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1 FUNDAMENTOS SOBRE A PEDAGOGIA DE PROJETOS
O ser humano, na condição de um ser complexo, caracteriza-se pelo
constante movimento de construir e reconstruir a realidade, por meio da relação
consigo, com os outros e com o meio. Neste sentido, seus processos de construção
também se caracterizam como complexos nas ações legitimadas através da
aprendizagem, necessitando, para tanto, de condições igualmente complexas, para
efeito de construção de novos processos. Considerando essa tessitura entre sujeitos
e objetos complexos é que apresentaremos, na fundamentação teórica, a Pedagogia
de Projetos como proposta que contempla, pelo trabalho com pesquisa, processos
dialéticos favorecedores da aprendizagem de conceitos no Ensino de Ciências.
Para fomentarmos nossa discussão, o presente capítulo está organizado a
partir de quadro unidades principais, em que abordaremos sobre (1) o conceito de
projeto; (2) as dimensões de projetos, considerando as de caráter existencial,
antropológico, na área de conhecimento da administração e da educação; (3) a
pedagogia de projetos na educação a partir das concepções de Dewey (1955; 1957;
1959); e Kilpatrick (1978), de Behens (2006), de Moura e Barbosa (2008), de
Hernández e Ventura (1998) e, de Rojo (1997); e, por último, (4) pedagogia de
projetos e aprendizagem de conceitos no Ensino de Ciências.
1.1 O conceito de Projeto
Ao tratarmos do conceito de Projeto, encontramos sua origem em diferentes
áreas do conhecimento que a utilizam. Por exemplo, Warschauer (2001), ao
mencionar a definição dada por Machado (1997), afirma que o termo projeto é
derivado do latim projectus, sendo particípio passado de projícere, que significa algo
lançado para frente. No entanto, Warschauer afirma que esta apresenta
ambigüidades, por significar tanto o que é proposto a ser realizado, quanto o que
será feito para alcançar tal finalidade.
Warschauer, quando trata da ambigüidade, parte do fato de que os projetos
representam tanto os ideais que se almeja alcançar, quanto o delineamento das
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ações, o “como fazer”. Por outro lado, Maximiano (1997, p. 4) diz que “projeto é uma
sequência de atividades temporárias que têm o objetivo de fornecer um produto”.
Desse modo, sua afirmativa é similar à de Machado, deixando evidente que a
relação sincronizada das atividades com o objetivo pretendido não representa uma
ambigüidade, mas uma complementaridade necessária para se obter o
intencionado: o planejado.
Dependendo do sentido e das peculiaridades do direcionamento dado,
Behrens (2006) afirma que o termo projeto, nos séculos XIX e XX, é tratado para
designar idéia, perspectiva e intenção. Porém, no sentido de projetar corresponde a
arremessar, efetuar a projeção de, fazer incidir e, vinculado ao sentido de previsão
diz respeito a um empreendimento a ser realizado, enfocando uma visão de
antecipação do futuro. No dicionário, como menciona Behrens (2006, p. 33) “projeto
quer dizer: Idéia que se forma de executar ou realizar algo, no futuro, plano, intento,
desígnio”.
Para Nogueira (2003), os projetos são verdadeiras fontes de investigação e
criação, passando por processos de pesquisas, aprofundamento, análise,
depuração, criação de novas hipóteses instigando, a todo o momento, as diferentes
potencialidades dos elementos do grupo, bem como as suas limitações.
Decorrente do exposto, percebe-se a existência de algumas especificidades
em cada definição, sendo que uma não anula a outra. Pelo contrário,
complementam-se ou atendem a objetividades em cada área do conhecimento em
perspectivas de dimensões diversificadas, que trataremos a seguir.
1.2 Dimensões de projetos
Tendo em vista que as especificidades dos projetos se caracterizam a partir
de suas dimensões, e compreendê-las permite-nos definir e escolher com melhor
exatidão a que dimensão de projetos corresponde melhor às nossas expectativas e
aos objetivos a que estão direcionadas nossas ações, apresentaremos o trabalho
com projetos em dimensões existencial, antropológica, e na área de conhecimento
da Administração e da Educação.
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1.2.1 Dimensão Existencial
O ser humano, no decorrer de sua vida, como é próprio de sua natureza,
sente necessidade de dar sentido à sua existência. Nesta busca incessante em dar
sentido aos seus sentimentos, ações e conquistas, aquele é motivado a idealizar os
seus sonhos, projetando condições que propiciem um caminhar constante, em prol
de um objetivo que o motiva todos os dias a aprimorar seus meios de sobrevivência,
conforto e prazer. Neste sentido, Gonzaga (2008) afirma que, nesta busca
incessante pela auto realização, acabamos por desenhar um projeto de vida, seja no
campo da memória, ou mesmo em rascunho, representando os objetivos e ações
que colaboram para nosso bem-estar.
Dando ênfase ao projeto de Vida enquanto uma situação existencial de
projeto, Gonzaga (2008) apresenta um desenho que corresponde a um
delineamento das ações e metas a serem alcançadas nas diferentes fases da vida.
O primeiro momento incide na construção de um diagnóstico que possa representar
a situação em que a pessoa se encontra; o segundo é o reconhecimento dos
objetivos que se pretende alcançar; o terceiro refere-se às metas e atividades que
permitam a pessoa a visualizar o caminho que pode ser percorrido; o quarto diz
respeito à equipe, que poderá ser fortalecida para ajudar o sujeito durante o
processo; o quinto, voltado para o reconhecimento das forças resistentes que podem
dificultar o processo; e o último, corresponde aos resultados esperados.
Os momentos acima mencionados representam algumas fases que
colaboram na elaboração, mesmo que mental, de um projeto a ser executado para a
realização humana, pois como o homem é um ser inquieto, e faz parte de sua
natureza a necessidade de auto-realização, esses impulsos, em busca do auto-
melhoramento motiva-o na construção dos seus projetos pessoais, para efeito de
superação das necessidades e expectativas da sua condição existencial.
Ao se referir aos projetos de vida, Boutinet (2002) ressalta que, em um nível
psicológico, o projeto permite um sujeito antecipar ou designar uma fase da vida,
através de escolhas e decisões que marcarão uma etapa subseqüente que fazem
parte de momentos-chaves da existência. Aquele autor em questão faz referência a
três etapas marcadas pela elaboração de projetos: o projeto adolescente de
orientação e inserção, o projeto vocacional do adulto e o projeto de aposentadoria
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entre retirada e reprocessamento. Assim, cada fase da vida corresponde a um tipo
de projeto, direcionado a determinados interesses a que se pretende legitimar.
O projeto adolescente de orientação e inserção representa a fase em que se
busca a auto-afirmação e necessidade de identificação que perpassa desde as
orientações recebidas na escola até a definição da escolha de uma profissão.
O projeto vocacional do adulto centra-se principalmente na realização e
direcionamento para a vida profissional do adulto, que cada vez mais tem sofrido a
instabilidade, diante da estrutura social e econômica também mutável, exigindo do
adulto um planejamento e perspectivas para garantir uma estabilidade.
O projeto de aposentadoria entre retirada e reprocessamento representa o
momento em que o indivíduo programa sua saída do campo de trabalho e se
prepara para lidar com sua vida e limitações em um novo contexto.
A partir dessas fases da vida, vinculadas aos tipos de realizações
almejadas, é possível perceber que estamos submersos em uma cultura de projetos.
Mesmo que inconsciente, de uma forma ou de outra, projetamos nossas vidas e, em
cada fase, apresentamos características e condicionantes que determinam as
especificidades de cada projeto em que estamos inseridos, em suas distintas fases
correspondentes.
1.2.2 Dimensão Antropológica
Pensar em uma dimensão antropológica de projeto significa vislumbrar
como os projetos se configuram a partir da diversidade cultural de cada povo, de
cada época, em determinadas formas de organização social, com valores e objetivos
diferentes. Boutinet (2002, p. 267), a respeito disso, afirma que
[...] tentar a elaboração de uma antropologia do projeto é buscar compreender como funciona o projeto em diferentes conjuntos culturais, compreender de que modernidade este projeto é portador, permitindo avançar um pouco mais na elucidação da condição humana quando esta se preocupa com o „fazer advir‟.
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A funcionalidade dos projetos, nos diferentes conjuntos sociais a que se
reporta Boutinet, implica na compreensão das mudanças que também fazem parte
da dinâmica que rege a organização social. Decorrente disso, não podemos
consolidar uma dimensão antropológica de projeto de maneira fechada ou demarcar
seus limites, pois aquela corresponde à multifacetada realidade cultural. Logo, de
acordo com a caracterização e intenção do viés (cultural, econômico, familiar etc.) de
cada sociedade, os projetos representam um desenho antecipado que visa à
legitimação do padrão convencionado por uma coletividade. Podemos citar, como
exemplo, a observação de Boutinet (2002, p. 271), quando afirma que
[...] É o caso das nossas culturas industriais e pós-industriais; estas, mais do que suas antecessoras, vêem no projeto uma oportunidade privilegiada através da qual poderão assegurar seu próprio domínio sobre a natureza, garantia de seu desenvolvimento.
Sendo assim, os projetos são utilizados para a legitimação da cultura
industrial em que esforços são mobilizados, ações planejadas e metas traçadas para
a permanência de um status de organização industrial e tecnológica, para efeito do
seu respectivo prevalecimento e garantia de desenvolvimento. Atualmente, devido à
velocidade das tecnologias da comunicação e informação, mais ainda os projetos
têm sido utilizados por meio dos mecanismos de antecipação, tornando-se uma
referência obrigatória, como diz Boutinet (2002).
Como é possível observar, nos diferentes âmbitos da sociedade, a cultura
de projetos cada vez mais se legitima, principalmente por conta da dinamicidade
conjuntural em que a sociedade se apresenta. É o que pode ser verificado nas
empresas e demais setores de organização social em que, inclusive, na maioria dos
casos, apresentam uma certa obsessão por projetos.
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1.2.3 Dimensão na área de conhecimento da Administração
Os projetos, na área de conhecimento da Administração, são entendidos, de
acordo com Maximiano (1997), como uma técnica ou um conjunto de técnicas que
objetiva auxiliar os gestores no planejamento e elaboração de suas propostas, bem
como orientá-los na condução das fases de preparação, estruturação,
desenvolvimento e encerramento.
Os projetos, nesta perspectiva, são utilizados como um instrumento do
administrador, com o intuito de ajudar no gerenciamento da empresa na obtenção do
alcance das metas, criação de produtos e renda, a fim de otimizar o tempo e os
resultados. Para tanto, as fases que constituem o corpus dos projetos variam de
acordo com as peculiaridades e finalidades de sua construção, sendo enfatizados
diversos aspectos. Neste caso, podemos citar o trabalho em equipe como um
elemento imprescindível na execução de projetos, exigindo uma maturidade do
grupo, caracterizando o estilo de liderança do gerenciador, propiciando uma maior
ou menor participação entre os membros envolvidos.
A comunicação também é outro aspecto imprescindível na execução de
projetos, pois as relações de afinidade entre os membros da equipe contribuirão
para que o fluxo das informações não se comprometa, do contrário, as equipes se
desfalecem. A este respeito, Cleland e Ireland (2003) abordam algumas das
habilidades que contribuem para o bom andamento das relações sustentadas em
comunicações eficazes, sendo uma delas importância de saber ouvir, pois a escuta
sensível permite a descoberta de problemas encobertos, ajuda a não agir
precipitadamente sem ter o conhecimento real dos fatos, favorece o exercício de
compreender as idéias diferentes das nossas, contribuindo efetivamente para um
bom relacionamento da equipe.
Na dimensão em questão, os projetos estão direcionados para delinear as
ações de uma empresa, de maneira que se possa diminuir ao máximo os riscos de
erros, perdas e prejuízos. Neste sentido, muitos são os estudos para inferir
especificamente em cada fase ou item que deve ser considerado na elaboração de
um projeto, para que este seja realmente um instrumento propiciador de sucesso, ou
seja, os projetos nessa dimensão são utilizados, prioritariamente, para garantirem o
controle do processo dos empreendimentos, em prol do alcance dos resultados.
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1.2.4 Dimensão na área de conhecimento da Educação
Referente à dimensão na área de conhecimento da educacional, Gadotti
(1993) afirma que o movimento da Escola Nova marca o início do método dos
projetos, ideia que surge em oposição à educação tradicional. Adholphe Ferrière
(1879-1960), um dos pioneiros da Escola Nova, defendia o ideário de que a escola
ativa é a atividade espontânea, pessoal e produtiva, estando a criança no centro das
perspectivas educativas.
Neste cenário, John Dewey (1859-1952) foi o primeiro a formular o novo
ideário pedagógico, que deveria ser embasado pela ação e não pela instrução, como
no ideário da escola tradicional. A educação defendida por Dewey era pragmática e,
em sua concepção, as experiências concretas da vida se apresentam por meio de
problemas a serem resolvidos. Dessa maneira, a educação ajudaria os estudantes a
pensar, ao proporcionar, no ambiente escolar, atividades que pudessem desenvolver
a capacidade de resolução de problemas.
Em meio a essas novas formas de ver a educação, Delizoicov; Angotti;
Pernambuco (2002) afirmam sobre a necessidade de métodos, recursos e
estratégias que legitimassem o novo processo de ensino-aprendizagem proposto.
Neste contexto William Heard Kilpatrick (1871-1965) sistematizou o método de
projetos, sustentado na pedagogia de John Dewey, que se embasa na ideia de que
a criança vai para a escola para resolver os problemas enfrentados em seu dia-a-
dia. Nesta perspectiva, o professor é um guia e auxiliador, por ser uma pessoa mais
experiente.
Warschauer (2001) comenta que a pedagogia de projetos, surgida por volta
de 1915 e 1920, a partir de Dewey e Kilpatrick não foi considerada, nos anos 1970-
80, pela pedagogia por objetivos, que era centrada em um caráter bem pragmático e
direcionada à eficácia, implicando numa pedagogia racionalista e redutora da
complexidade dos processos de aprendizagem. Com o fracasso dessa pedagogia, é
retomada a pedagogia de projetos, apresentando-se como uma possibilidade de
mudança ao sistema educativo burocratizado e rígido. No entanto, no decorrer dos
anos, essa alternativa de mudança acabou por se tornar um modismo, perdendo sua
original finalidade.
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Atualmente, muitos estudiosos têm criado várias maneiras de se trabalhar
com projetos, que acabam não correspondendo à perspectiva de participação
constante dos estudantes sendo, na maioria das vezes, um roteiro a ser seguido,
contribuindo com uma racionalidade técnica.
Para compreendermos melhor as diversas maneiras com que a pedagogia
de projetos tem sido interpretada e utilizada, apresentaremos algumas concepções
de autores como Dewey (1955, 1957 e 1959) e Kilpatrick (1978), Behens (2006),
Moura e Barbosa (2009), Hernández e Ventura (1998) e Rojo (1997) que,
contribuem com os seus estudos e experiências, na fundamentação desta proposta
didática.
1.3 A Pedagogia de Projetos na Educação
No campo educacional, Boutinet (2002) adverte que a utilização de projetos
surge de forma confusa, pela diversidade semântica aplicada ao termo, bem como
as formas contraditórias de seu desenvolvimento, em que a relação de negociação
entre professor – aluno é esquecida, descaracterizando seus objetivos.
Partindo da diversidade de concepções sobre projetos, desde as diferentes
áreas do conhecimento até às diferentes maneiras de seu uso na educação,
abordaremos sobre a Pedagogia de Projetos enquanto um campo de estudo, desde
seus precursores até autores mais recentes que re-significaram a presente proposta
na dinâmica do fazer pedagógico.
1.3.1 Concepção de Dewey e Kilpatrick
A Pedagogia de Projetos, na condição de campo de estudo direcionado à
prática pedagógica por meio de projetos, tem como precursores Dewey e seu
discípulo Kilpatrick, fundamentada nas concepções de democracia e no
conhecimento pragmático, pautados em discussões de ordem social e educacional.
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A concepção de democracia de Dewey (1957, p. 91-92) exerceu influência
direta nos fundamentos que sustentam a Pedagogia de Projetos, uma vez que para
ele
[...] Uma democracia es más que una forma de gobierno; es primariamente un modo de vivir asociado, de experiência comunicada juntamente. La extensión en el espacio del número de indivíduos que participan en un interés, de modo que cada uno ha de referir su propia acción a la de los demás y considerar la acción de los demás para dar pauta y dirección a la propia, equivale a la supresión de aquellas barreras de clase, raza y território nacional que impiden que el hombre perciba la plena significación de su actividad.
Os princípios que norteiam a ideia de sociedade defendida por Dewey são
alicerçados na colaboração, participação e planejamento conjunto entre pessoas
maduras, capazes de refletir acerca de seus projetos de sociedade. No âmbito
educacional, essa concepção, ganha reforço a partir da articulação de processos de
resolução de problemas, em uma relação com as questões encontradas na vida em
sociedade.
A educação, nessa perspectiva, também visava atender aos princípios de
uma sociedade democrática, pois, como diz Béltran (2003, p. 51): “A democracia é o
nome desse processo permanente de libertação da inteligência”. Pensando nesses
fundamentos, não podemos dissociar as concepções de mundo, a idéia de
sociedade, os princípios que norteiam a visão de educação defendida por Dewey,
que sustentam a essência da Pedagogia de Projetos.
Outro fundamento da Pedagogia de Projetos está pautado na visão de
conhecimento pragmático, aliada à idéia do “aprender fazendo”, através da
articulação de processos mentais, por meio da reflexão, defendida por Dewey (1959,
p. 377-378) que assim se posiciona a respeito:
A teoria do método de conhecer [...] pode ser denominada de pragmática. Sua feição essencial é manter a continuidade do ato de conhecer com a atividade que deliberadamente modifica o ambiente. Ela afirma que o conhecimento em seu sentido estrito de alguma coisa possuída consiste em nossos recursos intelectuais em todos os hábitos que tornam a nossa ação inteligente. Só aquilo que foi organizado em nossas disposições mentais, de modo a capacitar-nos a adequar o meio às nossas necessidades e a
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adaptar os nossos objetivos e desejos à situação em que vivemos, é realmente conhecimento ou saber.
Deste modo, o ato de conhecer está direcionado às ações que provoquem
mudanças no ambiente, associado com o contexto dos alunos para que os hábitos
adquiridos sejam conseqüências de uma ação inteligente, que possibilite ao
estudante utilizar seus conhecimentos para atender às suas necessidades na
relação com o mundo.
Na concepção pragmática, a ênfase é dada à manipulação e articulação de
recursos intelectuais e materiais que possibilitem a construção do conhecimento,
uma vez que as reorganizações e as condições de uso das informações na relação
com o ambiente é que caracterizam o conhecimento ou saber.
Estas relações entre os recursos intelectuais e materiais com o mundo são
mediados pelos processos de intercomunicação, permitindo a troca de
conhecimento entre as pessoas, no aprender com os outros, enfatizado por Dewey
(1955, p. 205) ao dizer que
[...] Na proporção em que a pessoa se interessa mais ou menos por estas comunicações, a matéria destas torna-se parte da sua própria experiência. As associações ativas com outras pessoas constituem um elemento tão íntimo e vital de nossos interesses, que impossível é traçar nítida delimitação, que nos habilitasse a dizer: „Aqui finda a minha experiência: ali começa a tua‟.
De acordo com Dewey, o processo de comunicação tem a finalidade de
aproximar os sujeitos e possibilitar a troca de experiências, que vai enriquecer a
vivência de cada um no seu contato com o meio. Podemos perceber, então,
elementos que subsidiam a Pedagogia de Projetos, partindo da ideia de seus
precursores, que consideram a execução de projetos um trabalho coletivo,
sustentado em um método democrático, que contribui para a construção de um
conhecimento pragmático.
Para atender a essas especificidades que sustentam a prática de projetos,
Dewey reconhece a necessidade de alguns parâmetros que possam nortear a
realização dos projetos, sem que isso signifique a exigência de uma ordem
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preestabelecida e, segundo Lourenço Filho (1978, p. 208), algumas dessas etapas
são:
[...] recolher problemas, ou os fatos de uma situação; observar e examinar em seguida esses fatos, para situar ou esclarecer a questão proposta; elaborar depois uma hipótese ou solução possível, ou várias, procedendo-se a escolha de uma delas; verificar enfim, a confirmação da idéia elaborada, por sua aplicação como chave a outras idéias novas.
Dewey, ao propor alguns parâmetros que sustentam a Pedagogia de
Projetos, apresenta algumas pistas de como desenvolver uma metodologia que
trabalhasse com uma comunidade de sujeitos, a partir da escolha de um problema
real que levasse à discussão e à reflexão, para efeito de resolvê-lo, a fim de que,
através da busca de uma solução, comprovasse ou não determinada hipótese, cujo
resultado seria uma ponte para novos questionamentos, pesquisas e experiências.
Apesar de nas obras de Dewey e Kilpatrick não encontrarmos um
detalhamento maior no que concerne ao termo e especificidades da Pedagogia de
Projetos, verificamos a contribuição de Kilpatrick (1978) quanto às necessidades de
repensar a educação frente às mudanças ocorridas na sociedade, principalmente no
final do século XIX e início do XX, com os processos de industrialização.
Nesse contexto surgiu a preocupação com um método que pudesse
contribuir com processos democráticos de ensino, e também que ajudasse, por meio
do trabalho coletivo, na construção do conhecimento, tendo em vista a necessidade
da relação entre escola e vida, considerando sua complexidade. Esta intenção é
concretizada pelo colaborador de Dewey, William Kilpatrick.
Em prol da elaboração de um método de ensino que correspondesse com a
relação da construção do conhecimento para a vida, os primeiros ensaios com o
sistema de projetos teve seu inicio em uma Escola Primária da Universidade de
Chicago, em 1896, quando Dewey traçou uma nova teoria da experiência, para
definir o papel dos impulsos da ação ou a função dos interesses. Com esta
finalidade, Kilpatrick (apud LOURENÇO FILHO, 1978, p. 201) destaca as situações
sociais como um dos princípios essenciais na motivação para a dinâmica de
funcionamento dos projetos, ao comentar que
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As situações sociais que animem a estruturação e a realização de propósitos levam a respeitar a personalidade, porque permitem a cada pessoa escolher e realizar aquilo que aprecie, por lhe parecer mais digno, mais capaz de contribuir para a expansão de sua vida segundo os estímulos do seu coração. Ser respeitado nessa capacidade de projetar e realizar é a função da liberdade que caracteriza o estilo de vida democrática.
Partindo deste princípio, legitimador do ideário de uma sociedade
aproximada pela intercomunicação e sustentada por uma educação relacionada com
a vida é que a Pedagogia de Projetos, defendida por Kilpatrick, visa propiciar
liberdade de expressão, participação e respeito à diversidade como forma de criar
oportunidades de ação participativa, em que o grupo escolhe o que seja mais digno,
contribuindo para uma vida mais democrática.
Reforçando os princípios da Pedagogia de Projetos, Cunha (1999, p. 38)
afirma que
Dewey tinha como proposta educacional a vida em comunidade e a resolução de problemas emergentes nas mesmas. A escola deveria auxiliar as crianças a compreenderem o mundo através da pesquisa, do debate e da solução de problemas. Esse caráter coletivo da educação relaciona-se aos seus ideais democráticos onde todo procedimento educativo tem a finalidade de possibilitar a continuidade da vida do agrupamento social.
Portanto, a partir de tais ideários articuladores da vida em sociedade com a
educação é que se pauta a proposta da Pedagogia de Projetos, em contraposição
ao ensino tradicional, no período da Escola Nova, de maneira a corresponder aos
anseios de uma educação mais democrática. Corroborando com essa proposta,
Ghiraldelli Jr. (2006, p. 55) ressalta que “Aprender a aprender passou a ser o lema
de movimentos inspirados em Dewey porque „aprender‟ passou a ser visto como a
atividade de „re-significar experiências”.
Ratificando a fundamentação da Pedagogia de Projetos com o enfoque na
aprendizagem, outros estudiosos ressignificaram a proposta de Dewey e Kilpatrick,
ao proporem a adoção do rabalho com projetos na educação. Dentre estes, Behens
(2006), Moura e Barbosa (2009), Hernández e Ventura (1998) e Rojo (1997), sobre
os quais, inclusive, comentaremos a seguir.
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1.3.2 Concepção de Behens
Ao tratar sobre Projetos, Behens (2006) pauta-se em uma proposta de
educação complexa, global e emergente, ressaltando os processos democráticos de
escolha, a fim de incentivar a convivência em situações de consenso, a aceitação e
análise dos posicionamentos adversos, favorecendo a construção de processos de
autoconfiança, ao possibilitar que os membros atuem com independência e
competência, objetivando a vivência da democracia em atitudes e ações que levem
a aprendizagem.
Deste modo, o tratamento dado ao sentido de projetos na educação
“aparece com o sentido de proposição de uma prática pedagógica crítica, reflexiva e
problematizadora”, como afirma Behrens (2006, p. 33). Partindo desse princípio, os
projetos devem propiciar condições para que a ação reflexiva e a atitude crítica
frente às situações vivenciadas pelos educandos sejam exercitadas, relacionando-se
com as diferentes áreas do saber e com o contexto do aluno.
Para tanto, a autora em questão utiliza o termo enfoque globalizador, para
ressignificar a forma de organizar os conteúdos a partir de uma concepção complexa
ou holística de ensino. Considera também a relevância social, como elemento
caracterizador da Pedagogia de Projetos, uma vez que se apóia na abordagem
progressista, visando à transformação da sociedade.
Decorrente do exposto, ensinar a duvidar passa a ser um princípio básico
da Pedagogia de Projetos, gerando a superação das certezas, e adotando a
problematização como aliada na construção do conhecimento. Logo, não há uma
trajetória fixa no desenvolvimento dos projetos e o professor passa a ser o condutor
do processo. Porém, essa alternativa pedagógica requer um estudo prévio e
planejamento do professor, centrando, como foco do processo, a aprendizagem.
Apesar de Behens apontar algumas fases para o desenvolvimento de
projetos, enfatiza que cada professor pode criar a sua maneira de trabalhar com
projetos de acordo com as peculiaridades do contexto, da situação e das
necessidades.
Percebemos, nas considerações de Behens, alguns pontos em comum com
os princípios de Dewey e Kilpatrick, no que concerne ao caráter democrático e
progressista, associando a educação como um mecanismo de intervenção na
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sociedade, em que a vida do aluno, suas condições, seu contexto, também deve ser
um locus de estudo. Fator este que também consideramos fundamental na
articulação entre o objeto de conhecimento e o sujeito cognoscente, mediados pela
ação pedagógica, que se referindo ao nosso objeto de estudo, estará incluído na
nossa proposta, partindo da pedagogia de projetos, fundamentada em uma prática
de pesquisa que possam proporcionar aos estudantes a relação de suas
experiências com os conceitos de ciências na interconexão com a realidade.
1.3.3 Concepção de Moura e Barbosa
Ao se reportar à utilização de projetos educacionais, Moura e Barbosa
(2009, p.18) afirmam que “os projetos representam um caminho para a introdução
de mudanças e inovações nas organizações humanas”, pois muitos projetos
sucumbiriam se fossem reduzidos a atividades rotineiras ou atividades funcionais do
sistema. Sendo assim, a procura pela utilização de projetos aumentou
significativamente, em decorrência de que todo projeto é uma atividade
eminentemente instrutiva, isto é, a partir da implantação dos projetos, as pessoas
passam a se mobilizar em torno de objetivos comuns, exercitam suas habilidades no
coletivo, o que requer troca de conhecimentos e experiências.
Para Moura e Barbosa (2009), os projetos educacionais se caracterizam por
propiciarem atividades orientadas para a realização de objetivos específicos com um
princípio e um fim bem definidos e a realização de algo único, exclusivo, cujos
recursos são limitados (pessoas, tempo, dinheiro, etc.), apresentando dimensões de
complexidade e incerteza (ou risco) em sua realização.
Os projetos surgem, a partir dessa perspectiva, em função de um problema,
uma necessidade, um desafio, a fim de planejar, coordenar e executar ações em
prol da melhoria dos processos educativos e da formação humana em diferentes
contextos. Portanto, percebe-se que, de forma bem abrangente, os autores em
discussão consideram que o projeto educacional pode ser elaborado e executado
tanto por um indivíduo quanto por grupos, podendo ser realizado em parceria com
outras instituições. Assim, Moura e Barbosa (2009) consideram que qualquer setor
da sociedade, organizações governamentais ou não-governamentais, comunidades,
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etc. podem desenvolver projetos educacionais, não estando limitados apenas às
escolas, universidades, ou instituições em que acontece a educação formal.
1.3.4 Concepção de Hernández e Ventura
Hernández e Ventura (1998) oferecem sua contribuição ao campo de estudo
da Pedagogia de Projetos, quando apresentam os projetos de trabalho vinculados
ao desenvolvimento do conhecimento globalizado e relacional. Dessa forma,
favorecem a criação de estratégias de organização dos conhecimentos escolares,
no que concerne ao tratamento da informação e da relação entre os diferentes
conteúdos, em torno de problemas ou hipóteses que facilitem a construção do
conhecimento dos próprios alunos, por meio da transformação das informações
procedentes dos diferentes saberes disciplinares.
Com base na perspectiva dos projetos de trabalho, alguns aspectos mais
relevantes são apontados por Hernández e Ventura para sua organização e
execução como por exemplo: a escolha do tema que deve ser uma ação coletiva
entre alunos e professores; a relação entre o tema escolhido e os parâmetros
curriculares, fazendo uma mediação entre o que os alunos gostariam de estudar e a
proposta da escola para, a partir das definições dos conceitos, buscar as
informações necessárias, tanto pelos discentes quanto pelos docentes.
Assim, nos caminhos de execução da proposta de projetos de trabalho de
Hernández e Ventura, a aprendizagem fundamenta-se na significatividade,
embasadas nos estudos de Ausubel (1976). Relatam, também, alguns instrumentos
utilizados durante o processo percorrido com os projetos de trabalho, como: o índice
enquanto uma estratégia de aprendizagem, para ajudar os alunos a incorporarem
uma autonomia em lidar com suas próprias elaborações ao organizarem
informações e construírem o processo do projeto; o dossiê de síntese, para ordenar
os aspectos tratados no projeto e; a forma de busca das fontes de informação são
elementos singulares desta proposta que na relação com a de outros autores nos
possibilita perceber as diferentes estratégias que podem ser adotadas no
desenvolvimento de projetos.
Os autores mencionados, além de relatarem suas experiências, também
sugerem alguns instrumentos, como mencionamos acima, que podem ser utilizados
33
durante o desenvolvimento dos projetos, procurando aliar o currículo escolar com os
anseios dos estudantes, atendendo tanto o ideário de proposta democrática quanto
o da organização do espaço formal.
1.3.5 Concepção de Rojo
Ao abordar sobre a utilização de Projetos, Rojo (1997) propõe como um
desenho de procedimento didático que contemple a concretização de um modelo
ecológico-comunicativo, consistindo em um processo investigativo enquanto
instrumento para averiguar as relações entre o biotopo1 e a biocenosis2.
Esta proposta, partindo do modelo ecológico-comunicativo discutido pelo
autor em questão, “investiga el médio circundante hasta descubrir los problemas
subyacentes y relevante a los habitantes del ecossistema escolar” (1997, p. 155).
Neste sentido, considera as relações de influência recíproca entre o meio e o
ecossistema da escola, a fim de que os sujeitos da ação possam desenvolver um
olhar crítico por meio da autocrítica e das reflexões grupais.
Partindo desse princípio, a pesquisa é o fio condutor, através do qual as
demais ações se convergem, começando com a análise da prática escolar, advinda
das próprias inquietações dos alunos, com seus conhecimentos prévios, seus
valores, suas crenças, ou seja, de sua visão de mundo. Assim, as relações
elaboradas entre o saber implícito dos alunos e as novas informações que terão
contado, propiciarão um significado às suas próprias ações e ao esforço no
processo de construção do conhecimento.
Os professores, tanto quanto os estudantes, são pesquisadores em busca
de respostas para as situações que os inquietam e, nesta busca, são incluídos, tanto
os problemas do espaço escolar quanto do contexto vivido e sentido pelos sujeitos
1 Descripción Del context: espacio; recursos; posibilidades o perspectivas organizativas (ROJO, 1997,
p.158).
2 Características del alumno. Papel del professor y del alumno respect o a las negociaciones
curriculares: intenciones; temas educativos; estratégias de aprendizaje; temporalización; evaluación
(ROJO, 1997, p.158).
34
da pesquisa. Desse modo, por meio da participação ativa entre os membros
investigadores, a pesquisa se caracteriza como uma ação democrática.
Durante o processo de investigação, Rojo enfatiza a questão do trabalho em
equipe, como momento propiciador da troca de conhecimento e o desenvolvimento
da maturidade dos envolvidos, contribuindo para processos simétricos de
comunicação social, alegando que uma comunicação sem ruídos é adquirida ao
longo dos exercícios que o trabalho em grupo proporciona.
Quando se desenvolve o trabalho com pesquisa, suscita-se, por meio das
relações entre os estudantes e professores, atitudes críticas que colaboram para a
superação dos desafios, que serão encontrados no percurso da investigação no
ecossistema escolar, mas que com ações colaborativas pautadas na solidariedade,
firma-se um compromisso nas soluções dos problemas.
Para tanto, Rojo sugere que, durante a pesquisa, as técnicas utilizadas
estejam relacionadas ao paradigma ecológico, sendo algumas dessas a observação
participativa, a pesquisa-ação, o processo de triangulação, as técnicas flexíveis de
coleta de informações e o respeito à complexidade natural, considerando-se um
enfoque progressivo, proporcionando tanto a construção do conhecimento quanto as
atitudes críticas.
Para efeito de caracterização da pesquisa, o autor em discussão apresenta
um modelo para desenhar microprojetos ou unidades, chamando de “Aprender
Investigando”, cujo modelo, inclusive, orienta a nossa proposta de intervenção, a ser
descrito mais detalhadamente no capítulo posterior, como forma didática de
organização da estrutura de nossa pesquisa, na condição de percurso metodológico.
Com base nas apresentações das diferentes concepções dos autores que
trabalham com projetos, desde os precursores até os mais recentes, podemos
perceber similaridades, diferenças e complementaridade que discutiremos a seguir.
1.3.6 Similaridades, diferenças e complementaridade
Diante das diferentes concepções verificadas na unidade anterior,
percebemos a similaridade entre as discussões dos autores, quando concebem a
Pedagogia de Projetos como um método aberto, centrado em problematizações,
35
através das quais os sujeitos criam oportunidades de participação ativa em
processos investigativos, para efeito de construção do conhecimento. Logo, não
existe um modelo padrão a ser seguido, mas princípios que legitimam uma
perspectiva globalizadora, que pode ser construída no decorrer do fazer pedagógico.
As diferenças se apresentam nas especificidades que cada autor, sobre
essa pedagogia, adaptou para a sua realidade. Podemos citar como exemplo a
prioridade tomada por Hernández e Ventura (1998) em centrarem-se na relação do
currículo com os projetos de trabalhos, mas que não deixou de contemplar os
princípios da prática de projetos. Behens (2006) e Rojo (1997) enfatizam o enfoque
globalizador, dentro das especificidades de cada proposta. Por outro lado, mesmo
que este último ressaltando os processos de comunicação, ambos se reportam ao
paradigma ecológico. No caso de Dewey (1955; 1957 e 1959) e Kilpatrick (1978)
ambos enfatizam situações problematizadores, fundamentam-se nos princípios
democráticos e na intercomunicação, assim como Moura e Barbosa (2009) quando
relacionam a prática de projetos como caminhos para a mudança nas organizações
humanas.
A complementaridade entre as propostas apresentam-se pelo fato de que as
especificidades de cada técnica utilizada, as abordagens enfocadas, os instrumentos
de coleta de dados e outros podem ser articulados entre si, utilizados nas diferentes
propostas, de acordo com o que corresponda melhor às necessidades de cada
realidade escolar. As especificidades ou enfoques que foram enfatizados nas
concepções dos autores representam a diversidade pedagógica que a prática de
projetos pode proporcionar, ampliando as possibilidades de estratégias na
construção do conhecimento nos diferentes componentes curriculares.
A partir das considerações das diferentes concepções de projetos e as
diferentes maneiras de sua utilização no cotidiano escolar, discutiremos em que
medida seu desenvolvimento pode contribuir nos processos da aprendizagem de
conceitos no Ensino de Ciências.
36
1.4 Pedagogia de Projetos e Aprendizagem de Conceitos no Ensino de
Ciências
Ao discutirmos a Pedagogia de Projetos e os processos metodológicos
oriundos dessa prática, não podemos esquecer-nos da finalidade a que está
direcionada à escolarização, voltada tanto ao processo de ensino quanto ao
processo de aprendizagem. Logo, embora nossa referência seja a Pedagogia de
Projetos enquanto uma alternativa para o ensino, não podemos perder o seu foco
também na aprendizagem, uma vez que não é possível separar tais processos.
Decorrente disso, faz-se necessário entender como o ser humano ensina e com
aprende.
O ser humano, para se adaptar ao meio em que vive e se relacionar com as
pessoas, possui dois mecanismos complementares, um é a programação genética,
que dá condições para haver o desencadeamento de respostas complexas dadas a
estímulos e a ambientes determinados, permitindo que as espécies possam
sobreviver. Outro mecanismo é a aprendizagem que possibilita ao homem modificar
as pautas de comportamento frente às mudanças que se apresentam no ambiente
(POZO, 2002). Partindo deste principio, trataremos sobre a aprendizagem como um
mecanismo próprio do ser humano, que o permite lidar com as variações e
transformações na relação com o meio circundante, as pessoas e o conhecimento.
Pozo (2002), ao se reportar à aprendizagem, aponta para três componentes
básicos desta: (1) os resultados, chamados também de conteúdos, referindo-se ao
que se aprende; (2) os processos, que condizem a como se produzem as
mudanças, por meio dos mecanismos cognitivos, ou seja, a atividade mental da
pessoa que está aprendendo e; (3) as condições, relacionada ao tipo de prática que
ocorre para possibilitar os processos de aprendizagem.
A seguir, apresentaremos a concepção de aprendizagem, a partir dos
diferentes níveis de análise na perspectiva dos processos, de como se dá a
aprendizagem, quando tratamos da definição conceitual; as naturezas de
aprendizagem, na perspectiva dos resultados do que se pretende aprender, mais
especificamente a aprendizagem conceitual, como forma de discutir sua contribuição
para o ensino, na aprendizagem de conceitos de Ciências.
37
1.4.1 Definição de Aprendizagem
A psicologia cognitiva não apresenta uma única e compacta teoria da
aprendizagem, mas uma multiplicação de alternativas teóricas que se aproxima dos
mecanismos de processamento e funcionamento da vida humana, através das
representações mentais, sua manipulação e transformação das informações.
Durante muito tempo, o comportamentalismo se apresentou como única
teoria da aprendizagem, em decorrência da influência da corrente do positivismo
lógico (POZO, 2002). Para o comportamentalismo, partindo de uma concepção
empirista do conhecimento e uma ideia associativa da aprendizagem, o
comportamento é gerado a partir das condições de associação entre estímulo e
resposta. Neste caso a memória, a atenção e a consciência são conseqüências do
comportamento, e não uma causa daquele.
Com as novas ciências e tecnologias da informação, nos anos 50 e 60
causando um forte impacto, iniciou-se uma crise no comportamentalismo, havendo
uma abertura para a ampliação de um novo paradigma cognitivo, existindo
diferentes níveis de análise para sua compreensão, podendo estes níveis também
se integrarem entre si. A respeito disso, Pozo (2002) apresenta alguns níveis de
análise da aprendizagem, que correspondem a diferentes maneiras de
processamento do sistema complexo da mente humana. São eles:
1) A conexão entre unidades de informação: neste plano de análise, nosso
cérebro é composto por redes de neurônios, que se ativariam ou não,
dependendo da estimulação recebida. Para haver a aprendizagem, é
necessária a aquisição de novas pautas de ativação conjunta ou conexão
dessas unidades neuronais, formando redes. Assim, o conhecimento estaria
nessas unidades neuronais que, quando modificadas, levariam a novas
organizações, ocasionando a aprendizagem.
2) A aquisição e mudança de representações: concebe o sistema cognitivo
humano como um mecanismo de representação do conhecimento, que
consiste numa série de memórias conectadas através de certos processos,
sendo suas representações manipuladas para a execução de tarefas. Desse
modo, o processo de aprendizagem se configura a partir da relação entre as
representações armazenadas e os mecanismos de aquisição e mudança de
38
outras representações, juntamente com outros processos auxiliares como a
motivação, a atenção ou a recuperação do aprendido.
3) A consciência reflexiva como um processo de aprendizagem: neste plano, a
consciência é um processo efetivo de aprendizagem indo além de um
estado mental, que nos permite modificar o que sabemos e o que fazemos,
quer dizer, nos autocomplicarmos. Dessa forma, o sistema cognitivo é
sujeito à sua própria dinâmica de mudança, capaz, entre outras coisas, de
ter acesso, por processos de reflexão consciente, às suas próprias
representações e modificá-las, o que não ocorre com os sistemas
completamente mecânicos. Esta é uma posição das teorias construtivistas
da aprendizagem.
4) A construção social do conhecimento: neste outro nível de análise,
decorrente de outras teorias, a aprendizagem acontece por meio das
relações com as pessoas, diferentemente dos casos anteriores que se
processa pela ativação de mecanismos no interior do aprendiz. O mais
importante, neste caso, seria os formatos da interação social que origina as
mudanças observadas em todos os níveis anteriores. Assim, a partir do
enfoque sociocultural da aprendizagem a aquisição ou a mudança do
conhecimento acontece no marco das comunidades de aprendizagem, que
definem o sentido, as metas e uma consciência reflexiva das tarefas.
Podemos perceber, com a discriminação feita por Pozo (2002), que os
processos ativadores dos mecanismos de aprendizagem são variados. Por outro
lado, dependendo do tipo de aprendizagem que se deseja desenvolver, é possível
estimulá-los ou fomentá-los em prol do que se almeja alçar, quer sejam processos
mecânicos, reflexivos ou sociais.
Tendo em vista a diversidade dos processos ativadores da aprendizagem, a
discussão que pretendemos enfatizar está pautada nas condições que podemos
proporcionar ao aprendiz, a fim de desencadear processos internos e externos para
alcançarmos os resultados da aprendizagem. Para isso, é de fundamental
importância o esforço em tentarmos compreender, dente as diversas concepções, os
ensaios de como se processa a aprendizagem, a fim de refletirmos acerca das
condições favoráveis, pautadas nos diferentes mecanismos, para que a ação
pedagógica alcance sua finalidade.
39
Pozo (2002, p. 87) nos adverte que “[...] A memória humana é um sistema
construtivo, interativo, não um arquivo ou um museu em que o conhecimento é
armazenado e repousa à espera de que alguém um dia o recupere ou venha vê-lo”.
Por ser um sistema construtivo, influencia diretamente na forma de aprender,
necessitando de incorporação de novas representações ou mudanças das que já
temos na memória permanente. Sendo assim, para conseguir a incorporação das
novas representações ou mudanças das já adquiridas, processos diversos são
ativados, desde os mais mecânicos aos mais complexos de reestruturação. A
aquisição das informações mais duradouras que possibilitam a manipulação destas
são mais eficazes quando existe relações mais significativas entre as informações
que chegam com as representações já existentes na memória.
Alguns processos auxiliares da aprendizagem também ajudam a
incrementar as possibilidades de relações entre as informações e as mudanças,
para que durem e se generalizem com maiores chances de eficácia. Para tanto,
Pozo (2002) apresenta, dentre estes: a motivação, a atenção, a recuperação e a
transferência e, por fim, a consciência.
Quanto à motivação, ressalta-se a necessidade de se ter um motivo para
empreender determinado esforço para se superar a inércia de não aprender algo, do
contrário, a aprendizagem será bastante improvável. Claxton (apud POZO, 2002, p.
139) afirma que “[...] motivar é mudar as prioridades de uma pessoa, gerar novos
motivos onde antes não existiam”. Para conseguirmos mudar tais prioridades,
podemos utilizar motivos exteriores à aprendizagem ou motivos interiores.
No caso da motivação extrínseca, o motivo da aprendizagem não é o que se
aprende, mas as conseqüências de tê-lo aprendido. Referente a isso, podemos citar
as situações de prêmios e castigos muito utilizadas na teoria comportamentalista,
até hoje muito utilizada. No entanto, quando não é encontrado um significado para o
que está sendo aprendido, e o resultado já foi alcançado, esta aprendizagem ganha
um caráter passageiro.
Na motivação intrínseca, os estudantes conseguem perceber o significado
da aprendizagem e a razão para se esforçar está no que se aprende. Assim, isto
implica que gerar um desejo por aprender é fazer com que o aluno interiorize
motivos que, inicialmente, percebe fora de si.
Outro processo auxiliar da aprendizagem é a atenção, consistindo na
seleção das informações que os alunos devem se focar, uma vez que a nossa
40
memória de trabalho tem capacidade limitada, permitindo que certas tarefas não
consumissem tanta atenção. Neste sentido, Pozo (2002) ressalta algumas maneiras
de atrair ou chamar a atenção dos estudantes: apresentando materiais interessantes
na forma e no conteúdo, selecionando de forma adequada a informação que se
apresenta, apresentando informação moderadamente discrepante ou relativamente
nova.
A recuperação e a transferência das representações, presentes na memória
como conseqüência das aprendizagens anteriores, consiste também em um
processo auxiliar da aprendizagem, uma vez que aquilo que não recobramos ou não
usamos, acabamos por perder. Desse modo, é preciso planejar as situações de
aprendizagem, tendo em vista os momentos em que os estudantes irão recuperar o
que foi aprendido e também utilizar as representações já adquiridas para serem
transferidas a informações novas.
A consciência, outro auxiliar da aprendizagem, age como um processo
transversal aos anteriores, pois consiste no controle dos próprios mecanismos, por
estimular o aluno a uma tomada de consciência dos resultados que espera, dos
processos e condições que lhe propiciarão a aprendizagem.
Com base nesses processos auxiliares, encontramos alguns parâmetros
que podem ajudar-nos no momento de planejar e elaborar as condições propícias à
aprendizagem, uma vez que não é possível pretender ensinar alguém se não há a
compreensão dos processos implicativos da aprendizagem. Neste sentido,
contamos também com instrumentos que nos levem à reflexão para a criação de
outros auxiliares e procedimentos pedagógicos, que nos permitam desenvolver as
diferentes naturezas de aprendizagem.
1.4.2 Naturezas de Aprendizagem
Tomando como base os três componentes básicos da aprendizagem,
apontados por Pozo e apresentados anteriormente, abordaremos sobre os
resultados da aprendizagem, mostrando os tipos de aprendizagem com
determinados procedimentos de ensino, sendo a aprendizagem conceitual o foco a
que delimitaremos nossa discussão.
41
Na perspectiva dos resultados da aprendizagem, Pozo (2002) propõe uma
classificação de quatro principais naturezas de aprendizagem que podem ser
desenvolvidas, são estas:
1. Aprendizagem de fatos e comportamentos: trata-se de uma
aprendizagem implícita, que ocorre a partir da observação de comportamentos e
fatos regulares do cotidiano. Pode desdobrar-se em três grupos principais: (1)
Aprendizagem de fatos ou aquisição de informação sobre as relações entre
acontecimentos (ou conjunto de estímulos) que ocorrem no ambiente – quando
determinadas situações ambientais permitem fazer uma previsão do que vai
acontecer ou quando provocam reações emocionais; (2) Aprendizagem de
comportamentos ou aquisição de respostas eficientes para modificar condições
ambientais – quando, através da modificação ambiental, o homem evita as situações
desagradáveis e provoca as mais satisfatórias; e (3) Aprendizagem de teorias
implícitas sobre as relações entre os objetos e as pessoas – quando, a partir da
observação das regularidades e peculiaridades no comportamento de objetos (caem
e se movem de diferentes formas, alguns resistem ao fogo e outro não, etc.) e
pessoas (sorriem quando lhes sorrimos, pedem mais do que dão, etc) são criadas
“teorias”, de natureza implícita sobre o mundo e o que dele podemos esperar.
2. Aprendizagem social: consiste na aquisição de pautas de
comportamento e conhecimento condizentes com as relações sociais, requerendo
uma reflexão sobre os conflitos provenientes da própria conduta social. São
divididas em três categorias principais: (1) A aprendizagem de habilidades sociais –
consiste na aquisição de determinados comportamentos oriundos da interação
cotidiana; (2) Aquisição de atitudes - desenvolvimento de certas atitudes que se
modificam dependendo do contado com certas pessoas ou certos ambientes e; (3) A
aquisição de representações sociais – direcionada a organização da realidade social
como também para facilitar a comunicação e o intercâmbio entre os grupos sociais.
3. Aprendizagem verbal e conceitual: destina-se a transmitir o
conhecimento verbal. Na maioria das vezes, pela maneira como é trabalhada, o
ensino por ser voltado para uma aprendizagem conceitual, não cumpre sua função.
Pozo destaca três aspectos da aprendizagem conceitual: (1) aprendizagem de
informação verbal ou de fatos e dados - transmitidos à nossa memória, mesmo que
não expressem significado; (2) Aprendizagem e compreensão de conceitos -
permitem atribuir significado aos fatos, interpretando-os de acordo com o marco
42
conceitual, o que implica na utilização de conhecimentos prévios para traduzir ou
assimilar uma informação nova e; (3) Mudança conceitual ou reestruturação dos
conhecimentos prévios - fundamenta-se na construção de novas estruturas
conceituais a fim de integrar conhecimentos anteriores com a nova informação
apresentada.
4. Aprendizagem de procedimentos: relacionado com a aquisição e
desenvolvimento de nossas habilidades, destrezas ou estratégias para realizar
coisas concretas. Dividida em três categorias principais: (1) Aprendizagem de
técnicas - é uma maneira de se alcançar sempre os mesmos objetivos; (2)
Aprendizagens de estratégias – destinada a planejar, tomar decisões e controlar a
aplicação das técnicas para adaptá-las às necessidades específicas de cada tarefa
e; (3) Aprendizagem de estratégias de aprendizagem ou controle sobre nossos
próprios processos de aprendizagem, com o fim de utilizá-los de maneira mais
discriminativa, adequando a atividade mental às demandas específicas de cada um
dos resultados que descrevemos anteriormente.
Com base nos quatro tipos de resultados de aprendizagem apontados por
Pozo (2002), verificamos que, dependendo do que se pretende que os aprendizes
alcancem, há um tipo de processo a ser trabalhado, desde processos mais pontuais
de ensino, que implicam em memorizações, até processos mais complexos, que
exigem reestruturação dos conhecimentos já adquiridos, em função da associação
às novas informações.
Após a exposição das diferentes naturezas dos resultados da
aprendizagem, como nosso foco se pauta na aprendizagem conceitual, trataremos
mais especificamente dessa natureza relacionada ao Ensino de Ciências, como
forma de contribuir nos processos de ensino-aprendizagem que venha atender às
necessidades e peculiaridades dos estudantes, para uma melhor compreensão dos
conceitos trabalhados na disciplina de Ciências Naturais.
1.4.3 Aprendizagem de Conceitos no Ensino de Ciências
O ensino tem sido trabalhado a partir de uma visão de ciência bem
distanciada de como se constroem e evoluem os conhecimentos científicos, gerando
43
visões empobrecidas e distorcidas, ocasionando a rejeição pelo Ensino de Ciências,
convertendo-se em um grande obstáculo a aprendizagem (CACHAPUZ et al. 2005).
Um dos fatores que contribuem para este empobrecimento da visão do
Ensino de Ciências decorre da reprodução de conhecimentos já elaborados, sem
permitir que os estudantes se aproximem do processo de produção científica.
Decorrente disso, evidenciam-se concepções epistemológicas inadequadas, como
um dos principais obstáculos da Educação Científica. Logo, percebemos a
importância de atentarmos para a compreensão dos processos de construção do
conhecimento, enquanto base epistemológica das ciências e, por conseguinte, para
o processo de como aprendemos, a fim de se estender ao ensino tais reflexões.
Assim, os processos de intervenção, como é o caso dessa nossa pesquisa, devem
considerar a finalidade da aprendizagem.
A questão relacionada ao distanciamento do Ensino de Ciências com as
práticas de investigação científica percorre a história do Ensino de Ciências no
Brasil. Krasilchik apud Rosa (2004, p. 24), inclusive, afirmam que “em 1965 foram
criados seis Centros de Ciências no Brasil, nos quais os professores seriam
„treinados‟” para obter resultados eficazes no ensino, sem uma devida atenção ao
processo, o que nos confirma a preocupação com a técnica, enfatizando-se o
caráter dicotômico entre teoria e prática. Até hoje, como adverte Rosa (2004), esse
fato é percebido nos cursos de licenciatura, que separam claramente as chamadas
disciplinas pedagógicas das disciplinas específicas.
Neste contexto, para garantir a eficácia do Ensino de Ciências, segundo a
Fundação Brasileira para o Desenvolvimento do Ensino de Ciências (Funbec), criada
em 1967, era essencial que se considerasse dois fatores, primeiro, ter bons
materiais de ensino como laboratório e textos e, segundo, a atualização permanente
dos professores, através de treinamentos para a utilização de técnicas e recursos
modernos de ensino (ROSA, 2004).
Em detrimento das situações mencionadas quanto às dificuldades e
obstáculos à aprendizagem no Ensino de Ciências, nos reportamos à aprendizagem
de conceitos como uma das especificidades de nossa pesquisa, a fim de
analisarmos que processos de aprendizagem possibilitam a compreensão conceitual
dos estudantes no Ensino de Ciências, visando ao redimensionamento das práticas
pedagógicas, a fim de que sejam capazes de superar os obstáculos já referendados.
44
Para tanto, apresentaremos os processos que podem contribuir na
aprendizagem conceitual no Ensino de Ciências, tratando como pauta de discussão,
dentre os três aspectos de aprendizagem conceitual, discriminado por Pozo (2002),
dois deles: (1) Aprendizagem e compreensão de conceitos e (2) Mudança conceitual
ou reestruturação dos conhecimentos prévios.
A ênfase dada à aprendizagem e compreensão de conceitos está pautada
em uma perspectiva de ensino que considera os conhecimentos prévios dos
estudantes, a fim de possibilitar a ativação e conexão com o material de
aprendizagem; fator que amplia a porcentagem da eficácia de uma aprendizagem
significativa. Nesta perspectiva, o processo de compreensão vai se dando de
maneira gradual, sendo mais significativo quando se consegue estabelecer um
maior número de relações entre os diferentes componentes da aprendizagem
(condições, processos e resultados) e os conhecimentos já adquiridos em sua
memória permanente.
Pozo (2002, p. 212) relacionando à aprendizagem e compreensão de
conceitos à aprendizagem significativa, ressalta que
A aprendizagem significativa implicará sempre tentar assimilar explicitamente os materiais de aprendizagem [...] a conhecimentos prévios que em muitos casos consistem em teorias implícitas ou representações sociais adquiridas por processos igualmente implícitos.
Dessa maneira, exige-se que, durante o processo de aquisição das
informações novas, se desenvolva concomitantemente uma tomada de consciência
do que se está aprendendo, tornando explícito os conhecimentos prévios que até o
momento se encontravam implícitos. Logo, tais conhecimentos prévios vão se
modificando, crescendo, se ajustando ou se reestruturando com o contato das novas
informações.
Neste caso, ocorre a diferenciação progressiva, caracterizada como o
processo principal, que permite a compreensão ou assimilação de uma nova árvore
do conhecimento. “Consistiria em diferenciar dois ou mais conceitos a partir de um
conhecimento prévio indiferenciado” (AUSUBEL apud POZO, 2002, p. 212).
Juntamente com este processo de diferenciação é necessário o processo de
45
integração hierárquica, que consiste em “reconciliar ou integrar sob os mesmos
princípios conceituais tarefas e situações que anteriormente o aprendiz concebia de
modo separado” (idem, p. 213).
Portanto, percebemos que o processo de compreensão é muito mais
complexo do que os processos de repetição ou memorizações, que não exigem uma
reflexão ou consciência do processo, distinto da aquisição de comportamentos
implícitos. Por isso optamos tratar, em nossa pesquisa, no que se refere à
aprendizagem conceitual, os processos mais significativos e duradouros da
aprendizagem.
No segundo aspecto, a Mudança conceitual ou reestruturação dos
conhecimentos prévios diz respeito a um processo mais complexo ainda, visto que
provoca abalos mais fortes quanto aos conhecimentos já adquiridos, que não
condizem com as novas informações que se pretende aprender. Neste sentido,
Thagard (1992 apud, Pozo, 2002) enfatiza que tais processos representam uma
verdadeira “revolução conceitual”. Mas, para se chegar a esse nível, implica em ter
passado por processos mais elementares da aprendizagem como o crescimento,
ajuste por generalização e discriminação dos conhecimentos e outros.
Em detrimento da complexidade dos processos de mudança conceitual ou
reestruturação dos conhecimentos prévios, ainda são escassas as pesquisas nesta
área, sendo tais estudos mais especulativos do que teorias consolidadas. Porém,
Pozo (2002) discute em que situações essa mudança conceitual se faz necessária e
como ocorre.
Uma das dificuldades de se operar mudanças conceituais, de acordo com
investigações sobre a aprendizagem, estão relacionadas à maneira de como o
ensino tem sido trabalhado com os estudantes, priorizando-se mais a transmissão
de informações do que a reestruturação dos conhecimentos já adquiridos,
provocando mudanças menores do que o desejável.
Alguns estudos são desenvolvidos, objetivando a criação de estratégias ou
modelos de ensino que provoquem mudanças conceituais. Pozo (2002, p. 222), por
exemplo, faz referência a alguns deles, quando assim se pronuncia:
A idéia básica dos modelos de instrução baseados no conflito cognitivo é que a reestruturação dos conhecimentos se produziria como conseqüência de submeter o aluno a um conflito, seja empírico (com a „realidade‟) ou
46
teórico (com outros conhecimentos) que induza o abandono desses conhecimentos em benefício de uma teoria explicativa.
Percebemos, no modelo de instrução baseado no conflito, a preocupação
em criar mecanismos de intervenção que provoquem uma instabilidade nos
conhecimentos já adquiridos, porém, a simples apresentação do conflito não
significa no desencadeamento da mudança conceitual, sendo necessário um
conjunto de conflitos e situações empíricas e teóricas, que ofereçam sustentação
necessária para a reestruturação e mudança conceitual.
Dentre os modelos de intervenção, na busca da mudança conceitual,
resumindo os pontos em comum de diversas propostas de estudos nessa área,
Pozo (2002, p. 222) apresenta algumas fases principais, quando assim se posiciona.
[...] Num primeiro momento, utilizam-se tarefas que, mediante inferências de previsão ou solução de problemas, ativam os conhecimentos ou as teorias prévias dos alunos. A seguir, confrontam-se os conhecimentos assim ativados com as situações conflitantes, mediante a apresentação de dados ou a realização de experiências. [...] O grau de assimilação das novas teorias dependerá de sua capacidade para explicar novos exemplos e de resolver os conflitos apresentados e de como o aprendiz resolve esses conflitos [...].
Decorrente do exposto pelo mencionado autor, percebemos algumas
estratégias de ensino que podem provocar a instabilidade cognitiva, em prol da
mudança conceitual. Vale ressaltar o apoio de teorias que fundamentem as
experiências de conflitos que são de fundamental importância, por oferecerem
sustentação às experiências empíricas, para que não sejam entendidas como
“exceções” de “comprovações teóricas” que sustentam o conhecimento prévio dos
estudantes.
Portanto, a pretensão deste trabalho é fomentar discussões acerca de
estratégias de ensino que provoquem tanto a Aprendizagem e compreensão de
conceitos quanto a Mudança conceitual ou reestruturação dos conhecimentos
prévios, por meio de situações problemas e conflitos cognitivos que possibilitem a
aprendizagem de conceitos, mais especificamente, no Ensino de Ciências.
Relacionando a perspectiva dos conflitos cognitivos com a proposta da Pedagogia
47
de Projetos, baseada em situação problema, mobilizando os interesses e escolhas
dos estudantes em buscar soluções às inquietações suscitadas coletivamente entre
os sujeitos, trataremos a seguir sobre esta proposta enquanto uma alternativa
didática para intervir na ação pedagógica.
1.4.4 A Pedagogia de Projetos na Aprendizagem de Conceitos no Ensino de
Ciências: Limites e Possibilidades
A Pedagogia de Projetos, como alternativa didática para o ensino-
aprendizagem, é uma possibilidade para a contemplação dos processos de reflexão
e pesquisa no cotidiano escolar, ao se trabalhar com o Ensino de Ciências, uma vez
que
Diferente dos cansativos e anacrônicos trabalhos de casa e das pesquisas que se transformam no máximo em „bons‟ exercícios de caligrafia, já que elas refletem apenas a cópia de centenas de enfadonhas palavras de um livro, os projetos ampliam em muito as possibilidades de trabalhar com os conteúdos, indo além da forma conceitual e articulando diferentes áreas do conhecimento. (NOGUEIRA, p. 93)
Com o objetivo de ampliar os enfoques, tanto teóricos quanto metodológicos
que são utilizados no Ensino de Ciências, a Pedagogia de Projetos possibilita
mecanismos de articulação entre reflexão e pesquisa no trabalho com os conceitos,
que vão para além de direcionamentos disciplinares e convencionais, por dispor, nas
interações coletivas, de estratégias de ressignificação dos conteúdos a serem
trabalhados com os estudantes, perpassando as diversas áreas do conhecimento, e
atendendo às exigências da ação educativa que implica em processos complexos,
multifacetados, instáveis e singulares (WARSCHAUER, 2001). Além do que os
processos de mudanças constantes na sociedade, desde sua organização e
inovações tecnológicas até a velocidade com que se articulam e modificam os
saberes, exigem reflexões que venham atender às necessidades dos estudantes em
um mundo globalizado em constante instabilidade e conexão.
Para tanto, ao pensar em uma perspectiva de ensino-aprendizagem que
contemple tais singularidades, Warschauer (2001, p.133) se reportando à
48
perspectiva de aprendizagem na visão de Maturana e Varela, afirma que aquela
consiste em “um processo criativo de auto-organização através do qual a pessoa
amplia seus recursos, podendo enfrentar melhor os desafios e obstáculos com que
depara”. Tais processos de auto-organização, geram-se a partir de condições
propícias que se oportunizam aos estudantes e, diante disso
[...] uma atividade desenvolvida com a formatação de projeto possibilita a ampliação do processo de construção do conhecimento, já que os alunos realizam a descrição de suas hipóteses planejadas, executam os processos para pesquisa e descobertas, analisam e refletem sobre suas aquisições e ainda utilizam-se de seu senso crítico, depurando e replanejando seus trabalhos. (NOGUEIRA, 2003 p. 128)
A partir desse princípio é que pretendemos legitimar a Pedagogia de
Projetos na condição de alternativa didática para o Ensino de Ciências.
Principalmente porque, através dos processos coletivos e internos desenvolvidos
entre os sujeitos da ação educativa, as informações vão se reorganizando,
proporcionando estruturas internas de acomodação das informações, objetivando a
construção de um novo conhecimento, a partir dos já adquiridos. A dinâmica dos
projetos proporcionaria desafios, problemas e conflitos cognitivos para estimular e
ativar as unidades neurais dos sujeitos.
Nessa perspectiva, quando os estudantes são levados a pensar uma
problemática concernente a determinado assunto que gostariam de conhecer, se
remetem ao que já sabem (conhecimentos prévios), procurando suprir as lacunas do
que ainda desconhecem. Por conseguinte, no momento em que elaboram hipóteses
do que poderia ser o que estão pesquisando, ativam as unidades neurais, buscando
relacioná-las, objetivando criar conexões entre os próprios conhecimentos já
existentes por meio de associações e generalizações, tentando reorganizar suas
informações.
Além disso, a partir do momento que os estudantes iniciam o processo de
pesquisa e, por conseguinte, o processo de reflexão, através da mediação do
professor, começam a ter os primeiros contatos com a informação nova, que
possibilitará a confrontação ou associação com o que já sabem. Vale ressaltar que a
mediação do professor neste contexto é de fundamental importância, para suscitar a
inquietação, a dúvida e os desafios que contribuirão para os processos de reflexão.
49
Tratando da importância da pesquisa na Pedagogia de Projetos, quando
atrelada à reflexão, de acordo com o pensamento de Dewey, comentado por
Lalanda e Abrandes (1996, p.49) se origina
[...] de uma situação problemática, de incerteza e de dúvida... considerada por Dewey como o primeiro momento na medida em que, de qualquer modo, sugere, embora vagamente, uma solução, uma idéia de como sair dela. O segundo momento da indagação é o desenvolvimento desta sugestão, desta idéia, mediante o raciocínio aquilo a que Dewey chama a intelectualização do problema. O terceiro momento consiste na observação e na experiência: trata-se de provar as várias hipóteses formuladas, eventualmente de lhes revelar a inadequação, e então o quarto momento da indagação consistirá numa reelaboração intelectual das primeiras sugestões ou hipóteses de partida. Chega-se assim a formular novas idéias que encontram no quinto momento da indagação a sua verificação, que pode consistir, sem dúvida, na aplicação prática ou simplesmente em novas observações ou experimentações probatórias.
Os momentos da pesquisa não significam que devam ser seguidos sempre
na ordem como foram apresentados pois, de acordo com as situações e os
problemas a serem investigados, podem variar a sua seqüência, criando-se novos
momentos que facilitam a solução do problema encontrado, mas que sempre exigem
a análise e a síntese das informações, a fim de criar uma base sólida de
conhecimento.
Com base na reflexão e pesquisa, a Pedagogia de Projetos também
fundamentada nos estudos de Dewey (apud LALANDA e ABRANDES, 1996), parte
da solução de problemas, incluindo os processos de reflexão e pesquisa no
cotidiano escolar, por possibilitar o estudo de determinados conceitos, através da
dinâmica proveniente da investigação a partir de problemas, sustentadas em
processos constantes de análise e síntese.
Conforme o exposto, o ambiente da sala de aula torna-se um local
propiciador de mecanismos favoráveis à inquietação, à busca do saber, através de
processos de retroalimentação entre discentes e docentes, a fim de contribuir em
possíveis intervenções no contexto em que os sujeitos se encontrem, pois
À Educação interessa fundamentalmente o pensar real, interessa criar atitudes que desenvolvam nos seres humanos um pensamento efectivo,
50
uma postura mental de questionar, problematizar, sugerir e construir a partir daí um conhecimento alicerçado em bases sólidas. (LALANDA; ABRANDES, 1996, p.55)
A necessidade de articular à educação processos vinculados com o real,
com a vida e com os problemas a partir do contexto dos sujeitos envolvidos no
cotidiano da sala de aula, contribui significativamente no processo de ensino-
aprendizagem, uma vez que quando os estudantes participam ativamente da
organização das informações com o auxílio dos professores, através de suas
inferências, desenvolvem a construção do seu próprio conhecimento, pois, do
contrário, não seria possível ultrapassar o nível da informação, comprometendo as
bases imprescindíveis da solidificação do conhecimento.
Mediante a preocupação com as bases sólidas que propiciam a construção
do conhecimento, Delval (2007, p. 127) reforça a idéia de que as
[...] reorganizações dos conhecimentos são muito importantes e constituem um fator essencial do progresso cognitivo. Os sujeitos parecem procurar uma coerência interna em seus conhecimentos [...], o que Piaget chamou
equilibração.
Desse modo, os momentos de cooperação e compartilhamento do saber,
advindos das pesquisas coletivas entre discentes e docentes, propiciam os
processos de reflexão que também são vivenciados internamente, nas
reorganizações das informações, a fim de transformá-las em um conhecimento novo.
Nesta dinâmica da construção do saber, tanto professor quanto aluno são
sujeitos epistêmicos, por serem sujeitos que constroem conhecimento
incessantemente, como ressalta Becker (2007). Nessa perspectiva é que
enfatizamos que os professores no Ensino de Ciências não devem se limitar a
explicar os conhecimentos a que a ciência chegou como um acúmulo de
informações mas, como afirma Delval (2007, p.127), estes têm que
[...] situar o seu aluno diante dos problemas e incitá-lo a buscar por si mesmo e encontrar soluções. Se são incorretas, incompletas ou
51
contraditórias, deve levá-lo a enfrentar essas contradições, que talvez não possa resolver nesse momento [...].
No entanto, através de uma atitude de investigação da própria natureza e do
seu meio, na interação sujeito-objeto, os estudantes tornam-se investigadores de si
mesmos e da realidade que os rodeia, aprimorando sua forma de compreender e
intervir nos problemas em busca de soluções.
Percebemos, assim, que a contribuição da Pedagogia de Projetos na
aprendizagem de conceitos, uma vez que possibilita tanto a Aprendizagem e
compreensão de conceitos quanto a Mudança conceitual ou reestruturação dos
conhecimentos prévios, que consistem em dois aspectos da aprendizagem
conceitual proposto por Pozo (2002), por oportunizar, tanto a associação da nova
informação com os conhecimentos prévios, quanto a ativação de conflitos cognitivos
que desencadeiam, novas conexões entre as unidades neurais, mobilizando as
estruturais cognitivas.
No entanto, um dos limites que podem ser encontrados durante a utilização
da Pedagogia de Projetos é que estes processos estão condicionados à mediação
docente, pois, no momento da intervenção pedagógica, se não houver a
compreensão de tais mecanismos de ativação dos processos cognitivos, e a
Pedagogia de Projetos for utilizada como um cumprimento de ações desconexas e
sem significação, o objetivo esperado não será alcançado.
Outro ponto a ser ressaltado diz respeito à dinâmica própria do cotidiano
escolar, que apresenta diferentes situações, desde a preocupação com os serviços
burocráticos que as instituições de ensino exigem para sua manutenção, até
processos mais complexos da utilização dos conhecimentos docentes com o
processo de ensino-aprendizagem, que podem gerar implicações no momento do
desenvolvimento da Pedagogia de Projetos na aprendizagem de conceitos no
Ensino de Ciências.
Necessita-se de um redimensionamento no Ensino de Ciências, a fim de
que se torne mais próximo da construção do conhecimento científico. Somente
assim será possível superar os obstáculos de um ensino predominantemente
memorístico, capaz de ultrapassar as barreiras impostas pela burocracia da
organização do trabalho pedagógico, urgente para que o contexto historicamente
construído possa renovar-se e realmente contribuir na educação científica.
52
2 O PERCURSO INVESTIGATIVO
Para visualizarmos, de maneira geral, o percurso investigativo que
acompanhou todo o trajeto da pesquisa, apresentaremos o desenho a seguir (Figura
1), para efeito de síntese dos capítulos, a fim percebermos como se construiu o
processo, partindo de um problema, da construção da fundamentação teórica, da
elaboração da proposta de intervenção com o projeto Aprender Pesquisando, com a
utilização das técnicas para a construção do diagnóstico e, a partir desse, o
replanejamento da proposta inicial, dando origem a uma nova proposta, que foi
executada, avaliada, possibilitando-nos a sistematização e constatações da
pesquisa, na relação entre a Pedagogia de Projetos e a Pesquisa-Ação.
Figura 1: Desenho do percurso investigativo
53
2.1 Os fundamentos do percurso metodológico
Nesta unidade apresentaremos os fundamentos que sustentam o percurso
metodológico pautada na Pesquisa-Ação, centrada na abordagem qualitativa e na
utilização das técnicas da observação participante, entrevista, questionário,
construção e aplicação do Projeto Aprender Pesquisando.
2.1.1 A Pesquisa-Ação
A pesquisa-ação foi utilizada para mediar o percurso metodológico da
investigação, tendo em vista que a pesquisa baseou-se em processos de
participação ativa dos sujeitos, para a consolidação da Pedagogia de Projetos. Tal
método possibilitou o desenvolvimento de mecanismos capazes de contribuir com a
aprendizagem de conceitos, por meio da interação entre professores, alunos e
pesquisador.
Desse modo, apresentaremos um breve histórico da pesquisa-ação e a visão
da Escola Francesa, para esclarecer que perspectiva de pesquisa-ação assumimos
nesse trabalho.
2.1.1.1 Breve histórico
A pesquisa-ação, longe de ter uma concepção única entre os autores que a
discutem, tem sua origem marcada com o trabalho de Lewin em torno do período da
Segunda Guerra Mundial, como afirma Gómez, Flores e Jiménez (1999, p.52),
caracterizando-a a partir de quatro fases: “[...] planificar, actuar, observar y
reflexionar [...]”, baseadas nos princípios da independência, igualdade e cooperação.
Com o passar dos anos, a natureza de pesquisa em questão tem se
configurado em diferentes contextos geográficos e ideológicos. No entanto,
apresenta algumas características em comum dentre as diferentes concepções.
Primeiramente destacando-se o caráter da ação, o que define o método da
pesquisa, implicando na participação ativa dos sujeitos, tendo como foco os
54
problemas advindos da prática educativa, rompendo com a dicotomia entre teoria e
prática (GÓMEZ; FLORES e JIMÉNEZ, 1999).
Outra característica em comum da pesquisa-ação é que defende a união
entre pesquisador e pesquisado, não podendo ser desenvolvida de maneira isolada,
mas sim de forma sistemática, reflexiva e comunitária, em que as decisões são
tomadas em conjunto, desenvolvendo a autocrítica, objetivando a transformação do
meio social.
Mesmo com essas características em comum, vamos encontrar também
especificidades sobre a Pesquisa-Ação, conforme as diferentes concepções que
procuram legitimá-la. Consequentemente, reportaremo-nos à Escola Francesa,
como opção a ser adotada na presente pesquisa.
2.1.1.2 Pesquisa-Ação na Visão da Escola Francesa
Decorrente da diferenciação de situações e contextos com marcos
situacionais diversificados, o uso da pesquisa-ação foi apresentando especificidades
para atender às necessidades de cada realidade. Logo, a pesquisa ação, na Europa,
especificamente na França, foi direcionada “para as instituições sociais, concebidas
como portadoras de uma „violência simbólica‟, e para movimentos sociais de
libertação (ecológicos, estudantis, de minoria) [...]”, como apresenta Haguette (2001,
p. 110).
A partir dessas especificidades da pesquisa-ação, visando a uma
transformação frente às situações de violência simbólica e movimentos de
libertação, Barbier (apud HAGUETTE, 2001, p. 142) caracteriza a pesquisa-ação
como uma “atividade de compreensão e explicação da práxis dos grupos sociais por
eles mesmos, com ou sem especialistas em ciências humanas e sociais práticas,
com a finalidade de melhorar essa práxis”.
Tendo em vista a caracterização feita por Barbier e com a finalidade de
provocar discussões, processos de compreensão e explicação coletivamente com os
sujeitos, é que se pretende contribuir para a aprendizagem de conceitos no Ensino
de Ciências, por meio de processos reflexivos com todos os sujeitos envolvidos na
práxis pedagógica, adotando-se, para isso, a Pedagogia de Projetos.
55
Uma vez que optamos pela pesquisa-ação, como método de investigação,
assumimos que a respectiva natureza de pesquisa centrar-se-á na abordagem
qualitativa, conforme descrição abaixo.
2.1.2 Abordagem Qualitativa
Os momentos que caracterizam a pesquisa são norteados pela abordagem
qualitativa, por entendermos que a área educacional exige certas especificidades na
relação pesquisador e objeto de estudo. Para tanto, concordarmos com Ghedin e
Franco (2008) de que a educação é um fenômeno integral e complexo, necessitando
considerar, em seus processos investigativos, o contexto onde está situado o objeto
em estudo, seus implicativos e circunstâncias. Decorrente disso, a pesquisa é
acompanhada pelo olhar do pesquisador em momentos recursivos, visto que:
[...] mesmo se nós nunca nos banhamos duas vezes no mesmo rio,
segundo a forma heraclitiana, ocorre-nos olhar duas vezes o mesmo objeto
sob ângulos diferentes. [...] Assim, na ação, o pesquisador passa e repassa
seu olhar sobre o “objeto”, isto é, sobre o que vai em direção ao fim de um
processo realizando uma ação de mudança permanente (BARBIER, 2004,
p.117 e 118).
A partir do olhar do pesquisador, considerando-se a perspectiva das
variantes e reações de toda ordem que o momento vivo da pesquisa pode
apresentar, a abordagem qualitativa permite ampliar o olhar daquele sujeito, por
considerar as especificidades de um fenômeno em termos de suas origens e de sua
razão de ser.
Além disso, adotamos a abordagem qualitativa nessa pesquisa porque nos
possibilita enfatizar as experiências, sensações e emoções dos próprios sujeitos
envolvidos, assim como permite ressignificar a Pedagogia de Projetos através da
pesquisa-ação, como uma possibilidade de legitimar a aprendizagem de conceitos
pelos sujeitos, focada em uma análise que ultrapasse a observação direta
(HAGUETTE, 2001).
56
Além disso, considerando os conceitos-chave de nossa pesquisa
(Pedagogia de Projetos, Aprendizagem de Conceitos e Ensino de Ciências) na
relação com os sujeitos participantes, percebemos a correspondência com as
características de uma pesquisa qualitativa que consiste, segundo Gómez; Flores e
Jiménez (1999, p. 32) no estudo da “realidad en su contexto natural, tal y como
sucede, intentando sacar sentido de, o interpretar, los fenómenos de acuerdo con
los significados que tienen para las personas indicadas”.
Com a pretensão de realizar uma pesquisa que considerasse a realidade e
o contexto em que se situam e influenciam os sujeitos, procurando interpretar os
significados de tais fenômenos, é que buscamos comprovar de que maneira a
Pedagogia de Projetos pode contribuir na Aprendizagem de Conceitos no Ensino de
Ciências.
2.1.3 Observação Participante
A observação é de caráter participante, pois consiste na participação ativa
do pesquisador (GRESSLER, 2003), como membro do grupo. No entanto, Bogdan
(1994) nos adverte quanto à mediação que deve ser firmada pelo pesquisador em
ter o equilíbrio no momento de se aproximar e se “distanciar” do seu objeto de
estudo no decorrer da investigação.
Tendo em vista a abordagem qualitativa, o que implica em um olhar para
além da observação direta, a observação participante, de acordo com Schwartz e
Schwartz (apud HAGUETTE, 2001, p.71) é um:
[...] processo no qual a presença do observador numa situação social é mantida para fins de investigação científica. O observador está em relação face a face com os observados, e, em participando com eles em seu ambiente natural de vida, coleta dados.
Durante a observação participante, a aproximação do pesquisador com os
sujeitos envolvidos é uma constante, de maneira que se possa compreender com
57
maior eficácia as necessidades sentidas pelos sujeitos, na busca da modificação do
quadro em que se pretende intervir.
É preciso esclarecer que, apesar de assumir o tipo de observação como
participante nesse trabalho, utilizamos, também, a observação não-participante no
momento de construção do diagnóstico.
2.1.4 A entrevista
A entrevista, durante a pesquisa, foi de caráter semi-estruturado, aplicada
nos primeiros contados com os professores, e foi “construída em torno de um corpo
de questões do qual o entrevistador parte para uma exploração em profundidade”
(GRESSLER, 2003, p. 165). Dessa forma, partimos de questionamentos básicos que
interessavam a pesquisa e que, conforme Triviños (1987, p. 146), “[...] oferecem
amplo campo de interrogativas, fruto de novas hipóteses que vão surgindo à medida
que se recebem as respostas do informante”.
Assim, as entrevistas foram realizadas a fim de “recolher dados descritivos
na linguagem do próprio sujeito” (BOGDAN, 1994, p. 134), para sabermos com os
professores a respeito dos assuntos previstos para o segundo bimestre, com seus
respectivos conceitos e quais as principais dificuldades que comprometiam a
aprendizagem de conceitos na disciplina que ministravam.
2.1.5 O questionário
O questionário foi utilizado para os primeiros contatos com os alunos, a fim
de saber os assuntos que estavam estudando em Ciências Naturais, mas sobretudo,
o que dificultava a aprendizagem dos conceitos trabalhados naquela disciplina, bem
como em que aula foi vivenciada por eles. Em um segundo momento, o questionário
foi usado para verificarmos, no final de nossa intervenção, os conceitos que os
alunos haviam dominado. Neste sentido, este instrumento foi utilizado, enquanto um
“Conjunto de questões, sistematicamente articuladas que se destinam a levantar
58
informações escritas por parte dos sujeitos da pesquisa, com vistas a conhecer a
opinião dos mesmos sobre os assuntos em estudo” (SEVERINO, 2007, p. 125).
No primeiro momento, o questionário a ser aplicado foi composto por
questões abertas em que “o sujeito pode elaborar as respostas, com suas próprias
palavras, a partir de sua elaboração pessoal” (SEVERINO, 2007, p. 125 e 126). No
segundo momento as questões foram fechadas, pois os sujeitos escolheram as suas
respostas dentre as opções predefinidas pelo pesquisador (SEVERINO, 2007).
2.1.6 O projeto de intervenção
De acordo com o que foi idealizado, nossa proposta de pesquisa consistiu
em desenvolver com os alunos de uma turma do 8º ano a construção de um projeto
de pesquisa que contribuísse na aprendizagem de conceitos dos assuntos que
foram trabalhados no segundo bimestre na disciplina de Ciências Naturais, por meio
da Pedagogia de Projetos, partindo das ideias do Projeto Aprender Pesquisando
(ROJO, 1997).
Desse modo, a estrutura do projeto Aprender Pesquisando, que se constituiu
no nosso ponto de partida, está sistematizada na figura 2.
59
Figura 2: Proposta do projeto idealizado
A partir do desenho ilustrativo das principais fases que fariam parte do
desenvolvimento do projeto, relataremos como idealizamos esse percurso
ressignificado a partir da pesquisa-ação. Primeiramente, explicaremos as fases
idealizadas do projeto Aprender Pesquisando, para então esclarecermos como os
princípios da pesquisa-ação dinamizariam o processo com os professores e os
estudantes.
Inicia-se no período do segundo bimestre na disciplina de Ciências Naturais
com a escolha da temática pelos alunos, uma vez que interviríamos em um
planejamento anual da escola, que previa a organização dos assuntos a serem
estudados em cada bimestre.
Na sequência, tem-se a descoberta do problema ou conflito que consiste na
descrição do problema, englobando três momentos: leitura conotativa, que consiste
no descobrimento do sentimento dos sujeitos acerca da problemática; leitura
denotativa, referindo-se a análise objetiva dos elementos, das partes e classes do
problema e, o último momento, leitura estrutural ou contextual, que é a análise das
causas e conseqüências do conflito para além dos efeitos e conceitos.
60
Por conseguinte, serão elaboradas as questões norteadoras que
subsidiarão a busca das respostas para as inquietações descritas pelos alunos em
prol da solução do problema.
O enfoque globalizador consiste em atividades relacionadas às diferentes
áreas de conhecimento, a fim de facilitar a transcendência do objeto de estudo, tanto
pelo seu valor instrumental, quanto pela sua imprescindibilidade instrutivo-educativa.
Neste momento, contamos com a interação de todos os professores do 8º ano, visto
que são escolhidas técnicas individuais e/ou coletivas, que são utilizadas para coleta
dos dados e investigações para a solução do problema, objetivando sistematizar
informações necessárias ao diálogo. Para tanto, construindo um plano de aplicação.
A partir das investigações e sistematização das informações temos o
momento de discussão para se chegar às conclusões da pesquisa, a análise dos
dados em relação ao problema, a posição e compromisso dos sujeitos a partir dos
conhecimentos construídos perante si, o meio e a sociedade.
A última fase da pesquisa consiste na divulgação dos resultados, como
forma de socializar ou no interior da sala de aula com os sujeitos envolvidos, ou na
escola ou, para uma comunidade maior, dependendo do alcance e da repercussão
do nosso projeto, o que conseguimos alcançar com a pesquisa.
Partindo dessas ideias norteadoras do desenvolvimento da pesquisa com a
turma do 8º ano e seus respectivos professores, os princípios da pesquisa-ação
caracterizam a dinâmica de interação tanto com os professores quanto com os
alunos, pois todos os sujeitos da ação tem participação ativa no planejamento e
processo de construção e aplicação do projeto, como enfatiza Gómez, Flores e
Jiménez (1999), tendo como foco os problemas advindos da prática educativa,
rompendo com a dicotomia entre teoria e prática.
O início da pesquisa foi idealizado a partir da realização de oficinas
pedagógicas, para os professores terem o conhecimento da proposta. Além de
apresentá-la, ter o conhecimento das necessidades e dos conteúdos que seriam
explorados em cada disciplina, bem como os conceitos que as norteariam.
Procuraríamos também conhecer as principais dificuldades encontradas pelos
professores relacionadas à aprendizagem dos alunos, de maneira que, com o
desenvolvimento do projeto, possamos contribuir para a aprendizagem de conceitos
na disciplina Ciências Naturais, que é o foco dessa pesquisa.
61
A partir dessas oficinas pedagógicas, além de termos um breve diagnóstico
das principais necessidades dos professores quanto ao processo de ensino-
aprendizagem, aqueles também, mesmo não participando diretamente de todas as
ações do projeto, exceto a professora de Ciências Naturais, teriam um conhecimento
necessário da dinâmica adotada no momento do enfoque globalizador, facilitando,
assim, a visão do processo como um todo.
A participação dos alunos perpassa todo o processo de construção do
projeto, a partir dos assuntos estudados no segundo bimestre. De acordo com esse
delineamento, escolhemos o tema para o projeto e elaboramos, coletivamente, o
problema, as questões norteadoras e todo o percurso investigativo a ser feito.
Ainda com os alunos, antes de iniciarmos as ações do projeto em si,
propusemos um questionário, para conhecermos o que dificulta e facilita a
aprendizagem dos conceitos na disciplina de Ciências Naturais.
Outro momento que antecede o desenvolvimento do projeto é uma semana
de observação na sala do 8º ano, para nos aproximarmos da dinâmica já vivenciada
na turma a ser investigada.
Após apresentação dos fundamentos e do desenho do percurso
investigativo, passaremos a discutir o processo da pesquisa e os resultados obtidos
a partir da aplicação das técnicas, que constituíram o diagnóstico que passaremos a
apresentar abaixo.
2.2 O diagnóstico
Este momento tem o propósito de viabilizar a coleta dos dados para a
sustentação do replanejamento da pesquisa. Neste sentido, a técnica da observação
participante acompanha todo o nosso percurso, uma vez que convivemos
diretamente na dinâmica da escola em estudo, apoiando-nos, como diz Barbier
(2004, p. 123), em “uma escuta sensível do vivido”. Para tanto, relataremos as
atividades que nos ajudaram a coletar os dados necessários para o início da
pesquisa.
62
2.2.1 O contexto da pesquisa
Para compreendermos melhor o locus onde se desenvolveu nossa pesquisa
e a subjetividade do pesquisador na relação com seu objeto de pesquisa,
apresentaremos o nosso universo, as nossas motivações, o reconhecimento da
escola em que desenvolvemos o projeto, desde seu histórico, caracterização
estrutural e humana.
Desse modo, o universo da pesquisa corresponde a uma turma do 8º ano do
Ensino Fundamental do turno vespertino de uma Escola Estadual do Município de
Itacoatiara. Como sujeitos participantes estão: a gestora, a pedagoga, os
professores que trabalham no 8º ano e os alunos desta série.
2.2.1.1 Chegada ao campo de pesquisa
Referente ao contexto, escolhemos Itacoatiara, por ser nosso município de
origem e local de trabalho. Após a seleção do Mestrado, ausentamo-nos para poder
estudar em Manaus, compreendendo apenas uma ausência geográfica, passando o
compromisso pessoal a se fazer cada vez mais presente, vislumbrando um retorno
que pudesse contribuir significativamente com aquele município.
Pelo fato de ser funcionária pública tanto da rede municipal quanto estadual,
decidimos fazer a pesquisa em uma escola pública, que foi escolhida em detrimento
de sua estrutura física, pois o nosso primeiro projeto de pesquisa exigia que a escola
tivesse laboratório de informática com acesso à internet. Depois de algumas
modificações após o exame de qualificação, o laboratório de informática deixou de
ser condição fundamental para o desenvolvimento da pesquisa, mas o contexto, ou
seja, a escola, continuou sendo a mesma.
A escola que faz parte do universo da pesquisa é da rede Estadual de
ensino e possui uma boa estrutura física. Apesar de nunca ter trabalhado na escola
que optamos como contexto da pesquisa, os funcionários não nos eram
desconhecidos, pois havíamos trabalhado com alguns dos professores em outras
escolas. A atual gestora tinha sido nossa supervisora em outra instituição. As
63
merendeiras e serviços gerais já nos conheciam. Portanto, no respectivo contexto
tivemos contatos anteriores com os envolvidos, o que certamente facilitou-nos o
acesso e a permissão para a conquista de maiores espaços entre os grupos ali
existentes.
Decorrente de um trabalho que havíamos realizado em nossa atuação como
professora no município de Itacoatiara, e de ter trabalhado em várias escolas, tanto
da rede municipal quanto estadual, não encontramos dificuldade alguma em
adentrar no campo da pesquisa. Seguimos os trâmites burocráticos de solicitação
para realização da pesquisa junto com a coordenação das escolas estaduais do
município de Itacoatiara, cujo responsável sempre deu-nos apoio para estudar, pois
gostaria de ver as contribuições da pesquisa em nosso município.
Durante a entrega da solicitação para permissão do desenvolvimento da
pesquisa na escola indicada, explicamos ao coordenador qual o objetivo e alcance
da investigação, do qual tivemos toda a atenção da escuta e argüição, decorrente da
possibilidade de estender o projeto para as demais escolas, demonstrando interesse
e credibilidade pelo nosso trabalho.
Depois dos esclarecimentos acerca da necessidade de limitação dos
sujeitos da pesquisa e, como a gestora da escola a ser pesquisada acabara de
chegar à coordenadoria, aproveitamos o momento para entregar-lhe a autorização
do coordenador para o início da pesquisa. Neste clima de receptividade iniciamos os
primeiros contatos com o contexto e os sujeitos que fariam parte desse processo de
investigação, de troca de experiências e construção do conhecimento.
Após os trâmites burocráticos e a receptividade da gestora, marcamos para
o dia seguinte os primeiros contatos para coletarmos alguns dados concernentes ao
histórico da escola, sua estrutura física e humana, bem como sua dinâmica de
funcionamento, que serão apresentados a seguir.
64
2.2.1.2 Impressões sobre a escola
Para dar início à coleta de dados, conversamos com a gestora da escola
investigada (figura 3), a respeito das informações que precisaríamos para compor
nosso relatório e, como se tratava de questões burocráticas e estruturais, a gestora
acompanhou-nos até à Secretaria para nos apresentar a secretária, para
disponibilizar-nos as informações desejadas, que recebeu-nos muito bem.
Figura 3: A escola investigada
Como a primeira informação estava relacionada ao histórico da escola, a
secretária fez uma busca nos arquivos do seu computador, e imprimiu uma cópia
resumida do histórico, que continha as informações principais relacionadas à sua
origem e fundação, de onde obtivemos as seguintes informações.
A Escola Estadual, que serviu de lócus de nossa pesquisa, foi criada pelo
Decreto nº 15.209, de 08/02/1993, com sede no Município de Itacoatiara, no Estado
do Amazonas. Originou-se do desempenho de um grupo de pessoas que
preocupadas com o nível de ensino existente no Município, fundaram a Associação
para o Desenvolvimento do Ensino em Itacoatiara (A.D.E.I.) juntamente com um
convênio firmado com a Secretaria de Estado de Educação, Cultura e Desporto.
A escola foi inaugurada em 20/09/1993, e iniciou seu funcionamento no
mesmo ano, atendendo a um total de 556 alunos nos três turnos. Foi reinaugurada
em outubro de 2005, decorrente de uma reforma, que melhorou significativamente
sua estrutura física. Atualmente (ano de 2009) atende a 1.325 alunos, distribuídos
entre o Ensino Fundamental, de 1º ao 9º ano, nos turnos matutino e vespertino e
Educação de Jovens e Adultos – EJA, Etapa Única, no turno noturno.
65
Para saber especificamente como está a estrutura da escola, a secretária,
com os seus arquivos e censo escolar ia respondendo aos questionamentos feitos,
ressalvando que podíamos também coletar os dados e sanar possíveis dúvidas em
um mural, que estava disposto no corredor da escola (figura 4), em que constavam
as informações estruturais e a estatística do rendimento dos alunos.
Figura 4: Corredor da escola
Sendo assim, a partir das informações prestadas pela secretária e aquelas
dispostas no mural do corredor da escola, detectamos que a escola possui 11 salas
de aula climatizadas, 01 refeitório, 01 sala dos professores, 10 banheiros, incluindo o
de deficiente, 01 diretoria, 01 sala do supervisor, 01 secretaria, 01 biblioteca onde
funciona também a TV Escola, 01 laboratório de informática, com 26 computadores,
sendo 25 em funcionamento e conectados a internet, em decorrência de um
convenio entre a empresa OI com a SEDUC, sendo que, a primeira, fornece os
equipamentos e a internet, a segunda, disponibiliza profissionais para desenvolver
atividades com os alunos. A escola possui também 01 cozinha, 01 depósito de
merenda, 01 depósito de material de limpeza e 01 depósito de material de
expediente.
Por meio da observação, percebemos que a escola é bem estruturada
fisicamente, suas dependências estão em plena condição de uso, com boa higiene,
e as salas de aula são amplas. É organizada em quatro pavilhões com boa
circulação de ar. Sua área construída é de 1.840 m2, a área utilizável é de 2.500 m2.
Não possui quadra de esporte e os alunos praticam as atividades de Educação
Física na área gramada da escola.
66
A biblioteca e a TV Escola compartilham o mesmo espaço físico, que é
dividido apenas pela mobília. De um lado estão as cadeiras voltadas para a televisão
com o aparelho de DVD, e de outro as estantes com os livros e algumas mesas com
cadeiras para a acomodação do leitor, assim como uma estante, que serve para
guardar instrumentos musicais e demais materiais da fanfarra da escola (figura 5).
Apesar do esforço de separar os dois espaços, as atividades desenvolvidas em um
ambiente como, por exemplo, na biblioteca, acabam condicionadas àquelas
desenvolvidas na TV Escola, e vice-versa, pois o fato de o mesmo espaço ser
compartilhado simultaneamente, não há possibilidade de usufruir do silêncio, que é
necessário à leitura, quando uma turma assiste a um vídeo.
Figura 5: Sala onde funcionam a biblioteca e a TV Escola
O acervo da biblioteca é bem reduzido e, no que se refere aos livros
voltados para as Ciências Naturais, tudo é uma raridade. Acompanhada do
professor responsável pela biblioteca, naquele local procuramos os respectivos
livros e não conseguimos encontrar nenhum exemplar. Em outro momento, um
aluno, ao procurar fontes de pesquisa, encontrou um livro didático de Ciências
Naturais, destinado à modalidade da Educação de Jovens e Adultos.
O laboratório de informática é bem estruturado, com uma quantidade de
máquinas em perfeito estado de uso, mas conectados à internet são somente quatro
máquinas (figura 6). Este laboratório também possui data-show permanente,
instalado para utilização de qualquer professor que quiser levar seus alunos ao
laboratório, e mais um outro móvel, que pode ser utilizado nas demais dependências
da escola. O laboratório comporta uma turma de alunos sentados, também tem uma
67
bancada para sentar e várias cadeiras, mas, como são apenas 25 computadores em
funcionamento, não é possível que cada aluno tenha acesso a uma máquina.
Figura 6: O laboratório de Informática
No laboratório de informática, um professor permanente da área ajuda aos
demais professores com os alunos durante qualquer atividade, seja para projetar
uma aula no data-show, seja para instalar um programa que o professor precise
utilizar com os seus alunos e, até mesmo, ensinar noções básicas de informática,
dependendo do cronograma da escola e necessidades dos alunos. Esta última
prática é realizada principalmente nas séries iniciais, pois, conforme informações
que obtivemos do professor do laboratório, as turmas do 6º ao 9º ano já dominam as
ferramentas do computador, pois tiveram formação nos anos anteriores.
As salas de aula, como dissemos anteriormente, durante o primeiro contato,
são bem espaçosas e limpas. Todos os dias que chegávamos, assim que os alunos
entravam, era feita a higienização dos corredores e banheiros e, quando tocava o
sino da saída, era feita a limpeza das salas; atividades realizadas nos dois horários
em que estávamos presentes, tanto pela manhã, quanto pela tarde.
A sala dos professores é espaçosa e comporta a todos. O refeitório também
é de grande extensão é de multi-uso; serve de auditório nas comemorações ou
palestras, salas de estudo quando os professores querem fazer outras atividades
fora da sala de aula, enfim, a escola tem uma boa estrutura física, apesar de não ter
uma quadra de esporte para os alunos e uma biblioteca equipada e separada da TV
Escola.
68
A respeito dos professores, alunos e a média de tempo de serviço daqueles,
ao questionarmos a secretária, especificamente no turno vespertino, obtivemos as
seguintes informações.
A escola conta, no turno vespertino, com 417 alunos, distribuídos no Ensino
Fundamental de 6º ao 9º ano, cuja quantidade de turmas estão divididas da seguinte
maneira: duas turmas de 6º ano, três turmas de 7º ano, três turmas de 8º ano e três
turmas de 9º ano; em média, em cada turma há de 33 a 45 alunos.
No turno vespertino, a escola possui 17 professores, todos com graduação
nas seguintes áreas: 02 são Licenciados em Letras, 01 em Matemática, 02 em
Geografia, 04 em História, 02 em Educação Física, sendo que um deste também
possui Licenciatura em Informática, 02 em Biologia e 04 em Normal Superior. Estes
professores, em sua maioria, atuam nas suas respectivas áreas, sendo que os de
Normal Superior ministram aulas de Língua Inglesa, pelo fato do professor ter
alguma formação naquela disciplina, outros na disciplina Ensino das Artes, na
disciplina Língua Portuguesa e na disciplina Educação Física.
A diretora, a supervisora e o professor, que fica na biblioteca e com as
atividades da TV Escola, são graduados em Pedagogia. Os demais funcionários que
a escola possui, no respectivo turno, são: 01 secretária, 01 auxiliar administrativo, 03
serviços gerais, 02 merendeiras, e 01 vigia.
A maioria dos funcionários possui mais de dez anos de tempo de serviço e
trabalha nos outros turnos, seja na mesma escola ou em outras, tanto da rede
Estadual quanto Municipal.
2.2.2 As primeiras articulações
Com base no reconhecimento do espaço físico, dos docentes e demais
funcionários da escola, partimos para a apresentação de nossa proposta de
pesquisa por meio da conversa com a supervisora, a fim de que pudéssemos
verificar em que medida tais propostas poderiam ser exeqüíveis, a partir da dinâmica
e organização do trabalho pedagógico já desenvolvido nessa escola.
69
2.2.2.1 A conversa com a supervisora
O primeiro contato com a supervisora da escola deu-se na sala da
supervisão, por meio de uma conversa informal, através da qual apresentamos
nossa intenção de pesquisa. Fizemos alguns questionamentos, a fim de nos
aproximarmos da realidade pedagógica e dinâmica da escola. Durante o diálogo, a
supervisora fazia também seus questionamentos, dava suas sugestões e, juntas,
repensávamos alguns pontos que poderiam ser reajustados. Em seguida,
esclarecemos que a nossa pesquisa consistia em trabalhar com a Pedagogia de
Projetos, partindo do componente curricular de Ciências Naturais, de maneira que
esta prática pudesse contribuir na aprendizagem de conceitos da referida disciplina.
Mas nossa intenção compreendia também o trabalho com todos os professores do
8º ano, que representa a série em que gostaríamos de desenvolver a pesquisa.
Informamos que, para trabalhar com todos os professores, havíamos
pensado em desenvolver oficinas, antes de iniciarmos as atividades com os alunos,
a fim de que os professores pudessem conhecer a proposta da utilização da
Pedagogia de Projetos, e verificarmos, no conjunto, como poderíamos trabalhar com
os alunos partindo de suas dificuldades, potencializando o seu rendimento.
Lembramos que neste primeiro momento a pedagoga somente ouvia,
procurando entender a proposta e dinâmica de funcionamento para que, depois que
apresentássemos a proposta e coletássemos as informações aquela se
pronunciasse, o que foi acontecendo naturalmente, à medida que íamos fazendo as
perguntas.
Depois que apresentamos a proposta de pesquisa, os questionamentos que
fizemos à pedagoga eram concernentes à dinâmica de planejamento dos
professores, as principais dificuldades destes e que tempo disponível teríamos para
desenvolver entrevistas com os docentes, assim como o questionário a ser aplicado
aos alunos; observação das aulas do 8º ano; a realização de oficinas com os
professores e, por fim, desenvolvimento do projeto Aprender Pesquisando. Em
seguida, a pedagoga respondeu que todos os professores têm um dia de
planejamento na escola, e as entrevistas individuais poderiam ser realizadas
naquele dia; o questionário poderia ser aplicado com os alunos em um tempo de
70
aula que seria disponibilizado para isso. Quanto à observação das aulas do 8º ano,
ela informou que não havia problema.
Por conseguinte, a supervisora falou-nos que as dificuldades relatadas
pelos professores eram também as dificuldades que a escola estava sentindo,
especificamente com o 8º ano C, cujos alunos apresentavam comportamentos
violentos e irreverentes. Informou-nos que, inclusive, ocorreram agressões físicas
entre eles, chegando a haver intervenção do Conselho Tutelar e expulsão de um
aluno. Esse tipo de ocorrência, comprometia significativamente o trabalho docente e
o rendimento deles.
Após relatar esse fato, a pedagoga sugeriu que nossa pesquisa fosse
realizada na mencionada turma de alunos, acreditando que, junto com os
professores pudéssemos colaborar na superação de um problema que a escola
estava enfrentando. Não fizemos nenhuma objeção, e sim enfatizamos que, pelo
fato de optarmos pela pesquisa-ação, nossa intenção já era verificar, a partir do
diálogo, qual a necessidade presente da escola.
Enfatizamos, também, que precisaríamos estar em contato bem próximo
com os professores, com os alunos e com a dinâmica geral da escola, a fim de nos
aproximar da realidade da mesma, demonstrando que a nossa intenção não era a
de realizar um trabalho dissociado das necessidades e anseios da escola.
Depois que apresentamos a intenção da pesquisa, a supervisora mostrou-
se satisfeita com a proposta, ressaltando que havíamos chegado no momento
propício, pois a escola estava precisando mesmo de um apoio, principalmente na
mencionada turma, que passou a ser um desafio para os professores e corpo
técnico.
A supervisora relatou também que a escola desenvolve o Projeto Limpando
Educando, voltado para o desenvolvimento de atitudes que primem pelo cuidado
com a escola e meio ambiente. Afirmou, inclusive, que, no dia 05 de junho, seria a
realização de uma mesa redonda, como uma das atividades desse projeto.
Segundo a supervisora, a escola estava prestes a desenvolver um Projeto
Interdisciplinar, articulado no planejamento, com a primeira reunião prevista para o
mês de maio. A intenção era de executá-lo com as turmas do 6º ao 9º ano, a partir
da disciplina de Ciências Naturais, sendo a professora do respectivo componente
curricular a possível responsável pela articulação com os professores das demais
disciplinas.
71
A partir do relato da supervisora, sugerimos que o projeto Aprender
Pesquisando fizesse parte do projeto interdisciplinar da escola, para que a escola
não tivesse dois projetos similares. A supervisora concordou e disse que a primeira
reunião seria no dia de planejamento da professora de Ciências Naturais.
Com relação às oficinas pedagógicas com os professores, para o
planejamento do projeto, a supervisora adiantou-nos que não poderiam ser feitas
durante o horário de trabalho dos professores, uma vez que não lecionavam apenas
no 8º ano, o que ocasionaria a paralisação de várias turmas.
Sabendo que os professores trabalhavam em outros turnos e outras
escolas, perguntamos à supervisora se era possível alguns encontros no sábado.
Respondeu-nos que sim, mas ressaltou que era um horário fora do expediente de
serviço dos professores e, portanto, não seria garantida a presença de todos.
Comentou que com um trabalho de sensibilização poderíamos ter um público
razoável, uma vez que os professores atuam dois ou três turnos. Além disso, levam
atividades para casa, e ainda teriam que participar de oficinas no sábado. Depois de
apresentar esse quadro, achou que seria um pouco desafiador, mas, deixou bem
claro, se quiséssemos tentar, não teria problema.
Perguntamos à supervisora se no projeto interdisciplinar da escola não
haveria a previsão de um encontro com todos os professores, pois se o projeto
Aprender Pesquisando faria parte do projeto da escola, seria possível utilizarmos um
dos encontros, mesmo sendo o nosso foco direcionado apenas ao 8º ano. Ela disse
que teria um encontro previsto e que poderíamos utilizar um momento após a
primeira reunião. Com base nesses ajustes, ficou decidido que a nossa proposta de
pesquisa faria parte do projeto interdisciplinar da escola, e que ainda no mês de
maio teríamos a primeira reunião. Além disso, a entrevista com os professores
poderia ser iniciada no dia seguinte, conciliada ao planejamento dos professores, um
ou dois em cada dia da semana. Desse modo, tivemos uma semana para poder falar
com todos.
Concomitante às entrevistas, que seriam feitas uma ou duas por dia, nos
outros tempos de aula poderíamos iniciar o processo de observação das aulas dos
alunos, verificar como os professores costumam proceder e qual a recíproca dos
estudantes frente às atividades propostas pelos docentes. Sendo assim, tivemos
uma semana para concluir as entrevistas com os docentes e a observação na sala
de aula para, a partir daí, aplicar o questionário para os alunos.
72
Concluímos nossa conversa agradecendo o apoio da escola para com a
pesquisa, informando que, a partir daquele dia, estaríamos todos os dias na escola.
Naquele momento, a supervisora disse que aproveitaria o horário do intervalo para
nos apresentar aos professores, e dizer que desenvolveríamos um trabalho com a
escola e, quando fôssemos iniciar a observação na sala do 8º ano, ela também
apresentar-nos-ia para os alunos.
A partir desse diálogo, a supervisora apresentou-nos para os professores,
dizendo que precisávamos de algumas informações relacionadas a cada disciplina e
que, para isso, estávamos conversando durante os dias de planejamento. Ressaltou
também que observaríamos durante uma semana as aulas do 8º ano C, para
conhecermos melhor os alunos.
2.2.3 Conhecendo nossos limites e possibilidades
Depois da apresentação de nossa proposta de pesquisa, da conversa com a
supervisora e da nossa imersão na escola junto com os professores e alunos,
descreveremos como se deu o processo de entrevista com os docentes, a
observação da prática pedagógica e a aplicação do questionário com os alunos e
seus respectivos resultados.
Gostaríamos de esclarecer que, apesar do nosso foco ser referente à
disciplina de Ciências Naturais, entrevistamos os demais professores e observamos
suas práticas pedagógicas relativas às diferentes disciplinas, por dois motivos
principais: 1º) Saber com antecedência quais os assuntos e principais conceitos que
os professores estariam trabalhando no segundo bimestre para que, no momento
globalizador do projeto Aprender Pesquisando, pudéssemos, em conjunto, articular
os conceitos à temática central daquele projeto; 2º) Saber se as dificuldades que os
professores encontram, em suas respectivas disciplinas, são similares com as da
disciplina de Ciências Naturais, relacionadas à questão da aprendizagem de
conceitos.
73
2.2.3.1 A entrevista semi-estruturada: O contato com os professores
Os momentos destinados à entrevista com os professores do 8º ano C
ocorreram durante uma semana, de acordo com os dias de planejamento de cada
um. No horário em que os docentes estavam na sala dos professores, aproveitamos
para entrevistá-los e, dependendo das atividades que eles executavam (seja
planejamento com a supervisora, substituindo outro professor ou realizando outra
atividade a pedido da supervisão ou direção da escola) conciliamos o nosso horário.
Iniciamos as entrevistas procurando saber a respeito das disciplinas que os
professores ministravam, quais os conteúdos explorados ou, em fase de exploração
referente ao segundo bimestre (respostas apresentadas na figura 7). Buscamos,
também, informações a respeito dos conceitos norteadores dos conteúdos que eles
consideravam imprescindíveis na aprendizagem dos alunos e quais as principais
dificuldades que eles acreditavam impedir os alunos de aprenderem determinado
conceito.
Disciplina Assuntos Conceitos
História A Revolução Industrial O trabalho infantil; Os danos ao meio ambiente.
Religião A realidade da violência no cotidiano.
Entender por que acontece a violência, suas causas; A violência física e a simbólica.
Matemática
Geometria: ângulos, triângulos – soma dos ângulos de um triângulo. Estatística (introdução)
O que é um ângulo, medidas de ângulos, classificação dos triângulos. A representação gráfica, as informações nos gráficos, os tipos de gráficos.
Ciências Naturais
Sistema Respiratório e Excretor.
Órgãos dos sistemas respiratório e Excretor, seu funcionamento e função; As doenças que afetam esses sistemas.
Geografia Continente Americano: população e a economia da América
A população, a economia e como está estruturado o Continente Americano.
Língua Portuguesa
Gêneros textuais; Produção de texto descritivo; Reforma ortográfica.
Carta, classificados do jornal e biografia; Linguagem formal e informal; Acentuação, aposto, vocativo, emprego do H, uso da vírgula e dois pontos.
74
Continuação...
Língua Inglesa
Números Plural dos substantivos; There to be (presente) Cores Revisão dos artigos indefinidos.
De 100 a 1000; Regras do plural; Estrutura das frases como o verbo there to be; Doze cores; A, AN.
Artes A arte no modernismo (século XX)
Produção industrial e transformações sociais que influenciaram a arte do século XX.
Educação Física
Os fundamentos do volley; As qualidades físicas.
Saque, manchete, recepção de bola, bloqueio, ataque; Flexibilidade, força, resistência, velocidade, agilidade, coordenação motora grossa e fina, equilíbrio.
Figura 7: Assuntos e conceitos por disciplina
Conforme observamos na figura 7, a entrevista possibilitou-nos conhecer
todos os conteúdos e os conceitos que os professores haviam planejado para
trabalhar com os alunos do 8º ano, no segundo bimestre, período em que
estaríamos desenvolvendo o projeto Aprender Pesquisando. Essas informações
eram importantes para nosso trabalho, especificamente para o momento do enfoque
globalizador, no qual todos os professores seriam envolvidos.
Além dos assuntos e conceitos de cada disciplina, buscamos informações a
respeito de quais as principais dificuldades que os professores acreditavam impedir
os alunos de aprenderem determinado conceito. Apresentaremos tais dificuldades a
partir da fala de cada professor por disciplina.
A professora das disciplinas História e Ensino Religioso
A realização das entrevistas iniciou-se no quarto tempo de aula, no qual a
professora da disciplina de História, que também ministrava a disciplina de Ensino
Religioso, estava disponível para ser entrevistada. Quando questionada a respeito
dos fatores que dificultavam a aprendizagem dos conceitos tratados na disciplina de
História pelos alunos, respondeu-nos: “A principal dificuldade é a falta de atenção e
indisciplina dos alunos. Eles não trazem os livros, não fazem as atividades e
esquecem que o livro é o principal, até por que trabalhamos conforme o livro”.
Pela fala da professora, percebemos que as principais dificuldades estão
centradas nos alunos, primeiro, em decorrência do comportamento e, segundo, por
75
não trazem o livro didático e nem fazerem as atividades. Verificamos, também,
naquela fala, que as atividades da disciplina História seguem, prioritariamente, o
livro didático.
Na disciplina de Ensino Religioso, a professora em questão falou que:
Os alunos não praticam o que estudam, pois se fizessem não existiria tanta violência. A família tá deixando muito pra escola. Por conta da violência nesta sala sete alunos já foram transferidos. Nesta sala tinha 42 alunos, não tem desistentes, apenas transferidos.
Quando a professora se reporta à violência, dizendo que se os alunos
praticassem o que estudam, não haveria tantos desentendimentos na sala, a
professora faz esta menção porque, em Ensino Religioso, o assunto tratado referia-
se à violência física e simbólica. A este respeito, aponta a família como uma das
responsáveis pela omissão e negligência no cumprimento de sua função,
transferindo-a para a escola; resultado esse que se apresenta nos comportamentos
dos alunos do 8º ano C.
A dificuldade, representada na fala da professora, por comportamentos
violentos, está centrada na responsabilidade da família quanto aos processos de
formação que deveriam acompanhar o desenvolvimento dos alunos até a escola,
fato este que reflete na aprendizagem dos conceitos na disciplina que ministra.
Após a entrevista, a professora relatou que estava substituindo uma
professora licenciada que retornaria em breve, de forma que não estaria mais
ministrando aulas na turma em que desenvolveríamos a pesquisa.
O professor da disciplina Língua Inglesa
Ao entrevistarmos o professor de Língua Inglesa quanto às dificuldades
apresentadas pelos alunos na aprendizagem dos conceitos, apontou-nos que a
principal dificuldade decorre de que: “Os alunos têm dificuldade de entender as
regras da Língua Inglesa e escrevem como falam”. No entanto, atribuiu esta
dificuldade ao fato de que: “Eles não estão aproveitando bem o tempo deles em
casa, isso é visível”.
76
Após referir-se ao aproveitamento do tempo destinado ao estudo em casa,
sugeriu que pesquisássemos o que os alunos realizam em suas horas fora da
escola, alegando que, na maioria das vezes, os resultados negativos na
aprendizagem dos alunos se deve à insuficiência de momentos para estudo em
casa. Inclusive disse que havia feito uma pesquisa com outros alunos, constatando
esse fato.
Ressaltou, também, que cada vez mais sente necessidade de se aprimorar,
tendo em vista que a internet utiliza um vocabulário muito vasto da Língua Inglesa.
Lembrou de algumas formações na referida área, alegando que se ficarmos
somente trabalhando sem destinar um tempo para a nossa formação vamos ficar
ultrapassados, correndo o risco de seus alunos ficarem à sua frente.
Na fala do professor em questão, percebemos a ênfase dada à necessidade
da organização do tempo para o estudo, pois o momento em sala de aula não é
suficiente para que os alunos consigam internalizar os conceitos trabalhados na
disciplina, demandando um momento de estudo individual em casa. Do contrário, as
dificuldades se farão presentes, como no caso do 8º ano C. Em contrapartida, o
professor também ressaltou a importância de sua formação para melhorar sua
prática pedagógica. Percebemos, com isso, que o professor reconhece tanto o
empenho do aluno, quando o do docente para um bom resultado na aprendizagem
dos conceitos.
A partir dessas informações, cada vez mais considerávamos a importância
de nossa pesquisa ser caracterizada como pesquisa-ação, visto que tem como
característica ouvir os sujeitos e, em uma ação coletiva, procurar atender às suas
próprias necessidades.
O professor da disciplina Matemática
O professor de Matemática referindo-se às dificuldades da aprendizagem
dos conceitos apresentadas pelos alunos em sua disciplina, disse que:
Os alunos não possuem material para as aulas práticas de Matemática: como transferidor, compasso, régua. Não possuem conhecimentos básicos que são dados em outras séries e tenho sempre que revisar os conteúdos anteriores. Os exercícios não são feitos. As dificuldades são geralmente
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devido ao interesse, pois todos são capazes. Explico para que serve aqueles conteúdos, como vão utilizar para ver se valorizam.
Na fala do professor, percebemos três elementos que influenciam na
aprendizagem dos conceitos. O primeiro, referente aos alunos, desde a falta de
material necessário para os cálculos matemáticos, como a negligência em fazer
suas tarefas até as questões relacionadas ao interesse pelo estudo. O segundo diz
respeito ao processo de ensino que, no decorrer dos anos anteriores apresentou
lacunas e que, neste ano, demonstra carências. O terceiro está relacionado à
postura do professor em esclarecer a utilidade dos assuntos estudados pelos
alunos, considerando um fator que poderá contribuir no processo da aprendizagem.
Como podemos perceber, o processo de aprendizagem de conceitos,
partindo da fala do professor, necessita da participação e interesse dos alunos,
recursos materiais, um processo de ensino que a cada ano possibilite a continuidade
dos assuntos que devem ser trabalhos como pré-requisitos para os subseqüentes e,
a preocupação docente em dar sentido ao que está sendo ensinado.
Os professores das disciplinas Geografia, Artes e Educação Física
Os professores das três áreas foram agrupados, por suas respostas terem
um caráter similar. Apresentaremos seus posicionamentos, para comentá-los
conjuntamente.
Tanto a professora da disciplina Geografia, quanto o professor das
disciplinas Artes e Educação Física reportaram-se às dificuldades de aprendizagem
dos conceitos, a partir de um foco centrado nos alunos quando dizem que o
problema é:
Falta de interesse, tem uns que querem mais é ficar bagunçando, não é que tenha dificuldade de entendimento, mas é o descaso com o estudo (professora de Geografia); Falta de interesse é a única dificuldade, falta de sintonia (professor de Artes); Simplesmente eles não tem interesse. Alguns prestam atenção, mas são poucos (professora de Educação Física).
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Percebemos nas falas dos professores, prioritariamente, a questão da falta
de interesse e o “descaso com o estudo”, como diz a professora da disciplina
Geografia, como os fatores que mais colaboram para a falta de atenção e falta de
compromisso com as atividades escolares, ocasionando a dificuldade na
aprendizagem dos conceitos, uma vez que não sentem vontade de se concentrar
nas explicações.
A professora da disciplina Ciências Naturais
Continuando o nosso contato com os professores, tivemos a oportunidade
de conversar com a professora da disciplina Ciências Naturais. Ao ser questionada a
respeito das dificuldades que comprometiam a aprendizagem dos conceitos de
Ciências Naturais, a professora assim relatou:
A principal dificuldade é a indisciplina que gera a falta de atenção, desinteresse, comprometendo o nosso trabalho. Os alunos não estudam, além de não levarem a sério, parece que aqueles conceitos não têm importância para a vida deles. Como aprender se não há concentração? Em casa não há acompanhamento familiar. A escola tem vários recursos, mas não estão sendo aproveitados pelos alunos, mesmo que utilizemos, eles não acompanham por falta de amadurecimento. Talvez cinco cheguem ao Ensino Médio na idade certa.
Nas observações feitas pela professora, percebemos a questão da
indisciplina, falta de amadurecimento, falta de atenção, desinteresse, refletido a
partir da falta de sentido na relação entre os conceitos estudados e a vida dos
alunos. Outro fator refere-se ao acompanhamento familiar que não oferece o suporte
necessário aos alunos, a fim de que possam ser orientados em casa quanto ao
compromisso para com o estudo. Decorrente disso, verificamos que as dificuldades
na aprendizagem estão centradas nos alunos e na família. Ressaltamos, ainda, que
mesmo utilizando outros recursos oferecidos pela escola, os alunos não os
aproveitam por falta de maturidade, e não valorizam a diversidade de estratégias
oferecidas.
Além das informações que buscamos com a entrevista, aproveitamos a
oportunidade de estar com a professora que trabalharíamos mais diretamente, para
79
nos inteirarmos de como podíamos conciliar a proposta do Aprender Pesquisando
com o que a professora vinha trabalhando na turma em questão.
Através da professora, também soubemos que os assuntos a que o projeto
estaria relacionado seria o sistema respiratório e Excretor, e que essas duas
unidades faziam parte do conteúdo programado para a avaliação bimestral, que
consistiria em uma prova conceitual valendo 10 pontos, ou seja, 50% do total de
pontos atribuídos aos alunos no segundo bimestre. Segundo a professora, na
avaliação do primeiro bimestre, nesta prova conceitual, apenas seis alunos do 8º
ano C conseguiram a média estimada para o referido bimestre.
A professora comentou que estava muito feliz em saber que o
desenvolvimento do projeto Aprender Pesquisando ajudaria no rendimento dos
alunos. Disse também que havia introduzido o assunto a partir de um debate sobre o
tabagismo, que fazia parte da unidade do sistema respiratório, e que também tinha
iniciado com os alunos uma atividade de entrevista com os moradores do bairro da
escola.
Após ouvir as informações da professora, marcamos a data do início do
projeto com os alunos para a semana seguinte, haja vista que ainda teríamos o
restante da semana para replanejar a proposta e ter a permissão da supervisora.
2.2.3.2 A Observação: a prática pedagógica
Começamos a observação na sala de aula do 8º ano C, procurando
entender a dinâmica da turma, a forma como os alunos se comportavam, pois
precisávamos de todos os subsídios possíveis para o desenvolvimento do Projeto
Aprender Pesquisando.
Paralelo a isso, a supervisora também conversou com os alunos,
informando a respeito da nossa presença na sala de aula, da relação com a nossa
presença e o nosso projeto de pesquisa, alegando que a turma havia sido
contemplada por meio de um sorteio. A partir dessa breve apresentação avançamos
na observação, nem sempre em todos os tempos de aula, por conta das entrevistas
que, geralmente, eram realizadas nos primeiros tempos.
80
Aula de Língua Portuguesa
No primeiro dia da observação, os alunos apresentavam um trabalho que
fizeram em grupo na disciplina de Língua Portuguesa. A distribuição da turma era
em círculo. Antes de começar as apresentações, o professor relembrou como
deveriam proceder.
O primeiro grupo a fazer apresentação começou lendo um texto, para
demonstrar a presença dos substantivos. No entanto, depois da leitura, o grupo não
conseguia comentar o que havia lido. O professor começou a fazer perguntas, para
ver se os alunos tinham entendido, e apenas uma aluna respondeu,
acanhadamente.
Quando os membros do grupo voltavam para os seus lugares, o professor
fez suas considerações e releu o texto, fazendo perguntas para toda a turma a
respeito dos substantivos que naquele se faziam presentes. Os demais alunos
participaram da atividade respondendo aos questionamentos; algumas vezes o
professor ia corrigindo as respostas dadas e assim por diante.
Outros grupos apresentaram-se, mas sempre demonstrando muita
vergonha e dificuldade em se expressar, pois o que faziam era apenas a leitura dos
textos e das respostas, sem comentá-las. Durante a apresentação dos grupos, os
demais alunos ficavam em conversas paralelas e, uma quantidade menor, ficava
prestando atenção no que estava sendo dito.
Aula de Ciências Naturais
Observamos, principalmente, as atividades na disciplina de Ciências
Naturais, para entendermos o conjunto das dinâmicas desenvolvidas. Procuramos
prestar bastante atenção na fala da professora, pois a atividade era sequencias de
outras, realizados anteriormente pela turma.
A atividade realizada pelos alunos, nessa disciplina, foi uma entrevista em
alguns bairros da circunvizinhança da escola sobre o hábito do tabagismo. A
professora apresentou as questões da entrevista, quantidade de entrevistados por
grupo e divisão dos bairros. Os alunos tinham realizado as entrevistas e, naquela
aula, a professora estava reapresentando as questões, para análise dos resultados.
81
Algumas questões reapresentadas pela professora, para que os alunos
analisassem os dados obtidos, foram as seguintes:
a) Entre os entrevistados, os que mais julgam importante parar de fumar são os que mais tentaram, ou não? b) Qual a idade média na qual os entrevistados começaram a fumar? c) Em que medida o ambiente social influi na decisão de começar a fumar? E na decisão de parar de fumar?
Este momento foi muito interessante, pois a professora explicava cada
detalhe de como analisar os dados da entrevista e dizia que os alunos deveriam
comparar as respostas, para ver se havia contradições.
No entanto, apesar da professora, ter um bom domínio na explicação,
muitos alunos ainda estavam dispersos, queriam ficar em conversas paralelas, fazer
brincadeiras entre eles. A professora tinha que, constantemente, estar chamando a
atenção, dificultando bastante o processo.
Por outro lado, alguns alunos apresentavam interesse, perguntavam e
diziam que não tinham entendido. A professora explicava várias vezes, e eles não
conseguiam entender, mesmo com as explicações. Um exemplo dessa situação diz
respeito ao cálculo da idade média que os entrevistados começaram a fumar. Os
alunos já tinham os dados, mas tinham uma grande dificuldade de saber o que fazer
com eles.
Pelo fato de um tempo de aula de 45 a 50 minutos ser insuficiente para
fazer atividades dessa natureza em sala, a professora apenas dava orientações.
Mesmo assim os alunos ficavam sem entender muitas coisas. Além disso, perdia-se
muito tempo para arrumar os alunos em grupo, chamar a atenção deles para que
prestassem atenção, registrar a freqüência dos presentes, escrever no quadro as
questões para análise e etc.
Aula de História
Durante a observação da disciplina História, em um dos momentos a
professora fez a correção de um exercício que havia passado anteriormente para os
alunos. Os estudantes que tinham respondido a atividade levavam à mesa da
82
professora para que corrigisse individualmente. Os que ainda não haviam
respondido procuravam as respostas no livro didático, ou copiavam dos cadernos
dos colegas que tinham terminado.
Aula de Ensino Religioso
A disciplina Ensino Religioso, que era ministrada pela mesma professora de
História, procedia a partir de uma dinâmica muito similar entre essas disciplinas. A
professora corrigia as atividades sobre os tipos de violência e suas causas,
principalmente, no ambiente domiciliar.
Os alunos praticamente não prestavam atenção no que a professora falava.
Neste momento, ela utilizava a nossa presença para intimidar o barulho provocado
pelos alunos, dizendo: “Olha, vocês estão sendo observados, é essa imagem que
vocês querem passar?”
Geralmente, um tempo de aula era utilizado para a correção de atividades
individuais. Na sequência, pedia-se para os alunos lerem as respostas coletivamente
e encerrava-se a aula.
Aula de Língua Inglesa
Na disciplina de Língua Inglesa o comportamento da turma era bem
diferente. O professor foi corrigir uma atividade no quadro, chamando os alunos para
responderem. Todos participavam indo ao quadro e, enquanto os alunos estavam se
deslocando, o professor passava nas carteiras, dando o visto nos cadernos dos que
haviam respondido.
Após todos terem respondido as questões do quadro, o professor fazia a
correção com todos os alunos, sendo que eles tinham que justificar as suas
respostas, momento este, que o professor também dava as suas considerações e
esclarecia possíveis dúvidas. A turma, em geral, demonstrava atenção e interesse
na atividade.
A partir dessa descrição das observações do cotidiano da sala de aula,
percebemos um ponto em comum que nos chamou a atenção, exceto na atividade
das disciplinas de Ciências Naturais e de Língua Inglesa, que a preocupação com o
83
resultado se sobressai ao processo. Os professores passavam as atividades,
explicavam o que deveria ser feito e esperavam os resultados. O processo, que é o
momento em que as condições de aprendizagem devem ser suscitadas, era
esquecido. Dessa forma, os resultados não correspondiam ao que era esperado
pelos professores.
Pela qualidade dos resultados, podemos imaginar o processo, pois quando
os alunos apresentavam, por exemplo, uma atividade que deveria ser de
interpretação de texto e, não conseguiam ultrapassar a decodificação dos códigos
lingüísticos, percebíamos que não haviam tido um acompanhamento do professor
para orientar e mediar as articulações dos mecanismos que propiciariam a
aprendizagem.
A este respeito, Bagno (2002, p. 15) diz que
Ensinar a aprender, então, é não apenas mostrar os caminhos, mas também orientar o aluno para que desenvolva um olhar crítico que lhe permita desviar-se das „bombas‟ e reconhecer, em meio ao labirinto, as trilhas que conduzem às verdadeiras fontes de informação e conhecimento.
O professor, nessa situação, é um orientador que está com o aluno
mediando os seus processos de reconhecimento, captação e utilização das
informações a fim de saber o que fazer com aquelas para que, em outros momentos,
possa modificá-las e ajustá-las nas diferentes situações de sua vida. Quando o
professor ajuda os estudantes a manusear as ferramentas, a construção posterior de
elementos novos será uma conquista adquirida por cada sujeito (BAGNO, 2002).
Desse modo, a partir da orientação docente, os estudantes desenvolverão
sua autonomia intelectual para que, com os seus “próprios olhos”, consigam fazer
uma leitura que ultrapasse os códigos lingüísticos, a fim de conseguirem discernir o
que se encontra a sua volta, o que Bagno (2002) chama de “bombas” de diferentes
tipos, de informações ou situações com que irão se deparar constantemente nos
meios de comunicação, na organização da sociedade e em toda nossa vida, o que
necessitará de uma visão crítica frente os caminhos trilhados no percurso dos
labirintos.
Com a insuficiência de orientação no processo, os estudantes só podem
oferecer aquilo que possuem, ou seja, através de suas manifestações, mostram
84
suas necessidades e o que, a partir delas, poderia ser trabalhado. Decorrente disso,
verificamos a importância dos professores diagnosticarem a situação dos níveis em
que se encontram os estudantes, para que as atividades possam ser desenvolvidas
visando ampliar as suas potencialidades.
A falta de conhecimento das necessidades dos alunos dificulta a escolha das
atividades a serem desenvolvidas, para efeito de acréscimo no desenvolvimento
cognitivo dos sujeitos. Por exemplo, em que medida uma cópia das respostas do
livro didático para o caderno potencializa as capacidades dos alunos?
Quanto a este conhecimento da realidade dos sujeitos para uma intervenção
com maior consciência, Bagno (2002, p. 22) diz que:
Nenhum médico tomará uma decisão importante sobre o tratamento de um paciente antes de fazer seu diagnóstico. Nenhum engenheiro iniciará uma obra antes de fazer seus cálculos. Nenhum diretor de cinema começará a filmar sem ter nas mãos um roteiro. Da mesma forma, ninguém pode iniciar uma pesquisa sem antes ter preparado um projeto.
Assim, durante a nossa observação, verificamos a carência de uma visão,
por parte dos docentes, que seja capaz de enxergar a totalidade do processo, e que
não apenas seja um cumpridor de uma sequência de atividades a partir de um
tempo cronometrado, objetivando o alcance de uma nota bimestral o que, na maioria
das vezes, nem chega a acontecer. Percebemos, assim, a importância de um
planejamento que atenda às reais necessidades dos alunos em consonância com o
que já é previsto pela organização escolar.
Ao reportarmo-nos à mediação que deve ser feita pelo professor entre o que o
aluno já conhece e que se pretende desenvolver, apoiamo-nos na concepção de
Vygotsky (1984, p.97), quando trata da zona de desenvolvimento proximal,
consistindo na
[...] distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes.
85
Por isso é que enfatizamos a importância de um diagnóstico que permita ao
professor reconhecer as habilidades já desenvolvidas pelos alunos, para intervir com
melhor exatidão na zona de desenvolvimento proximal, orientando-os nas suas reais
necessidades. Quando, por exemplo, a professora de Ciências Naturais começa a
orientação de como analisar as entrevistas sobre o tabagismo, que os alunos já
haviam realizado, percebemos uma preocupação com o processo, à medida que
aquela explicava cada detalhe de como fazer, que precisaria haver comparações
entre as respostas, dando pistas de como sistematizar os dados. Esse fato,
inclusive, reporta-nos ao comentário de Antunes (2002, p. 69-70), ao afirmar que:
“Quem aprende a pensar aprende a pesquisar; quem aprende a estudar e a explorar
diferentes habilidades, na verdade, aprende a estabelecer metas – aprende a
aprender”.
Ratificando o posicionamento, concordamos com a necessidade do
desenvolvimento de atividades que possam oferecer subsídios aos estudantes, para
que possam se sentir capazes de manipulá-los, em prol de seu próprio crescimento
intelectual, a partir de um acompanhamento e ações coletivas, que propiciem a troca
de experiências entre os sujeitos.
A partir do exposto, percebemos a relação de três elementos básicos
diagnosticados mediante essa observação:
1 - um planejamento que propicie uma visão geral do processo que se
pretende desenvolver juntamente com os alunos;
2 - a utilização de um diagnóstico que permita a visualização das
dificuldades e aquisições já alcançadas pelos estudantes e;
3 - ações pedagógicas que potencializem as capacidades desses
estudantes, trabalhando, por meio de um acompanhamento sistemático as
dificuldades e as ampliações das habilidades já adquiridas pelos alunos.
Constatamos, ainda, durante a observação, que existe um conjunto de
elementos que colaboram para a perda do significado das ações pedagógicas,
afetando diretamente a aprendizagem dos alunos, como: a rotina; a estrutura que
deve ser seguida pelos docentes; as pressões que eles vivenciam cotidianamente,
em prol de rendimentos que apresentem melhores resultados nas avaliações
nacionais; o acúmulo de atividades em séries diferentes que atuam.
A seguir, apresentaremos a percepção dos alunos, mas direcionando à
aprendizagem dos conceitos no componente curricular de Ciências Naturais.
86
2.2.3.3 O questionário semi-estruturado: o contato com os alunos
Além do período de observação, que nos possibilitou certa proximidade com
os alunos, nosso primeiro contato diretamente com eles foi no momento da
aplicação do questionário semi-estruturado, antecedido por uma conversa de
apresentação tanto da proposta de pesquisa, quanto de nossa condição de
pesquisadora e professora.
Antes de começarmos esse momento, a supervisora disponibilizou-nos um
tempo de aula de 45 minutos para esta atividade. Conversamos com os alunos
sobre o objetivo do projeto a ser desenvolvido, voltado para a aprendizagem de
conceitos na disciplina de Ciências Naturais. Deixamos bem evidente que
precisávamos saber quais as necessidades e dificuldades que eles estavam
sentindo quanto ao entendimento dos conceitos trabalhados na disciplina Ciências
Naturais.
Esclarecemos a eles que seria distribuído um questionário contendo três
perguntas, para que respondessem individualmente. Lemos as três questões, que
foram as seguintes: a) Que conteúdos estão estudando em Ciências Naturais? b)
Sentem dificuldades de entender os assuntos? Justifique. c) Que assuntos já
estudados vocês acreditam que compreenderam bem? Por quê?
À medida que líamos uma questão, perguntávamos se haviam entendido, e
explicávamos todas as vezes que percebíamos as dúvidas. Terminado este
momento, pedimos aos alunos para que formassem grupos de três, para discutirem
sobre as similaridades e diferenças entre as respostas, e elaborassem um pequeno
texto, apontando tais características. A maioria dos alunos começou a perguntar
como fazer. Essa reação não foi novidade, porque sabíamos, por meio das nossas
observações que, quando chegava a hora da produção escrita, principalmente da
elaboração de um texto, por menor que fosse, geralmente sentiam dificuldades.
Esta atividade possibilitou-nos interagir com os alunos sobre as dificuldades
apresentadas pela professora de Ciências Naturais, para efeito de obtenção de um
melhor rendimento dos estudantes. O momento da escuta da fala, durante a
socialização dos grupos, e a nossa intervenção, procurando entender o raciocínio
dos estudantes, também proporcionou-nos uma melhor captação das idéias; o que
não aconteceria se tivéssemos limitado-nos a apenas receber os questionários.
87
Quando soou a campa, na hora da saída, ainda não tínhamos acabado as
atividades. A maioria dos alunos foi levantando, como de costume. Tivemos que
intervir, pedindo para que todos sentassem, pois faltava, ainda, um aluno falar. A
impressão que tivemos era de que eles não estavam esperando essa nossa reação,
pelo costume de saírem sempre apressados da sala.
O resultado dessa atividade resultou nos dados a seguir, que apresentamos
de maneira sistematizada.
Assuntos que estavam estudando em Ciências Naturais, de acordo com
os alunos
4%
60%7%
22%
7% Vacina
Sistema Respiratório
Coração
Nutrição
Outros
Figura 8: Respostas dos alunos a respeito dos assuntos estudados em Ciências Naturais no período da aplicação do questionário
Conforme demonstra a figura 8, a maioria dos alunos (60%) conseguiu
identificar o assunto específico que estava em estudo, representado pelo Sistema
Respiratório. A percentagem referente a 22% dos alunos revela que aqueles tinham
conhecimento da unidade semestral relacionado à Nutrição. Portanto, somando os
dois grupos temos um percentual de 82% dos alunos que foram capazes de
identificar o que estavam estudando. Ao contrário destes, um grupo que representa
18% dos alunos disseram estar estudando assuntos como vacinas (4%), coração
(7%) e outros (7%), que não estavam diretamente ligado ao conteúdo específico
trabalhado no período da aplicação do questionário.
A partir desses resultados conseguimos alcançar o nosso objetivo em
conhecer se os alunos sabiam o que estava sendo estudado, pois o projeto
„Aprender Pesquisando‟ estaria relacionado à temática em estudo.
88
Dificuldades de entendimento nos assuntos de Ciências Naturais
56%37%
7%Entende
Não entende
As vezes
Figura 9: Resposta dos alunos quanto a dificuldade de entendimento dos assuntos de Ciências Naturais
De um total de 27 alunos que responderam ao questionário, 56% afirmaram
que entendem os conceitos discutidos na disciplina de Ciências Naturais, porém,
37% deles declararam que sentem dificuldades para entender os conceitos, e 7%
disseram que às vezes sentiam dificuldades em entender (figura 9).
Com relação aos alunos que disseram não sentir dificuldades (56%), 19%
deles justificaram que é porque a professora explicava bem, 7% porque os assuntos
não eram difíceis e 30% motivos diversos, tais como, porque gosta da disciplina,
porque presta atenção, porque é explicado de forma prática, porque são coisas do
nosso dia-a-dia. Um aluno explicou ainda que: “só não entendo se me perder no
assunto”.
A respeito dos alunos que reconheceram que sentem dificuldades em
entender os conceitos (37%), 25,9% justificaram que é devido às palavras e os
assuntos que são complicados, que não permitem que haja a compreensão, e os
11,1% disseram que não entendem porque não prestam atenção.
O que foi possível perceber, com as respostas dos alunos neste
questionário, é que a dificuldade de entendimento ocorre, principalmente, porque os
alunos não conseguem compreender as palavras utilizadas nos textos e
explicações. Acham que os assuntos são muito complicados, até porque não
entendem o que lêem e o que está sendo dito pelo professor.
Percebemos que as habilidades básicas de leitura e escrita, como não
foram bem desenvolvidas pelos alunos em séries anteriores, dificulta um rendimento
mais significativo nas atividades correspondentes à série em que estão. Ou seja, o
89
nível de compreensão, mesmo em atividades diversificadas, acabam sendo
influenciado pela carência básica de uma boa leitura e escrita. Referente a esta
questão, Pozo (2002) diz que o sistema cognitivo humano, como um mecanismo das
representações do conhecimento, necessita articular o processo de uma série de
memórias conectadas para, através dessas manipulações, serem capazes de captar
as novas informações, o que explica as principais dificuldades apresentadas pelos
estudantes quanto aos conceitos em Ciências Naturais.
Para tanto, a aprendizagem, por meio do processo de construção do
conhecimento, perpassa por uma rede de conectivos que compreende a tessitura
indispensável na articulação das informações adquiridas para a formação de novos
conceitos. Vygotsky (2000, 2001) concebe a relação dos conceitos científicos como
uma rede dos conhecimentos articulados. Em função disso, um conceito busca outro
conceito para estabelecer tais relações (AZEVEDO, 2009).
Lembramos que uma parcela de 11,1% dos alunos que possuem
dificuldades de entendimento reconhecia que este fator correspondia à falta de
atenção durante as atividades de Ciências Naturais. Contudo, Moysés (2003, p. 23)
ressalta que a atitude de querer aprender “se expressa através de uma disposição
para relacionar, de maneira consistente e coerente, à sua estrutura cognitiva o novo
conhecimento, potencialmente significativo”, ou seja, a vontade e interesse dos
alunos também conta para o que pode ser alcançado nos processos da formação
dos conceitos científicos.
Os 7% que disseram que sentem dificuldades às vezes justificaram que é
porque os meninos falam muito na hora da explicação, e também porque
simplesmente não entendem algumas vezes.
Compreensão dos assuntos estudados de Ciências Naturais
Na última pergunta, sobre que assuntos já estudados, se compreenderam
bem e quais as justificativas, tivemos o seguinte resultado.
90
56%
44%
A célula
Outros (Tabagismo, Osbatimentos cardíacos,As bactérias, etc.)
Figura 10: Resposta dos alunos sobre os assuntos estudados que eles compreenderam bem
Como observamos na figura 10, dos 27 alunos, 56% responderam que o
assunto que melhor compreenderam foi sobre as Células, com a justificativa de que
a professora explicou bem. Dentre algumas das justificativas (J), foram relatadas as
seguintes:
J1 – “porque fizemos uma demonstração da estrutura da célula”; J2 – “por que foi uma aula muito importante”; J3 – “porque a professora trabalhou na prática demonstrando as estruturas
da célula”; J4 – “porque tem haver com a estrutura do nosso corpo”; J5 – “porque é super interessante saber como o nosso corpo é formado”.
Os 44% dos alunos mencionaram diferentes tipos de assuntos e suas
justificativas, tais como: o tabagismo, por conta de terem realizado uma pesquisa
sobre o referente tema; os batimentos cardíacos, por terem tido boas explicações;
as bactérias, sendo um dos assuntos mais estudados e explicados; dentre outros.
Percebemos que o assunto mais compreendido está relacionado às
diversificadas estratégias utilizadas nas práticas pedagógicas, conforme as
justificativas acima. Logo, verificamos a imprescindível atuação do professor em
utilizar diferentes estratégias durante o processo de mediação entre o sujeito e o
objeto de estudo.
A partir dessas justificativas, podemos perceber como a mediação feita pelo
professor exerce uma influência significativa no alcance da aprendizagem pelos
alunos. A respeito disso, Azevedo (2009, p. 53) diz que
Para um Ensino de Ciências na perspectiva de formação de conceitos, o professor deve ter a postura de mediador do processo ensino-
91
aprendizagem, levando os estudantes a estabelecerem um diálogo entre os conhecimentos espontâneos e científicos, de forma que possam utilizá-los no seu cotidiano.
É neste momento, como enfatiza a autora, que o professor deve saber
trabalhar com os conhecimentos espontâneos, trazidos pelos alunos, oriundos da
sua experiência diária na relação com o conhecimento científico que este, ao
contrário do primeiro, “[...] só se elabora em função de uma intencionalidade, isto é,
pressupõe uma relação consciente e consentida entre o sujeito e o objeto do
conhecimento” (MOYSÉS, 2003, p. 24). Com isso, o conhecimento científico
necessita de um trabalho sistemático, organizado, planejado que venha realmente
ser uma ação intencional dos sujeitos na manipulação das novas informações.
Assim, além dos fatores ligados à própria condição propícia e à mediação do
professor está incluída a vontade do aluno em querer buscar um novo
conhecimento.
Deste modo, percebemos que quanto mais atividades diversificadas forem
realizadas, mais se aumenta a probabilidade de alcançar a compreensão dos
estudantes, haja vista que cada estudante tem um repertório de experiências
diversificadas, o que acarreta também formas diversificadas de captação das
informações. Corroborando com esta idéia, Moreira (2006) ressalta que as
experiências vivenciadas pelos alunos servirão de ancoradouro para as novas
informações, possibilitando a incorporação e assimilação destas.
Logo, podemos compreender a justificativa dos estudantes quando
explicitam sobre o interesse em estudar o funcionamento e estrutura do corpo
humano, por verificarem que a atividade de demonstração da estrutura da célula
está relacionada à nossa constituição, e julgam muito importante o nosso próprio
reconhecimento como um ser biológico, contribuindo, neste caso, para a relação
entre os conhecimentos espontâneos e científicos que nos reportamos
anteriormente.
Desse modo, a sistematização dos dados e informações obtidas a partir da
entrevista semi-estruturada com os professores, a observação da prática
pedagógica e do questionário com os alunos, possibilitou-nos a construção desse
diagnóstico sobre a situação do contexto investigado, sobre o qual delinearemos
algumas considerações que articulam as informações coletadas e que ofereceu
92
subsídios para os próximos passos da pesquisa, consistindo no replanejamento e
execução da proposta.
2.2.4 Considerações sobre o diagnóstico
O diagnóstico, que construímos a partir das entrevistas com os professores,
da observação das aulas e do questionário aplicado aos alunos, possibilitou-nos
coletar elementos que nos ajudaram a entender melhor o funcionamento da
dinâmica do contexto pedagógico. Conseqüentemente, junto com os alunos e
professores, tivemos subsídios para uma intervenção mais significativa quanto à
aprendizagem de conceitos na disciplina de Ciências Naturais.
Nas entrevistas, de acordo com a nossa análise anterior, percebemos que
os fatores que mais foram enfatizados pelos professores foi a questão da falta de
interesse, dedicação e concentração por parte dos alunos, dificultando a
aprendizagem de conceitos em suas disciplinas. Os alunos, em contrapartida, diziam
que tinham dificuldades na aprendizagem de conceitos em Ciências Naturais,
porque não entendiam as palavras utilizadas e os conteúdos eram complicados.
Havia também uma parcela que reconhecia que não prestava atenção nas aulas.
Na observação, considerando tanto a fala dos professores, quanto a dos
alunos, assim como o nosso convívio durante a prática pedagógica docente,
percebemos a carência de procedimentos que considerassem o processo da
aprendizagem, em detrimento de práticas pautadas nos resultados. Percebemos,
portanto, a carência de intervenções mais direcionadas às necessidades dos alunos,
o que acabava por influenciar na falta de interesse dos alunos, por não conseguirem
acompanhar as atividades propostas nas diferentes atividades.
Observamos também que os docentes não conheciam as necessidades dos
alunos, e nem o que já dominavam para, a partir desses conhecimentos prévios,
direcionarem suas ações de intervenção na zona de desenvolvimento proximal,
conforme comentamos anteriormente.
A partir das evidências apresentadas tanto pelos docentes quanto pelos
alunos, podemos dizer que, quando relacionadas, exercem um processo de
interdependência, pois se os alunos não entendem o que está sendo dito, perdem o
93
interesse pelas atividades, fazendo com que os professores percebam a falta de
atenção e concentração nas aulas. Além disso, esses aspectos dificultam a
comunicação entre os sujeitos o que, por sua vez, dificulta a construção dos
conhecimentos científicos pelos alunos.
Entender estas relações que se entrecruzam no processo educativo,
permite-nos identificar pistas que podem nos ajudar no dia-a-dia da sala de aula.
Assim como, a pensar melhor de que maneira podemos desenvolver, em parceria
com os sujeitos da pesquisa, no momento do replanejamento, a proposta do projeto
Aprender Pesquisando, para que este possa realmente colaborar na aprendizagem
de conceitos dos alunos do 8º ano C na disciplina de Ciências Naturais.
2.3 Replanejamento da proposta: articulação entre as possibilidades
Com base no reconhecimento dos nossos limites e possibilidades por meio
dos dados que foram coletados durante a conversa com a supervisora, a entrevista
com os professores, a observação da prática pedagógica e a aplicação do
questionário com os alunos, o que resultou em um diagnóstico da situação do
contexto de nossa pesquisa, descreveremos de que maneira articulamos com os
sujeitos os novos encaminhamentos, tendo em vista as nossas possibilidades de
ação.
Quando pensamos em reprogramar as atividades que dariam início ao
desenvolvimento do projeto com os professores e alunos, primeiramente atentamos
para as questões do tempo que teríamos tanto para as oficinas com os professores,
que estava previsto como primeira atividade, quanto para o desenvolvimento do
projeto em si com os alunos, pois tínhamos percebido, durante este período de
construção do diagnóstico, que não teríamos tempo disponível com os professores.
O primeiro ponto que constatamos possível de tornar o nosso processo de
pesquisa muito lento e que, pelas condições apresentadas, poderíamos não ter o
resultado esperado, era a questão de se realizar as oficinas com todos os
professores do 8º ano C, para que conhecessem o processo de como se pretendia
desenvolver o projeto e também ouvir suas necessidades e sugestões,
94
condicionando o início da construção do projeto com os alunos ao término das
oficinas com os professores.
No entanto, pensamos também na sugestão das oficinas aos sábados,
conforme havíamos conversado com a supervisora, mas não queríamos começar
nossas atividades com os professores insatisfeitos, por terem que comprometer seus
finais de semana com mais uma atividade – as oficinas. Decidimos, com a
apreciação da supervisora e também da professora de Ciências Naturais, que as
informações sobre as dificuldades detectadas na sala de aula que comprometiam a
aprendizagem dos alunos, bem como o conhecimento dos assuntos que os
professores estavam trabalhando no segundo bimestre para serem relacionados no
momento globalizador, seriam coletados apenas durante a entrevista, que tinha sido
realizada.
Outra alternativa, para complementar esta questão, seria que antes de
iniciarmos o momento globalizador, a supervisora marcaria uma reunião rápida, já
que os professores não poderiam se ausentar da sala por um período que
excedesse um tempo de aula, para esclarecermos como se desenharia este
momento e de que forma os professores poderiam interagir com os conceitos que
estavam sendo trabalhados em suas disciplinas, a partir da temática central do
projeto, vinculado as Ciências Naturais.
Ajustada esta questão, começamos a construção do projeto Aprender
Pesquisando com os alunos nos tempos de Ciências Naturais, durante três vezes
por semana, com a participação da professora em todo o processo, já que não
haveria “perda” dos conteúdos, já que partimos da proposta curricular do segundo
bimestre.
Foi a partir desse replanejamento da proposta inicial que fizemos algumas
alterações. Acrescentamos mais duas fases na proposta antes do enfoque
globalizador, que foi: a construção e execução dos projetos de pesquisa, ao
organizarmos os elementos que tinham sido elaborados nas fases anteriores para
iniciar as investigações; e a avaliação, como um momento de ouvirmos todos no
final do desenvolvimento do projeto.
As demais atividades relacionadas à estrutura básica do projeto não foram
alteradas, exceto, é claro, no decorrer do percurso, dependendo das necessidades
dos sujeitos, visto que as técnicas, os tipos de atividades que desenvolvemos
estavam diretamente relacionadas às decisões da turma conosco.
95
A proposta modificada configurou-se a partir do desenho abaixo:
Figura 11: Desenho modificado do projeto Aprender Pesquisando
A partir dessas modificações, marcamos com a professora um tempo
disponível, fora do horário escolar, para verificarmos as unidades que tinham sido
trabalhadas no primeiro bimestre, quais atividades tinham sido feitas referentes ao
segundo bimestre, enfim, replanejamos todas as aulas de Ciências Naturais,
considerando na nossa proposta, a semana de provas, revisões e demais atividades
programadas pela escola.
Decidimos também, para otimizar o tempo, uma vez que as aulas de
Ciências Naturais são três vezes na semana, continuar o desenvolvimento do
projeto com os alunos no contra-turno, quando houvesse necessidade, pois haveria
um tempo maior para sistematizar e construir toda a parte escrita do projeto, visitas e
outras atividades.
A partir dos primeiros encaminhamentos decidimos, com a professora,
iniciar as atividades do projeto na sala do laboratório da escola, pois tínhamos o
recurso do data-show para fazermos uma retrospectiva das unidades que foram
96
estudadas pelos alunos no primeiro bimestre, para depois apresentarmos o que
seria estudado no segundo, a partir das unidades que tratavam sobre os Sistemas
Respiratório e Excretor.
Esta primeira ação permitiu que os alunos visualizassem o processo como
um todo, os conceitos já estudados e por estudar, para então apresentarmos a
proposta do projeto Aprender Pesquisando, que começou com a elaboração de um
tema para o projeto, partindo dos conteúdos apresentados para estudo no bimestre.
A partir da temática geral, recolhemos as informações advindas dos alunos,
concernentes ao que sabiam sobre os assuntos, o que teriam de curiosidades sobre
a temática, se achavam relevante este estudo, e outras questões que suscitassem a
segunda fase do projeto, que seria os tipos de leitura: conotativa, denotativa e
estrutural, como consta na proposta de investigação.
De posse das informações obtidas, demos continuidade decidindo,
coletivamente, como os alunos gostariam de pesquisar a temática, quais as técnicas
que poderiam ser utilizadas. Neste momento, a professora falou que possuía um
material falando das técnicas que poderiam ser aproveitadas, oferecendo sugestões
aos estudantes.
Assim, para o início do projeto, encaminhamos as sugestões que, no
decorrer do processo, poderia haver alterações para, a partir de então, definirmos o
prosseguimento das demais atividades com os momentos de pesquisa dos alunos,
pois, assim que eles decidissem como gostariam de investigar, daríamos o suporte
necessário para a execução do projeto.
Tendo em vista as informações constatadas a partir da entrevista dos
professores e do questionário aplicado aos alunos, e o próprio processo de
acompanhamento das investigações iniciadas pelos estudantes, através do qual foi
possível identificar suas necessidades, ritmo de aprendizagem e conhecimentos
prévios, oportunizamos diferentes atividades que pudéssemos relacionar as novas
informações com os conhecimentos já adquiridos.
A partir do diagnóstico e replanejamento, iniciamos a fase de execução do
projeto e sua avaliação, relatado e analisado no próximo capítulo.
97
3 POSSIBILIDADES EM AÇÃO: AS CONSTATAÇÕES DA APRENDIZAGEM DOS CONCEITOS DE CIÊNCIAS NATURAIS A PARTIR DA PEDAGOGIA DE PROJETOS
Foi nesse período de construção da pesquisa que demos corpus à proposta
a partir das contribuições dos alunos. Esse capítulo divide-se em duas unidades. A
primeira trata do desenvolvimento do projeto Aprender Pesquisando com os alunos,
e a segunda, a respeito da avaliação do processo da pesquisa, que denominamos
de Sistematização das constatações.
3.1 Desenvolvimento do projeto Aprender Pesquisando
Chegamos à escola por volta das 14h, para darmos início ao
desenvolvimento do projeto Aprender Pesquisando, juntamente com a participação
da professora de Ciências Naturais no 8º ano C, no terceiro tempo de aula. Antes de
irmos à sala de aula, dirigimo-nos à supervisora, para informá-la sobre o
planejamento da atividade do dia. Para nossa surpresa, a supervisora informou-nos
que a professora de Ciências Naturais, naquela semana do início do projeto, não iria
para sala de aula, porque ela e o professor da disciplina Língua Portuguesa
preparariam um relatório da escola, que precisava ser entregue até a próxima
segunda. Mas informou-nos de que a professora teria um substituto responsável
pelas suas turmas. Depois dessa informação, fomos conversar com a professora de
Ciências Naturais e com a professora substituta.
Enquanto a supervisora foi chamar a professora de Ciências Naturais,
conversamos com a professora substituta, que ainda não sabia que iria substituir a
primeira, que acabou demonstrando insatisfação.
Quando apresentamos o planejamento para aquele dia, feito com a
professora da turma, a professora substituta comunicou-nos que nem queria
conhecer, alegando que não entendia nada de Pedagogia, trabalhava na biblioteca e
não estava acostumada com o barulho dos meninos. Além do mais, estava com
problema de garganta por substituir professores e não sabia como os professores
agüentavam o cotidiano da sala de aula e ainda ter voz.
98
Depois a professora de Ciências Naturais chegou para repassar-nos o
material que organizou a partir das unidades do 1º bimestre, apresentando em slides
para facilitar a recapitulação pelos alunos. O objetivo era que déssemos, a partir
daqueles, sequência aos conteúdos do 2º bimestre, com suas respectivas
subunidades.
Após os acordos e ajustes, decidimos ir para a turma sem a professora
substituta. Pegamos a chave com a supervisora e fomos ao laboratório, que estava
todo arrumado. Depois que bateu a campa para o 3º tempo de aula, chamamos os
alunos, para que se dirigissem ao laboratório. Assim que estávamos reunidos,
relembramos a eles que íamos começar o desenvolvimento do projeto, e que as
regras para a utilização do laboratório de informática era mantê-lo limpo, e também
da necessidade de zelo na utilização dos equipamentos.
Iniciamos a aula com uma reflexão: “Acredite ou seja surdo”, escolhida pela
professora de Ciências, para motivar os alunos a acreditarem em si mesmos e a
serem “surdos”, quando alguém lhes disser que são incapazes de conseguirem algo.
A professora escolheu essa mensagem porque a turma é tida como a “turma
problema”, decorrente de um comportamento atípico para o ambiente escolar, o que
ocasionou até na expulsão de um aluno, além do baixo rendimento de aprendizagem
da maioria deles.
Descreveremos na sequência como se deu o desenvolvimento do projeto
Aprender pesquisando, onde procuramos sistematizar o processo em etapas
ressignificadas a partir da proposta de Rojo (1997). Desse modo apresentaremos as
seguintes etapas: escolha da temática; descoberta do problema ou conflito;
construção e execução dos projetos; enfoque globalizador; conclusões da pesquisa;
divulgação da pesquisa e avaliação da pesquisa. É preciso esclarecer também, que
apesar de aparecer separado em etapas, o processo foi contínuo, onde as etapas,
em alguns momentos, aconteceram simultaneamente.
3.1.1 Escolha da Temática
Apresentamos as unidades já estudadas pelos alunos no 1º bimestre com a
temática central: Nutrição, a partir da qual estudaram sobre os alimentos; o Sistema
99
Digestivo e o Sistema Cardiovascular, em que mostramos a seqüência entre os
conteúdos que seriam estudados no 2º bimestre, articulados com as unidades do
Sistema Respiratório e Excretor, uma vez que, estas unidades também fazem parte
da temática central: Nutrição. Neste momento iniciamos a primeira fase do Projeto
que Rojo (1997) chama de Escolha da Temática que só foi concluída a partir a etapa
seguinte.
3.1.2 Descoberta do Problema ou Conflito
Após apresentarmos as unidades a serem estudadas, passamos à segunda
fase do projeto que é a Descoberta do Problema ou Conflito, a partir da descrição do
problema. Rojo (1997) desdobra esta fase em três momentos: leitura conotativa;
leitura denotativa; leitura estrutural ou contextual. No caso do projeto que
desenvolvemos junto com os alunos do 8º ano-C esses momentos aconteceram
conforme o relato a seguir.
3.1.2.1 Leitura conotativa
De acordo com Rojo (1997) a leitura conotativa refere-se aos sentimentos
dos estudantes acerca da temática. Sendo assim, perguntamos se os alunos se
interessavam pela temática do Sistema Respiratório e Excretório, alguns deles
responderam afirmativamente, dizendo que gostariam de estudar sobre o assunto.
Outros, não expressaram seus sentimentos a esse respeito. Percebemos, neste
momento inicial, que os alunos ainda estavam tímidos, participando apenas quando
interrogados.
Perguntamos aos estudantes o que eles sabiam sobre os Sistemas em
estudo. Uma aluna respondeu que estava relacionado com a respiração. A partir
disso, fizemos outros questionamentos para suscitar a discussão. Perguntamos
quais eram os órgãos que faziam parte do Sistema Respiratório e um aluno disse
que era o pulmão e, outros, com o livro didático, disseram que tinha também a
100
faringe, a laringe e a traquéia. Fizemos um trabalho de conquista através da
pergunta para, por meio da fala dos estudantes, conseguir saber o que estes já
conheciam sobre os dois sistemas em estudo. Esse momento de valorização do
conhecimento prévio dos estudantes é considerado por Ausubel (1978 apud POZO,
2002) como o fator isolado mais importante que influencia a aprendizagem.
Ao terminar de ouvi-los, dissemos que a proposta era a de aprender aqueles
conceitos por meio de pesquisa. Naquele momento, perguntamos o que entendiam
por pesquisa. Eles demoraram um pouco para responder, até que uma aluna disse:
“a gente descobrir algo que a gente ainda não conhece”. Depois disso, perguntamos
se existia uma única maneira de pesquisar e todos responderam que não,
mencionaram a pesquisa pela internet, nos livros, em revistas, jornais e outros.
Aproveitamos o momento para relembrá-los que tinham feito recentemente
uma pesquisa através de entrevista sobre o tabagismo, (uma atividade introdutória
da unidade do 2º bimestre) que a professora de Ciências Naturais havia realizado
falando de algumas doenças que afetam o Sistema Respiratório.
Perguntamos se tinham gostado de fazer pesquisa por meio da entrevista.
Alguns ficaram calados, outros disseram que sim. Naquele momento, procuramos
saber como eles gostavam de pesquisar e o silêncio se fez presente na sala. Então,
mencionamos uma prática comum, que é de fazer cópias do livro didático, e que
muitos chamam de pesquisa, e acrescentamos: vocês gostam de fazer “pesquisa”
no livro didático, copiando os conceitos e respondendo perguntas? A maioria, em
coro, disse que não. Com isso, perguntamos: Como vocês acham que aprendem
melhor? Uma aluna respondeu: “quando a gente explica”. Outra disse: “quando a
gente fala”.
Percebemos, tanto no silêncio quanto na fala dos alunos que iam se
deixando descobrir pela conversa, como consideram enfadonha a elaboração de
cópias a partir do livro didático. Esta constatação reportou-nos a Teixeira (2006), ao
dizer que, quando os conceitos são tidos como agrupamentos de informações dos
eventos que acontecem sob certo critério de similaridades e diferenças, passa a ser
visto sob uma perspectiva linear. Por conseguinte, o trabalho a que os professores
submetem os estudantes resume-se à verificação de conceitos no livro didático, que
passa a ser instrumento de um ensino memorístico, levando apenas a memorização
dos conceitos.
101
3.1.2.2 Leitura denotativa
Decidimos, conforme negociação com os alunos que as pesquisas seriam
em grupo. Em seguida, apresentamos os conceitos principais das duas unidades
selecionadas, desmembrando-as em subunidades, a fim de serem investigadas
pelas equipes. Neste momento, conforme classifica Rojo (1997) começamos o
processo de leitura denotativa, visto que iniciamos a análise objetiva dos elementos,
das partes e classes do tema. Para tanto, informamos que na próxima aula
reuniríamos em pequenos grupos, para verificar de que maneira iríamos pesquisar,
que técnicas utilizaríamos, como registraríamos, analisaríamos e apresentaríamos
os resultados da pesquisa.
Dissemos também que cada grupo elaboraria uma pergunta sobre o tema
para o qual, durante a atividade, buscaríamos respostas. Esquecendo-nos,
rapidamente, do nível de ensino em que se encontravam, detalhamos ainda mais a
explicação dizendo que a partir das questões norteadoras da pesquisa, criaríamos
questões mais específicas. Perguntamos se haviam entendido e eles demonstraram
que não. Explicamos novamente começando pela palavra “norteadora”.
Acabamos limitando-nos a dizer que uma questão norteadora direcionaria a
pesquisa de cada grupo, mas sempre a partir do tema central. Para exemplificar,
mostramos algumas questões sobre o assunto, para que visualizassem.
Ao demonstrarem ter entendido melhor a dinâmica, perguntamos como
gostariam que fosse feita a distribuição das subunidades por grupo. Todos
responderam que queriam através de sorteio. Perguntamos a eles como gostariam
que fosse a divisão dos grupos, a partir de duas opções sugeridas: (1) por afinidade
ou (2) agrupamento a critério do professor. Neste momento eles divergiam de
opiniões, o que nos levou a fazer uma votação, através da qual ganhou a proposta
de divisão de grupos por afinidade.
Após o resultado da votação, pedimos que uma aluna escrevesse de um a
cinco, para fazermos o sorteio e, por conseguinte, dividimos a turma em cinco
grupos, e anotassem os nomes em um papel, para nos entregarem, posteriormente.
Feita a divisão, chamamos um representante de cada grupo, para tirar a numeração
correspondente para o seu grupo, de maneira a sortear o seu tema. Decorrente
disso, cada grupo anotou sua subunidade para a pesquisa.
102
Para finalizar a atividade do dia, pedimos que cada grupo fizesse uma
leitura em casa referente ao tema, a partir de assuntos do livro didático, para a
próxima aula. Este momento do projeto fez parte da fase de descoberta do problema
ou conflito e representa o momento da leitura estrutural ou contextual, apresentado a
seguir.
3.1.2.3 Leitura estrutural ou contextual
Conforme Rojo (1997), a leitura estrutural ou contextual incide na análise
das causas e conseqüências do conflito para além dos efeitos e conceitos. Para
sustentar esse momento, demos continuidade às atividades no dia seguinte e, como
a professora já havia sugerido a apresentação de algumas técnicas que poderiam
ajudar os estudantes na escolha dos procedimentos a serem adotados no momento
da pesquisa dos temas de cada grupo, iniciamos com a utilização do data-show no
laboratório, para apresentar as técnicas a serem adotadas, em suas especificidades.
Algumas das técnicas apresentadas foram: a entrevista, a observação, o
questionário. Falamos do portfólio como um instrumento que poderia ser utilizado
para a organização e sistematização dos processos e produtos construídos durante
a investigação. A auto-avaliação, também foi mencionada, para fazer parte dos
momentos de auto-reflexão durante o percurso realizado pelos sujeitos a fim de
procedermos de maneira consciente.
À medida que mostrávamos as técnicas, também exemplificávamos com
atividades que poderiam ser feitas pelos grupos, procurando demonstrar a relação
daquelas com a respectiva temática. Para exemplificar, falamos de visitas ao
laboratório de Biologia, com especialistas da área, mediante apoio das
universidades, bibliotecas de diferentes instituições.
Como é possível observar, inicialmente, tivemos a preocupação em criar
condições de reconhecimento de possibilidades de procedimentos de pesquisa, a
fim de que os alunos percebessem como poderiam utilizar diferentes formas para se
obter um resultado. Essa atividade foi suficiente para a utilização de um tempo de
aula. Pelo fato de termos oportunizado o diálogo, em alguns momentos os alunos
103
não compreendiam, e tínhamos que exemplificar e perguntar, para verificarmos o
quanto estavam entendendo o que era dito.
A partir desses esclarecimentos, como havíamos pedido a eles, ainda no
primeiro encontro, para que fizessem uma leitura sobre as subunidades pela qual
cada grupo ficou responsável, retomamos a questão da leitura preliminar, que foi
solicitada para um primeiro reconhecimento das temáticas. No entanto, a turma, em
sua grande maioria, não tinha o hábito de fazer em casa as atividades propostas
pelos professores. Com isso, tivemos que fazê-las na própria sala de aula nos
grupos previamente organizados.
Ajudamos os alunos, durante a leitura feita pelos alunos, a se organizarem e
participarem nos comentários. No primeiro, pelo menos três alunos demonstravam
que não tinham menor interesse pela atividade; um estava com raiva por que não
tínhamos permitido a ele que se ausentasse da sala para pegar algo com alguém
que estava do lado de fora da escola, e passou o momento da atividade com uma
expressão de insatisfação e raiva, e nem sequer pegou o livro para leitura. Outro
aluno, ainda naquele mesmo grupo, não levou o livro didático e, se não fosse nossa
intervenção em fazer perguntas e sempre está retomando a leitura, ele nem
participaria do processo. No entanto, nesse mesmo grupo tinha um aluno que se
prontificava para a leitura, se expressava muito bem e comentava o que lia. Para
garantir a participação dos demais, revisamos o que o aluno comentava e
incrementamos, pedindo a eles que falassem o que entenderam. Depois que
percebemos o entrosamento do grupo em questão, fomos acompanhar a outra
equipe.
Ao chegarmos no outro grupo, detectamos que os alunos haviam feito a
leitura. Pedimos que comentassem o que já tinham lido. Expressaram-se muito bem,
e ainda citaram o exemplo de um caso que alguém tinha bebido muito e
comprometido os rins e o aluno comentou sobre alguns sintomas que o rapaz
apresentou. Depois, socializaram uma questão norteadora que já tinham elaborado
e durante a leitura e discussão sobre a questão, outro aluno sugeriu mais uma
questão norteadora para o grupo. Era um grupo que estava bem mais entrosado e
adiantado nas discussões. Percebemos o nível de participação do grupo, para com a
proposta da atividade, e como estas relações contribuem na aprendizagem dos
alunos, pois como afirma Severino (2009, p.265), “aprender é necessariamente uma
forma de praticar o conhecimento, é apropriar-se de seus processos específicos”.
104
O próximo grupo discutiu sobre os movimentos da respiração e da
respiração celular. Souberam falar dos movimentos de inspiração e expiração, mas
sobre a respiração celular tiveram dificuldades, pois a leitura ainda não tinha sido
suficiente. Pedimos para que fizessem questões norteadoras, a partir das dúvidas
que eles sentiram.
Não foi possível passarmos nos demais grupos, pois o tempo esgotou-se, e
outro professor precisava entrar, para ministrar sua aula. Percebemos que, com a
turma em questão, não adiantaria pedir para que realizassem as atividades em casa,
fazia-se necessário que acompanhássemos o processo, uma vez que, poucos eram
os alunos que possuíam certa autonomia e gostavam de participar. Passou-nos a
impressão de que não conseguiam perceber o significado e a importância dos
estudos nas suas vidas. Devido a isso, e, pelo ritmo dos alunos, decidimos que
desenvolveríamos as atividades, além do tempo disponível da disciplina de Ciências
Naturais, no contra turno, pois desse modo, teríamos a garantia da realização dos
trabalhos extraclasse e também poderíamos acompanhá-los e mediar o processo de
maneira mais específica.
Ao percebermos aqueles estudantes com pouca participação nas atividades
e o silêncio imperando na sala de aula, constatamos a importância da pedagogia da
pergunta, a respeito da qual Becker (2007, p. 19) destaca que:
[...] na espontaneidade do cotidiano, a criança aprende a perguntar. Freqüentemente o entorno familiar responde com tamanha ferocidade a esse comportamento infantil que pouco sobra dele depois de alguns anos; a escola se encarregará de extinguir o que sobrou. A família arma um cerco em torno desse comportamento infantil, reprimindo-o de múltiplas formas, fazendo a criança perceber o quanto ela é inconveniente ao fazer perguntas. Talvez a forma mais perversa desse comportamento adulto, da família e da escola, seja ignorar as perguntas da criança.
De acordo com o referido autor, o estudante desde a sua infância, no
convívio familiar, é tolhido em seus momentos espontâneos da fala e, quando inicia
a vida escolar, recebe uma continuidade das repressões vivenciadas anteriormente,
ao ser ignorado em seus questionamentos. Decorrente disso, o silêncio que
percebemos fazer parte do convívio na sala de aula, na relação professor – aluno,
105
são efeitos e não causas, que acabam sendo reforçados ainda no momento
presente.
Com a preocupação de não darmos continuidade a esta característica
percebida nos relacionamentos na sala de aula, reconhecemos que nossas
estratégias deveriam contar com outros recursos, para manter a participação e o
interesse dos grupos pela pesquisa, inclusive o recurso do tempo.
Resolvemos, desse modo, desenvolver as atividades todos os dias, pela
manhã, e três vezes na semana, pela tarde no horário da disciplina de Ciências
Naturais. Essa estratégia possibilitou um rendimento bem melhor nas atividades,
mesmo sendo o público da manhã menor que o da tarde, pois nem todos os alunos
compareciam. Apesar dessas dificuldades, o processo foi muito proveitoso porque
cada equipe tinha mais tempo para produzir e ser orientada quando tinham dúvidas.
Organizamos a estrutura que seria adotada para a investigação de cada
grupo. Estes por sua vez, haviam escolhido um tema para seus respectivos projetos,
que representavam subunidades da temática geral do nosso projeto, ou seja, existia
uma relação entre as temáticas dos projetos dos grupos e destes com a temática
geral (figura 12).
Sendo assim, as equipes criavam seus projetos de pesquisa. Com o nosso
auxílio, buscaram materiais e outros tipos de atividades, como visitas, que também
foram realizadas no período da manhã.
106
Figura 12: A organização das temáticas
3.1.3 A construção e execução dos projetos de pesquisa
Cada grupo escolheu um tema para a sua subunidade, elaborou um
problema, as questões norteadoras, o objetivo geral e os objetivos específicos,
fundamentação teórica, percurso metodológico e as considerações do grupo sobre a
pesquisa, conforme a estrutura apresentada na figura 13.
107
Figura 13: Estrutura dos projetos das equipes
O processo de elaboração do projeto aconteceu concomitantemente com as
pesquisas, uma vez que as equipes criaram o tema, o problema, as questões
norteadoras e os objetivos e, por conseguinte, iniciaram as investigações,
construindo, simultaneamente, a fundamentação teórica e o percurso metodológico.
Para a construção dos elementos constitutivos do projeto, os grupos se
reuniam, trocavam idéias, sistematizavam as discussões realizadas no momento da
descoberta do problema, recorriam ao livro didático, freqüentavam a biblioteca,
apesar de nesta, não contarem com materiais adicionais ao que possuíam (figura
14).
108
Figura 14: Os alunos em processo de construção do projeto
No decorrer do processo de construção dos projetos dos grupos, decidimos
em comum acordo com os alunos, algumas atividades que poderíamos realizar
coletivamente que contribuísse para a construção da fundamentação teórica e
percurso metodológico.
3.1.3.1 Atividades coletivas para subsídio da fundamentação teórica e percurso metodológico dos projetos
No decorrer da construção da fundamentação teórica com o auxílio do livro
didático dos alunos e também de livros de Biologia disponibilizados pela professora
de Ciências Naturais, bem como outros materiais dos alunos, decidimos que
realizaríamos duas atividades para subsidiar o trabalho de todos os grupos. A
primeira, seria organizada pela professora de Ciências, consistindo na exposição de
slides com os órgãos, funções e funcionamento dos Sistemas Respiratório e
Excretório. Além desse recurso, a professora utilizaria um Programa da Enciclopédia
Barsa, que consiste em um recurso multimídia para os alunos interagirem com as
informações sobre os Sistemas em estudo.
A segunda atividade referiu-se a uma visita ao Laboratório de Biologia da
Universidade Federal do Amazonas – UFAM da Unidade Acadêmica de Itacoatiara,
para conhecerem a estrutura e funcionamento dos Sistemas Respiratório e
Excretório, através de uma palestra com os recursos de materiais sintéticos e dois
109
órgãos naturais (pulmão e rim) do Laboratório de Anatomia da mesma universidade.
O desenvolvimento dessas atividades será apresentado a seguir.
3.1.3.1.1 Atividade no Laboratório de Informática com recurso multimídia
A professora de Ciências Naturais levou os alunos para o laboratório de
Informática para terem um contato interativo com um programa de informática sobre
os Sistemas Respiratório e Excretório. O objetivo foi oportunizar aos alunos um
momento que pudessem conhecer o funcionamento dos Sistemas Respiratório e
Excretório, e sanar possíveis dúvidas que possam ter ocorrido durante a consulta
nos livros em estudo.
Para realizar essa atividade, a professora havia solicitado previamente ao
professor de informática, que instalasse o programa em questão, na máquina central
do laboratório, conectada ao data-show, e também nas máquinas que seriam
utilizadas pelos alunos (figura 15).
Este recurso multimídia, instalado nas máquinas do laboratório, permitiu que
os alunos acompanhassem a explicação da professora, que utilizava a máquina
central ligada ao data-show, e a um sistema de áudio do recurso de mídia, que
possibilitava aos alunos interagir e obter informações sobre os órgãos selecionados.
Figura 15: Professor de Informática instalando o programa da
Barsa que ajudou a subsidiar a pesquisa dos alunos
110
Os alunos gostaram bastante dos recursos de mídia, instigados a irem além
da explicação, contidas na máquina central. O material era muito bom, de boa
qualidade, interativo, como os alunos gostavam. Alguns deles selecionavam nas
máquinas à parte de conteúdo e copiavam dando continuidade as suas pesquisas
nos grupos com os conceitos que ainda não tinham.
A partir do interesse demonstrado pelos estudantes, propusemos às
equipes que utilizassem o programa no contra turno, para aprofundamento do
conteúdo trabalhado pela professora, uma vez que, uma vez que o tempo que
tivemos para aquela aula foi de apenas 50 minutos.
Para efeito de revisão do que foi discutido na aula, mediada pelo programa
multimídia, a professora apresentou slides com imagens e principais conceitos
tratados durante a interação com os alunos, de maneira a sanar possíveis dúvidas
ocorridas durante o processo (Figura 16).
Figura 16: Imagem dos sistemas trabalhados nos slides pela professora de Ciências Naturais
3.1.3.1.2 Atividade no Laboratório de Biologia da Universidade Federal do Amazonas – UFAM / Itacoatiara
Antes da realização da visita ao Laboratório de Biologia, encaminhamos um
ofício em nome da escola, onde estava sendo realizada a pesquisa, para a
coordenadora do Laboratório em questão, a fim de permitir a visita dos alunos, bem
111
como disponibilizar um profissional que pudesse acompanhar os alunos e também
fazer uma palestra explicativa sobre os Sistemas Respiratório e Excretório.
Após uma visita anterior ao Laboratório para fazer os acordos com a
coordenadora, falar de nossas intenções e verificar a pessoa disponível para orientar
os alunos, decidimos a data e o horário, e confirmamos quem poderia fazer a
palestra para os alunos. O técnico do laboratório indicou um acadêmico do curso de
Farmácia, oriundo do curso de Enfermagem da Universidade do Estado do
Amazonas.
Depois dos acordos firmados com os responsáveis pelo Laboratório,
acompanhamos os alunos, no contra turno, para conhecerem o local e receberem a
palestra. Nem todos os alunos participaram desta atividade, mas os que foram
demonstravam interesse e motivação por conhecer “o novo”, pois nenhum deles
ainda tinha visitado um Laboratório de Biologia.
Os estudantes ao entrarem no Laboratório de Biologia, prestavam atenção
em tudo que estava a sua volta, entravam devagar, se acomodaram no final do
laboratório e ficaram em silêncio para ouvir os cumprimentos do técnico e
palestrante (figura 17).
Figura 17: Alunos no fundo do laboratório momentos depois de
chegarem ao local
O palestrante iniciou sua explicação referindo-se a que se destinava o
estudo de Anatomia, sendo este voltado para a composição do corpo humano.
Contudo, ele iria mostrar com o auxilio das peças sintéticas alguns órgãos que
112
compreendem o Sistema Respiratório e Excretório, no entanto, iria se concentrar
nas funções desses órgãos para que nós pudéssemos compreender o
funcionamento dos Sistemas em estudo.
Após esta introdução, o palestrante optou por iniciar a explicação pelo
Sistema Excretório. Com o auxilio de um notebook, onde estava sua apresentação e
com as peças sintéticas, mostrou a diferença do Sistema Excretório da mulher e do
homem, enfatizando a diferença do tamanho da bexiga, que no homem é maior, já
que não possuem útero (figura 18). O canal da uretra também é maior no homem,
mas em caso de algumas doenças isso chega a ser pior nos homens, pois a
aplicação de sonda para chegar até a bexiga é um processo muito doloroso, devido
o caminho comprido e não linear. Assim, foi explicando cada órgão do Sistema
Excretório, dando uma atenção maior aos rins, em cada detalhe que existe dentro
dele, por onde o líquido do nosso corpo percorre até chegar à área externa.
Figura 18: Palestrante explicando com o recurso sintético
Para finalizar a explicação sobre o Sistema Excretório, o palestrante
perguntou se havia alguma coisa que os alunos não tinham entendido e se queriam
que ele explicasse novamente, pedindo que todos ficassem à vontade para tirar
suas dúvidas. Diante disso, um aluno pediu que ele explicasse novamente sobre o
rim e o processo que ocorria dentro dele. Este aluno que perguntou faz parte do
grupo responsável sobre a formação da urina e o sistema urinário. Assim, foi
explicado novamente, bem devagar e fazendo perguntas aos alunos.
113
Por conseguinte, o palestrante iniciou a explicação sobre o Sistema
Respiratório. Começou fazendo os gestos dos movimentos da respiração, colocou o
material sintético representado pelo pulmão na direção de sua caixa torácica e deu
prosseguimento às explicações falando dos órgãos que fazem parte do sistema
respiratório, enfatizando a função de cada órgão, o caminho que o ar percorre até a
troca dos gases, entre a entrada do gás oxigênio e saída do dióxido de carbono.
Quando explicava mostrava também algumas imagens que estavam no
notebook para ilustrar alguns órgãos mencionados e, para encerrar as explicações,
disse que ia mostrar para os estudantes um pulmão e um rim natural, órgãos esses
que são utilizados para material de estudo dos acadêmicos.
Neste momento, trouxe os dois órgãos e mostrou para os estudantes
(Figura 19). Falou que não havia máscaras disponíveis para os visitantes e que eles
não podiam entrar no laboratório de Anatomia porque precisaria de jaleco e outros
acessórios. Apenas foi mostrado os órgãos, falou-se da cor daquele pulmão que
estava escuro, certamente não era um pulmão muito saudável, que os corpos
utilizados para estudo são de indigentes. Depois recolheu o material e falou um
pouco sobre as normas de segurança que devem ser tomadas quando estamos em
um laboratório.
Figura 19: Palestrante explicando com órgãos naturais
114
Depois das explicações com bastante riqueza de detalhes, agradecemos e
falamos da necessidade e importância da parceria das universidades com as
escolas, a fim de subsidiar com suas pesquisas, através da extensão, a prática
docente, pois quando os alunos estão mais próximos desses conhecimentos,
fomentados nas universidades o processo de ensino-aprendizagem se fortalece.
Um aluno da turma também agradeceu pela acolhida e boa vontade do
palestrante em receber-nos e explicar tão bem. Assim, despedimo-nos e o expositor
disse que a Universidade estava à disposição para ajudar no que fosse preciso.
Foi interessante perceber o comportamento dos alunos, todos em silêncio,
prestando atenção, até porque eram muitos detalhes e muitas informações. O
expositor era bem didático, explicava com clareza, parava para perguntar se os
alunos estavam entendendo, se queriam fazer alguma pergunta, se ele estava
falando muito rápido e etc.
Quando o expositor fazia perguntas aos alunos, estes últimos se olhavam,
ficavam calados até que um ou outro respondia acanhadamente, exceto um aluno
que apresentava boa desenvoltura no falar e não tinha vergonha de se expressar.
Nesta atividade, foi possível perceber que o estudo sobre o Sistema
Excretório e Respiratório tornou-se significativo para os alunos. Eles tiveram a
oportunidade de ter uma explicação em que o expositor apresentou bom domínio do
assunto. Referindo-se a esta questão:
[...] um bom domínio da matéria constitui-se também a partir de um ponto de vista didático, como fundamental. Os próprios alunos são extraordinariamente sensíveis a esse domínio da matéria pelos professores, considerando-o com justiça como um requisito essencial de sua própria aprendizagem. (CARRASCOSA apud CARVALHO; GIL-PÉREZ, 2006, p.25)
Os alunos, a respeito do domínio da temática pelo expositor, mostraram-se
satisfeitos e surpresos com a desenvoltura e clareza nas explicações, confirmando a
afirmativa de Peres, quanto o reconhecimento dos estudantes ao presenciarem uma
boa explicação.
Também ficaram entusiasmados com as informações, para a construção dos
conceitos científicos, com a interação entre Ciência e Tecnologia, pois estavam
115
presenciando diversos recursos como a explicação do professor, as imagens no
computador portátil, os modelos sintéticos e um pulmão e um rim humano que
estavam para serem observados através de todos os sentidos possíveis ao alcance
daqueles estudantes.
Como não ficar atento a uma aula dessas? Quantos recursos neurais aqueles
estudantes estavam mobilizando naquela aula? Sob esta ótica, Pozo (2002) enfatiza
sobre a importância da atenção quando se reporta a capacidade limitada de nossa
mente, necessitando de materiais que possa atrair ou chamar a atenção, para que
os alunos consigam se concentrar em pontos-chave das informações que estão
sendo apresentadas.
Ao referir-se a maneiras que possam atrair a atenção dos alunos, Pozo (2002)
sugere que os materiais utilizados devem ser interessantes tanto na forma, quanto
no conteúdo, selecionando adequadamente a informação a ser apresentada, sendo
esta última, moderadamente discrepante ou relativamente nova, a fim de suscitar o
interesse dos alunos.
A partir dessas atividades que os estudantes participaram e o processo de
sistematização das informações que tiveram contato durante suas pesquisas
individuais e coletivas, cada grupo organizou seu projeto e processo de pesquisa,
partindo das subunidades estudadas.
Desse modo, o projeto e o resultado da pesquisa do grupo 1, está
representado na figura 20. Esse grupo estudou a temática: O ar que respiramos.
116
Figura 20: Sistematização do processo de elaboração do projeto e síntese dos resultados da pesquisa do grupo 1
Como podemos verificar nas considerações do grupo, estes sentiram muitas
dificuldades durante a elaboração do projeto. Em alguns relatos dos alunos,
percebemos os desafios encontrados no que se refere ao trabalho em grupo quando
um destes diz que: “Foi muito complicado fazermos esse trabalho, pois éramos seis
componentes e somente duas pessoas se interessaram”. Esta fala foi registrada
durante o período de desenvolvimento do projeto, em que muitos dos alunos
pertencentes a este grupo ainda não estavam envolvidos com a atividade.
No entanto, com o decorrer do percurso, verificamos que os alunos
conseguem reconhecer que foi proveitoso o processo, quando um estudante diz
que: “Eu gostei muito quando eu fui lá na UFAM e o Bruno explicou como funciona
as nossas vias respiratórias, explicou o que os órgãos fazem”.
O grupo 2, que pesquisou sobre a temática: A respiração e o ser humano,
elaborou seu projeto e sistematizou o resultado da pesquisa conforme figura 21.
117
Figura 21: Sistematização do processo de elaboração do projeto e síntese dos resultados da pesquisa do grupo 2
Neste grupo, durante o processo de construção, percebemos em algumas
falas dos alunos, a satisfação em ter experienciado momentos diversificados, que
lhes proporcionaram um aprendizado. A este respeito, um aluno relata que: “Eu
gostei mais foi dos pulmões do ser humano que pude ver bem de perto, foi bem
legal, porque eu nunca tinha visto um pulmão de perto e na pesquisa eu tive
oportunidade de poder ver um”. O contato com situações ainda não vivenciadas,
contribuiu significativamente para os alunos começarem a se motivar a participar das
atividades.
Quanto ao que consideraram sobre a elaboração do projeto, um dos alunos
desse grupo disse: “Esse tipo de trabalho eu achei muito interessante, porque ajuda
a gente em várias coisas, essas atividades que a gente fez é bem diferente porque
essas pesquisas é um pouco difícil mas bem legal e bem interessante”.
No grupo 3, foi construído o projeto a partir da temática: Descobrindo a
saúde no meio público, representado na figura 22, assim como o resultado da
pesquisa.
118
Figura 22: Sistematização do processo de elaboração do projeto e síntese dos resultados da
pesquisa do grupo 3
O grupo 3, na sua investigação, buscou identificar as doenças que afetam o
Sistema Respiratório e as prevenções e cuidados, relacionando à organização e
estrutura da sociedade. Este grupo utilizou o material das entrevistas sobre o
tabagismo que a turma tinha realizado anteriormente com a professora de Ciências
Naturais. Os alunos analisaram o material e o processo de como ocorreu a
entrevista. Referente a essa questão, uma aluna disse: “Eu gostei dessa aula porque
foi diferente das outras, apesar de ter pessoas que durante a entrevista não nos
atenderam, mas foi boa a pesquisa”.
Outro aluno, refletindo sobre o resultado da entrevista, falou: “Eu fiquei um
pouco triste porque as pessoas começaram a fumar com 16 anos e já estão com 60
anos e nunca deixaram de fumar, pois as pessoas não conseguem deixar um vício
que não nasceu com elas”.
119
É possível de se perceber que, na fala apresentada anteriormente, que o
estudante, além de identificar os resultados, também se envolveu com este,
analisando como seria a vida de alguém que desde muito cedo começa a fumar e
depois não consegue mais deixar o vício.
A esse respeito, uma aluna relatou que estava vivenciando um caso similar
em sua família, quando mencionou: “Inclusive tenho caso na família de uma pessoa
que está com câncer na boca em decorrência do fumo, então, o tabaco não traz
saúde as pessoas e sim traz tristeza, pois a pessoa nova está perdendo a sua vida”.
Verificamos que os alunos começaram a associar o que estavam estudando com os
fatos que estavam vivenciando, mas, neste momento, com uma compreensão bem
melhor, pois conseguiam identificar a relação das doenças com as causas e os
efeitos ocasionados no corpo humano.
O grupo 4, que investigou a temática: O Sistema urinário e a estrutura do rim,
elaborou seu projeto de acordo com a representação da figura 23.
Figura 23: Sistematização do processo de elaboração do projeto e síntese dos resultados da pesquisa do grupo 4
120
No grupo 4, durante o processo de construção do projeto e depois de várias
atividades realizadas que ofereceram subsídio aos alunos na elaboração da
pesquisa, ao serem questionados sobre as impressões que estavam tendo do
processo, um aluno relatou que:
Da minha parte eu gostei do projeto Aprender Pesquisando porque eu fiquei sabendo mais sobre o meu corpo e qual o processo que ocorre nos órgãos de excreção. Eu aprendi como é importante a gente saber sobre o nosso corpo e quais os riscos que corremos que podem afetar a nossa saúde.
Como foi possível observar durante as investigações, os alunos
identificavam determinados processos que ocorriam nos sistemas em estudo e
imaginavam como estes aconteciam dentro do seu corpo, inclusive, a importância
dessas funções internas e o cuidado necessário com o corpo que, a partir dessas
informações, o alunos se viam responsáveis de manter. Referente a estas questões,
um aluno se posiciona da seguinte maneira:
Eu entendi que o rim é muito importante no corpo humano, pois ele é que filtra o sangue e filtra também a urina. Saber isso vai me ajudar a pensar antes de fazer as coisas como beber cachaça e fumar, pois isso prejudica o pulmão e nossos outros órgãos.
Quando os alunos começavam a ter conhecimentos de como funciona o
nosso corpo, com a visualização das imagens, com a observação dos órgãos
naturais na visita ao Laboratório de Biologia da UFAM e explicações, iniciou-se um
processo de reconhecimento do sujeito com o seu próprio corpo, o que contribui
para a ampliação do olhar sobre si mesmo. Ainda neste aspecto, um aluno relatou
que:
A gente pode estar saudável por fora, mas não sabe o que acontece dentro da gente porque não podemos observar, só através de exames é que vamos descobrir o que está acontecendo com os principais órgãos do corpo, como por exemplo, os rins que são pequenos órgãos do nosso corpo e que são de importância muito grande, pois nos rins ocorrem o processo
121
de filtração do sangue que lá é excluído a urina e as coisas que são tóxicas que são expelidas através da urina.
Percebemos nos relatos dos alunos, o quanto foi significativo o processo de
construção dos projetos de pesquisa e, sobretudo, as reflexões que os alunos
faziam durante o processo, quando questionados sobre as suas percepções e
impressões que eram construídas no percurso.
O grupo 5, que investigou sobre a temática: A formação da urina e as
doenças do Sistema Urinário, elaborou seu projeto conforme figura 24.
Figura 24: Sistematização do processo de elaboração do projeto e síntese dos resultados da pesquisa do grupo 5
Durante o processo de elaboração do projeto, os alunos apontavam para
algumas necessidades que tinham para um melhor entendimento do assunto,
corroborando esta afirmativa, um aluno mencionou que:
122
Nós poderíamos ver os órgãos completos do corpo do ser humano para nós entendermos mais ainda o nosso trabalho, porque nós ficamos em dúvida em algumas partes que nós não conhecemos e é por isso que nós nos dedicamos a se aprofundar nesse trabalho.
Como podemos perceber na fala do aluno, existe um interesse de
complementar as informações que estão sendo insuficientes para que tenha uma
melhor compreensão do trabalho, ou seja, o próprio estudante começa a construir
seus próprios mecanismos de aprendizagem, tendo consciência que determinado
procedimento o ajudaria em um entendimento mais satisfatório.
Ainda se reportando as questões do reconhecimento das limitações, um
aluno fala de suas impressões sobre o processo de construção dos projetos e afirma
que:
O assunto é grande e parece que nós não vamos conseguir fazer o trabalho como queremos e que precisamos ler mais o assunto para entendermos o principal do assunto para não ficarmos com aquele peso na mente de que nós não somos capazes.
A maioria dos alunos do 8º ano C, representada aqui na fala mencionada
acima, tinha internalizado que não eram capazes de realizar qualquer atividade que
lhes parecesse “mais complicada”, pelo fato de fazerem parte de uma “turma
problema”, conforme caracterizou a supervisora da escola. O aluno ainda ressalta “o
peso na mente”, oriundo do sentimento de culpa de não ser capaz de desenvolver
determinado trabalho.
No entanto, apesar das ideias internalizadas, as atividades exigiam um grau
de esforço e dedicação dos alunos, pois os processos de investigação e reflexão
precisariam de tempo suficiente para ser manipulada as informações novas. Um
aluno a esse respeito diz que: “O que eu não gostei foi [...] de acordar cedo para
fazer as minhas tarefas de casa para poder ir à escola pela manhã e isso me
impedia também de jogar bola, que é uma coisa que eu gosto muito”.
Como podemos perceber nos relatos dos cinco grupos, tivemos os objetivos
alcançados no processo de construção dos projetos, contribuindo para o
gerenciamento de mecanismos e estratégias de aprendizagem. Isso foi possível a
partir da elaboração dos problemas de pesquisa, que nortearam as investigações e
123
por meio das buscas de informações, desenvolvidas tanto pelos alunos, quanto por
meio de nossa mediação. De acordo com essas observações, Lalanda e Abrandes
(1996), fundamentadas nos estudos de Dewey, reforçam que, partindo da solução
de problemas, por meio de processos de reflexão e pesquisa no cotidiano escolar,
possibilita-se o estudo de determinados conceitos, através da dinâmica de
investigação, sustentadas em processos de constante análise e síntese.
No entanto, tais processos, para se legitimarem necessitavam de um esforço
de todos os envolvidos na dinâmica da construção da pesquisa. Para isso, o
momento de sistematização das informações exigia dos alunos concentração
durante os registros e percebíamos quanta dificuldade alguns estudantes
apresentavam para escrever uma frase, ou para ler um parágrafo.
A esse respeito lembramos o processo formativo do pesquisador que precisa
registrar sua pesquisa e também sente esta dificuldade que os alunos sentiam em
exercitar a escrita. Sobre a importância da escrita como modo de pensar: Marques
(apud GALIAZZI, 2000, p. 42) afirma que “o escrevente busca no escrever a
superação de seus problemas, de suas dificuldades e crises, num esforço de
transcender a si mesmo na afirmação do próprio estilo”.
Os estudantes apesar de reclamarem do esforço que tinham que fazer para
sistematizar as informações, buscavam a sua superação, mesmo percebendo as
limitações e desafios de iniciar um ritmo de pesquisa, o que implicava em
organização do tempo destinado a estudo, reflexão acerca do que estava sendo
produzido e o rompimento paulatino de práticas memorísticas.
A partir dessas conquistas de iniciação a pesquisa, começamos o
planejamento com os demais professores do 8º ano C para começarmos o momento
do enfoque globalizador, a partir da articulação entre os conceitos das diferentes
disciplinas com a temática em estudo.
3.1.4 O momento globalizador
Para o tratamento globalizador, sob a organização da equipe técnica da
escola, reunimos os professores a fim de planejarmos como seria encaminhado este
momento da pesquisa com os sujeitos envolvidos. A supervisora explicou que
124
precisaríamos do apoio de todos em uma atividade com os alunos para que em cada
disciplina fosse feita a relação entre os conceitos, a fim de que os estudantes
percebessem que o conhecimento está articulado entre os componentes curriculares
e na própria dinâmica da vida com o que estamos estudando.
Desse modo, explicamos aos professores do 8º ano C que a proposta
consistia na participação dos docentes em articular os conceitos trabalhados em
suas disciplinas com a temática geral do projeto, que tratava sobre os Sistemas
Respiratório e Excretório. A partir desses esclarecimentos, socializamos a proposta
e também sugerimos idéias de como eles poderiam articular os assuntos e
desenvolver com os alunos processos e produtos.
Devido durante as entrevistas com os professores termos constatado os
assuntos que estavam trabalhando com os alunos, isso possibilitou-nos chegarmos
a um consenso mais rapidamente, pois o tempo que nos foi disponibilizado era
aproximadamente de 30 minutos. Assim, ouvíamos a sugestão de cada professor e
entrávamos em um acordo prévio de como cada um relacionaria os assuntos das
disciplinas que ministravam a partir da temática do projeto. Pensamos também nos
resultados esperados com este momento globalizador, para que no momento da
divulgação os alunos também pudessem apresentar o que foi produzido nas
disciplinas. A partir desses acordos, definimos os assuntos e atividades a serem
realizadas nos componentes curriculares conforme figura 25.
Componente
Curricular Assuntos Processo/Produto
Língua Portuguesa Interpretação de texto
Produção de texto
Painel de Curiosidades sobre
o Sistema Respiratório e
Excretor
Matemática Introdução às noções de
Estatística
Gráfico com os resultados
das entrevistas sobre o
tabagismo
História As implicações da Revolução
Industrial para a saúde
Linha do tempo comparativa
entre a Revolução Industrial e
as principais doenças em
cada época.
Geografia Meio Ambiente X Saúde Painel Ilustrativo
Língua Inglesa Construção de texto História em quadrinhos com
versão em Inglês
Ensino Religioso
Valores: Respeito (respeito
ao nosso corpo, a natureza, a
vida)
Poesias
Figura 25: Propostas das atividades a serem desenvolvidas no momento globalizador
125
Os professores de Educação Física e Artes não participaram, porque não se
encontravam na reunião. Durante as discussões para se chegar aos resultados do
quadro acima, tivemos um bom entrosamento com os professores, pois o fato de
estarmos fazendo parte do dia-a-dia da escola contribuiu para uma proximidade com
os sujeitos. Além disso, como a supervisora havia dito que os professores já tinham
experiência com esta prática de vincular suas ações em uma temática central e os
professores também mencionaram isso, não sentimos nenhuma resistência quanto à
atividade proposta.
Uma preocupação nossa era que os professores pudessem realmente utilizar
os assuntos trabalhados de maneira a deixar claro aos alunos outros enfoques, que
poderiam ser destacados na temática central do projeto. A discussão objetivava
enfatizar que o estudo dos Sistemas Respiratório e Excretório, vão além de
conhecer os órgãos, suas funções e como está estruturado, mas, sobretudo, que o
homem é um ser social e que está em relação constante com o meio (Geografia),
com o trabalho (História), consigo mesmo (valores – Ensino Religioso) e outros
fatores que ajudariam os estudantes a construírem um significado ao que estava
sendo estudado.
A partir dessas discussões, os professores trabalhariam os diferentes
enfoques com os estudantes, mas não iríamos com eles para a sala, cada um ficaria
responsável pelas suas atividades. Os professores que quisessem nossa
participação nas discussões e atividades poderiam solicitá-la e, referente a isso,
tivemos algumas experiências.
Partindo dos esclarecimentos da dinâmica que foi adotada neste momento da
pesquisa, os alunos poderiam nesta fase, relacionar o que foi estudado nos projetos
dos grupos com os enfoques mais amplos que seriam focados por cada disciplina.
Para tanto, relataremos as atividades desenvolvidas.
Língua Portuguesa
Na atividade de Língua Portuguesa o professor propôs aos alunos que a
partir dos assuntos estudados por cada grupo, escrevesse individualmente
curiosidades que conseguiram identificar durante a pesquisa, de maneira que os
alunos pudessem exercitar a sua capacidade de sistematização e escrita.
126
Nossa participação, nesta atividade aconteceu no momento de organizar as
curiosidades elaboradas pelos estudantes, pois o professor não tinha tempo
disponível para organizar com os alunos. Diante disso, no contra turno
acompanhamos um grupo que selecionava as curiosidades produzidas e outros que
digitavam as frases no laboratório de informática da escola.
Diante das curiosidades elaboradas pelos estudantes, apresentaremos
algumas delas conforme figura 26.
Figura 26: Curiosidades produzidas pelos alunos na disciplina de Língua Portuguesa
Matemática
Na disciplina de Matemática, o professor elaborou com os alunos gráficos
para representar os resultados obtidos na entrevista que os estudantes haviam
realizado sobre o tabagismo. Esta atividade foi escolhida em detrimento dos alunos
estarem estudando algumas noções de Estatística. O professor no final da atividade
realizada preparou os gráficos no computador para que a equipe que fosse falar do
tabagismo pudesse incluir na sua apresentação, no momento da divulgação da
pesquisa.
Nesta atividade não tivemos participação. Os gráficos produzidos estão
representados de acordo com a figura 27.
127
A idade que começaram a fumar
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
abaixo
de 18
anos
18 anos acima de
18 anos
Que tipo de pessoa mais o influenciou para iniciar a fumar?
36%
16%
26%
22%
0%
5%
10%
15%
20%
25%
30%
35%
40%
Amigos pessoas que fumam
em casa
pessoas que fumam
na rua e em festas
outros
Figura 27: Gráficos produzidos na disciplina de Matemática
História
Na disciplina de História, não tivemos participação, no entanto, a professora
discutiu com os alunos sobre: A Revolução Industrial e a propagação das doenças
respiratórias. A professora construiu com os alunos uma linha do tempo para
representar, durante a Revolução Industrial, os principais períodos de propagação
das doenças que afetavam o Sistema Respiratório. Para tanto, os alunos elaboraram
as linhas do tempo em grupos conforme figura 28.
128
Figura 28: Linhas do tempo construídas pelos alunos na disciplina de História
Geografia
Na disciplina de Geografia participamos das atividades. A professora propôs
uma discussão sobre a relação entre o homem e o Meio Ambiente, mostrando que
ambos exercem influência sobre o outro. Enfatizou que se o homem afeta o Meio
Ambiente com processos de desenvolvimento desequilibrados, acarretará doenças
para si próprio, pedindo que os alunos relacionassem as doenças que poderiam ser
causadas por esses fatores.
Os alunos, na disciplina em questão, construíram um painel explicativo da
relação existente entre o homem e o Meio Ambiente (Figura 29). Este painel foi
construído no contra turno, pois a professora não tinha tempo suficiente nas suas
aulas no turno vespertino para esta confecção. Contamos também com o auxílio de
uma mãe de aluno que ornamentou a estrutura do painel para que, a partir desta, os
alunos pudessem organizar as figuras e o tema.
129
Figura 29: Painel produzido pelos alunos na disciplina de Geografia
Língua Inglesa
A atividade desenvolvida com o componente curricular de Língua Inglesa
teve nosso envolvimento direto, pois como são poucas aulas destinadas a essa
disciplina o professor pediu nossa colaboração para trabalhar com os alunos
também em outro horário. A dinâmica adotada por este professor foi bem
interessante.
O professor utilizou um dos nossos encontros com os alunos, cujo tempo era
destinado ao seu planejamento para falar com os alunos e perguntar o que mais
gostavam de fazer. Ele perguntava: “Vocês gostam de cantar?” E os alunos iam
respondendo: “Eu não, mas o colega gosta”, “Eu sei cantar professor!” E o professor
continuava perguntando: “Quem gosta de dançar?” Umas meninas ficavam meio
tímidas, mas respondiam que sim. Até que ele perguntou: “E quem sabe desenhar?”
Foi o momento em que mais os alunos se manifestaram.
A partir dessa conversa decidiram que escreveriam uma história em
quadrinhos sobre os assuntos que estavam estudando no projeto Aprender
Pesquisando. Como o professor não tinha muito tempo com os alunos,
trabalhávamos junto com eles para dar os encaminhamentos necessários.
Nesta atividade contamos com a participação ativa do professor do laboratório
de informática, que digitalizava os desenhos dos alunos cada vez que iam sendo
produzidos, dando um formato de história em quadrinhos (Figura 30).
130
Figura 30: Professor do Laboratório de Informática digitalizando
a história em quadrinhos.
Desse modo, uma amostra da história em quadrinhos ficou representada de
acordo com a figura 31.
Figura 31: Amostra da história em quadrinhos produzida pelos alunos na disciplina de Língua Inglesa
131
O momento do enfoque globalizador foi muito rico por permitir a ampliação
das discussões e, principalmente, o envolvimento e o reconhecimento das diferentes
habilidades dos alunos. Foi possível perceber também, como os estudantes
desenvolveram uma concentração maior durante as atividades práticas e com
aquelas que têm afinidade, como: o desenho, a confecção do painel, a digitação das
curiosidades e outras atividades que realizaram durante todo o projeto.
Este momento também possibilitou que os estudantes visualizassem o
envolvimento dos outros professores nas ações que eles (alunos) já estavam
fazendo e, na nossa percepção, isso colaborou para que se sentissem mais
apoiados e seguros para o momento de divulgação.
Cada vez que nas outras disciplinas, os alunos conseguiam perceber as
relações entre os conceitos estudados isso lhes permitia um amadurecimento do
que estava em processo de aprendizagem. Quando os alunos sentiam-se mais
seguros quanto as suas conquistas, conseguiam superar os “seus medos”, que foi
um fator que percebemos muito presente durante o nosso percurso.
A partir dessa avaliação que fizemos do momento globalizador verificamos
que quanto mais os sujeitos da educação se envolvem coletivamente em prol de um
objetivo comum, percebemos a possibilidade de alcance das metas com mais
qualidade e eficácia, pois são esforços coletivos, que por serem mais fortes,
alcançam melhores resultados.
Carvalho e Gil-Pérez (2006, p.18) quando discutem sobre as necessidades
dos professores em possuir um sólido conhecimento sobre sua disciplina, assim
como o domínio da construção do conhecimento, advertem que:
[...] o trabalho docente tampouco é, ou melhor, não deveria ser uma tarefa isolada, e nenhum professor deve se sentir vencido por um conjunto de saberes que, com certeza, ultrapassam as possibilidades de um ser humano. O essencial é que possa ter-se um trabalho coletivo em todo o processo de ensino-aprendizagem: da preparação das aulas até a avaliação.
Como podemos verificar na afirmativa dos autores, os trabalhos coletivos
propiciam, certamente, uma riqueza de possibilidades de ampliar a qualidade do
processo ensino-aprendizagem e, aos professores, esta prática contribuiria
132
significativamente nos processos de planejamento e intervenção na superação dos
desafios do trabalho docente, melhorando também, as condições de aprendizagem
dos estudantes.
Porém, a forma de como a escola é estruturada, organizada, os resultados
que devem ser alcançados, principalmente com a pressão que cada vez mais
aumenta em torno dos rendimentos dos alunos, através das avaliações em nível
Nacional, Estadual e Municipal tem causado um clima de tensão entre os sujeitos da
escola. Fator este, que tem muitas vezes colaborado para a perca do foco da ação
educativa, até mesmo dificultando a visualização de estratégias para sanar as
dificuldades e ultrapassar com afinco os desafios que se apresentam no cotidiano
escolar.
Durante os meses que passamos acompanhando diariamente e, em dois
turnos, a dinâmica da escola, percebemos a organização, disciplina e
comprometimento dos profissionais em geral, contudo, nos parece que as
estratégias por carecerem de uma articulação coletiva e tempo disponível para isso,
até alcançam resultados positivos, mas as lacunas do processo deixam as suas
marcas de insatisfação entre os envolvidos na ação.
Os professores fazem suas atividades, especificamente de suas disciplinas,
participam dos inúmeros “projetos” que a escola desenvolve, mas não é oferecida as
condições para o trabalho coletivo.
As ações se concentram em um pequeno grupo “pensante” que se
sobrecarrega de atividades e, as atividades específicas que lhes compete fazer
ficam comprometidas, para que um grupo maior de “executores” desenvolvam
atividades sem uma participação ativa no planejamento e idealização dos projetos e
estratégias para a melhoria da escola.
Portanto, foram estas dificuldades que nos acompanharam durante a
intenção de se desenvolver um trabalho coletivo com os sujeitos da nossa pesquisa,
mas, como tínhamos certa liberdade nas ações com os alunos, fazendo uso do
contra turno, foi possível articularmos as atividades e, principalmente, sanar as
dificuldades dos professores com relação à escassez do tempo no momento do
enfoque globalizador.
133
3.1.5 Conclusões da pesquisa
Dando prosseguimento às fases de desenvolvimento do projeto Aprender
Pesquisando Sistemas Respiratório e Excretório, partimos para as conclusões da
pesquisa com os alunos. Este momento, antecedido pela socialização da temática,
construção dos subprojetos de pesquisa, realização de diferentes atividades e
momento globalizador, iniciou-se com a visualização e confronto dos problemas e
questões norteadoras de cada subprojeto em que todos reunidos no laboratório de
informática, com o auxílio do data-show, verificávamos se tínhamos conseguido
durante todo o processo de pesquisa responder ao que havíamos proposto no início,
com a construção dos subprojetos. Assim, este momento se caracterizaria como o
retorno para a temática geral (figura 32), organizando-se os resultados e as
conclusões alcançadas pelos estudantes.
Figura 32: Representação da dinâmica de retomada da temática central
134
Vale ressaltar que antes de iniciarmos esta atividade, havíamos construído,
coletivamente, em forma de apresentação no PowerPoint, as idéias principais
alcançadas com a pesquisa realizada por cada grupo, permitindo a visualização dos
resultados dos subprojetos por toda a turma, o que possibilitou avaliar coletivamente
se os objetivos da pesquisa haviam sido alcançados.
Cada vez que líamos uma questão norteadora, pedíamos que os estudantes
interagissem respondendo as questões oralmente, lembrávamos das atividades que
tínhamos feito para alcançar tal resposta e também intervimos em alguns momentos
que ocorriam erros conceituais durante as falas.
Neste momento, alteramos coletivamente, algumas questões nos
subprojetos que não estavam claras ou que não correspondiam ao que o grupo
realmente havia investigado e respondido. Essa situação só evidenciou-se nesse
momento coletivo, onde fomos capazes de perceber as incoerências das pesquisas.
O interessante é que todos ajudavam a melhorar o texto ou a intenção da escrita, já
que agora, a dinâmica do trabalho não acontecia em pequenos grupos, mas com
toda a turma.
Por outro lado, como esse momento ocorreu no horário normal da aula de
Ciências Naturais, percebemos também, que aqueles alunos que tiveram uma
participação muito acanhada durante o projeto, ou seja, aqueles que não vinham no
contra turno, que mesmo no turno de aula faltavam muito, ou ainda aqueles que se
mostraram resistente durante quase todo o andamento do projeto, não tinham
expressividade neste momento. Tal situação repetiu-se na fase da divulgação e nos
resultados da avaliação realizada pela professora de Ciências Naturais.
Desse modo, no final da discussão os alunos acabaram concluindo que os
problemas que os grupos haviam levantado foram respondidos pela pesquisa e,
portanto, os objetivos do projeto Aprender Pesquisando foram alcançados.
Depois de todas essas fases anteriormente citadas, começamos a organizar
o momento de divulgação da pesquisa.
135
3.1.6 Divulgação da pesquisa
Iniciamos este momento com inúmeras discussões com os alunos para
decidirmos como seria feita a socialização do projeto. No entanto, a preparação para
o momento da divulgação aconteceu durante todo o processo, à medida que os
produtos iam sendo construídos, como por exemplo, aqueles resultantes do
momento do enfoque globalizador e as apresentações feitas para o momento da
conclusão da pesquisa. Foram necessários vários encontros (cerca de uma semana)
para esta fase, principalmente porque os estudantes tinham uma resistência a este
momento, pois achavam que não iam conseguir falar, que iam passar vergonha
publicamente, diziam que iam faltar nesse dia, que iam adoecer, enfim, ouvíamos
todos os tipos de reclamações e justificativas.
Um elemento importante, ou melhor, fundamental para conquistar a adesão
dos alunos para esse momento da divulgação, foi a relação afetiva que
estabelecemos com eles ao longo do processo. Isso fez com que os alunos se
comprometessem com a divulgação, apesar de seus medos e limites.
Desse modo, superado este problema, planejamos coletivamente o
momento da divulgação, onde ficou decidido que todos nós seríamos uma única
equipe, apesar dos trabalhos terem sido realizados em grupos. Como todos
participávamos de um único projeto: Aprender Pesquisando Sistemas Respiratório e
Excretório, faríamos uma única apresentação, utilizando os slides elaborados
durante a fase final da pesquisa.
Ficou acordado que um aluno faria a apresentação do Projeto contando o
nosso percurso metodológico, que consistia em todas as atividades que realizamos
para aprender pesquisando os Sistemas Respiratório e Excretório com o registro das
fotos de cada atividade. Depois dessa apresentação seria explicado as ideias
principais que foram alcançadas nas pesquisas de cada subprojeto.
Posteriormente, teríamos a apresentação dos produtos elaborados nos
diferentes componentes curriculares, terminando com as considerações feitas por
alguns alunos sobre o que acharam desse processo de pesquisa.
Para isso, nos reuníamos para a preparação dos materiais necessários e
fizemos também uma prévia da apresentação, a pedido dos alunos para se sentirem
mais seguros. Assim, confeccionamos juntos os crachás, convites, painel,
136
organizamos os produtos e, no dia anterior, saímos com os alunos por algumas ruas
do bairro da escola, distribuindo os convites para a apresentação (figura 33).
Figura 33: Alunos convidando a comunidade para o momento da divulgação
A supervisora convidou as duas outras turmas de 8º ano para assistir e, os
alunos do 8º ano C, levaram convites para os seus familiares. A data da
apresentação que tinha sido marcada para um determinado dia, em detrimento de
uma viagem que a equipe técnica da escola ia fazer foi mudada para o dia seguinte,
no entanto, no dia agendado pela parte da tarde, a escola já tinha se comprometido
com uma atividade com um circo que estava na cidade e, que muitos alunos iam
participar, inclusive os dos 8º ano. Portanto, os alunos não aceitaram fazer a
divulgação nesse dia. Desse modo, a supervisora, mudou a apresentação para o
horário da manhã.
No entanto, todos os alunos dos 8º ano, como seus professores são do turno
vespertino, e, para não faltar o público foco que eram as turmas do 8º A e B, a
supervisora pediu que fizéssemos um questionário sobre a apresentação que a
turma faria, para que os outros professores cobrassem essa atividade dos alunos do
8º A e B, pois receberiam uma pequena pontuação para garantir a presença destes
no momento da divulgação do projeto.
Porém, essa mudança, não implica apenas nisso, os professores dos alunos
que trabalharam com eles no momento globalizador, também não participariam
porque trabalham em outra escola, no turno matutino, até a professora de Ciências
Naturais que acompanhou todo o processo. Como nenhum professor contestou a
supervisão da escola, falamos da importância da participação dos professores que
137
construíram com os alunos os produtos que seriam apresentados e também
mencionamos a necessidade da participação da professora de Ciências Naturais,
com quem tínhamos trabalhado diretamente. A resposta foi que ela já havia falado
com a professora de Ciências Naturais do 6º ano que iria nos acompanhar no que
precisássemos na organização no dia.
A professora de Ciências Naturais, ainda não conformada, pediu que a
supervisão da escola fizesse um documento solicitando-a da outra escola que
trabalhava no turno matutino para que pelo menos ela pudesse participar da
apresentação dos alunos, já que a escola sempre quando precisava fazia esse
documento, mas também esse pedido foi negado.
Esses contratempos todos aconteceram em função de uma viagem, porque
a direção e supervisão da escola queriam participar da apresentação dos alunos,
mas que acabou não acontecendo a viagem na data prevista e esta se deu
justamente no dia da apresentação dos alunos, ou seja, somente quem assistiu o
momento da divulgação da pesquisa foram as turmas dos alunos da 8º A e B, dois
pais de aluno, a professora de Ciências do 6º ano e a professora deles de Ciências
Naturais que faltou trabalho neste dia para não faltar com respeito para com os seus
alunos.
Durante a apresentação, os alunos se saíram muito bem (figura 34), alguns
ficaram nervosos, mas é natural, outros fizeram um grande esforço para falar,
fizemos em alguns momentos algumas intervenções quando eles se confundiam em
algum conceito, mas foi muito bom o resultado alcançado pela turma.
Figura 34: Alunos apresentando os resultados do projeto Aprender Pesquisando
138
Toda a apresentação foi filmada e, no final, depois que os convidados
saíram, fizemos um círculo e pedimos para cada um dos alunos falarem o que
acharam de todo o processo de desenvolvimento do nosso projeto, também pedimos
para a professora de Ciências Naturais da turma dar a suas considerações e, por
fim, também nós fizemos nossas considerações e agradecimentos (figura 35).
Figura 35: Momento de avaliação do projeto Aprender Pesquisando
Marcamos com os alunos, que assim que o material da filmagem ficasse
pronto retornaríamos para assistirmos juntos, pois iríamos solicitar da supervisão
para fazermos esta atividade. Eles gostaram muito da idéia.
3.1.7 Avaliação do projeto Aprender Pesquisando
Neste momento da avaliação da pesquisa relataremos as falas dos alunos e
da professora, quando teceram suas considerações a respeito do desenvolvimento
do projeto e de seus resultados como podemos observar acima na figura 34.
Para além dos processos de aprendizagem dos conceitos trabalhados na
disciplina de Ciências Naturais, outras habilidades e capacidades foram
desenvolvidas. A este respeito, a fala dos alunos que foram registradas na filmagem,
139
durante a roda de avaliação que fizemos depois da fase de divulgação, foi muito
importante para termos um feedback do que eles conseguiram construir
internamente sobre as experiências vivenciadas, em que se reportavam ao que
haviam pensado antes e durante, confrontando com os resultados.
Citaremos algumas dessas falas para conhecermos mais de perto quais
foram às impressões dos alunos construídas durante o processo e que se
manifestaram no final através das considerações relatadas quando questionados a
respeito do que sentiram, o que aprenderam, ou seja, suas considerações sobre o
desenvolvimento do projeto.
Um estudante começou dizendo: “O trabalho veio para gente se empenhar
mais, a gente tava afastado, ninguém se interessava a estudar Ciências aí veio pra
ajudar mais, né, a aprender”. Os estudantes na maioria das falas, mesmo não sendo
citadas todas, reconhecem que não havia interesse algum para estudar Ciências
Naturais e, nos seus depoimentos demonstram que não são mais os mesmos, pois
vivenciaram experiências que ressignificaram suas concepções.
Outro aluno disse: “O trabalho foi bem interessante pra mim, a gente tava
desinteressado para a atividade de Ciências, muitos disseram que nem vinham, nem
eu, mas foi bom o trabalho, todo mundo veio”. O medo de falar era tão presente
durante o processo, que os próprios alunos se surpreenderam quando, no final,
dezenove estudantes participaram e, eles mesmos reconheciam que estavam
dispostos a não participar do momento da divulgação.
Como a maioria dos estudantes tinha internalizado que não eram capazes e
que a turma deles era a pior da escola, percebemos isso em uma das falas dos
alunos quando diz que “Além da nossa sala ser a pior, a gente ainda conseguiu
realizar esse trabalho que a gente pensava que nem íamos conseguir”. Da mesma
forma, outro aluno se mostrava muito satisfeito em ter conseguido apresentar e
disse: “[...] eu gostei muito de vir de manhã e, chegar hoje, cumprir meu papel de
apresentar aí na frente”.
Percebemos com essas falas que a imagem que os alunos tinham de si
mesmos começa a modificar quando reconhecem que cumpriram o seu papel. É no
momento da divulgação que eles conseguem perceber o quanto progrediram, como
foram capazes de se expressar, falar de suas conquistas.
140
Um aluno enfatizou em sua fala que havia gostado da fase do enfoque
globalizador, por ter proporcionado aprendizados diferentes, de acordo com cada
disciplina, e se posicionou dizendo,
Eu achei legal. Desde o início a aula foi muito boa para desenvolver um pouco mais a nossa capacidade de aprender, mais agora eu achei legal porque nos últimos dias em cada matéria a gente aprendeu um pouco, como em História a gente aprendeu a fazer uma linha do tempo e, na matéria de Matemática como montar um gráfico, e...deixa eu ver, Geografia, todo mundo sabe, é o painel, e de Português a gente aprendeu o que é uma curiosidade e como a gente faz [...] e na Ciência eu acho que vai reforçar mais um pouco no terceiro bimestre, mas graças a senhora e a todos que vieram participar.
Verificamos como os alunos acharam interessante a diversidade das
atividades com os diferentes componentes curriculares, pois neste momento, as
discussões e atividades foram se ampliando, tornado o processo mais interessante e
significativo.
Uma aluna ao dar suas considerações relatou um fator curioso, pois mesmo
estando quase no final do primeiro semestre de aula, ainda não conhecia muitos de
seus colegas, nunca tinha conversado com muitos deles, neste sentido, disse que:
[...] Foi bom porque eu vim ter convivência com pessoas que eu não tinha na sala de aula, e ainda nem tenho, eu falo com alguns mais ou menos ainda, e eu aprendi muita coisa sobre o sistema respiratório. Meu trabalho foi péssimo, mas eu consegui recuperar na paralela. E, porque eu tava com uma coisa na minha cabeça que eu não sabia qual a faculdade que eu queria fazer, mas agora eu já me decidi, eu vou fazer a de Ciências Biológicas.
Percebemos com o desenvolvimento desse projeto, fazendo uma análise com
a própria professora de Ciências Naturais do 8º ano C, e pelas falas dos alunos, que
as melhoras são paulatinas, principalmente pelo histórico dos sujeitos, e como eram
vistos, pois tinham dificuldades em decodificar os códigos lingüísticos e
compreender os textos. Na escrita precisavam de nossa mediação. Isso também foi
percebido durante a construção dos subprojetos, nos momentos que digitávamos o
que eles falavam, ajudávamos a arrumarem as frases, ou seja, é um trabalho que
exige tempo e, tempo, parece que é o que menos se tem na cultura da escola
quando se trata de um trabalho específico para a aprendizagem.
141
Apesar de não ouvirmos os professores das demais áreas, por conta de que
não puderam participar do momento final da divulgação e avaliação coletiva, temos
o depoimento da professora de Ciências Naturais, que ao avaliar o desenvolvimento
do projeto e empenho dos alunos disse que:
[...] eu percebo que vocês avançaram muito e é do coração, até porque o 8º ano “C” era uma série crítica e todos vocês vão concordar comigo. Alunos desinteressados, não conseguíamos dar aula, né? Esse aprender pesquisando, ele não pode parar aqui, ele tem que permanecer nos outros conceitos [...], em todas as disciplinas, pois através do projeto vocês perceberam que um assunto como os Sistemas Respiratório e Excretório, pode entrar em todas as disciplinas. [...] Eu vejo que vocês devem trabalhar essa mudança dentro de vocês, porque vocês mostraram hoje, mesmo gaguejando, mesmo envergonhados [...] que são capazes de realizar. [...] eu fiquei feliz quando a menina colocou que ela queria fazer faculdade de Ciências Biológicas, quer dizer que este trabalho ampliou o pensamento de vocês. [...] Eu acredito que esse trabalho influenciou o comportamento deles e eu espero, estou pensando positivamente que, a partir de hoje nós vamos ter um novo 8º ano “C” em todas as disciplinas [...].
A fala da professora em alguns momentos apresenta similaridades com a dos
estudantes, no sentido do diagnóstico da turma. Ressalta também a mudança de
comportamento, conseguiu visualizar o empenho e esforço dos alunos que, no
decorrer do percurso foram aumentando seu nível de participação. No entanto, esta
fala nos fez refletir em uma visão que não é apenas dessa professora, mas também
de muitos professores e do corpo técnico da escola, que os resultados da
aprendizagem estão condicionados, exclusivamente, à postura, empenho e
interesse dos alunos, não sendo mencionado, em nenhum momento, as condições
propícias, que efetivamente, contribua com processos pedagógicos que vislumbre as
necessidades dos educandos, não apenas faça cobranças mas, sobretudo, ofereça
oportunidades.
A partir da avaliação com os alunos e com a professora de Ciências
Naturais, faremos nossas constatações apresentando as principais reflexões que
verificamos no decorrer do processo da pesquisa.
142
3.2 Sistematização das constatações
Partindo das avaliações que ocorreram durante todo o processo de
pesquisa, por meio da observação participante, nos diferentes momentos de
execução do projeto Aprender Pesquisando, verificamos o progresso dos alunos, no
que concerne à participação deles nas atividades.
Podemos citar, como exemplo, a fala de um aluno, que comprova o nível de
resistência para o envolvimento nas atividades, quando questionado a respeito do
que estava achando do projeto:
Eu não tenho nada pra falar porque eu não pesquisei, pois eu só tava bagunçando, não participei da visita ao laboratório da UFAM, e durante a manhã, quando eu venho, eu não faço nada porque eu não sinto vontade, porque eu acho difícil e não compreendo as coisas fácil, mas vou procurar melhorar ajudando o meu grupo a explicar e para isso vou ter que estudar.
Apesar da fala deste aluno mostrar que ele não tinha vontade de participar,
até porque, como ele disse, não compreendia as coisas facilmente, mas algum
motivo estava contribuindo para que ele começasse a participar das atividades,
dizendo que ajudaria o seu grupo. Portanto, o primeiro ponto a ser constatado é que,
apesar de ter existido uma resistência inicial, com o decorrer da nossa proximidade
com os alunos essas barreiras foram se dissipando, uma vez que procurávamos
ouvir suas necessidades concernentes às dificuldades de entendimento, para
verificarmos estratégias de superação.
As necessidades sentidas pelos alunos foram os fatores principais que
nortearam nossas ações. Referente a este aspecto, comprovamos que, apesar da
proposta do projeto Aprender Pesquisando ser constituída de momentos distintos,
estes se entrelaçavam e se caracterizavam partindo da interação entre os sujeitos.
A esse respeito, Moura e Barbosa (2008, p.18) afirmam que “os projetos
representam um caminho para a introdução de mudanças e inovações nas
organizações humanas”, ou seja, um processo vivo de construção que tivemos a
preocupação em não descaracterizar durante a nossa prática. Como enfatizam os
143
autores, muitos projetos sucumbiriam se fossem reduzidos a atividades rotineiras ou
atividades funcionais do sistema.
Outra constatação é que o trabalho com a Pedagogia de Projetos, partindo
de um processo de construção permanente, necessita de tempo disponível para
reflexão e pesquisa. Neste aspecto, como o tempo das aulas de Ciências era
insuficiente para a realização de todas as atividades, tivemos que utilizar o período
da manhã, para dar continuidade aos procedimentos. Logo, o trabalho de
investigação, para ser legitimado no cotidiano escolar, necessitará de uma
organização do tempo pedagógico com todos os sujeitos da escola.
O trabalho envolvendo os sujeitos da escola também é um fator desafiador,
tendo em vista que as ações coletivas implicam em negociações, processos
democráticos de participação, o que geralmente não caracteriza a gestão dos
trabalhos pedagógicos. Em contrapartida, a Pedagogia de Projetos é caracterizada
por tais processos, necessitando de uma articulação entre a gestão pedagógica e o
trabalho com aquela.
Referente ainda às questões do trabalho coletivo, ressaltamos o quanto foi
importante o momento globalizador, enfatizando-se dois motivos: o primeiro por ter
proporcionado o envolvimento de todos os professores, o que permitiu uma reflexão
coletiva em torno de melhores estratégias que contribuíssem nas dimensões de
diferentes discussões. O segundo motivo foram os momentos de ampliação das
discussões seguidos de sistematização dos resultados com a elaboração dos
processos e produtos em cada disciplina, permitindo que os alunos pudessem
visualizar suas conquistas. Behens (2006) reforça essa idéia, dizendo que o termo
enfoque globalizador deve ser utilizado de maneira que ressignifique a forma de
organizar os conteúdos a partir de uma concepção complexa ou holística de ensino,
considerando a relevância social, que deve caracterizar este trabalho, uma vez que
se apóia na abordagem progressista, por meio da ampliação da visão de mundo dos
envolvidos, ao serem capazes de compreenderem em que medida tais
conhecimentos construídos podem lhes ajudar a viver mais dignamente.
Além dos processos de interação com os diferentes saberes e com
estratégias de ensino, que permitiram a construção gradual dos diferentes tipos de
aprendizagem (POZO, 2002), também verificamos, após o término do projeto,
através de questionário fechado, se os alunos conseguiam reconhecer alguns dos
conceitos trabalhados durante a pesquisa. Referente a essa verificação, ressaltamos
144
que, no dia após a divulgação do projeto foi realizada a aplicação do questionário
em que estavam presentes 14 alunos. A partir das respostas, obtivemos os
seguintes resultados:
Figura 36: Amostra dos resultados dos conceitos reconhecidos na disciplina de Ciências
Naturais.
Percebemos, como mostra a figura, que 63% conseguiram reconhecer os
conceitos estudados. No entanto, quando fomos verificar com os estudantes as
respostas de cada um, muitos se surpreendiam quando conferiam que haviam se
equivocado em algumas respostas. Observamos que os alunos, durante o momento
de análise das respostas, refletiam sobre porque haviam se confundido, muitos dos
casos relacionava-se as palavras que não recordavam o significado. Portanto,
alcançamos um bom resultado, principalmente por conta da articulação durante o
processo na construção dos conhecimentos.
A respeito das diferentes atividades que procuramos desenvolver com os
alunos, para garantir a diversidade dos processos que poderiam contribuir a
aprendizagem, Vygotsky (1998, p. 72 e 73) ressalta que: “A formação de conceitos é
uma atividade complexa, em que todas as funções intelectuais básicas tomam
parte”. A partir da fala de Vygotsky (1998), considerando a complexidade da
formação de conceitos, constatamos que a Pedagogia de Projetos por meio dos
problemas de pesquisa motivou a busca de respostas, ao contribuir para a formação
de conceitos em Ciências Naturais como um mecanismo desencadeador de
145
processos mais apurados de reflexão que estimula a articulação das funções
intelectuais básicas.
Com base nas constatações que chegamos, com ênfase nos processos que
a dinâmica da Pedagogia de Projetos proporcionou, ressignificada a partir da
pesquisa-ação, quanto à aprendizagem de conceitos na disciplina de Ciências
Naturais, optamos em construir um processofólio, de maneira a ressaltar o percurso
que foi vivenciado pelos sujeitos da pesquisa. De acordo com Nogueira (2003), ao
se reportar aos estudos de Gardner, diz que o processofólio é a melhor forma
possível de avaliar e propiciar a auto-avaliação qualitativamente e continuamente
durante e no final de uma sequência de projetos, por incluir não só os melhores
momentos, mas sim todos os momentos.
Como nosso mestrado é de caráter profissional e precisamos apresentar um
produto que possa contribuir ao Ensino de Ciências na Amazônia, pensamos no
processofólio com uma estrutura digital, uma vez que os registros do percurso da
investigação dos alunos permitiram-nos sistematizar uma coletânea dos processos e
produtos construídos pelos estudantes. Este material poderá contribuir como
subsídio a prática docente, sendo de fácil acesso e manuseio dos professores, a fim
de conhecerem uma alternativa para a utilização da Pedagogia de Projetos no
Ensino de Ciências.