
4
5
8
6
Esquema 2.7 – Síntese dos complexos 6-8
Preferencialmente, os complexos 6 e 8 foram sintetizados por reacção dos respectivos
ligandos com [Re(CO)5Br] (4), já que a utilização deste composto como material de partida
facilitou a purificação de 6 e 8, comparativamente às reacções em que se partiu de
(NEt4)2[Re(CO)3Br3] (5). O composto 5 é mais reactivo e a suas reacções com L3 e L5 também
levaram à formação dos respectivos complexos catiónicos. No entanto, a solubilidade dos
complexos 6 e 8 nos solventes mais comuns é similar à apresentada pelo brometo de
tetraetilamónio que se forma durante a reacção, o que dificulta a respectiva separação.
A síntese de 6 e 8 a partir do composto 4 foi efectuada em metanol seco sob atmosfera
de azoto. Após refluxo das respectivas misturas reaccionais durante a noite, procedeu-se à
purificação dos complexos ao ar e sem o cuidado de utilizar solventes secos. No caso do
composto 6, o resíduo obtido após remoção do solvente foi lavado com THF e, de seguida, 6 foi
7
8
2. Complexos Modelo com Ligandos N-heterocíclicos
71
extraído para água destilada com um rendimento de 42%. O complexo 8 foi isolado com um
rendimento de 43% por lavagem com H2O seguida de recristalização em THF/hexano.
Ao contrário dos complexos congéneres 6 e 8, o composto fac-[Re(CO)3(3,5-
Me2pzSSCH2CO2Et)]Br (7) não pôde ser obtido por reacção de L4 com [Re(CO)5Br] (4) em
metanol sob refluxo, uma vez que nestas condições ocorreu hidrólise da função éster como
confirmado pela análise por RMN de 1H. A síntese de 7 só foi efectuada com sucesso quando se
utilizou (NEt4)2[Re(CO)3Br3](5) como material de partida e se conduziu a reacção em metanol
sob refluxo durante a noite (esquema 2.7). Neste caso, o complexo 7 foi obtido com um
rendimento de 51 % após recristalização de H2O. As razões que justificam esta diferença de
comportamento não são claras, mas reflectem muito provavelmente a diferente reactividade dos
precursores 4 e 5.
Os complexos 6-8 são sólidos brancos microcristalinos, estáveis ao ar e solúveis na
maioria dos solventes orgânicos polares. Ao contrário dos respectivos ligandos, estes complexos
são solúveis em água, o que reflecte certamente o seu carácter catiónico. A caracterização de 6-
8 envolveu a análise elementar, as espectroscopias de RMN de 1H e 13C e de infravermelho e, no
caso do complexo 7, a difracção de raios-X de cristal único.
Caracterização espectroscópica dos complexos 6-8
Nos espectros de RMN de 1H dos complexos 6-8, as ressonâncias devidas aos protões
H(4) do anel de pirazolilo apresentam desvios químicos praticamente coincidentes que
aparecem entre 6.23 e 6.25 ppm. Estas ressonâncias encontram-se desviadas para campo baixo
(∆δ = 0,43-0,55 ppm) relativamente às ressonâncias dos protões correspondentes dos
respectivos ligandos livres (L3-L5). Estes dados são consistentes com a coordenação do anel de
pirazolilo em todos os complexos. No caso de 7 e 8, mostram que o anel de pirazolilo tem maior
afinidade para o centro metálico de Re(I) do que os grupos funcionais éster ou ácido
carboxílico. Como exemplificado na figura 2.10 para o complexo 7, os espectros de RMN de 1H
destes compostos apresentam uma série de multipletos na região 2,0-5,0 ppm, atribuíveis aos
protões metilénicos da cadeia alifática. Se exceptuarmos algumas sobreposições ocasionais, a
maior parte destes multipletos integra para um protão, o que é compatível com a presença de
protões CH2 diastereotópicos e indica que em solução os complexos contêm os ligandos L3-L5
coodenados no modo tridentado NS2.
2. Complexos Modelo com Ligandos N-heterocíclicos
72
ReN
N SS
COCO
CO2Et
OC
4
5
3
Figura 2.11 - Espectros de RMN de 1H e de 13C do complexo fac-[Re(CO)3(3,5-Me2pzSS-CH2CO2Et )]Br (7) em CD3OD.
H(4)
CH
CH
Pz-CH3
Pz-CH3
H2O
O-CH2-CH3
2 CH 4 CH
CH
CH
C≡≡≡≡O
O-C=O
CH3
4 CH2
CH2
C(4)pz
C(3,5)pz
C(3,5)pz
3 CH3
CH2
2. Complexos Modelo com Ligandos N-heterocíclicos
73
Os espectros de RMN de 13C obtidos para 6-8 apresentam todos os sinais esperados para
os átomos de carbono dos respectivos ligandos estabilizadores e corroboram as formulações
propostas para os complexos. Tal como os dados de RMN de 1H, os dados de 13C também são
compatíveis com a coordenação do anel de pirazolilo, uma vez que os átomos de carbono deste
anel se apresentam mais desblindados nos complexos em comparação com os respectivos
ligandos livres. Pelo contrário, os desvios químicos dos átomos de carbono COOR dos
complexos 7 e 8 não são significativamente diferentes dos valores encontrados para os ligandos
livres, o que confirma a não coordenação dos grupos terminais éster ou ácido carboxílico.
Devido à assimetria dos ligandos estabilizadores do tipo pirazolo-ditioeter, os três ligandos
carbonilo dos complexos 6-8 não são magneticamente equivalentes e deveriam dar origem a três
ressonâncias. No entanto, apenas se observou uma única ressonância CO para qualquer dos
compostos, relativamente larga e centrada a cerca de 190 ppm, como se pode observar no
espectro de RMN de 13C do complexo 7 que é apresentado a título de exemplo na figura 2.11.
Como indicado na tabela 2.2, os espectros IV de 6-8 apresentam bandas intensas
devidas às vibrações de extensão ν(C≡O) entre 1919 e 2036 cm-1 que apresentam o perfil típico
para complexos com a unidade fac-[Re(CO)3]+. 77, 126, 127
Tabela 2.2 - Frequências das bandas mais características dos complexos fac-[Re(CO)3(3,5-Me2pzSS-
R)]Br (CH2CH3 (6), CH2CO2Et (7), CH2CO2H (8)) e dos ligandos 3,5-Me2pzSS-R (CH2CO2Et (L4),
CH2CO2H (L5)).a
Frequências de vibração (cm-1)
ν ν ν ν (C�O) ν ν ν ν (C=O)
Complexo 6 2039 1919
Complexo 7 2036 1947 1721
Ligando L4 - - 1732
Complexo 8 2036 1944 1702
Ligando L5 - - 1703 a amostras preparadas em pastilhas de KBr.
2. Complexos Modelo com Ligandos N-heterocíclicos
74
As frequências das vibrações de extensão ν(C≡O) nos complexos 6-8 apresentam
valores superiores aos descritos (ν(C≡O) = 1900-2020 cm-1) para o composto congénere fac-
[Re(CO)3(3,5-Me2pzNN)]+ estabilizado com um ligando pirazolo-diamina.75 Esta tendência
indica que os ligandos pirazolo-ditioéter transferem uma menor densidade electrónica para a
unidade organometálica fac-[Re(CO)3]+ em comparação com ligandos relacionados do tipo
pirazolo-diamina. Os espectros IV dos complexos 7 e 8 apresentam bandas de forte intensidade
a 1721 e 1703 cm-1, respectivamente, que foram atribuídas às vibrações de extensão ν(C=O)
associadas às funções éster e ácido carboxílico. Estes valores encontram-se muito próximos das
frequências encontradas para os ligandos livres (L4 e L5), o que está de acordo com o não
envolvimento dessas funções na coordenação ao centro metálico.
Análise por difracção de raios-X de fac-[Re(CO)3(3,5- Me2pzSSCH2CO2Et )]Br (7)
A análise por difracção de raios-X de um monocristal do complexo 7 confirmou que o
ligando L4 se encontra coordenado ao centro metálico de modo tridentado, através do azoto do
pirazolo e dos dois átomos de enxofre (doador NS2) e sem envolvimento do éster terminal em
interacções intra- ou intermoleculares (Figura 2.12).
Figura 2.12 - Diagrama ORTEP de fac-[Re(CO)3(3,5- Me2pzSS-CH2CO2Et )]Br (7)
ReS2
S1
N1
N2
C1
C3
C2 C9
O4 O5
2. Complexos Modelo com Ligandos N-heterocíclicos
75
A geometria de coordenação em torno do átomo de Re é octraédrica ligeiramente
distorcida. Os três ligandos CO definem umas das faces do poliedro de coordenação, enquanto
os átomos de N e S de L4 ocupam as restantes posições de coordenação
Os principais parâmetros métricos (tabela 2.3) da estrutura de 3 podem ser considerados
normais, não justificando uma discussão muito detalhada. Em particular, os valores das
distâncias das ligações Re-C (1.915(7), 1.918(7) e 1.916 (7) Å) encontram-se compreendidos no
intervalo encontrado para as mesmas distâncias noutros complexos tricarbonilo de Re(I)
estabilizados por ligandos neutros derivados do pirazolo, previamente descritos pelo grupo de
investigação onde este trabalho foi desenvolvido.75, 76 As distâncias das ligações Re-S (2.479(2)
e 2.488(2) Å) também são comparáveis às distâncias Re-S (2.4438-2.507 Å) determinadas para
outros tricarbonilos de Re(I) estabilizados por ligandos tridentados contendo tioéteres como
função coordenante.75, 98 - 103
Tabela 2.3 – Comprimentos (Å) e ângulos de ligação (graus) mais significativos para fac-[Re(CO)3(3,5-
Me2pzSS-CH2CO2Et )]Br (7).
Comprimentos de Ligação
Re – C1 1.915 (7) Re – N1 2.206 (5)
Re – C2 1.918 (7) C1 – O1 1.144 (8)
Re – C3 1.916 (7) C2 – O2 1.147 (9)
Re – S1 2.479 (2) C3 – O3 1.143 (2)
Re – S2 2.488 (2)
Ângulos de Ligação
C1 – Re – C2 89.8 (3) C2 – Re – N1 94.6 (2)
C1 – Re – C3 88.0 (3) C3 – Re – S1 175.3 (2)
C2 – Re – C3 86.7 (3) C3 – Re – S2 96.0 (2)
C1 – Re – S1 87.2 (2) C3 – Re – N1 94.3 (2)
C1 – Re – S2 94.9 (2) S1 – Re – S2 84.33 (6)
O1 – Re – N1 175.1 (3) S1 – Re – N1 90.38 (14)
C2 – Re – S1 93.4 (2) S2 – RE – N1 80.59 (13)
C2 – Re – S2 174.6 (2)
2. Complexos Modelo com Ligandos N-heterocíclicos
76
2.3.3. Síntese, Caracterização e Avaliação da Estabilidade in vitro dos
Complexos de 99mTc(I)
O facto dos complexos fac-[Re(CO)3(3,5-Me2pzSS-R)]Br (CH2CH3 (6), CH2CO2Et (7),
CH2CO2H (8)) apresentarem uma elevada estabilidade, em condições aeróbias e na presença de
água, levou-nos a considerar que seria pertinente avaliar a possibilidade de preparar os
compostos análogos ao nível de 99mTc. Com este estudo pretendia-se testar a eficiência dos
ligandos pirazolo-ditioéter como agentes bifuncionais para estabilização da unidade fac-
[99mTc(CO)3]+ e posterior acoplamento de fragmentos com afinidade para o DNA. Inicialmente,
estudou-se a capacidade de coordenação do ligando 3,5-Me2pzSS-Et (L3) face à unidade fac-
[99mTc(CO)3]+. Para tal estudaram-se reacções do precursor fac-[99mTc(CO)3(H2O)3]+ (5a)1 com
L3, utilizando diferentes condições experimentais (ex. concentração de L3, tempo e temperatura
de reacção) de modo a optimizar a síntese do respectivo tricarbonilo de 99mTc(I).
O precursor 5a foi preparado a partir de um kit Isolink que se encontra disponível
comercialmente e é constituído por K2[H3BCO2], Na2(tartarato), Na2B4O7.10H2O e Na2CO3. Tal
como descrito na secção 1.4, a preparação do precursor organometálico envolveu a adição ao kit
de uma solução de 2 mL de Na[99mTcO4], obtida por eluição de um gerador comercial, seguida
de aquecimento a 100 ºC durante 20 min. Após arrefecimento à temperatura ambiente,
procedeu-se à neutralização da mistura com HCl e adicionou-se tampão fosfato pH=7,4 de
modo a evitar variações de pH e a obter a concentração radioactiva desejada. Antes de ser
utilizada nas reacções com L3, a solução de precursor foi analisada por HPLC para verificar a
sua pureza radioquímica que apresentou, em geral, valores superiores a 98 %.
As reacções de 5a com L3 foram efectuadas num frasco capsulado, purgado com azoto,
e envolveram a adição de L3, dissolvido em tampão fisiológico (PBS, pH=7,4), ao volume
pretendido da solução de precursor. Em seguida, aqueceu-se a mistura reaccional à temperatura
de 100 ºC durante o tempo pretendido. Este procedimento foi o adoptado em todas as sínteses
de complexos com a unidade fac-[99mTc(CO)3]+ descritas nesta tese.
Começou-se por estudar a reacção do precursor 5a com L3 utilizando uma concentração
final de ligando de 10-5M, uma vez que para este valor de concentração o ligando congénere do
1 Ao longo desta tese os compostos de 99mTc foram numerados acrescentando a letra “a” ao número adoptado para o composto análogo de Re. Em meio aquoso o composto de partida fac-[Re(CO)3Br3]
2- (5) transforma-se em fac-[Re(CO)3(H2O)3]
+,126 o que explica que se tenha estabelecido uma analogia entre o composto 5 e o precursor fac-[99mTc(CO)3(H2O)3]
+ (5a).
2. Complexos Modelo com Ligandos N-heterocíclicos
77
TcOH2
COCO
OH2
H2O
CO
99m
+
L3, 10-5 M
100ºC, 1h
100ºC, 1h
L3, 10-3 M
tipo pirazolo-diamina (3,5-Me2pzNN) permite obter o respectivo complexo tricarbonilo de 99mTc(I) de forma praticamente quantitativa, após aquecimento a 100 ºC durante 30 min.77
Nestas condições, ocorreu formação do complexo fac-[99mTc(CO)3(3,5-Me2pzSS-Et)]+ (6a) (tR =
18,7 min) mas a cinética da reacção é pouco favorável, como se pode confirmar pela análise do
cromatograma apresentado na figura 2.13A. Após 60 min de aquecimento a 100 ºC, ainda existe
uma quantidade apreciável do precursor 5a por reagir e, além disso, forma-se uma impureza
radioquímica mais hidrofílica (tR = 15,2 min). Quando se aumentou a concentração de L3 para
10-3 M verificou-se que o precursor 5a é totalmente consumido, sendo o complexo 6a a espécie
radioquímica maioritária. Nestas condições 6a forma-se com um rendimento superior a 90 %
(figura 2.13B).
Figura 2.13 – Cromatogramas de HPLC das soluções resultantes da reacção do precursor 5a com L3.
A) [L3] = 10-5M; B) [L3] = 10-3M, incluindo comparação com o congénere fac-[Re(CO)3(3,5-Me2pzSS-
Et)]+ (6). Condições Cromatográficas: Coluna: EC 250/4 Nucleosil 100-10 C18; Fluxo:1 ml/min;
Eluente: TFA 0.1% / CH3CN (gradiente); Detecção: γ e UV (254 nm).
99mTc (2a) Re (2)
B
B
99mTc (6a) Re (6)
Tempo de retenção (min)
Rad
ioac
tivid
ade
/ Abs
orvâ
ncia
A
Impureza tr=15,2 min
5a 6a tr=18,7 min
Rad
ioac
tivid
ade
Tempo de retenção (min)
(5a)
2. Complexos Modelo com Ligandos N-heterocíclicos
78
A caracterização do complexo 6a foi efectuada por comparação do seu tempo de
retenção (tr) em HPLC com o tr do complexos de Re(I) análogo, sintetizado e caracterizado a
nível macroscópico (secção 2.3.2). No sistema de HPLC, a análise dos complexo de Re foi
realizada por detecção UV enquanto a dos complexo de 99mTc foi realizada por detecção da
radiação γ emitida pelo radionuclídeo. Como evidenciado na figura 2.12B, a co-injecção dos
complexos fac-[Re(CO)3(3,5-Me2pzSS-Et)]Br (6) (tr = 18.4 min) e fac-[99mTc(CO)3(3,5-
Me2pzSS-Et)]+ (6a) (tr = 18.7 min) confirmou que têm tempos de retenção muito semelhantes, o
que nos levou a considerar que estávamos efectivamente na presença de compostos
isoestruturais. Há que ter em conta que podem surgir ligeiras diferenças entre os tempos de
retenção (tr) dos complexos de Re e de 99mTc , uma vez que os detectores UV e gama se
encontram montados em linha e não em paralelo e, por isso, a detecção dos dois complexos não
é efectuada em simultâneo. Por outro lado, as características físico-químicas dos complexos
destes dois metais são muito semelhantes, mas não são exactamente as mesmas, o que também
pode justificar as pequenas diferenças entre os tempos de retenção dos respectivos complexos.
Em resumo, o rendimento e a pureza radioquímica com que se obtém o complexo fac-
[99mTc(CO)3(3,5-Me2pzSS-Et)]+ (6a) por reacção do precursor 5a com L3 é fortemente
dependente da concentração de ligando, como se pode constatar pelos dados apresentados na
tabela 2.4 e figura 2.14. O aumento da concentração de ligando conduz a uma conversão mais
eficiente do produto de partida e, ao mesmo tempo, minimiza a formação de impurezas
hidrofílicas
Tabela 2.4 – Efeito da concentração de L3 na pureza radioquímica do complexo 6a.
������� ������ ���� �������� ����
�����������
����� !"�����������"�#��$��
10-5 57,9 14,5 27,6
5 x 10-5 50.0 9,3 40,8
10-4 23,8 8,7 67,6
10-3 Residual 6,9 93,1
2. Complexos Modelo com Ligandos N-heterocíclicos
79
Figura 2.14 – Pureza radioquímica de 6a em função da concentração de L3.
A reacção de 5a com o ligando 3,5-Me2pzSS-CH2CO2Et (L4) nas condições
optimizadas para L3, ou seja concentração final de ligando em solução 5x10-3M e aquecimento
durante 60 min a 100ºC, conduz à formação da espécie radioquímica fac-[99mTc(CO)3(3,5-
Me2pzSS-CH2CO2Et)]+ (7a, tr = 17.7 min) correspondente à espécie isolada a nível
macroscópico fac-[Re(CO)3(3,5-Me2pzSS-CH2CO2Et)]Br (3, tr = 17.5 min). No entanto, a
reacção é acompanhada pela hidrólise da função éster não coordenada, formando-se
simultaneamente o complexo [99mTc(CO)3(3,5-Me2pzSS-CH2CO2H)]+ (8a, tr = 15.2 min), o que
foi confirmado pela comparação em HPLC com o complexo análogo fac-[Re(CO)3(3,5-
Me2pzSS-CH2CO2H)]Br (8, tr = 15.0 min).
Esquema 2.8 – Síntese e hidrólise do complexo 7a.
0
20
40
60
80
100
120
0 0,001 0,002 0,003 0,004 0,005 0,006
[L3] (M)
% c
ompl
exo
6a
TcN
N SS
COCO
CO
CO2Et99m
7a
+
TcN
N SS
COCO
CO
CO2H99m
8a
+
TcOH2
COCO
OH2
H2O
CO
37ºC, 24 h37ºC, 1 hL4 (5x10-3 M) PBS pH 7.4
99m
+
5a
2. Complexos Modelo com Ligandos N-heterocíclicos
80
A ocorrência de hidrólise foi praticamente eliminada quando se fez reagir 5a com L4
durante 60 min a 37 ºC, formando-se quase exclusivamente o complexo 7a. No entanto, a
incubação prolongada de 7a a 37ºC em PBS pH 7.4 resulta na sua transformação progressiva no
complexo hidrolisado (esquema 2.8 e figura 2.15).
Figura 2.15 – Cromatogramas de HPLC das soluções resultantes da reacção de precursor 5a com L4: A) [L4] = 5x10-3M, 1h a 37 ºC; B) Após incubação da preparação a 37 ºC durante 24 h. Condições
cromatográficas: Coluna: EC 250/4 Nucleosil 100-10 C18; Fluxo:1 ml/min; Eluente: TFA 0.1% / CH3CN
(gradiente); Detecção: γ e UV (254 nm).
Estudos de Estabilidade in vitro
Os estudos de estabilidade in vitro têm como objectivo prever processos de degradação
dos complexos de 99mTc que possam ocorrer in vivo. Concretamente, estes estudos tentam prever
a reoxidação nas soluções fisiológicas e a transquelatação com proteínas e aminoácidos
presentes em circulação e nos tecidos biológicos.
A cisteina e a histidina (figura 2.16) são aminoácidos que contêm um conjunto
de átomos doadores com afinidade reconhecida para a unidade fac-[99mTc(CO)3]+ pelo que,
frequentemente, a estabilidade in vitro dos complexos tricarbonilo de 99mTc(I) é avaliada através
de ensaios in vitro na presença destes aminoácidos. 72 A glutationa (GSH) é um péptido presente
tanto no meio intracelular como em circulação no meio extracelular. Este péptido é constituído
pelos aminoácidos ácido glutâmico, cisteina e glicina, sendo o enxofre da cisteina muito
Tc (8a) Tc (7a)
Tc (7a)
A
B
min.
2. Complexos Modelo com Ligandos N-heterocíclicos
81
reactivo, formando dimeros GSSG ou ligando-se à cisteina de outras proteínas. O estudo da
estabilidade dos complexos na presença de cisteina indicia a respectiva estabilidade na presença
deste tripéptido abundante, por exemplo, na corrente sanguínea.
SH
NH2
OH
O
N
N
NH2
OH
O
Cisteina Histidina
Figura 2.16 - Estrutura química da cisteína e da histidina
Escolheu-se o complexo fac-[99mTc(CO)3(3,5-Me2pzSS-Et)]+ (6a) para averiguar se os
complexos tricarbonilo de 99mTc(I) com ligandos pirazolo-ditioéter são estáveis na presença de
cisteína e histidina. Preparações deste complexo radioactivo, obtidas para [L3]=10-3 M, foram
incubadas na presença destes aminoácidos, a temperatura e pH fisiológicos (37ºC; tampão
fosfato salino pH 7.4) e com uma relação molar L3:competidor de 1:100. Ao fim de 1, 2, 4 e 6
h, foram recolhidas aliquotas da solução e procedeu-se à sua análise por HPLC. Na figura 2.17
representam-se graficamente os resultados obtidos. Após 6 horas de incubação com cisteína e
com histidina, a preparação do complexo 2a mantém uma pureza radioquímica de cerca de 80
%, não se tendo verificado qualquer transquelatação com os aminoácidos tendo apenas ocorrido
uma pequena percentagem de reoxidação a [99mTcO4]-.
Figura 2.17 – Estabilidade do complexo 6a (%) na presença de histidina (azul) e cisteína (preto) em
tampão PBS a 37ºC ([competidor]/[L3] = 100).
0 102030405060708090
100
0 1 2 3 4 5 6 7 Tempo (h)
% c
ompl
exo
6a
2. Complexos Modelo com Ligandos N-heterocíclicos
82
2.3. Conclusões
Com o objectivo de avaliar a possibilidade de preparar novos trans-dioxocomplexos de
Re(V) úteis para o desenvolvimento de radiofármacos, sintetizou-se o ligando 3,5-Me2pzNNN
(L1). Não foi possível demonstrar de forma inequívoca se L1 pode estabilizar esse tipo de
complexos, em parte devido à dificuldade em purificar os complexos formados nas reacções
estudadas em que se utilizou [ReOCl3(PPh3)2] (1) e trans-[ReO2(py)4]Cl (2) como compostos de
partida. Nesse estudo, o oxo-metóxido [ReO(OMe)(3,5MepzNNN)]BPh4 (3) foi o único
complexo isolado e caracterizado. Este complexo não é um modelo adequado para a síntese de
complexos de 99mTc, uma vez que não é previsível que seja possível prepará-lo nas condições
usuais de preparação de radiofármacos (meio aquoso) devido à labilidade do grupo metóxido.
No entanto, um facto positivo foi a constatação de que o ligando L1 se pode coordenar
equatorialmente como ligando tetradentado, tal como seria exigido para estabilizar complexos
de Re(V) do tipo trans –dioxo.
Prosseguiu-se com o estudo da química do Re(V) com o ligando doador de enxofre 3,5-
Me2pzSSS-CH2CO2Et (L2). Esperava-se que L2 fosse adequado para estabilizar complexos de
Re(V), com a vantagem de permitir uma derivatização expedita com biomoléculas, sem
necessidade de recorrer às estratégias de protecção/desprotecção exigidas para a maior parte dos
ligandos bifuncionais actualmente disponíveis. No entanto, não foi possível isolar nenhum
complexo de Re(V) com L2.
Face às dificuldades encontradas na síntese de oxocomplexos de Re(V) com L1 e L2 ,
os estudos com estes ligandos não foram efectuados com 99mTc. Ao contrário do que se esperava
quando se iniciou o trabalho descrito nesta tese, L1 e L2 não se mostraram promissores como
ligandos bifuncionais que permitissem estabilizar complexos catiónicos de Re(V) e ao mesmo
tempo a ligação a fragmentos com afinidade para o DNA.
A seguir, sintetizaram-se e caracterizaram-se os ligandos 3,5-Me2pzSS-R (CH2CH3
(L3), CH2CO2Et (L4), CH2CO2H (L5)). Confirmou-se que estes novos ligandos do tipo
pirazolo-ditioéter se coordenam de modo tridentado e facial à unidade fac-[ReCO)3]+, tal como
verificado previamente para ligandos relacionados do tipo pirazolo-diamina.75
O ligando L3 forma um complexo radioactivo, fac-[99mTc(CO)3(3,5-Me2pzSS-Et)]+
(6a), com estabilidade cinética e termodinâmica elevada. No entanto, a cinética desfavorável da
reacção de coordenação à unidade fac-[99mTc(CO)3]+ obrigou à utilização de uma concentração
2. Complexos Modelo com Ligandos N-heterocíclicos
83
elevada de L3 (10-3 M) para preparar 6a, o que fez com que o complexo tenha sido obtido com
baixa actividade especifica.
Ao nível macroscópico ou ao nível de 99mTc, a funcionalização de L3 com grupos
terminais do tipo éster ou ácido carboxílico não alterou o modo de coordenação NS2 deste tipo
de ligandos, isto é, essas funções não competiram com o anel de pirazolilo na coordenação ao
centro metálico.
Como visto atrás, o objectivo deste trabalho era introduzir novas classes de complexos
de 99mTc dirigidos ao núcleo de células tumorais que pudessem ter interesse na concepção de
radiofármacos para radioterapia dirigida. Pretendia-se obter complexos multifuncionais que
contivessem um fragmento com afinidade para o DNA e pudessem ser funcionalizados a
posteriori com uma biomolécula (nomeadamente um péptido) que lhe conferisse especificidade
para as células alvo. A questão da actividade específica apresenta grande relevância na
concepção deste tipo de compostos, uma vez que a presença de altas concentrações de
biomolécula não marcada (caso dos complexos multifuncionais obtidos com baixa actividade
especifica) pode saturar os receptores das células alvo, não permitindo que os complexos
radioactivos se liguem ao alvo. Comparando as reacções do precursor [99mTc(H2O)3(CO)3]+ (5a)
com os ligandos pirazolo-ditioéter (L3-L5) e com ligandos congéneres do tipo pirazolo-
diamina, previamente descritos pelo Grupo de Química Inorgânica e Radiofarmacêutica (QIR)
do ITN,75,76 conclui-se que as reacções com os ligandos pirazolo-diamina são mais limpas e
permitem obter complexos de 99mTc(I) com maior actividade específica. Concretamente, os
ligandos pirazolo-diamina permitem obter complexos que apresentam uma actividade específica
cerca de 100 vezes superior à obtida para os complexos análogos com os ligandos pirazolo-
ditioéter. As características muito mais favoráveis dos ligandos pirazolo-diamina fizeram com
que tivéssemos utilizado unicamente esta classe de ligandos para funcionalização com
fragmentos com afinidade para o DNA, como descrito no capítulo seguinte.